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de 20 a 26 de setembro de 2012 9 cultura Márcio Boaro O NOME DA Senadora Marta Suplicy para o Ministério da Cultura, substituin- do a cantora Ana Buarque de Hollanda, causou surpresa para as pessoas ligadas aos Movimentos de Teatro de Grupo e pede uma avaliação. Uma das últimas pastas a ter o nome escolhido pela presidenta Dilma, o MinC foi para Ana Buarque de Hollanda, que parecia ser o nome perfeito: cantora e compositora com carreira sólida, funcio- nária da Funarte desde os primeiros anos do governo Lula, além de ser lha de Sér- gio Buarque de Hollanda, fundador do PT, e irmã de Chico Buarque. Um minis- tério com perl diferente do anterior, do ex-ministro Juca Ferreira (liado ao PV, assim como antes dele Gilberto Gil), pela primeira vez um ministério “petista”. Logo nos primeiros meses de seu mandato houve severas críticas por conta da ex-ministra ter freado a con- dução da reforma da Lei do Direito Au- toral, o que causou um começo de ges- tão difícil e a colocou numa situação re- cuada em relação ao parlamento. A ex- ministra foi obrigada a adotar uma pos- tura defensiva e isto dicultou a busca por mais investimentos. Em março de 2011 a então ministra Ana de Hollanda compareceu ao Con- gresso Nacional de Teatro realizado em Osasco; os participantes demonstraram descontentamento com os rumos da po- lítica cultural dos últimos anos e da “re- forma da Lei Rouanet” (Procultura). A maioria dizia querer o m das leis de in- centivo via renúncia scal. A ministra, acompanhada do presidente da Funarte e de alguns secretários, ouviu as críticas, fez um discurso dizendo que iria apoiar as solicitações. Em julho de 2011, os Movimentos de Teatro de Grupo, avaliando que as rei- vindicações não estavam andando, que a pasta estava com verba inferior à do ano anterior e que nem mesmo os editais chamados “tradicionais” (Myriam Mu- niz, Klauss Vianna e Carequinha) haviam sido lançados, decidiram realizar um ato para chamar a atenção a estas questões: ocupar a sede da Funarte de São Paulo. Depois desta ação simbólica que durou 8 dias, na saída mais de 400 artistas cria- ram um cortejo teatral que deslou até a sede do Itaú Cultural na Av. Paulista. O destino foi escolhido para simbolizar a repulsa dos grupos à mercantilização da cultura: os movimentos queriam deixar claro que o processo de mercantilização da cultura devia parar. Os 20 meses da gestão Ana de Hollan- da foram difíceis. No primeiro ano ela teve verba inferior à da gestão anterior e boa parte comprometida por obriga- ções geradas em 2010. Isto causou mui- ta pressão externa. As discussões da Lei do Direito Autoral foram intensas. O projeto do Procultura sofreu muitas al- terações e seu texto passou a ter meca- nismos de renúncia scal próximos aos da Lei Rouanet; grande parte dos “avan- ços”, discutidos com toda sociedade por anos, foram abandonados nas negocia- ções com os representantes dos grandes produtores, o mercado falou alto e con- seguiu muito do que queria. Para entendermos a evolução do MinC durante estes anos, é interessante ava- liarmos que o primeiro orçamento do ministério no início da gestão petista, em 2003, foi de R$ 397,4 milhões. Já no último ano do segundo mandato de Lula chegou a R$ 2,29 bilhões. O orçamento da pasta teve sete anos de alta com Lula, mas teve uma redução no primeiro ano de Dilma Rousseff, de R$ 2,29 bilhões em 2010 para R$ 2,13 em 2011 e R$ 2,1 para 2012. Depois de uma carta ao Mi- nistério do Planejamento reclamando do orçamento de sua pasta, a ex-minis- tra conseguiu nos últimos dias de sua gestão uma perspectiva de elevação dos recursos destinados a sua área em 2013 para R$ 2,83 bilhões. Embora pareça uma elevação substan- cial, é preciso lembrar que o ex-presiden- te Lula, no início de sua gestão, armou que elevaria os investimentos da pasta para 1% do orçamento da União, incluin- do gastos com pessoal, custeio e investi- mentos. Em 2003 o percentual do MinC era de 0,08% do total; em 2010, foi de 0,23%. O percentual de 1% é o valor mí- nimo de referência da ONU para investi- mento em Cultura, ou seja, por mais que tenhamos tido aumentos de verbas nos últimos anos, é ainda somente uma fra- ção do que seria indicado. Para imaginarmos o que vai ser a ges- tão Marta Suplicy, cabe um breve resu- mo do que foi sua atuação na prefeitura no que tange à Cultura. Logo no primei- ro ano houve discussões com os movi- mentos e começou-se a formar um pro- jeto estrutural para cidade. Em diálogo com os movimentos e alguns vereado- res criou-se o Teatro Vocacional, o VAI, o Programa de Fomento ao Teatro e ou- tras iniciativas. Foram ainda criados os CEUS, cada um com uma sala de 400 lu- gares e todo o equipamento, e os teatros distritais eram administrados em parce- rias com grupos de teatro que tivessem projetos de pesquisa relevantes. Existem claras diferenças de tempe- ramento e de histórico entre a Ana de Hollanda e Marta Suplicy, e elas talvez contem a favor da atual ministra, mas devemos considerar que será a mesma pasta no mesmo governo e que muitos problemas vão persistir: a atual minis- tra terá uma verba superior, mas insu- ciente; ela tem maior contato e traque- jo nas relações com o legislativo, mas a linha geral do governo deve ser a mes- ma. Por outro lado, não é segredo que Marta Suplicy tem pretensões ao gover- no de São Paulo, e por conta disso de- ve se esforçar para fazer uma gestão de destaque. Se ouvir os movimentos so- ciais, a Ministra tem a chance de fazer uma grande gestão, freando o processo de mercantilização da cultura. Cultura não é Mercadoria. Márcio Boaro é diretor da Companhia Ocamorana de Teatro. Heloisa Bio de São Paulo (SP) ARTE E POLÍTICA andam juntas quan- do a trajetória do artista é coerente com seu momento histórico e com seu pró- prio percurso pessoal, independente de rótulos e tendências artísticas. É assim na obra da artista plástica Marlene Cres- po, que nos primeiros anos do regime militar já ilustrava publicações e jornais de cunho político-social, até o desenvol- vimento de um extenso trabalho ligado às raízes da cultura popular brasileira, nas duas últimas décadas. Para além da resistência política, que nas décadas de 1970 e 1980 se fez pre- sente nas ilustrações do jornal Movi- mento e nos alternativos Versus, Em Tempo e Porantim, o engajamento ar- tístico se dá pelos temas trabalhados em técnicas como a gravura e a arte têxtil, democráticas por sua capacidade de re- produção. Na obra de Marlene, a temá- tica popular surge numa série de guras, animais e seres provenientes do universo mítico da cultura brasileira. Há décadas, a artista é inspirada pelas raízes brasi- leiras, aprofundando-se aos poucos nas lendas e tradições que resgatam parte da memória nacional, expressas em seu tra- balho gráco e também em livros tradu- zidos para o inglês, espanhol e japonês. No mês de agosto, ela lançou na Li- vraria da Vila, em São Paulo, o livro Curupira – o guardião da oresta, pe- la Editora Peirópolis, sobre o encanta- do que usa seus poderes a favor da pro- teção das matas e dos seres que nela habitam. Poesia e gravura caminham juntas para revelar o universo folclóri- co de Curupira. “Penso que as gravuras remetem ao cordel nordestino, do qual sofri inuência, e acabam por valorizar o tema. A gravura deste livro dependeu de estudo anterior, assim precisei pes- quisar as lendas, e aos poucos criar as imagens dos seres e animais. Na ver- dade, o texto antecede as imagens, mas podem dialogar e mudar durante o ca- minho”, conta Marlene sobre seu pro- cesso criativo. Curupira é o terceiro elemento de uma trilogia composta por outros dois livros, Saci, o espírito da selva e Ie- manjá, a deusa do mar, publicados res- pectivamente em 1999 e 2002. O estudo dos mitos permite ao leitor, tanto infan- til como adulto, viajar pelo habitat des- ses seres e perceber mais do que ape- nas uma história fantástica, mas o mi- to ligado aos ciclos de transformação da vida e de preservação dos elemen- tos naturais. Se a lenda do saci remonta à oresta amazônica, com suas águas, plantas e bichos, Iemanjá é a divinda- de mais popular das religiões afro-bra- sileiras, com sua origem africana e ex- pressão como mãe protetora tendo si- do perseguidas pela autora durante a criação. A escrita poética é anterior às artes grácas na trajetória de Marle- ne, que se formou em Letras Neolati- nas pela Faculdade Nacional de Filoso- a, no Rio de Janeiro, mas escreveu po- esia a vida inteira em seu caminho ar- tístico. Tanto que prepara um projeto em que pretende ilustrar seus desenhos com os poemas, ao contrário do habi- tual. Mas é por meio da técnica da gra- vura que sua obra se faz essencialmen- te brasileira. De todas as artes, a gravu- ra é a que mais se desenvolve no Bra- sil, segundo o professor e crítico de ar- te Leon Kossovitch, e enquanto no res- to do mundo esta técnica praticamente desapareceu, é aqui que permanece vi- va, sendo o campo mais forte das artes plásticas que não faz “concessões inter- nacionais”, segundo ele. O desejo de transmitir o rico univer- so das raízes brasileiras e a evocação de “uma vida simples” faz parte do proje- to de livros infantis e de arte, ao mesmo tempo em que se busca valorizar a arte em exposições para o grande público, como as mostras itinerantes realizadas nas estações de trem e metrô em 2006. “O acesso à cultura provoca a reexão nas pessoas e a visão sobre meu traba- lho, pelo retorno positivo e pelas críti- cas que levam a amadurecer para novas ideias e possibilidades”. Nesse sentido, uma das últimas aven- turas da artista diz respeito a ilustra- ções para o livro Nove Histórias Minei- ras, que remete aos conteúdos dos jor- nais alternativos de combate à ditadura militar. São nove histórias de vida que dão voz a quem não a tem por condição social ou idade, de autoria do lho da artista, o jornalista Bruno Fuser. Cultura não é mercadoria OPINIÃO Marta Suplicy substituiu Ana Buarque de Hollanda no Minc; se ouvir os movimentos sociais, a ministra tem a chance de fazer uma grande gestão, freando o processo de mercantilização da cultura Curupira, o guardião da floresta Lançamento da artista plástica Marlene Crespo remete a décadas de obra inspirada na tradição popular brasileira Enquanto no restante do mundo esta técnica praticamente desapareceu, é aqui que permanece viva LIVRO Logo nos primeiros meses de seu mandato houve severas críticas por conta da ex-ministra ter freado a condução da reforma da Lei do Direito Autoral Os 20 meses da gestão Ana de Hollanda foram difíceis. No primeiro ano ela teve verba inferior à da gestão anterior e boa parte comprometida por obrigações geradas em 2010 O orçamento da pasta teve sete anos de alta com Lula, mas teve uma redução no primeiro ano de Dilma Rousseff Curupira é o terceiro elemento de uma trilogia composta por outros dois livros, “Saci, o espírito da selva” e “Iemanjá, a deusa do mar”, publicados respectivamente em 1999 e 2002 Wilson Dias/ABr Sai Ana Buarque de Hollanda, entra Marta Suplicy: expectativas de mudança nos rumos do MinC

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de 20 a 26 de setembro de 2012 9cultura

Márcio Boaro

O NOME DA Senadora Marta Suplicy para o Ministério da Cultura, substituin-do a cantora Ana Buarque de Hollanda, causou surpresa para as pessoas ligadas aos Movimentos de Teatro de Grupo e pede uma avaliação.

Uma das últimas pastas a ter o nome escolhido pela presidenta Dilma, o MinC foi para Ana Buarque de Hollanda, que parecia ser o nome perfeito: cantora e compositora com carreira sólida, funcio-nária da Funarte desde os primeiros anos do governo Lula, além de ser fi lha de Sér-gio Buarque de Hollanda, fundador do PT, e irmã de Chico Buarque. Um minis-tério com perfi l diferente do anterior, do ex-ministro Juca Ferreira (fi liado ao PV, assim como antes dele Gilberto Gil), pela primeira vez um ministério “petista”.

Logo nos primeiros meses de seu mandato houve severas críticas por conta da ex-ministra ter freado a con-dução da reforma da Lei do Direito Au-toral, o que causou um começo de ges-tão difícil e a colocou numa situação re-cuada em relação ao parlamento. A ex-ministra foi obrigada a adotar uma pos-tura defensiva e isto difi cultou a busca por mais investimentos.

Em março de 2011 a então ministra Ana de Hollanda compareceu ao Con-gresso Nacional de Teatro realizado em Osasco; os participantes demonstraram descontentamento com os rumos da po-lítica cultural dos últimos anos e da “re-forma da Lei Rouanet” (Procultura). A

maioria dizia querer o fi m das leis de in-centivo via renúncia fi scal. A ministra, acompanhada do presidente da Funarte e de alguns secretários, ouviu as críticas, fez um discurso dizendo que iria apoiar as solicitações.

Em julho de 2011, os Movimentos de Teatro de Grupo, avaliando que as rei-vindicações não estavam andando, que a pasta estava com verba inferior à do ano anterior e que nem mesmo os editais chamados “tradicionais” (Myriam Mu-niz, Klauss Vianna e Carequinha) haviam sido lançados, decidiram realizar um ato para chamar a atenção a estas questões: ocupar a sede da Funarte de São Paulo. Depois desta ação simbólica que durou 8 dias, na saída mais de 400 artistas cria-ram um cortejo teatral que desfi lou até a sede do Itaú Cultural na Av. Paulista. O destino foi escolhido para simbolizar a repulsa dos grupos à mercantilização da cultura: os movimentos queriam deixar claro que o processo de mercantilização da cultura devia parar.

Os 20 meses da gestão Ana de Hollan-da foram difíceis. No primeiro ano ela teve verba inferior à da gestão anterior e boa parte comprometida por obriga-ções geradas em 2010. Isto causou mui-ta pressão externa. As discussões da Lei do Direito Autoral foram intensas. O projeto do Procultura sofreu muitas al-terações e seu texto passou a ter meca-nismos de renúncia fi scal próximos aos da Lei Rouanet; grande parte dos “avan-

ços”, discutidos com toda sociedade por anos, foram abandonados nas negocia-ções com os representantes dos grandes produtores, o mercado falou alto e con-seguiu muito do que queria.

Para entendermos a evolução do MinC durante estes anos, é interessante ava-liarmos que o primeiro orçamento do ministério no início da gestão petista, em 2003, foi de R$ 397,4 milhões. Já no último ano do segundo mandato de Lula chegou a R$ 2,29 bilhões. O orçamento da pasta teve sete anos de alta com Lula, mas teve uma redução no primeiro ano de Dilma Rousseff, de R$ 2,29 bilhões em 2010 para R$ 2,13 em 2011 e R$ 2,1 para 2012. Depois de uma carta ao Mi-nistério do Planejamento reclamando do orçamento de sua pasta, a ex-minis-tra conseguiu nos últimos dias de sua

gestão uma perspectiva de elevação dos recursos destinados a sua área em 2013 para R$ 2,83 bilhões.

Embora pareça uma elevação substan-cial, é preciso lembrar que o ex-presiden-te Lula, no início de sua gestão, afi rmou que elevaria os investimentos da pasta para 1% do orçamento da União, incluin-do gastos com pessoal, custeio e investi-mentos. Em 2003 o percentual do MinC era de 0,08% do total; em 2010, foi de 0,23%. O percentual de 1% é o valor mí-nimo de referência da ONU para investi-mento em Cultura, ou seja, por mais que tenhamos tido aumentos de verbas nos últimos anos, é ainda somente uma fra-ção do que seria indicado.

Para imaginarmos o que vai ser a ges-tão Marta Suplicy, cabe um breve resu-mo do que foi sua atuação na prefeitura no que tange à Cultura. Logo no primei-ro ano houve discussões com os movi-mentos e começou-se a formar um pro-jeto estrutural para cidade. Em diálogo com os movimentos e alguns vereado-res criou-se o Teatro Vocacional, o VAI, o Programa de Fomento ao Teatro e ou-tras iniciativas. Foram ainda criados os CEUS, cada um com uma sala de 400 lu-gares e todo o equipamento, e os teatros distritais eram administrados em parce-rias com grupos de teatro que tivessem projetos de pesquisa relevantes.

Existem claras diferenças de tempe-ramento e de histórico entre a Ana de Hollanda e Marta Suplicy, e elas talvez contem a favor da atual ministra, mas devemos considerar que será a mesma pasta no mesmo governo e que muitos problemas vão persistir: a atual minis-tra terá uma verba superior, mas insu-fi ciente; ela tem maior contato e traque-jo nas relações com o legislativo, mas a linha geral do governo deve ser a mes-ma. Por outro lado, não é segredo que Marta Suplicy tem pretensões ao gover-no de São Paulo, e por conta disso de-ve se esforçar para fazer uma gestão de destaque. Se ouvir os movimentos so-ciais, a Ministra tem a chance de fazer uma grande gestão, freando o processo de mercantilização da cultura.

Cultura não é Mercadoria.

Márcio Boaro é diretor da Companhia Ocamorana de Teatro.

Heloisa Biode São Paulo (SP)

ARTE E POLÍTICA andam juntas quan-do a trajetória do artista é coerente com seu momento histórico e com seu pró-prio percurso pessoal, independente de rótulos e tendências artísticas. É assim na obra da artista plástica Marlene Cres-po, que nos primeiros anos do regime militar já ilustrava publicações e jornais de cunho político-social, até o desenvol-vimento de um extenso trabalho ligado às raízes da cultura popular brasileira, nas duas últimas décadas.

Para além da resistência política, que nas décadas de 1970 e 1980 se fez pre-sente nas ilustrações do jornal Movi-mento e nos alternativos Versus, Em Tempo e Porantim, o engajamento ar-tístico se dá pelos temas trabalhados em técnicas como a gravura e a arte têxtil, democráticas por sua capacidade de re-produção. Na obra de Marlene, a temá-tica popular surge numa série de fi guras, animais e seres provenientes do universo mítico da cultura brasileira. Há décadas, a artista é inspirada pelas raízes brasi-leiras, aprofundando-se aos poucos nas lendas e tradições que resgatam parte da memória nacional, expressas em seu tra-balho gráfi co e também em livros tradu-zidos para o inglês, espanhol e japonês.

No mês de agosto, ela lançou na Li-vraria da Vila, em São Paulo, o livro Curupira – o guardião da fl oresta, pe-la Editora Peirópolis, sobre o encanta-do que usa seus poderes a favor da pro-teção das matas e dos seres que nela habitam. Poesia e gravura caminham juntas para revelar o universo folclóri-co de Curupira. “Penso que as gravuras remetem ao cordel nordestino, do qual sofri infl uência, e acabam por valorizar o tema. A gravura deste livro dependeu de estudo anterior, assim precisei pes-quisar as lendas, e aos poucos criar as imagens dos seres e animais. Na ver-dade, o texto antecede as imagens, mas podem dialogar e mudar durante o ca-minho”, conta Marlene sobre seu pro-cesso criativo.

Curupira é o terceiro elemento de uma trilogia composta por outros dois livros, Saci, o espírito da selva e Ie-manjá, a deusa do mar, publicados res-pectivamente em 1999 e 2002. O estudo dos mitos permite ao leitor, tanto infan-til como adulto, viajar pelo habitat des-ses seres e perceber mais do que ape-nas uma história fantástica, mas o mi-to ligado aos ciclos de transformação da vida e de preservação dos elemen-tos naturais. Se a lenda do saci remonta à fl oresta amazônica, com suas águas, plantas e bichos, Iemanjá é a divinda-de mais popular das religiões afro-bra-sileiras, com sua origem africana e ex-pressão como mãe protetora tendo si-do perseguidas pela autora durante a criação. A escrita poética é anterior às artes gráfi cas na trajetória de Marle-ne, que se formou em Letras Neolati-nas pela Faculdade Nacional de Filoso-fi a, no Rio de Janeiro, mas escreveu po-esia a vida inteira em seu caminho ar-tístico. Tanto que prepara um projeto em que pretende ilustrar seus desenhos com os poemas, ao contrário do habi-

tual. Mas é por meio da técnica da gra-vura que sua obra se faz essencialmen-te brasileira. De todas as artes, a gravu-ra é a que mais se desenvolve no Bra-sil, segundo o professor e crítico de ar-te Leon Kossovitch, e enquanto no res-to do mundo esta técnica praticamentedesapareceu, é aqui que permanece vi-va, sendo o campo mais forte das artesplásticas que não faz “concessões inter-nacionais”, segundo ele.

O desejo de transmitir o rico univer-so das raízes brasileiras e a evocação de“uma vida simples” faz parte do proje-to de livros infantis e de arte, ao mesmotempo em que se busca valorizar a arteem exposições para o grande público,como as mostras itinerantes realizadasnas estações de trem e metrô em 2006.“O acesso à cultura provoca a refl exãonas pessoas e a visão sobre meu traba-lho, pelo retorno positivo e pelas críti-cas que levam a amadurecer para novasideias e possibilidades”.

Nesse sentido, uma das últimas aven-turas da artista diz respeito a ilustra-ções para o livro Nove Histórias Minei-ras, que remete aos conteúdos dos jor-nais alternativos de combate à ditaduramilitar. São nove histórias de vida quedão voz a quem não a tem por condiçãosocial ou idade, de autoria do fi lho daartista, o jornalista Bruno Fuser.

Cultura não é mercadoriaOPINIÃO Marta Suplicy substituiu Ana Buarque de Hollanda no Minc; se ouvir os movimentos sociais, a ministra tem a chance de fazer uma grande gestão, freando o processo de mercantilização da cultura

Curupira, o guardião da fl orestaLançamento da artista plástica Marlene Crespo remete a décadas de obra inspirada na tradição popular brasileira

Enquanto no restante do mundo esta técnica praticamente desapareceu, é aqui que permanece viva

LIVRO

Logo nos primeiros meses de seu mandato houve severas críticas por conta da ex-ministra ter freado a condução da reforma da Lei do Direito Autoral

Os 20 meses da gestão Ana de Hollanda foram difíceis. No primeiro ano ela teve verba inferior à da gestão anterior e boa parte comprometida por obrigações geradas em 2010

O orçamento da pasta teve sete anos de alta com Lula, mas teve uma redução no primeiro ano de Dilma Rousseff

Curupira é o terceiro elemento de uma trilogia composta por outros dois livros, “Saci, o espírito da selva” e “Iemanjá, a deusa do mar”, publicados respectivamente em 1999 e 2002

Wilson Dias/ABr

Sai Ana Buarque de Hollanda, entra Marta Suplicy: expectativas de mudança nos rumos do MinC