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1 A CONSERVAÇAO E AS BOAS PRÁTICAS DE GESTÃO UM MANUAL PARA ASSOCIAÇOES FLORESTAIS E ASSOCIAÇOES DE CAÇA

A CONSERVAÇAO E AS BOAS PRÁTICAS DE GESTÃO · 3 doenças – mixomatose e pneumonia hemorrágica viral – e à perda de habitat do lagomorfo. No que refere ao habitat, o lince

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A CONSERVAÇAO E ASBOAS PRÁTICAS DEGESTÃO

UM MANUAL PARA ASSOCIAÇOES FLORESTAISE ASSOCIAÇOES DE CAÇA

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O LINCE, UMA ESPÉCIE AMEAÇADA

SITUAÇÃO ACTUAL

O Lince Ibérico (Lynx pardinus) é uma espécie endémica da Península Ibérica quese encontra em grave perigo de extinção. Está considerado pela IUCN (aOrganização Mundial da Conservação da Natureza) como o mamífero maisameaçado da Europa e o felino mais ameaçado do Planeta devido ao escassonúmero de animais existentes, à sua distribuição muito fragmentada e aoacentuado declínio das suas populações durante o último século. Infelizmente, estatendência ainda se mantém actualmente.

Nos últimos 50 anos, a área de distribuição deste felino diminuiu drasticamente,tendo desaparecido do norte da Península e sendo já muito escasso em regiõesmais meridionais onde outrora foi abundante. As últimas estimativas em Espanhaapontam para um total de apenas 135 animais – dos quais apenas 28 fêmeasreprodutoras – e dado que em 1990 o seu número foi estimado em 1000 indivíduos,parece evidente que a sua evolução nos últimos anos é extremamentepreocupante. Em Portugal a situação é, também, desesperada pois existem muitopoucos registos deste felino tão esquivo.

O LINCE E O HABITAT – RAZÕES PARA O SEU DECLÍNIOO Lince Ibérico é um animal de hábitos muito específicos, quer no que refere aohabitat quer no que refere à alimentação. Esta depende totalmente do coelho bravoque chega a representar mais de 90% da sua dieta. Esta dependência é um dosprincipais motivos da regressão da espécie dado o desaparecimento ouenfraquecimento acentuado da maioria das populações de coelho devido às

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doenças – mixomatose e pneumonia hemorrágica viral – e à perda de habitat dolagomorfo.

No que refere ao habitat, o lince aparece sempre associado a áreas com baixaperturbação humana e densa cobertura de matagal mediterrânico bemconservado, que constitui o seu habitat de abrigo. Durante a reprodução, as fêmeasprocuram as zonas mais abruptas e inacessíveis onde este habitat esteja presente,para ai terem as suas crias.

Para além das áreas de abrigo e refúgio, a espécie necessita de zonas específicaspara se alimentar - zonas de caça - que são constituídas, preferencialmente, porestruturas de cobertura vegetal em mosaico, onde os matos e bosques alternamcom áreas mais abertas dominadas por herbáceas. Quanto maior o efeito deorla – linha de contacto entre diferentes tipos de coberto vegetal – melhor. Estaestrutura é a ideal para o coelho-bravo e é, por isso, onde o lince tem maiorpossibilidade de capturar a sua principal presa.

O uso do solo é um factor determinante na distribuição do lince, sendo a destruiçãodo habitat a principal causa da sua regressão em décadas passadas, juntamentecom as más práticas de caça e o controle de predadores. Actualmente, estascausas associam-se à enorme escassez de coelho bravo e à mortalidade nasestradas.

As técnicas agrícolas e de pastoreio tradicionais, que se baseavam numa grandediversidade de usos e ambientes, favoreceram muito o coelho e, portanto, o linceque possuía uma boa e regular fonte de alimento nas suas áreas de caça. Estastécnicas tradicionais permitiram ainda conservar intactas grandes manchas dematagal e bosque.

A intensificação agrícola em algumas regiões, transformou-as em vastas áreas deregadio e culturas em regime intensivo. Por outro lado, o abando de muitas outrasregiões rurais permitiu a invasão pelas plantações florestais intensivas (pinheirobravo, eucalipto), que ocuparam enormes áreas de matagal mediterrânico,fragmentando as populações de lince e o seu habitat. Estes factos reduziramdrasticamente a diversidade da paisagem, prejudicando a espécie quer directa querindirectamente, eliminando completamente o coelho nessas zonas.

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A desertificação do meio rural teve, em algumas regiões, um efeito contrário mas,ainda assim, negativo. Vastas áreas abandonadas foram ocupadas naturalmentepor coberturas contínuas de matos densos que não permitem o crescimento deherbáceas, fazendo desaparecer o coelho. Do ponto de vista do lince, este teriamuitos locais de refúgio mas não disporia de alimento.

A ALIMENTAÇÃO DO LINCE E A SUA RELAÇÃO COM ESPÉCIESCINEGÉTICASO Lince Ibérico é umpredador de tamanhomédio, especializado nacaptura de vertebrados,principalmente mamíferos(80% a 85%) mas tambémaves (15% a 20%),ocasionalmente répteis e,muito raramente, peixes,insectos e até mel e pólen.

No entanto, a base da suadieta é o coelho bravo, doqual é totalmentedependente, e querepresenta ente 80% a 95%da biomassa consumida.Esta é normalmentecomplementada,especialmente quando ocoelho escasseia, comoutras espécies comolebres, micromamíferos,perdizes e passeriformes. Ainda que no Parque Nacional de Doñana em Espanha,reserva bem conhecida do lince, tenha sido comprovado o consumo de ungulados,patos e gansos, em toda a restante área de distribuição da espécie estas presasnunca estão presentes na sua dieta ou estão-no de forma muito esporádica.

Por outro lado, o lince mata ou controla a presença de outros predadores comoraposas, sacarrabos, ginetas, lontras, gatos e até mesmo cães assilvestrados,competindo com estas por presas e território. Vários estudos comprovam o efeitode controle que o lince exerce sobre as populações de algumas destas espéciescomo o sacarrabos e a raposa.

Do descrito anteriormente, demonstra-se o efeito altamente positivo que umpredador de topo como o lince pode ter nas populações de coelho e perdiz,uma vez que afasta do seu território vários outros competidores que, em conjunto,exercem uma maior pressão de predação. Acresce que o lince necessita apenas deum coelho adulto para satisfazer as suas necessidades energéticas diárias,enquanto que, por exemplo, o sacarrabos preda muitas vezes um grande númerode coelhos jovens, logo tendo um maior impacto nas populações do lagomorfo.Para além de tudo isso, este felino tem uma importantíssima função sanitária naspopulações de coelho pois, obviamente, prefere caçar animais fracos, velhos ou

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doentes, ajudando a controlar as doenças que têm dizimado esta espéciecinegética.

AS RESERVAS DE CAÇA E O LINCEActualmente, muitos dos locais onde a espécie esta presente ou que possuempotencial para a sua recuperação e/ou reintrodução são precisamente reservas decaça, atribuindo a estas um papel na conservação do felino ainda maisimportante do que as Áreas Protegidas.

Apesar disso, em algumas reservas em Espanha detecta-se uma tendência para aintensificação e monopolização do território pela actividade cinegética, donderesulta a tentativa de aumento das densidades das espécies cinegéticas e oabandono de outras actividades como o aproveitamento da cortiça, a poda, aprodução de carvão, a agricultura e a pecuária extensivas, a apicultura entre outras.O aumento das populações destas espécies pode tornar-se problemática, no casode reservas de caça maior, devido à sobrecarga de herbívoros na área,especialmente no caso das reservas mais dedicadas às montarias, onde arentabilidade está associada ao número de peças capturadas e não aos trofeusobtidos.

Outros efeitos negativos para o lince derivados do aumento da pressão cinegéticarelacionam-se com a perturbação criada pelo aumento das jornadas de caça e donúmero de participantes nas montarias, a excessiva abertura de caminhos e ocontrole de predadores, que provoca a morte de vários linces por ano.

O QUE É POSSÍVEL FAZER?Apesar de todos os problemas descritos acima, é possível fazer uma gestão dasreservas de caça que favoreça as populações de lince, actuais ou futuras, semafectar significativamente a exploração cinegética ou, inclusivamente, favorecendo-a em muitos aspectos. As acções necessárias centram-se em três ideiasprincipais:

Incrementar a diversidade dapaisagem com recurso às comunidadesvegetais autóctones e promover arecuperação das populações de coelhocomo forma de aumentar o habitatadequado e a disponibilidade dealimento para o lince. Evitar a mortalidade não naturalrelacionada com práticas de caçadesadequadas e com a perturbação queestas geram em áreas vitais para aespécie. Aplicação do “Rótulo Lince” da SOSLynx que será atribuído aquelasreservas que consigam criar boas áreaspara a recuperação das populações delince, o qual deverá implicar umbenefício para estas reservas.

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MELHORAR O HABITAT DO COELHOA medida de gestão de habitat mais imediata para favorecer as populações decoelho é o estabelecimento de formações vegetais abertas dominadas porherbáceas, intercaladas com áreas de mato. Nelas é produzida uma maiorquantidade de alimento o que permite manter maiores densidades nas populaçõesde lagomorfos. Para além disso, estas plantas são também consumidas porcervídeos, o que se torna importante no caso de reservas de caça maior uma vezque permite reduzir o alimento fornecido assim como os danos sobre matagais eárvores.

A afectação de 15% a 20% da área da reserva a pastos e cultivos é suficiente paraassegurar densidades de coelho suficientes para o lince. Para o efeito é importanteque estas áreas se encontrem sujeitas a um nível de perturbação reduzido edispersas por diferentes áreas da reserva. Os pastos permanentes misturados commato são os mais propícios para o coelho uma vez este animal não escava as suastocas nas grandes áreas abertas, mas penetram nestas para se alimentar apenasalgumas dezenas de metros.

Relativamente à implantação de pastos e sementeiras é recomendável:

estabelece-los em manchas pequenas e estreitas (por exemplo, em faixas50m x 20m);

deixar manchas de mato intercaladas dentro das áreas abertas, respeitandoos fragmentos de matagal higrófilo nas valas e regatos;

nenhum ponto das áreas abertas deverá estar a mais de 100m das zonas demato;

o rebordo dos campos não deverá seguir uma linha recta mas adaptar-se aoperfil da paisagem formando reentrâncias que aumentem o efeito de orla entrepastagem e o mato;

combinar pastos naturais, cultivos permanentes, terrenos em pousio e searasde forma a assegurar a presença de alimento de qualidade para os animais aolongo de todo o ano;

os pastos e sementeiras deverão estar distribuídos uniformemente pelareserva, de forma a facilitar uma utilização mais homogénea desta, ocupandoas zonas de melhor solo;

a melhor localização serão as cumeadas, mais ou menos planas, e o fundodos vales de tamanho suficiente, quer devido à sua topografia quer àqualidade dos solos.

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Os pastos naturais de maior interesse, quando sejam possíveis os trabalhos demelhoramento ou sementeira, são os de espécies perenes de zonas mais húmidas,e os da gramínea Poa bolbosa e de trevo (Trifolium subterraneum) em zonas secas.Devido à pobreza dos solos, as sementeiras deverão ser realizadas em regime derotatividade, deixando dois terços a três quartos das áreas abertas em pousio. Asmais recomendadas são o centeio, pelo seu aproveitamento no final do Inverno, ea mistura cevada/aveia, em solos um pouco melhores, para utilização do grãodurante o Verão.

Será necessário assegurar que os cercados eventualmente utilizados para evitar ainvasão dos pastos por herbívoros de grande porte (javali, veados, etc.) permitam afácil entrada e saída tanto do coelho como do lince usando, por exemplo, rede demalha mais larga que permita a passagem destes animais. Esta é uma questãoimportante para o lince, uma vez que este usa as estruturas vegetais em mosaicopara caçar a coberto das manchas de mato.

Caso seja necessário realizar desbastes de mato para implantação de pastos,deverão ser seguidos critérios que minimizem o impacto ambiental destasoperações:

não se deverão desbastar zonas de matagais adultos - medronhais ou urzais degrande porte (por exemplo, com mais de 1,5metro de altura), bosques desobreiro e/ou azinho com sobcoberto desenvolvido – sendo preferível limparáreas de esteval ou matos baixos e/ou pouco diversificados;

não se deverão desbastar zonas que afectem outras espécies ameaçadas –águia de Bonelli, águia real, bufo real, cegonha negra, abutres, etc.

devem ser respeitados os pés isolados de espécies arbóreas;não devem ser desbastadas as superfícies debaixo da ramagem de árvores ou

as margens de rios e regatos, devendo conservar-se uma franja de vegetaçãode, pelo menos, 10m de largura;

as operações de desbaste deverão ser realizadas em alturas que minimizem oimpacto nas comunidades biológicas - respeitando especialmente a época de

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reprodução do lince e outras espécies ameaçadas - recomendando-se, assim, oOutono ou início do Inverno;

MEDIDAS DIRECTAS SOBRE AS POPULAÇÕES DE COELHO –REPOVOAMENTOSPoderá ocorrer que, apesar de existir habitat adequado, o coelho esteja ausente ouas suas densidades sejam demasiado baixas para permitir uma colonizaçãoefectiva do território potencial disponível. Nestas alturas será necessário recorrer areintroduções ou reforço das populações existentes. Esta á uma medida queacarreta alguns riscos e, se não for observada uma série de regras técnicas, osrepovoamentos com coelho resultam geralmente em fracassos pois a maioria dosanimais introduzidos acabam por morrer ao fim de poucos dias. Desenvolveram-se,por isso, protocolos básicos para as operações de reintrodução de coelho bravo, deforma a obter uma maior percentagem de sobrevivência e integração dos animais eevitar todos os riscos inerentes às introduções de vertebrados.

Segundo estes protocolos, a área onde os animais irão ser libertados deve serseleccionada em função da existência das condições adequadas para a sua normalaclimatação. Os coelhos habitam preferentemente áreas com solos profundos efáceis de escavar, evitando aquelas com tendência para ficarem alagadas ouencharcadas e dependem da existência de alimento herbáceo e abrigo.

Também será imprescindível tomar medidas para aumentar as probabilidades desobrevivência frente às doenças e aos predadores:

só poderão ser libertados coelhos devidamente vacinados contra a mixomatosee a pneumonia hemorrágica viral, para que reduzir ao mínimo a possibilidade deintroduzir estas doenças em populações já de si debilitadas;

quando não exista um número de tocas suficiente, é aconselhável a instalaçãode abrigos artificiais o mais naturalizados possível, devendo recorrer-se aosmateriais existentes na área – ramos e mato provenientes de desbastes,cortiça, rochas, paletes, etc.;

protecção das tocas naturais com o mesmo tipo de materiais;desinfestação das tocas vazias antes da introdução dos animais; instalação de vedações temporárias em volta das tocas utilizadas como ponto

de largada, de forma a assegurar aos animais libertados um período deaclimatação com baixo risco de serem predados. Em alternativa, poderão serconstruídos cercados fixos para aclimatação dos coelhos que serão libertadosquando terminada esta fase.

A origem e o manuseamento dos animais são factores chave do êxito dosrepovoamentos:

os coelhos a introduzir serão sempre animais silvestres, de origem controlada eo mais próxima possível da área para onde serão transladados;

o tempo decorrido entre a captura e a libertação deverá ser o mais reduzidopossível;

antes do transporte, os animais deverão ser desparasitados e marcados, demodo a ser possível identificar em campo aqueles provenientes dereintrodução;

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as condições de transporte deverão assegurar o mínimo stress possível umavez que este é um factor de debilitação muito importante e, em grande parte,responsável pela baixa sobrevivência dos animais translocados.

O número ideal de indivíduos por grupo nas largadas será entre 5 e 8, com umaestrutura de sexos e idades semelhante à encontrada nas populações naturais –por ex.: 1 macho, 2 fêmeas e 2 juvenis. Para assegurar o êxito dos repovoamentosé considerado mais indicado levar a cabo uma série de largadas ao longo da época,em vez de uma só grande largada, que permitam procedimentos mais cuidadosos eperíodos de retenção menores.

Por último, é muito aconselhável que seja levado a cabo um programa deseguimento e monitorização dos coelhos existentes de modo a :

avaliar o grau de sucesso das reintoduções;avaliar a abundância de predadores;detectar a presença de doenças.

RISCO DE MORTALIDADE PARA O LINCEQuase todos os riscos enfrentados pelo lince relacionados com a gestão cinegéticaestão associados ao incumprimento da Lei. Assim, as medidas propostasbaseiam-se em dois princípios:

a obrigação do cumprimento das disposições legaisa consciencialização dos caçadores e gestores das reservas de caça para o

problema premente da conservação do lince ibérico e das outras espéciesameaçadas que com ele compartem o habitat, assumindo que a conservaçãodestas será sempre benéfica para a actividade cinegética.

A prática da actividade cinegética não deveria, em princípio, ser um problema gravepara a conservação do lince ibérico, uma vez que a espécie está estritamenteprotegida por lei, sendo totalmente proibido o seu abate. No entanto, nas montariase outras actividades venatórias existe sempre o risco de abaterinvoluntariamente um lince. Por outro lado, as batidas com cães acarretam o riscode o animal ser capturado por estes. O primeiro problema só pode ser solucionadoatravés de uma extrema consciencialização dos caçadores. No segundo caso, estasactividades terão que ser substituídas por outras que não dependam de batidascom matilhas (por exemplo, esperas).

Assim, nas reservas instaladas em áreas de distribuição deste felino, os caçadoresdeverão ser, obrigatoriamente, avisados da possibilidade de encontrarem um lince,da sua classificação como “espécie criticamente ameaçada” e estritamenteprotegida e das precauções a serem tomadas (basicamente não disparar a peçasantes de uma identificação sem margem para erro).

Por outro lado, o controle de predadores em áreas de lince é uma actividadeextremamente prejudicial pois não existe um método que não represente um riscoextremo para esta e outras espécies protegidas. Neste sentido, será necessário terem conta a estrita proibição do uso de armadilhas de ferros pela EU (RegulamentoCEE 3253/91). O mesmo se passa com o uso de venenos ou laços que, dada a suanula selectividade, tanto podem matar um cão, uma raposa ou um sacarrabos como

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um lince. De sublinhar ainda os riscos associados a outro métodos como as caixas-armadilha e o uso de armas.

Desta forma, relativamente ao controlo de predadores:

deveria ser completamente proibida a sua prática generalizada;a ser levado a cabo, deveria limitar-se a áreas reconhecidamente sujeitas a

densidades anormais destas espécies;nestes casos, só poderá ser realizado sob estrito controle de técnicos

especializados e devidamente credenciados para o efeito ( por exemplo,SEPNA, Guarda Florestal).

Também a abertura de caminhos e cortafogos, embora necessária, representa umrisco directo e indirecto para o lince e deve realizar-se mediante cuidadosoplaneamento de modo a que sejam minimizados os problemas acrescidos para ofelino. A construção destas estruturas deverá ser realizada sob controle técnico-administrativo, fora da época de reprodução e reduzida ao mínimo necessário paraum correcto combate a eventuais incêndios.

RESERVAS DE CAÇA MAIORUm dos maiores problemas associados às quintas de caça grossa são as malhascinegéticas. Estas devem permitir a passagem de fauna não cinegética, pelo que ocumprimento desta norma seria o primeiro objectivo a ser alcançado. Para issoseria necessário que as malhas inferiores destas vedações tivessem, pelo menos,15cmX30cm ou 20cmx30cm. Seria necessário substituir as redes antigas que nãocumpram estes requisitos, assim como as cercas electrificadas ou em aramefarpado.

Outro problema é a manutenção artificial de altas densidades de herbívoros degrande porte, dada a sobrecarga que estas representam para o meio. Nuncadeverão ser mantidas densidades superiores àquelas que permitam a manutençãodos sistemas a longo prazo. Para isso, e devido à dificuldade de conhecer comexactidão a quantidade de animais existentes, deverá ser estabelecido um controledo estado da vegetação, baseado na análise dos danos produzidos pelosherbívoros às espécies vegetais mais apreciadas pelas espécies cinegéticas degrande porte, especialmente o veado e o gamo.

Seria ainda desejável a generalização do caça de aproximação ao veado e aogamo como arte de caça nas reservas com potencial presença de lince. Estamedida teria um duplo efeito sobre a espécie. Por um lado, nesta prática de caça aprobabilidade de atingir um lince involuntariamente é nula devido à forma como érealizado o disparo e á presença de um guarda de caça que, obrigatoriamente,acompanha o caçador. Por outro lado, esta actividade procura unicamenteexemplares de grande qualidade, preferindo a manutenção de densidades deanimais muito mais baixas.

Em Espanha, as maiores densidades de lince encontram-se precisamente emzonas de caça viradas para este tipo de exploração, talvez porque aqui não existetanta pressão sobre as populações de coelho.

Embora o desbaste de coelhos seja uma prática rara em Portugal, devido às

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raramente altas densidades, este deveria ser formalmente proibido. Caso surjamcasos de densidades anormalmente altas, será sempre preferível a captura em vivodos animais e a sua cedência ou comercialização para translocação para áreascom défice desta espécie.

O HABITAT

AUMENTO DA COBERTURA ARBÓREO-ARBUSTIVA

Embora a existência de áreas abertas seja benéfica para o coelho, o lince, pelo seucarácter esquivo, demonstra uma total dependência das áreas com densa coberturade árvores e arbustos, especialmente matagais e bosques autóctones comsobcoberto denso e desenvolvido. Assim, nas reservas em que a cobertura porestas estruturas vegetais seja inferior a 60% é aconselhável o repovoamento comespécies arbóreas e arbustivas.

Nas áreas potencialmente ocupadas por lince e nas suas imediações, as acçõesde repovoamento:

deverão ser orientadas no sentido de aumentar as manchas já existentes devegetação lenhosa, especialmente as de espécies autoctones e vegetaçãoribeirinha;

deverão dirigir sempre a evolução da vegetação para formações mais densas epara uma maior presença de espécies correspondentes a etapas maisavançadas da sucessão ecológica;

em caso algum se poderão limpar zonas de matagal para levar a cabo estasacções, para além de se deverem poupar os pés de espécies arbóreas ou deespécies autoctones nas operações de preparação do terreno;

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nas zonas cobertas por matos esparsos de espécies pioneiras (Lavandula spp.,Halimium spp.), os trabalhos de introdução ou beneficiação das espécies deinteresse deverão ser realizados sem alterar a formação original mais do que oestritamente necessário;

na selecção das espécies a utilizar deverão ser seguidos critérios relativos àsucessão ecológica das associações vegetais características da zona, devendoser utilizadas espécies arbóreas e arbustivas (nas áreas de influênciamediterrânica, principalmente Quercus spp., medronheiro, urzes, etc.)

a escolha das técnicas deverá privilegiar a minimização dos impactos e/ouriscos para o meio ambiente, sempre numa perspectiva de auxiliar a evoluçãonatural do coberto vegetal em detrimento da substituição artificial de umaformação por outra.

SUBSTITUIÇÃO DE PLANTAÇÕES MONOCULTURAIS DE PRODUÇÃO

Um caso especial de recuperação do habitat de espécies protegidas como o lince edas espécies cinegéticas mais importantes, é a substituição de plantações deprodução de pinheiro bravo ou eucalipto por formações vegetais como as descritasacima.

Estas plantações são formações especialmente negativas para o lince pela quasetotal ausência de cobertura arbustiva e herbácea, o que implica a inexistência derefúgio e alimento para o lince e outras predadoras ameaçadas, assim como paraas principais espécies cinegéticas.

Para a substituição destas plantações deverão ser seguidas as orientaçõesdescritas acima, acrescendo que será necessária a eliminação das árvoresplantadas (pinheiros bravos, eucaliptos). Estas acções poderão ter efeitosextremamente negativos sobre o solo, a flora e a fauna locais (incluindo o lince,devido à perturbação criada), pelo que em cada caso se deverão avaliar as reaisvantagens desta medida. Em geral, esta substituição, com as acções que lhe estãoassociadas, é benéfica desde que sejam tomadas as devidas precauções com vistaa minimizar os impactos negativos descritos.

De referir que a erosão representa um dos maiores problemas, pelo que deverãoser tomadas medidas que evitem a exposição dos solos aos elementos. Por outrolado, nas áreas de distribuição de lince e/ou outras espécies protegidas, esteproblema poderá ver-se acrescido devido à época mais recomendável para a suarealização (o Outono) relacionada com a obrigação de reduzir da perturbação nasépocas de reprodução.

CRIAÇÃO DE CORREDORES ECOLÓGICOS

Dados os gravíssimos problemas de fragmentação das populações de lince e dohabitat necessário para a sua subsistência, será imprescindível criar uma rede decorredores com cobertura vegetal adequada que consiga interligar as diferentespopulações e as diferentes manchas de bom habitat potencial para esta e outrasespécies ameaçadas.

Para estabelecer esta rede será necessário levar a cabo acções de repovoamento econservação como as descritas atrás de forma a estabelecer o contacto entre asmanchas já existentes, com especial relevo para as linhas de água e a suavegetação natural.

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O ordenamento regional dos corredores deve basear-se em dois objectivos:

a existência e manutenção de manchas de habitat utilizáveis pelo lincecontínuas ou com distâncias entre si de, no máximo, poucos quilómetros;

uma rede de linhas de água com vegetação adequada que permita interligar asmanchas de habitat que se encontrem separadas.

O “RÓTULO LINCE”O “Rótulo Lince” é uma marca atribuído pela SOS Lynx a empresas e entidades quecumpram determinados objectivos no sentido de auxiliar a conservação do linceibérico. Este distintivo terá sempre que resultar num conjunto de vantagens para asentidades classificadas. No caso das reservas de caça, estas vantagenspoderão ser de vários tipos:

apoio técnico-científico no planeamento e gestão das reservas, com vista àmaior produtividade destas em termos fauna cinegética e à sua adaptação acritérios ambientais e de conservação;

apoio no acesso a financiamentos e subsídios provenientes de diversas fontes;promoção da instituição e dos seus produtos e serviços através dos canais de

informação ao dispor da SOS Lynx; incremento do valor dos produtos e serviços disponibilizados pela instituição

premiada, passando a valer-se estes de um cariz ambiental e consonante coma conservação da natureza, das espécies ameaçadas e, em especial, do linceibérico.

Para obter esta classificação, as reservas de caça deverão cumprir a os critériosdescritos neste documento, demonstrando o seu empenho a longo prazo, desde afase do seu planeamento até à sua gestão contínua e ás práticas venatóriasrealizadas. As reservas já instaladas poderão candidatar-se ao “Rótulo Lince”mediante alterações na sua estrutura e gestão, caso sejam necessárias, econtactando a SOS Lynx para que este rótulo lhes seja atribuído. Poderão, ainda,requerer apoio técnico-científico a esta associação com vista a efectuar asmelhorias requeridas.

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CONSIDERAÇÕES FINAISEste documento pretende demonstrar que é possível uma estreita relação decooperação, com benefícios mútuos, entre a caça e a conservação da natureza.Mais ainda, esta relação passa a ser obrigatória se pretendemos manter aactividade cinegética a longo prazo e conservar os biótopos mais importantes queainda nos restam, assim como as espécies ameaçadas que lhes estão associadas.Destas destacamos, pelo grau de ameaça e pela sua importância para a saúde dosecossistemas, o lince ibérico para além de outras como o gato bravo, a águiaimperial ibérica, a águia de Bonelli, a águia real, o bufo real, o grifo, o abutre negroentre outras. Todas estas espécies irão beneficiar com a aplicação das medidasaqui referidas, mas também o farão para todas as espécies cinegéticas, que comelas partilham o mesmo território e habitat.

Revisor: Miguel Rodgrigues, biólogo, Vice-Presidente da SOS Lince ADFFAgradecimentos a Adena/WWF-Espanha - "Fincas Linceras"Todas as fotografias António Sabater e SOS Lince

SOS Lince - Associação de Defesa da Fauna e FloraMontinho da Encarnação. 7665-891 Luzianes-Garewww.soslynx.org - [email protected]