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A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO DO FLUVIÁRIO NO ESTADO DO AMAZONAS: EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE THE PROTECTION OF THE ENVIRONMENT OF WORK OF THE SEA IN THE STATE OF AMAZONAS: REALIZATION OF THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF EQUALITY Marcelo de Vargas Estrella Arilúcio Bastos Lobato RESUMO O trabalho marítimo possui características específicas, as quais, habitualmente, por sua natureza, tornam a atividade mais penosa para o empregado, privando-o inclusive do convívio com a família. Associadas a essas circunstâncias, pelas características geográficas da Região Amazônica, o trabalho marítimo no Estado do Amazonas apresenta um meio ambiente do trabalho ainda mais hostil. Buscou-se esclarecer a importância dada proteção do meio ambiente do trabalho como forma de efetivação do princípio constitucional da igualdade e colaborar na discussão de soluções para minorar o sofrimento obreiro, humanizando o trabalho, com vista ao respeito e garantia a saúde ocupacional, ao meio ambiente de trabalho sadio e a dignidade da pessoa humana. PALAVRAS-CHAVES: MEIO AMBIENTE. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. ESTADO DO AMAZONAS ABSTRACT The work at sea has specific characteristics, which, usually, by nature, make the activity more difficult for the employee, including depriving him of contact with the family. Associated with these circumstances, the geography of the Amazon region, maritime labor in the State of Amazonas presents a work environment even more hostile. We tried to clarify the importance of work environment as a realization of the constitutional principle of equality and work in the discussion of solutions to alleviate the suffering worker, humanizing the workplace, to respect and guarantee the occupational health, the environment healthy work environment and human dignity. KEYWORDS: ENVIRONMENT. WORK ENVIRONMENT. PRINCIPLE OF EQUALITY. STATE OF AMAZONAS 2382

A CRISE DO POSITIVISMO JURÍDICO - publicadireito.com.br · Ao longo da história da humanidade o homem sempre se irresignou contra o desequilíbrio entre si e os seus pares. No início,

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A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO DO FLUVIÁRIO NO ESTADO DO AMAZONAS: EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO

CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

THE PROTECTION OF THE ENVIRONMENT OF WORK OF THE SEA IN THE STATE OF AMAZONAS: REALIZATION OF THE CONSTITUTIONAL

PRINCIPLE OF EQUALITY

Marcelo de Vargas Estrella Arilúcio Bastos Lobato

RESUMO

O trabalho marítimo possui características específicas, as quais, habitualmente, por sua natureza, tornam a atividade mais penosa para o empregado, privando-o inclusive do convívio com a família. Associadas a essas circunstâncias, pelas características geográficas da Região Amazônica, o trabalho marítimo no Estado do Amazonas apresenta um meio ambiente do trabalho ainda mais hostil. Buscou-se esclarecer a importância dada proteção do meio ambiente do trabalho como forma de efetivação do princípio constitucional da igualdade e colaborar na discussão de soluções para minorar o sofrimento obreiro, humanizando o trabalho, com vista ao respeito e garantia a saúde ocupacional, ao meio ambiente de trabalho sadio e a dignidade da pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVES: MEIO AMBIENTE. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. ESTADO DO AMAZONAS

ABSTRACT

The work at sea has specific characteristics, which, usually, by nature, make the activity more difficult for the employee, including depriving him of contact with the family. Associated with these circumstances, the geography of the Amazon region, maritime labor in the State of Amazonas presents a work environment even more hostile. We tried to clarify the importance of work environment as a realization of the constitutional principle of equality and work in the discussion of solutions to alleviate the suffering worker, humanizing the workplace, to respect and guarantee the occupational health, the environment healthy work environment and human dignity.

KEYWORDS: ENVIRONMENT. WORK ENVIRONMENT. PRINCIPLE OF EQUALITY. STATE OF AMAZONAS

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1. INTRODUÇÃO

Ao longo da história da humanidade o homem sempre se irresignou contra o desequilíbrio entre si e os seus pares. No início, pela desigualdade no acesso a água e aos bens necessários a sua sobrevivência, posteriormente, pela participação nas decisões pertinentes a condução dos rumos da coletividade que participava.

A desigualdade é par da injustiça. A desigualdade traz perversas conseqüências e resultam em distúrbios sociais de âmbito global, como o terrorismo, a imigração ilegal, a produção, distribuição e tráfico de drogas e inúmeras guerras.

Embora as nações mais abastadas invistam somas significativas no combate ao narcotráfico, mantém subsídios de sua agricultura e apresentam políticas agressivas de proteção da produção interna, o que por via transversa incentiva as populações hipossuficientes a buscar a sobrevivência no cultivo de plantas destinadas a produção de drogas.

Nas relações de trabalho, não é diferente. A ausência de uma efetiva política de distribuição de renda, associada a um significativo nível de informalidade e desemprego são fatores que agem de forma deletéria na resistência obreira enquanto categoria profissional.

O desemprego apresenta-se ao trabalhador como a “espada de Dâmocles”[1], não permitindo que o obreiro tenha segurança quanto ao futuro financeiro seu e de sua família.

Neste contexto, essas forças antagônicas, capital e trabalho, ainda nos dias atuais mostram-se desiguais. As representações sindicais não conseguem se desvincular de vícios seculares, sendo ineficientes na proteção das categorias. Muitos dirigentes utilizam-se do cargo para obter vantagem política e buscar vagas nos cargos eletivos nos Poderes Executivo e Legislativo, outros sucumbem e desviam dinheiro dos sindicatos ou patrocinam com estes recursos viagens e outros benefícios em descompasso com a causa operária.

Assim, o trabalhador apresenta-se desamparado pela representação sindical e pelo Estado, o qual possui um número pequeno de agentes fiscalizadores (auditores-fiscais do trabalho), o que não atende a demanda. Já em um segundo momento, ao buscar o Estado novamente, por meio do Poder Judiciário, encontra um sistema anacrônico, com inúmeras deficiências e entraves quase intransponíveis, como juízes e servidores despreparados e descomprometidos com a eficiência na prestação do serviço público e uma legislação processual que protege sobremaneira o devedor.

Se o trabalhador urbano sofre com esse sistema concentrador de renda e distribuidor de miséria [2], o fluviário amazônida é sobremaneira penalizado, pelas características do trabalho embarcado e pelas peculiaridades da Região Amazônica.

2. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO ASPECTO DO MEIO AMBIENTE

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Embora significativa parte da doutrina e da jurisprudência entenda que o meio ambiente do trabalho pertença ao Direito do Trabalho é inegável a matiz ambiental e sanitária que o permeia.

Inegável, também, é que o meio ambiente do trabalho coloca-se como um dos aspectos do Direito Ambiental. José Afonso da Silva destaca três aspectos do meio ambiente, a saber, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente natural (ou físico). O autor traz o meio ambiente do trabalho como integrante do meio ambiente artificial [3]. Já Celso Antônio Pacheco Fiorillo reconhece o meio ambiente do trabalho com um dos aspectos distinto ao meio ambiente artificial.

A Constituição Federal traz o meio ambiente do trabalho como integrante do meio ambiente, in verbis:

“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(...)

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

A legislação federal, Lei n. 8.080, 19 de setembro de 1990 (SUS), também registra o meio ambiente do trabalho como integrante do meio ambiente, in verbis:

“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

(...)

V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;”

A Constituição do Estado do Amazonas apresenta disposição específica no sentido que as normas de proteção do meio ambiente estendem-se ao meio ambiente do trabalho, in verbis:

“CAPÍTULO XI

DO MEIO AMBIENTE

ART. 229. Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.

(...)

§ 2º Esse direito estende-se ao ambiente de trabalho, ficando o Poder Público obrigado a garantir essa condição contra qualquer ação nociva à saúde física e mental.”

Guilherme José Porvin de Figueiredo apresenta entendimento ao encontro da legislação supramencionada:

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“Partimos da constatação de que as normas ambientais do trabalho, que tratam preponderantemente dos temas Segurança e Saúde do Trabalho, não constituem um ramo novo do Direito. Não obstante a doutrina juslaborista seja assente no enquadrar o estudo das normas relativas à Segurança e Saúde do Trabalho no campo do Direito do Trabalho, certo é que estas mesmas normas também são objeto de estudo do Direito Ambiental, do Direito Sanitário, do Direito da Seguridade Social e, numa perspectiva mais ampla, da Teoria Geral dos Direitos Humanos.” [4]

Registra-se que o meio ambiente do trabalho como integrante do meio ambiente [5], deve se pautar nos grandes princípios do Direito Ambiental, como do poluidor pagador[6], informação[7], responsabilidade objetiva do causador do dano, prevenção[8] e precaução[9], e não limitar-se somente aos princípios do Direito do Trabalho, este como ramo do direito privado.

O Direito Ambiental é um dos mais novos ramos do direito em nosso ordenamento jurídico.

Como o Direito Ambiental tem origem no Direito Administrativo o meio ambiente do trabalho tem origem no Direito Administrativo do Trabalho, onde a legislação obreira revela flagrantes características de Direito Público, como a indisponibilidade absoluta.

Os ramos do direito não estanques, de forma que um não influencie e se entrelacem, registram Antonio Herman Vasconcellos e Benjamin:

“Presentemente, falar-se em tutela do meio-ambiente leva-nos, quase que automaticamente, ao Direito Ambiental, como se todos os esforços preservacionistas estivessem concentrados, com exclusividade, em um setor próprio e bem delimitado da Ciência do Direito. Há aí um grande equívoco. Uma coisa é dizer-se que o Direito Ambiental já adquiriu maturidade suficiente para pleitear sua autonomia. Outra, bem distinta, é confundir autonomia com independência, pretender exaurir a tutela ambiental nos limites do Direito Ambiental.” [10]

O primeiro diploma legal, o qual representa a gênese do Direito Ambiental é a Declaração de Estocomo (1972), enquanto a primeira norma a respeito do meio ambiente do trabalho de nosso ordenamento jurídico pátrio (Decreto n. 1.313, de 17 de janeiro de 1981), que trazia disposições a respeito do meio ambiente do trabalho dos menores, é ainda dos tempos do império, in verbis:

“Os menores do sexo feminino de 12 a 15 anos e os do sexo masculino de 12 a 14 anos só poderão trabalhar, no máximo, sete horas por dia, não consecutivas, de modo que nunca exceda de quatro horas o trabalho contínuo; e os do sexo masculino de 14 a 15 anos até nove horas por dia, nas mesmas condições. Os menores aprendizes – que nas fábricas de tecidos podem ser admitidos desde oito anos, só poderão trabalhar três horas. Se tiverem mais de 10 até 12 anos poderão trabalhar quatro horas, havendo um descanso de meia hora para os primeiros e de uma hora para os segundos. É proibido empregar menores no serviço de limpeza de máquina em movimento; bem como dar-lhes ocupação junto a rodas, volantes, engrenagens e correias em ação, pondo em risco sua vida. Não é admissível o trabalho dos menores em depósitos de carvão, fábricas de ácidos, algodão-polvora, nitroglicerina, fulminatos; nem empregá-los em manipulações diretas de fumo, chumbo, fósforos, etc.” [11]

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A própria Consolidação das Leis do Trabalho, que traz em seu Título II, Capítulo V, normas sobre meio ambiente do trabalho, hoje designado como “Da segurança e da medicina do trabalho” e a época de sua edição sob o designo de “Higiene e Segurança do Trabalho”, data de 1º de maio de 1943 (Decreto-lei n. 5.452).

Na época da criação das primeiras normas sobre meio ambiente do trabalho inexistia a idéia de Direito Ambiental como ramo autônomo do Direito.

Hoje o Direito Ambiental é ramo autônomo do Direito Público, com princípios e regras próprias, com os quais o meio ambiente do trabalho mais se compatibiliza.

3. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO AQUAVIÁRIO (FLUVIÁRIO) NO ESTADO DO AMAZONAS

3.1. O Estado do Amazonas

O Estado do Amazonas apresenta-se como o maior do Brasil, superfície atual de 1.558.987 Km², tendo como capital a cidade de Manaus. A maior parte é ocupada por reserva florística e a outra é representada pela água. O acesso à região é feito principalmente por via fluvial ou aérea. O clima é equatorial úmido, com temperatura média/dia/anual de 26,7 ºC, com variações médias entre 23,3 ºC e 31,4 ºC. A umidade relativa do ar fica em torno de 80% e o Estado possui apenas duas estações bem definidadas: chuvosa (inverno) e seca ou menos chuvosa (verão). A água forma na região a maior rede hidrográfica do planeta. Os rios amazonenses são, praticamente, navegáveis durante todo o ano. Outros como o Negro, Alto Madeira, Urubu, Aripuanã, Branco e Uaupés são obstruídos pelas formações em degraus, o que não impede sempre a navegação ordinária, salvo as corredeiras do Alto Madeira e a famosa cachoeira das Andorinhas, no rio Aripuanã [12].

A sobrevivência das comunidades do interior dependem diretamente da navegação e, conseqüentemente, do trabalho do fluviário. No ano de 2005, inúmeros municípios ficaram isolados, necessitando apoio das forças para chegada de alimentos e remédios. A supressão de algumas hidrovias causou transtorno significante para os munícipes do interior. Para se ter uma breve idéia da gravidade do fato, segue a notícia publicada na imprensa local a época:

“NOTICIAS

Força-tarefa começa a socorrer municípios isolados pela seca 14 de outubro de 2005.

MANAUS - O primeiro carregamento de cestas básicas e remédios para as vítimas da seca no estado do Amazonas começa a ser entregue nesta sexta-feira. Mas as localidades mais distantes de Manaus ainda vão ter de esperar. As Forças Armadas ainda dependem da liberação de recursos para a compra de combustível que será usado nas aeronaves.

Segundo o Comando Militar da Amazônia, os barcos só conseguem chegar até determinado ponto dos rios. De lá o carregamento seguirá em helicópteros das Forças Armadas. Mais de 900 pequenas comunidades serão atendidas. A operação contará com 700 homens, entre eles 200 do Corpo de Bombeiros e 300 da PM.

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O estado de calamidade foi decretado há cinco dias, mas até agora as áreas isoladas não foram abastecidas, segundo o governo por causa da dificuldade de acesso.

Esta é a pior seca das últimas três décadas no estado do Amazonas. Ao todo, 28 municípios foram afetados, sendo que quatro deles (Anori, Atalaia do Norte, Caapiranga e Manaquiri) encontram-se em estado de calamidade pública. Os outros municípios são Anamã, Benjamin Constant, Canutama, Jutaí, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença, Tabatinga, Tapauá, Tefé, Alvarães, Uarini, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã, Boca do Acre, Pauini, Envira, Amaturá, Tonantins, Coari, Codajás e Iranduba.

As famílias receberão cestas básicas com 12 itens: arroz, farinha, feijão, macarrão, leite, açúcar, biscoito, café, óleo comestível, sal, leite e charque. A quantidade é para um mês. Serão distribuídas 50 mil cestas básicas em três meses.

O Ministério da Saúde deve enviar kits de medicamentos para atender às vítimas da seca no estado do Amazonas, totalizando 2,8 toneladas de remédios. Cada kit é composto por 25 itens e a remessa do Ministério da Saúde será suficiente para atender a 84 mil pessoas durante um mês, com o fornecimento de analgésicos, antibióticos, antiinflamatórios, anti- hipertensivos e antiparasitários, entre outros.

(...)

Nesta sexta-feira, balsas com mantimentos começam a ser deslocadas para quatro cidades: Anamã, Caapiranga, Anori e Manaquiri. Como esses são municípios na calha do médio Rio Solimões, mais próximo a Manaus, a expectativa é que os ribeirinhos comecem a receber assistência no sábado.

A cada dia, aumenta o drama de milhares de famílias. Em algumas localidades, há racionamento de água e comida. O solo rachado avança quilômetros de rios e lagos. A água está cada vez mais escassa na maior bacia hidrográfica do planeta.

Para as comunidades mais isoladas, a saída é estocar um pouco que resta até que ajuda chegue, ou andar dias em trilhas até as cidades mais próximas.

- No Rio Manacapuru e a região de Araras estão totalmente isoladas. Lá se comportam mais de 6 mil pessoas. As escolas já estão paradas por falta de merenda escolar, que não chega até lá. Há dias também não chega energia às comunidades - diz o funcionário público Rogério Silva.

O medo toma conta de milhares de famílias. Com a morte de peixes, boa parte da água está poluída em algumas localidades, o que aumenta os riscos de doença, como a cólera.

- É difícil, porque até a gente chegar em Manacapuru, nós podemos pegar uma doença. E se for grave, a gente pode até morrer - disse a agricultora Eliane Nascimento.

- A gente tem que esperar encher o rio. Se não encher o rio, em que situação nós vamos viver? Não podemos viver na vida que estamos passando - lamenta o agricultor Jorge Almeida.

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A seca provocou a perda da produção da fécula de mandioca, uma das principais fontes de renda de Manaquiri, um dos municípios mais atingidos. Segundo o prefeito, a saca que custava R$ 20 é vendida agora por R$ 100. O quilo do frango pulou de R$ 2 para R$ 5. A prefeitura espera pelas 2.500 cestas básicas e dez mil litros de combustível. Os 68 agentes de saúde, a pé, visitam as famílias com hipoclorito de sódio para tornar potável a água das residências.

Em Anamã, a 168 quilômetros de Manaus, o lago que abastece a localidade já perdeu mais de 80% de seu volume, afetando a pesca, principal fonte econômica de 14 comunidades. O município está em calamidade pública.

- Tudo aqui chega de barco. Agora é feito a pé. E já começa a faltar água potável - disse o prefeito Luiz Brandão.

A pecuária também começa a ser atingida. Em alguns municípios, cerca de 20% do rebanho já morreu. Na pesca, já passam de três toneladas de peixes mortos. (Portal Amazônia)”[13]

Nesse contexto amazônico, do trabalho do fluviário dependem de inúmeras famílias e instituições públicas e privadas do interior do Estado do Amazonas, chegando a própria vida desses munícipes estar comprometida, eis que dependem dos fluviários para o transporte de alimento e medicamentos.

3.2. Trabalho do fluviário

De forma geral a relação contratual de natureza empregatícia apresenta, de um lado, uma pessoa humana, prestador da força de trabalho, o empregado, e, no outro polo, um tomador deste serviços, que pode ser pessoa natural, sociedade ou uma coletividade despersonalizada, como ocorre nos condomínios.

Essa relação empregatícia revela-se de inúmeras formas e características peculiares, as quais facilitam a identificação do trabalhador e da legislação aplicável a atividade. Cite-se como exemplo o emprego doméstico, emprego rural, trabalhadores avulsos portuários etc. Com o trabalho aquaviário, dar-se da mesma forma, uma vez que possui regras especiais na Consolidação das Leis do Trabalho e na A Lei n. 9.537, de 11 de dezembro de 1997 (segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional).

O empregado contratado para trabalhar como aquaviário participa de uma tripulação ou equipagem [14]. Embora muita dúvida ocorra quanto à natureza jurídica do vínculo jurídico entre o tripulante e o armador [15], esta é de natureza empregatícia, apresentando, em muitos casos, como na viagem redonda, matizes de contrato por tempo determinado. Registra-se que na grande maioria dos casos, o comandante ostenta a condição de preposto do armador. Assim, mesmo que o comandante contrate a equipagem[16], se o fizer em no nome de terceiro, o armador, este será o empregador e responsável pelas obrigações contratuais e extracontratuais.

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Eliana Otaviano registra a necessidade de o aquaviário possuir, além da Carteira de Trabalho e Previdência Social, a Caderneta de Inscrição e Registro, expedida pela Marinha do Brasil, via Capitania dos Portos, in verbis:

“Para contratação de tripulante de navio brasileiro, exige-se que tenha Carteira de Trabalho (CTPS) e seja inscrito na capitania dos portos, possuindo a Caderneta e Inscrição e Registro (CIR).

Efetivamente, na contratação dos tripulantes marítimos, o contrato de trabalho, regido pela CLT nos art. 150 a 152 e 248 a 252, é assinado e registrado na Carteira de Trabalho (CTPS). Seqüencialmente, o contratado é ‘embarcado’, isto é, encaminhado a bordo do navio onde deverá assinar o rol de equipagem.

O rol de equipagem é o contrato de embarque, registrado e homologado pela capitania dos portos”[17]

A Lei n. 9.537, de 11 de dezembro de 1997 (segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional), em seu art. 2º, II, define como aquaviário como “todo aquele com habilitação certificada pela autoridade marítima para operar embarcações em caráter profissional”.

No entanto, vários são os profissionais aquaviários que trabalham no apoio da navegação. O Regulamento vindo o Regulamento alham em embarcaçmbiente de trabalho.luavio nossoerais e hidrocarbonetos. da mencionada lei, em seu art. 1º, classifica os aquaviários em 06 (seis) grupos, a saber, o 1º Grupo (marítimos), 2º Grupo (fluviários), 3º Grupo (pescadores), 4º Grupo (mergulhadores), 5º Grupo (práticos) e 6º Grupo (agentes de manobra e docagem).

O 2º Grupo (Fluviários) é formado pelos tripulantes que operam embarcações classificadas para a navegação interior nos lagos, rios e de apoio fluvial.

Os fluviários, por sua vez, são classificados da seguinte forma - no convés: Capitão fluvial, piloto fluvial, mestre fluvial, contramestre fluvial, marinheiro fluvial de convés e marinheiro fluvial auxiliar de convés; e máquinas: supervisor maquinista motorista fluvial, condutor maquinista motorista fluvial, marinheiro fluvial de máquinas e marinheiro fluvial auxiliar de máquinas [18].

Cumpre no entanto, registrar que devido à baixa escolaridade da população da Região Amazônica, a Marinha do Brasil encontra dificuldades na formação do aquaviário, vindo inclusive a reduzir para a região amazônica, a escolaridade mínima exigida para a realização do curso CFAQ II/III – F [19] da 8ª para a 5ª série do ensino fundamental [20].

3.3. O meio ambiente do trabalho do fluviário no Estado do Amazonas

Muitas atividades apresentam-se como potencialmente nocivas a saúde dos trabalhadores, visto que da própria essência do trabalho. Como exemplo pode-se citar os empregados que trabalham em minas. Por maior que seja a atenção com o meio ambiente de trabalho, este sempre será perigoso e nocivo. Outro exemplo é o trabalho

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aquaviário, em especial os fluviários, marítimos, pescadores e mergulhadores, porque a nocividade e o perigo advêm da própria essência do labor.

O trabalho nas embarcações mantém o empregado em contato permanente e por longos períodos com os agentes nocivos, potencializando seus efeitos, como reconhecidamente registrado pelo Ministério do Trabalho e Emprego:

“O trabalhador aquaviário, diante das características que lhe são inerentes, é trabalhador diferenciado em relação às demais profissões. Tem características tão próprias que muitos, inclusive, o consideram como ensejador de uma ramo específico do Direito do Trabalho.

Tais características remetem ao seu ambiente de trabalho, inteiramente atípico, com características que permitem confundi-lo com a própria residência do trabalhador. Suas limitações físicas privam-no do convívio familiar por longos períodos. O trabalho é confinado de forma permanentes e exercido, muitas vezes, em diferentes portos brasileiros e até estrangeiros, sujeitando-o a uma ampla gama de variações climáticas e culturais, além de ser permanentemente submetido a balanços e trepidações. Mais além, a necessidade de prontidão para o trabalho exige que, mesmo nos momentos de descanso, o trabalhador mantenha-se alerta para agir em eventuais emergências ou imprevistos no navio.” [21]

Associada às severas condições do trabalho aquaviário, a Região Amazônica detém características peculiares que agravam as condições de existência humana, o que tornam o meio ambiente do trabalho ainda mais hostil, como registra Eidorfe Moreira, in verbis:

“Ora, o homem encontra-se na Amazônia numa das situações mais ingratas e desfavoráveis em face da natureza. Chega a ser mesmo paradoxal que uma das regiões mais simples e homogêneas sob o ponto de vista geográfico constitua uma das ambiências mais difíceis à adaptação humana. Por isso, quando se fala em ‘complexidade amazônica’, mesmo num sentido geográfico, isso deve ser entendido menos em relação à terra do que em relação ao homem.”[22]

Os trabalhadores que desenvolvem essas atividades não podem ter tratamento igualitário aos demais profissionais. Para que não sejam vítimas do próprio trabalho, pois como diz o provérbio o “trabalho é meio de vida, e não de morte” [23].

Observa-se que os trabalhadores urbanos ao serem acometido de qualquer enfermidade, buscam o respectivo atendimento pelo Sistema Único de Saúde. Já o trabalhador aquaviário na Região Amazônica, frente ao revés, pode encontra-se a dias de viagem do hospital ou pronto socorro mais próximo.

O risco do trabalhador aquaviário é diuturnamente verificado nas hidrovias amazônidas, onde a ausência de fiscalização e informação colaboram para o perverso quadro existente. Isto pode ser exemplificado com a notícia recentemente veiculada, in verbis:

“Na madrugada do naufrágio, dia 6, 47 pessoas estavam a bordo do barco Dona Zilda. Segundo a Marinha, a embarcação estava com nove passageiros acima da lotação permitida. Ela bateu em um barranco, virou e afundou rapidamente. O barco foi localizado na segunda-feira (6), a cerca de 150 metros do local do

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naufrágio. As equipes de resgate encontraram dificuldades para o içamento da embarcação, já que a profundidade do Rio Amazonas, nesse trecho, chega a 35 metros.”[24]

A hostilidade da região é agravada pelas atuais condições dos portos e hidrovias do Estado. Claudio Frota destaca informações a respeito das condições da navegação no Estado do Amazonas:

“O transporte fluvial de passageiro na Amazônia Ocidental assume extrema importância pelo posicionamento dos núcleos populacionais situados às margens dos rios, sem nenhuma alternativa, além do transporte aquaviário.

Se compararmos as embarcações que atuavam na Amazônia Ocidental no início do século passado e as embarcações que atualmente servem tal modo de transporte, percebe-se que pouco mudou nos últimos 100 (cem) anos, conforme se pode observar em fotos tiradas das embarcações à época do ciclo da borrach e as que servem atualmente de único meio de transporte das populações ribeirinhas da região.

Na Amazônia, apesar do transporte ser predominantemente fluvial, muito pouco se conhece a respeito de ações focadas na melhoria da qualidade dos serviços ofertados, movimentação de passageiros/cargas, a formação de tarifas, das características das rotas (tempo nas escalas, portos visitados), por exemplo, o que acaba dificultando um ordenamento de todo o sistema e inviabilizando políticas para o setor.

Ainda que se observem algumas melhorias recentes, em algumas linhas, o sistema de transporte de passageiros tem como configuração geral a de ser carente de segurança aos usuários.

A característica da frota que presta serviço á região é de existência de embarcações com idade elevada, defasada tecnologicamente e de baixo nível de conforto relativamente às alternativas disponíveis das embarcações principalmente no transporte de passageiros.

Único modo de transporte que, pelas características peculiares da Amazônia, possui capacidade de gerar integração social e desenvolvimento regional de regiões ribeirinhas, uma vez que representa o única alternativa de transporte para a população de baixa renda.

A falta de regulamentação pelo governo do Estado do Amazonas, provoca a concorrência desleal entre as linhas regulares e uma multiplicidade de barqueiros clandestinos, que prestam serviços de transporte em precárias condições.

As embarcações clandestinas operam em múltiplas rotas e são carentes de manutenção, segurança, higiene e pontualidade.

Os poucos terminais existentes operam em ambiente insatisfatório de conforto, higiene, serviços inadequado à embarcação e seus passageiros e paisagem do entorno, via de regra, degradada.” [25]

O meio ambiente de trabalho perverso vitima o fluviário de forma agressiva, pois se após um dia de trabalho diretamente em contato com agentes nocivos, a maioria dos

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trabalhadores vão para o seu lar, junto aos familiares para o descanso, o trabalhador aquaviário desloca-se para o seu alojamento nas embarcações, as quais em grande maioria no Estado do Amazonas se resumem as redes que não permitem ao empregado o descanso longe da nocividade do ambiente do trabalho. Algumas viagens com saída da capital chegam a durar 670 horas até o destino final (Manaus-AM/Cruzeiro do Sul/AC – rebocador com duas máquinas de 24.000 HP)[26].

Assim, a implementação de uma fiscalização e uma política de informação e esclarecimento quanto aos riscos da atividade fluvial erguem-se como um dos meios de reduzir as desigualdades entre o fluviário e os demais empregados.

4. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

4.1. Exórdio

É da gênese humana o querer ser igual aos seus pares e é da ganância humana querer ser superior a eles.

O homem, um ser social por natureza, buscou o amparo na coletividade para se proteger de outros animais, dos predadores, e do próprio homem, que na busca de melhores locais para aquisição dos meios de sobrevivência, como o pescado, a caça e a coleta de frutas e demais produtos da natureza, produziram guerras e inúmeros conflitos.

Na antiguidade, a ambição levou o Império Romano a iniciar sua expansão com a conquista das últimas possessões romanas na Gália por Clóvis (481-511). Vindo a experimentar sua decadência a partir de meados do século X, desmembrando-se nos reinos da Itália, da Francônia ou Franco-oriental (Germânia) e Franco-ocidental (França). O rei Felipe IV, o Belo, em 1302, criou os Estados Gerais, compostos de representantes do clero, dos nobres e dos comuns (mercadores citadinos que haviam adquirido bastante força e dispunham de vultosos recursos financeiros), denominados Terceiro Estado ou estado de plano. O absolutismo monárquico que se manteve por vários séculos encontrou seu fim pela Revolução Francesa.[27]

A busca de garantia mínima à pessoa começaram a aparecer ante a derrocada do regime feudal, as normas pretéritas já não atendiam a nova ordem.

A proteção da igualdade, mesmo ao fim da idade média, já se apresentava como necessária entre os povos, bem como forma uma de prevenção às guerras e garantia da estabilidade coletiva. As leis, instrumentos de garantia da paz social, passam a estabelecer limites para o equilíbrio da sociedade, que à época se via a beira de mudanças. Essa busca de igualdade até então fragmentária é observada já no movimento precursor da Revolução Francesa, como se pode perceber nas palavras de Montesquieu, in verbis:

“Logo que os homens se reúnem em sociedade, perdem o sentimento da própria fraqueza; a igualdade que entre eles existia desaparece, e principia o estado de guerra.” [28]

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Esse germinar da ânsia de novos direitos e novas igualdades trouxeram garantias à burguesia e, por via reflexa, ao homem do povo, como se observa nas palavras de Sieyès ao hostilizar as leis instituidoras de desigualdades, in verbis:

“As leis, que, pelo menos, deveriam estar livres de parcialidade, também se mostram cúmplices dos privilegiados. Contra quem? Contra o povo, etc.” [29]

Os direitos fundamentais garantidores da igualdade aparecem como um dos pilares do constitucionalismo, onde demonstra que o povo é parte integrante da constituição. As palavras de La Salle ilustram bem esse pensamento:

“Imaginemos agora que o Governo, procurando salvaguardar os privilégios da nobreza, dos banqueiros, dos grandes industriais, de todos os grandes capitais, tentava privar das suas liberdades políticas a pequena burguesia e a classe operária”.

Ainda que transitoriamente, os fatos demonstram que esta medida é possível.

Mas já não o seria se o Governo procurasse ainda, cumulativamente, retirar à pequena burguesia e aos trabalhadores as suas próprias liberdades pessoais, isto é se pretendesse restaurar o escravagismo, transformando o trabalhador num simples escravo.

Embora, neste caso, a nobreza e a grande burguesia apoiassem o rei, o povo revoltar-se-ia, a multidão sairia à rua sem necessitar que os patrões encerrassem as fábricas, a pequena burguesia juntar-se-ia solidamente ao povo e a resistência desse bloco seria invencível.

Nos casos mais extremos e desesperados também o povo, todos nós, somos uma parte integrante da Constituição. ”[30]

As constituições pátrias sempre trouxeram o princípio da igualdade de forma expressa, como se pode observar a seguir:

“EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:

§ 1º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de raça.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967

2393

Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei.

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

(DE 18 DE SETEMBRO DE 1946)

Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º Todos são iguais perante a lei.

CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

(DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937)

Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

1º) todos são iguais perante a lei;

CONSTITUIÇÃO REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

(DE 16 DE JULHO DE 1934)

Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

(DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891)

2394

Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 2º - Todos são iguais perante a lei.

CONSTITUIÇÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL

(DE 25 DE MARÇO DE 1824)

EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

(...)

XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.”

Como observado, até a Constituição Imperial trouxe regras expressa sobre o princípio da igualdade.

Hodiernamente, a Constituição da República traz o princípio da igualdade positivado no art. 5º, caput, nos seguintes termos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Outros países trazem, também o princípio de igualdade de forma expressa no texto constitucional. A Constituição Portuguesa apresenta o princípio da igualdade em seu art. 13º, in verbis:

“Artigo 13.º (Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

O princípio da igualdade, constitucionalmente positivado ao longo da existência do Brasil enquanto nação soberana, firma-se como desiderato dos menos favorecidos, classes às quais se encontram os excluídos social e financeiramente.

2395

O fluviário submete-se ao alvedrio do empregador para trabalhar em um ambiente úmido, quente, com ruídos elevados e trepidações diuturnamente nas viagens pela Região Amazônica, com baixos salários e em embarcações sem equipamentos de segurança adequados, na busca do sustento seu e de sua família.

4.2. Eficácia das normas constitucionais

Sandro Nahmias Melo chama a atenção para “problema terminológico”, assim reconhecido por Meirelles Teixeira e José Afonso da Silva, quanto à utilização dos vocábulos vigência, validez, validade, eficácia e aplicabilidade. Conceitos estes que ora são usados como sinônimos ora com significados totalmente opostos [31].

Ingo Wolfgang Sarlet apresente essas diferenças, in verbis:

“Importa salientar, ainda, que a doutrina pátria tradicionalmente tem distinguido – e neste particular verifica-se substancial consenso – as noções de vigência e eficácia, situando-as em planos diferenciados. Tomando-se a paradigmática lição de José Afonso da Silva, a vigência consiste na qualidade da norma que a faz existir juridicamente (após regular promulgação e publicação), tornando-a de observância obrigatória, na medida em que apenas a norma vigente pode vir a ser eficaz. Todavia, convém não esquecer a íntima correlação entre as noções de vigência e validade, havendo que defina a validade da norma como uma qualidade decorrente do cumprimento regular (no sentido de conforme ao ordenamento jurídico) de seu processo de formação, identificando, neste sentido, a validade com a própria existência da norma. Afastando-se ainda mais das concepções referidas, situa-se o entendimento do constitucionalista fluminense Luiz Roberto Barroso, que, partindo da distinção entre existência (considerada como presença dos elementos constitutivos – agente, forma e objeto – do ato normativo que configuram seus pressupostos materiais de incidência) e validade, define esta última como a conformação do ato normativo aos requisitos estabelecidos pelo ordenamento jurídico no que concerne à competência, adequação da forma, bem à licitude e possibilidade de seu objeto, noção esta que, segundo sustenta, não se confunde com a vigência de uma norma, que se traduz na sua existência jurídica e aplicabilidade” [32]

Para a proteção do meio ambiente do fluviário é relevante que a norma ambiental tenha eficácia jurídica e eficácia social, pois somente com efeitos concretos a proteção da ambiência do trabalho embarcado se aproximará da proteção da ambiência dos demais trabalhadores.

4.3. Igualdade formal e material

A aplicação direta da lei, sem parâmetros, a todos os casos pode trazer inúmeras injustiças, inclusive com resultados perversos. O próprio princípio da igualdade pode ser utilizado de forma a desvirtuar o seu objetivo, é o que relata Enrique Leff:

“Em torno do princípio da igualdade dos direitos individuais, da poupança e do trabalho, do lucro e da acumulação, do progresso e da eficiência, construiu-se uma ordem internacional que levou a concentração do pode econômico e político, à homogeneização dos modelos produtivos, dos padrões de consumo e dos estilos de vida. Isso levou a desestabilizar os equilíbrios ecológicos, a desarraigar os sistemas culturais e a dissipar os sentidos da vida humana. A busca de status, de lucro, de prestígio, de

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poder substituiu os valores tradicionais: o sentido de enraizamento, equilíbrio, pertença, coesão social, cooperação, convivência e solidariedade.”[33]

Para se atingir os objetivos do princípio da igualdade é indispensável que essa igualdade se dê no plano formal e material.

Celso Ribeiro Bastos apresenta os dois conceitos (igualdade formal e material), nos seguintes termos:

“A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida.

(...)

De qualquer maneira, sem que se pretenda neste tópico elucidar quais são as discriminações vedadas pelo atual Sistema Constitucional, faz-se necessário esclarecer o que se entende por igualdade formal. Esta consiste no direito de todo cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância com os critérios albergados ou ao menos não vedados pelo ordenamento constitucional.”[34]

O princípio da igualdade busca a proteção igualitária da pessoa humana em sua dignidade, impondo ao legislador, ao administrador público e ao julgador, imprimir esforços na busca de minorar as arbitrariedades e privilégios de forma a melhorar as condições da dignidade da pessoa humana dos menos favorecidos socialmente.

Pinto Ferreira apresenta esse objetivo do princípio da igualdade, in verbis:

“Porém, sobretudo depois de Htschek, no Deutsches und preussisches Staatsrecht (1922, p. 196), que foi, aliás, o primeiro a sustentar tal doutrina entre os modernos juristas alemães, esse princípio constitucional tem por objetivo primacial uma proibição da desigualdade jurídica material.”[35]

Cumpre salientar que a igualdade formal é sobremaneira importante, Canotilho registra essa importância:

“Reduzido a um sentido formal, o princípio da igualdade acabaria por se traduzir num simples princípio de prevalência da lei em face da jurisdição e da administração. Conseqüentemente, é preciso delinear os contornos do princípio da igualdade em sentido material. Isto não significa que o princípio da igualdade forma não seja relevante nem seja correto.”[36]

Há de se ter que a observância da igualdade formal é essencial para a defesa do meio ambiente do trabalho do fluviário, pois se necessita que um arcabouço jurídico que permitam uma melhor fiscalização e responsabilizem os infratores. Entretanto, apenas a observância da igualdade formal não é suficiente. A busca da igualdade material é que tornar real ao fluviário, em seu ambiente de trabalho, a efetividade do princípio da igualdade, conforme consagrada como direito fundamental.

4.4. Prestações positivas – concretização do princípio da igualdade

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Os direitos de proteção ao meio ambiente do trabalho estão contidos no rol dos direitos sociais, culturais e econômicos, os quais nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não podem se separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula [37].

Para se concretizar princípio da igualdade apresenta-se imprescindível a proteção do ambiente do trabalho do fluviário e para se alcançar essa proteção demanda prestações positivas. Estas devem advir do Estado, enquanto regulador e fiscalizador da atividade e da sociedade civil.

Em termos de legislação, observam-se no plano internacional algumas importantes disposições.

O Decreto n. 6.766, de 10 de fevereiro de 2009, que promulga a Convenção no 178 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à Inspeção das Condições de Vida e de Trabalho dos Trabalhadores Marítimos, assinada em Genebra, em 22 de outubro de 1996, estabelece, em seu art. 5, item 2, (d), que os inspetores devidamente credenciados estarão autorizados para, quando tenham motivos para acreditar que uma deficiência representa um sério risco para a segurança e a saúde dos trabalhadores marítimos, proibir, reservado o direito de recorrer a uma autoridade judicial ou administrativa, que um navio abandone o porto até que tenham sido adotadas as medidas necessárias, não devendo ser este impedido de sair ou detido além do tempo necessário e justificável.

A legislação doméstica, também, traz importantes disposições acerca do tema. Objetivando minorar as condições hostis de trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho apresenta algumas regras mais benéficas aos fluviários, como a que estabelece que as horas extraordinárias de trabalho são indivisíveis, computando-se a fração de hora como hora inteira (art. 250, parágrafo único, CLT). No entanto, as regras da legislação consolidada são tímidas e não trazem garantias mais efetivas na busca da redução das desigualdades.

A Norma Reguladora n. 30, Ministério do Trabalho, traz dispositivos mais eficazes na proteção do fluviário, como a obrigatoriedade da constituição do Grupo de Segurança e Saúde no Trabalho a Bordo das Embarcações (GSSTB) de bandeira nacional com, no mínimo, 500 de arqueação bruta(AB), independentemente da constituição da comissão interna de prevenção à acidentes (CIPA). Este grupo, sob a responsabilidade do comandante, é formado pelo Oficial encarregado da segurança, Chefe de máquinas, Mestre de Cabotagem ou Contramestre, Tripulante responsável pela seção de saúde e pelo Marinheiro de Maquinas[38].

A mencionada norma estabelece finalidades e atribuições ao grupo de segurança e saúde. As finalidades do grupo são: manter procedimentos que visem à preservação da segurança e saúde no trabalho e do meio ambiente, procurando atuar de forma preventiva; agregar esforços de toda a tripulação para que a embarcação possa ser considerada local seguro de trabalho; contribuir para a melhoria das condições de trabalho e de bem-estar a bordo; recomendar modificações e receber sugestões técnicas que visem a garantia de segurança dos trabalhos realizados a bordo; investigar, analisar e discutir as causas de acidentes do trabalho a bordo, divulgando o seu resultado; adotar providências para que as empresas mantenham à disposição do GSSTB informações, normas e recomendações atualizadas em matéria de prevenção de acidentes, doenças

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relacionadas ao trabalho, enfermidades infecto-contagiosas e outras de caráter médico-social; zelar para que todos a bordo recebam e usem equipamentos de proteção individual e coletiva para controle das condições de risco [39].

O GSSTB tem importantes atribuições que efetivamente são prestações positivas, instrumentalizando melhor a proteção do meio ambiente do trabalho do fluviário e materializado o princípio da igualdade, são elas: zelar pelo cumprimento a bordo das normas vigentes de segurança, saúde no trabalho e preservação do meio ambiente; avaliar se as medidas existentes a bordo para prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho são satisfatórias; sugerir procedimentos que contemplem medidas de segurança do trabalho, especialmente quando se tratar de atividades que envolvam risco; verificar o correto funcionamento dos sistemas e equipamentos de segurança e de salvatagem; investigar, analisar e divulgar os acidentes ocorridos a bordo, com ou sem afastamento, fazendo as recomendações necessárias para evitar a possível repetição dos mesmos; preencher o quadro estatístico de acordo com o modelo constante no Quadro I anexo e elaborar relatório encaminhando-os ao empregador; participar do planejamento para a execução dos exercícios regulamentares de segurança, tais como abandono, combate a incêndio, resgate em ambientes confinados, prevenção a poluição e emergências em geral, avaliando os resultados e propondo medidas corretivas; promover, a bordo, palestras e debates de caráter educativo, assim como a distribuição publicações e/ou recursos audiovisuais relacionados com os propósitos do grupo; identificar as necessidades de treinamento sobre segurança, saúde do trabalho e preservação do meio ambiente; quando da ocorrência de acidente de trabalho o GSSTB deve zelar pela emissão da CAT e escrituração de termo de ocorrência no diário de bordo[40].

Extrai-se que a norma regulamentar do Ministério do Trabalho e Emprego apresenta dispositivos mais eficazes na busca da proteção do meio ambiente do trabalho do fluviário.

A normatização autônoma apresenta-se importante nesta proteção. A Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre as categorias afetas a navegação no Estado do Amazonas[41] apresenta importante dispositivos na busca da igualdade material entre os fluviários e demais trabalhadores.

A norma coletiva em questão traz a previsão quanto aos adicionais de insalubridade e periculosidade para equipagem, in verbis:

“CLÁUSULA 11ª – ADICIONAL DE INSALUBRIDADE OU PERICULOSIDADE

Os tripulantes farão jus ao adicional de insalubridade na ordem de 20% (vinte por cento) calculado sobre a soldada-base. No caso de direito ao adicional de periculosidade, quando couber, será devido apenas este adicional indistintamente a todos os tripulantes, na razão de 30% (trinta por cento) calculado sobre a soldada-base.”

Observa-se que o adicional é estendido a todos os tripulantes, independentemente da atividade ou do local em que trabalhe na embarcação.

A convenção traz outros dispositivos que beneficiam os fluviários, a saber:

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“CLAUSULA 27ª – INDENIZAÇÃO POR SINISTRO A BORDO

Na hipótese de sinistro a bordo, devidamente comprovado através de inquérito procedido pela autoridade naval, que resultar em perda total de objetos de uso pessoal e uniformes do empregado, ser-lhe-á assegurada uma indenização por tal perda, correspondente a 03 (três) salários mínimos vigentes na época do sinistro, desde que para o mesmo a tripulação não haja concorrido com culpa ou dolo.

CLAUSULA 33ª – AUXÍLIO MEDICAMENTO

Em caso de afastamento do empregado por doença, a cargo do INSS, o empregador pagará até 12% (doze por cento) da última remuneração recebida, para despesas efetivamente comprovadas na compra de medicamentos.

CLAUSULA 35ª – COMPLEMENTO DE AUXÍLIO DOENÇA PARA ACIDENTE

Aos tripulantes afastados do serviço por motivo de acidente de trabalho a empresa concederá complementação de salário que se somará ao beneficio do INSS, pelo prazo de 2 (dois) meses, quando o empregado tiver mais de 12 (doze) meses ininterruptos de tempo de serviço na empresa.”

Infelizmente, observa-se no plano da negociação coletiva que há uma monetarização do meio ambiente do trabalho.

Não se busca, efetivamente, apresentar instrumento de proteção do fluviário, mas uma contraprestação pecuniária pelos riscos e enfermidades sofridas pelo trabalhados.

A monetarização da saúde do trabalhador é conduta perversa que depõe contra aos princípios do Direito Ambiental e do Direito do Trabalho. Camille Simonin apresenta essa questão:

“O adicional dito de insalubridade é imoral e desumano; é uma espécie de adicional do suicídio; ele encoraja os mais temerários a arriscar a saúde para aumentar seu salário; é contrário aos princípios da Medicina do Trabalho e à Declaração dos Direitos do Homem.”[42]

O meio ambiente do trabalho, seja ele considerado como direito difuso ou direito coletivo, é um direito indisponível. Não pode o empregado vender sua saúde e, conseqüentemente, sua vida.

Deve-se, não só indenizar o trabalhador, mas buscar formas e meio para reduzir e se possível eliminar os riscos para a saúde obreira. Neste mister, não pode relegar o meio ambiente do trabalho a segundo plano e apenas ser utilizado como forma de ressarcimento financeiros pelos riscos e danos ambientais experimentados pelo fluviário.

5. A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO DO FLUVIÁRIO NO ESTADO DO AMAZONAS: EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA

2400

Como já mencionado, pelas características peculiares do trabalho fluviário na Amazônia, não se pode fazer a abordagem sob uma perspectiva somente em termos de igualdade formal, sob pena de se impingir profunda desigualdade material.

O acervo jurídico de proteção do trabalho fluviário é substancial. Todavia, a fiscalização é deficitária. Esforços estão sendo feito pelo ministério do Trabalho para melhorar o atual quadro, como o Projeto de Fiscalização Aquaviária no Amazonas “LEVANDO A LEI TRABALHISTA AOS RIOS”[43]. Neste projeto, sob o comando da Dra. Renata Torres Soares da Rocha, Coordenadora Regional de inspeção do Trabalho Portuário e Aquaviário – CORITPA, com o apoio da Marinha do Brasil e da Polícia Militar do Estado do Amazonas, foi oficializado o chamado GMP - Grupo Móvel Portuário, em que Auditores-Fiscais da área compõem uma equipe nacional que, conforme planejamento prévio, foi enviada a outros estados para desenvolver atividade de fiscalização marítima/fluvial, em auxílio aos colegas locais. Realizado no segundo semestre do ano de 2008, o projeto alcançou os seguintes resultados: 52 ações fiscais; 200 trabalhadores registrados; R$60.000,00 de FGTS recolhido; regularização de vários itens de segurança, tais como: fornecimento de equipamentos de proteção individual, disponibilização de banheiros, realização de Atestados de Saúde Ocupacional – ASO e a constituição de várias empresas formalmente perante os órgãos competentes para o acolhimento legal dos empregados que trabalham em embarcações.

A Marinha do Brasil, na fiscalização dos rios da Amazônia Ocidental, com 26.357 embarcações inscritas (Amazônia Ocidental), conta com 11 agências flutuantes, 65 lanchas, 16 navios e 06 aeronaves UH-12 (esquilo). Os principais problemas para a fiscalização são: a inexistência de regulamentação do transporte fluvial de passageiros e cargas, serviço ineficaz e de baixa qualidade para usuários; bem como infra-estrutura portuária atual inadequada, com poucos terminais hidroviários de passageiros, acarretando o descontrole no embarque de passageiros e cargas, além de resultar em desconforto para os usuários [44].

A perspectiva atual é equivocada. O meio ambiente do trabalho integra o meio ambiente como um todo [45], sendo competência material comum da União, dos Estados e Municípios[46].

O Estado como um todo deve promover essa proteção. Como registra Canotilho:

“No plano prático, a consideração do ambiente como tarefa ou fim normativo-constitucionalmente consagrado implica a existência de autênticos deveres jurídicos dirigidos ao Estado e demais poderes públicos. Estes deveres jurídicos subtraem à disponibilidade do poder estadual a decisão sobre a proteção ou não proteção do ambiente. Por outras palavras: não está na livre disposição dos poderes públicos decidir se o ambiente (os elementos naturais da vida) devem ou não ser protegidos e defendidos. A imposição constitucional é clara: devem!”[47]

Os Estados e os Municípios devem contribuir com a fiscalização do meio ambiente do trabalho do fluviário. Aqueles não podem fiscalizar o trabalho, mas podem, e devem, fiscalizar o meio ambiente em que este trabalho é desenvolvido, como o nível de ruídos, trepidações, temperatura, qualidade da água fornecida aos passageiros e à tripulação, exposição a agentes químicos etc. Concernente ao transporte fluviário de pessoas e

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cargas (transporte misto), observa-se que o meio ambiente não tem influência somente sobre a equipagem, mas também sobre os passageiros e carga.

Limitar o meio ambiente do trabalho aos princípios do Direito do Trabalho, este com gênese no direito privado, sob a competência exclusiva da União (Ministério do Trabalho), é privar o trabalhador de uma proteção mais efetiva de sua saúde e segurança em seu labor diário e ir de encontro ao princípio constitucional da igualdade, visto que permite que o fluviário permaneça em contato com um meio ambiente de trabalho perverso e em flagrante desvantagem aos demais trabalhadores.

O fluviário que desenvolvem atividades, hostis por natureza, não podem ter tratamento igualitário aos demais profissionais. Para que não sejam vítimas do próprio trabalho, pois como diz o provérbio “Trabalho é meio de vida, e não de morte.”[48]

Plauto Faraco de Azevedo traz palavras que traduzem esse desequilíbrio de forças, in verbis:

“Vivemos em um mundo dilacerado pela desigualdade e pela injustiça, em que uma, dentre cada quatro pessoas, sobrevive abaixo das condições mínimas indispensáveis à dignidade humana. A própria vida acha-se ameaçada pela contaminação sistemática da biosfera.”

Os trabalhadores de forma geral ao serem acometido de qualquer infortúnio, podem, quase que imediatamente, buscar o respectivo atendimento pelo Sistema Único de Saúde, ante a proximidade dos grandes centros. Já o fluviário, frente ao revés, pode encontra-se há dias, ou semanas, de viagem do hospital ou pronto socorro mais próximo.

6. CONCLUSÃO

Embora se observe inúmeros esforços dos agentes públicos (Marinha do Brasil, Ministério do Trabalho, ANAQ etc.) o resultado não é significativo.

Nem todos os auditores-fiscais do trabalho, nem toda a Marinha do Brasil, ou qualquer outro agente público fiscalizador apresentará resultados razoáveis em longo prazo.

Os atos repressivos são medidas extremas que custam muito ao erário, com mobilização de pessoal e material, e muitas vezes são comprometidas pela falta de preparação específica dos servidores públicos, os quais em muitos casos estão desestimulados pelos baixos salários.

Para transforma esse quadro e fazer valer o princípio da igualdade será necessário efetivar outros princípios, como da participação, informação ambiental e educação ambiental.

Ou seja, somente com informação, onde deve ser franqueado ao fluviário o pleno conhecimento sobre as normas de proteção do seu meio ambiente de trabalho e os órgãos aos quais pode buscar a fiscalização e a reparação patrimonial pelos danos decorrentes do hostil ambiente de trabalho.

2402

Embora seja previsto nos cursos de formação do fluviário os módulos de meio ambiente e saúde e segurança no trabalho, a educação ambiental é uma constante que se torna indispensável na melhoria contínua da qualidade do meio ambiente do trabalho, como o correto tratamento de água, o cuidado com os resíduos e outros.

Por fim, e não menos importante, a participação da sociedade civil, como organizações não governamentais, sindicatos, comissões internas de prevenção a acidentes (CIPA), Grupo de Segurança e Saúde no Trabalho a Bordo das Embarcações (GSSTB), associações de armadores, todos no emprenho de promover melhor educação, com palestras, fornecimento de cestos para coleta seletiva de lixo e o combate a informalidade, visto que prejudica ao fluviário, ao armador, ao comandante da embarcação e aos órgãos de fiscalização.

Cumpre ressaltar que os princípios de Direito Ambiental apresentam-se plenamente compatíveis na busca de uma eficiente proteção do meio ambiente do trabalho e no rumo da materialização do princípio da igualdade.

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[1] < http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A2mocles> acesso em 09/04/2009.

[2] FONSECA, Ozorio Jose de Menezes. Aula de março/2007 do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas.

[3] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2007, pág. 21/23.

[4] FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2ª ed., São Paulo: LTr, 2007, pág. 46.

[5] Art. 200, VIII, da Constituição da República.

[6] O princípio do poluidor-pagador (verursacherprinzip) visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambienta. (...) Pela aplicação deste princípio, impõe-se ao “sujeito econômico” (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 142.

[7] “A informação ambiental não tem o fim exclusivo de formar a opinião pública. Valioso formar a consciência ambiental, mas com canais próprios administrativos e judiciais, para manifestar-se.” MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2006 , pág. 88

[8] “Por sua vez, o princípio da prevenção, com um status no direito internacional mais antigo do que o da precaução, deve ser invocado em todas as atividades ou empreendimentos cujo efeito no ambiente sejam conhecidos e previsíveis, ainda que notáveis, como é o caso da construção de barragens para aproveitamento hidrelétrico de rios”. RIOS, Aurélio Virgílio Veiga Der (Org.), O direito e o desenvolvimento sustentável. São Paulo, Petrópolis, 2005, pág. 95.

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[9] “Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente.” (Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).

[10] BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Função Ambiental. < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8754 > acesso em 21/04/2009.

[11] MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operário. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional: 1905, pág. 32/33.

[12] http://www.amazonas.am.gov.br/pagina_interna1.php?cod=15, acesso em 30.09.2008.

[13] <http://portalamazonia.globo.com/noticias.php?idN=26449&idLingua=1> acesso em 18/04/2009.

[14] MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. Volume 1, 3ª Ed. Barueri, SP: Manole, 2008, pág. 282.

[15] Armador: Vocábulo em uso na linguagem do Direito Marítimo, para indicar a pessoa que prepara, ou arma um navio, pondo-o em condições, ou o aparelhando para viajar. (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 1996, pág. 190).

[16] Equipagem: é, pois, constituída comente pela marinhagem ou marinheiros, que se engajam para os serviços de bordo. Em regra, a equipagem é engajada ou contratada pelo capitão do navio. (SILVA, De Plácio e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, Forense, 1996, pág. 180/181)

[17] MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. Volume 1, 3ª Ed. Barueri, SP: Manole, 2008. pág. 287.

[18] BRASIL. Ministério da Defesa. Marinha do Brasil. https://www.dpc.mar.mil.br/normam/N_13/N_13.htm, acesso em 17/09/2008.

[19] CFAQ – II/III - F. Curso de Formação de aquaviário, categorias de subalternos (Convés: piloto fluvial, mestre fluvial, contramestre fluvial, marinheiro fluvial de convés, marinheiro fluvial auxiliar de convés;Máquinas: condutor maquinista motorista fluvial, marinheiro fluvial de máquinas, marinheiro fluvial auxiliar de máquinas.(NORMAN 13). <https://www.dpc.mar.mil.br/epm/prepom/aquaviarios/02_CFAQ_II_III.pdf > acesso em 13/04/2009.

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[20] JESUS, Dennis Teixeira de. Capitão-de-Mar-e-Guerra. Capitão dos Portos da Amazônia Ocidental. I Congresso de Navegação e Logística na Amazônia Legal. Palestra apresentada no dia 15/11/2008, na cidade de Manaus/Estado do Amazonas.

[21] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Manual do trabalho aquaviário. Brasília: TEM, SIT, DEFIT, DSST, CGASAT, 2005, pág. 15.

[22] MOREIRA, Eidorfe. Conceito de Amazônia. Coleção Araújo Lima. S.P.V.A. Rio de Janeiro: 1958, pág. 5. < http://scielo.isciii.es/pdf/mesetra/v54n210/especial1.pdf > Acesso em 11.11.2008.

[23] < http://www.hkocher.info/minha_pagina/port/port_t03.htm > Acesso em 11.11.2008.

[24] < http://portalamazonia.globo.com/noticias.php?idN=81621&idLingua=1> Acesso em 09/04/2009.

[25] FROTA, Cláudio. As ferramentas da qualidade aplicadas ao transporte de passageiros na Amazônia Ocidental. I Congresso de Navegação e Logística na Amazônia Legal, de 13 a 16 novembro de 2008, em Manaus.

[26] SILVA, Manoel José Jesus da. Secretário de Finanças do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Marítimo e Fluvial do Estado do Amazonas (22 anos como maquinista de rebocador). Entrevista realizada por Marcelo de Vargas Estrella em 11.03.2008.

[27] BASTOS, Aurélio Wander. A Constituinte Burguesa, “Que é o Terceiro Estado’. Nota explicativa, 3ª edição, Organização e Introdução Aurélio Wander Bastos, Frêjus (1748), Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997, pág. 7/8”.

[28] MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Tradução: Jean Melville, Editora Martin Claret, São Paulo: 2007 (1ª edição, 1748), pág. 20.

[29] SIEYÈS, Emmanuel Joseph, A Constituinte Burguesa “O que é o Terceiro Estado? 3ª edição, Organização e Introdução Aurélio Wander Bastos, Frêjus (1748), Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997, pág. 84.

[30] SALLE, Ferdinand La. O que é uma Constituição Política. Global Editora, tradução Manoel Soares, 1987, pág. 41.

[31] MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência: o princípio constitucional da igualdade: ação afirmativa. São Paulo: LTr, 2004,pág. 98.

[32] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editores, 2004, pág. 226.

[33] LEFF, Enrique. Saber ambiental. São Paulo, Vozes, 2004, pág. 84.

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[34] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, pág. 165/166.

[35] FERREIRA, Pinto.Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, pág. 144.

[36] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, Coimbra, 1993, pág. 564.

[37] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, pág. 564.

[38] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma regulamentar n. 30, item 30.4.5.1.

[39] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma regulamentar n. 30, item 30.4.6.

[40] Idem, item 30.4.7.1.

[41] Convenção Coletiva de Trabalho que entre si celebram o Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas e Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Marítimos e Fluvial no Estado do Amazonas, ano 2007.

[42] “Médicine du travail”, apud SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 19ª ed. São Paulo: LTr, 2000, pág.922.

[43] ROCHA, Renata Torres Soares da. Projeto de fiscalização aquaviária no Amazonas “LEVANDO A LEI TRABALHISTA AOS RIOS”. Ministério do Trabalho e Emprego.

[44] JESUS, Dennis Teixeira de. Capitão-de-Mar-e-Guerra, Capitão dos Portos da Amazônia Ocidental. I Congresso de Navegação e Logística na Amazônia Legal. Palestra apresentada em Manaus, dia 15 de novembro de 2008.

[45] Art. 200, VIII, da Constituição da República.

[46] Art. 23, VI, da Constituição da República.

[47] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 181.

[48] < http://www.hkocher.info/minha_pagina/port/port_t03.htm > Acesso em 11/11/2008.

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