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CU RSO DE DIREITO Disciplina Direito Civil V (Família) Professor: MARCOS VINÍCIUS LINHARES CONSTANTINO DA SILVA LEITURA COMPLEMENTAR A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida * Cristiano Chaves de Farias FONTE: FARIAS, Cristiano Chaves. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida. In: Revista Persona, Revista Electrónica de Derechos Existenciales, Argentina, n. 9, set. 2002, disponível em http://www.revistapersona.com.ar/9farias.htm; acesso em 22-06-2010. “O que gostaria de conservar na família no terceiro milênio são seus aspectos mais positivos: a solidariedade, a fraternidade, a ajuda mútua, os laços de afeto e o amor. Belo sonho”. (Michelle Perrot) 1. Nota prévia: modelando a feição da família. Dúvida inexiste de que a família, na história dos agrupamentos humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico e como fenômeno social, motivo pelo qual é preciso compreendê-la por diferentes ângulos (perspectivas científicas), numa espécie de “paleontologia social”. 1 O ser humano supõe-se nascido inserto no seio familiar – estrutura básica social – de onde se inicia a moldagem de suas potencialidades com o propósito da convivência em sociedade e da busca de sua realização pessoal. 1 Nesse diapasão, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, cf. Direito Civil – Alguns aspectos de sua evolução, cit., p.167.

A família da pós-modernidade

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CU RSO DE DIREITO

Disciplina Direito Civil V (Família)

Professor: MARCOS VINÍCIUS LINHARES CONSTANTINO DA SILVA

LEITURA COMPLEMENTAR

A família da pós-modernidade: em buscada dignidade perdida* Cristiano Chaves de FariasFONTE:FARIAS, Cristiano Chaves. A família da pós-modernidade: em busca da dignidade perdida. In: Revista Persona, RevistaElectrónica de Derechos Existenciales, Argentina, n. 9, set. 2002, disponível em http://www.revistapersona.com.ar/9farias.htm;acesso em 22-06-2010.

“O que gostaria de conservar na família no terceiro milênio sãoseus aspectos mais positivos: a solidariedade, a fraternidade, aajuda mútua, os laços de afeto e o amor. Belo sonho”.(Michelle Perrot)

1. Nota prévia: modelando a feição da família.Dúvida inexiste de que a família, na história dos agrupamentos

humanos, é o que precede a todos os demais, como fenômeno biológico ecomo fenômeno social, motivo pelo qual é preciso compreendê-la pordiferentes ângulos (perspectivas científicas), numa espécie de “paleontologiasocial”.1

O ser humano supõe-se nascido inserto no seio familiar – estruturabásica social – de onde se inicia a moldagem de suas potencialidades com opropósito da convivência em sociedade e da busca de sua realização pessoal.

1 Nesse diapasão, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, cf. Direito Civil – Alguns aspectos de sua evolução, cit.,p.167.

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Não se olvide, nessa esteira, que o normal é que na família sesucedam os fatos elementares da vida do ser humano, desde o nascimentoaté a morte. No entanto, além de atividades de cunho natural, biológico,também é a família o ponto de partida fecundo para fenômenos culturais,tais como as escolhas profissionais e afetivas, além da vivência dosproblemas e sucessos. Nota-se, assim, que é nesta ambientação primáriaque o homem se distingue dos demais animais, pela susceptibilidade deescolha de seus caminhos e orientações, formando grupos elementares ondedesenvolverá sua personalidade, na busca da felicidade2 – aliás, não só pelafisiologia, como, igualmente, pela psicologia, pode-se afirmar que o homemnasce para ser feliz.

A família abandona um caráter natural, assumindo uma nova feição,forjada em fenômenos culturais, motivo pelo qual RODRIGO DA CUNHAPEREIRA assevera, com total razão, se tratar de “uma estrutura psíquica eque possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolverrelações na polis”.3

Enfim, no dizer claro da eminente antropóloga CYNTHIA A. SARTI, “afamília vai ser a concretização de uma forma de viver os fatos básicos davida”.4

Sem dúvida, então, a família é o fenômeno humano em que se funda asociedade, sendo impossível compreendê-la, senão à luz dainterdisciplinaridade, máxime na sociedade contemporânea, marcada porrelações plurais, aberta e multifacetárias.

Destaca ELISABETE DÓRIA BILAC a premente necessidade de uma“abordagem da família que dê conta da complexidade desse objeto, emnossos dias”, a partir exatamente de “uma construção interdisciplinar”, poisse trata da melhor maneira de vencer a encruzilhada a que chegaram osestudos sobre a matéria, dada a complexidade natural do tema.5

É que o fenômeno familiar “não é uma totalidade homogênea, mas umuniverso de relações diferenciadas”6, que atingirão cada uma das partes nelainseridas de modo diferenciado, necessitando, via de consequência, de um

2 É, portanto, a inserção definitiva da família no terreno da cultura, desprendendo de velhos conceitos biológicos. Arespeito do tema, CLAUDE LEVY-STRAUSS, com rara sensibilidade, já percebia o fenômeno de desnaturalizaçãoda família, retirando-a do campo biológico, para encartá-la na seara cultural, a partir da compreensão do parentescoa partir de um laço social, desatrelado do fato biológico, cf. Les structures élémentaires de la parenté, Paris:Mouton, 1967.

3 Cf. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica, cit., p.35.

4 Cf. “Família e individualidade: um problema moderno”, cit., p.40.

5 Cf. “Família: algumas inquietações”, cit., p.37.

6 Cf. SARTI, Cynthia A., “Família e individualidade: um problema moderno”, cit., p.39.

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enfoque multidisciplinar para a sua compreensão global. Do contrário, épossível que se enxergue menos do que a ponta do iceberg.

Sobreleva, assim, perceber que as estruturas familiares são guiadaspor diferentes modelos, variantes nas perspectivas espácio-temporal,pretendendo atender às expectativas da própria sociedade e às necessidadesdo próprio homem.

Induvidosamente, a família traz consigo uma dimensão biológica,espiritual e social, afigurando-se necessário, por conseguinte, suacompreensão a partir de uma feição ampla, considerando suasidiossincrasias e peculiaridades, o que exige a participação de diferentesramos do conhecimento, tais como a sociologia, a antropologia, a filosofia, ateologia, a biologia (e, por igual, da biotecnologia e a bioética) e, ainda, daciência do direito.

2. A travessia histórica: vencendo águas revoltas na buscade uma arquitetura familiar contemporânea.

É inegável que a multiplicidade e variedade de fatores (de diversasmatizes) não permitem fixar um modelo familiar uniforme, sendo mistercompreender a família de acordo com os movimentos que constituem asrelações sociais ao longo do tempo e do espaço cultural.

Como bem percebeu a historiadora francesa MICHELLE PERROT, “ahistória da família é longa, não linear, feita de rupturas sucessivas,”7

deixando antever a variabilidade histórica da feição da família,8, adaptando-se às necessidades sociais prementes de cada tempo, lugar e situaçãocultural.

Calha à espécie a pertinente observação de LUIZ EDSON FACHIN nosentido de que é “inegável que a família, como realidade sociológica,apresenta, na sua evolução histórica, desde a família patriarcal romana até afamília nuclear da sociedade industrial contemporânea, íntima ligação comas transformações operadas nos fenômenos sociais” 9.

No devir da família, destaca num momento o modelo patriarcal,hierarquizado10 e transpessoal. Naquela ambientação familiar,necessariamente matrimonializada, acostumava imperar a regra “até que a

7 Cf. “O nó e o ninho”, cit., p.75.

8 Com o mesmo pensar, a Profa. ELISABETE DÓRIA BILAC afirma que “a variabilidade histórica da instituiçãofamília desafia qualquer conceito geral”, cf. “Família: algumas inquietações”, cit., p.31.

9 Cf. Elementos críticos de Direito de Família, cit., p.11.

10 O mestre CAIO MÁRIO nota que a família “sofreu no curso da história sensível alteração estrutural, partindo deque num certo momento compreendia todas as pessoas agrupadas em torno de um chefe comum”, cf. Direito Civil –Alguns aspectos de sua evolução, cit., p.170.

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morte nos separe”, admitindo-se então o sacrifício da felicidade pessoal dosmembros da família, em nome da manutenção do vínculo de casamento.

Mais ainda, compreendia-se a família como unidade de produção,vigorando os laços patrimoniais. Em muitas culturas, as pessoas se uniamem família com vistas à formação de patrimônio, importando menos os laçosafetivos. Daí as dificuldades para a dissolução do vínculo, pois adesagregação da família corresponderia a desagregação da própriasociedade. Era o modelo estatal de família, desenhado com os valoresdominantes naquele período da revolução industrial.

O outono daquela compreensão familiar era evidente: a sociedadeavançou, se preocupando com novos valores, realçando a proteção dapessoa humana e o desenvolvimento científico atingiu limites nunca antesimaginadas, admitindo-se, exempli gracia, a concepção artificial do serhumano, sem a presença do elemento sexual. Nessa perspectiva, ruiu oimpério do ter, sobressaindo a tutela do ser.

Os novos valores que inspiram a sociedade contemporâneasobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional defamília. A arquitetura da sociedade moderna traz um modelo familiardescentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopoprecípuo da família parece ser a solidariedade social e demais condiçõesnecessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regida pelo afeto,como mola propulsora.

Com efeito, a família tem o seu quadro evolutivo atrelado ao próprioavanço do homem e da sociedade, mutável de acordo com as novasconquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo crível, nemadmissível, que esteja submetida a idéias estáticas, presas a valores de umpassado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto. Érealidade viva, adaptada aos valores vigentes.11

De forma sintética e clara, GISELDA MARIA FERNANDES NOVAESHIRONAKA dispara que a família é “entidade histórica, ancestral como ahistória, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutávelna exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própriahistória através dos tempos”.12

É lícito, pois, concluir que entrelaçada a feição da família com o retratoda própria sociedade, consideradas as circunstâncias de tempo e lugar,infere-se, com segurança, a necessidade de uma compreensãocontemporânea, atual, da entidade familiar, considerados os avançostécnico-científicos e a natural evolução filosófica do homem.

11 Daí a arguta observação de BONNECASE proclamando que a família deve suportar a lei da evolução: “mais lalois de l’évolution a opere dans le domaine de famille comme dans tous lês autres”, cf. La philosophie du CodeNapoléon appliquée au Droit de Famille, Paris: Boccard, 1928, p.11.

12 Cf. Direito Civil – Estudos, cit., p.17.

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É certo e incontroverso que a família caracteriza uma realidadepresente, antecedendo, sucedendo e transcendendo o fenômenoexclusivamente biológico (compreensão setorial), para buscar uma dimensãomais ampla, fundada na busca da realização pessoal de seus membros.

Composta por seres humanos, decorre, por conseguinte, umamutabilidade inexorável na feição da família, apresentando-se sob tantas ediversas formas, quantas forem as possibilidades de se relacionar (ou talvez, de expressar o amor). A família, enfim, não traz consigo a pretensão dainalterabilidade conceitual. Ao revés, seus elementos fundantes variam deacordo com os valores e ideais predominantes em cada momento histórico.

3. Um novo tempo para a família: a sua fotografia na pós-modernidade.

Entre as incontáveis mudanças que se dão no mundo contemporâneo,nenhuma é mais importante, nem sentida de forma tão intensa, quantoaquelas que se desenvolvem nas vidas pessoais dos seres humanos (nasexualidade, no casamento, nas formas de expressão de afetividade, etc.).13

Com o mesmo pensar, a psicóloga e terapeuta familiar CRISTINA DEOLIVEIRA ZAMBERLAM dispara que “nunca antes as coisas haviam mudadotão rapidamente para uma parte tão grande da humanidade. Tudo éafetado: arte, ciência, religião, moralidade, educação, política, economia,vida familiar, até mesmo os aspectos mais íntimos da vida – nada escapa”.14

Desse evidente avanço tecnológico e científico decorrem,naturalmente, alterações nas concepções jurídico-sociais vigentes nosistema. Vê-se, desse modo, uma passagem aberta para uma outradimensão, na qual a família deve ser um elemento de garantia do homem naforça de sua propulsão ao futuro.

Nesse passo, antevisto esse avanço tecnológico, científico e cultural,dele decorre, inexoravelmente, a eliminação de fronteiras arquitetadas pelosistema jurídico-social clássico, abrindo espaço para uma famíliacontemporânea, susceptível às influências da nova sociedade, que trazconsigo necessidades universais, independentemente de línguas outerritórios.

Impõe-se, pois, necessariamente traçar o novo eixo fundamental dafamília, não apenas consentâneo com a pós-modernidade, mas, igualmente,afinado com os ideais de coerência filosófica da vida humana.

A transição da família como unidade econômica para umacompreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento dapersonalidade de seus membros, reafirma uma nova feição, agora fundada 13 Com idêntico raciocínio, ANTHONY GIDDENS, cf. Mundo em descontrole – o que a globalização está fazendode nós, cit., p.61.

14 Cf. Os novos paradigmas da família contemporânea, cit., p.11.

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no afeto, no amor romântico. Seu novo balizamento evidencia um espaçoprivilegiado para que os seres humanos se complementem e completem.

A nova visão da família afirma “um relacionamento baseado nacomunicação emocional, em que as recompensas derivadas de talcomunicação são a principal base para a continuação do relacionamento”, namagistral percepção de GIDDENS.15

Nesse passo, é mister afirmar uma releitura dos elementosconstitutivos da família. Assim, os relacionamentos sexuais e afetivos, aamizade e a relação estabelecida entre pais e filhos passam a sercompreendidos por uma nova ótica, a partir do turbilhão de mudanças quese sucederam nos tempos pós-modernos. Impõe-se considerar odesenvolvimento biotecnológico, a globalização, a derrubada de barreirasculturais e econômicas, etc., revolucionando a célula-máter da sociedade.

E a comunicação emocional, ou intimidade, apresenta-se como pedrade toque para o desenvolvimento harmônico das relações familiares. Veja-seque é a partir da interlocução que os membros das comunidades familiaresse aproximam, estreitando os processos de confiança.

Outrossim, deixando a família de ser compreendida como núcleoeconômico e reprodutivo (entidade de produção), avançando para umacompreensão sócio-afetiva (como expressão de uma unidade de afeto eentre-ajuda), surgem, naturalmente, novas representações sociais, novosarranjos familiares. Abandona-se o casamento como ponto referencialnecessário, para buscar a proteção e o desenvolvimento da personalidade dohomem. É a busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramentepatrimoniais.

Ao colocar em xeque a estruturação familiar tradicional, acontemporaneidade (em meio às inúmeras novidades tecnológicas,científicas e culturais) permitiu entender a família como uma organizaçãosubjetiva fundamental para a construção individual da felicidade. E, nessepasso, forçoso é reconhecer que além da família tradicional, fundada nocasamento, outros arranjos familiares cumprem a função que a sociedadecontemporânea destinou à família: entidade de transmissão da cultura eformação da pessoa humana digna.

Nesse novo ambiente, averbe-se que é necessário compreender afamília como sistema democrático, substituindo a feição centralizadora epatriarcal por um espaço aberto ao diálogo entre os seus membros, onde éalmejada a confiança recíproca.

Forte em GIDDENS, o que se propugna é uma verdadeira democraciadas emoções da vida cotidiana: “uma democracia das emoções éexatamente tão importante quanto a democracia pública para oaperfeiçoamento da qualidade de nossas vidas”.16

15 Cf. Mundo em descontrole – o que a globalização está fazendo de nós, cit., p.70.

16 Cf. Mundo em descontrole – o que a globalização está fazendo de nós, cit., p.72.

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4. O grande desafio da contemporaneidade: garantir a realização edesenvolvimento da personalidade humana.Afirmada essa nova feição familiar, necessariamente plural, aberta,multifacetária e democrática, impende evidenciar a mais importante missãodo cientista do novo tempo.

O grande desafio da pós-modernidade, no que tange ao aspectofamiliar, é identificar os caminhos que devem ser trilhados para a garantiade uma realização dos objetivos originalmente almejados.17

Há de se ter na tela da imaginação, nesse panorama, que o problemaa se descortinar em nossos olhos (muitos ainda atônitos pela velocidade comque se operam os avanços da tecnologia e da evolução social) não é mais ode reconhecer os novos modelos familiares, mas sim, protegê-los. Não setrata mais de conceber a existência, ou não, de novos modelos de gruposfamiliares originados desses avanços tecnológicos, científicos, culturais e(por que não?) humanos. Sua existência e visibilidade são uma realidadeinegável. Negá-los seria fechar os olhos a uma realidade concreta e presentee, assim, por via oblíqua, negar a própria inteligência e capacidadehumanas.

A grande questão que afigura-se-nos é a proteção a ser conferida aosnovos modelos familiares e, por via oblíqua, aos cidadãos.

Com a lição precisa de TEPEDINO, a preocupação central de nossotempo é com “a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, oelemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devemconvergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas quedisciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas eintensas do indivíduo no social”.18

E reconheça-se que o ponto de partida para tanto deve estar, sempre,no conceito de cidadania.19 Isso porque a cidadania, concebida comoelemento essencial, concreto e real, para servir de centro nevrálgico dasmudanças paradigmáticas da sociedade, será a ponte, o elo de ligação, como porvir, com os avanços de todas as naturezas, com as conquistas dohomem que se consolidam. Será a afirmação de uma sociedade mais real,humana e, por conseguinte, mais justa.

17 Nessa esteira, a conclusão de ELISABETE DÓRIA BILAC, inclusive com referência à doutrina ianque, cf.“Família: algumas inquietações”, cit., p.29.

18 Cf. Temas de Direito Civil, cit., p.326.

19 FACHIN, com habitual proficiência, leciona que o “conceito de cidadania pode ser o continente que irá abrigar adimensão fortificada da pessoa no plano de seus valores e direitos fundamentais. Não mais, porém, como um sujeitode direitos virtuais, abstratos ou atomizados para servir mais à noção de objeto ou mercadoria”, cf. Teoria Crítica doDireito Civil, cit., p.330.

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Nenhum reflexo de novos temas ou avanços sociais poderá colidir ouafrontar a idéia de cidadania, que se constitui marco fundamental, pedraangular, dessas novas relações jurídicas, como, inclusive, ressaltado peloArt. 1º, inciso III, da Magna Charta, que estabelece como princípiofundamental da República brasileira a dignidade da pessoa humana. Esse oponto de partida.

Predomina, assim, um modelo familiar eudemonista, afirmando-se abusca da realização plena do ser humano. Aliás, constata-se, finalmente,que a família é o locus privilegiado para garantir a dignidade humana epermitir a realização plena do ser humano.

Eleito como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoahumana, de forma revolucionária, veio a se coadunar com a nova feição dafamília, passando a garantir proteção de forma igualitária todos os seusmembros e descendentes.

Vale invocar o escólio, sempre oportuno, de GUSTAVO TEPEDINO,grande referência do Direito Civil brasileiro contemporâneo, alertando que anoção conceitual de família se amolda ao cumprimento de sua função social,renovando-se sempre como “ponto de referência central do indivíduo nasociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança quedificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivênciasocial”.20

Deste modo, avulta afirmar, como conclusão lógica e inarredável, quea família cumpre modernamente um papel funcionalizado, devendo,efetivamente, servir como ambiente propício para a promoção da dignidadee a realização da personalidade de seus membros, integrando sentimentos,esperanças e valores, servindo como alicerce fundamental para o alcance dafelicidade.

5. Notas conclusivas: a Família enquanto LAR – Lugar deAfeto e Respeito.

A entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo socialfundado, essencialmente, por laços de afetividade, pois à outra conclusãonão se pode chegar à luz do texto constitucional.

“Mais que fotos nas paredes, quadros de sentido, possibilidades deconvivência”, como desfecha com sensibilidade aguçada FACHIN.21

Nesta linha de intelecção, fácil detectar-se, com segurança, que afamília da pós-modernidade é forjada em laços de afetividade, sendo estessua causa originária e final, com o propósito de servir de motor de impulsãopara a afirmação da dignidade das pessoas de seus componentes.

20 Cf. Temas de Direito Civil, cit., p.326.

21 Cf. Elementos críticos de Direito de Família, cit., p.14.

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Prestigia-se a família como instrumento, como “meio para a realizaçãopessoal de seus membros. Um ideal ainda em construção”, como assinalaROSANA AMARA GIRARDI FACHIN, em excelente monografia acerca dotema.22

E a radiografia do presente é o descortino do porvir: as mudanças quese operam – e continuarão a se operar – no âmbito da família evidenciamque só se justifica a estruturação da sociedade em núcleos familiares se, esomente se, for encarada como refúgio para a realização da pessoa humana,como centro para a implementação de projetos de felicidade pessoal e paraa concretização do amor.

Enfim, o que se há de afirmar do desenho da família nacontemporaneidade é de núcleo fecundo para o desenvolvimento dosaspectos mais positivos do ser humano, como a solidariedade, a ajudarecíproca, a troca enriquecedora e os laços afetivos. Um verdadeiro LAR: umLugar de Afeto e Respeito.23

Belo sonho, que precisa ser sonhado por muitos, pois, como disse opoeta, sonho que se sonha só, é só um sonho, mas sonho que se sonhajunto é realidade.

22 Cf. Em busca da família do novo milênio, cit., p.141.

23 A expressão é de RODRIGO DA CUNHA PEREIRA & MARIA BERENICE DIAS, cf. Direito de Família e onovo Código Civil, Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.xi.

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