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A favor do rastreamento de câncer de próstata com PSAapps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/1970-EC_v9n1_26-27.pdf · einstein: Educ Contin Saúde. 2011;9(1 Pt 2): 24-8 26 A favor

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Page 1: A favor do rastreamento de câncer de próstata com PSAapps.einstein.br/revista/arquivos/PDF/1970-EC_v9n1_26-27.pdf · einstein: Educ Contin Saúde. 2011;9(1 Pt 2): 24-8 26 A favor

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A favor do rastreamento de câncer de próstata com PSAGustavo Caserta Lemos** Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil; Urologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

O câncer de próstata (Cap) é um problema significativo de saúde no homem, considerando que um em cada seis homens terá o diagnóstico da doença durante sua vida. Um homem de 40 anos tem 16% de chance de ter o diagnóstico de CaP durante sua vida e 3% de chance de morrer devido a essa doença.

O antígeno prostático específico (PSA) é uma pro-teína sintetizada nas células epiteliais da próstata e en-contrado em grande concentração no sêmen, tendo a função de liquefazer o coágulo seminal. Não se sabe exatamente o mecanismo pelo qual ele chega à circula-ção sistêmica, mas parece ser pela quebra da arquitetu-ra celular prostática. O PSA está aumentado na maioria dos tumores malignos da próstata e seu uso como teste para detecção do CaP começou na década de 80, revo-lucionando o diagnóstico desse tumor.

Na era pré-PSA, 11% dos homens eram diagnosti-cados com tumores sintomáticos e 75% morriam pelo tumor. Desde a introdução do PSA, associado ao exame digital da glândula (toque da próstata), houve aumen-to significativo no diagnóstico de tumores localizados (potencialmente curáveis) e diminuição simultânea das doenças localmente avançadas e metastáticas. Antes do PSA, apenas 27% dos CaP diagnosticados eram lo-calizados e, atualmente, nas populações rastreadas por PSA, 98% são clinicamente localizados. O exame digital da próstata detecta 15% de cânceres não diagnosticados pelo PSA e, assim, é uma importante ferramenta de de-tecção. O toque retal detecta tumores de maior risco que o PSA isoladamente. Esses dados sugerem que o CaP pode ser rastreado pela dosagem de PSA e pelo toque retal. O diagnóstico definitivo é feito por meio da biópsia de próstata, com retirada de 12 fragmentos, com sensibi-lidade de 80 a 90% e praticamente sem falsos-positivos.

Um teste de rastreamento ideal deve ser minima-mente invasivo, de disponibilidade e execução fáceis, com baixo índice de falsos-negativos e ter impacto im-portante nos resultados de tratamento. O PSA tem sido indispensável para o diagnóstico precoce e seguimento dos pacientes com CaP. É um teste muito sensível, mas pouco específico. O PSA se altera na hiperplasia benig-na, prostatites, retenção urinária, ejaculação e manipu-lações como toque, biópsia, cistoscopia, massagem, an-dar de bicicleta, de moto e a cavalo. Para melhorar sua sensibilidade são usadas a velocidade de crescimento, densidade, ajustes para a idade, PSA livre, complexado

etc. Apesar do PSA não ser o marcador ideal, é o me-lhor que temos e é o marcador tumoral mais relevante na oncologia humana.

A grande discussão, atualmente, é se vale à pena ou não rastrear e tratar o câncer de próstata.

O avanço na detecção precoce, por meio do rastre-amento pelo PSA, foi responsável pela possibilidade de tratamentos efetivos e precoces, o que reduziu em 33% a mortalidade por câncer específica entre 1994 e 2003, nos Estados Unidos. A taxa de sobrevida em 5 anos para cân-cer de próstata diagnosticado entre 1974 e 1977 era sig-nificativamente pior (67%) que entre 1980 e 1982 (73%) e entre 1989 e 1995 (92%). A porcentagem de pacien-tes, que, no diagnóstico, apresentavam-se com metástase passou de 19,8%, em 1989, para 3,3%, em 1998.

Estudo feito no estado do Tirol, na Áustria, onde a população masculina foi rastreada, a redução da mor-talidade foi de 42% em relação ao restante do país. Schröder et al.1, realizaram estudo importantíssimo sobre CaP (Randomized Screening for Prostate Cancer, ERSPC) em 7 países europeus, com 162.000 homens com idade entre 55 e 69 anos, seguidos por 14 anos. O grupo rastreado teve aumento de 71% na incidência de CaP, redução de 41% de doença avançada (cintilografia óssea positiva ou PSA > 100 ng/mL) e 20% de redu-ção nas mortes pela doença. Se considerarmos apenas os homens que realmente fizeram triagem, a queda nas mortes por CaP foi de 27%, que é similar aos 30% de redução de mortalidade por câncer de mama nas pa-cientes rastreadas por mamografia. O estudo também deixa claro, por outro lado, que isso se traduz no se-guinte: que, para prevenir uma morte por CaP, em 10 anos, é preciso rastrear 1.410 homens e tratar 48 deles. Nos Estados Unidos, em outro estudo de rastreamento, o PLCO, houve contaminação de até 50% do grupo não rastreado, isto é, pacientes do grupo controle fizeram PSA fora do estudo e foram tratados2.

Há outros estudos comparando tratamento com apenas observação, que mostraram não haver diferença entre tratar ou não o CaP, mas são estudos com segui-mento insuficiente, de 7 e 8 anos, período em que as curvas de sobrevida não diferem entre pacientes trata-dos ou não3.

Estima-se que 30% dos CaP detectados pelo PSA são tumores insignificantes e que não irão evoluir para formas agressivas, 50% são moderados e 20% avança-dos. O risco de metástases em 10 anos é de 10% para os bem diferenciados, 42% para os moderadamente diferenciados e 74% para os pouco diferenciados. No momento, não há como identificar os pacientes porta-dores de tumores indolentes e esses pacientes tem sido “sobretratados”4. Não há consenso na definição de tu-mor insignificante; Epstein definiu como aqueles que

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estão confinados à próstata, com volume menor que 0,2 mL e grau de Gleason < 7. Por meio da biópsia, não há como determinar o volume do tumor e incorre-se em muitos erros, mesmo considerando número de frag-mentos acometidos e porcentagem de acometimento dos fragmentos. Apesar de alguns tumores diagnostica-dos em estágios iniciais terem comportamento indolen-te, a progressão local e o aparecimento de metástases agressivas podem ocorrer a longo prazo.

Há dois tipos de tratamento conservador: apenas observação (watchful waiting, WW) e a vigilância ativa (active surveillance, AS). WW significa nenhum trata-mento ativo até que haja o desenvolvimento de doença sintomática e, então, é introduzido o bloqueio hormonal. Embora a disfunção erétil e a incontinência ocorram no grupo tratado pela prostatectomia radical, os pacientes de WW têm mais obstrução urinária, sintomas por pro-gressão local e problemas intestinais que resultam em níveis de sofrimento bastante significativos. A vigilância ativa tem o objetivo de retardar a terapia curativa local até que se possam distinguir os tumores insignificantes daqueles que serão uma ameaça à vida do paciente. Esse tratamento assume o risco do tumor ser tratado tardia-mente, perdendo a chamada “janela de cura”, ou seja, a oportunidade de cura dada pelo tratamento imediato.

Outros aspectos são o psicológico e o econômico. Os pacientes devem ser submetidos a controle a cada 6 meses com toque retal e PSA, além da biópsia a cada 12 meses. Em relação à qualidade de vida, o grupo Es-candinavo5, que compara prostatectomia radical (PR) e simples observação (WW), publicou recentemente resul-tados surpreendentes. Pacientes que foram submetidos a PR tiveram melhor qualidade de vida e sensação de bem-estar que aqueles do grupo WW. O grupo PR teve menos ansiedade e depressão apesar de mais impotência e incontinência em seguimento de 8 anos. Tais resultados sugerem que o diagnóstico de CaP, mesmo na ausência de tratamento, tem morbidade significativa.

A dificuldade na decisão, sobre quem deve ser tra-tado ou não e quando, é grande. A idade dos pacientes no momento do diagnóstico também é importante. Pa-cientes jovens tem maior probabilidade de serem cura-dos, sendo a idade um fator preditivo independente de melhor prognóstico. O tempo de evolução do CaP é de 10 anos e, assim, pacientes mais idosos e com comorbi-dades provavelmente irão morrer por outras causas e não necessitam receber tratamento câncer-específico.

O rastreamento para CaP, pelo PSA e toque re-tal, trouxe muitas vantagens em relação à qualidade de vida6,7 e à sobrevida dos pacientes, além de ter propor-cionado grande aumento do conhecimento e pesquisas sobre uma doença que, no passado, não tinha tratamen-to. Para que ele seja largamente adotado, será necessário ainda melhorar alguns pontos: 1. identificar melhor os tumores com pequenas chances de evoluir; 2. determinar com mais acurácia a expectativa de vida de cada paciente para tratar apenas aqueles que têm chance de viver por mais de 10 anos; e 3. reduzir a morbidade dos tratamen-tos disponíveis.

Os avanços das técnicas de radioterapia e a introdu-ção da cirurgia robótica tornaram o tratamento do câncer de próstata mais eficaz, menos invasivo e com menores índices de incontinência urinária e impotência sexual.

REFERÊNCIAS1. Schröder FH, Hugosson J, Roobol MJ, Tammela TL, Ciatto S, Nelen V,

Kwiatkowski M, Lujan M, Lilja H, Zappa M, Denis LJ, Recker F, Berenguer A, Määttänen L, Bangma CH, Aus G, Villers A, Rebillard X, van der Kwast T, Blijenberg BG, Moss SM, de Koning HJ, Auvinen A; ERSPC Investigators. Screening and prostate-cancer mortality in a randomized European study. N Engl J Med. 2009;360(13):1320-8.

2. Andriole GL, Crawford ED, Grubb RL 3rd, Buys SS, Chia D, Church TR, Fouad MN, Gelmann EP, Kvale PA, Reding DJ, Weissfeld JL, Yokochi LA, O’Brien B, Clapp JD, Rathmell JM, Riley TL, Hayes RB, Kramer BS, Izmirlian G, Miller AB, Pinsky PF, Prorok PC, Gohagan JK, Berg CD; PLCO Project Team. Mortality results from a randomized prostate-cancer screening trial. N Engl J Med. 2009;360(13):1310-9. Erratum in: N Engl J Med. 2009;360(17):1797.

3. Bill-Axelson A, Holmberg L, Filén F, Ruutu M, Garmo H, Busch C, Nordling S, Häggman M, Andersson SO, Bratell S, Spångberg A, Palmgren J, Adami HO, Johansson JE; Scandinavian Prostate Cancer Group Study Number 4. Radical prostatectomy versus watchful waiting in localized prostate cancer: the Scandinavian prostate cancer group-4 randomized trial. J Natl Cancer Inst. 2008;100(16):1144-54.

4. Thompson IM, Pauler DK, Goodman PJ, Tangen CM, Lucia MS, Parnes HL, Minasian LM, Ford LG, Lippman SM, Crawford ED, Crowley JJ, Coltman CA Jr. Prevalence of prostate cancer among men with a prostate-specific antigen level < or =4.0 ng per milliliter. N Engl J Med. 2004;350(22):2239-46. Erratum in: N Engl J Med. 2004;351(14):1470.

5. Johansson E, Bill-Axelson A, Holmberg L, Onelöv E, Johansson JE, Steineck G; Scandinavian Prostate Cancer Group Study No 4. Time, symptom burden, androgen deprivation, and self-assessed quality of life after radical prostatectomy or watchful waiting: the Randomized Scandinavian Prostate Cancer Group Study Number 4 (SPCG-4) clinical trial. Eur Urol. 2009;55(2): 422-30.

6. Loeb S, Catalona WJ. Prostate-specific antigen screening: pro. Curr Opin Urol. 2010;20(3):185-8.

7. Shteynshlyuger A, Andriole GL. Prostate cancer: to screen or not to screen? Urol Clin North Am. 2010;37(1):1-9.