A Historia Movimentos Sociais no Brasil

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Movimentos sociais brasileiros sob o ponto de vista sociológico

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    A HISTRIA DOS

    MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

    GUIA DE ESTUDO - 06

    INSTITUTO PR SABER

    Prof. Kamilly Dantas Santos (Org.)

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    GUIA

    A HISTRIA DOS

    MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

    GUIA DE ESTUDO - 06

    INSTITUTO PR SABER

    Prof. Kamilly Dantas Santos (Org.)

    ATENO!

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    No permitida qualquer forma de comercializao do mesmo.

    Os crditos de autoria dos contedos deste material so dados aos seus

    respectivos autores citados nas Referncias Consultadas.

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    Caro(a) aluno(a),

    O Instituto Pr Saber tem o interesse contnuo em proporcionar um ensino de qualidade, com

    estratgias de acesso aos saberes que conduzem ao conhecimento.

    Todos os projetos so fortemente comprometidos com o progresso educacional para o

    desempenho do aluno-profissional permissivo busca do crescimento intelectual.

    Atravs do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, tm acesso informao,

    expressam opinies, constroem viso de mundo, produzem cultura, desejo desta Instituio, garantir

    a todos os alunos, o direito s informaes necessrias para o exerccio de suas variadas funes.

    Expressamos nossa satisfao em apresentar o seu novo material de estudo, totalmente

    reformulado e empenhado na facilitao de um construto melhor para os respaldos tericos e prticos

    exigidos ao longo do curso.

    Dispensem tempo especfico para a leitura deste material, produzido com muita dedicao

    pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compem a equipe docente do Instituto Pr Saber.

    Leia com ateno os contedos aqui abordados, pois eles nortearo o princpio de suas ideias,

    que se iniciam com um intenso processo de reflexo, anlise e sntese dos saberes.

    Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcanar o equilbrio e

    contribuio profcua no processo de conhecimento de todos!

    Atenciosamente,

    Setor Pedaggico

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    Enquanto houver movimentos sociais,

    porque existem injustias sociais.

    Douglas alves bento

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    SUMRIO

    INTRODUO .............................................................................................................................5

    UNIDADE I - OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: PANORAMA GERAL ............6

    UNIDADE II - O BRASIL NO SCULO XIX: UM MAPA DOS MOVIMENTOS

    SOCIAIS .......................................................................................................................................10

    1. A SEGUNDA METADE DO SCULO XIX .....................................................................12

    UNIDADE III - ANTONIO CONSELHEIRO E CANUDOS: O SERTO MARGINAL NA

    REPBLICA BRASILEIRA ......................................................................................................17

    UNIDADE IV - AS REVOLUES DO SCULO XX NO CENARIO POLITICO

    BRASILEIRO. .............................................................................................................................20

    1. AS DUAS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULO XX ......................................................20

    2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS ENTRE 1930 E 1945 .......................................................22

    3. OS MOVIMENTOS SOCIAIS ENTRE 1945 E 1964 .......................................................23

    4. OS MOVIMENTOS SOCIAIS DURANTE E APS A DITADURA MILITAR..........26

    UNIDADE V - O FEMINISMO NO BRASIL: .........................................................................31

    1. AS MULHERES NOS MOVIMENTOS ............................................................................31

    REFERNCIAS ...........................................................................................................................38

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    INTRODUO

    comum encontrarmos pessoas para as quais a ideia de cidadania significa apenas ter o

    direito de votar livremente na poca das eleies. O direito de voto, , sem dvida, um exemplo

    da prtica da cidadania. Entretanto, o termo no se restringe a isso. Seu conceito muito mais

    amplo.

    Dalmo Dallari1, um dos mais notveis juristas brasileiros, nos ensina: a cidadania

    expressa um conjunto de direitos que d pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida

    e do governo de seu povo. Quem no tem cidadania est marginalizado ou excludo do grupo

    social e da tomada de decises, ficando numa posio de inferioridade dentro do grupo social.

    (Disponvel em: . Acesso em: 17 jun. 2012).

    Os direitos dos cidados no surgem ao acaso: eles so resultado da luta de pessoas que

    sonharam com um mundo sem opresso e da persistncia dos que ainda sustentam utopicamente

    uma sociedade mais justa. Os direitos que usufrumos hoje foram e continuam sendo

    conquistados graas participao ativa destes indivduos e no devem ser vistos como presentes

    concedidos ou gesto de benevolncia do poder pblico ou das foras polticas e sociais

    dominantes.

    Assim, a cidadania no algo acabado, mas sim construdo todos os dias graas nossa

    capacidade de organizao e interveno social.

    Neste mdulo, veremos como, no passado brasileiro, houve pessoas que no se

    intimidaram perante as injustias e lutaram por igualdade de direitos civis, polticos, econmicos

    e sociais, em busca do sonho de justia, a exemplo do messinico lder sertanejo Antonio

    Conselheiro as terras onde correm leite e mel ao defender e propagandear Belo Monte, a

    nossa Canudos.

    1 Dalmo de Abreu Dallari (Serra Negra, 31 de dezembro de 1931), jurista brasileiro, formado pela Faculdade de

    Direito da Universidade de So Paulo.Professor Emrito da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.

    Entre suas principais obras destaca-se Elementos de Teoria Geral do Estado.

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    UNIDADE I

    OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: PANORAMA GERAL

    Segundo Edna Maria Debortoli e Isabel Cristina Loss2 Vislumbrando as transformao

    que ocorreram na poltica social brasileira, em se tratando de poltica de gesto pblica moderna,

    a cidadania se inicia primeiro com os ideais de igualdade, liberdade, fraternidade, mas bem fora

    da realidade do momento se estabelece com interesse de atender a burguesia em ascenso, mas

    com a revoluo industrial aparece o proletariado, e novas ideias surgem em relao a cidadania.

    a organizao de sindicatos, greves, aprovaes de leis trabalhistas no Brasil, e necessrio novos

    planos e direcionamentos do estado e governo em relao aos cidados e seus direitos na

    sociedade.

    Nessa trajetria poltica surgem tambm a evoluo do direito, com frutos das

    mudanas e dos conflitos sociais, surgem tambm as diferenas econmicas, sexual, de gnero,

    religiosa, raa/etnia, cultural, aparecem ento as aes afirmativas do estado para eliminar essas

    desigualdades, acumuladas, com formas de compensao perdas provocadas pela discriminao

    do momento. Em relao ao racismo nosso pas tem mostrado que s atravs de polticas

    publicas pode haver mudanas, nesse sentido um dos grandes desafios das polticas publicas

    hoje, e atender as desigualdades sociais e raciais no Brasil, isso porque sabemos que a metade da

    populao brasileira e negra, e outra maior parte pobre. importante a participao dos cidados

    na conferncias municipais em seus estados para que possam contribuir com as relaes travadas

    entre sociedade e estado, e que os movimentos sociais atravs de seus direitos de participao

    podem esta interferindo nas finalizaes das polticas publicas em favor do povo.

    Os movimentos sociais no Brasil tm sua histria marcada pelos grandes embates

    realizados contra os governos autoritrios, sobretudo ainda nas lutas pela liberdade e democracia,

    na dcada de 70 e parte da dcada de 80 considerada como inspirao no que diz respeito

    ideologia que movia mentes e coraes desses movimentos sociais.

    2 Edna Maria Debortoli,Helena Dias Salla Pagcheon, Humbert Von Oertzen Becker, Izabel Cristina Frana Loss,

    Wilma Rosane Knoblauch Schulz, Especialistas em "Gesto de Polticas Pblicas em Gnero e Raa" da UFES.

    Trecho do texto Panorama Geral, extrado do blog : , publicado em: 02/ABR/2012. Acesso em:

    17/JUN/2012.

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    Nos anos 90 o Brasil se encontrava no auge do Neoliberalismo, que tinha como

    influencia diretamente por Ronald Reagan e Margareth Thatcher que foi tido como bero das

    lutas contra os governos FHC, os desmandos do senhor Paulo Renato na educao brasileira, do

    sucateamento de todos os aparelhos estatais, das privatarias, do desrespeito aos trabalhadores e

    as trabalhadoras do Brasil e de todos os traos bsicos de um governo que no dialogava com os

    movimentos sociais, pois estava ao lado das elites brasileiras e internacionais em nome do capital

    privado, sem levar em considerao o povo que vivia a margem da democracia ento vivida.

    As grandes revoltas dos movimentos sociais se deram pela luta de algumas dcadas em

    busca da democracia, e quando ela chega ao fim, os governos democraticamente eleitos no

    so necessariamente governos que tem em seu DNA a classe trabalhadora, a integrao latina

    americana e as minorias organizadas ou no.

    Diante disto, pode ser afirmado que um movimento social normalmente vem de

    condies adversas, pois dos piores perodos que nasce as grandes mobilizaes, fruto da

    angstia e da falta de condies bsicas para o povo sobreviver. Para entender o verdadeiro

    significado dos movimentos sociais na histria do Brasil, preceito principal se focar na

    consolidao da democracia e na garantia de vrias das liberdades que gozamos hoje, e tambm

    para compreender as aes e efeitos que vivem o movimento social nos dias de hoje.

    Segundo uma pesquisa realizada por Nelson (1979), sobre as Associaes de Moradores

    na Amrica Latina, especialmente Venezuela, Peru, Mxico e Chile, constatou que este tipo de

    movimento apresenta profundas cises provocadas principalmente pelas rivalidades partidrias.

    Apesar de tratar-se de outra realidade, importante mencionar estas concluses para mostrar que

    este um fenmeno que atinge no s a realidade do movimento associativo brasileiro, mas de

    uma boa parte da Amrica Latina.

    Completam Diniz e Boschi (1989) que dizem que tambm identificam o carter

    potencialmente divisivo das identificaes partidrias no mbito das comunidades, onde h

    certa dissociao entre o discurso autonomista e a prtica comprometida com uma determinada

    orientao partidria, o que esclarece algumas questes duvidosas sobre as verdadeiras causas

    dos movimentos sociais no Brasil.

    Atualmente estamos num perodo de transio positiva, em que o Brasil consegue aliar

    crescimento, democracia, participao popular e conseguir destaque mundial na poltica e na

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    economia, e deste modo o movimento social passa a agir de outra forma, comeando a pautar o

    Governo a partir de mobilizaes pontuais e da apresentao de propostas que agora so bem

    recebidas, pois os grandes embates antigos viam dos momentos em que o dilogo esvaziado, e

    atualmente onde h dilogo, o embate no considerado a principal ferramenta de soluo.

    Em linhas gerais, o conceito de movimento social se refere ao coletiva de um grupo

    organizado que objetiva alcanar mudanas sociais por meio do embate poltico, conforme seus

    valores e ideologias dentro de uma determinada sociedade e de um contexto especficos,

    permeados por tenses sociais. Segundo Paulo Silvino Ribeiro3, podem objetivar a mudana, a

    transio ou mesmo a revoluo de uma realidade hostil a certo grupo ou classe social.

    Seja a luta por um algum ideal, seja pelo questionamento de uma determinada realidade

    que se caracterize como algo impeditivo da realizao dos anseios deste movimento, este ltimo

    constri uma identidade para a luta e defesa de seus interesses. Torna-se porta-voz de um grupo

    de pessoas que se encontra numa mesma situao, seja social, econmica, poltica, religiosa,

    entre outras. Gianfranco Pasquino em sua contribuio ao Dicionrio de Poltica (2004)

    organizado por ele e por Norberto Bobbio e Nicolau Mateucci, afirma que os movimentos sociais

    constituem tentativas pautadas em valores comuns queles que compem o grupo de definir

    formas de ao social para se alcanar determinados resultados.

    Por outro lado, conforme aponta Alain Touraine, Em defesa da Sociologia (1976), para

    se compreender os movimentos sociais, mais do que pensar em valores e crenas comuns para a

    ao social coletiva, seria necessrio considerar as estruturas sociais nas quais os movimentos se

    manifestam. Cada sociedade ou estrutura social teria como cenrio um contexto histrico (ou

    historicidades) no qual, assim como tambm apontava Karl Marx, estaria posto um conflito entre

    classes, terreno das relaes sociais, a depender dos modelos culturais, polticos e sociais. Assim,

    os movimentos sociais fariam explodir os conflitos j postos pela estrutura social geradora por si

    s da contradio entre as classes, sendo uma ferramenta fundamental para a ao com fins de

    interveno e mudana daquela mesma estrutura.

    3 Paulo Silvino Ribeiro colaborador Brasil Escola.Bacharel em Cincias Sociais pela UNICAMP - Universidade

    Estadual de Campinas. Mestre em Sociologia pela UNESP - Universidade Estadual Paulista "Jlio de Mesquita

    Filho"Doutorando em Sociologia pela UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas. Texto extrado do site:

    http://www.brasilescola.com/sociologia/movimentos-sociais-breve-definicao.htm Acesso em: 17/JUN/2012

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    Dessa forma, para alm das instituies democrticas como os partidos, as eleies e o

    parlamento, a existncia dos movimentos sociais de fundamental importncia para a sociedade

    civil enquanto meio de manifestao e reivindicao. Podemos citar como alguns exemplos de

    movimentos o da causa operria, o movimento negro (contra racismo e segregao racial), o

    movimento estudantil, o movimento de trabalhadores do campo, movimento feminista,

    movimentos ambientalistas, da luta contra a homofobia, separatistas, movimentos marxista,

    socialista, comunista, entre outros. Alguns destes movimentos possuem atuao centralizada em

    algumas regies (como no caso de movimentos separatistas na Europa). Outros, porm, com a

    expanso do processo de globalizao (tanto do ponto de vista econmico como cultural) e

    disseminao de meios de comunicao e veiculao da informao, rompem fronteiras

    geogrficas em razo da natureza de suas causas, ganhando adeptos por todo o mundo, a

    exemplo do Greenpeace, movimento ambientalista de forte atuao internacional.

    A existncia de um movimento social requer uma organizao muito bem desenvolvida,

    o que demanda a mobilizao de recursos e pessoas muito engajadas. Os movimentos sociais no

    se limitam a manifestaes pblicas espordicas, mas trata-se de organizaes que

    sistematicamente atuam para alcanar seus objetivos polticos, o que significa haver uma luta

    constante e em longo prazo dependendo da natureza da causa. Em outras palavras, os

    movimentos sociais possuem uma ao organizada de carter permanente por uma determinada

    bandeira.

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    UNIDADE II

    O BRASIL NO SCULO XIX: UM MAPA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS4

    O sculo XIX pode ser exemplarmente citado como o sculo em que os movimentos

    sociais emergem na histria brasileira como fenmenos sociais abrangentes. Em que pese a

    grande extenso territorial do Brasil e a ausncia de um sistema estruturado de comunicaes, os

    movimentos sociais alcanaram uma grande unidade (Gohn, 1995, p.18) no perodo, aglutinando

    foras sociais s vezes com interesses discrepantes ou mesmo antagnicos em torno de lutas

    comuns. Tais movimentos abrangiam zonas rurais e urbanas, dadas as caractersticas do sistema

    produtivo do perodo, que concentrava a produo no campo e a distribuio e o gerenciamento

    da mo de obra nas cidades.

    Os levantes e insurreies ocorridos na primeira metade do sculo XIX, embora

    registrados pela historiografia oficial como fatos isolados e sem maiores implicaes, foram, no

    dizer de Maria da Glria Gohn, fundamentais para a construo da cidadania sociopoltica do

    pas (idem, ibid., p. 22). Cabe ressaltar que os movimentos sociais do perodo constituam motins

    caticos, sem uma plataforma poltico-ideolgica bem delineados e giravam em torno da

    construo de espaos nacionais, diferentemente dos movimentos sociais no sculo XX, que iro

    se concentrar em torno das lutas de classes sociais especficas e sero organizados a partir de

    paradigmas tericos e poltico-ideolgico claramente definidos. O carter pouco organizado e a

    constituio formal dos movimentos, na primeira metade do sculo XIX, facilitavam o rpido

    desmonte de suas bases pelas foras legalistas, que os enquadravam como produtos das aes de

    brbaros, assassinos, selvagens

    A ausncia de classes sociais plenamente configuradas fazia com que as alianas entre

    os diversos setores fossem tnues e contraditrias (idem, ibid., p. 22) e dificultassem uma

    direo comum das lutas. A no unidade dos movimentos e o seu carter polissmico que

    facilitavam s diferentes faces da elite utilizarem tais movimentos como massa de manobra

    para os arranjos polticos normalizadores. Sintomtica, neste sentido, foi a criao do Poder

    4 Texto extrado e adaptado de A CENTRALIDADE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA ARTICULAO

    ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE BRASILEIRA NOS SCULOS XIX E XX, de Arim Soares do Bem,

    Doutor em Filosofia pela Universidade Livre de Berlim e professor adjunto do Centro de Cincias Humanas, Letras

    e Artes (CHLA), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

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    Moderador, que funcionava como um rbitro na conciliao estratgica dos interesses,

    introduzindo a prtica de recrudescer os nimos a partir de uma produo fictcia de harmonia

    social.

    Os movimentos sociais desse perodo se desenvolveram tendo como pano de fundo o

    entusiasmo pela vida nacional, pela celebrao da natureza, das particularidades tropicais e do

    homem brasileiro, iniciados com a independncia do Brasil (Moreira Leite, 1992). Os aspectos

    polticos da independncia, que trouxeram uma viso positiva do Brasil e dos brasileiros, foram

    confirmados e reforados pelo aparecimento do romantismo e levaram sincretizao do

    movimento poltico com o movimento esttico. A euforia nacionalista do perodo, aliada

    ausncia de um sistema funcional de comunicaes e de transportes, constituiu um entrave para a

    generalizao das vrias insurreies ocorridas no perodo para todo o conjunto da sociedade. As

    revoltas de escravos, por exemplo, que se iniciaram em 1807 e se estenderam at o ano de 1835,

    no ficaram inclumes a tal atmosfera, razo pela qual no conseguiram a adeso de amplos

    setores.

    O romantismo, representado pelo desequilbrio entre idealidade e realidade, ignorou

    sistematicamente o problema da escravido,1 celebrando, em contrapartida, o ndio como a fora

    rebelde e original capaz de sintetizar a Amrica anterior colonizao, possibilitando um

    distanciamento estratgico diante do colonizador europeu.

    Os movimentos nativistas da poca bloquearam e impediram uma maior visibilidade

    dos assuntos ligados escravido. Mesmo assim, o perodo foi marcado pela presena de vrios

    movimentos e lutas sociais, podendo-se citar, entre eles, alm das revoltas escravas, a Revoluo

    Pernambucana de 1817, as rebelies contra as Juntas Constitucionais e Infantarias Lusas (Bahia,

    Par, Piau e Paraba), a Confederao do Equador (Recife), a Balaiada (Maranho), a

    Setembrada e a Novembrada (Pernambuco), a Cabanada (Pernambuco, Maranho, Alagoas e

    Piau), a Cabanagem (Par), a Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul), a Sabinada (Bahia), a

    Revoluo Praieira (Pernambuco) e outros.

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    1. A SEGUNDA METADE DO SCULO XIX

    O movimento abolicionista absorveu grande parte da agenda de lutas sociais a partir da

    segunda metade do sculo XIX. Com a recomposio militar e poltica do Estado, como resposta

    conservadora s manifestaes populares dos anos 30 e 40, a violncia institucionalizou-se,

    penetrando os espaos eleitorais e sendo utilizada como meio de reprimir as rebelies

    desencadeadas nas provncias (Gohn, 1995, p. 30-40). Nesse perodo, principalmente a partir da

    dcada de 70, operou-se uma importante transformao na maneira de interpretar a vida

    brasileira, sendo a unidade nacionalista dos romnticos superada pela discusso de temas sociais

    e que, logo depois, em virtude da penetrao do cientificismo nos espaos intelectuais, tender,

    como salienta Moreira Leite, perfeio formal e frieza efetiva (Moreira Leite, 1992, p.

    179), caracterizando a centralidade que a cincia passou a adquirir a partir de ento. Em virtude

    da influncia do cientificismo, o movimento esttico dos romnticos entrou em crise, dando

    lugar a uma representao realista do social.

    Todas as correntes de pensamento que foram constituintes na construo do sistema

    positivista (Costa, 1997, p. 46-58) passaram para o primeiro plano, permitindo colocar o homem

    no campo das cincias naturais (Moreira Leite, 1992, p. 180). Neste sentido, foi grande a

    influncia do evolucionismo de Darwin, que possibilitou uma explicao elementarista do

    homem e da sociedade (idem, ibid.), fundindo-os, de maneira indiferenciada, como elos

    inseparveis nos processos evolutivos biolgicos. Com grande proximidade desta corrente de

    pensamento, o evolucionismo do filsofo ingls Herbert Spencer teve tambm grande penetrao

    entre os intelectuais brasileiros do perodo e contribuiu para fortalecer a noo de evoluo da

    espcie humana em consonncia com as leis gerais que explicavam o desenvolvimento de todos

    os seres vivos.

    Tais correntes de pensamento sedimentavam-se num conjunto de ideias que contribuam

    para ignorar a especificidade do homem como agente histrico e produtor cultural (Costa, 1997,

    p. 52). Pode-se acrescentar a elas o papel coadjuvante do organicismo de Albert Schaeffle (idem,

    ibid., p. 51), que compreendia a sociedade como um conjunto de rgos em perfeito

    funcionamento, acoplando-se a esta compreenso o pensamento sanitrio higienista, que

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    postulava a necessidade da prtica social-teraputica para exorcizar os rgos doentes,

    discrepantes ou desviantes do conjunto de normas sociais.

    evidente que essas correntes de pensamento contriburam enormemente para afastar

    definitivamente as representaes eufricas que marcaram o perodo romntico e que deram

    grande impulso aos movimentos nativistas, to imprescindveis construo do nacionalismo

    ps-independncia. O nativismo deu, ento, forosamente, lugar ao eurocentrismo, que pulsava

    latente nas teorias evolucionistas. As concepes evolucionistas compreendiam a histria como

    sendo produto de etapas fixas e imutveis e, neste sentido, colocavam apologeticamente as

    sociedades europeias positivistas como estando no topo, na etapa final do processo evolutivo,

    ao passo que encerravam as sociedades no-europeias na categoria de fsseis vivos e as

    representavam como exemplares de estgios inferiores (idem, ibid., p. 49).

    Silvio Romero (1851-1914) exerceu grande influncia sobre o pensamento intelectual

    do perodo, tendo sido um dos importantes articuladores das representaes que colocavam o

    meio e a raa como os fatores fundamentais da cadeia evolutiva.Convencido que estava da

    inferioridade racial do brasileiro, Romero tentar um esquema futuro que permita a

    integrao do brasileiro no desenvolvimento racial da humanidade (Moreira Leite, 1992, p. 183)

    e pretender integrar o Brasil na civilizao americano europeia do futuro (idem, ibid.). Essa

    influncia ir enunciar a passagem da fase anterior, de marcado otimismo com relao ao Brasil

    e aos brasileiros, para uma viso marcadamente negativa dos brasileiros e da miscigenao.

    Em contrapartida, Romero investe todo o seu otimismo num futuro a ser construdo por

    meio do processo de branqueamento da populao, e isso poderia ser alcanado pelo fomento

    imigrao europeia para corrigir a degenerao racial que, no seu entender, explicava o atraso

    do Brasil. A influncia de Silvio Romero foi to grande a ponto de estimular o recrutamento de

    imigrantes em vrios pases europeus, dando incio a uma nova fase imigratria que somente ser

    interrompida com o processo de nacionalizao da mo de obra, introduzido por Getlio Vargas

    na dcada de 30 do sculo XX. As consequncias da ideologia do branqueamento tornaram-se

    bastante visveis a partir do incio do sculo XX, levando ao exerccio de prticas

    assimilacionistas sobre a populao afrodescendente, bloqueando o afloramento de uma

    conscincia mais resistente entre esta e contribuindo, ao mesmo tempo, para instituir o mito da

    democracia racial.

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    interessante observar que, a partir da segunda metade do sculo XIX, o movimento

    abolicionista ir se generalizar para todo o conjunto da sociedade brasileira, alcanando a adeso

    de vrios outros segmentos.

    O cientificismo, do qual derivou o pensamento positivista, contribuiu para impulsionar

    este processo de transformao, objetivando, de fato, criar as condies para a superao do

    sistema produtivo escravocrata e fundar as bases para o surgimento das condies favorveis ao

    desenvolvimento das relaes capitalistas. A agenda de lutas em torno da abolio colocava,

    nesse perodo, vrios segmentos sociais com interesses fundamentais divergentes na defesa por

    interesses comuns. Os escravos, que eram os demandatrios mais legtimos e os maiores

    interessados em se libertar das amarras daquele sistema, impulsionavam, com suas ininterruptas

    insurreies, o jogo de interesses representados pelos militares, intelectuais de formao

    positivista e pelas demais foras progressistas surgidas entre os setores polticos e da

    oligarquia rural.

    Cabe salientar que esses movimentos sociais, principalmente aps a abolio da

    escravatura e a fundao da Repblica, desenvolveram-se num cenrio de grandes

    transformaes sociais, polticas, econmicas e ideolgicas (Soares do Bem, 2005). Com a

    descentralizao poltica estabelecida pela Repblica, alterou-se sobremaneira a articulao entre

    os sistemas locais de mando e os crculos mais abrangentes de poder poltico, dando origem

    crise e ao perecimento do patriarcalismo rural (Monteiro, 1997, p. 42-43). A expanso da

    racionalidade capitalista foi, nesse contexto, funcional para o surgimento de movimentos

    bastante especficos, como os movimentos messinicos, que eclodiram e foram barbaramente

    debelados pelo Estado no final do sculo XIX.

    A seguir, ser apresentado um mapa conceitual das rebelies que marcaram o sculo

    XIX no Brasil.Tais movimentos sociais brasileiros devem ser vistos sob uma perspectiva ampla,

    pois suas caractersticas variam muito. Algumas rebelies no passaram da fase conspiratria.

    Em certos casos, o grau de participao das classes populares foi mnimo, quase insignificante;

    em outros, o movimento foi impulsionado no por razes de ordem poltica ou econmica, mas,

    sim, religiosa. Durante o Perodo Colonial, os principais foram estes:

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 15

    1) Confederao dos Tamoios: primeira rebelio de que se tem notcia (1562). Os ndios

    tamoios, com apoio francs, uniram-se contra os portugueses. Movimento foi pacificado pelos

    padres jesutas Manuel da Nbrega e Jos de Anchieta.

    2) Guerra dos Brbaros: sublevao indgena (durou cerca de vinte anos, a partir de

    1682). ndios cariris, ocupando extensa rea no Nordeste, realizaram disputas intermitentes

    contra os colonizadores.Movimento foi debelado.

    3) Insurreio Pernambucana: luta da populao nordestina (a partir de 1645) contra do

    domnio holands.Sob iniciativa dos senhores de engenho, os colonos foram

    mobilizados.Batalhas mais importantes: Guararapes e Campina de Taborda. Os holandeses

    foram expulsos em 1654.

    4) Revolta no Maranho: lei que proibia a escravizao de ndios provocou a revolta

    (1684 a 1685). Os jesutas, defensores dos ndios, forma expulsos.Com a chegada de um novo

    governador, os sequiosos foram condenados.

    5) Guerra dos Mascates: entre 1710 e 1711, em Pernambuco.Brasileiros de Olinda,

    sentindo-se diminudos, atacaram os portugueses do Recife.Todos foram anistiados.

    6) Revolta de Filipe dos Santos: Explorao do ouro e cobrana extorsiva de impostos

    provocaram a insurreio (Vila Rica, dcada de 1720). Cerca de dois mil populares teriam

    participado. Filipe dos Santos Freire, o lder, foi enforcado e esquartejado.

    7) Inconfidncia Mineira: independncia dos EUA e Revoluo Francesa estimularam

    aspiraes autonomistas e liberais.Inconformados com o peso dos impostos, membros da elite

    uniram-se na pretenso de estabelecer uma repblica independente em Minas.Marcada a

    sublevao para a data da derrama (cobrana dos impostos em atraso), os revolucionrios foram

    trados.Inconfidentes foram condenados ao desterro perptuo na frica, com exceo de

    Tiradentes, que, durante os interrogatrios, chamou para si toda a responsabilidade: foi

    enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792.

    8) Conjurao Baiana (ou Conspirao dos Alfaiates): em 1798, sob liderana do alfaiate

    Joo de Deus do Nascimento.Homens humildes, quase todos mulatos, foram movidos por uma

    mescla de republicanismo e dio desigualdade social.Dos 43 presos, quatro foram enforcados.

    9) Revoluo de 1817: em Pernambuco.Defendendo a independncia de Portugal,

    religiosos, comerciantes e militares uniram-se sob as idias da sociedade secreta Arepago de

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 16

    Itamb, que j havia sido dissolvida em 1802.Preso o governador, constituiu-se um governo

    provisrio.O movimento se estendeu Paraba e ao Rio Grande do Norte.A repblica durou

    menos de trs meses, caindo sob o avano das tropas enviadas por terra e mar.Participantes

    foram presos, condenados forca ou ao fuzilamento.

    Durante o Imprio (Primeiro Reinado, Regncia e Segundo Reinado), os principais

    movimentos foram os que seguem:

    1) Confederao do Equador: a 2 de julho de 1824, no Recife.Estabelecimento de um

    governo republicano.A 19 de setembro os revolucionrios j estavam derrotados.Lderes

    receberam penas diversas: fuzilamento, forca ou priso perptua.

    2) Cabanagem: de 1833 a 1839, no Gro-Par (Amazonas e Par atuais). Reuniu

    mestios e ndios. Movimento comeou com a resistncia oferecida pelo presidente do conselho

    da provncia, que impediu o desembarque das autoridades nomeadas pela Regncia.Cabanos

    chegaram a tomar Belm.Depois de prolongada resistncia, foram derrotados.

    3) Revoluo Farroupilha (Rio Grande do Sul): movimento republicano e federalista de

    amplas propores (de 1835 a 1845). Dois grupos se defrontaram: o conservador monrquico (os

    caramurus) e o liberal (chimangos), composto sobretudo por estancieiros, mas que veio a contar

    com o apoio das camadas populares.Chimangos protestavam contra a pesada taxao do charque

    e do couro.Depois de vrias batalhas, o armistcio foi negociado e a anistia concedida a todos.

    4) Sabinada(Bahia): revolta irrompeu a 7 de novembro de 1837, pretendendo implantar

    uma repblica.A tropa local aderiu ao movimento.Cercados pelo exrcito governista, revoltosos

    resistiram at meados de maro de 1838.Milhares foram mortos ou feitos prisioneiros.

    5) Balaiada: movimento insurrecional extenso e profundo, sacudiu o Maranho - e parte

    do Piau e do Cear (de 1838 a 1841). Rebeldes chegaram a ter 11 mil homens

    armados.Movimento comeou a partir de uma reivindicao poltica, o restabelecimento dos

    juzes de paz, mas ganhou propores maiores.Anistia oferecida pelas tropas do governo

    esvaziou a insurreio.Apenas um dos lderes foi condenado forca.

    6) Revoluo Praieira: projeo, no Brasil, das revolues populares de 1848, na

    Europa.Nascida da rivalidade entre os partidos Liberal e Conservador, acabou se transformando

    em choque de classes.Praieiros lutaram de 1848 a 1849, exigindo voto livre e democrtico,

    liberdade de imprensa e trabalho para todos.Mais de 500 revolucionrios foram mortos.

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 17

    UNIDADE III

    ANTONIO CONSELHEIRO E CANUDOS:

    O SERTO MARGINAL NA REPBLICA BRASILEIRA5

    Espcie de grande homem pelo avesso, Antnio Conselheiro reunia no misticismo

    doentio todos os erros e supersties que formam o coeficiente doentio da nossa

    nacionalidade. Arrastava o povo sertanejo no porque dominasse, mas porque o

    dominavam as aberraes daquele. Favorecia-o o meio e ele realizava, s vezes, como

    vimos, o absurdo de ser til. (27 edio de "Os Sertes" da Livraria Francisco Alves,

    Rio de Janeiro, 1968. p. 132).

    Antonio Vicente Mendes Maciel, nome de batismo do conhecido Antonio Conselheiro,

    nasceu em Quixeramobim, na vila de Campos Maior, no estado do Cear. Ficou rfo ao seis

    anos de idade e viveu conturbadamente com seu pai Vicente Mendes Maciel e sua madrasta.

    Sua formao intelectual (falava latim, francs, e portugus) se deu na tentativa de seu

    pai sujeito alcolatra e violento de torn-lo padre. Desta forma, Antonio Conselheiro

    adquiriu um maior volume de conhecimentos mesmo no meio rstico do serto.

    Aps a morte de seu pai e de sua madrasta, o Conselheiro no inicia sua vida clerical,

    tendo que prover o sustento da sua famlia. Dedica-se profisso de caixeiro viajante, e sendo

    um homem de muito conhecimento aproxima-se com o povo da regio o que explicaria o

    nmero de seguidores posteriormente nas suas andanas religiosas no serto nordestino.

    As suas frustraes matrimoniais trado pela sua primeira esposa com a qual tem

    dois filhos levam-no a dedicar-se integralmente aos magistrios, aprofundando-se no campo

    religioso, dando incio s suas peregrinaes e procura da Terra Prometida que viria a ser Belo

    Monte, e s tornara alvo de perseguies polticas do recm-instaurado regime republicano no

    evento conhecido como Guerra de Canudos.

    Para entendermos esta Guerra e a violncia com a qual foi esmagada a revolta sertaneja

    preciso restabelecer o cenrio histrico em que ela ocorreu. No pode-se entender Canudos

    isoladamente, sem conhecer as circunstncias histricas e polticas que a provocaram, como bem

    escreve Hermann6:

    5 Texto de autoria de Kamilly Dantas Santos, Licenciada em Histria pela Universidade Estadual Da Bahia, Campus

    II, Alagoinhas/BA, e Especialista em Afrodescendencia, Etnologia Indgena e Educao pela Faculdade Vasco da

    Gama, Salvador/BA. 6 HERMANN, Jacqueline. Canudos Destrudo em Nome da Repblica: Uma reflexo sobre as causas polticas do

    massacre de 1897. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1996, p. 81-105.

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 18

    Na verdade, este momento s tornava ainda mais explcitas as disputas em torno da

    legitimidade da liderana militar que proclamara a Repblica, alvo de acirradas e

    continuadas crticas desde o primeiro momento da constituio do governo de Deodoro

    da Fonseca. A ao militar da proclamao e a falta de um reconhecimento mais amplo

    da legitimidade desse grupo poltico, alm das dissenes internas do prprio Exrcito,

    tornaram extremamente frgil a adoo de um governo militar para a Repblica

    brasileira. Se na luta contra a monarquia e todos os seus pressupostos o conjunto dos

    republicanos parecia unido, depois da proclamao o embate entre diferentes projetos

    polticos e institucionais ops de forma definitiva pelo menos dois grandes grupos:

    militares e civis ( HERMANN, 1996).

    Foi num pano de fundo turbulento, marcado por transformaes repentinas e radicais,

    pela abolio da escravido, pelo golpe republicano, fechamento do Congresso, estado de stio,

    dois levantes da Armada, e por uma cruel guerra civil, que a populao urbana ouviu com

    espanto a notcia de que uma expedio de 100 soldados havia sido derrotada pelos jagunos da

    Bahia. (Dados extrados do site:www.canudos.portfolium.com.br)

    revelia deste novo Estado republicano que se incrustava na poltica brasileira, a

    comunidade de Belo Monte se estabeleceu em meio reas rurais dominadas pelos poderosos

    latifundirios que com grande influncia poltica, econmica e social o coronelismo -,

    excluam direitos e deveres de cidadania da populao que ainda tinha que lutar contra a misria,

    a seca e os abusivos impostos republicanos. Conforme Moura7:

    A guerra liderada por Antonio Conselheiro o reflexo eloquente e ao mesmo tempo

    incompleto (pelo suporte ideolgico religioso em que se apoiou) das contradies que

    existiam naquela poca e ainda persistem nas relaes sociais (no nvel das relaes de

    produo) do nosso setor agrrio. Eclodiu em plena zona agropecuria dos grandes

    latifndios do interior da Bahia e a violncia dos combates travados entre os fanticos e

    as tropas do Exrcito bem reflete o grau de antagonismo a que haviam chegado as

    relaes entre o latifndio e a massa camponesa explorada da poca (MOURA, 2000).

    Neste contexto, Antonio Conselheiro j era conhecido em vista de suas atividades como

    caixeiro, e, aps isto, com sua vida de eremita, fazendo caridade. A fama de suas prdicas se

    espalhou e toda a gente miservel sertaneja comeou a segui-lo, encontrando nas suas palavras

    conforto e na comunidade de Belo Monte, sustento e proteo. Segundo Hoornaert8:

    A partir de sua enorme capacidade de sonhar e de viver a partir dele, a figura de

    Antonio Vicente ganha dimenses de um gigante. Espalha-se por entre serras e vales a

    notcia: apareceu entre ns um santo homem. Vale a pena viajar uns dias para encontrar-se com ele e tomar seus conselhos. Antonio Vicente vira conselheiro

    7 MOURA, Clvis. Sociologia poltica da guerra camponesa de Canudos.1 ed. SP: Expresso Popular. 2000 8 HOORNAERT, Eduardo. Antonio Conselheiro, negociador do sagrado, Revista

    Canudos, v. 5, n. 1/1, p. 227- 244, jun. 2001

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 19

    consagrado pelo povo: passa a dar conselhos, providenciar remdios, orientar nos

    problemas da vida. Todos confiam, todos seguem. (HOORNAERT, 2001).

    Em pouco tempo, Antonio Conselheiro formou um estado dentro do Estado. Isto

    significa dizer que o desamparo e a marginalizao dos sertanejos enquanto cidados, to

    somente lembrados sob o cabresto dos coronis e as cifras tributrias, estavam dissipados no

    arraial de Canudos. L, negros escravos encontravam alforria e liberdade, povos indgenas

    Kaimb e Kiriri exerciam livremente suas influncias nos hbitos sertanejos, a produo era

    coletiva, e o sertanejo encontrava, enfim, uma vida digna e construa a sua e as demais

    dignidades, como lembra Macedo9:

    Grande era a Canudos do meu tempo. Quem tinha roa, tratava da roa na beira do rio.

    Quem tinha gado, tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos, tratava da mulher e dos

    filhos. Quem gostava de rezar, ia rezar. De tudo se tratava, porque a nenhum pertencia e

    era de todos, pequenos e grandes, na regra ensinada pelo Peregrino. (MACEDO, 1964).

    Tudo isto apavorou a elite agrria nordestina ao perceber o abandono dos trabalhadores,

    desorganizando a produo e afetando seriamente a economia da regio. Por ter sido construda

    pelas mos dos prprios sertanejos, guiados pelo lder messinico Antonio Conselheiro,

    contestando a ordem clerical e estatal, explica a interveno brutal e a completa destruio de

    Canudos.

    Em Canudos, o conceito de Estado poderia ser facilmente trocado por liderana apoiada

    na confiana de um povo ausente no acolhimento do governo. Assim, as classes dominantes, a

    Repblica, a Igreja Catlica, e a imprensa da poca que no suportavam em Belo Monte e em

    Antonio Conselheiro a concorrncia e crescente popularidade, no tardaram a articular uma

    reao contra a comunidade sertaneja, cuja quarta fora militar (foram quatro as expedies

    enviadas para aniquilar o arraial, mas somente a ltima foi vitoriosa) derrubaria Canudos e

    exterminaria praticamente toda a sua populao.

    9 MACEDO, Nertan. Memorial de Vilanova. Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1964.

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 20

    UNIDADE IV - AS REVOLUES DO SCULO XX NO

    CENARIO POLITICO BRASILEIRO10.

    1. AS DUAS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULO XX

    O incio do sculo XX marcou a concentrao dos movimentos sociais nas reas

    urbanas que haviam se desenvolvido na regio Centro Sul, com o avano econmico

    desencadeado pela economia do caf. Nas duas primeiras dcadas do sculo XX, pode-se

    observar a curiosa coexistncia de formas e contedos dos movimentos sociais caractersticos do

    perodo anterior junto s novas formas de articulao de demandas.

    Se o escravo era central no cenrio sociopoltico do sculo XIX, no incio do sculo XX

    sero os trabalhadores imigrantes que adquiriro centralidade. Estes daro transparncia ao

    paradoxo das polticas de imigrao, que, ao priorizarem a introduo dos europeus nos setores

    dinmicos da economia em detrimento do fomento integrao da populao de ex-escravos

    na emergente sociedade de classes, liberta de fato para a marginalidade social , contriburam

    tambm para transportar a experincia de organizao poltica da classe operria para o contexto

    nacional.

    o caso das organizaes anarcossindicalistas introduzidas pelos trabalhadores

    italianos. Estas formas politizadas de organizao conviveram com as associaes de auxlio

    mtuo, de carter marcadamente pr-poltico; as lutas contra a alta dos preos de gneros

    alimentcios permaneceram, mas foram combinadas com as reivindicaes salariais e com as

    demandas pela modernizao das relaes de trabalho (Gohn, 1995, p. 61).

    O anarcossindicalismo viveu, no entanto, seu auge e declnio nessas duas dcadas

    iniciais do sculo XX. Sua resistncia em aceitar toda forma de poder e de organizao

    burocratizados impediu que a importante contribuio para a formao de uma resistncia

    operria se sedimentasse em formas mais estveis de organizao. A partir de 1922, com a

    criao do Partido Comunista Brasileiro, encabeada por Astrogildo Pereira, a organizao

    10 Texto extrado e adaptado de A CENTRALIDADE DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA ARTICULAO

    ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE BRASILEIRA NOS SCULOS XIX E XX, de Arim Soares do Bem,

    Doutor em Filosofia pela Universidade Livre de Berlim e professor adjunto do Centro de Cincias Humanas, Letras

    e Artes (CHLA), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 21

    poltica da classe trabalhadora passou a se estruturar sob grande influncia da Revoluo Russa.

    As duas primeiras dcadas do sculo XX foram importantes no apenas para o desenvolvimento

    de uma nova racionalidade dos movimentos sociais, mas tambm para a implantao de uma

    nova racionalidade estatal. J na dcada de 1910 pode-se ressaltar a preocupao dos

    planejadores urbanos, principalmente no Rio de Janeiro, em atrair o capital estrangeiro.

    O pensamento sanitrio higienista introduzido no sculo XIX encontrou, assim, os

    canais prticos para ser amplamente executado.

    Iniciou-se um verdadeiro saneamento urbano, com a retirada de pobres, mendigos e

    andrajosos concentrados nas ruas. Muitos desses elementos, vistos como nocivos ordem social,

    eram patologizados num evidente processo de naturalizao da pobreza e lanados nas

    instituies de correo. Incluem-se a crianas e adolescentes pobres, que, desde o incio da

    colonizao, foram e continuam sendo sistematicamente desrespeitados em seus direitos

    fundamentais. Foi esta nova racionalidade estatal no controle populacional embasado em

    pressupostos higienistas que tambm forjou, em 1904, a chamada Revolta da Vacina,

    demonstrando, como salienta Gohn (op. cit., p. 67), a total incapacidade dos poderes da

    Repblica em se comunicar com seus governados, dando margem para a atuao dos grupos de

    oposio.

    Resta ressaltar que as duas primeiras dcadas do sculo XX, at o incio da Era Vargas,

    foram de enorme efervescncia poltica, sendo alguns fatos, como a Greve Geral de 1917,

    considerados entre as mais importantes manifestaes pblicas da Primeira Repblica. Tambm

    importante foi a Revoluo dos Tenentes, iniciada com o Levante do Forte de Copacabana e que

    se estendeu para vrias regies do pas, dando, entre os anos de 1925-1927, origem Coluna

    Prestes.

    Vrios outros fatos e movimentos poderiam ser citados como importantes nesse

    perodo. Sejam registrados, ainda que de modo incompleto, alm dos j citados, a criao do

    primeiro Cdigo de Menores do Brasil, em 1927; as aes de padre Ccero em Juazeiro; o

    Movimento do Cangao; o movimento esttico em torno da Semana de 22; e o surgimento de

    vrias organizaes de classe.

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 22

    2. OS MOVIMENTOS SOCIAIS ENTRE 1930 E 1945

    Os acontecimentos polticos da dcada de 1930 marcaram o incio de um novo

    momento histrico no Brasil (Fausto, 1997). Significaram a entrada em cena do projeto liberal

    industrializante, que estabeleceu rupturas apesar das continuidades identificadas por vrios

    autores que se concentram nos estudos do perodo com as elites rurais conservadoras.

    A questo urbana ganhou relevo como objeto de polticas pblicas (Gohn, 1995, p. 80),

    sendo expresso, principalmente a partir das dcadas de 40 e 50, do desenvolvimento de uma

    moderna economia urbano-industrial, com a consequente concentrao espacial dos meios de

    produo, dos mercados e da fora de trabalho (Soares do Bem, 1988, 1992, 2003). Nesse novo

    cenrio, emergiram com nova fora os setores populares, provenientes das reas rurais, os quais

    passaram a ocupar as reas perifricas das cidades.

    Este segmento populacional, marcado pelo involuntrio movimento migratrio do

    campo para a cidade, passou a substituir as correntes de imigrao europeias iniciadas na

    segunda metade do sculo XIX e no dispunha, no novo espao, de uma infraestrutura adequada

    sua reproduo. Isso se deve histrica dicotomia entre Estado e sociedade no Brasil, que

    expe um modelo de Estado constitudo em franca oposio aos interesses populares, originando

    consequentemente modelos de industrializao e urbanizao autoritrios, desestruturantes e

    altamente expropriadores. O perodo marcou tambm a criao de ordenamentos jurdicos novos

    e o incio da interveno do Estado na economia e na sociedade.

    Em virtude das mudanas estruturais na economia e na poltica, iniciou- se, nesse

    perodo, grande polarizao entre faces dominantes. Essa polarizao, iniciada de fato com a

    pluralizao de alternativas polticas surgidas na dcada de 1920, refletiu-se tambm entre os

    grupos que disputavam um espao no novo cenrio, levando radicalizao ideolgica tanto da

    esquerda como da direita. Apesar da expresso quantitativa relativamente pequena do Partido

    Comunista esquerda e dos integralistas direita , a visibilidade poltica desses grupos

    era muito grande e acabou legitimando aes de Getlio para o combate e controle dos

    extremismos ideolgicos. Neste sentido, ele obteve, do Congresso e dos militares, sucessivos

    apoios para a concesso de poderes excepcionais ao Executivo, o que acabou por minar a ordem

    constitucional recm instituda, favorecendo o surgimento do desfecho ditatorial implantado em

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 23

    1937, com o golpe do Estado Novo. O Estado Novo legitimou-se com a outorga de uma nova

    Constituio, tambm chamada de Polaca, em virtude de sua semelhana com a Constituio

    da Polnia, igualmente de cunho fascista. Essa Constituio descaracterizou vrias conquistas da

    Constituio de 1934, que, embora tenha contado com uma pequena participao popular, havia

    reconhecido os sindicatos e as associaes profissionais, criado a Justia do Trabalho, a Justia

    Eleitoral e estendido o direito do voto s mulheres e aos maiores de 18 anos. A Constituio de

    1937, alm de liquidar a autonomia sindical e partidria, criou a figura dos interventores, que

    foram nomeados por Vargas para governarem os estados. Com a criao do Departamento de

    Imprensa e Propaganda (DIP), encarregado do exerccio da censura e do controle sobre a

    representao de interesses, os movimentos sociais entraram em um claro processo de refluxo.

    Esse fato comprova a nossa tese sobre a centralidade dos movimentos sociais como

    chave explicativa para a interpretao da histria brasileira. No perodo em foco, o

    recrudescimento desses movimentos na cena poltica nacional que fornece as ferramentas

    explicativas para a compreenso desse momento especfico. Muitos movimentos sociais foram

    abafados pelo clima de represso poltica e pelo terrorismo estatal iniciados com a ditadura.

    No entanto, curioso observar que, em decorrncia das polticas nacionalistas introduzidas por

    Getlio Vargas, formaram-se no perodo vrias organizaes de auxlio mtuo entre imigrantes

    europeus e asiticos, que se sentiam ameaados pela nova ordem, podendo-se citar a Fundao

    da Sociedade BRAZILAI MOSYAR KOZTARSASARGIKOR, de origem hngara (1931), a

    Fundao da Sociedade talo-Brasileira Umberto Madalena (1931), a Fundao da Unio Mtua

    Yuguslava (1932), a Associao Russa (1932), a Fundao Mutual da Associao Beneficente

    Oliveira Salazar (1934), a Fundao da Unio Familiar Japonesa de Auxlios Mtuos (1935),

    entre outras (Gohn, 1995, p. 82-85).

    3. OS MOVIMENTOS SOCIAIS ENTRE 1945 E 1964

    O processo de redemocratizao iniciado no perodo situado entre 1945-1964, tambm

    conhecido como perodo populista ou nacional- desenvolvimentista (idem, ibid., p. 88), abriu

    perspectivas para o desenvolvimento de vrias formas de participao social, uma vez que trouxe

    de volta a disputa poltico-partidria e a revitalizao sindical.

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 24

    Nesse perodo, os reflexos sociais da migrao interna impulsionada pela

    industrializao e urbanizao j eram bastante visveis e refletiram- se tambm no modo de

    organizao das lutas sociais no espao urbano.

    a partir da dcada de 1940 que emergem no cenrio urbano brasileiro as classes

    populares. A bibliografia que trata da questo (Soares do Bem, 1988) unnime em reconhecer a

    ausncia da interveno do Estado na regulamentao da questo urbana (Lojkine, 1981;

    Kowarick, 1979), de forma que este segmento populacional tem sido desprovido de recursos

    urbanos necessrios sua reproduo. Tornou-se padro no modelo de expanso do capitalismo

    brasileiro a urbanizao calcada sobre as carncias de servios de consumo coletivo nas

    periferias das grandes cidades.

    A grande interveno do Estado na economia, nesse perodo, era complementada pela

    interveno estatal na sociedade, efetivada por meio de polticas sociais de cunho clientelista,

    originando o conceito de clientelismo urbano. Desde os anos 1950 e 1960 a relao entre

    migrao interna e a participao poltico-social dos setores populares tem sido colocada de

    modo crescente como objeto de investigaes acadmicas.

    Assim, as teorias da marginalidade analisaram a existncia de amplos setores urbanos

    desprovidos de canais institucionais de participao social, submetendo-se, por meio de elitistas

    sistemas partidrios, aos interesses das classes dominantes, os quais, segundo as anlises,

    reproduziam formas historicamente consolidadas de populismo e clientelismo.

    Muitos estudos comprovaram que a insero poltica das classes populares ainda se

    processava por intermdio de mediaes tradicionais (Brant, 1983).

    Apesar do clientelismo urbano, foi nesse perodo que o povo irrompeu na cena

    poltica com algum poder de presso, dando origem a muitos movimentos sociais, naquele

    momento tambm podendo estes serem disseminados por meio da ampliao do sistema de

    transportes e de comunicaes, alm do respaldo que tiveram da nova Constituio, de 1946.

    Essa Constituio, conhecida como uma das mais liberais do pas, restabeleceu a independncia

    dos poderes e a autonomia dos estados, o direito greve e regulamentou a organizao sindical,

    apesar de t-la mantido atrelada ao Estado. O nacional-desenvolvimentismo amalgamou vrios

    projetos idealizados no perodo, inserindo o Brasil nas dinmicas do capitalismo mundial

    desenvolvidas aps a Segunda Guerra Mundial. Este processo foi popularizado pelos tericos do

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 25

    CEPAL por meio da expresso industrializao por substituio de importao (Mamigonian,

    1995, p. 66) e, embora tenha de fato contribudo para alterar consideravelmente os indicadores

    de crescimento econmico, manteve uma grande concentrao de renda, calcada sobre um

    tremendo arrocho salarial sobre as classes populares.

    Os baixos salrios explicam justamente a crescente migrao de capitais estrangeiros

    para o pas, no perodo enfocado, atrados pela possibilidade de realizar uma acumulao com

    margens de lucro impensveis nos pases de origem. A migrao que se ampliou nesse perodo

    colocou em evidncia a existncia de um exrcito de trabalhadores sem qualificao e levou ao

    surgimento de vrios movimentos por reformas de base na educao, circunscrevendo, entre o

    perodo de 1947 e 1961, um dos mais longos perodos de lutas pela educao no Brasil (Gohn,

    1995, p. 92), que tiveram seu desfecho com a revolta estudantil de 1968.

    Surgiram no perodo vrios sindicatos paralelos aos oficiais, numa tentativa de fuga ao

    controle exercido pelo Ministrio do Trabalho, e ampliaram-se, com o agravamento da situao,

    os movimentos de associaes de moradores nas reas perifricas das cidades. Os conflitos

    agrrios, que so antigos na histria do Brasil, ganharam, no perodo, uma nova linguagem e

    passaram a ser articulados a partir de uma franca oposio, frontalmente formulada.

    Conflitos ocorridos simultaneamente em Gois, no Rio Grande do Sul, no Paran e na

    Regio Nordeste expuseram o carter nacional da questo agrria. Os vrios movimentos sociais

    ocorridos nas reas rurais no perodo de 1958 a 1964, associados s Ligas Camponesas surgidas

    em 1955 (Correia de Andrade, 1986), puderam ento ser combatidos com base no

    anticomunismo, que havia se transformado na ideologia oficial das elites durante toda a fase da

    Guerra Fria. Foi esta ampla frente de organizao popular, acrescida dos problemas de

    transio poltica nessa fase altamente concentracionista, que instigou os militares a fecharem,

    com o golpe de 1964, os canais de expresso populares historicamente (re)construdos.

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    4. OS MOVIMENTOS SOCIAIS DURANTE E APS A DITADURA MILITAR

    Desmantelados vrios movimentos sociais existentes antes de 1964 e, com a extrema

    vigilncia do governo para evitar novas organizaes, grande parte da populao passou a buscar

    refgio contra o clima de terror nos laos primrios de solidariedade. Segundo Brant, foi

    justamente o desenvolvimento desses laos diretos entre os diferentes grupos sociais que deu

    origem a vrios movimentos de base: Associaes comunitrias, grupos polticos de crescimento

    molecular, comisses de fbrica, movimentos culturais, clubes de mes ou de jovens, grupos de

    oposio sindical, tendncias estudantis, enfim, uma variada gama de movimentos localizados e

    dispersos fundamentavam-se na confiana direta entre os membros e na conscincia de seu

    desamparo diante das instituies mais vastas. (Brant, 1983, p. 13.)

    A grande represso vigente na primeira dcada da ditadura militar no impediu a

    existncia de vrias formas de resistncia, mas imps importantes mudanas no modo de

    estruturao e de conduo das lutas.

    Provocou, como efeito mais imediato, a ciso interna entre vrios grupos de esquerda,

    alguns dos quais se mantiveram ativos no trabalho de mobilizao das massas populares

    urbanas e rurais, ao passo que outros se viram forados a operar na clandestinidade, em aes

    armadas. De todo modo, essas lutas eram motivadas pela necessidade comum de resistir ao

    avano do modelo de desenvolvimento do capitalismo industrializante implantado no pas,

    possibilitado pela aliana entre os militares, o capital estrangeiro, o empresariado nacional e a

    nova tecnocracia (Gohn, 1995, p. 101).

    Impulsionados pela Reforma Universitria de 1968 e pelo Decreto n. 477, que bloqueou

    todas as manifestaes estudantis, alm do Ato Institucional n. 5 (AI-5), de 1969, os estudantes

    assumiram um papel central na grande frente contra a ditadura, muitos dos quais fizeram, diante

    do esgotamento das aes institucionais, a opo pela luta armada. Segmentos da Igreja

    Catlica, principalmente aps o Congresso de Medelln, realizado em 1968 na Colmbia,

    redefiniram o papel do evangelho na luta contra as injustias sociais, dando origem Teologia da

    Libertao, e impulsionaram o movimento das Pastorais nas periferias das grandes cidades,

    principalmente em So Paulo.

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 27

    Com o golpe de 1964, as interpretaes do CEPAL cederam lugar s teorias da

    dependncia, que enfatizavam o carter subordinado da industrializao brasileira aos interesses

    dos pases capitalistas centrais e se mantiveram hegemnicas at a primeira metade da dcada de

    1970.

    Tais tericos introduziram os termos centro e periferia no interdiscurso social e

    poltico da poca, afirmando que a dependncia era produto de uma aliana entre as classes

    dominantes do centro e da periferia para a exportao de determinados bens de consumo

    industriais destinados aos pases centrais, reforando, assim, o monoplio destes na produo

    de bens de equipamento.

    A dependncia manifestava-se tambm, para esses autores, na existncia de uma

    estrutura econmica de desequilbrios setoriais, consequncia da diviso internacional do

    trabalho que, quela poca, no permitia uma articulao desejvel do Brasil no interior do

    sistema capitalista mundial (Mamigonian, 1995).

    Ao afirmar que o crescimento econmico, sob as condies do modelo capitalista

    dependente, s poderia apontar para duas alternativas polticas possveis quer sejam, o

    fascismo ou o socialismo , os dependentistas, no dizer de Mamigonian, acabaram por justificar

    e legitimar as guerrilhas do perodo (idem, ibid., p. 72).

    Os acontecimentos iniciados em meados da dcada de 1970 marcaram o ressurgimento,

    ainda que de maneira fragmentria, dos movimentos sociais na cena poltica brasileira e so eles

    que, formando uma grande rede de articulao a partir da base social, levaram ao final da

    ditadura. No por outra razo que esse perodo ficou conhecido como a era da participao.

    A crise que se instalou no pas aps 1973, seguida da recesso que aumentou

    consideravelmente o ndice de desemprego nas grandes metrpoles, a retomada da inflao, o

    desapontamento das camadas mdias com o desmantelamento do milagre econmico e o fim

    da iluso de acesso a um consumo cada vez mais ampliado, todos esses fatores levaram a uma

    perda de legitimidade do regime entre amplos setores sociais. Uma grande frente popular

    mobilizou-se em torno do emergente Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), criando as

    bases para uma rearticulao da Sociedade Civil, que passou a reencaminhar, por meio dos

    vrios canais de expresso reconstrudos, projetos de mudana social para o pas (Gohn, 1995, p.

    111).

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    Em 1975 iniciou-se, com o apoio de vrias organizaes internacionais, um amplo

    movimento pela anistia, seguido pela retomada do movimento sindical, em 1976, e pela nova

    fora adquirida pelo Movimento Estudantil, a partir de 1977.

    Na esteira deste movimento pela redemocratizao do pas, surgiram novos movimentos

    sociais, como o Movimento Feminista, iniciado em 1975, que refletiam dinmicas

    desencadeadas numa perspectiva internacional.

    O questionamento do modo universalista de organizao da classe trabalhadora levou

    realizao do I Congresso da Mulher Metalrgica, no ano de 1978, em So Bernardo do Campo,

    abrindo o caminho para uma reviso das estratgias de luta da classe trabalhadora em vrios

    campos e forando a incorporao de particularidades de gnero, raa, cultura etc. na

    formatao do iderio das lutas. Iniciaram-se as grandes greves de diversas categorias

    socioeconmicas, impulsionadas pelo movimento dos metalrgicos no Grande ABC, em So

    Paulo.

    Em 1979 foi criado, em Santa Catarina, o Movimento dos Sem-Terra, prenunciando a

    criao do Partido dos Trabalhadores, que ocorreu em 1980. do mesmo perodo o movimento

    de organizao das favelas, principalmente em So Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo

    Horizonte, fato que forou o dilogo do Poder Pblico com as representaes de interesses

    constitudas, em substituio ao tratamento social darwinista dado a esses moradores,

    considerados marginais e criminosos.

    A dcada de 1980 foi das mais significativas no apenas por ter marcado o incio do fim

    do regime ditatorial; foi tambm uma das mais frutferas do ponto de vista da pluralizao dos

    movimentos sociais, que passaram a abranger vrias novas temticas, como a questo das

    mulheres, dos negros, de crianas, dos ndios, do meio ambiente etc.

    O Movimento Diretas-J demonstrou, pela fora e determinao, que o povo

    brasileiro no tinha mais flego para suportar as atrocidades do regime que havia se instalado em

    1964. Levou irremediavelmente ao fim da ditadura, fortaleceu a Sociedade Civil, aumentando a

    sua autoestima e originando, no perodo entre 1985 e 1988, o amplo movimento pela

    Constituinte, responsvel pela nova Carta Constitucional (1988), que introduziu vrios

    dispositivos centrados na garantia de direitos sociais.

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    Desde o incio da organizao poltica da classe trabalhadora brasileira, que data das

    primeiras dcadas do sculo XX, at a dcada de 70 do mesmo sculo, os movimentos sociais

    tiveram o suporte terico fundamental das interpretaes marxistas. Tendo como leitmotiv a

    situao especfica de amplos setores expropriados no espao urbano caoticamente organizado, o

    paradigma marxista, centrado nas explicaes estruturais da economia e da sociedade,

    demonstrou-se adequado anlise e interpretao das vrias formas de carncia decorrentes do

    modo de produo capitalista instalado.

    As questes colocavam-se em torno de reivindicaes por salrios, por sade, por

    equipamentos urbanos, por moradia, enfim, tinham como substrato carncias e demandas

    economicamente fundamentadas.

    A partir da dcada de 1980 a emergncia dos novos movimentos sociais d visibilidade

    a formas novas de organizao dos trabalhadores, s vezes em oposio mesmo s estruturas

    tradicionais dos partidos polticos e sindicatos. Tais movimentos colocaram questes novas,

    como as demandas encetadas por mulheres, homossexuais, negros e minorias de todos os

    matizes. Tais movimentos impuseram uma marcao que passou a situ-los para alm da

    dicotomia alienao-identidade e forjaram rupturas entre eles e o seu conhecimento, originando

    uma verdadeira contracultura microlgica (Evers, 1984).

    Para Evers, os novos movimentos sociais passaram a refletir um potencial que no diz

    somente respeito ao poder poltico como categoria central das cincias sociais, mas a uma

    contnua renovao de padres socioculturais e sociopsquicos que penetram as microestruturas

    das sociedades. De fato, os novos movimentos sociais no se esgotaram em demandas somente

    por insero socioeconmica, mas pleitearam uma ampla reformulao dos padres culturais.

    Mulheres, homossexuais e negros, por exemplo, passaram a formular diferentes estratgias para

    o desenvolvimento de polticas da diferena, levantando uma nova ordem de demandas relativas

    aos modernos direitos sociais, que impuseram o tema da identidade como central nessas

    demandas.

    J os anos de 1990, como salienta Gohn, passaram a enfatizar duas categorias bsicas

    como sendo centrais para o desenvolvimento dos movimentos sociais: a cidadania coletiva e a

    excluso social. A primeira categoria, salienta a autora, j estava presente na dcada de 1980,

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    mas passou a apresentar o exerccio da cidadania como uma luta coletiva de grupos e instituies

    legitimados com a nova ordem constitucional de 1988.

    A segunda, concernente excluso social (Gohn, 1997, p. 288), decorre das novas

    dinmicas desencadeadas a partir da dcada de 90, com o processo de globalizao. Se na dcada

    de 70 do sculo XX a marginalidade era pensada como fenmeno tpico do capitalismo

    perifrico e estava associada existncia de uma parcela dos trabalhadores urbanos no

    integrados aos modernos setores da atividade econmica, a partir da dcada de 90, com as

    mudanas estruturais, a situao modifica- se sensivelmente. A excluso social, vista como um

    fenmeno tpico do capitalismo atual, est relacionada crescente precarizao do mercado de

    trabalho e fragilizao da insero profissional, que geram uma ruptura progressiva dos laos

    sociais (Lesbaupin, 2000, p. 33). Ela transforma os excludos necessrios das dcadas

    anteriores (o exrcito industrial de reserva) em excludos desnecessrios, colocando- os na

    posio de inteis e excedentes.

    Com efeito, a crescente excluso social, produzida pela introduo das polticas

    neoliberais (Soares do Bem, 2003), acabou forando a Sociedade Civil organizada busca de

    solues compartilhadas. Se nas dcadas anteriores, os movimentos sociais eram definidos por

    uma enorme capacidade de presso e reivindicao, a partir da dcada de 90 estes passaram a

    institucionalizar-se por meio das organizaes no governamentais.

    Tais organizaes assumiram o papel no apenas de fazer oposio ao Estado, mas de

    participar da elaborao de polticas pblicas, contribuindo, assim, para ampliar a esfera pblica

    para alm da esfera estatal.

    Marcam, dessa forma, ainda que embrionariamente, a transio de um modelo

    meramente representativo de democracia para um modelo centrado no exerccio ativo da

    cidadania (Benevides, 1998).

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    UNIDADE V - O FEMINISMO NO BRASIL11:

    1. AS MULHERES NOS MOVIMENTOS

    A presena das mulheres na cena social brasileira nas ltimas dcadas tem sido

    inquestionvel. Durante os 21 anos em que o Brasil esteve sob o regime militar, as mulheres

    estiveram frente nos movimentos populares de oposio, criando suas formas prprias de

    organizao, lutando por direitos sociais, justia econmica e democratizao. O movimento

    operrio que se organizou nos anos 70 seguramente o ator mais importante neste cenrio. Os

    movimentos de mulheres constituem a novidade (SOUZA-LOBO, 1991, p. 269).

    A presena das mulheres na arena poltica foi, assim, construda no perodo da ditadura,

    a partir dos anos 60, sendo um dos elementos que contriburam para os processos de mudanas

    no regime poltico; [...] alm disso, mulheres tambm compuseram a coluna vertebral de muitas

    das organizaes de sociedade civil e partidos polticos de oposio que com xito desafiaram

    regras autoritrias durante os anos 70 e incio dos 80 (ALVAREZ, 1988).

    De fato, as mulheres estiveram presentes nas lutas democrticas e, simultaneamente,

    mostraram e tm demonstrado que diversos setores se inserem diferentemente na conquista da

    cidadania e que os efeitos do sistema econmico so sentidos diferenciadamente de acordo com

    as contradies especficas nas quais estes setores esto imersos (SADER, 1988).

    As mulheres novas atrizes , ao transcenderem seu cotidiano domstico, fizeram

    despontar um novo sujeito social: mulheres anuladas emergem como inteiras, mltiplas. Elas

    estavam nos movimentos contra a alta do custo de vida, pela anistia poltica, por creches.

    Criaram associaes e casas de mulheres, entraram nos sindicatos, onde reivindicaram um

    espao prprio.

    Realizaram seus encontros. Novos temas entraram no cenrio poltico, novas prticas

    surgiram. Algumas autoras citam o movimento que emergiu no Brasil como talvez o mais

    11 Texto extrado e adaptado de MUITAS FACES DO FEMINISMO NO BRASIL, da autora Vera Soares. Foi

    integrante da Comisso de Mulheres do PT de 1982 a 1994. militante feminista, membro da ELAS Elisabeth Lobo Assessoria, consultora cientfica do Ncleo de Estudos da Mulher e Relaes Sociais de Gnero da USP NEMGEUSP. (Este texto uma reelaborao de textos anteriores: SOARES, 1994; DELGADO e SOARES, 1995.)

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    amplo, maior, mais diverso, mais radical e o movimento de maior influncia dos movimentos de

    mulheres da Amrica Latina (STERNBACH et alii, 1992, p. 414).

    Dois processos fundamentais que cruzaram a segunda metade dos anos 70 e toda a

    dcada de 1980 marcam a presena dos movimentos sociais no Brasil contemporneo: as crises

    econmicas e a inflao crescente que delas decorrem, e o processo de abertura poltica, ambos

    afetando e mobilizando tanto as classes mdias como as operrias.

    A transio negociada do regime autoritrio processou-se a partir da segunda metade

    dos anos 70, dentro do projeto de distenso lenta e gradual do presidente Geisel, e veio

    acompanhada da proliferao de movimentos populares, da consolidao da oposio, da

    remobilizao da esquerda, da rearticulao de uma poltica de oposio, da expanso da ao

    pastoral da Igreja catlica. As mulheres neste perodo tiveram espao para uma maior ao

    poltica em contraposio ao imaginrio social que as v como cidads despolitizadas ou

    intrinsecamente apolticas.

    Foi durante a ditadura militar, quando existiam as torturas a presos polticos, a homens,

    mulheres e crianas supostamente participantes de movimentos polticos, que o movimento

    feminista foi capaz de produzir uma srie de argumentos iluminando as ligaes da violncia

    contra a pessoa e contra as mulheres na esfera domstica.

    O movimento de mulheres que aparece durante os anos 70 rompeu com uma tradio

    segundo a qual as mulheres manifestavam publicamente valores tradicionais e conservadores,

    como ocorreu com a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade, que precede o golpe militar

    (BLAY, 1987). O movimento de mulheres nos anos 70 trouxe uma nova verso da mulher

    brasileira, que vai s ruas em defesa de seus direitos e necessidades e que realiza enormes

    manifestaes de denncia das desigualdades.

    O movimento de mulheres no Brasil foi (e ainda ) muito heterogneo. Na realidade,

    devemos tratar de movimentos de mulheres que trouxeram participao poltica muitas

    mulheres influenciadas pelo feminismo que ressurgiu tambm no perodo, um feminismo

    revisitado, como afirmou Beth Lobo ao fazer referncia aos movimentos feministas do incio do

    sculo, em que mulheres lutaram pela conquista do voto e pelo direito educao (SOUZA-

    LOBO, 1991).

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    O movimento feminista que reapareceu no Brasil a partir de meados dos anos 70 teve

    algumas caractersticas dos movimentos que surgiram na Europa e nos Estados Unidos nos anos

    60. No entanto, as condies polticas locais, geradas pelas peculiaridades da primeira fase do

    governo militar, no deram lugar emergncia de um movimento de liberao radicalizado,

    como os que mobilizaram mulheres da mesma gerao e camada social naquelas sociedades,

    com trajetrias e questionamentos identitrios semelhantes aos de muitas jovens brasileiras

    (GOLDBERG, 1989).

    Esta mesma situao, por outro lado, propiciou a emergncia do feminismo no seio das

    militantes dos partidos de esquerda e de mulheres engajadas na luta pela democracia no pas.

    Tratou-se do surgimento de um feminismo cujas militantes estavam em sua maioria tambm

    engajadas nos grupos de esquerda ou nas lutas democrticas, criando um movimento feminista

    bastante politizado, o que a autora chamou de um feminismo bom para o Brasil (GOLDBERG,

    1988).

    O ano de 1975 frequentemente citado como aquele em que os grupos feministas

    reapareceram nos principais centros urbanos.

    Naquele ano, quando muitas vozes dissidentes eram sistematicamente silenciadas pelos

    militares brasileiros, a proclamao da Dcada da Mulher pelas Naes Unidas ajudou a

    legitimar demandas incipientes de igualdade entre homens e mulheres. As mulheres souberam

    aproveitar a brecha e organizaram encontros, seminrios, conferncias, principalmente nas

    cidades do Rio de Janeiro e de So Paulo. A partir da, comemoraes pblicas do Dia

    Internacional da Mulher (8 de maro) passaram a ocorrer em vrios estados, vrias organizaes

    feministas tomaram forma e vrios jornais feministas apareceram.

    Os primeiros grupos feministas criados na dcada de 1970 nasceram com o

    compromisso de lutar tanto pela igualdade das mulheres como pela anistia e pela abertura

    democrtica1. Eram grupos de reflexo e presso, cujas feministas tomaram como tarefa

    traduzir sua motivao original em proposies que sejam relevantes para a grande massa de

    mulheres desprivilegiadas, de modo a mobiliz-las contra a opresso de sexo e de classe

    (SINGER, 1980, p. 119). Muitas mulheres passaram a dirigir sua atuao, por intermdio dos

    grupos recm-criados, para lutas em bairros e comunidades das periferias urbanas, da Igreja

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    catlica, em clubes de mes, associaes de vizinhana, onde donas de casa e mes se reuniam,

    organizavam- se e mobilizavam-se por questes do cotidiano.

    Os grupos feministas e os movimentos populares de mulheres proliferaram durante os

    anos 70 e incio dos 80. As comemoraes do Dia Internacional da Mulher se constituram em

    momentos-chave para a organizao de fruns das mulheres, articulando protestos pblicos

    contra a discriminao de sexo e uma agenda de reivindicaes, consolidando uma coordenao

    de mulheres e laos de solidariedade.

    At os dias de hoje essas comemoraes se constituem em um dos momentos

    privilegiados de encontro do movimento de mulheres. A luta pela anistia no Brasil teve uma

    grande participao das mulheres, que iniciaram o Movimento Feminino pela Anistia, em 1975,

    composto principalmente por esposas, mes, irms e outras familiares de vtimas da represso.

    Muitas feministas tiveram participao importante neste movimento, conforme aponta Paul

    Singer (1980).

    Os sindicatos tambm passaram a ser lugar da militncia feminista, criando-se uma

    interlocuo entre as feministas e as sindicalistas, que teve desdobramentos significativos para as

    relaes entre o sindicalismo e as trabalhadoras.

    As feministas debateram com as esquerdas e com as foras polticas progressistas

    alguns pontos da teoria e da prtica do fazer poltico, apontando para a no hierarquizao das

    lutas e a sexualizao das prticas nos espaos pblicos. O feminismo trouxe novos temas para o

    conjunto do movimento de mulheres, posteriormente incorporados pelos partidos polticos:

    direito de ter ou no filhos, punio aos assassinos de mulheres, aborto, sexualidade, violncia

    domstica.

    No incio dos anos 80 chegavam a quase uma centena os grupos feministas espalhados

    pelos principais centros urbanos do pas.

    No Brasil, como tambm em vrios pases da Amrica Latina, as mulheres se fizeram e

    se fazem visveis por meio de uma multiplicidade de expresses organizativas, uma infinidade de

    reivindicaes e formas de luta.

    Os movimentos de mulheres, como outros movimentos sociais, so movimentos no

    clssicos, na medida em que transcorrem nas esferas no tradicionais de organizao e ao

    poltica a novidade que tornaram visveis a prtica e a percepo de amplos setores sociais

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 35

    que geralmente estavam marginalizados da anlise da realidade social, iluminaram aspectos da

    vida e dos conflitos sociais em geral obscurecidos e ajudaram a questionar velhos paradigmas da

    ao poltica. Uma das principais contribuies do movimento de mulheres tem sido evidenciar a

    complexidade da dinmica social e da ao dos sujeitos sociais, revelando o carter

    multidimensional e hierrquico das relaes sociais e a existncia de uma grande

    heterogeneidade de campos de conflito.

    Para uma compreenso inicial destes movimentos foi usual nos referirmos ao

    movimento feminista como uma das expresses de um movimento de mulheres mais amplo

    (VARGAS, 1993). As feministas compem uma face do movimento de mulheres. As mulheres

    das periferias dos centros urbanos, das pequenas comunidades rurais, as que atuam nos

    sindicatos compem a outra face.

    Cada uma das vertentes do movimento de mulheres poderia ser analisada como um

    movimento social, enfocando suas dinmicas prprias, suas formas de expresso etc. Mas como

    estas vertentes se tocam, se entrelaam, entram em contradio, utilizaremos a expresso

    movimento de mulheres, reconhecendo que este uma pluralidade de processos. O movimento

    de mulheres, semelhana de outros movimentos sociais, representa uma noo analtica, que

    abarca um imenso guarda-chuva, abrigando aes coletivas diversas, com diferentes

    significados, alcances e duraes (PAOLI, 1995).

    As feministas, como expresso de uma das vertentes deste movimento, traduzem a rebeldia

    das mulheres na identificao de sua situao de subordinao e excluso do poder e buscam

    construir uma proposta ideolgica que reverta esta marginalidade e que se concretize a partir da

    construo de uma prtica social que negue os mecanismos que impedem o desenvolvimento de sua

    conscincia como seres autnomos e que supere a excluso. As feministas fazem do conhecimento e

    da eliminao das hierarquias sexuais seu objetivo central, e a partir da se articulam com as outras

    vertentes do movimento de mulheres (SOARES et alii, 1995).

    Uma das parcelas dos movimentos de mulheres nos anos 70 e 80, no Brasil, nasceu dos

    grupos de vizinhana nas periferias dos grandes centros urbanos. As mulheres dos bairros

    populares construram uma dinmica poltica prpria. Por intermdio de seus papis socialmente

    designados de esposas e mes, fizeram os primeiros protestos contra o regime militar. Lutaram

    contra o aumento do custo de vida, reivindicaram boas escolas, centros de sade, gua corrente,

  • Este mdulo dever ser utilizado apenas como base para estudos. Os crditos da autoria dos contedos aqui apresentados so dados aos seus respectivos autores. 36

    transportes, rede eltrica, moradia, legalizao de terrenos e outras necessidades de infraestrutura

    urbana, exigiram condies adequadas para cuidar de sua famlia, educar suas crianas

    (SAFFIOTI, 1988; SARTI, 1988; GOLDBERG, 1989). Snia Alvarez (1988) utiliza o termo

    militant motherhood para caracterizar estes movimentos.

    A forte presena da Igreja catlica na vida das mulheres inseparvel desses

    movimentos. Como resultado das medidas repressivas do governo militar, principalmente de

    1964 a 1974, apareceram novas estratgias das comunidades organizadas. A Igreja catlica foi

    um dos poucos espaos que permitiram a articulao da resistncia no armada ao governo

    militar. A Igreja progressista ofereceu um guarda-chuva organizacional para a oposio ao

    regime e cobriu as atividades de oposio com um vu de legitimidade moral (ALVAREZ,

    1988). A vida concreta dessas mulheres se modificou parcialmente por meio de sua insero nas

    comunidades, o uso de seu tempo, a ampliao de seu espao de circulao geogrfico e social,

    suas trocas com outras mulheres, seu ativismo religioso e sua militncia poltica transformaram

    seu cotidiano (NUNES ROSADO, 1991, p. 274).

    Assim, as mulheres pobres, a partir da ao poltica para melhorar suas vidas e a de seus

    familiares, se redefiniam para si mesmas como legtimas atrizes pblicas e modificavam as

    normas tradicionais que limitam a mulher ao mbito privado do lar. Entretanto, mesmo que

    organizadas em suas aes de sobrevivncia, mesmo tendo sado de seu encerramento

    domstico, identificado interlocutores, aumentado seu sentimento de autoestima, estas mulheres

    podem no modificar no essencial a profunda segregao sexual na sociedade, nem alterar a

    direo dos projetos sociais. Mas elas se constituram e ainda se constituem nas interlocutoras

    privilegiadas das feministas.

    Em geral, a hierarquia da Igreja e alguns padres progressistas ficaram doutrinariamente

    em oposio, ou agiram mesmo com hostilidade em relao a algumas reivindicaes do

    feminismo, principalmente quanto aos direitos reprodutivos e temas da sexualidade, inicialmente

    sem vnculo entre si.

    Uma outra parcela deste movimento de mulheres so as trabalhadoras urbanas e rurais.

    O crescimento da presena das mulheres