A Homilética e as Estruturas Textuais

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A HOMILTICA E AS ESTRUTURAS TEXTUAIS

A Homiltica e as Estruturas Textuais

Dr. Jos Roberto Cristofani

De Serva Senhora

Quando deixamos o Seminrio para assumirmos um campo, presumimos, muitas vezes, que sabemos o suficiente a respeito das disciplinas estudadas e no nos damos conta que a nossa preparao acadmica foi o primeiro dos impulsos em direo a novos estudos.

Assim, ao nos voltarmos para um estudo mais atencioso dos textos bblicos vamos, inevitavelmente, descobrir aspectos estruturais que jogam, repetidas vezes, nossos pressupostos homilticos por terra.

Aprendemos no Seminrio, a estruturar nossos sermes e estudos conforme as regras observadas nos grandes pregadores do passado. Regras estas que cientificamente denomina-se regras homilticas.

No h nada de mal, em si, o uso de tais regras, se forem usadas para servir o/a ministro/a, como entendo que sejam. Entretanto, de serva, a homiltica passou a ser senhora, e senhora tal que no permite ao expositor bblico respeitar as estruturas que encontramos nos textos.

Portanto, quero mostrar que os textos bblicos obedecem a certas estruturas naturais e que podemos utiliza-las para ministrar a palavra

As Estruturas Textuais

Denomino estrutura textual a forma como aparecem dispostos os elementos dentro de padres nos textos. Na anlise dos textos bblicos, temos que notar a disposio natural de tais elementos. Tal disposio uma imposio interna que o autor colocou e quer que seja considerada por aqueles que lero o texto, pois a distribuio dos elementos obedeceu a uma inteno didtica, no foi feita revelia deste propsito.

Vou tomar dois textos como amostra para exemplificar suas respectivas estruturas.

Ams 1.3-5

3 Assim diz o SENHOR: Por trs transgresses de Damasco e por quatro, no sustarei o castigo, porque trilharam a Gileade com trilhos de ferro. 4 Por isso, meterei fogo casa de Hazael, fogo que consumir os castelos de Ben-Hadade. 5 Quebrarei o ferrolho de Damasco e eliminarei o morador de Biqueate-ven e ao que tem o cetro de Bete-den; e o povo da Sria ser levado em cativeiro a Quir, diz o SENHOR.

Inicialmente, demarca-se os limites do texto. Este processo consiste em encontrar o incio e o fim do texto considerado. (Obs: considera-se, para esse fim, o texto sem as divises em captulos e versculos).

Neste caso, o texto tem seu incio com as palavras Assim diz o Senhor , e tem seu trmino com diz o Senhor . Assim, o trecho de Ams 1.3-5 pode ser tomado como um pargrafo em si.

Para confirmar essa afirmao, basta olhar para o contexto e verificar que outros textos semelhantes a este, em funo (profecia contra uma nao) tambm se iniciam e terminam do mesmo modo. Por exemplo, a profecia contra Gaza inicia-se com Assim diz o Senhor e termina com diz o Senhor . Do mesmo modo ocorre com as profecias contra Amom, Moabe e Israel. E ainda, com uma pequena variao no final, com as profecias contra Tiro, Edom e Jud.

Feita a demarcao dos limites do texto, passa-se a verificar qual a estrutura da percope.

O trecho comea de uma forma autoritativa Assim diz o Senhor , a qual chamo de Frmula do Mensageiro.

O segundo elemento que se percebe uma Acusao Por trs transgresses de Damasco, e por quatro, no susterei o castigo .

Um terceiro elemento decorre naturalmente do segundo, pois o castigo tem que ter um motivo. Assim, esse elemento o que chamo de Base do Castigo, isto , a explicao do porque Porque trilharam a Giliade com trilhos de ferro .

Ainda, um quarto elemento deste trecho a Descrio do Castigo, iniciada por uma conjuno conclusiva por isso. Este elemento tambm decorre do anterior: Por isso meterei fogo ... ser levado cativo a Quir ... .

Finalmente a unidade encerrada com uma Frmula Conclusiva, abreviada da introduo diz o Senhor .

Em resumo, a estrutura de Ams 1.3-5 a seguinte:

I. Frmula do Mensageiro3 Assim diz o SENHOR:

II. Ameaa de CastigoPor trs transgresses de Damasco e por quatro, no sustarei o castigo,

III. Base do Castigoporque trilharam a Gileade com trilhos de ferro.

IV. Descrio do Castigo4 Por isso, meterei fogo casa de Hazael, fogo que consumir os castelos de Ben-Hadade. 5 Quebrarei o ferrolho de Damasco e eliminarei o morador de Biqueate-ven e ao que tem o cetro de Bete-den; e o povo da Sria ser levado em cativeiro a Quir,

V. Frmula Conclusivadiz o SENHOR.

As outras sete profecias que se seguem, salvo pequenas variaes, possuem a mesma estrutura textual.

Mateus 6.2-4

2 Quando, pois, deres esmola, no toques trombeta diante de ti, como fazem os hipcritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles j receberam a recompensa. 3 Tu, porm, ao dares a esmola, ignore a tua mo esquerda o que faz a tua mo direita; 4 para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que v em secreto, te recompensar.

Usando o mesmo procedimento, preciso, alm de demarcar o trecho, identificar os elementos da sua estrutura textual.

Primeiramente delimita-se o texto. O pargrafo inicia-se com um advrbio temporal Quando e encerra-se com a palavra recompensar . (OBS: o v.1 tomado como introduo geral para as trs unidades que se seguem; esmola, orao e jejum).

Esse trecho ser tomado como uma unidade completa em si.

Esta afirmativa claramente comprovada com uma simples olhada no contexto (cf. vv. 5 e 6; 16 e18); versos que encerram uma estrutura textual idntica.

Uma vez delimitado o texto, passa-se a determinar a estrutura.

Neste trecho os elementos esto dispostos de tal maneira a formarem duas partes: Na primeira parte existe uma introduo que feita com uma meno do assunto Quando, pois, deres esmola .

O segundo elemento constitui-se numa Advertncia aos discpulos para no agirem conforme hipcritas no toques trombeta ... .

O elemento que se segue uma Explicao da Advertncia, iniciada por uma conjuno explicativa, omitida neste pargrafo, mas subentendida conforme vv. 5 e 16. Assim, o texto pode ser lido porque do esmola nas sinagogas ... .

O ltimo elemento da primeira parte a Concluso j receberam a recompensa (passado).

A introduo da segunda parte, iniciada por uma conjuno adversativa, Contrape o ensino, fazendo uma meno do assunto tu, porm, ao dares a esmola .

Em segundo lugar aparece um Ensino seguindo imediatamente a frase adversativa ignore a tua esquerda ... .

A concluso da segunda parte feita com uma promessa no futuro, fechando assim a unidade completa.

Resumindo a estrutura textual de Mateus 6.2-4.

1 PARTE

I. Introduo2 Quando, pois, deres esmola,

II. Advertnciano toques trombeta diante de ti, como fazem os hipcritas, nas sinagogas e nas ruas,

III. Justificativa da Advertnciapara serem glorificados pelos homens.

IV. Concluso (passado)Em verdade vos digo que eles j receberam a recompensa.

2. PARTE

I. Contraposio do Ensino3 Tu, porm, ao dares a esmola,

II. Ensinoignore a tua mo esquerda o que faz a tua mo direita; 4 para que a tua esmola fique em secreto;

III. Concluso (futuro)e teu Pai, que v em secreto, te recompensar.

Os outros dois pargrafos (orao e jejum), seguem a mesma estrutura.

bom ressaltar que Mateus aduz , ao pargrafo da orao, um ensino complementar (vv. 7-15).

Com tais amostras possvel comprovar que os textos respeitam, dentro do seu gnero, certas estruturas textuais.

A guisa de exerccio de fixao pode-se tentar estabelecer a disposio dos elementos dos seguintes trechos: As 7 cartas do apocalipse, os AIS de Mateus 23.13ss; os cnticos de Lucas; as antteses de Mateus 5.21-47 e assim por diante.

A Questo

Tendo descrito as estruturas acima, surge a questo:

Como se comportam as regras homilticas nesses casos?

A experincia tem demonstrado que a homiltica no respeita os elementos naturais do texto. Padronizou-se ministrar (sermes e estudos) com trs ou quatro divises, no que as divises homilticas sejam ms em si, mas tais regras muitas vezes, foram a ver divises onde no h ou omiti-las de um texto.

No caso de Ams 1.3-5, caberia uma diviso homiltica tradicional (trs divises, introduo e concluso).

Contudo, no caso de Mateus 6.2-4, a mesma diviso homiltica no teria lugar, sem violar as divises naturais impostas pela estrutura textual.

Concluso

Com essas breves consideraes, gostaria de propor uma inverso de posio, isto , devolver homiltica o seu lugar de serva e considerar os textos sob a perspectiva de suas estruturas naturais.

Se a homiltica tem por objetivo colocar de maneira clara e didtica a ministrao da palavra, as estruturas textuais se prestam a isso muito mais.

Afirmo isso porque podemos utilizar as divises dos textos segundo os padres impostos internamente, isto , pelos padres estruturais do prprio autor que pretendeu, no mais das vezes, ser claro, conciso e didtico.

Portanto, digo que no devemos nos prender, cegamente, aos padres impostos ao texto externamente, isto , s leis homilticas.

Faamos a experincia, usemos as estruturas textuais na ministrao da palavra.

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