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A IMPORTÂNCIA DA EXTENSÃO RURAL EM PEQUENAS PROPRIEDADES E PARA FAMÍLIAS QUE DEPENDEM DA ATIVIDADE LEITEIRA Gianlucca Rizzi 1 , Ezequiel Davi dos Santos 2 , Leonardo Dametto & João Ignácio do Canto 3 1. Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected] 2. Mestrando em Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected] 2. Mestrando em Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected] 3. Professor do Curso de Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO O projeto de extensão “Agroleite: melhoria na qualidade de vida” em execução no município de Passo Fundo, localizado no Norte do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, tem como objetivo fomentar a cadeia produtiva leiteira através de ações executadas por alunos voluntários do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. O plano de ação tem a orientação de um dos professores do Curso, é composto por medidas de intervenção direta nos gargalos produtivos, difundindo conhecimento e tecnologia. As medidas adotadas em propriedades rurais são precedidas de uma análise da realidade socioeconômica dos assistidos, para que estas possam sejam eficazes e cumpram o papel transformador dentro da cadeia produtiva. As práticas extensionistas têm o viés de habilitar os alunos para atuar em situações que exigem o respaldo de um Médico Veterinário. Dentre as ações executadas pelo projeto estão o diagnóstico e controle de zoonoses, ou seja, doenças transmissíveis entre humanos e animais, visando assim melhorar a sanidade dos rebanhos e garantir a saúde dos produtores rurais. Neste relato é descrito como foi procedido o diagnóstico e controle de um foco de tuberculose bovina, abordando a situação sanitária dos rebanhos de pequenos produtores e o contexto socioeconômico envolvido. ABSTRACT The project "Agroleite: improving quality of life" in the city of Passo Fundo, located in the north of the State of Rio Grande do Sul, Brazil, aims to support the local dairy production chain through actions carried out by volunteer Veterinary Medicine students of the University of Passo Fundo. The action plan, guided by one of the course's teachers, is composed of measures of direct intervention in productive means, spreading knowledge and technology. The measures adopted in rural properties are preceded by an analysis of the socioeconomic reality of the assisted, so these are generated or transformed within the productive chain. As practical extensionists have the bias of enabling students to act in situations that require the support of a veterinarian. Among the actions carried out by the project are the diagnosis and control of zoonosis, that is, diseases transmitted between animals and humans, in order to improve the health of herds and ensure the health of rural producers. This report describes

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A IMPORTÂNCIA DA EXTENSÃO RURAL EM PEQUENAS PROPRIEDADES

E PARA FAMÍLIAS QUE DEPENDEM DA ATIVIDADE LEITEIRA

Gianlucca Rizzi1, Ezequiel Davi dos Santos2, Leonardo Dametto & João Ignácio do

Canto3

1. Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]

2. Mestrando em Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]

2. Mestrando em Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]

3. Professor do Curso de Medicina Veterinária, FAMV, UPF, Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO

O projeto de extensão “Agroleite: melhoria na qualidade de vida” em execução no

município de Passo Fundo, localizado no Norte do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, tem

como objetivo fomentar a cadeia produtiva leiteira através de ações executadas por alunos

voluntários do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. O plano de

ação tem a orientação de um dos professores do Curso, é composto por medidas de

intervenção direta nos gargalos produtivos, difundindo conhecimento e tecnologia. As

medidas adotadas em propriedades rurais são precedidas de uma análise da realidade

socioeconômica dos assistidos, para que estas possam sejam eficazes e cumpram o papel

transformador dentro da cadeia produtiva. As práticas extensionistas têm o viés de habilitar

os alunos para atuar em situações que exigem o respaldo de um Médico Veterinário. Dentre

as ações executadas pelo projeto estão o diagnóstico e controle de zoonoses, ou seja,

doenças transmissíveis entre humanos e animais, visando assim melhorar a sanidade dos

rebanhos e garantir a saúde dos produtores rurais. Neste relato é descrito como foi

procedido o diagnóstico e controle de um foco de tuberculose bovina, abordando a situação

sanitária dos rebanhos de pequenos produtores e o contexto socioeconômico envolvido.

ABSTRACT

The project "Agroleite: improving quality of life" in the city of Passo Fundo, located in

the north of the State of Rio Grande do Sul, Brazil, aims to support the local dairy production

chain through actions carried out by volunteer Veterinary Medicine students of the University

of Passo Fundo. The action plan, guided by one of the course's teachers, is composed of

measures of direct intervention in productive means, spreading knowledge and technology.

The measures adopted in rural properties are preceded by an analysis of the socioeconomic

reality of the assisted, so these are generated or transformed within the productive chain. As

practical extensionists have the bias of enabling students to act in situations that require the

support of a veterinarian. Among the actions carried out by the project are the diagnosis and

control of zoonosis, that is, diseases transmitted between animals and humans, in order to

improve the health of herds and ensure the health of rural producers. This report describes

how the diagnosis and control of a bovine tuberculosis outbreak was performed, addressing

the health situation of small herds of farmers and the socioeconomic context involved.

INTRODUÇÃO

O projeto de extensão “Agroleite: melhoria na qualidade de vida” em execução no

município de Passo Fundo, localizado no norte do Rio Grande do Sul, Brasil, surgiu com o

intuito de trazer melhorias para os produtores de leite do município, visando aumentar a

renda das atividades desenvolvidas. Para que isto se tornasse realidade foi idealizado um

modelo de operacionalização baseado na perspectiva progressista de educação (WAGNER,

2001). Apesar de buscar instituir “melhorias”, deve-se refletir perante este termo, levando

em conta quais impactos serão causados mediantes a tentativa de introduzir novos hábitos

em uma realidade estabelecida. Assim, para que o projeto tivesse êxito foi necessário

estabelecer objetivos de acordo com as expectativas dos produtores atendidos e em um

segundo momento da comunidade.

Historicamente o significado de extensão rural gerou diversas ambiguações, o termo

surgiu em um momento histórico em que eram feitos esforços para “modernizar” a produção,

através de técnicas difusionistas e um modelo vertical de operacionalização, este modelo

chamado de extensão rural não levava em consideração muitos fatores chaves necessários

para que resultados fossem alcançados sem efeitos colaterais, estes efeitos colaterais são

percebidos em um segundo momento quando se transformam em problemas sociais de

difícil resolução (WAGNER, 2001).

Atualmente o papel da extensão rural foi reinventado, agora é tratado como um

processo educativo, não se trata mais de um “depósito” de conhecimento em indivíduos não

familiarizados com os termos em uso. Dentro do papel de atuação da extensão rural busca-

se levar em consideração todo o contexto socioeconômico dos assistidos, somente através

do entendimento da dialógica pedagógica é possível se estabelecerem vínculos de

confiança para que os objetivos sejam atingidos, trata-se de um modelo horizontal

(WAGNER, 2001).

A caracterização da extensão como um processo educativo configura um caráter

mais humanista a atividade, levando em consideração os reflexos das intervenções

(FREIRE, 1983). Somente através de uma prática solidária é possível alterar uma realidade

de forma sólida, reconstruindo elos enfraquecidos, atendendo demandas de populações

desassistidas e em situações de risco. A extensão deve servir como ferramenta de

libertação para minorias rurais que comumente não exercem influência nas decisões

públicas, para evitar que estas minorias que vivem no meio rural sejam excluídas e

marginalizadas pela sociedade, tendo seus direitos negados e sua existência estigmatizada.

A realização do projeto de extensão rural deve ser interpretada como uma forma de

levar melhorias ao campo, porém este processo não é tão simples como o descrito. As

críticas podem se figurar na intenção da substituição de uma cultura existente por uma série

de práticas que irão alterar não somente a esfera produtiva, mas também o modo de viver

dos assistidos. Todo esse processo de transformação cultural pode gerar conflitos entre

interesses e ideais dos executores para com os assistidos, estes conflitos podem acarretar

com o fim de um projeto inicialmente bem intencionado.

A fim de não haver desentendimentos e perda de significado de um projeto algumas

medidas devem ser tomadas e constantemente revistas para que não entrem em

obsolência. A formulação do projeto deve passar pelo olhar dos assistidos, os mesmos

devem ter a noção de que o resultado é fruto da participação dos produtores, somente

assim será construída uma relação verdadeira de confiança, esta relação irá facilitar toda e

qualquer intervenção a ser realizada.

DESENVOLVIMENTO

Passo Fundo possui 182.826 habitantes sendo que apenas 4.706 (2,5%) residem na

zona rural do município (IBGE, 2010), havendo uma forte tendência a diminuição desta

população. Devido a conjunturas atuais de mercado, a atividade leiteira tem se tornado cada

vez mais inviável economicamente para pequenos produtores, fato demonstrado pelos

dados da Emater (2017), os quais demonstram que uma quantia significativa de produtores

de leite abandonou a atividade no período estudado. Além da crise econômica se constata

que há um envelhecimento da população rural e nem sempre há a sucessão familiar e

continuação das atividades agropecuárias desenvolvidas. Diante deste cenário o projeto

Agroleite tem buscado viabilizar meios de garantir que a população rural permaneça

exercendo as atividades desenvolvidas, principalmente através da implantação de

tecnologias viáveis em pequenas propriedades. Entretanto, a implantação não se trata de

um processo de imposição, mas sim de uma série de esforços de entidades parceiras que

visam atender os anseios da população, reforçando a independência dos produtores e

comunidades rurais no processo de transformação do cenário rural.

A produção de leite no município de Passo Fundo é de aproximadamente 94 mil

litros/dia. Esta produção provém principalmente de rebanhos de até 20 bovinos, oriundos de

pequenas propriedades que dispõem de mão de obra familiar (BACALTCHUK; MELO;

JACOBSEN, 2015). A média de animais por produtor encontrada em Passo Fundo é

semelhante a de 16,4 vacas por propriedade rural que vende a produção para indústrias,

cooperativas e queijarias, se mostrando significantemente maior que a média estadual de

7,5 vacas leiteiras por propriedade, relativa a todos destinos da produção de leite (EMATER,

2017). Os produtores de leite se tornaram participantes do Projeto Agroleite através de

convite realizado aos mesmos. O convite foi realizado em reuniões e encontros promovidos

para divulgação de resultados do trabalho “Diagnóstico instrumental para o direcionamento

do espaço rural de Passo Fundo: 2012-2014” nas localidades estudadas.

Após a adesão de novas propriedades os produtores eram convocados para uma

primeira reunião na qual se discutiu os objetivos do projeto, o plano de ação e a estratégia

de desenvolvimento. Durante a reunião foi promovido o diálogo entre os produtores e

agentes de extensão da Universidade de Passo Fundo, visando aliar interesses e iniciar um

trabalho objetivando cumprir as demandas relatadas pelos produtores rurais. Após tratada a

operacionalização do projeto foram definidas datas para novas reuniões e visitas técnicas na

comunidade de atuação do projeto.

O objetivo inicial do projeto foi trabalhar com saúde reprodutiva de bovinos leiteiros,

realizando diagnósticos de gestação e levando recomendações técnicas em relação à saúde

dos bovinos para os produtores. Durante as visitas nas propriedades foram realizados

exames ginecológicos dos animais e diagnósticos de gestação por palpação transretal e por

ultrassonografia, em três propriedades foram examinadas um total de 30 fêmeas bovinas,

onde 12 (35,5%) foram consideradas gestantes (ECKERDT et al., 2017). A partir dos dados

obtidos nesse estudo e levando em consideração que as propriedades dos produtores não

tinham um controle sanitário eficiente, os organizadores do projeto propuseram para que

fosse realizado o diagnóstico de zoonoses nos rebanhos de todos os produtores envolvidos

no projeto.

As zoonoses podem ser transmitidas através de contato direto ou indireto, por

vetores em populações de risco e pelo consumo de produtos de origem animal

contaminados pela população em geral, causando inúmeros prejuízos econômicos, devido a

perdas produtivas e descarte de animais, sociais e principalmente, na saúde pública

(JOAQUIM et al., 2016). Visto que o diagnóstico de doenças gera um custo significativo às

propriedades, buscou-se o contato com instituições de pesquisa para que o diagnóstico

pudesse ser realizado com o menor custo aos produtores, estabelecendo-se uma parceria

com Programa de Pós-Graduação em Bioexperimentação da Universidade de Passo Fundo.

Através dessa parceria se realizou o diagnóstico de brucelose e tuberculose de acordo com

o Plano Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), onde

os testes foram realizados por um Médico Veterinário habilitado pelo Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Os testes foram realizados de forma gratuita

e acompanhados por alunos participantes do projeto.

A tuberculose bovina é uma zoonose causada pela bactéria Mycobacterium bovis,

ecaracteriza-se pelo seu curso crônico, efeito debilitante e por não demonstrar sinais

clínicos aparentes nos animais infectados, podendo causar perdas produtivas

correspondentes a um quarto da produção leiteira (RIET-CORREA, 2005). A excreção da

bactéria ocorre por meio de aerossóis contendo a bactéria, estas partículas são oriundas de

secreções como expectoração e corrimento nasal, ainda em menor frequência ocorre a

transmissão por secreções como leite, fezes, urina, secreções vaginais e uterinas e, pelo

sêmen. Ocorre mais frequentemente em rebanhos leiteiros devido às aglomerações de

animais durante o dia no período da ordenha e durante a alimentação das vacas, sendo

estes dois momentos cruciais para a transmissão da doença, tanto para humanos quanto

para bovinos. Uma das principais formas de transmissão da doença é através da compra de

animais doentes não testados, ocorrendo a transmissão no momento que estes entrarem

em contato com um rebanho sadio (ABRAHÃO, 1999).

Em um estudo realizado por Poletto (2004), foram testados 2.119 bovinos de 156

propriedades localizadas no município de Passo Fundo, onde 32 bovinos (1,51%)

pertencentes a seis propriedades distintas (3,84%) apresentaram diagnóstico positivo para a

tuberculose. Na pesquisa realizada por Queiroz (2016), foram testadas 9.895 fêmeas

bovinas com mais de 24 meses, em 1.067 propriedades rurais do Estado do Rio Grande do

Sul. Nesse estudo, foram diagnosticados 74 (0,7%) animais positivos em 31 (2,8%)

propriedades distintas. O mesmo estudo segmentou o Estado em diferentes regiões, foram

testados 1.211 animais em 155 propriedades localizadas no norte do Rio Grande do Sul,

onde 10 (0,9%) animais em seis (3,9%) propriedades foram considerados positivos. Das

seis propriedades com vacas positivas, cinco tinham dedicação exclusiva à produção de

leite e uma era de dedicação mista (leite e corte), assim a pesquisa concluiu que a

prevalência de tuberculose é maior em propriedades de rebanhos leiteiros.

A tuberculose em humanos é considerada uma doença de caráter ocupacional,

atinge principalmente ordenhadores, tratadores de animais e médicos veterinários, porém

dificilmente se desenvolve em pessoas sem comprometimentos imunológicos. No Brasil

estima-se que ocorrem 80.000 casos novos de tuberculose em humanos, dos quais

aproximadamente 4.000 são causados por M. bovis (RIET-CORREA, 2005). A transmissão

ocorre pela eliminação do Mycobacterium bovis através de secreções de animais ou

humanos infectados, onde os que entrarem em contato com a bactéria estarão susceptíveis

desenvolver a doença, quando submetidos a situações de baixa imunidade. Uma das

formas em que a doença ocorre é a forma pulmonar. A forma pulmonar da tuberculose

zoonótica ocorre após a inalação de secreção contaminada por M. bovis, porém ainda não

existem dados precisos diferenciando a tuberculose zoonótica da tuberculose causada por

outros agentes etiológicos como o Mycobacterium tuberculosis, isso se deve principalmente

ao diagnóstico precário da doença, constituindo um grave problema a saúde pública

(COSIVI, 1998).

Para a população em geral a infecção pode ocorrer devido ao consumo de produtos

lácteos oriundos de leite não pasteurizado, como o caso dos queijos. O consumo de

produtos não inspecionados ainda é relativamente comum devido a cultura de que estes

produtos teriam qualidade superior aos produtos industrializados (ABRAHÃO, 2005). No Rio

Grande do Sul a informalidade é considerada minoritária em termos de produção (7,7%)

segundo dados da EMATER (2017). O mesmo estudo indica que dos 173.706 produtores de

leite em atuação no Estado, 7.831 (4,5%) comercializam derivados lácteos de produção

caseira e 3.508 (2%) comercializam leite cru direto a consumidores, constituindo grande

risco a saúde pública devido a falta de inspeção dos produtos. Existe sempre a possibilidade

dos derivados lácteos estarem contaminados ou sofrerem adulterações e fraudes, o mesmo

risco ocorre para o leite produzido por 96.467 (55,5%) produtores destinado ao consumo

familiar, mas com menos perigo a saúde pública.

O Plano Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT)

foi criado com a intenção de controlar e erradicar essas duas doenças dos rebanhos

brasileiros, garantindo um produto final de qualidade sanitária aos consumidores. O

diagnóstico da tuberculose é realizado de forma voluntária pelos proprietários de animais,

mas as medidas de controle são compulsórias após a adesão ao programa. Este programa

inclui a regulamentação para que uma propriedade seja considerada livre de tuberculose e

brucelose, para isso deve-se adotar uma série de três testes consecutivos onde todos os

animais testados devem ser diagnosticados como negativos, essa certificação é válida por

um ano e pode ser renovada (BRASIL, 2006). O diagnóstico da tuberculose bovina é

realizado pelo Teste Cervical Comparativo (TCC) utilizando as tuberculinas PPD (Purified

Protein Derivative - Derivado Protéico Purificado) bovina e aviária, o teste é realizado pela

mensuração da espessura de uma dobra pele com o cutímetro e inoculação intradérmica de

0,1 mL de cada uma das proteínas em locais específicos. Após 72 horas após da inoculação

a espessura do mesmo local é mensurado novamente, o que irá indicar se o animal é

positivo ou negativo ao teste, ou ainda inconclusivo, estes últimos devem ser retestados

após o período mínimo de 60 dias (BRASIL, 2006).

RESULTADOS

Foram testados para tuberculose 55 bovinos em uma propriedade no município de

Passo Fundo, destes 30 (54,4%) animais foram diagnosticados como positivos, 17 (31,5%)

inconclusivos e 8 (14,5%) negativos. Os animais positivos foram marcados com ferro

candente na face direita após o diagnóstico positivo. Após o diagnóstico dos animais a

situação da propriedade foi definida como um foco de contaminação de tuberculose, e a

situação foi informada a Inspetoria Veterinária Estadual, a qual determinou o abate sanitário

de todo o rebanho sob inspeção do Serviço Oficial. O leite ordenhado após os diagnóstico

foi descartado e as vacas foram secas, pois por determinação oficial não é permitida a

utilização e venda de leite provindo de animais tuberculosos. Em casos de alta positividade

aos diagnósticos, recomenda-se que após a remoção dos animais seja realizado a limpeza

e desinfecção das instalações e do solo onde os animais tinham acesso. Além disso, o local

deve ser interditado, impedindo que animais sejam inseridos na propriedade até a resolução

do foco (PNCEBT, 2006).

Após o rebanho ser diagnosticado como foco de tuberculose, coube ao Médico

Veterinário e aos integrantes do projeto propor uma solução ao proprietário e família. Para

tanto, foi levado em consideração a saúde e o bem-estar social da família e da comunidade,

e assim, uma série de ações foram tomadas visando conduzir a situação de maneira que os

prejuízos fossem diminuídos. Num primeiro momento o resultado do diagnóstico

permaneceu como informação confidencial entre órgãos oficiais, organizadores do projeto e

a família do proprietário, pois assim evitou-se que a situação fosse alarmada e qualquer tipo

de informação fosse mal retratada. Além disso, a legislação prevê a realização de teste

confirmatório para os animais positivos no teste da tuberculina, os quais são demorados.

Depois de relatado ao órgão oficial se iniciou o processo de requisição indenizatória

pelos animais e pela produção de leite. Foram requeridas duas indenizações, uma relativa

ao abate de todo o rebanho e pela produção de leite, as quais estão sob responsabilidade

do Governo Estadual e do MAPA, respectivamente. Diante de tal noticia impactante foi

convocada uma reunião com os produtores participantes do projeto. A reunião contou com a

presença do proprietário dos animais diagnosticados como tuberculosos. Na reunião o tema

foi tratado com clareza e o produtor teve a oportunidade de relatar a experiência vivida até o

momento, bem como discutir como a situação estava sendo conduzida, evitando uma

possível ansiedade gerada por notícias de caráter sensível. Como resultado da reunião

muitos produtores demonstraram interesse em cooperar no âmbito do projeto. Cientes dos

riscos a saúde humana e prejuízos econômicos demonstraram interesse em participar da

erradicação e controle da doença em espectro local. A metodologia de abordagem primou

por trazer a informação de forma integral e transparente, assim foi possível estabelecer uma

corrente participativa de integrantes de uma comunidade com um objetivo comum (ELHAJJI;

LOPES, 2007).

Na mídia local a notícia foi retratada em uma rádio, através de uma entrevista ao vivo

como professor coordenador do projeto e posteriormente foi publicado o relato do produtor

na rede social da rádio. A informação foi tratada com seriedade, buscando informar o

público geral sobre a situação, evitando alarmismos desnecessários e possíveis reflexos

como o boicote aos produtos lácteos. Nesse sentido, buscou-se utilizar a mídia a favor da

situação, com uma cobertura rápida do caso, evitando assim especulações e que

inconsistências fossem vinculadas ao caso (ELHAJJI; LOPES, 2007).

Em ambiente acadêmico o caso foi abordado em um painel dos projetos de extensão

da Universidade de Passo Fundo, na oportunidade o proprietário dos animais expôs sua

experiência com o projeto Agroleite durante o período crítico do diagnóstico positivo. O tema

foi utilizado em diversas discussões acadêmicas durante aulas do curso de Medicina

Veterinária, oportunizando o aprendizado através da utilização do exemplo do caso de forma

pedagógica.

No abate dos animais foram contabilizadas lesões granulomatosas e/ou calcificadas

em 30 (54,5%) animais, estas localizadas em sítios linfáticos (linfonodos pré-escapular,

retrofaríngeo, retromamário, hepático, mesentérico, pulmonar apical e pulmonar

mediastínico). Dos animais positivos 18 (60%) tinham lesões, nos inconclusivos 10 (58,8%)

continham lesões e dos diagnosticados negativos, em dois (25%) foram encontradas lesões

(FIGUEROA et al., 2017).

DISCUSSÃO

As zoonoses são problemas intrínsecos a cadeia produtiva, se não forem controladas

eficientemente tendem a espalhar-se e atingir grupos de risco e a população em geral, para

que o controle seja eficiente deve haver um aparato legal que permita que os procedimentos

sejam executados com garantia de legalidade. Um grande avanço no quesito legal em

relação ao controle da tuberculose e brucelose foi a elaboração do Plano Nacional de

Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), estabelecendo delegações

aos profissionais envolvidos e padronizando procedimentos. O programa oferece ainda a

possibilidade de tornar uma propriedade livre de brucelose e tuberculose por meio de um

documento emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), esta

possibilidade significa um imenso ganho para o produtor e também para o país, pois quanto

maior o número de propriedades certificadas como livre maior é a garantia de que os

trabalhos para erradicar tais doenças estão sendo tomados. A certificação se mostra como

um diferencial de mercado para as propriedades e deve ser estimulada como procedimento

para todos os bovinocultores, apesar do custo dos diagnósticos deve-se interpreta-los como

investimento para a propriedade.

A tuberculose é uma doença que se desenvolve nas propriedades por causas de

difícil diagnóstico, uma das principais suspeitas em relação ao caso estudado foi a compra

de animais não previamente testados, ainda pode-se se associar a alta lotação das

instalações e o constante contato entre animais e uso comum de cochos de alimentação. A

legislação do PNCEBT prevê que todos os animais transportados cuja finalidade não é o

abate devem ser testados para tuberculose e brucelose, informação que deve constar na

Guia de Transito Animal (GTA) (BRASIL, 2006). O descumprimento dessa lei traz grandes

riscos a propriedades, porém, muitas transações de animais ocorrem sem levar em

consideração a legislação vigente, desta forma na falta de uma fiscalização eficiente esse

tipo de situação pode-se tornar rotineira, sendo uma das rotas epidemiológicas para a

transmissão de zoonoses (JOAQUIM et al., 2016).

A saúde pública é um dos temas de maior relevância e de maior interesse da

população em geral, fazendo parte deste tema maior esta a saúde animal e as possíveis

consequências que a precariedade desta pode levar a saúde humana, assim se faz de

extrema importância discutir assuntos relacionados a estes temas. As zoonoses muitas

vezes passam despercebidas pela sociedade, somente chamando atenção em casos de

epidemias generalizadas, este é um erro comum que leva a população a crer que os riscos

são inexistentes ou reduzidos, desta forma a exposição ao risco aumenta e ocorre a

aceitação por produtos de qualidade inferior e sem condições de consumo pela população

desinformada (ABRAHÃO, 2005). Associado a exposição ao risco está a dificuldade da

obtenção do diagnóstico preciso de zoonoses em geral, ocorrendo que os profissionais da

saúde não estejam preparados para realizar o diagnóstico em populações de risco (COSIVI,

1998), logo aqueles acometidos por zoonoses estarão sob maior risco de receberem um

tratamento não adequado, resultando na persistência da doença e agravamento do quadro.

A produção de derivados lácteos com leite cru de forma ilegal é um dos grandes

fatores de riscos para a população em geral, estes indivíduos geralmente não estão cientes

dos riscos envolvidos no consumo de produtos que não passam por nenhuma fiscalização,

além de hábitos de higiene escusos podem ocorrer fraudes durante o processamento destes

produtos, lesando os direitos do consumidor. Sabe-se que muitas agroindústrias emergem

da ilegalidade para adentrarem no mercado formal, porém o número daqueles que

permanecem na ilegalidade é desconhecido e influenciado por diversos fatores relacionados

as questões mercadológicas dos produtos.

Um dos fatores pela subnotificação de zoonoses é a indenização recebida em casos

de focos como o descrito neste relato, a desconfiança dos produtores perante o recebimento

de verbas abaixo dos valores de dos animais e o consequente prejuízo econômico acaba

por amedrontar alguns produtores, assim muitos focos permanecem abaixo do radar, ainda

que ocorram mortes esporádicas de animais, estas dificilmente são relacionadas a presença

de zoonoses em propriedades, justamente pela falta de diagnóstico. A falta de profundas

investigações epidemiológicas pelas autoridades responsáveis também permite que

ocorram casos esporádicos e surtos regionais relacionados a fatores de disseminação das

doenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constata-se que a deficiência e falta de pontualidade de informações é uma das

grandes causas do descaso em relação a situação epidemiológica das zoonoses, apesar de

existir um aparato legal capaz de controlar a situação, traça-se um paralelo de uma situação

em que muitas vezes a lei não é cumprida por falta de contato com a realidade produtiva,

para que ambas as partes não entrem em contraposição é necessário que exista uma

conexão entre tais distintas realidades, esta conexão trata-se da extensão rural em seu

papel dialógico e acrítico. Através da extensão rural é possível levar o conhecimento gerado

em universidades até a vivência prática do campo, este conhecimento passará por uma

metamorfose até sua aplicação no campo de atuação, porém não irá perder o sentido, mas

sim exercer sua função real nos meios produtivos, salvaguardando a saúde humana e

animal.

REFERÊNCIAS

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bovina e de outras doenças ao homem: um problema de saúde pública.

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(Manual Técnico).

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Técnico do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da

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acordo com o grau de risco e, define os procedimentos de defesa sanitária

animal a serem adotados de acordo com a classificação. Diário Oficial da União,

Brasília, p. 4-8, 03 mar. 2017. Número 116, Seção 1.

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