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A mediação e sua função social: experiências da extensão no âmbito familiar Jaqueline Morandini 1 Lucas Hahn Spalding 2 Luís Fernando Vaccari 3 Universidade de Passo Fundo Brasil Resumo O conflito é inerente às relações humanas e está no inserido no núcleo familiar de modo singular, em razão da intimidade das relações que compõem o instituto da família. Com efeito, os litígios 1 Professora do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), Rio Grande do Sul, Brasil; Mestre em Direito; membro do projeto de extensão interdisciplinar PAIFAM (Programa de Acolhimento Interinstitucional as Famílias), da Universidade de Passo Fundo (UPF). 2 Acadêmico do VII nível do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), Rio Grande do Sul, Brasil; Bolsista PAIDEX no projeto de extensão interdisciplinar PAIFAM (Programa de Acolhimento Interinstitucional as Famílias), da Universidade de Passo Fundo (UPF); 3 Acadêmico do VII nível do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF,) Rio Grande do Sul, Brasil; Bolsista PAIDEX no projeto de extensão interdisciplinar PAIFAM (Programa de Acolhimento Interinstitucional as Famílias), da Universidade de Passo Fundo; Pesquisador voluntário no grupo de Pesquisa Filosofia e Direito do curso de Direito da UPF.

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A mediação e sua função social: experiências da extensão no âmbito familiar

Jaqueline Morandini 1

Lucas Hahn Spalding 2

Luís Fernando Vaccari 3

Universidade de Passo Fundo

Brasil

Resumo

O conflito é inerente às relações humanas e está no inserido no núcleo familiar de

modo singular, em razão da intimidade das relações que compõem o instituto da família.

Com efeito, os litígios ocorridos na seara familiar tendem a afetar mais o individuo, e por

isso, requerem atenção especial do Estado. Uma das maneiras de prestar auxilio à família é

proporcionar meios para que esta encontre a solução dos conflitos que invariavelmente

surgem no decorrer do convívio. Tutelar os direitos individuais e estimular uma formação

harmoniosa e pacífica da família constituem objetivos do Estado, uma vez que as ações

dela emanadas terão reflexo na sociedade em muitos aspectos. Neste contexto, o presente

artigo pretende analisar de que modo a mediação tem contribuído como instrumento de

pacificação social, sobretudo no âmbito da família, cerne das relações humanas. Como

suporte à tal ideia, será abordada a experiência de mediação extrajudicial utilizada no

Programa de Acolhimento Interinstitucional às Famílias, projeto desenvolvimento pela

1 Professora do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), Rio Grande do Sul, Brasil; Mestre em Direito; membro do projeto de extensão interdisciplinar PAIFAM (Programa de Acolhimento Interinstitucional as Famílias), da Universidade de Passo Fundo (UPF).2 Acadêmico do VII nível do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), Rio Grande do Sul, Brasil; Bolsista PAIDEX no projeto de extensão interdisciplinar PAIFAM (Programa de Acolhimento Interinstitucional as Famílias), da Universidade de Passo Fundo (UPF); 3 Acadêmico do VII nível do curso de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF,) Rio Grande do Sul, Brasil; Bolsista PAIDEX no projeto de extensão interdisciplinar PAIFAM (Programa de Acolhimento Interinstitucional as Famílias), da Universidade de Passo Fundo; Pesquisador voluntário no grupo de Pesquisa Filosofia e Direito do curso de Direito da UPF.

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Universidade de Passo Fundo em parceria com o Poder Judiciário, em uma iniciativa na

qual se trabalha em prol da resolução de conflitos familiares levados à demanda na

Comarca de Passo Fundo. Partindo de uma breve retomada histórica do instituto da

mediação, passa-se à sua conceituação, para então examiná-lo como instrumento de

resolução de conflitos, enfatizando que o mesmo cumpre uma importante função social.

Utilizou-se como método de investigação o indutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica

para a elaboração do presente artigo.

Introdução

O ser humano estabelece contato desde os primórdios da humanidade. Tal

capacidade permitiu-lhe evoluir em diversos aspectos, e com o decorrer do tempo, formar

comunidades com seus semelhantes e criar os primeiros vínculos sociais. Manter tais laços

exigia uma convergência de pensamentos entre os membros da sociedade que aos poucos

se formava, o que nem sempre ocorria. Deste modo, o homem passou a lidar com o conflito,

caracterizado pelo confronto entre pretensões distintas. Com o desenvolvimento das

primeiras sociedades, métodos para a solução de controvérsias foram sendo criados, uma

vez que era necessário restabelecer o equilíbrio das relações humanas.

De fato, manter convivências pacificas é salutar ao ser humano, muito embora a

eclosão de litígios o faça evoluir, por vezes, no tocante à análise de outros pontos de vista e

abordagens sobre determinadas situações. Tanto é assim que muitos progressos em

diversas áreas foram alcançados pela divergência de opiniões que possibilitaram avaliar

diferentes pontos de vista acerca de um problema ou circunstância. No entanto, dirimir

conflitos traz alivio e restaura a paz entre os agentes envolvidos, propiciando o resgate do

equilíbrio social. Neste contexto, o Direito surge a fim de instrumentalizar maneiras de

controlar e decidir as lides existentes e promover harmonia e segurança na sociedade. Para

tanto, criou duas formas de resolução de conflitos, chamadas de heterocomposição e

autocomposição.

Na primeira, as controvérsias são transformadas em demandas na esfera judicial e

analisadas por um terceiro imparcial (juiz ou árbitro) que verificará os aspectos concernentes

à lide para chegar à uma decisão, formalizada em sentença. Neste sistema, o veredito

necessariamente favorecerá uma das partes, em detrimento de outra, o que na maioria das

vezes dificulta uma relação pacifica entre as duas no futuro. Na autocomposição, os próprios

agentes litigantes solucionam o impasse, ou denominam um terceiro para fazê-lo, que deve

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ser imparcial ao conflito e buscar um consenso entre as partes. Neste cenário da

autocomposição encontra-se a mediação, tópico de análise deste trabalho.

Na mediação, opta-se pela tentativa de se chegar a um acordo em detrimento de

sujeitar-se a uma sanção legal, sendo que as partes estabelecem o diálogo como

ferramenta para tal finalidade, tendo como suporte a figura do mediador. Este se

responsabiliza por estimular ambas a rever a situação e encontrar meios para que cada uma

favoreça-se ao fim do caso. Com efeito, sobre a mediação, afirma Bolzan de Morais:

[...] é um modo de construção e de gestão da vida social graças à intermediação de um terceiro neutro, independente, sem outro poder que não a autoridade que lhes reconhecem as partes que a escolheram ou reconheceram livremente. Sua missão fundamental é (re)estabelecer a comunicação. (MORAIS, 2012, p.131)

Levando-se em conta tais ponderações, serão remetidas as bases históricas da

mediação para que então passe-se ao seu conceito e sua aplicação no cotidiano. Analisar o

processo de transformação deste instituto em uma importante ferramenta de solução de

conflitos – especialmente nos dias de hoje – também será objeto do presente trabalho, bem

como as experiências no âmbito familiar vivenciadas através das sessões realizadas pelo

PAIFAM, projeto da Universidade de Passo Fundo em parceria com o Poder Judiciário local.

1. Objetivos

O presente trabalho tem por escopo demonstrar a importância do processo de

mediação exercido pelo projeto de extensão comunitária PAIFAM (Programa de

Acolhimento Interinstitucional às Famílias) no âmbito das relações familiares. O programa

realiza sessões semanais de mediação com as partes integrantes dos conflitos nos casos

encaminhados pela Vara Especializada em Família e Sucessões da Comarca de Passo

Fundo, em uma parceria da Universidade de Passo Fundo com o Poder Judiciário local.

Com a crescente utilização dos métodos de autocomposição na solução de

controvérsias entre os diferentes entes da sociedade, surgem elementos de conflito que, na

maioria das vezes, não são percebidos na esfera do processo judicial. Com efeito, a

mediação consegue captar além dos fatos em disputa entre as partes litigantes. Perceber os

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sentimentos e desgastes emocionais que envolvem este cenário, e estimular a

compreensão e o respeito dos agentes envolvidos para com seu familiar, é também objetivo

do mediador como terceiro responsável pelo restabelecimento do equilíbrio da relação

previamente afetada.

Valendo-se do método indutivo e da técnica de pesquisa bibliográfica, o artigo busca

enfatizar a função social exercida pela mediação, cada vez mais importante para o Judiciário

e para a própria sociedade, dado o recente amparo legislativo para a sua efetivação e

funcionamento. Fundamentando-se nas análises oriundas dos casos atendidos no projeto,

foi possível identificar os perfis mais comuns de litígios presentes nas relações familiares,

bem como perceber as diferentes reações de cada membro com relação ao procedimento

de mediação e ao próprio conflito.

2. Metodologia

Utilizou-se como metodologia para a elaboração do presente trabalho a técnica de

pesquisa bibliográfica e o método indutivo de estudo, bem como as observações dos casos

atendidos no projeto PAIFAM, durante as sessões mediadas e assistidas. O grupo de apoio

divide-se durante cada atendimento, sendo que parte deste assiste a sessão em uma sala,

enquanto dois acadêmicos realizam a função de mediadores junto às partes. Após isto,

debate-se os aspectos pertinentes ao caso, tais como reações dos participantes, nuances

do conflito narrado e pontos de vista acerca de suas especificidades. Assim, basicamente

reuniu-se o material proveniente das sessões de mediação para elaboração de um

panorama acerca do procedimento. É importante ressaltar que as partes são sempre

avisadas sobre a presença de outros membros na escuta, e repassadas as informações de

sigilo e confidencialidade dos mediadores frente à atuação em cada caso.

3. Análise histórica

A mediação desenvolveu-se ao longo das últimas décadas como instituto capaz de

proporcionar alternativa à solução de litígios uma vez que os viabiliza através da celeridade

e eficácia de seus procedimentos. Com efeito, os casos submetidos à mediação são

dotados de um caráter menos formal se comparado àquele existente no âmbito de um

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tribunal, o que contribui para que as partes, na maioria das vezes, sintam-se menos

acuadas frente ao enfrentamento do conflito. Apesar da recente incorporação deste método

no cenário jurídico, o mesmo tem sua origem nas antigas sociedades orientais.

Muitos métodos de solução de conflitos foram criados ao longo do tempo, com vistas

à retomar o equilíbrio das relações interpessoais e reduzir as consequências causadas pelo

prévio litigio. A autocomposição engloba a mediação (que apesar de eficaz e menos danosa,

não é a mais difundida) e consiste na prática de diálogo entre as partes integrantes do

conflito, que buscam por si mesmas resolver a lide ou determinar quem irá fazê-lo através

de um sistema de diálogo e cooperação mutua. Ao contrário do método da

heterocomposição, na qual se delega a um terceiro a análise e decisão sobre o conflito –

como ocorre no Poder Judiciário – a mediação envolve a atuação direta dos litigantes no

conflito, que, assistidos por um terceiro imparcial, deixam de ser meros coadjuvantes do

processo para se tornarem partes ativas deste. Com efeito, assevera Morais (2012, p. 132):

“através deste instituto, busca-se solucionar conflitos mediante a atuação de um terceiro

desinteressado. Este terceiro denomina-se mediador e exerce uma função como que de

conselheiro, pois pode aconselhar e sugerir, porém, cabe às partes constituir suas

respostas”.

Os antecedentes da mediação, como dito anteriormente, remontam ao Oriente, em

especial às civilizações chinesa e japonesa. De acordo com Miranda (2012, p.3): “[...] a

mediação iniciou-se na China, graças à essência do pensamento de Confúcio pela busca da

harmonia através do equilíbrio do mundo e da felicidade dos homens.”. Ainda hoje, o país

asiático utiliza-se da técnica da mediação, dando continuidade à filosofia da

autocomposição, conforme aduz Mendonça (2006, p.114): “Na República Popular da China

a mediação é exercida em uma grande escala por meio dos Comitês Populares de

Conciliação, uma vez que esta República preza pela autodeterminação na resolução de todo

tipo de desentendimento”. No Japão, a figura do chotei é milenarmente conhecida. Miranda

(2012, p.3) afirma tratar-se de “uma espécie de conciliação prévia obrigatória, também

milenar, utilizada tradicionalmente nos conflitos de direito de família, sendo obrigatória a

mediação nos casos de divórcio”.

Também nas culturas ocidentais, a mediação fez-se presente desde os séculos de

colonização. Há registros de que colônias inglesas na América e também comunidades

religiosas já usavam técnicas de mediação e arbitragem para resolução de controvérsias,

conforme afirma Deborah Rhode (2000).

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Já no século XX, a expansão da utilização deste método alternativo deu-se em razão

da ineficácia que os tribunais começavam a apresentar nas lides judiciais. Maria Bernadete

Miranda, com relação a este fato, relata:

A partir de 1960, o interesse em procedimentos não judiciais cresceu, pois as insatisfações com a jurisdição tradicional tornaram-se mais evidentes. Questões como despesas, atrasos, localização do tribunal, horários e tipos de serviço foram apenas alguns dos fatores que favoreceram o desenvolvimento de métodos alternativos ao processo judicial. Além de questões como a participação insuficiente da parte no processo (devido à complexidade dos procedimentos), a sobrecarga dos tribunais e dos juízes, bem como sua inexperiência no julgamento de certas questões, a existência de procedimentos e recursos que não abarcam todos os interesses ou pretensões das partes ou que sejam inflexíveis. (MIRANDA, 2012, p.14)

No Brasil, as primeiras ideias na esfera conciliatória foram promovidas pela

Constituição Politica do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Em seus artigos 160 e

161, previa o documento:

Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.

Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum. (sic)

Sobre o surgimento do instituto da mediação no país, Miranda sustenta:

No Brasil a mediação surgiu simplesmente dos obstáculos de acesso à justiça e à ineficiência do sistema judiciário brasileiro em atender, satisfatoriamente, à demanda por soluções exigidas, pelos mais diversos conflitos da população. A mediação surgiu com grande ênfase no Brasil no século XX, mais propriamente nos anos 90 como modo de resolver os litígios trabalhistas, sendo que se expandiu vindo a ser utilizada também nos conflitos familiares e negociais. (MIRANDA, 2012, p.14)

Atualmente, como irá se verificar, a mediação está regulada na Lei de Mediação (lei

13.140/2015) e estabelecida com bases sólidas no novo Código de Processo Civil (lei

13.105/2015), além de constituir política pública nacional, por força da Resolução n. 125 do

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Conselho Nacional de Justiça (CNJ), firmando raízes como método alternativo eficiente na

solução de diversas espécies de controvérsias. No âmbito familiar, é instrumento de

restabelecimento das relações e retomada dos diálogos, proporcionando alívio emocional e

reflexões para os entes envolvidos.

4. Conceitos

Antes de iniciarmos a exposição da função social em um caso concreto, faz-se

necessário estabelecer algumas premissas conceituais, as quais devem ser interpretadas

como norteadores durante o decorrer do presente trabalho.

É vital para a compreensão da importância desta pesquisa que se realize uma

análise sobre o real sentido da expressão “mediação”. Caso busque uma definição para esta

com a sociedade em geral, grande parte das respostas consistirá na presença de um

terceiro imparcial, o qual, de uma maneira ou outra, irá controlar os sujeitos para que estes

sejam capazes de chegar a uma conclusão acerca do litígio que assombra a relação entre

eles. Essa definição é mais facilmente percebida pela população, pois são situações

cotidianas, ocorrem quase que diariamente com qualquer pessoa, independente da

nacionalidade, classe ou gênero, entretanto um conceito simplório e superficial como este

obviamente não se refere à mediação como forma de resolução de conflitos

autocompositiva. Desse modo, é de suma importância que se busque um conceito mais

técnico e consistente. Carlos Eduardo de Vasconcelos a define como:

Um meio geralmente não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro, o mediador – que deve ser apto, imparcial, independente e livremente escolhido ou aceito -, expõem o problema, são escutadas e questionadas, dialogam construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e, eventualmente, firmar um acordo. (VASCONCELOS, 2008, p.36)

Tendo como base o conceito citado a cima, é passível de entendimento que a

mediação é um instituto dotado de uma complexidade considerável, não devendo ser

tratado com mera leviandade. O autor enfatiza as capacidades que um mediador deve

possuir necessariamente, uma vez que irá lidar diretamente com o problema, podendo ou

não, dependendo de sua capacidade, resolver o litígio não somente no que concerne ao

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Estado e ao Poder Judiciário, na mediação há a possibilidade de chegar a uma solução total

do conflito, ou seja, resolver não apenas as consequências do caso em questão, mas

também permitir que as partes, através do processo de mediação, sejam capazes de reatar

o diálogo que havia sido perdido anteriormente, assim permitindo que os sujeitos saiam, de

certo modo, mais aptos a resolver os problemas, que certamente surgirão com o decorrer do

tempo, de maneira mais efetiva, não sendo necessário que o Estado ou um terceiro

precisem ser provocados a atuar em cada um deles, por conseguinte, isto acarretaria em um

“descarregamento” da maquina estatal, esta que, no Estado do município em que o projeto

PAIFAM atua, encontra-se sobrecarregada e incapaz de exercer suas funções com a

excelência esperada e consagrada na Constituição.

Um processo comum tem, em média, uma duração aproximada de dez anos

atualmente, isto é, caso se utilize de todos os recursos possíveis. Dez anos não é apenas

um período de tempo grande, é também um entrave às relações dos indivíduos interessados

em tal demanda, visto que, durante este período a relação entre eles continuaria fragilizada

por uma incapacidade processual de atingir seu fim almejado. Entretanto, esse período de

tempo irá satisfazer apenas um dos sujeitos, uma vez que, obrigatoriamente, sairá apenas

um ganhador do processo, causando um dano ainda maior a relação das partes.

Deste modo, mostra-se como a forma de resolução heterônoma de conflitos é falha

em alguns aspectos, pois apesar de decidir a lide - supondo que os princípios presentes na

Constituição sejam respeitados, especificamente o do Devido Processo Legal ademais o da

Segurança Jurídica, regulados no artigo 5º, inciso LIV e LV e inciso XXXVI, respectivamente

- ainda assim haveria o problema da relação, que já era prejudicada pela própria essência

do conflito, ter se agravado ainda mais em função do processo.

Em sua essência, o Direito tem como finalidade, de acordo com Bermudes (2010,

p.5): “assegurar o equilíbrio, a harmonia e a paz social”, portanto, uma analise lógica

permitiria chegar a conclusão de que, uma vez que lhe seja impossível assegurar qualquer

destas três premissas, o Direito seria incapaz de se manter legítimo, por perder sua razão

de existência, isto se torna um problema grave quando o sistema atual de estado é

essencialmente o Estado de Direito.

Devido a este quadro de insuficiência, há uma tendência ao estímulo do próprio

poder estatal pela autocomposição, ou seja, os próprios cidadãos são incitados à prática de

resolução das controvérsias existentes entre eles. Assim discorre Antônio Hélio Silva4:

O Estado não pode mais monopolizar a solução de todos os

conflitos, desconfiando da capacidade de seu povo, habituando-o à inércia

4 SILVA, Antônio Hélio. Arbitragem, mediação e conciliação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. (Série Grandes Temas da Atualidade, v.7). p.30

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de quem espera que tudo lhe seja dado ou imposto, pois isso sufoca o

sentimento de liberdade, quebra a energia das vontades e adormece a

iniciativa de cada um. (SILVA, 2008, p.30)

Nesse sentido, torna-se ainda plausível a aplicação de um método mais eficaz e

célere de solução de litígios.

5. Função social

A Constituição Brasileira garante a todos o acesso à justiça, não somente a seus

patriotas, mas também a qualquer estrangeiro residente no país, isso proporciona a

segurança de que, caso um direito seja ameaçado ou danificado, haverá a possibilidade de

acionamento da máquina estatal a fim de assegurar a proteção e reparação dos direitos

prejudicados, este direito é de suma importância para qualquer democracia que se julgue

eficaz ademais concretizar um ideal de paz no convívio social. Porém uma vez que a

sociedade evolui constantemente, tornando-se cada vez mais complexo e com maior

pluralidade de indivíduos e valores, faz-se um desafio de extrema dificuldade ao Direito e ao

Estado promover um procedimento que seja considerado justo não somente pelos

resultados que produzir, mas pela maneira como é desenvolvido e pelas formas de

participação dos interessados. Com base nisso, é possível afirmar que a mediação é uma

forma eficaz de se atingir a justiça de um modo célere, rápido e eficaz.

É comum ver cidadãos desapontados com as decisões impostas pelos magistrados,

até mesmo quando estas decisões são favoráveis a eles, pois apesar de ter seu direito

adquirido, e receber a segurança jurídica que emane deste, sendo o comprimento dele

absoluto, consagrado pelo instituto da Coisa Julgada, não há garantia que o principal motivo

pelo qual o Estado foi provocado a atuar tenha sido resolvido de maneira satisfatória. Isto se

torna mais claro com o auxilio de um exemplo básico e corriqueiro, uma ação de dano

moral. Houve, através do conflito em uma relação entre dois ou mais sujeitos, um dano

moral considerável a honra subjetiva destes, bem jurídico tutelado pelo Direito e desse

modo cabível de ação em busca de tutela jurisdicional, a fim de receber a proteção estatal e

possível indenização pecuniária, com base na extensão do dano causado, a qual será

analisada com o processo e todas as suas figuras recursais, porém, mesmo ao fim do

processo e recebimento de qualquer valor pecuniário, o dano moral sofrido pelo autor da

ação continua presente, não foi realizado ação alguma, por parte estatal, em busca da

resolução ou ao menos da diminuição deste, sendo que, devido ao longo e exaustivo

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processo, é provável que tenha se agravado ainda mais, continua ali, intacto, também há o

problema da relação conflituosa com o autor do dano continuar a existir, desse modo,

mesmo ao final da tutela jurídica, o dano e suas consequências continuam a vigorar.

Diferente seria o caso, se em vez de um desenvolvimento e conclusão onde os

indivíduos atuaram apenas como coadjuvantes, houvesse sido, por parte do Estado, o

incentivo ao diálogo, permitindo que as partes tivessem uma resolução mais humana e

menos mecânica do seu litígio, com a participação de um terceiro, o mediador, a fim de

evitar que novas demandas surgissem no futuro em decorrer da relação conflituosa

pendente, consagrando uma justiça e uma resolução restaurativa de convivência, efetivando

assim sua função social.

6. Forma de atuação

A teoria que orbita a função social da mediação é algo atrativo, como tantas outras

teorias que possibilitam humanizar o direito, no entanto nada disso se prova útil até sua

aplicação frente a realidade e suas complexidades se mostrar eficaz, por conseguinte, é

necessário que uma teoria se mostre atrativa em sua prática tanto quanto ou mais que em

sua teoria.

Para que se possa compreender o processo de mediação efetuado no Programa de

Acolhimento Interinstitucional as Famílias – PAIFAM seja compreendido, é vital que se

disseque este processo em seus pormenores. O PAIFAM não é um órgão estatal tão pouco

um órgão do Poder Judiciário, dessa maneira não é permitido o acesso aos detalhes dos

processos que são remetidos para a mediação, simplificando, não há acesso a qualquer

dado processual, tão somente se possui o nome do autor, nome do réu, tipo de processo e

os interessados nos processos, pois há casos em que o autor e o réu não são

necessariamente os participes da mediação, além de telefone para contato nada mais é

disponibilizado. As outras informações do processo, inclusive os motivos que os levaram até

a mediação se encontram desconhecidas pela equipe de mediadores do projeto, composta

por professores das duas áreas de conhecimento, a Psicologia e o Direito, juntamente com

acadêmicos de ambos os cursos, os quais atendem as sessões de mediações sempre em

duplas, um de cada área, mesclando entre alunos e professores, assistidos pelo restante da

equipe.

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A primeira fase da mediação é individual, onde cada uma das partes irá relatar o

caso, as razões, os problemas, de maneira geral tudo que concerne ao litígio entre as partes

do processo, isto é realizado antes de uma sessão conjunta, ou seja, onde as partes se

encontrariam frente a frente, visto que em alguns casos há muito atrito entre elas e se faz

necessário capacitar as partes para uma sessão futura, em alguns casos outras figuras não

presentes no processo que culminou na mediação são chamadas para os atendimentos

visto que possuem certa importância ou interesse na resolução do conflito. Nem sempre as

partes estão aptas ao encontro cara a cara, podendo haver mais de uma sessão individual

antes de iniciar a segunda fase da mediação. Em seguida, um encontro conjunto é marcado,

caso as partes aceitem e demonstrem expressamente o interesse em continuar, é de suma

importância ressaltar que a mediação possui caráter inteiramente voluntário, ou seja, no

momento no qual uma das partes não desejar o prosseguimento, não dispor mais o seu aval

ao processo, deve este ser encerrado, pois não possui, essencialmente, caráter obrigatório,

podendo então ser classificado como uma expressão fática de autonomia das partes.

Vale ressaltar que, na maioria das vezes, a primeira sessão conjunta tende a ser

mais conflituosa, pois há situações em que os participes não tiveram dialogo algum em

anos, apesar de estarem conectados pela ação judicial, o elo que possuíam jaz esquecido, é

comum, portanto, que alguns tragam situações ou acontecimentos passados que os

magoaram a fim de satisfazer essa necessidade sentimental a tanto tempo guardada, porém

cabe aos mediadores controlar a situação e guia-la a momentos de reflexões sobre o que

pode ser feito visando o futuro e uma relação menos danosa as partes, já que dificilmente

uma relação de atrito não criará faíscas que atingiram outros sujeitos e outras relações não

ligadas diretamente ao conflito, como por exemplo uma situação de divórcio em que há

filhos, não há caso de divorcio que não atribua nenhum evento ou consequência

depreciativa ás proles do antigo casal, porém é possível que esse dano seja minimizado.

O Direito prevê a resolução do vínculo matrimonial, a qual é acessível a todos, sem

discriminação de motivos ou culpados, como se fazia anteriormente. Logo, é possível a

qualquer casal que desejar encerrar a relação matrimonial de forma fácil e rápida.

Entretanto, as situações em que o poder familiar é descaracterizado - ou seja, a autoridade

e reconhecimento como pais - são muito mais restritas, e ocorrem somente em casos

extremos, com base nisso, por via de regra, a dissolução matrimonial ocorre porém a

relação como progenitores é mantida, pois a segunda não implica necessariamente na

existência da primeira para ser válida e reconhecida.

A primeira sessão, apesar das adversidades, deve enfatizar alguma mudança, esta

que deve vir obrigatoriamente das partes, sendo vedado aos mediadores exercer qualquer

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função relacionada a produção de acordos impostos, o limite de atuação encontra-se na

possível sugestão de ações que possam ser tomadas caso as próprias partes não sejam

capazes de dialogar por si mesmos ainda, novamente enfatizando são apenas sugestões,

cabendo inteiramente as partes a aprovação, mudança ou negação da sugestão, mas é

essencial que o diálogo ocorra e que mudanças se mostrem visíveis aos mediados, de

forma que note-se a evolução, assim em cada sessão é estipulado alguma forma diversa de

atuação, baseada no comprometimento das partes, podendo esta ser ínfima como a troca

de números telefônicos para contato caso necessário ou algo de maior relevância,

dependendo do caso e da disponibilidade e aceitação. Passado este primeiro contato

turbulento, a tendência é que o atrito comece a diminuir conforme ocorre outras sessões,

uma vez que as partes conseguem visualizar a situação não somente pelo seu ponto de

vista, porém também como o outro vê a situação e isso gera uma certa empatia entre as

partes, permitindo que ações de liberalidade tomem parte onde anteriormente residia

apenas o ressentimento, consagrando assim, de maneira progressiva, a evolução e resgate

do elo da relação perdida, tudo através do diálogo.

7. Caso Concreto

O caso a ser explanado neste trabalho possui aval das partes do mesmo, onde,

através de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permitem a utilização, para fins

acadêmicos e de pesquisa, os dados dos atendimentos, resguardados as informações

pessoais, permitindo assim o anonimato e a proteção da identidade dos participes.

O cenário consiste em um divórcio, onde a principal causa, alegada por ambas as

partes era a falta de diálogo entre elas mesmo enquanto vigorava o matrimônio, como fruto

desse matrimonio possuíam dois filhos, uma menina de doze anos e um menino de treze ao

inicio da data da mediação, além destes fatores o que dificultou em grande parte a

mediação foi inexistência de diálogo total por parte dos progenitores, onde se limitavam a

repassar mensagens pelos filhos caso fosse necessário alguma espécie de contato. Durante

as primeiras sessões individuais os problemas que resultaram na separação do casal foram

trazidos a tona, ficando claro que ambas as partes sentiam-se danificadas, e mesmo com a

sentença do processo de composição heterônoma, a qual foi realizada atendendo a todos

os princípios anteriormente citados, e portanto, legítima e valida, o atrito entre o casal ainda

existia, o qual causava uma situação lesiva aos filhos. Apesar de ambos os progenitores

afirmarem em sessões que confiavam na outra parte, descrevendo o outro como “bom

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pai/mãe”, o elo havia sido perdido de tal forma, que a simples conversa sobre os

acontecimentos enquanto na casa do outro progenitor eram tratados como um assunto

proibido, deixando os filhos em uma posição onde falar da mãe para o pai era uma espécie

de tabu, ocorrendo também do outro lado da relação.

É válido ressaltar que como o poder familiar não fora desconstituído, somente a

relação jurídica de matrimonio, ambos os pais continuavam na obrigação de cumprir seus

deveres e exercer seus direitos como pais, apesar de possuíram um sistema de guarda

compartilhada, onde os filhos ficariam uma semana com cada um em um sistema de

revezamento, ainda assim não é viável, para um desenvolvimento dos filhos e assegurar o

afeto e cuidado, direitos esses dos filhos, os quais são protegidos por princípios

constitucionais, de forma satisfatória se ambos os progenitores não atuarem de forma

conjunta, permitindo aos filhos que os percebam como figuras isoladas, consequentemente

gerando uma cisão interna. Porém, as partes deixavam bem claro que buscavam sempre o

melhor interesse para seus filhos, desse modo, ambos aceitaram iniciar as mediações

conjuntas.

Na segunda fase, a primeira mediação deixou claro que ambos ainda possuíam

ressentimentos e magoas para com a outra parte, porém, com controle e indagações

específicas por parte dos mediadores, com auxilio da equipe de apoio foi possível que um

diálogo base fosse estabelecido, onde, por trocas de mensagens, poderiam combinar e

dispor, caso demonstrado interesse pelos filhos, em uma troca de horários. Isso auxiliou

muito principalmente a menina, pois em sua idade de pré-adolescência e as mudanças

hormonais de tal momento, ter a possibilidade de ver a mãe a qualquer hora lhe permitia ter

um grau de segurança maior. Em sua segunda sessão, as partes iniciaram um dialogo

frente a frente, não mais possuindo os mediadores como intermediários propriamente ditos,

porém como espectadores interessados e dispostos a interromper para gerar novos

questionamentos e ajudar as partes a possuírem uma segunda visão acerca de uma

situação, desse modo, evoluindo ainda mais o diálogo. Houve ainda mais duas sessões

onde o diálogo se provou restaurado, pois, não sendo mais necessário aos mediadores que

estimulassem novos diálogos, ademais se mostrando que a relação de pais havia sido

fortalecida, restaurando a autoridade parental que estava fragilizada perante os filhos, o

convívio de familiar não era mais motivo gerador de atrito, mesmo com suas peculiaridades.

Assim encerrou-se o processo de conciliação, sendo encaminhado um relatório final

ao juiz remetente do processo, visto que as partes já estavam capacitadas a realizar

conversas sem a presença dos mediadores, desse modo, evoluindo-as para atuarem com

maior capacidade perante qualquer outro problema que surja no decorrer de suas

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existências, gerando assim uma sociedade de pessoas aptas a resolverem seus problemas

de forma pacífica, rápida e efetiva, sem a necessidade ulterior de provocar o Estado a atuar,

consagrando assim sua função social como não somente meio alternativo de

autocomposição ou apenas como mecanismo para desafogar o Poder Judiciário e a

máquina estatal, mas sim como meio de evolução pessoal, conforme discorre o autor

argentino Luís Alberto Warat:

Herramienta pedagógica para que el hombre encuentre, em el conflicto, el sentido de si mismo, la humanización del Derecho, el carácter ético de cualquier vínculo con el outro y un sentido de la ciudadanía, de la democracia y los derechos humanos que no queden ideológicamente comprometidos con lo heterónomo, esa nefasta forma que los señores del poder encontraron para apartar lo democrático de la autonomía. (WARAT, 2004, p.311)

8. Conclusões

A mediação desenvolvida no PAIFAM tem sido importante ferramenta no estímulo à

autocomposição na resolução de conflitos e desempenhado papel fundamental para o

“desafogamento” de processos junto ao Poder Judiciário de Passo Fundo, uma vez que as

lides remetidas à Vara Especializada em Família e Sucessões da comarca local são

encaminhadas ao grupo de extensionistas do projeto, que procedem com as sessões. No

contexto de divergências e controvérsias familiares, as partes litigantes muitas vezes

convivem com uma situação tensa e angustiante, o que lhes afeta a saúde e o bem-estar.

Encorajar a superação destes problemas e o respeito entre elas, fazendo-lhes ter ciência

dos deveres e obrigações são alguns dos desafios enfrentados neste procedimento. Através

da análise de casos como o citado no presente trabalho, é possível vislumbrar que os

agentes envolvidos desejam cooperar para solucionar o conflito, porém, veem-se no inicio

impedidos para tanto em razão de ressentimentos e situações anteriores mal resolvidas. À

medida que as sessões ocorrem, há uma externalização dos desejos de cada parte, que

tendem a demonstrar o interesse na pacificação e, com isso, a função do mediador é

convergir os esforços rumo a um consenso.

Em que pese as diferentes conjunturas e especificidades de cada caso, e também a

personalidade de cada um dos indivíduos, percebe-se um padrão de comportamento

oriundo das partes no sentido de considerar o procedimento de mediação uma espécie de

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terapia na qual se tenta reconciliar o casal ou convencer um dos pais a ceder às exigências

do outro nas questões relacionadas aos filhos. Entretanto, não obstante a mediação ser

exercida em conjunto por acadêmicos – e por vezes professores – das áreas da Psicologia e

do Direito, as sessões não tem o condão de decidir sobre um ou outro assunto, tampouco

impor determinações inerentes ao conflito. Tem-se por meta buscar um equilíbrio entre as

divergências existentes, almejando a solução do conflito através do diálogo, proposto e

estimulado pelos mediadores mas desenvolvido pelos agentes litigantes.

Instrumento alternativo para prover a garantia constitucional do acesso à justiça

(artigo 5º, XXXV/CF), a mediação passou a ganhar cada vez mais importância no cenário

jurídico nacional, desempenhando, como já demonstrado, uma função de ressocialização

dos indivíduos em conflito, chamando-os ao diálogo a fim de restabelecer a comunicação.

Com efeito, uma situação conflituosa não os rotula necessariamente como inimigos, da

maneira que o sistema legal por vezes o faz. Nesse sentido, Haynes (1996, p.12) assevera:

“[...] a natureza do sistema legal requer que os participantes se tornem adversários. Muitas

pessoas em disputa não são adversários, e mesmo que fossem, não estão sempre

inclinadas a sê-lo”. Ademais, a nova Lei da Mediação (lei 13.140/2015) regulamentou o

instituto na esfera das relações entre particulares e das relações da administração pública,

dispondo também sobre a autocomposição entre estes como forma de solução de

controvérsias. Assim, impasses de diferentes naturezas, como aqueles decorrentes de

contratos comerciais ou societários, por exemplo, são passiveis de serem resolvidos através

da mediação, desde que estipulados previamente e aceitos pelas partes. Em outras

palavras, as demandas submetidas à apreciação do Judiciário são analisadas para, no que

couber, serem remetidas ao processo de mediação, ocorrendo um incentivo sistemático à

esta alternativa.

As disposições legais do novo Código de Processo Civil (lei 13.105/2015) trouxeram,

concorrentemente, a incorporação definitiva do método conciliatório para dentro do processo

judicial, com a criação, pelos tribunais, de centros para solução consensual de conflitos e

programas de estímulo à autocomposição. Entre outras importantes mudanças, tais medidas

são exemplos de como o poder público tem agido para viabilizar a prestação jurisdicional de

maneira mais efetiva, uma vez que os acordos emanados das sessões de mediação são

reduzidos a termo e homologados em sentença, constituindo lei entre as partes. É

importante frisar que tanto a Lei de Mediação quanto as questões relacionadas à solução de

controvérsias pelo método de autocomposição no novo CPC tiveram por base as

predefinições da Política Nacional de Conciliação, objeto da Resolução n. 125 do Conselho

Nacional de Justiça (CNJ). Este mecanismo, editado em 2010, serviu como ponto de

referência para uma mudança de mentalidade do Judiciário quanto às alternativas para

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solução de conflitos por vias não judiciais. Mais recentemente, nos anos de 2013 e 2016,

duas emendas aperfeiçoaram o sistema implantado pela resolução, dando suporte para que

a mediação e a conciliação sejam ferramentas cada vez mais eficazes para pacificar litígios

e restabelecer o equilíbrio das relações sociais.

9. Referências Bibliográficas

BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1/92 a 73/2013 e pelo Decreto Legislativo nº 186/2008. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013.

BRASIL. Constituição Politica do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao24.htm> Acesso em 08 de mar. de 2016.

HAYNES, John Michael; MARODIN, Marilene. Fundamentos da Mediação Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.); AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do; SILVA, Antônio Hélio; JAEGER Augusto; KATZWINKEL, Edgard. Grandes Temas da Atualidade: Mediação, Arbitragem e Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v.7.

MIRANDA, Maria Bernadete. Aspectos relevantes do instituto da mediação no mundo e no Brasil. Revista Virtual Direito Brasil, v. 6, n. 2 de 2012. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/revista/revistav62/artigos/be2.pdf>. Acesso em 05 mar. 2016.

MORAIS, José Luís Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: Alternativas à Jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

RHODE, Deborah. In the interests of the justice. New York: Oxford University Press Inc., 2000.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.

WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

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