A independência da Venezuela - Resultados Políticos e Alcances Sociais.pdf

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    :.- Maria Elisa Mader e Marco A. Pamplona

    TraducaoMiriam Xavier(exceto Artigos 3 e 4)BeoisaoCecilia MadarasProjeto grdfico e capaMiriam Lerner

    W .A.E . cOP tA S ~~OP!ADORA OABALAJUGUIIDiA.~, SLO CO J: iDiagramaaioJoin Bureau

    CIP-BRASIL. CATALOGAQAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJR55RevolUl;oes detndependencias e nacionalismos nas AIIU~ricaS: Nova .Gra~ada, ..Venezue la"e C1lba / Ines Quintero . .. let a l. ]; Marco A.Pamplona, Mana Elisa Mader,o rgan lzaeao . - Sao Pau lo : Paz e Terra , 2009.524 p . (Margens. Margens America Latina; v .3 )

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-7755-090-81.America Latina - His t6 ria - Movimentos de autonomia -e independenc ia ,2 .America Latina - His t6 ria - Guerra de Independene ia , 1806-1830 .3.Bevolueoes - America Latina. 4. Nacionalismo. I.Quin~ero, _ m e s o .II.Pamplona, Marco A.(Marco Anton io ). III . Mader, Marla Elisa . IV.Sene .

    CDD:980CDU:94(8)Oto57609-018

    EDITORAPAZE TERRARua doTriunfo,177Santa Ifigenia, Sao Paulo, SP - CEP01212-010tel: (11) 3337-83;.99E-mail: [email protected] page: www.pazetet'ra.com.br2009Impresso no Brasil/ Printed in Brazil

    A INDEPENDENCIA DAVENEZUELA: RESULTADOS

    POLiTJf;OS E ALCANCES SOCIAlSInes Quintero

    IntrodueaoUma das perguntas que divide a opiniao dos estudiosos

    com relacao ao processo de independencia da Venezuela e se,efetivamente, a independencia foi uma revolueao que modificousubstantivamente a organizacao e 0ordenamento da nossa socie-dade. Existem aqueles que opinam que, sob a perspectiva dasmotivaeoes e aspiracoes dos seus promotores, dificilmente pode-rlamos afirmar que 0movimento de independencla teve comoobjetivo transformar os fundamentos hierarquicos e excludentesda sociedade venezuelana e, portanto, setrataria de uma mudan-ea eminentemente politica.

    Mas ha os que afirmam que a.resistencia de urn importantesetor da populacao, - composto na sua maioria por pardos, - aoprojeto das elites crioulas, deu it independencia 0carater deumarevolucao social na medida em que sua' aspiracao era mudarradicalmente a estrutura social e economica da sociedade.

    Nenhuma das afirmacoes anteriores e totalmente correta.A elite crioula, composta de bran cos crioulos, descendentes dosconquistadores que tinham 0controle dos cabidos," no momenta

    Conse lhos munic ipais.

    . ,rk~t~- ~ : ' i :~,::2:~.-,

    .1 .

    mailto:[email protected]://www.pazetet%27ra.com.br/http://www.pazetet%27ra.com.br/mailto:[email protected]
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    .!

    da constituicao da primeira Junta, em 19 de abril de 1810,e aodeciarar" a independenciaum ano depois, em 5 dejulho de1811,

    -nao tinham 0 proposito de voltar-se contra a sua propria hege-monia. Pelo contrario, acreditavam que, ao assumir a represen-tacao politica de suas provfncias e ao romper os laces com aEspanha e assumir diretamente 0controle do poder, nao aeon-teceriam alteracoes significativas que colocassem em risco asua supremacia social, economica e politica sobre 0 resto dasociedade.

    Entretanto, aoromper com a monarquia, abolir os privile-gios e fundar uma Republica, sem que houvesse uma mudancanos seus designios e aspiracoes, a ordem social foi alterada, vol-tando-se contra os valores inalteraveis da tradicao e desenca-deando urn processo cujo desenlace fugiu do controle de seuspromotores. 0 estremecimento foi tao grande que suas conse-'quencias nao selimitaram ao ambito politico, mas afetaram, demaneira irreversivel, a sociedade venezuelana como urn todo.Da mesma forma, 0repudio inicial a proposta de independenclapor parte dos grupos pertencentes aos setores mais pobres dasociedade nao teve como contrapartida 0surgimento de urn pro-jeto alternativo que tivesse 0proposito de mudar a ordem esta-belecida e favorecer uma "revolucao soci~l" que lhes permitisseobter 0 controle politico da sociedade venezuelana, tal comoaconteceu na ilha de Sao Domingos [Saint-Domingue] algunsanos antes.

    Como indicou German Carrera Damas em seu estudo Boves,aspectos socioeconomicos de su accioti historica;1Jose Tomas Boves,chefe das tropas que se rebelaram contra a ordem republicana,

    Revolucoesde independenclas e nacionalismos nas Americas 1 "i . 1

    nao era lim reformador social~A grande partjcipac.ao dos pardose dos"seto~~s menos favorecidosda s~dedade'"eirtsua"s fileiras,as praticas de saque, a pilhagem e osequestro de bens, longe derepresentar uma redistribuicao da propriedade e uma igualdadesocial, eram 0unico m_ecanismo para manter os seus exercitos.Sua execucao nao tinha como objetivo destruir as bases econo-micas da sociedade, nem atacar as antigas hierarquias, masgarantir a sobrevivencia dos soldados e a manutencao da guerra.

    Agora, mesmo que nenhum dos setores da sociedade tives-se urn alvo especificamente social, nao ha duvida de que a der-rota da Republica em julho de 1812, urn ano depois da declaracaoda independencia e poucos meses antes da sancao da primeiraConstituicao Republicana em 21 de dezembro de 1811, 0 repu-dio ao projeto politico dos brancos crioulos, a participacao dasgrandes maiorias excluidas da sociedade na guerra, a violenciae a dissolucao social inerentes ao conflito armado, as promocoesmilitares obtidas no desenvolvimento da luta, 0desmantelamen-toda autoridade e das antigas hierarquias, alteraram de maneirairreversivel 0 desenvolvimento da sociedade ao incorporar, nadefinicao do processo, os que ate aquele momenta nao tinhamtidonenhuma influencia na conducao do pais.

    Neste artigo, nos interessa examinar os conteudos e resul-tados politicos da independencia e, ao mesmo tempo, interrogar-mo-nos sobre seus aIcances sociais. Aconteceram mudancasirreversiveis na nossa sociedade como resultado da guerra demdependencia? Asformulas sociais e politicas doAntigo Regimemantiveram-se inalteradas? Qual foi 0 impacto da independen-cia? Depois da independencia a sociedade venezuelana conti-nuou sendo a mesma? Istotern algum valor ou relevancia para 0presente?

    1 German Carrera Damas.Booes, aspectos socioeconomicos de su accion hist6rica. Caracas,Ministerto de Educacion, Departamento de Publicaciones, 1968.

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    '1 1 2 margens Ivolume 3 - Nova Granada, Venezuela e Cuba

    . .A sociedade venezuelana antes da independenciaA sociedade venezuelana do final do seculo XVIII estava

    regulada e funcionava deacordo com os principios e fundamen-tos das sociedades do Antigo Regime. A honra, a desigualdade eas hierarquias eram a garantia da ordem social. Estabelecidadesta maneira desde 0momento da conquista, osbrancos criou-los, descendentes dos conquistadores, ocupavam urn Iugar privi-legiado na sociedadef

    Eles formavam a aristocracia local, beneflciaria direta dasprerrogativas estabelecidas ha muito tempo, e tinham sob suaresponsabilidade a direeao politica e administrativa do governodas cidades nos cabidos. Como herdeiros dos conquistadores,tambem eram os maiores proprietaries de terra, os principaisprodutores e os beneficiarios diretos das relacoes comerciaisque se desenvolviam na provincia e, como tais, dedicaram-se apreservar a harmonia desigual da sociedade.

    Os brancoscrioulos tambem eram os que podiam fazerparte do clero, do quadro de altos oficiais dos exercitos do rei,adquirir urn titulo de nobreza de Castela ou pertencer a qual-quer das Ordens Nobiliarquicas, sinais inequivocos de qualidadee distincao sociaLo comportamento social desta aristocracia provincial erahierarquico e excIudente, como correspondia a sua condicao:nao admitiam casamentos com ninguem que nao fosse de igualestirpe e casavam-se entre primos pr6ximos e distantes com afinalidade de preservar 0 estatuto de desigualdade e consoli darseu patrimonio dentro da mesma rede familiar.2 Uma sfn te se sobre a origem e 0 comportamento politico e social danobreza crioula pode servisto noensaio de minha autoria intitulado L o s N o bl es de Caracas; Caracas, Academia Nacionalda His t6 ria, 2005, d isponive l em www.anhistoriavenezuela.org/pd1i'discursos/dis34.pdf.

    ~ . . . . .Bevolucoes de independencias e nacionalisrnos nas Americas. 1 13

    Erammuito suscetiveis na hora de fazer valer a'sua impor-tancia socialem cerimonias e celebraeoes publicas, e mantiveram-se totalrnente fieis a monarquia nas ocasioes em que ocorreramperturbacoes que puseram em perigo a ordem estabelecida.

    Assim aconteceu em 1797,quando foi desmascarada a cons-piracao deManuel Gual e Jose Maria Espana, organizada em La. Guaira, porto pr6ximo a capital. Emseus documentos, os orga-nizadores.da revolta almejavam instaurar uma Republica, abolira escravidao, consagrar 0 principio de igualdade e a indepen-dencia da Espanha. 0 documento doutrinario mais influente era'a edicao em espanhol dos Direitos do Homem e do Cidadao,extraidos dadeclaracao francesa, ampliados com urn textopreli-minar expressamente dirigido aos americanos no qual desenvoI-viam e defendiam os principios republicanos.I

    Imediatamente depois de a noticia ser divulgada emCara-cas, a "nobreza da cidade", cornposta de brancos crioulos, enca-minhou limarepresentacao ao rei na qual declarava sua lealdadea Coroa e Ihe ofere cia nao s6 0 apoio de "...nossas pessoas efazendas, mas tambem formar no momento companhias arma-das as nossas custas para custodiar a sua pessoa ou qualqueroutro destino, ou funcoes que considere oportunas para a tran-quilidade e 0 respeito da autoridade publica't"'I Esses documentos, a ss im como muitos outros exped ientes relat ivos ao acontec imen topodem ser v is tos em Hec to r Garcia Chuecos . Documentos relaticos a la Revoluci6n de Gualy Espana, Caracas , Ins ti tu to Panamericano de Geografia e His t6 ria, 1949. Urn estudo com-pleto doprocesso fotrealizado por Carmen Michelena, Beformas y rebeliones enla crisis delimperio borbonico. Dos intentos reuolucionarios ilustrados: d e San B Ias (Madrid, 1795) a LaGuaira (1797); Sevilha, Universidad de Sevilla , Tese de Doutorado, 2007. Uma nova com pi-lacao a tual izada dos documentos acaba de ser pubJicada com 0 de titulo Gual y Espana. Laindependenciaftustrada; Caracas, Fundaci6n Ernpresas Polar, 2008. 4 Bepresentaeao da nobreza da c idade de Caracas ao r ei da Espanha, 4 de agosto de 1797,emSantos Rodulfo Cor tes , Antologia Documental de Venezuda1492-1900, Caracasl 1966,pp. 154-155.

    http://www.anhistoriavenezuela.org/pd1i'discursos/dis34.pdf.http://www.anhistoriavenezuela.org/pd1i'discursos/dis34.pdf.
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    Damesma maneira responderam algu~s. anos depois, emabril de 1806,quando .sOiIberam- emCaracas .da tentativa deinvasao de Francisco Miranda nas costas deOcumare, e quandofinalmente desembarcou em Coro, poucos meses mais tarde. 0cabido da cidade pronunciou-se contra a invasao e organizouuma coleta publica para pagar a recompensa pela cabeca dotraidor. 0 documento qualificava de "escandalosa e atrevida" aexpedicao tentada pelo ''perverso Miranda", considerando-a urnagravo inadmisslvel contra a lealdade dos habitantes da Vene-zuela itmonarquia e ao rei.?

    Nao estava, assim, entre os pIanos e projetos dos bran coscrioulos, apoiar oupromover acoes que pudessem alterar a har-monia e a estabilidade que a antiga ordem lhes ofere cia.

    Tampouco em 1808, com a crise da Monarquia Espanhola,os crioulos de Caracas romperam com a Coroa. Pelo contrario,fizeram demonstracoes claras de lealdade a Fernando VII e de

    ?repudio it usurpacao francesa. Antes de terminar 0 ano, reuniu-se uma Junta de notaveis na qual participaram nao s6 os criou-los, mas tambem alguns peninsulares. 0 texto da representaeaocomecava declarando a lealdade da "Nobilfssima cidade de 'Caracas", contra a "criminosa felonia" cometida pelo Imperadordos franceses contra a pessoa do ''nosso amado rei", sua realfamilia e contra a honra e a liberd~~e dariacao. A proposta deconstituir uma Junta, de acordo com 0 documento, tinha comounico objetivo seguir 0 exemplo das Juntas que tinham se for-mado nas principais provincias da Espanha pela Uniao dosPovos espanh6is e pela integridade da monarquia,"

    Bevolucoes de independencias e nacionalismos nas Americas. I l'

    5 Acordo do Cabido de Caracas, 5 de maio de 1806, reproduzido em Marques de Rojas,ElGeneral Miranda, Paris, Livraria de Garnier Hermanos, 1884, p. 180.6 Este tema foibastante trabalhado pela autora no livro La Conura de los nuzntuanos. Ultimoacto dejidelidad a La Monarquia Espanola, Caracas, Universidad Cat6lica Andres Bello, 2000.

    Cadauma dessas manifestaeoes, expressoes inequivocas dalealdade-dos crloulospara coin a nionarquia, no entanto, ~aoimplica que, este 'grupo tivesse se inibido em manifestar as suasreservas e queixas sobre as restricoes que limitavam 0seu forta-lecimento e consolidacao economica, e sobre as suas aspiracoesde obter uma maior representacao nas instancias de poder damonarquia. Entretanto, nenhuma dessas manifestacoes foi sufi-cientemente contundente, nem questionavam a antiga ordem oucolocava em xeque a fidelidade a Coroa, fundamentos essenciaisdo predominio que tinham na sociedade.

    Tensoes e contradicoes na sociedade provincialAhistoriografia sobre a independencia sempre insistiu em

    que 0 movimento dos crioulos de Caracas surgiu como conse-quencia de urn conjunto de fatores que justificavam a determi-nacao independentista de seus promotores. A . politica reformistados Bourbons, cujo objetivo era reforcar os mecanismos. decontrole sobre as provincias; 0 repudio, por parte da Coroa, itsolicitaeao dos crioulos de liberar 0 comercio; a suprema ciaadministrativa dos funcionarios peninsulares sobre os crioulos,os seguidos conflitos de competencia e de autoridade que haviaentre eles e as autoridades peninsulares; 0 visivel incomodocriado entre os crioulos em razao da aprovacao e aplicacao daReal Cedula de Gracias al Sacar [Decreto Real] a favor da ascen-siio social dos pardos, foram as razoes diretas dos acontecimen-tos ocorridos em 19 de abril de 1810. Assim 0 expressa nao s6uma parte importante da historiografia especializada no tema,como tambem e esta a versiio que aparece nos manuais de ensi-no, que as definem como as "causas internas" da independenciajunto com as chamadas "causas externas", entre asquais as mais

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    citadas 'sa~, a -independencia ' dQS .Estados Unidos,: (l:Bevolucao.Francesa, as ideias da Ilustracao e, finalmente; a invasao daEspanha por Napoleao.

    Nao M,duvida de que as reformas bourbonicas, a resisten-cia ao Ilvre-comercio, 0 monop6lio peninsular dos cargos e a"igualdade" dos pardos geraram entre a elite crioula incomodo,inquietacao e, tarnbem, urn claro repudio. Entretanto, a oposicaodos crioulosas disposicoes reais que afetavam os seus interesseseconomicos e os seus privi legios poli ticos e sociais foi orientadapor mecanismos regulares, mediante 0 envio de representacoesao monarca dirigidas desde 0 cabido, remetendo comunicadosao rei assinadospor toda a ''nobreza da cidade" ou a titulo indi-vidual por algum habitante de prestigio da provincia.

    Em algumas ocasioes, a discordancia diante de algumasiniciativas da monarquia foi expressa de maneira mais belige-rante, como aconteceu quando foi constituida a CompanhiaGuipuzcoana de Caracas, entidade responsavel por fixar os pre-cos e que tinha 0 monop6lio do comercio do cacau produzidona provincia, prejudicando claramenteos interesses economi-cos dosprodutores locais, todos eles membros das principaisfamillas da capital. 0 enfrentamento terminou, anos mais tarde,com a dissolucao da companhia pelo decreto real de 10 demarco de 1785.1

    Os crioulos tambem se pronunciaram de modo beligerantecontra a execucao da Real Cedulade Gracias al Sacar [DecretoReal], em 1795, colocando-se frontalmente contra a possibil ida-de que permitiria aos pardos obter a dispensa de sua condicaomediante 0pagamento de uma pequena quantidade, que 0deere-to fixava em 150 pesos.

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    7 A este respe ito, veja Roland Denis Hussey, La Compaiita de Caracas, 17281784, Caracas,Banco Central da Venezuela, 1962.

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    Bevoluco es d e inde pe nd enc ia s e n ac io na li smos na s Ame ri cas . I I 7

    J .. Para os .membros do cabido, 0 conteudo do Decreto 'Bealera "perigosissimo", "desgracado'ttfatal" e capaz de promover .as "mais graves alteracoes na ordem publica". Se esta premissacrucial fosse modificada, se produzir ia urn transtorno "espanto-so" e de consequencias terrfveis para a provincia. Porque s6 osvizinhos e naturais da America ".. .conhecem, desde que nascemou no decorrer de muitos anos de vida nela, a imensa distanciaque separa os Brancos e os Pardos: a vanta gem e a superioridadedaqueles e a baixeza e a subordinacao destes","

    A disc6rdia dos brancos crioulos contra 0Decreto Real pro-longou-se durante varies anos e envolveu nao s6 0 cabido, mastam bern 0 claustro da Real e Pontif icia Universidade de Caracase as autoridades eclesiasticas mais importantes da provincia,que se manifestaram contra. Entretanto, 0decreto foi mantido. Aresposta do Conselho das Indias foi categerica, ja que a medidanao pretendia "igualar" os pardos: seu prop6sitoera favoreceraqueles pardos "benemeritos" que por sua lealdade, virtudes ebons procedimentos mereciam a outorga desta graca real.

    Apesar das disc6rdias e dos visiveis enfrentamentos entrecrioulos e a monarquia, antes dos acontecimentos da indepen-dencia nao houve por parte dos brancos crioulos a menor ten-tativa de contestar a ordem monarquica, nem propiciar umamudanca que lhes desse 0 comando dos assuntos ptiblicos daprovincia mediante a ruptura definitiva do vinculo que os unia aPeninsula. Tudo parece indicar que a sociedade do Antigo Regi-me dava-lhes rnais estabilidade e garantias.

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    8 Relat6rio que 0Ayuntamiento de Caracas d ir ig iu aore ida Espanha referen te aoDecre toRea l d e 10 de fev erei ro de 1795, Caraca s, 28 d e novemb ro de 1796, AGl , Ca ra ca s, 19 76 .0lema foi inicialmente tra tado por San tos Rodulfo Corte s em El Regimen d e Las Gra cias a lSacar en Venezueladuranteel periodo hispanico, Caracas, Academia Nacional de Historia,1978, 2 vols. Tarnber n se pode ver 0 ensaio ja cltado Los Nobles de Caracas , Caracas,Academia Nacional de Hist6ria, 2005.

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    Mas se os crioulos nao -fizeram acoesque pusessem em-perigoa.antiga ord~~ ~ a-lntegridadedo imperio, tambem naoha evidencias de que os pardos estimulassem iniciativas nemmovimentos tendentes a romper 0 vinculo com a Espanha, ouque tivessem como objetivo a transformacao radical do statushierarquico e desigual da sociedade, exceto a rebeliao deManuelGual e Jose Maria Espana, que nao foi promovida pelos pardos,apesar de muitos dos participantes do movimento serem pard os.

    :I t possivel que os pardos tenham se manifestado contra 0estatuto hierarquico da sociedade, que estabelecia diferencasclaras entre brancos, indios e descendentes de escravos. Entre-tanto, e muito dificil afirmar e, ainda mais, demonstrar, quetinham aspiracoes comuns e que estas foram concretizadas oupropostas como parte de urn projeto politico coletivo. Seria urnanacronismo identificar ou reivindicar a existencia de uma"consciencia de classe em si e para si" - como se diria no-jargaomarxista - por parte dos pardos, capaz de conduzi-los a conquis-ta da liberdade e da igualdade.

    Pelo contrario, 0que e possivel perceber e a maneira comose reproduzia nas camadas inferiores da sociedade a apropria-Cao e asslmilacao da ordem desigual como urn principio queregulava a relacao entre os individuos. Numerosas causas ci-vis promovidas pelos zambos, mulatos e pardos demonstram aforca desta ordem e de como eles procuravam ascender soci-al-mente pelas vias que 0 sistema ofere cia, ou seja, apelando aostribunais, as possibilidades que 0Decreto Real ofere cia, fazendoparte das milicias de pardos ou tirando proveito das atividadeseconomicas que lhes eram permitidas.

    Dessa forma, nao houve, antes da independencia, urn movi-mento social promovido pelas camadas inferiores da sociedade

    que tivesse o propositode contester a hegemonia_

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    '. 1 2.0 margens I volume 5 - Nova Granada, Venezuela e Cuba1808. Com 0 ref ausente, a soherania recata sobre a 'na~o,dai a .negativa em admitir a legitimidade da Regencia, 0 queficou clarona Ata de 19 de abril: " ...0Conselho de Regencia nao pode exer-cer nenhum mando nem jurisdicao sobre estes paises, porquenao foi constituido pelo voto destes fieis habitantes, quando jaforam declarados, nao colonos, mas sim partes integrantes daCoroa da Espanha e como tais foram chamados ao exercicio dasoberania interina e a reforma da Constttulcao Nacional","

    Foi constituida, entao, a Junta Suprema de Caracas, deposi-taria provis6ria da soberania, ate que se reunisse urn CongressoGeral que seria 0depositario legitimo da soberania. Neste senti-do, todas as provincias que pertenciam a Capitania Geral daVenezuela foram convidadas a somar-se a iniciativa de Caracas,e foram convocadas eleicoes para designar os representantesque participariam doreferido Congresso. Asprovincias deMara-caibo e Guiana e a cidade de Coro recusaram 0 chamado deCaracas e mantiveram-se fieis a Begencia. Maracaibo elegeu eenviou seu representante as Cortes de Cadiz, e Guiana e.Coroenviaram comissionados a Cadiz para solicitar representacao naassembleia gaditana.

    Os reveses da guerra na peninsula, a resposta da Begenciadiante da iniciativa deCaracas, a reacao contra 0movimento deCaracas por parte das provincias dissidentes, a reuniao das Cor-tes em Cadiz, a Instalacao do Congresso Geral da Venezuela e 0debate sobre 0 futuro das provincias geraram nos meses poste-riores urn acelerado e inevitavel distanciamento. Rapidamente 0movimento juntista iniciado em 19 de abril de 1810 transfor-mou-se em independentista e,em 5 dejulho de1811,0Congresso9 "Alade 19 de abril de 1810"(www.analitica.comlbitbliotecalvenezuelal19abril1810.asp).

    Bevolucoes de independenctas e nacionalismos nas Americas 1 2 1

    . .'Geral da Venezuela declarou a independencia - com apenasumvoto contra.o processo ate aqui foi conduzido principalmente pelossetores privilegiados da sociedade. A maioria dos membros daJunta de Caracas, assim como osrepresentantes que foram elei-tos para fazer parte do Congresso, era parte da elite provincial:fazendeiros, comerciantes, militares, clerigos e advogados. 0regulamento eleitoral aprovado para a realizacao das eleicoesestabelecia que s6 poderiam votar e ser eleitos os varoes livresmaiores de 25 anos que tivessem domicilio fixo, casa aberta epovoada e que fossem proprietaries de pelo menos 2 mil pesosem bens moveis ou bens de raiz.

    A Republica dos NotaveisAConstituicao de 1811estabeleceu como forma deEstado a

    Federacao, sancionou a separacao de poderes, fixou urn sistemaeleitoral pelo voto, consagrou a liberdade, a igualdade, 0direito apropriedade e a seguranca, eliminou os foros e privilegios e pro-clamou 0nascimento da Republica. Entretanto, a aprovacao destaprimeira Carta Magna nao provocou imediatamente uma mudan-ca na sociedade nem na maneira de conduzir seus individuos.

    Dificilmente aqueles que, as vesperas da independencia,tinham crit icado a aprovacao e a execucao do Decreto Real,aqueles que se assumiam como condutores naturais da ordem ,aqueles que tinham a Intencao de capitalizar a decisao da inde-pendencia e conduzir 0processo ate 0seu termino bem-sucedi-do, podiam imaginar que, separados da Espanha e sancionada aRepublica, convinha integrar os pardos e consagrar 0principiode igualdade. Em todas as provincias que se somaram a inicia-

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    tiva de Caracas,n controle do~ove~o. estava !las maos dos bran-c~; cri~ulos e iodos compartilhavam U 1 n ~ vis~o hierarquica Ciasociedade, olhavam com reservae distancia as classes inferiorese viam com horror a "infausta igualdade". Consequentemente,na hora de iniciar a independencia, reproduziram esta mesmaatitude, unica garantia de manter-se como cabecas visiveis ehegemonicas da nova sociedade.

    Por decisao da Junta de Caracas, as milicias de pardos enegros foram separadas dasmilicias d9S brancos; nos batalhoesde negros, os dois oficiais de maier patente deveriam ser bran-cos e 0soldo era diferente: osbrancos ganhavam mais do que ospardos e osnegros. Na convocacao para 0alistamento militar de13 de julho de 1811,a segregacao foi mantida: osbrancos se reu-niriam na frente da igreja, na 'pra~a da Trindade, os pardos sereuniriam no leste e os morenos no sui; os escravos deveriam se

    >manter sob as ordens de seus amos, em suas casas, ate novaordem do governo.

    Como medida de conteneao, foi aprovada a Ordenanca deLos Llanos, que estabelecia a perseguicao ao abigeato' e restrin-gia a livre circulacao de seus habitantes mediante 0 sistema depasses, f6rmula de controle solicitada ha anos pelos proprieta-rios brancos.o projeto de independencia nao contou, em urn primeiromomento, com 0 apoio majoritario da populacao, composta emmais de 60% por pard os. A resposta dos brancos crioulos foidesqualificar todos aqueles que tinham aderido it defesa da cau-sa do rei. Na Gaceta de Caracas, ainda que nao exista mencaoexpressa aos pardos, condenaram-se os inimigos da Republica Abigeato=furto de gado.

    ~ Bevotucoes d. Independencias e nacionalismns M.Americas J '" < 5I pO:r:erem se deixado "prostituir pelos satelites da tirania"; foram

    alvo de critica porterem se colocado sob as ord~ns "dos mesmosque devoraram a nossa essenoia",

    Bolivar, em 1813, lamentou que muitos dos habitantes dasprovincias tivessem se prestado a ser instrumento dos ' 'malva-dos espanh6is" ,e que nao se colocaram sob a protecao de urngoverno que s6 desejava trabalhar por seu bern. Mais tarde, emsetembro de 1814,no chamado Manifesto de Carupano, acusou-os por sua "inconcebivel demeneia ao pegar em armas para des-truir os seus libertadores e restituir 0 cetro aos tiranos", echamou-os de "seres fanaticos, cuja depravacao de espirito osfaz amar as correntes como se fossem vinculos socials"!"

    Tentou-se tambem 0 recurso de polarizar 0 conflito comouma guerra entre espanh6is e americanos. Aodenunciar 0abso-lutismo espanhol e condenar 0 submetimento de que tinhamsido objeto aqueles povos por parte damonarquia, os documen-tos oficiais procuravam legitimar a decisao emancipadora comouma causa justa dos americanos contra a Espanha.

    A' expressao mais radical deste prop6sito polarizador foirealizada por Bolivar pelo seu Decreto de Guerra a Morte. Naproclama, propunha-se o confronto como uma guerra de exter-minio entre americanos e espanh6is. Os primeiros, assistidospela justica de sua causa: a conquista daliberdade; os segundos,sem direito it vida por serem os unicos responsaveis pelos infor-tunics e desgracas dos americanos.l!

    Em 1815, derrotada a segunda tentativa republicana, Sim6nBolivar, em sua conhecida "Carta da Jamaica", reiterava 0deslg-

    10 Simon Bolivar. "Manifiesto de Carupano", Carupano, 7 de setembro de 1814.11 Simon Bolivar, "Decreto de Guerra a Muerte", Trujillo, 15de junho de 1813.

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    .; nio de suprema cia d~s br~ncos crioulos ria conducaodo proces- ';so em virtu de de sua inevitavel superioridade historica.V

    A proposta dos maruuanos nao contemplou a Integracaoampla e em igualdade de condicoes de outros atores sociais.Entretanto, 0 repudio a independencia e sua escassapopularida-de entre as classes sociais nao foi produto da "demencia inexpli-cavel" de alguns individuos empenhados em manter sua posicaomesmo com a opressao de seus inimigos, como defendia Bolivar,nem foi 0resultado inevitavel do estado de Ignorancia em que seencontrava a maior parte da populacao por culpa do sistema espa-nhol, como manifestaram muitos documentos politicos naquelemomenta e como foi referendado posteriormente pelas hist6riaspatr ias. Tratava-se de urn assunto muito mais complexo.

    _Os pardos ante it proposta da IndependenciaOs primeiros protestos contra a independencia aconteceram

    nas provincias que nao acompanharam 0movimento de Caracas- Maracaibo, Guiana e a cidade de Coro - e tambem comel,(aramem 1810. Urn ano mais tarde, logo depois da declaracao de inde-pendencia, em 5 de julho de 1811,houve uma revolta na cidade deValencia. Os promotores da insurreicao eram de diversas proce-dencias e t inham interesses e rnotivacoes diferentes. Alguns esta-yam ligados ao comercio da cidade e eram nativos do Pais Basco,das Ilhas Canarias e da Catalunha; outros eram crioulos, residen-tes em Valencia; urn grupo importante era composto de sacerdo-tes e, f inalmente, urn numero significativo provinha dos pardos.12 Simon Bol ivar , "Carta de Jamaica", Kingston, 6 de setembro de 1815. Veja tambem a in-terpretacao deste documento realizada por Elias Pino Iturrieta, Nueva lecturo de Ita Carta deJamaica, Caracas, Monte Avila Editores Latinoamericana, 1999. Mantuanos =brancos crioulos da colonia,

    Bevo lueoes de i ndependencia s e naci ona lismos na s Amer ic as I 2 5

    . .' A agttacao impos uma resposta armada do governo, envian-do 0marques de Toro, branco, crioulo, membro do Congresso enobre, simbolo e sintese dos val ores da antiga sociedade. As for-cas fieis se fortaleceram no Ocidente, receberam 0 apoio macicoda populacao e se dirigiram ao centro sob 0comando de Domin-go de Monteverde, oficial da Real Marinha de Guerra da Espa-nha. 0 Congresso colocou a responsabilidade de defender aRepublica nas maos de Francisco de Miranda.

    o bem-sucedido avanco de Monteverde foi favorecido poruma rebeliao de negros que se proclamavam fieis a FernandoVII e pelo apoio da maioria dos habitantes que se uniram as tro-pas reais e declararam-se fieis ao monarca. Em 24 de julho de1812, terminou a primeira tentativa republicana com a capitula-~ao de Francisco de Miranda diante de Domingo de Monteverde,chefe das tropas reais.

    Ate aqui a guerra nao tinha adquirido contornos dramati-cos. Passara-se urn ano desde a declaracao da independencia ..Entretanto, como era de se esperar, os d.efensores do projetorepublicano tentaram recuperar 0 controle. Santiago Marinho,chefe militar do Oriente, organizou uma expedicao e invadiu 0territ6rio da Venezuela pelo leste, em janeiro de 1813, e SimonBolivar, que se refugiara em Nova Granada, obteve 0 apoio destegoverno para entrar no territ6rio venezuelano pelo oeste. Emagosto de 1813, a Venezuela encontrava-se novamente sob 0con-trole dos republican os, mas nao seria por muito tempo.

    It precisamente no contexto desta ofens iva republicana queos pard os, os zambos, os negros e os mulatos ingressaram demaneira significativa na guerra para defender a causa do rei e seopor ao projeto dos crioulos. 0 chamado para se unir a favor daRepublica contra 0absolutismo espanhol nao ofere cia nenhuma

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    atracao; tevemais poder de convQcaca?~o,chamado do chefe rea-l is ta Jose Tomas 'Bo~es paralutarcontra a aTIst~cracia crioula,cabeca visivel da rebeliao contra 0rei.

    A carencia de recursos impos a pratica do saque, 0butim deguerra em troca daprestacao de services, as extorsoes, 0seques-tro de bens e a provisao de viveres como as unicas fontes parasustentar a guerra. Tudo isto unido a exacerbacao das contradi-eoes sociais constituiram 0fundamento da popularidade do che-fe real e foram umincentivo para a acao, 0 est imulo para entrarem urn conflito cujo desenlace traria beneficios diretos para osque participassem da contenda.P

    Houve uma divisao poll tica entre os que eram fieis a monar-quia e os republicanos, divisao que teve, ao mesmo tempo, urnforte conteudo social. So a partir de 1815, com a chegada daExpedicao Pacificadora de Morillo, enviada por Fernando VII afim de recuperar 0 controle de seus dominios, ocorreu uma revi-ravolta na oferta social do bando republicano.

    Bevolucoes demdependencias e nacionalisrnos nas Americas. I 27.,

    A oferta social da RepublicaEm 1816, apos ossucessivos fracassos dos rebeldes e diante

    da impopularidade do projeto republicano, Bolivar, com 0pro-posito de reverter 0processo e a fim de integrar os pardos e osescravos no Exercito republicano, ofereceu urn tipo de satisfacaosocial para aqueles que se juntassem a causa da independencia:a liberdade dos escravos que lutassem pela independencia e apartilha de terras para os soldados como pagamento pelos servi-cos prestados ao Exereito da Republica." Esse processo esta bernexplicado no I ivro citado deGerman Carrera Damas, B o ve s, a s-pectos socioeconomicos de su accion historica; 1968,

    Em,2 de junho de 1816, em ,Carupano, foi decretada a liber-dade dos escravos.dntimados, : porem.ra so~ar-se as: rueir~s do',exercito sob seu comando.No ano seguinte, em 10de outubro de1817, foi sancionado 0decreto no qual se estabelecia a reparticaode bens como recompensa aos oficiais e soldados que fizessemparte do Exercito republicano. Desta maneira, substituiu-se afigura anarquica do saque e da pilhagem por uma formula insti-tucional que regulava a distribuicao dos bens sequestrados e dosterrenos baldios entre os soldados e os oficiais de acordo com apatente militar. Estamesma formula fora posta em pratica urnano antes, em Los Llanos, pelo chefe patriota Jose Antonio Paez,que gozava de grande popularidade entre os habitantes da regiao.

    A escassez de recursos para satisfazer it divisao de bens edinheiro que a guerra exigia e a impossibil idade depagar imedia-tamente as tropas obrigaram que a reparticao de terras fosse feitaPQrmeio devales e, quando a situacao est ivesse regularizada, estaseria fei ta tal como estava previsto no regulamento aprovado.

    Entretanto, a oferta de libertar os escravos e a promessa derepartir as terras entre os soldados nao queria dizer que tinhamdesaparecido as reservas com relacao as classes inferiores e quefossem ignoradas tentativas que procurassem dar urn conteudosocial adirecao e orientacaodo processo.:

    Os argumentos apresentados por Bolivar em 17 de outubrode 1817, ao justificar a execucao de Manuel Piar," ''por procla-'mar os principios odiosos da guerra em virtude da cor, instigar a14 Manuel Piar, natural de Curacao, uniu-se aos patriotas desde 0 inicioda guerra de inde-pendencia, participou de numerosas campanhas, e sua acao foi determinante para submetera provincia de Guiana, que era leal a monarquia desde 1810. Em 1817,rebelou-se contra adirecao docomando patriota e manifestou-se contrario a direcao de Bolivar,urn branco criou-10,Foi declarado traidor, submetido a urn conselho de guerra e fuzilado, 0 assullto foi motivode intensa polemica historiografica queainda hoje divide a opiniao doshistoriadores.

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    J~~~ITacivil e convidar.a anarquia", tiveram 0objetivo de impe-dir qualquertipo de iniciativa que colocasse 0conflito no terrenosocial, 0qual, sob a sua 6tica, encontrava-se resolvido, tal comoexpressa aos soldados na mesma proclama:

    ...Nossas armas nao quebraram as correntesdos escravos?Aodiosa diferenca de classes e cores nao foi abolidapara sempre?Osbens nacionais naoforamrepartidos entre v6s?Naosois iguais,livres, independentes e honrados? Podia Piar obter-Ihes bensmaiores do que esses?Nao,nao, nao.15

    Se as reivindicacoes sociais tinham sido resolvidas, 0pro-blema era concluir a guerra, derrotar a Espanha e consolidar aRepublica.

    A vito ria das armas republicanaso temor it dissolucao social que preocupavaos chefes repu-blicanos tambem era motivo de preocupacao entre as autori-dades da monarquia, responsaveis por manter a ordem nosterrit6rios sob sua responsabilidade; sendo assim, nao viam comsimpatia os metodos de guerra de Jose Tomas Boves. Jose Fran-cisco Heredia, ouvidor e regente interino da Real Audiencia deCaracas entre 1812 e 1817, em suas Mem6rias e relat6rios, qua-lificava a acao de Boves nos Llanos como ''urna insurreicao deoutro tipo".

    Quando Pablo Morillo, comandante geral da expedicao itCosta Firme chegou a Venezuela, constatou com estupefacao 015 Sim6n Bolivar , "Manifies to sobre lae jecuc i6n de Manue l P ia r" , Angos tu ra , 17de outubrode 1817.

    Bevolucces de independenc ia s e nac iona lismos nas Americas I 29

    estilo de guerra que se praticava nesses territ6rios, assimcomo acomposicao das forcas reunidas por Jose Tomas Boves, antes decair em combate, em dezembro de 1814.Ao assumir 0comando,nao reconheceu muitas das promocoes militares dadas a pardose mulatos; pretendeu discipIinar e normatizar 0 funcionamentodos oficiais e das tropas sob sua responsabilidade; regularizou 0abastecimento de recursos; combateu.a pilhagem; inibiu ossaques e,no final de 1817, enviou para a Espanha 0capitao par-do Alejo Mirabal, por ser inimigo dos brancos e porque iinhamuita influencia sobre as pessoas de cor.

    Ainda que, em 1820, em uma falida tentativa de incremen-tar suas tropas, tenha oferecido a nacionalidade espanhola aspessoas decorque se unissem aos seus exercitos, era pouco pro-vavel que tal oferta mobilizasse 0 animo dos negros e pardos afavor dos Exercitos do Rei. Entretanto, 0desenlace final da guer-ra a favor da independencia nao esteve diretamente relacionadocom as medidas adotadas por Morillo,nem com as ofertas sociaisde Sim6n Bolivar, anteriormente descritas.o contingente de llaneros comandados por Paez, a entradade oficiais britanlcos, 0 recrutamento forcado como meio de au-mentar as fileiras do Exercito republicano, a resposta da Coroaao conflito e, fmalmente, a rebeliao liberal que aconteceu napeninsula, em 1820, contribuiram de maneira decisiva para 0triunfo das forcas republicanas sobre 0Exercito do Reina bata-lha de Carabobo, travada em 24 dejunho de 1821.Aqui e importante perceber a influencia dos acontecimentosque ocorreram na Espanha, em 1820.Os liberais espanhois esti-mavam, equivocadamente, que ainda era possivel uma saida l lan eros =da regiao de Los Llanos.

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    negociada com as provincias rebeldes, restituindo 0 sistemaliber~l que "aConstitui~ao "de"1812"COI?-sagr~va;.de;sa" forma, "evitar a dissolucao definitiva do imperio. Com esse espirito, pro-moveram a celebracao de urn armisticio que foi assinado emnovembro de 1820. A tregua permitiu a Bolivar reforcar suasposicoes e organizar a recuperacao definitiva do territ6rio vene-zuelano. Ao mesmo tempo, esta resolucao colocou os exercitosreais que se encontravam em terra firme em desvantagem,porque nao tinham provisoes e estavam" em condi~oes" abso-lutamente precarias, A assinatura do armisticio agravou estasituacao.

    Quando 0 armisticio foi rompido pelas forcas republicanase aconteceu 0 combate em Carabobo, 0general Miguella Torre,que comandava 0 exercito, solicitou ajuda das Cortes espanho-las, queixou-se da negligencia do governo ante a situacao ameri--ca~a, informou sobre ,n estado de desmoralizacao no qual 0~xercito se encontrava e pediu algum tipo de apoio para continu-ar resistindo. Nao obteve resposta e os focos reais que ainda per-maneciam em Maracaibo e Puerto Cabello viram-se condenadosao fracasso. Isto se deu em 1823. Urn ano mais tarde, em dezem-bro de 1824, travou-se 0 combate de Ayacucho, que liquidou asaspiracoes da Espanha na America.o q!le determinou a vit6ria de Carabobo nao foi produtode uma virada macica e popular em direcao a causa da inde-pendencia provocada pelas ofertas de Bolivar, mas sim, nova-mente, a da crise espanhola - a dificuldade de reverter urnprocesso cuja dinamica politica e militar dificultava bastantesustentar a integridade de urn imperio debilitado e em vias deextincao, desde 0momento em que sucumbiu diante dos exer-citos de Napoleao.

    Bevolucoes de independencias e nacionalismos nas Americas. I3 I~

    A sociedade resultanteConchifda a guerra de modo favoravelas Armas da Bepu-

    blica, foi preciso ajustar a sociedade, controlar a"dissolucaosocial, recuperar a ordem, conter ospa~dos, normatizar a igual-dade e colocar algum tipo de limite ao exercicio da liberdade.

    A escravidao nao foi abolida e 0Congresso de Cucuta, em1821, aprovou urn regime que contemplava a sua extincao gra-dual. 0 prop6sito da medida era que, em seu devido tempo, todosos habitantes da Colombia fossem livres, sem que isto compro-metesse a tranquilidade publica ou vulnerasse os direitos dosproprietaries. Na Venezuela, 0 tempo devido levou 33 anos: aescravidao foi abolida em marco de 1854.

    A divisao de terras aos soldados foi aprovada pelo Congres-so de Cucuta. Na Venezuela, Jose Antonio Paez obteve poderesespeciais para executar a medida. Asterras destinadas a este fimnao foram as rrielhores e muitos soldados vencidos pela necessi-dade venderam seus vales. A imprensa da epoca denunciouqueos beneficiaries dessa medida tinham sido os altos oficiais doexercito. Antonio Briceno, representante da Venezuela no Con-gresso colombiano, acusou Paez de ser urn dos piores especula-dores, pois sua fortuna escandalosa se devia a apropriacao dasterras dos seus pr6prios soldados. Na Convencao de Ocana, em1828 tratou-se do mesmo assunto em razao do fracasso da divi-... ~sao de terras e suas funestas consequencias. Nao houve, pois,urn processo de outorga de terras que transformasse em peque-nos proprietaries aqueles que participaram da guerra.

    Tambem nao desapareceu 0sentimento de reserva ante asaspiracoes de ascensao social dos pardos e a necessidade de exe-cutar rnedidas para conte-los. Bolivar, em varias ocasioes, fezmencao aoperigo da ''pardocracia'': "...a igualdade legal nao e 0

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    bastante devido ao espirito do povo, que quer a igualdade abso-luta, tanto no Ambito publico, quanto no domestico; e depois iraquerer a pardocracia, que e a inclinacao natural e unica para 0exterminio futuro da classe privilegiada". Isto dizia em carta aSantander, de 28 de abril de 1825.

    Em termos parecidos expressava-se Fernando de Pefialver ,outro branco crioulo, no ann seguinte, em uma correspondenciaenviada a Daniel Florencio O'Leary, irlandes, ajudante de cam-po do Libertador, ao manifestar 0perigo que representava aguerra em virtude da cor, e a necessidade de restabelecer 0imperio da lei para evitar a guerra civil.

    A recomposicao da sociedade exigia uma f6rmula que man-tivesse em seu lugar os pardos e cujo resultado nao fosse a alte-racao da ordem desigual da sociedade. Era essa, definitivamente,a expectativa daqueles.que eram responsaveis pela direcao eorganizaeao do processo que apenas comecava,No entanto, a sociedade poderia ser restabelecida nos mes-mos moldes de antes da guerra?

    A resposta a esta pergunta nao admite urn sim categ6rico.Ainda que a desigualdade nao tenha desaparecido, a estru-

    tura economica da sociedade nao foi modificada, nao houve umamudanca nas condicoes de vida da maioria da populacao, aescravidao nao desapareceu, as populacoes aborigines naoforam favorecidas, a composicao social nao foi transformada,nem foram criadas novas formas de relacao entre os diferentesgrupos sociais, mas houve, sim, uma alteracao irreversivel nosfundamentos da sociedade do Antigo Regime.

    A ordem hierarquica baseada na honra e na linhagem desa-pareceu. Qualidade, dist incao, prerrogativas, t itulos, heranca,deixaram de ser atributos que determinavam a condicao de prin-

    I! .

    Revolueoes deindependencias e nacionaiismos nas Americas. I 5 5

    ~ipal na .socledade; os -cargos ja ' ria'o se compram, nem podemser rransmitldos hereditariamente; desapareceu 'a inst itulcao domayorazgo'; eliminarani-se todos os foros e privilegios e supri-miu-se das cert idoes de batismo a qualidade do individuo.

    Anova ordem determinava premissas mais de acordo com apassagem para 0mundo moderno: a riqueza e a ilustraeao. Agorasao os possuidores de riquezas, os hom ens ilustrados quem seencarregam da direcao do processo, sem necessidade ~edemons-trar sua linhagem e a purcza de seu sangue. a sistema eleitoralvia voto, que mantem a margem da polit ica a maioria da popula-Ca~, e 0mecanismo que sustenta e garante 0novo regime.

    Dessa forma, e possivel afirmar que a principal mudancaocorreu no seio das classes privilegiadas, "cuja composicao foiampliada com comerciantes, profissionais , novos donos de ter-ras e oficiais do exercito patriota, diferentemente da estruturamuito mais rigida e fechada da sociedade tradicional. Para istocontr ibuiu tambem a diminuicao signif icat iva da nobreza criou-la, visto que muitos dos seus integrantes morreram na guerra

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    buir demaneiracoletiva paraexecutar 0 legado dos libertadores,-co~struir miui- n~CAodigii~ dos~crificio realizado qu~s~~isseospreceitos e as premissas domundo moderno.

    Vista em sua dimensao social, a independencia, definitiva-mente, deu lugar a urn processo complexo que alterou os valorestradicionais, 0 sentido das hierarquias, e inverteu a simetria dasociedade como consequencia da intervencao das classes infe-riores no conflito armado. Seu impacto, como dito anteriormen-te, nao se materializou em urn reordenamento mais equitativoda sociedade, entretanto, as reivindicacoes por uma igualdadede oportunidades efetiva e 0 repudio it pratica excludente daselites presentes em urn importante setor da nossa sociedadedevem ser entendidos como parte do legado da independencla,assim como as reservas e 0 mal-estar que desperta a atitudeigualitaria do venezuelano comum e 0 temor em face da insur-gencia do populacho que persistem na sociedade.

    S6assim poderemos comecar a valorizar a dimensao socialda independencia, pois 0confronto e as contradicoes sociais quetrouxeram it tona continuam sendo materia de agitacao e pertur-bacao entre os venezuelamos.