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1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO EM DIREITO E PROCESSO PENAL
FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE
A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE
Alessandro Dutra dos Santos
Orientador: Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2011
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
CURSO DE PÓS-GRADUÇÃO EM DIREITO E PROCESSO PENAL
FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE
A INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE
Apresentação de monografia a Faculdade Integrada
A Vez do Mestre e Universidade Candido Mendes
como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Direito e Processo Penal.
Por: Alessandro Dutra dos Santos.
3
AGRADECIMENTOS
Aos amigos que contribuíram para a
elaboração desta nova etapa e trabalho
monográfico, em especial: Geisa
Ferreira de Santana Gargel e Maria
Carolina da Silva Masson, na construção
inicial dessa pesquisa.
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Ecy Maria Dutra dos
Santos e Maximiano Julio dos Santos,
que sempre incentivaram e
contribuíram para o crescimento
pessoal e profissional, em patamares
acima da normalidade.
5
RESUMO
A exposição que ora se inicia trata de problema enfrentado no dia-a-dia
dos operadores de Direito, ao menos aqueles que efetivamente militam da
seara criminal, notadamente na Defesa de agentes que inserem-se em tipos
penais dos mais diversos ao cometerem atos famigerados ou mesmo infelizes,
cercados de qualificações excepcionais e muitas vezes singulares e,
principalmente neste nesse aspecto é que está o cerne do trabalho de
especialização, aqui encerrando-se nessa exposição, tentando demonstrar que
a ordem jurídica vigente, por mais expansiva que seja, não permite englobar-se
das diversificadas maneiras de exculpação que a doutrina já lançou, face ao
Direito e suas construções dogmáticas, que possuem aspecto mais relevante
que a mera exposição legislativa, engessada, presa a modificações necessárias
com o passar dos tempos, pela evolução da própria sociedade e, daí a
necessidade de considerar e aplicar amplamente, embora na mais exigente
verificação de compatibilidade, o instituto penal da Inexigibilidade de conduta
diversa como princípio, ou seja, de modo supralegal, que possa abarcar todas
as situações que não foram expressamente contempladas pela norma legislativa
consubstanciada no Código Penal Brasileiro, até pela inviabilidade de criação e
acompanhamento do legislador ordinário para tal, dentre outras justificativas
técnicas que ora aduziremos.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 08.
CAPÍTULO I – Análise no Direito Penal ...........................................................
09.
1 - Culpabilidade .......................................................................................... 11.
1.1 – Evolução histórica das teorias acerca da culpabilidade ............................
1.1.1 – Teoria Psicológica da Culpabilidade ....................................................
1.1.2 – Teoria Psicológico-normativa da Culpabilidade .....................................
1.1.3 – Teoria Normativa pura da Culpabilidade ..............................................
1.1.4 – Teoria Social da Ação ........................................................................
1.1.5 – Teoria Funcionalista ..........................................................................
1.2 - Excludentes de Culpabilidade …..............................................................
12.
12.
13.
15.
17.
18.
19.
1.2.1 - Quanto ao agente .............................................................................. 21.
1.2.2 - Quanto ao fato .................................................................................. 24.
1.2.2.1 - Causas Legais ................................................................................. 24.
1.2.2.2 - Causas Supralegais ......................................................................... 28.
CAPÍTULO II – Da Inexigibilidade de Conduta Diversa ..................................... 31.
2 – Inexigibilidade como causa excludente de culpabilidade ............................ 33.
2.1 - Posicionamento doutrinário favorável ao reconhecimento da
inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade …................
35.
2.2 - Posicionamento doutrinário desfavorável ao reconhecimento da
inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade …................
37.
7
CAPÍTULO III – Análise Jurisprudencial ….......................................................
3.1 - Da inexigibilidade de conduta diversa no tipo do art. 168-A § 1º, I do
Código Penal ................................................................................................
3.1.1 – Do reconhecimento da inexigibilidade no tipo do art. 168-A § 1º, I do
Código Penal ................................................................................................
3.1.2 – Do não reconhecimento da inexigibilidade no tipo do art. 168-A § 1º, I
do Código Penal ...........................................................................................
3.2 - Da inexigibilidade de conduta diversa sob o prisma do porte ilegal de
arma de fogo – Art. 14 da Lei 10.826 de 2003 ................................................
3.2.1 – Da incidência da inexigibilidade no tipo do art. 14, lei 10.826/2003 .......
3.2.2 – Da afastabilidade da inexigibilidade no art. 14, lei 10.826/2003 ............
CONCLUSÃO ................................................................................................
39.
39.
41.
48.
53.
56.
58.
62.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................
64.
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho trará breve estudo da culpabilidade, mais
especificamente no que se refere a uma das causas supralegais de exclusão
daquele elemento do crime, qual seja a inexigibilidade de conduta diversa.
Em primeira análise, far-se-á uma síntese conceitual do tema,
alocando-o, como objeto do presente trabalho, na seara do Direito Penal como
um todo, obviamente buscando apanhar o máximo dos institutos que o
cercam. Segue-se com o tratamento específico e mais aprofundado do tema
em si, por todas as suas vertentes no corredor doutrinário. Adiante, haverá
análise jurisprudencial, demonstrando como nossos Tribunais divergem na
aplicação da referida causa supralegal, aqui objeto de estudo, notadamente, de
modo exemplificativo, em duas situações específicas, em crimes de
competência federal e estadual.
9
CAPÍTULO I
ANÁLISE NO DIREITO PENAL
Não se trata de novidade que dentre todas as finalidades do Direito
Penal, destaca-se como umas das principais ou mesmo a principal, é aquela
que trata da proteção dos bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à sociedade
como um todo, como espécie de função/garantia. Essa é a ideia clássica acerca
desta seara do Direito. No entanto, há posições diferenciadas, que não aceitam
aquela afirmativa, como aquela do Mestre, Günther Jakobs1, que entende pela
inexistência desse viés protetivo, tendo em vista que o Direito Penal atua
quando o bem jurídico já foi violado. Desse modo, o que estaria em jogo, na
verdade, seria a vigência da norma e sua característica cogente. Assim, a
punição ao agente que praticou o delito, viria justamente para reforçar a
validade de determinado ato normativo na ordem jurídica, ou seja, sua
obrigatoriedade perante toda a sociedade.
Não obstante a controvérsia, se adotarmos a posição majoritária,
chegamos à conclusão de que o Direito Penal tutela os bens jurídicos
essenciais e, conforme aqueles valores abrigados na própria Constituição da
República de 1988, intitulados como direitos e garantias fundamentais, que o
legislador irá selecionar esses bens, descrevendo as condutas puníveis nos
chamados tipos penais. É o que o Direito Penal tem por característica,
convencionado a chamar-se de Princípio da Fragmentariedade2.
O conceito de crime sob o viés analítico engloba conjuntamente aos
institutos da tipicidade e da ilicitude, também a culpabilidade visualizada na
conduta praticada. Assim, verificada a ocorrência desses três elementos
1 JAKOBS, Günther. Derecho penal – Parte general: Fundamentos e teoria de La imputación. Madri: Marcial Pons, 1997. 2 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2002.
10
citados, restará caracterizada a conduta que se possa conceituar-se como
“criminosa” e é exatamente sobre o último desses elementos, a culpabilidade,
que se debruçará o presente trabalho, mesmo que em humilde e apertada
síntese.
Vale ressaltar a importância da discussão ora tratada, sobretudo no
ponto de vista do já bastante famoso e seguido modelo penal garantista. O
cerne desta concepção é a defesa dos direitos fundamentais garantidos pela
Constituição Federal de 1988. Nessa seara, o Metre Luigi Ferrajoli3, como um
dos principais expoentes do presente tema, explana afirmativamente que cabe
a magistratura um papel fundamental no modelo referido logo acima, eis que,
na medida em que representam a instituição responsável por dar interpretação
às leis, Poder Judiciário, que o façam conforme e em obediência aos preceitos
constitucionais, como norteadores que são de todo o ordenamento jurídico e
sociedade em geral.
Ademais, elenca os chamados “axiomas da teoria garantista penal”,
dentre os quais destacamos aquele exposto em sexta ordem daquela lista, que
aqui nos interessa bastante, face ao tema discutido. Afirma o citado Mestre
que “nulla actio sine culpa”, ou seja, somente as ações culpáveis podem ser
reprovadas pelo Direito Penal, o trata de posição atualmente dominante no
cenário jurídico-penal nacional, quer seja a visão da culpabilidade como
elemento do crime e não mais como mero pressuposto de pena, dada a partir
de bases finalistas adotadas desde o desenvolvimento da teoria finalista de
Welzel, o que reforça a importância de analisarmos a questão da
culpabilidade4.
3 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – Teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 4 RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade e teoria do erro. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
11
1) Culpabilidade
A começar pelo conceito, a culpabilidade, como elemento do crime,
consiste no juízo de reprovação social realizado sobre a conduta típica e
antijurídica perpetrada pelo agente, ou seja, é a reprovabilidade que recai
sobre o chamado “injusto penal”5. Trata-se, portanto, da última avaliação para
que se possa tipificar determinada conduta, considerando-a criminosa.
No mesmo sentido, temos a posição do Ilustre Procurador da
República, Paulo Queiroz, que assevera:
“A culpabilidade é assim um juízo de reprovação sobre o
autor de um fato típico e ilícito, em razão de lhe ser
possível e exigível, concreta e razoavelmente, um
comportamento diverso, isto é, conforme o direito,
motivo pelo qual pode-se dizer que culpabilidade é
exigibilidade; inculpabilidade, inexigibilidade.” (QUEIROZ,
Paulo de Souza. Direito Penal: parte geral. 6ª edição. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 325).
A renomada Professora, Sheila Bierrenbach, faz espécie de divisão do
delito em categorias, quer sejam: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade; e,
sob tal enfoque, leciona que a culpabilidade constitui a terceira e última
categoria do crime/delito e, por tal, deve ser analisada por último, segundo
aquela ordem firmada, o que significa debruçar-se sobre a culpabilidade após
verificado o injusto penal6.
5 RODRIGUES, Cristiano. Teorias da culpabilidade e teoria do erro. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pág. 29.
6 BIERRENBACH, Sheila. Teoria do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 193.
12
Partimos da afirmativa de que cada indivíduo é único, agindo em razão
do chamado livre arbítrio, mas, também é influenciado por diversos fatores
externos. Tudo isso deve ser levado em consideração quando da avaliação da
culpabilidade, a fim de averiguar se, naquela situação concreta, aquele
indivíduo poderia ter agido de modo diferente, o que diz da “exigibilidade de
conduta diversa” e, conforme veremos a partir desse ponto, a verificação
acerca da exigibilidade de conduta diversa está no cerne das discussões sobre
culpabilidade, tal como figura como tema central do presente trabalho.
1.1) Evolução histórica das Teorias acerca da culpabilidade:
Sabemos que a Teoria do Crime, também chamada Teoria do Delito –
uma vez que suas considerações servem aos crimes e às contravenções –
evoluiu ao longo dos tempos, podendo ser dividida em cinco principais
correntes, conforme a evolução histórica da doutrina que trata do tema.
Dentro de cada uma delas, o conceito de culpabilidade também foi sendo
modificado. Vejamos:
1.1.1) Teoria Psicológica da Culpabilidade:
Primeiramente, como precursor da teoria do delito, há o sistema
causal-naturalista de Liszt-Beling-Radbruch, que defende a culpabilidade como
o aspecto psicológico que uniria o agente ao fato por ele praticado, daí a
nomenclatura, “Teoria Psicológica da Culpabilidade”. Tal teoria divide-se em
dois elementos distintos: capacidade de culpabilidade (ou imputabilidade) e a
própria relação psicológica do autor com o fato7; ou como quer Paulo Queiroz,
sintetizando-a como: imputabilidade e dolo e culpa em sentido estrito8.
7 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 4ª edição. Florianópolis. Conceito Editorial. 2010, pág. 275.
8 QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: parte geral. 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pág. 327.
13
De acordo com essa teoria, são aferidas as noções e comprovações de
dolo e culpa, nas raias da culpabilidade, após verificar-se a imputabilidade do
agente, nos moldes já listados supra. Assim, não havendo dolo ou culpa, não
haveria crime.
Esquematizando acerca da teoria, muito bem leciona a Professora
Sheila Bierrenbach, naquela obra citada, distinguindo a Teoria Psicológica da
Culpabilidade em duas faces distintas: uma objetiva e outra subjetiva. A
primeira diz da conduta, resultado e o nexo causal. A segunda corresponde ao
conteúdo da vontade desse agente9. Assim sendo, percebe-se que a
culpabilidade era considerada a parte subjetiva do delito, justamente por seu
aspecto puramente psicológico.
A principal crítica ofertada à Teoria Psicológica da Culpabilidade, está
no fato dessa não conseguir explicar a essência da omissão e da culpa
inconsciente, tal como nos casos envolvendo condutas criminosas de
portadores de alguma doença mental.
1.1.2) Teoria Psicológico-normativa da Culpabilidade:
Já no sistema neoclássico, seguindo-se Frank, foi adotada a Teoria
Normativa, também chamada de “Teoria Psicológico-Normativa”, que evolui em
relação àquela última, adicionando os elementos subjetivos e normativos do
tipo penal. A imputabilidade passa a ser um elemento da culpabilidade e não
mais mero pressuposto, além do que a presença de dolo ou culpa não são
mais suficientes, por si só, para justificarem a aplicação de penalidade. Passa a
ser preciso averiguar se era possível exigir do agente, naquelas condições
específicas, um agir conforme o direito. Neste momento, a inexigibilidade de
conduta diversa consiste em causa geral de exclusão da culpabilidade.
9 BIERRENBACH, Sheila. Teoria do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 194.
14
Agora, conforme essa criação doutrinária da época, a culpabilidade
passa a ser uma espécie de juízo de valor do sujeito, dirigida a certa intenção,
que demonstra-se contrária ao dever10.
A partir de 1931, com a obra de Hans Welzel, “Causalidade e Ação”,
abandonou-se de vez o causalismo, para dar lugar ao finalismo, que roga pela
investigação da essência real da ação humana. Parte-se do pressuposto de que
a causalidade, na verdade, é produto da inteligência humana, um raciocínio
mais complexo, porém, bem mais completo. A ação deixa de ser um mero ato
voluntário que gera uma modificação no mundo exterior, mas sim algo voltado
à realização de uma finalidade. Daí passa-se a analisar o elemento subjetivo,
dolo, já no tipo penal, cabendo ressaltar que esse dolo deixa de ser normativo
para se caracterizar apenas como natural. Na verdade, dolo e culpa deixaram
de ser formas da culpabilidade e passaram a ser elementos dessa
culpabilidade, num misto de elementos subjetivos-psicológicos e objetivos-
normativos11, o que permite sem qualquer contradição, a ocorrência de fato
carregado de dolo, porém, não culpável.
Cabe-nos ressaltar que alguns doutrinadores, que aqui destacamos
Marco Antonio Nahum, traz posição que faz espécie de divisão da própria
teoria normativa da culpabilidade, fazendo-a em: “normativa clássica e
finalista”12.
10 RODRIGUES, Cristiano. op. cit. pág. 56.
11 RODRIGUES, Cristiano. op. cit. pág. 57.
12 NAHUM, Marco Antonio R. Inexigibilidade de conduta diversa: causa supralegal: excludente de culpabilidade. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2001.
15
A mesma doutrina referida no parágrafo anterior, ensina que, para que
se reconheça a culpabilidade, requer os seguintes requisitos: normalidade do
sujeito; capacidade de culpabilidade e, que o fato típico praticado tenha
ocorrido em circunstâncias normais13.
O Professor Juarez Tavares, há bastante tempo, leciona que manter-se
o dolo na esfera da culpabilidade, tal como essa teoria, que o trata como
elemento psicológico-normativo, é erro dos mais graves, visto nos sistemas
causais modernos14.
Ainda tratando dos erros e problemas dessa teoria, ressalta-se que
permaneceu um problema, por deixar a culpa ainda sem a devida e composta
explicação, tal como ocorre com a tentativa, que vem carregada de dolo, mas,
tratada de modo diferente.
Para a culpabilidade restou à análise apenas dos elementos
normativos, quais sejam: a imputabilidade, a potencial consciência sobre a
ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa.
1.1.3) Teoria Normativa pura da Culpabilidade:
Surge com o advento do finalismo de Welzel, como solução para os
fracassos das teorias anteriores acerca do delito e, sua principal contribuição
para o Direito Penal reside na retomada e deslocamento do dolo e culpa para a
análise do próprio tipo penal, em sua tipicidade.
13 NAHUM, Marco Antonio R. ob. cit. pág. 54.
14 TAVARES, Juarez. Teorias do delito (variações e tendências). São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 1980.
16
Tal mudança trata do reconhecimento do dolo natural, integrante do
tipo penal, que diz sobre a vontade na prática do ato tipificado, com
consciência em tal ato praticado, independente do conhecimento ou não de
sua antijuridicidade15.
Melhor nos explica o Mestre Claudio Brandão, ao dissertar sobre o
porque do deslocamento do dolo para a tipicidade, que tem origem no conceito
de “ação” trazido pela Teoria Finalista:
“Como toda ação é vontade dirigida a um fim, por óbvio a
vontade dirigida a um fim é elemento da ação. Ocorre
que a referida vontade dirigida a um fim é o dolo; isto
posto, o dolo será um elemento da ação e não mais da
culpabilidade.” [BRANDÃO, Claudio. Direito Penal
Contemporâneo. Gilmar Mendes, Pierpaolo Cruz Bottini,
Eugênio Pacelli (coordenadores). São Paulo: Saraiva,
2011 (série IDP). pág. 207].
Alguns doutrinadores ainda afirmam que segundo essa nova
concepção trazida pela “teoria normativa pura”, a culpabilidade é a
possibilidade de o agente observado no fato criminoso, atual segundo o direito,
ou seja, adentrando na norma tipificadora de um delito e, só estaria livre de
penalização segundo aquela norma, caso escusado por questão de
inimputabilidade, desconhecimento da antijuridicidade do fato ou mediante
coação moral irresistível e, nesse diapasão, ainda complementam com os ditos
pressupostos da culpabilidade, que são: imputabilidade; potencial
conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa16.
15 BIERRENBACH, Sheila. Op. cit. pág. 198.
16 QUEIROZ, Paulo. Op. cit. pág. 328.
17
Não podemos deixar de frisar que essa é a teoria mais bem aceita ou
mesmo majoritária na doutrina brasileira, muito também devido a ser essa a
adotada em nosso ordenamento jurídico, notadamente no Código Penal, eis
que presente em diversos pontos do citado diploma, notadamente quanto a
presença do “dolo” no teor do tipo, como exemplo: o artigo 20 estabelece que
o erro quanto ao tipo, exclui justamente o dolo; também observamos a direção
dessa teoria na análise dos itens 17 ao 24 da Exposição de Motivos da Parte
Geral do Código Penal, segundo a reforma legislativa de 1984 (Lei 7.209).
1.1.4) Teoria Social da Ação:
A Teoria Social da Ação, ou para alguns apelidada de “dupla valoração
do dolo e culpa”, originada do pensamento de Eberhard Schmidt, por sua vez,
procurou englobar aspectos do causalismo e do finalismo, afirmando a ação
como fenômeno social, na tentativa de melhorar o causalismo. Defende-se aqui
que o dolo teria dupla posição, figurando no tipo penal como determinante a
direcionar o comportamento, mas presente também na culpabilidade, como
resultado do processo de motivação do autor.
Aqui, analisa-se de modo mais intenso a relevância social da conduta
sob foco, se é ou não carregada de permissão social, o que ultrapassaria,
inclusive, a ótica da conduta ser dolosa ou culposa e, sendo assim, poderia
uma conduta ser objetivamente tipificada no ordenamento penal, mas, se as
circunstâncias fáticas apontarem por sua relevância/permissão social, tal ato
praticado pelo agente seria atípico.
Tal Teoria teve alguns adeptos, dentre os quais, no Brasil, destacamos
Mirabete e, como principal crítica levantada contra esta, aponta precipuamente
para sua inutilidade prática, devido a demasiada abertura e sujeição a nuancias
na aplicação da lei conforme a localidade e seus costumes, ou mesmo pelo
18
aplicador da lei, eis que cada indivíduo é socialmente estruturado de modo
diferente, o que geraria insegurança jurídica, já que poder-se-ia considerar
determinada conduta como socialmente adequada, enquanto noutra parte de
nosso continental Brasil, o mesmo fato é repugnado por aquela sociedade.
No entanto, ainda temos diversos doutrinadores e jurisprudência que
defendem a aplicação desse instituto, como “Princípio da Adequação Social”,
atualmente, muitos chocaram-se pela sentença absolutória do Magistrado
Fluminense, André Nicolitt, no processo número 0056213-63.2010.8.19.0004.
1.1.5) Teoria Funcionalista:
Por fim, a Teoria Funcionalista, defendida por Claus Roxin, que em
1970, sustentou essa teoria em sua obra, Kriminalpolitik und Strafrechtssystem
(Política criminal e sistema jurídico-penal), partindo da premissa de que o
sistema jurídico-penal deve guiar-se pelas finalidades preventivo-gerais da
pena, bem como a política criminal do Estado.
Com base nessa teoria, torna-se mais fácil, ou pendente de menos
elementos, para que se configure o dolo e, assim, estar-se-ia protegendo mais
os bens jurídicos-penais, em desfavor da liberdade dos cidadãos, que está no
cerne do movimento finalista, que ao contrário do citado, dá mais importância
a liberdade, limitando o poder estatal. Porém, sob tal foco, a doutrina
funcionalista, embora mais limitadora da liberdade, o faz para sustentar a
defesa justamente dos bens jurídicos a serem protegidos, o que, segundo seus
defensores, é mais proveitoso para a sociedade de modo geral, face a
liberdade de um ou poucos indivíduos.
19
Tal posição encontra maior importância na sustentação do chamado
“dolo eventual”, atualmente em voga na sociedade brasileira e cotidianamente
ventilada, não somente nas cadeiras jurídicas, mas notadamente nas
explanações da mídia, muito quando da violência nos casos de crimes de
trânsito, o que pretende, na maioria das vezes, defender tal instituto e sua
teoria, para justificar a carência de penas adequadas a certos tipos, mesmo
que na modalidade culposa, porém, com gravosos resultados.
Denota-se na análise do funcionalismo, que a culpabilidade deveria ser
aferida, mediante critério científico-empírico e funcionaria como fundamento e
limite para a aplicação da pena, a coibir abusos do Estado, isso sem afastar-se
da política criminal, que sempre foi tratada longe da dogmática penal.
1.2) Excludentes de Culpabilidade
As causas que excluem a culpabilidade, quando reconhecidamente
presentes, excluem o próprio crime, visto que a culpabilidade configura-se em
elemento do mesmo, conforme pudemos observar das lições acima aduzidas.
Nesse caso, não haverá de se perquirir acerca de necessidade ou não de
imposição de pena, menos ainda quanto à sua dosimetria ou natureza.
Para o fim de tal análise, devemos recordar os elementos da
culpabilidade, quer sejam: 1) imputabilidade; 2) potencial conhecimento da
ilicitude do fato; e 3) exigibilidade de conduta diversa.
Continuando a dissertar sobre o tema, agora, faz-se necessário elencar
as causas excludentes da culpabilidade, conforme exposto pelo legislador
ordinário no Código Penal Brasileiro, seguindo-se a cronologia de tal diploma,
temos17:
17 JESUS, Damásio de. Op. cit. pág. 481.
20
1º. Erro de proibição [art. 21, caput, CP];
2º. Coação moral irresistível [art. 22, 1ª parte, CP];
3º. Obediência hierárquica [art. 22, 2ª parte, CP];
4º. Inimputabilidade por doença mental, desenvolvimento mental
incompleto ou retardado [art. 26, caput, CP];
5º. Inimputabilidade por menoridade penal [art. 27, CP];
6º. Inimputabilidade por embriaguez involuntária completa [art. 28, §
1º, CP].
O Prof. Damásio faz interessante correlação entre os elementos
expressos acima, indicando como cada uma das seis causas excludentes da
culpabilidade atuam, extinguindo a culpabilidade, em cada um dos seus
elementos18:
O erro de proibição atua junto a potencial consciência da
antijuridicidade, conforme norma do art. 21 e parágrafo único do CP;
A coação moral irresistível e a obediência hierárquica, ora tratados
respectivamente como 2ª e 3ª causas excludentes da culpabilidade, afastam a
culpabilidade pelo elemento da exigibilidade de conduta diversa;
A doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a
menoridade e a embriaguez involuntária completa excluem a imputabilidade,
nos moldes dos artigos 26, caput; 27 e 28 § 1º, todos do Código Penal, eis que
estão alocados no Título III – Da Imputabilidade Penal, desse diploma legal.
18 JESUS, Damásio de. Op. cit. pág. 482.
21
O expoente professor, Guilherme de Souza Nucci19 tem boa proposta
esquemática acerca das excludentes de culpabilidade e, em razão de
reconhecer a didática do método, nos valeremos de suas colocações, mesmo
que de modo a tecer breves considerações sobre o tema, para enfim chegar ao
objeto principal do presente estudo.
O autor subdivide tais excludentes em dois grandes grupos: aquelas
relativas ao agente e as referentes ao fato.
1.2.1) Quanto ao agente:
a) existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado (art. 26, caput, CP);
b) a embriaguez decorrente de dependência (art. 26, caput, CP);
c) menoridade (art. 27, CP);
d) dependente de drogas (art. 45, Lei 11.343/06).
Toda a discussão acerca da possibilidade de exclusão da culpabilidade
em causas referidas ao agente gira em torno da análise da imputabilidade
penal. Como visto, a imputabilidade constitui um dos elementos da
culpabilidade e inexistirá quando se concluir que o agente, na verdade, não
tinha capacidade de entender o caráter ilícito do fato praticado ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Assim, o binômio necessário à formação das condições pessoais do
agente imputável consiste em sanidade mental e maturidade. Ausente um
desses dois requisitos, não existirá crime.
19 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 295.
22
Não obstante a isso, esse agente pode ser sancionado penalmente,
com a aplicação de medida de segurança, se se verificar a necessidade de
cuidados terapêuticos, a fim de que ele possa conviver novamente em
sociedade sem constituir ameaça aos demais e isso, pode dar-se por
tratamento ambulatorial ou mesmo a internação forçada para o tratamento da
psicopatia, até cessar sua periculosidade.
O doente mental ou aquele que possua desenvolvimento mental
incompleto ou retardado é legalmente reconhecido como agente inimputável,
conforme artigo 26, caput, do Código Penal. O critério adotado pelo legislador
é o biopsicológico, pois, além de ser dotado da limitação físico-biológica, é
preciso ficar comprovado também que, ao tempo do fato, o agente era incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse
entendimento, o que requer perícia hábil em tal aspecto.
As doenças mentais estão elencadas na Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da
Organização Mundial de Saúde (ONS), e, constitui-se de quadro de alterações
psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas (v.g,
depressão) e outras psicoses. Já o desenvolvimento mental incompleto ou
retardado consistiria em uma limitada capacidade de compreensão do ilícito ou
na falta de condições de se autodeterminar, por não ter atingido a maturidade
intelectual e física necessária a tal, seja por conta da idade ou por alguma
característica particular.
Há, ainda, a situação da dependência do álcool, que gera embriaguez,
o que a doutrina vem incluindo na previsão do supracitado artigo do Código
Penal, tendo em vista que o alcoolismo trata-se de verdadeira doença mental.
23
Distinta é a situação daquele que se embriaga voluntariamente, em
sentido estrito ou na modalidade culposa, para a o qual a imputabilidade penal
não será considerada extinta, por força e decisão legislativa, conforme norma
do art. 28, II, CP. Em ambas as situações, o agente será responsabilizado
pelos seus atos, por força da teoria chamada de actio libera in causa, tendo em
vista que, ainda que ao tempo da ação ou omissão fosse inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito de sua conduta, sua ação foi livre na causa, ou
seja, o agente tomou a decisão livre e consciente de se embriagar.
Por fim, a mais evidente e polêmica das situações de inimputabilidade:
a menoridade. Conforme previsão do artigo 27 do Código Penal, todo menor
de 18 anos é presumidamente incapaz de entender o caráter ilícito de sua
conduta ou de determinar-se conforme esse entendimento. Aqui, o legislador
adotou o critério unicamente biológico e tal previsão tem sido objeto de
intensa discussão na sociedade e na própria doutrina. Muitos entendem que o
fato de se repetirem os crimes praticados por menores de 18 anos indica que
essa noção estaria ultrapassada, sendo necessária sua revisão. Outros, por sua
vez, sustentam que deve haver cautela no tratamento do tema, especialmente
diante da existência de um Estatuto da Criança e do Adolescente bastante
avançado, que acaba por não funcionar tão bem não em razão do seu texto
propriamente dito, mas por uma série de entraves de natureza estrutural,
inerentes ao nosso sistema jurídico e, ainda no sentido de favorecer aquela
norma de maior proteção ao menor de 18 anos, deve-se atentar para a norma
constitucional do art. 228 da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, que majoritariamente é aceita na doutrina e jurisprudência como
“cláusula pétrea”, daquelas espalhadas por toda a Carta Magna ou mesmo fora
dela.
24
1.2.2) Quanto ao fato:
1.2.2.1 - Causas Legais:
a) coação moral irresistível (art. 22, CP);
b) obediência hierárquica (art. 22, CP);
c) embriaguez completa decorrente de caso fortuito ou força maior (art.
28, §1º, CP);
d) erro de proibição escusável (art. 21, CP);
e) descriminantes putativas (art. 20, § 1º, CP);
São cinco as causas previstas em lei como excludentes da culpabilidade
relacionadas ao fato, que ora dissecaremos na forma retro:
A primeira delas foi prevista pelo artigo 28, inciso II, § 1º do Código
Penal. Trata-se da embriaguez completa involuntária, resultado de caso fortuito
ou força maior, que isenta de pena o agente que praticou a conduta em total
incapacidade de entender seu caráter ilícito, ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento.
Considera-se caso fortuito quando decorrente de modo acidental, ou
seja, o agente não sabia que estava ingerindo substância alcoólica ou mesmo
quando ingeriu consciente, porém, não tinha conhecimento de que ao ingerir
álcool, mesmo em pequenas quantidades, mas misturando-se a algum
medicamente que o agente faz uso, potencializa o efeito do álcool no
organismo, o que fugia da esfera de conhecimento desse agente, o que leva a
embriaguez completa20.
20 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Anotado. 10ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010. pág. 293.
25
Diz-se força maior quando a ingestão de álcool se dá por evento fora
do controle agente, normalmente quando terceiro o obriga a tal consumo, seja
por violência ou outra forma de compelir esse agente no consumo de álcool,
que gera a dita embriaguez21.
Da mesma forma, para o sujeito que agiu sob o efeito de substância
entorpecente de uso proibido (drogas), proveniente de caso fortuito ou força
maior, nos termos do artigo 45 da Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas).
As descriminantes putativas e o erro de proibição escusável,
normalmente são estudas em conjunto. Este último está previsto no artigo 21
do Código Penal e consiste no agir do agente que supunha a licitude de uma
conduta que, na verdade, contraria o Direito. Ressalta-se que alguns autores
discordam do termo “erro de proibição”, preferindo aquele empregado,
inclusive, no próprio Código Penal Brasileiro, quando da reforma de 1984, quer
seja “erro sobre a ilicitude” e, desses doutrinadores que mantém tal
nomenclatura, cabe-nos reforçar o entendimento da Ilustre Professora, Sheila
Bierrenbach, que naquela obra aqui já citada, Teoria do Crime, aduz que
prefere a última nomenclatura, não somente pela redação do Código Penal,
mas também por entender que está em conformidade com o fato de ser a
expressão erro sobre a ilicitude gênero, do qual se extrai as espécies, erro de
proibição direto, erro de proibição indireto e erro mandamental22.
Agora faremos breve exposição dessa subdivisão elencada pela
Professora Sheila Bierrenbach, a começarmos pelo conceito de erro de
proibição direto, que consiste no desconhecimento da norma proibitiva pelo
agente, ou seja, o agente não sabe que determinada conduta que praticou é
ilícita, tipificada como infração penal em nosso ordenamento jurídico penal.
21 NUCCI, Guilherme de Souza. ib idem. pág. 293-294.
22 BIERRENBACH, Sheila. Op. cit. pág. 221.
26
Passamos agora ao erro de proibição indireto ou erro de permissão,
que a autora considera como descriminante putativa e, sua conceituação seria
quando o agente pensa estar agindo amparado por alguma excludente de
antijuridicidade/ilicitude e, na verdade, não está sob tal amparo erroneamente
imaginado.
Finalizando aquele entendimento da Professora Bierrenbach,
elucidaremos, em apertada síntese, o dito erro de mandamento, que trata do
desconhecimento de norma penal mandamental, pelo agente, que impõe
determinada conduta de todos diante de certas situações e, quando o agente
deixa de observar tal norma cogente, acaba por incidir em tipo penal omissivo.
Em todos os casos aludidos, estará isento de pena, no entanto, apenas
se comprovada a inevitabilidade do erro, ou seja, que não era possível,
naquele contexto determinado, exigir-se do agente que tivesse consciência da
ilicitude. Já nas descriminantes putativas, previstas pelo artigo 20, parágrafo
único, deste mesmo diploma legal, também há uma situação de erro
inescusável, mas nesta o agente supõe, erroneamente, a existência de uma
causa de justificação que, se existisse, tornaria sua ação legítima. Vê-se que
em ambos os casos, exige-se que o engano esteja plenamente justificado pelas
circunstâncias de fato.
Por fim, a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, também
chamadas de causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de
outra conduta23, sendo ambas as hipóteses expressamente previstas pelo
artigo 22 do Código Penal.
23 GRECO, Rogério. op. cit. pág. 416.
27
A primeira delas, coação moral irresistível, trata-se da chamada vis
compulsiva, bastante diversa da coação física, essa que exclui a própria
conduta, eis que diretamente manipulada, vez que inexistente a manifestação
de vontade do agente.
Na coação moral insuportável, não é exigível que o agente resista a
ela, pois, o Direto não espera comportamentos anormais ou heroicos dos
cidadãos. Nesse caso, pune-se tão somente o coator, como autor mediato,
absolvendo-se o coato, que não passou de instrumento daquele e,
fundamenta-se na ausência de exigibilidade de conduta diversa.
Faz-se breve ressalva para o caso de ser a coação moral resistível, ou
seja, deveria o agente coato agir de modo diferente do que fez, ou seja,
conforme o direito, porém, mesmo não ocorrendo o afastamento de sua
culpabilidade, essa, como admite graduação, poderá o agente coato fazer jus a
causa de diminuição de pena, notadamente aquela do art. 65, III, “c” do
Código Penal.
Na segunda hipótese, obediência hierárquica, verifica-se quando uma
ordem, de legalidade duvidosa ou vestida como perfeitamente normal e legal,
é dada pelo superior hierárquico a seu subordinado. Note-se que a ordem não
pode ser manifestamente ilegal, ou seja, possui ao menos aparência de
legalidade, no entanto, não deveria ser cumprida e, se o for, o agente teria
responsabilidade sobre ela. Já quando houver dúvida sobre a legalidade da
mesma, não é exigível do agente subordinado que a descumpra, daí a isenção
de pena conferida a ele se a ordem gera agressão a bem jurídico de terceiro,
tutelado pelo Direito Penal.
28
Majoritariamente é reconhecida em relação jurídico-profissional de
direito público, ou seja, somente admissível no âmbito da Administração
Pública e seus agentes, no entanto, atualmente, é crescente a aceitação dessa
mesma benécie legal, quando em relações profissionais de direito privado, no
âmbito privado, até mesmo lastreado na isonomia que deve existir em todo o
ordenamento jurídico pátrio e, para aqueles que a admitem em tal relação
privada, considera-se o ocorrido, dentro daquela que é objeto central desse
estudo, as causas supralegais de exclusão da culpabilidade, já que absurda é a
afirmação de que somente em relações empregatícias estatais, há efetiva
hierarquia, eis que indiferente a realidade de nossa sociedade, notadamente
das relações profissionais na seara privada, que não raro, muito pelo contrário,
possui maior pressão hierárquica, até mesmo pela fragilidade da relação e
necessidade do “empregado” na manutenção do emprego.
1.2.2.2 - Causas Supralegais:
a) inexigibilidade de conduta diversa;
b) estado de necessidade exculpante;
c) excesso exculpante;
d) excesso acidental.
Aqui, cabe-nos acrescer posição do igualmente brilhante, Professor
Doutor Juarez Cirino dos Santos, que em uma de suas obras sobre o tema,
aqui já citada, traz situações de exculpação na modalidade supralegais, que
são: a) fato de consciência; b) provocação de situação de legitima defesa; c)
desobediência civil; e d) conflito de deveres24. Ressaltando que todos esses
serão especificados em tempo oportuno, no desenrolar do presente trabalho.
24 SANTOS, Juarez Cirino. op. cit. pág. 329.
29
Quando as condições pessoais não forem suficientes para excluir a
culpabilidade da conduta, pode haver situações nas quais a mera
caracterização do fato em si é capaz de revelar hipótese exculpante. Nesse
ponto, as causas excludentes se subdividem em legais e supralegais.
Ainda existe forte divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da
aceitação e até mesmo da existência das ditas causas supralegais de exclusão
da culpabilidade, ou seja, situações não previstas em lei que isentam o agente
de pena, não obstante tenha praticado conduta típica e antijurídica.
Em regra, os autores tratam do tema descrevendo a exigibilidade de
conduta diversa como um verdadeiro princípio geral da culpabilidade,
entendendo que a admissão de hipóteses supralegais deveria se dar dentro
desse contexto, argumentando que qualquer causa que demonstrasse que,
naquela situação determinada, o agente não tinha a opção de comportar-se de
modo diverso, poderia configurar causa supralegal de exclusão da
culpabilidade, justamente na modalidade inexigibilidade de conduta diversa,
seguindo-se posição não tão moderna, aquela de Freudenthal, quando da
elaboração da teoria normativa da culpabilidade25, eis que, não havendo, no
caso sob estudo, outra opção ao agente, de comportar-se do modo como
ocorreu, ou seja, contrário ao Direito, independente de previsão legal, não há
que se falar em reconhecer a culpabilidade do agente, mas ao contrário, há
que afastá-la, lastreado no próprio conceito de culpabilidade, já que a
inexigibilidade de conduta diversa é decorrente da própria culpabilidade26.
25 BIERRENBACH, Sheila. op. cit. pág. 235.
26 BRANDÃO, Claudio. Direito Penal Contemporâneo. pág. 208.
30
O Professor Damásio de Jesus possui entendimento congênere, de
aceitar a incidência de causas supralegais sempre que não for possível exigir-
se do sujeito, conduta diversa da praticada, conforme o caso em tela27, visto
que adepto da teoria que reconhece a exigibilidade de conduta diversa como
elemento da culpabilidade.
No entanto, há outras posições não menos privilegiadas pelo gabarito
de seus defensores, como por exemplo, do Professor Guilherme Nucci, que por
sua vez, elenca mais três causas supralegais exculpantes, quais sejam: o
estado de necessidade exculpante e os excessos exculpante e acidental.
O mesmo Nucci aceita e concorda em sua obra sobre a ocorrência e
validade do instituto da inexigibilidade de conduta diversa de forma autônoma,
ou seja, não somente naquelas causas previstas no diploma, precisamente nos
casos de coação moral irresistível e obediência hierárquica, previstas no artigo
22 do Código Penal28.
Referindo-se especificamente ao estado de necessidade, Zaffaroni e
Pierangeli29 explicitam a distinção entre aquele que funciona como causa de
justificação e o que se configura como exculpante. Primeiramente, esclarece
que tal distinção não viola o artigo 24 do Código Penal, o qual conceitua o
estado de necessidade como “aquela situação em que o agente pratica o
injusto penal para salvar direito próprio ou alheio, cujo sacrifício não se poderia
exigir, de perigo atual, que não provocou, nem de outro modo poderia evitar”.
27 JESUS, Damásio de. op. cit. pág. 483.
28 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. Ed. Revista dos Tribunais. 2010. pág. 240.
29 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 562.
31
Explicam que o estado de necessidade justificante seria aquele no qual
o mal causado é menor do aquele que se evita. Nos demais casos, a hipótese
seria de estado de necessidade exculpante, ou seja, a conduta até é
antijurídica, mas o agente não será culpável. Nesse sentido, Guilherme de
Souza Nucci30.
Quanto aos citados excessos, Nucci não faz tal nem qualquer distinção.
CAPÍTULO II
DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA
Como visto, a exigibilidade de conduta conforme o direito constitui
elemento da culpabilidade. Para que ocorra a inexigibilidade, como excludente
de culpabilidade, o agente, imputável, deve praticar uma ação típica e
antijurídica, sem que tenha condições de optar entre o cumprir o dever ou não
cumprir o dever de agir conforme a norma.
Analisando-se a inexigibilidade num contexto evolutivo, temos,
segundo parte considerada da doutrina, que ora destacamos Marco Antonio R.
Nahum, a divisão do instituto segundo três proposições: subjetiva, objetiva e
intermediária ou mista31.
No caráter subjetivo diz-se conforme Freudenthal, que a visão da
inexigibilidade dá-se de acordo com critérios ético-individual, o que traz critica
oposicionista pelo excesso trazidos, diante de ilimitadas possibilidades de
emprego daquela.
30 NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 252. 31 NAHUM, Marco Antonio R. op. cit. pág. 75.
32
Sob a égide objetiva temos limites estabelecidos para frear as
infinidades citadas acima, surgindo então o paradigma do chamado homem
médio, que será a base de verificação de justificação para o caso concreto. As
críticas aparecem justamente nesse paradigma, que seria demasiadamente
abstrato.
Face a tudo isso surge o critério misto, intermediário ou objetivo-
subjetivo, que traz a inexigibilidade como regulador supralegal em todos os
aspectos e elementos do crime. Diante da tipicidade e antijuridicidade verifica-
se num aspecto objetivo, enquanto na culpabilidade o critério é o
individualizado, subjetivo.
Sabemos que o sistema jurídico penal prevê uma série de preceitos
permissivos, que constituem situações fáticas excepcionais, para as quais o
legislador entendeu que prevaleceria o valor preservado pelo agente ao
praticar um injusto penal em desfavor de certo bem jurídico tutelado por
aquele tipo penal. Ou seja, é o ordenamento afirmando que, naquele contexto
excepcional, o dever-ser não é exigível. São as chamadas excludentes de
criminalidade.
As excludentes de culpabilidade, por sua vez, não constituem
permissivos, mas normas de compreensão, no sentido de que, para aquelas
condições externo-objetivas, o ordenamento jurídico não censura o ato
praticado, ainda que típico, reconhecendo que o agente não tinha o dever de
agir de maneira distinta.
Enfim, há quem afirme que a inexigibilidade estaria na origem de todas
as causas de justificação, porém, vista sob ângulos distintos, tamanha sua
importância e, comprovando-se tal assertiva, temos posição do Mestre Assis
Toledo:
33
“A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e
mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E
constitui verdadeiro princípio de direito penal. Quando
aflora em preceitos legislados, é uma causa legal de
exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal,
erigindo-se em princípio fundamental que está
intimamente ligado com o problema da responsabilidade
pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas
expressas a respeito” (TOLEDO, Francisco de Assis.
Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo.
Saraiva. 1994. pág. 328) [Grifamos].
2) Inexigibilidade como causa excludente de culpabilidade:
A inexigibilidade de conduta diversa como excludente da culpabilidade
restará configurada quando o agente atuar em contrariedade ao mandamento
normativo, porém, com sua culpa diminuída, em razão de forças exógenas,
particularmente imperiosas, que o impediram de agir conforme o direito. Para
tal, é preciso considerar a formação ético-individual daquele agente específico,
a fim de averiguar se naquela hipótese, o acontecimento externo revela-se
como força de fato imperativa, apta a desviá-lo do comportamento esperado
pelo sistema jurídico.
Nesta hipótese, haverá o reconhecimento de que o ato foi praticado
mediante restrição da liberdade ética ou de atitude diante do contexto, em
razão justamente das circunstâncias anormais ali verificadas. Desse modo,
impõe-se à ordem jurídica uma renúncia à punição deste agente, em virtude
da insignificância da culpabilidade representada naquele ato.
34
Sintetizando o entendimento, deve-se analisar no caso concreto ao
qual servir de foco de estudo, se era exigível do agente causador do injusto
penal, conduta diversa da praticada ou ainda, visualizando de modo contrário,
se fazia-se possível que nas circunstâncias e condições específicas que cercam
os fatos, que o agente agisse conforme o direito, conforme previu a norma
penal e, caso verifique-se que não era possível agir conforme o direito ou, que
é plenamente justificável o agente agir do modo como fez, há que se afastar a
culpabilidade desse agente, salvando-o de punição injusta.
Assim, só é reprovável o agente que comete determinado injusto penal
quando era possível dele exigir comportamento diverso, aquele conforme o
direito, daí surge a necessidade de ampliar a visão da culpabilidade, mais
precisamente em seu interior, quanto ao componente da inexigibilidade de
conduta diversa como autônomo àquele, quando mostrar-se necessário, sem
deixar de compor elemento da culpabilidade, ou seja, reconhecido o citado
instituto como princípio, independente de previsão legal expressa.
Nesse sentido, tendo em vista que, diferentemente de outros
ordenamentos jurídicos mais avançados, tal como absorvido pelo ordenamento
penal castrense (art. 39 CPM), a legislação penal brasileira comum não previu
a inexigibilidade de conduta diversa como causa geral de exclusão da
culpabilidade e, assim, faz-se necessário seu reconhecimento como causa
supralegal, eis que perfeitamente admissível o seu reconhecimento em nosso
ordenamento jurídico vigente, posto que, não há definição legislativa para o
conceito de culpabilidade, deixando tal encargo para a doutrina, que após
debruçar-se em inúmeras discussões acerca do presente tema, tornou-se
pacífico o entendimento de que é possível visualizar-se a inexigibilidade de
conduta diversa de modo autônomo, notadamente quando não for possível
aplicar-se outras excludentes, mesmo que em situações extremadas32.
32 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. pág. 240-241.
35
2.1) Posicionamento doutrinário favorável ao reconhecimento da
inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade:
Ressalta-se que boa parte da doutrina tem sustentado que, para além
das hipóteses de coação moral irresistível e obediência hierárquica, haveria
outras hipóteses – supralegais – de exclusão da culpabilidade com fundamento
na inexigibilidade de conduta diversa.
Ponto firmado versa que tal excludente só seria admitida em situações
excepcionais, quando não seja possível aplicar outras excludentes de
culpabilidade e se verificar a injustiça de eventual punição diante da
constatação de que, naquele caso concreto, o agente não poderia ter adotado
outra conduta, nos moldes já aludidos.
Diferentes autores, acompanhados pela jurisprudência nacional
posicionam-se no sentido da admissibilidade desta exculpante, entendendo-a
como verdadeiro princípio do direito penal e, lastreado na composição
teleológica do sistema jurídico brasileiro, há que se garantir a inexigibilidade de
conduta diversa como princípio supralegal, operando-se em todos os campos
onde estudado o delito, notadamente nas lacunas legais existentes, o que
encontra respaldo até mesmo no art. 4º da lei 4.657 de 1942, com as
modificações da lei 12.376 de 2010 (Lei de Introdução as Normas do Direito
Brasileiro) e, assim, reconhecendo-se o direito penal da culpa, seguindo-se os
ensinamentos do Mestre Marco Antonio Nahum33.
No mesmo sentido ilustra o Professor Damásio, que assim reza: “A
aplicação da teoria da inexigibilidade de conduta diversa como causa
supralegal de exclusão da culpabilidade encontra apoio na integração da lei
penal...” (JESUS, Damásio. op. cit. pág. 484).
33 NAHUM, Marco Antonio R. op. cit. pág. 84 e 98.
36
Cabe-nos reforçar essa posição, com a exposição conclusiva da
Professora Sheila Bierrenbach:
“A nosso juízo, inexiste impedimento para a aplicação da
inexigibilidade, como causa supralegal de exclusão da
culpabilidade. Impõe-se, entretanto, análise rigorosa das
circunstâncias que envolveram a prática do injusto.
Comprovada a anormalidade de tais circunstâncias, nada
obsta que se aplique a causa supralegal, absolvendo-se o
acusado” (BIERRENBACH, Sheila. op. cit. pág. 236).
Ainda nesse diapasão, temos o acompanhamento do renomado ícone
do Direito Penal pátrio, Professor Juarez Cirino, que assim disserta:
“...o reconhecimento progressivo de novas situações de
exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias
do fato e no princípio geral da inexigibilidade de
comportamento diverso parece tornar cada vez mais
difícil negar à exigibilidade a natureza geral de
fundamento supralegal de exculpação como categoria
jurídica necessária ao direito positivo vigente" (SANTOS,
Juarez Cirino dos. op. cit. pág. 320).
Como bem lesiona Paulo Queiroz, não há como negar o emprego da
inexigibilidade como causa supralegal, posto que, não há como o legislador,
por mais imaginoso que seja, contemplar em exposição legislativa todos os
fatos passíveis de escusa, até mesmo pela dinâmica social e a consequente
modificação, como também está em perfeita harmonia ao princípio da
culpabilidade34.
34 QUEIROZ, Paulo. op. cit. pág. 332.
37
2.2) Posicionamento doutrinário desfavorável ao reconhecimento da
inexigibilidade como causa supralegal excludente da culpabilidade:
Não obstante já demonstrado aquele posicionamento que
consideramos mais acertado, pela necessidade de reconhecimento da
inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da
culpabilidade, importante ressalvar o entendimento divergente, quase todo
baseado na argumentação de que tal reconhecimento teria como conseqüência
a insegurança jurídica, o que seria inadmissível, especialmente na seara do
Direito Penal.
O ilustríssimo e balizado Hans-Heinrich Jescheck é um dos
conceituados doutrinadores que não concorda que a inexigibilidade constitua
causa supralegal exculpante. Entende o nobre Mestre, que os conceitos devem
estar todos formalizados e legalmente fixados, sob pena de “uma debilitação
da eficácia de prevenção geral que corresponde ao Direito Penal e conduziria a
uma desigualdade na aplicação do Direito”. Afirma ainda que: “nas situações
difíceis da vida, a comunidade deve poder reclamar a obediência ao Direito
ainda que isso possa exigir do afetado um importante sacrifício”.35
Do mesmo modo, Claus Roxin rechaça essa possibilidade com base no
seu conceito de responsabilidade. Entende o renomado penalista que a
culpabilidade deve funcionar como princípio limitador da imposição penal, que,
por sua vez, deve estar sempre voltada à prevenção. Assim, só haveria
culpabilidade se houvesse necessidade preventiva (geral ou especial) da
sanção penal. A responsabilidade, por sua vez, constitui a conjugação da
necessidade de prevenção com a culpabilidade em si36.
35 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal – Parte general. Barcelona: Bosch, 1981. v. I. p. 688.
36 ROXIN, Claus. Derecho penal; parte general. Madri Ed. Civitas, 1997. pág. 960-961.
38
Assim, não é que Roxin rejeite a inexigibilidade de conduta diversa
como causa supralegal de exclusão, apenas, dentro da sua construção, tem-se
que ela exclui a responsabilidade e não a culpabilidade.
Nesse sentido, ainda disserta o citado doutrinador:
“Se se permitisse que a política-criminal do juiz decidisse
sobre a punibilidade de uma conduta, atentar-se-ia contra
a divisão dos poderes, assim como contra o princípio
constitucional de precisão e concreção, sendo em
consequência, inadmissível habilitar o juiz, em caráter
geral, para eximir de pena, sem base na lei, com ajuda de
uma fórmula vazia como a da inexigibilidade”37.
Por sua vez, Johannes Wessels, sustenta tal inadmissibilidade
afirmando que “a admissão geral de uma causa de exculpação como esta, vaga
e indeterminada no que diz respeito a pressupostos e limites, daria passo,
amplamente, à insegurança jurídica”.38 No entanto, não obstante a essa
negatória, o Autor admite a inexigibilidade como causa supralegal em
determinadas situações excepcionais.
Por derradeiro, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli
afirmam, em publicação conjunta, que “depois da Segunda Guerra Mundial,
(...) a inexigibilidade converteu-se em um perigoso argumento, com a
finalidade de exculpar crimes atrozes ou a participação neles”. Em relação ao
contexto brasileiro, mantêm a posição pela inadmissibilidade, in verbis:
37 QUEIROZ, Paulo. op. cit. pág. 332.
38 WESSELS, Johannes. Derecho penal – Parte general. Buenos Aires: De Palma, 1980. v. I. p. 126-127.
39
“Diante da vigente legislação positiva brasileira, e da
maneira como temos entendido as hipóteses de
inculpabilidade, cremos que se torna totalmente
desnecessária a busca de uma eximente autônoma de
inexigibilidade de conduta diversa, que pode ter atendido
a exigências históricas já superadas, mas cuja adoção,
hoje, prejudica toda sistemática da culpabilidade”39.
CAPÍTULO III
DA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
3.1) Da inexigibilidade de conduta diversa face o crime contra a
ordem tributária - Art. 168-A § 1º, I do Código Penal - não repasse
de recolhimentos previdenciários descontados de seus funcionários -
decorrente de dificuldades financeiras da pessoa jurídica:
A jurisprudência sobre o presente tema, não afasta a possibilidade de
ser adotada a causa supralegal na excludente de culpabilidade, oriunda da
inexigibilidade de conduta diversa do agente envolvido no caso concreto. O
que se discute são os parâmetros para adequação dos fatos à hipótese
normativa de exculpação.
Para a configuração da referida causa de exclusão, devem ser
observados três parâmetros, que são: a situação de dificuldade econômico-
financeira enfrentada pela empresa deve ter sido causada por fatores alheios à
vontade do agente; esta situação deve ser tão grave que justifique a utilização
das contribuições previdenciárias dos empregados; e deve estar configurado
extremo esforço de salvação da empresa por parte de seus sócios-gerentes,
39 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raul. op. cit. p. 562.
40
inclusive com sacrifício de bens, sejam da empresa ou particulares. É
necessário determinar qual o sentido da exigência de culpabilidade como limite
para a intervenção punitiva.
Visando eximir a pessoa do dever de realização que lhe é imposto
indiretamente, no conteúdo proibitivo da norma penal incriminadora, deve-se
analisar com objetividade, não podendo ser demasiadamente elástico, ao
ponto de desvincular a pessoa a quem é imputado o delito, nem tampouco
dissociar do contexto de valores da convivência coletiva.
Como as causas de exclusão supralegais não possuem previsão
expressa na lei, para o seu reconhecimento é necessário uma carga de
exigência maior, que deve ser analisada exaustivamente pelo julgador e
demais operadores do direito, conforme o caso concreto.
O tipo do art. 168-A, § 1º, I do CP é omissivo próprio. Verifica-se que o
núcleo objetivo do tipo é “deixar de repassar à previdência social as
contribuições recolhidas dos contribuintes...”; logo, o crime se perfaz com a
adequação da conduta omissiva à descrição do tipo, que se dá quando o
agente se abstém de recolher à previdência social os valores anteriormente
arrecadados, infringindo, assim, o dever implícito na norma incriminadora de
repassar aos cofres da previdência social as contribuições previdenciárias
descontadas dos salários pagos.
No tocante ao elemento subjetivo do tipo, por seu turno, o dolo se
consubstancia na vontade livre e consciente de deixar de repassar à
previdência social os valores correspondentes à contribuição previdenciária
descontados dos salários dos empregados, sendo desnecessária a
demonstração da inversão da posse, ou que o agente atue com o “animus rem
sibi habendi”.
41
Sendo assim, em se tratando de crime omissivo próprio para configurar
a conduta delitiva, basta à comprovação da ausência de repasse à Previdência
Social das contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal
convencional.
O que será analisado nos acórdãos seguintes, são os parâmetros
utilizados por nossos julgadores, para o reconhecimento da inexigibilidade de
conduta diversa.
3.1.1) Do reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa:
Apelação Criminal: 2006.51.01.525621-2
2ª Turma Especializada - TRF - 2ª Região
Relator - Desembargador Federal Messod Azulay Neto
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO
CRIMINAL - NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS DE EMPREGADOS -
ART. 168-A, § 1º, I, DO CP - DECLARADA, DE OFÍCIO, A
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ANTE A PRESCRIÇÃO
RETROATIVA DE ALGUMAS COMPETÊNCIAS - AUTORIA E
MATERIALIDADE COMPROVADAS - DIFICULDADES
FINANCEIRAS DEMONSTRADAS - INEXIGIBILIDADE DE
CONDUTA DIVERSA CONFIGURADA - RECURSO
PROVIDO.
I - Declarada, de ofício (art. 61 do CPP), a extinção da
punibilidade em relação às competências dos períodos de
02/98 a 10/98, 12/98 a 05/2000, ou seja, 29 (vinte e
nove) competências, ante a ocorrência da prescrição da
pretensão punitiva estatal na forma retroativa, tendo em
vista a pena aplicada na sentença (excluído o quantum
42
concernente à continuidade delitiva), bem como o
trânsito em julgado para a condenação, embora não
certificado nos autos, considerando-se, ainda, que entre
as datas dos fatos e o recebimento da denúncia
(16/06/2008 – fls. 166/167) transcorreu lapso temporal
superior a 8 (oito) anos (arts. 107, IV c/c 110, § § 1º e
2º, art. 109, IV, e 114, II, todos do Código Penal).
II - O crime previsto no art. 168-A, § 1º, I, do Código
Penal é crime omissivo próprio, e se perfaz com a
adequação da conduta omissiva à descrição típica penal,
quando o agente se abstém de recolher à Previdência
Social os valores anteriormente arrecadados, infringindo o
dever implícito na norma incriminadora de repassar as
contribuições previdenciárias.
III - Hipótese em que a defesa logrou comprovar
cabalmente as dificuldades financeiras enfrentadas pela
empresa ASSESSORIA TÉCNICA DE NAVEGAÇÃO E
COMÉRCIO EXTERIOR S/C, através de prova documental
e testemunhal idônea, o que autoriza as absolvições dos
ora apelantes, impossibilitados que estavam de agir
conforme o direito, reconhecendo-se a causa supralegal
de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de
conduta diversa.
IV - Apelo a que se DÁ PROVIMENTO.
Neste caso, o relator do acórdão, entendeu que a
materialidade do delito restou comprovada, conforme
Representação Fiscal para Fins Penais nº
35301.010304/2005-98, dando conta de que, em ação
fiscal levada a efeito na empresa ASSESSORIA TÉCNICA
DE NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO EXTERIOR S/C, constatou-
43
se que não foram recolhidas à previdência social as
contribuições previdenciárias descontadas dos salários
dos empregados, relativas ao período de 12/1995 a
06/2005, o que ensejou a lavratura da NOTIFICAÇÃO
FISCAL DE LANÇAMENTO DE DÉBITO – NFLD nº
35.771.318-4, no valor consolidado de R$ 467.829,85
(quatrocentos e sessenta e sete mil, oitocentos e vinte e
nove reais e oitenta e cinco centavos), valor que,
atualizado em junho de 2008, corresponde a R$
626.052,77 (seiscentos e vinte e seis mil, cinquenta e
dois reais e setenta e sete centavos).
Da mesma forma, a autoria restou evidenciada, eis que
aos apelantes cabia a responsabilidade pela gestão da
empresa, e também pelo repasse à previdência social das
contribuições descontadas dos pagamentos de seus
empregados, o que restou comprovado pelas alterações
contratuais acostadas aos autos e pelos teores dos
interrogatórios procedidos em sede policial e em juízo.
Destacando que o cerne da discussão, no presente
recurso, cinge-se à constatação da ocorrência ou não de
dificuldades financeiras da empresa, de forma a ensejar a
exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta
diversa, vez que sustentam os apelantes a ocorrência de
dificuldades financeiras que os impossibilitaram de honrar
seus compromissos.
Afirma que os apelantes, ao longo da instrução criminal,
trouxeram aos autos provas (testemunhal e documental)
aptas a corroborar as dificuldades financeiras alegadas.
Seja, através dos balanços patrimoniais da empresa
ASSESSORIA TÉCNICA DE NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO
44
EXTERIOR S/C, que demonstram, de forma contundente,
as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa,
evidenciando-se que a mesma acumulou prejuízos ano
após ano, durante todo o período constante da denúncia;
ou através de documentos outros que comprovam não só
as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa, mas
também o esforço dos ora apelantes em tentar
regularizar a situação da empresa junto à previdência
social, tendo aderido ao REFIS e oferecido bens à
penhora no valor de 5% do faturamento líquido mensal
da empresa, nos autos da execução fiscal nº
2006.51.01.527239-4, que tramita pela 1ª VEF, processo
através do qual é cobrado justamente o crédito fiscal
relativo à NFLD que ensejou o presente feito; ou ainda
pela prova testemunhal carreada aos autos que também
corrobora as dificuldades financeiras alegadas pelos
acusados, ressaltando a existência de diversas execuções
fiscais e ações de cobrança em face da empresa.
Por outro lado, salientou que as Declarações Anuais de
Imposto de Renda – Pessoa Física dos ora apelantes,
constantes dos Apensos 01 e 02, demonstram que a
situação financeira dos mesmos permaneceu estável
durante o período descrito na denúncia, não havendo
variação patrimonial significativa, bem como que os
valores percebidos junto à empresa ASSESSORIA
TÉCNICA DE NAVEGAÇÃO E COMÉRICO EXTERIOR não
eram os únicos que representavam os rendimentos
mensais dos acusados, já que percebiam também de
outra pessoa jurídica, no período em que a referida
empresa passava por dificuldades financeiras. Afirmando
45
que não vislumbra nas retiradas mensais a título de pró-
labore ocorridas no período em questão, motivo suficiente
para um juízo de reprovação, pois considero modesto o
valor de tais retiradas (R$ 5.000,00) em face do porte da
empresa, afigurando-se excesso de rigor pretender-se
exigir que o sócio não as faça em hipóteses como a
versada nestes autos, ante a questão alimentar envolvida.
Pondere-se, ainda, que o fato de a situação econômica do
sócio permanecer estável durante o período de severas
perdas sofridas pela sociedade, não torna
necessariamente reprovável a conduta tipificada no art.
168-A, eis que, no presente caso concreto, verificou-se
que os acusados participavam de outro empreendimento,
de modo que os maus resultados apresentados pela
ASSESSORIA TÉCNICA DE NAVEGAÇÃO E COMÉRICO
EXTERIOR podem ter sido compensados pelo
desempenho da outra empresa.
Destarte, na hipótese sob exame, convenço-me da
existência de reais dificuldades financeiras enfrentadas
pela empresa, aptas a lastrear a exclusão da
culpabilidade dos ora apelantes, por inexigibilidade de
conduta diversa e, embora restem comprovadas autoria e
materialidade delitivas, ficou também evidenciado que os
mesmos não podiam agir de acordo com o comando
implícito na norma penal, o que afasta a culpabilidade.
Ora, não se pode exigir que uma empresa se desfaça de
bens implicados na sua atividade fim para a quitação de
débitos que serão devidamente cobrados através de
mecanismos próprios (a execução fiscal), havendo que se
refletir sobre o custo social em que tal exigência traria
46
para o Estado, com a interrupção das atividades de mais
um centro de geração de empregos e rendas no País,
além do desestímulo ao cidadão empreendedor.
Isto posto, reconheço a ocorrência da prescrição em
relação às competências dos períodos de 02/98 a 10/98 e
12/98 a 05/2000, conforme fundamentação acima
expendida, para declarar, de ofício (art. 61 do CPP), a
extinção da punibilidade e, no mérito, DOU PROVIMENTO
AO RECURSO interposto para reformar a sentença
impugnada, absolvendo os apelantes VLAMIR LOPES
CARDOSO e MURILO CESAR BERRINI DA FONSECA, com
fulcro no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, da
prática do crime previsto no art. 168-A, § 1º, inc. I c/c
art. 71, ambos do Código Penal.
Como anteriormente afirmado, a análise de dados, conta
com certa subjetividade, visto que o julgamento desta
apelação, para que fosse dado provimento, foi proferido
por maioria.
O voto vencido do Desembargador Federal André Fontes,
que tem como ementa:
Em se tratando de crimes fiscais, descabe o acolhimento
da tese de inexigibilidade de conduta diversa, se os
responsáveis pela pessoa jurídica em dificuldades
financeiras não provam ter sacrificado o seu patrimônio
pessoal para “salvar” a sociedade.
O eminente Desembargador, em que pese o
entendimento do Relator, entende que os elementos
contidos nos autos não permitem acolher a tese da
inexigibilidade de conduta diversa.
Afirma que não se pode olvidar que a sociedade
47
administrada pelos apelantes “naufragou” em dívidas.
Não tendo dúvidas, quanto a isso.
Entretanto, entende que a controvérsia reside,
exatamente, na falta de comprovação de que teriam os
apelantes, enquanto administradores da sociedade em
crise, empreendido todos os esforços para a regularização
da situação financeira da pessoa jurídica, Não há
qualquer notícia de que os réus tenham se desfeito de
qualquer bem da sociedade com o fim de obter recursos
para a quitação da dívida fiscal, tampouco de que tenham
sacrificado seu patrimônio pessoal.
O que se vê, a bem da verdade, é a emersão financeira
dos sócios, que apresentaram acréscimo patrimonial. As
declarações de renda dos apelantes denotam um quadro
de estabilidade financeira, especialmente se analisadas
em comparação com o valor do crédito tributário
constituído. O réu Vlamir Lopes Cardoso, por exemplo,
possui imóvel avaliado em R$1.000.000,00 (um milhão de
reais)!
Motivo pelo qual entendeu que a sentença deveria ser
mantida em sua integralidade, uma vez, que não
demonstradas, à saciedade, os requisitos para a
configuração da causa supralegal de excludente de
culpabilidade, a inexigibilidade de conduta diversa.
Neste caso concreto, pode-se observar que mesmo diante
das dificuldades financeiras da empresa, os sócios em
nenhum momento, mesmo fazendo jus a recebimentos
de outras pessoas jurídicas, deixaram de receber os seus
pro-labores. Mesmo diante de uma estabilidade financeira
e patrimonial, não sacrificou qualquer bem para salvar a
48
pessoa jurídica, das dívidas. Ao contrário, utilizou-se de
valores, que foram descontados dos seus funcionários,
sem que demonstrasse ser tal ato indispensável para a
continuidade da empresa.
Por mais, que sejamos favoráveis à aplicação da causa
supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade
de conduta diversa, não vislumbramos neste caso, atos
que efetivamente dê sustentabilidade para tal
reconhecimento.
Vale ainda destacar, o valor social e a importância dos
recolhimentos para a Previdência Social, seja para o
funcionário (a fim de comprovar os seus recolhimentos,
para fins de benefícios), seja para a autarquia, que
abarca uma série de benefícios assistenciais, um dos
motivos pelos quais, deve tal excludente ser aplicada em
casos efetivamente indispensáveis, para que não figure
como estímulo ao não repasse dos recolhimentos
previdenciários.
3.1.2) Do NÃO reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa:
O não reconhecimento da inexigibilidade como causa supralegal de
exclusão de culpabilidade, é bem mais comum em nossos tribunais, visto que,
em regra, as empresas não repassam tais valores por má administração e não
por fundamento em qualquer dos parâmetros utilizados:
PENAL. APELAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. MATERIALIDADE DELITIVA E
AUTORIA COMPROVADAS. ESTADO DE NECESSIDADE E
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO
49
CARACTERIZADOS. CONTINUIDADE DELITIVA. APELO
MINISTERIAL PROVIDO.
1. A materialidade delitiva encontra-se devidamente
comprovada. O recorrido, na qualidade de sócio-gerente
da empresa, deixou de recolher ao INSS, no período de
julho de 1995 a julho de 1996, as contribuições
arrecadadas de seus empregados, conforme NFLD não
impugnada, procedimento fiscal, do qual ciente o réu via
correio, e folhas de pagamento de salário.
5. A inexigibilidade de conduta diversa não restou
configurada. Referida exculpante é teoria aplicável não
apenas às situações previstas no Código, tal como a
coação moral irresistível, mas também a fatos que, por
analogia, representam uma situação em que o
comportamento lícito não era humanamente exigível
(causas supralegais).
6. A existência de dificuldades financeiras, em tese, não
caracteriza causa supralegal de exclusão da culpabilidade.
Entretanto, cabe ao magistrado, no caso concreto, avaliar
se o conjunto probatório, cujo ônus de produção é da
defesa, dá mostra de excepcional gravidade da situação a
justificar a absoluta falta de alternativa ao não-
recolhimento das contribuições, e, assim, autorizar a
aplicação da excludente.
8. O risco de insucesso é sempre indissociável da
atividade empresarial, não ensejando a mera existência
de dívidas o reconhecimento da inexigibilidade de
conduta diversa para a prática delitiva, pois não pagar
tributo bem pode demonstrar indiferença ao
adimplemento das obrigações tributárias, ou propósito de
50
inadimplir ou postergar o pagamento de dívidas, e não
necessariamente impossibilidade de fazê-lo;
9. Desta forma, não basta a existência de dívidas, é
necessário que a insolvência ou falência da empresa não
possa ser atribuída à má gestão dos administradores e,
ainda, que não tenham estes dado causa, ou aproveitado,
à crise, para aumentar o patrimônio pessoal em prejuízo
dos credores, fisco e trabalhadores;
(…) (grifos nossos)
(TRF3. Quinta Turma. Apelação Criminal
200161160008924. Rel: Des. Federal Baptista Pereira.
Publicado em 30/06/2009)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. NÃO RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A C/C O
ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E
AUTORIA DEMONSTRADAS. DIFICULDADES
FINANCEIRAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.
INOCORRÊNCIA. DOLO ESPECÍFICO. NÃO EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO. CONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE
DIREITOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. COMPETÊNCIA
DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS. APELAÇÃO NÃO
PROVIDA.
1. Constitui a infração descrita no art. 168-A do Código
Penal, deixar de repassar à Previdência Social as
contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e
forma legal ou convencional. 2. Autoria e materialidade
suficientemente demonstradas. 3. Inocorrência de
situação de inexigibilidade de conduta diversa. As
dificuldades financeiras aptas a ensejar o acolhimento da
51
causa supralegal de exclusão de culpabilidade alegada -
inexigibilidade de conduta diversa - são aquelas
decorrentes de circunstâncias imprevisíveis ou invencíveis
que tenham comprometido ou ameaçado, inclusive, o
patrimônio pessoal do sócio gerente, sendo necessária a
produção de provas no sentido da impossibilidade de
atuar em conformidade com o que determina a norma
penal, ônus esse que cabe à defesa (art. 156/CPP). 4. O
crime de apropriação indébita não exige para sua
consumação o dolo específico, consistente no animus rem
sibi habendi. 5. O pedido de conversão da pena restritiva
de direitos, consistente na prestação de serviços à
comunidade, por outra, deverá ser dirigido ao juiz da
execução, nos termos dos arts. 66, V, "a", 148 e 149, III,
todos da Lei nº 7.210/84, que melhor avaliará os termos
e as condições relativas ao pedido. 6. Apelação não
provida. (grifos nossos).
(TRF1. Quarta Turma. Apelação Criminal
200638010050716 . Rel: Des. Federal Hilton Queiroz.
Publicado em 22/02/2010)
PENAL E PROCESSO. EMBARGOS INFRINGENTES EM
APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA
PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL.
AUTORIA COMPROVADA. DESNECESSIDADE DA
COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. DIFICULDADES
FINANCEIRAS NÃO COMPROVADAS. CONDENAÇÃO
MANTIDA.
1. Crime de apropriação indébita previdenciária.
2. Não é possível reconhecer a causa supralegal de
exclusão de ilicitude de inexigibilidade de conduta diversa
52
em razão de dificuldades financeiras que, além de não
serem contemporâneas aos fatos, não foram tão graves a
ponto de colocar em risco a própria existência da
empresa e não divergem daquelas que são comuns a
qualquer atividade de risco.
3. A inexigibilidade de conduta diversa, ademais, deve ser
esporádica, momentânea, e não uma situação habitual e
prolongada indefinidamente por anos a fio, sendo que a
entidade e o autor do delito devem utilizar todos os meios
legalmente possíveis para tentar saldar sua dívida para
com a Previdência, inclusive lançando mão do patrimônio
pessoal do sócio imputado criminalmente, desde que sem
privá-lo de sua subsistência.
4. Não há prova do desfazimento do patrimônio pessoal
dos sócios ou mesmo da alienação espontânea do
patrimônio da empresa a fim de saldar o débito (…)
(grifos nossos).
(TRF3. Primeira Seção. Embargos Infringentes e de
Nulidade 200461810050244. Rel: Des. Federal Henrique
Herkenhoff. Publicado em 13/08/2010).
Conforme anteriormente anunciado, restou perfeitamente demonstrado
a pouca incidência do reconhecimento da causa supralegal de exclusão da
culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, nos crimes contra a ordem
tributária (art. 168-A, § 1º, I, CP), em regra pela não comprovação dos fatos
que ensejariam tal exculpante, visto que cabe a Defesa o ônus da prova.
Enfim, nos julgados que não reconheceram a exculpante, por não ter
sido comprovado nos autos do processo de instrução, fatos que efetivamente
demonstrasse que o acusado não realizou o recolhimento das contribuições
53
previdenciárias, por circunstâncias imprevisíveis e invencíveis, entendo que o
fizeram de forma correta. Visto que, por ser uma causa supralegal deverá ser
aplicada em casos excepcionais, em especial nos casos de contribuições
previdenciárias, seja pelo valor social da mesma, para o funcionário, seja para
a autarquia, seja como forma de não incentivar os administradores a não
cumprir com os deveres legais.
3.2) Da inexigibilidade de conduta diversa sob o prisma do porte
ilegal de arma de fogo – Art. 14 da Lei 10.826 de 2003 [Estatuto do
Desarmamento]:
Diante de toda a assertiva explanada anteriormente, e pelo
conhecimento acerca do instituto ora debatido, quer a utilização de causas
supralegais na excludente de culpabilidade, gerando inexigibilidade de conduta
diversa do agente envolvido com a questão fática, culminando com sua
absolvição, passaremos ao debate e análise de sorteado Acórdão advindo do
Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, precisamente de sua 7ª Câmara
Criminal, quando do julgamento da Apelação Criminal nº 2008.050.00949,
decidida em sessão do dia 30 de setembro do ano de 2008, nos moldes da
ementa que abaixo alocamos:
2008.050.00949 - APELAÇÃO - 1ª Ementa
DES. MAURILIO PASSOS BRAGA - Julgamento:
30/09/2008 - SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL – TJRJ
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. O Apelante foi
denunciado pela prática da conduta tipificada nos artigos
14, 15 c/c art. 20, todos da Lei nº 10.826/03, tendo a
sentença de fls. 213/215 julgado parcialmente procedente
o pedido para, com base no inciso I do art. 386 do C.P.P.
c/c art. 23 do C.P., absolver o Apelante quanto ao crime
54
previsto no art. 15 da Lei nº 10826/03, condenando-o,
apenas, pelo crime previsto no art. 14 c/c art. 20 do
mesmo diploma legal, fixando-lhe, inicialmente, a pena
de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, no valor unitário
mínimo, devendo a primeira ser cumprida no regime
aberto. Segundo se extrai dos autos, o Apelante, que é
Sargento da Aeronáutica e morador da localidade
denominada Cosmorama, Edson Passos, Município de
Mesquita, teria recebido um telefonema de sua amiga
Letícia da Conceição Felício, pedindo-lhe ajuda, vez que
teria ido a uma boate denominada Rio Sampa, situada na
Estrada Rio-São Paulo e estaria passando mal. Por serem
aproximadamente 4:00 h da madrugada e a boate situar-
se em local perigoso, o Apelante resolveu prevenir-se
contra eventuais agressões de marginais que agem na
citada localidade (Via Dutra), munindo-se de um revólver
que tinha adquirido legalmente, cuja autorização de porte
já havia requerido, mas que ainda não tinha sido
deferida. Quando estava levando a referida. Srta. Letícia
para socorro médico, percebeu a presença de uma
motocicleta com duas pessoas com postura de que iriam
submetê-los a crime de roubo, e então, apanhou o já
referido revólver e fez dois disparos para o alto, o que fez
com que os ocupantes da motocicleta se afastassem mas,
em contrapartida, chamou a que cuida o art. 14 da Lei
nº 10.826/03. Entretanto, como é público e notório, o
Estado tem se mostrado totalmente impotente para
combater, de forma eficaz, a bandidagem, não se
podendo, assim, exigir que um cidadão de bem, desarme-
se e assuma a condição de presa fácil para a
55
marginalidade, como já ocorreu inclusive com autoridades
públicas, apesar da escolta que as acompanhava. O
conjunto probatório nada contém que possa autorizar o
reconhecimento do menor desvio comportamental do
Apelante que, ao contrário, ciente de que estava
sonolento, transferiu a direção do veículo àquela pessoa a
quem fora prestar socorro. Por derradeiro, temos que o
Apelante restou absolvido do crime referente à dação de
tiros em via pública, ao argumento de que ele teria agido
em legítima defesa. A manutenção da condenação pelo
porte de arma significaria incorrer em verdadeira
contradição. Há que ser dado provimento ao recurso
para, na forma do disposto no inciso VI do art. 386 do
C.P.P., absolver o Apelante por inexigibilidade de conduta
diversa. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, NA FORMA
SUPRA.
Assim, verificamos que o tema central trazido nos Acórdãos supra
relatados pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Maurílio Passos Braga, a
época membro daquela Colenda Câmara, está em perfeita consonância ao
proposto para este capítulo e, a partir dessa leitura basilar, dissecaremos o
tema “Das causas supralegais como forma de inexigibilidade de
conduta diversa”, sob os diversificados focos, da concordância e
discordância, não somente pelos termos apresentados no julgado, mas
conforme o entendimento de toda a doutrina e jurisprudência adotadas no
País, nos moldes que ora inicia-se:
56
3.2.1) Da incidência e aceite das causas supralegais como geradora
da inexigibilidade de conduta diversa no crime de porte ilegal de
arma de fogo – Art. 14 da Lei 10.826 de 2003; A violência como
justificativa para o porte de armas inicialmente ilegal:
Como se depreende da leitura do julgado, vê-se que foi aceito a
intenção original da Defesa, quando pretendeu a absolvição do Réu, levando-
se em conta o receio da violência empregada pela escalada criminosa, que
justificou todo o ato praticado pelo acusado, notadamente pelo apelo da
violência que sofremos todos, diuturnamente.
Não é novidade tal tentativa defensiva, de justificar certos atos como
defesa antecipada da violência que realmente assola nosso País, porém,
somente nos últimos tempos que nossos Tribunais passaram a adotar tal
escusa, desde que bem apresentada e realmente demonstrada nos autos,
revelando a ocorrência real, como se trouxesse a busca pela verdade real, em
perfeita consonância a realidade social com a qual convivemos diariamente.
Demonstra-se que nossos julgadores estão antenados para todas as
angúrias sofridas pela população em geral, que no caso específico, está na
ausência do Estado em atuar sobre o campo da Segurança Pública, que há
muito nos afeta diretamente.
Assim, diante de caso concreto como o aqui discutido, em que o Réu
encontra-se em situação de perigo, mesmo presumido, mas em perfeita
consonância ao medo que assola o “homem comum”, nos moldes do referido
julgado, já que o Réu decidiu apoderar-se de arma de fogo que detinha a
posse legítima, inclusive já requisitado o devido porte legal da arma de fogo,
sob aquela argumentação, que, ao menos nesse caso, merece nossos
aplausos.
57
Que o Réu agiu em perfeita comodidade aos princípios da
razoabilidade, já que somente decidiu descumprir mandamento estatal, aquele
do art. 14 da Lei 10.826 de 2003, visando prestar auxílio à pessoa de seu
conhecimento, se analisarmos concomitante a toda violência que aflige a
região onde se deu todo o incidente, notadamente a Rodovia Presidente Dutra
(Via Dutra), tanto que o Réu acabou sofrendo tentativa de investida criminosa,
rechaçada justamente pelo uso daquela arma de fogo.
Assim, verificada a pertinência do alegado, face aos fatos trazidos a
análise nos autos, notada a veracidade de caso em que não se podia exigir
comportamento diferente do Réu, mesmo que baseado em justificativa alheia
ao ordenamento positivo pátrio, já que, tal instituto não pode ficar restrito a
capacidade do legislador em prever possibilidades de inserção da
“inexigibilidade de conduta diversa”, que deve ser analisada em cada caso
concreto pelo aplicador da lei, que, aliado a todos os fatos e condições que
circundam o caso, decidirá, se é ou não passível de aplicabilidade, óbvio,
dentro de uma razoabilidade, tal como integralmente fundamentada a decisão
de sua concessão, não somente pela obrigatoriedade constitucional, mas pela
exigência que o próprio instituto traz como escopo, eis que notadamente de
cunho subjetivo.
No caso ora debruçado, restou perfeitamente demonstrada a aderência
do Réu àquele instituto exculpante, merecendo prosperar toda a intenção
demonstrada nos autos, que norteiam a motivação de ver o Réu absolvido, já
que, restou inequívoca a condição do Réu, amedrontado, baseado em fatos
igualmente inequívocos, num quadro social de enorme violência, que
possibilitou o aceite pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, da condição
daquele porte de arma, mesmo que teoricamente ilegal, já que plenamente
justificado, por todos os caracteres que circundaram o fato.
58
Sendo assim, nos moldes desse julgado, de posição acertadíssima,
mostra-se perfeitamente ajustado a realidade de uma sociedade em constante
movimento, na qual não se pode esperar que o legislador vislumbre todas as
possibilidades, infinitas, de situações passíveis de justificação, face a não
exigência de outra conduta por parte do cidadão, que tornara-se Réu.
Faz-se breve ressalva para o aceite unânime daquela câmara criminal
revisora, que reconheceu e concedeu provimento ao recurso interposto,
reformulando-se a sentença impugnada para, desde esse julgado, absolver o
Réu.
3.2.2) Da afastabilidade das causas supralegais como forma de
inexigibilidade de conduta diversa no crime de porte ilegal de arma
de fogo – Art. 14 da Lei 10.826 de 2003; Inaceitação, sob pena de
fomentar o armamento da população:
APELAÇÃO CRIME. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL. Nº
70020221156. COMARCA DE MONTENEGRO. TJRS.
CARLOS GUSTAVO KETTERMANN. APELANTE.
MINISTÉRIO PÚBLICO. APELADO.
APELAÇÃO-CRIME. PORTE ILEGAL DE ARMA PERMITIDA.
CONDENAÇÃO MANTIDA.
Materialidade e autoria provadas pelos autos de prisão
em flagrante (fl. 05/08), apreensão (fl. 09), porte de
arma vencido (fl. 13), laudo pericial (fl. 23) e prova oral
colhida. O réu confessou a existência do fato, dizendo
que tinha arma para sua segurança, pois seu
equipamento de competição esportiva possui valor
elevado e sua casa já foi assaltada algumas vezes. Tinha
o porte de arma, mas este estava vencido e não foi
59
regularizar a situação devido a dúvidas ao teor da nova
legislação. Os fatos alegados não foram demonstrados.
Cumpre ressaltar que o porte está vencido desde 1997,
provando assim sua negligência não regularização.
PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE ATIPICIDADE DO
FATO POR AUSÊNCIA DE LESIVIDADE SOCIAL OU
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.
Não há de se falar em atipicidade de conduta por não
causar lesividade ao bem jurídico. Este tipo de delito é
represado justamente para que inocorra este tipo de
resultado, sendo crime de mera conduta. Quanto à
inexigibilidade de conduta diversa, não há como
reconhecer, mesmo provadas as ocorrências de furtos na
residência do acusado, posto que tais situações não
autorizam o porte de forma irregular, bastando, para
tanto, que ocorra devida regularização. Apelo improvido.
Aqui paira a intenção daqueles que não admitem tal excludente, não
pela aplicação em si do instituto das “causas supralegais de excludente de
culpabilidade”, mas somente rechaçam sua incidência nos tipos penais em
comento, quando alegada fundamentação na situação de violência, tal como
no caso em tela. Faz-se tal assertiva, em negar aplicabilidade, justificando-se
na geração, mesmo que hipotética, de fomento ao armamento da população,
eis que grande parcela dessa está sob a incidência direta ou indireta da
violência urbana de modo intenso, o que geraria espécie de barbárie.
Óbvio que qualquer análise deve atentar-se profundamente as
características do caso, de modo bem específico, por todos os elementos
existentes e que circulam o fato e suas motivações, ou seja, deve-se atentar
para todo o aspecto subjetivo levado no caso.
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No presente julgado, oriundo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, tal como na maioria dos fatos paritários que chegam à análise e
julgamento em nossos Tribunais, não restou demonstrada a necessidade de
exculpação por aquele instituto, já que vivemos num Estado de Direito, onde
jamais pode-se permitir que retire-se do Estado aquela atuação precípua de
velar pela paz e segurança social, sendo cabível a esse e mais ninguém, claro
que ressalvado os casos excludentes de antijuridicidade, atuar para levar aos
seus cidadãos a segurança pública, tal como sua sensação.
Nesses termos, não se pode aceitar que qualquer cidadão que não seja
merecedor do porte legal de arma de fogo, nos moldes e anseios do diploma
normatizador desses casos específicos, Lei 10.826 de 2003, tal como seu
regulamento, no Decreto 5.123 de 2004, saia pelas ruas portando armas de
modo marginal a lei, independente do quão vulnerável a violência urbana, até
mesmo porque, determinada pessoa que não está devidamente habilitada para
o manuseio e/ou porte de uma arma de fogo, com toda certeza leva ainda
maior perigo àqueles que o cercam, inclusive elevando a insegurança e
possibilidade de riscos ao próprio e a esses, contrariando aqueles que
defendem tal tese, já que aumenta até mesmo a violência urbana.
Devemos atentar que a própria Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, precisamente em seu art. 144, “caput”, traz a
responsabilidade estatal pela segurança pública, nesses moldes:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito
e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”
(Grifamos).
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Mais adiante, a Carta constitucional elenca os órgãos estatais que
atuam diretamente da segurança pública, reforçando que cabe somente ao
Estado oferecê-la, sob pena de vivenciarmos um estado sob a égide da
barbárie, quase de modo anarquista, ao aceitarmos que qualquer cidadão
arme-se para sua própria defesa.
Nesse sentido, no presente julgado, foi reconhecidamente refutada
aquela intenção da Defesa, o que nos parece equivocado, pelos fundamentos
já resumidos nos parágrafos inaugurais desse capítulo, que ficam sintetizados
no aceite por setor do Estado, justamente aquele que visa aplicar regras para o
bom convívio, harmônico, de todos no meio social, Poder Judiciário, permitindo
e até fomentando que, independente das mazelas sociais no campo da própria
segurança pública, por ineficiência da atuação estatal, que pessoas das mais
diversas possam circular pelos seus pares portando armas de fogo para
pretensa proteção, o que já verificou-se em inúmeras outras situações que é
recomendado, contrário, possibilita ainda maiores violências.
Assim, não somente observando o aspecto jurídico, no campo da
aplicação quase que irrestrita do direito positivo, no caso o art. 14 da Lei
10.826 de 2003, como forma até mesmo de controle estatal sobre a violência,
corolário aquela norma constitucional do art. 144, mas também se verificarmos
todos os aspectos sociais, extremamente prejudiciais a todos, se permitirmos a
burla a lei, sob a falsa premissa de afastar-se a culpabilidade do agente que
estaria sob a incidência da violência urbana.
Sendo assim, no presente julgado ora debatido, entendem alguns
doutrinadores que restou justa aquela decisão da colenda câmara criminal, que
impossibilitou a absolvição do Réu, reconhecendo a sentença de 1º grau, para,
no caso específico, de afastar o cidadão normal, “de bem”, do fácil acesso as
armas de fogo e, se prospera-se o pleito defensivo, geraria maiores danos,
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pelo fomento a tal atitude por parte dos demais na sociedade, armando-se
para afugentar a violência, que é e deve continuar sendo competência
exclusiva do Estado.
CONCLUSÃO
Assim, diante desta breve exposição conceitual acerca do tema
inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da
culpabilidade, é possível concluir que se trata de seara controvertida, porém,
de suma importância nos tempos atuais.
No tópico logo acima, dedicado à análise jurisprudencial acerca do
instituto, a relevância deste estudo fica ainda mais clara. De qualquer sorte,
faz-se necessário, desde já, demonstrarmos nosso posicionamento pela
admissibilidade de tal hipótese.
O juízo de censura da conduta aferida no plano da culpabilidade está
diretamente relacionado com o desvalor da mesma de acordo com a
personalidade do agente. Se no caso concreto analisado, houver circunstância
anormal, exógena, que imponha ao agente determinado comportamento como
único viável, ainda que típico, verificar-se-á a exculpante, eis que é esse seu
objetivo, como verdadeiro resultado do princípio da culpabilidade.
Portanto, se a situação fática é de inexigibilidade, entende-se que o
“homem normal” não deixa de estar motivado a agir conforme o direito, porém
as circunstâncias anormais o impedem de agir deste modo. Além disso, na
ponderação entre o desvalor da conduta praticada em si e as causas
circunstanciais como valor, este último prepondera.
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Por óbvio, mostrou-se mais coerente a posição de defesa de aplicação
do instituto penal objeto desse estudo, pois, o ordenamento jurídico não pode
ficar engessado, a espera de movimentação do Poder Legislativo, ainda mais
no atual cenário político do Brasil, sem falar na notória e costumeira falta de
técnica legislativa, então, guardada os devidos cuidados, pela verificação dos
critérios necessários para o reconhecimento da inexigibilidade.
Ressalta-se que mesmo que estivéssemos diante de magnífico seio
político, não há como prever e alocar em norma legal, todas as espécies e
possibilidades de situações fáticas de exculpação, sem falar na constante
evolução de nossa sociedade, que nos traz fatos novos praticamente a cada
dia.
Também não podemos deixar de citar a maior eficiência técnico-
jurídica dessa posição doutrinária, favorável a aplicação da inexigibilidade, eis
que corolário a todo o ordenamento jurídico e doutrina mais moderna,
notadamente quanto ao princípio da culpabilidade e as garantias contidas na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Assim, resta claro que para se atingir o justo, faz-se necessário dar
tratamento diferenciado a situações distintas. Só assim, verifica-se efetivo
respeito ao tão festejado princípio da igualdade. O reconhecimento da
inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da
culpabilidade é, sem dúvida, instrumento desse princípio.
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