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A INFLUÊNCIA ESTRANGEIRA NA CONSTRUÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA Maria Auxiliadora Castro e Camargo Procuradora Federal, representante da Escola da Advocacia Geral da União, mestre em direito agrário e em direito constitucional e doutoranda em direito constitucional pela Universidade de Salamanca. RESUMO: O presente estudo tem o objetivo de demonstrar a influência estrangeira na formação do modelo brasileiro de jurisdição constitucional. Através da análise histórico- comparatista identifica a opção do Constituinte pela importação dos modelos clássicos e sua peculiar forma de adaptação ao direito brasileiro. A leitura teórica dos elementos caracterizadores dos sistemas históricos de justiça constitucional é útil para comprovar que sua introdução no direito brasileiro provocou uma transformação do caráter original dos institutos, visando atender às particularidades da construção do sistema brasileiro. Na sua segunda fase, o estudo avalia os mecanismos processuais utilizados para a concretização da jurisdição constitucional brasileira, concluindo que até mesmo os institutos genuinamente nacionais podem ser interpretados à luz do direito comparado. Finalmente, expõe a evolução da jurisprudência constitucional que, fundamentada na experiência européia assume, na atualidade, importância decisiva na definição do modelo brasileiro de jurisdição constitucional. SUMÁRIO: 1 Considerações introdutórias; 1.1 Controle jurisdicional e judicial; 2 A formação do modelo brasileiro; 3 Constituição de 1934: a regra do full bench e o controle em abstrato; 4 Sobre as ações constitucionais; 4.1 Instrumentos do controle em abstrato; 4.2 Instrumentos do controle difuso; 4.2.1 Mandado de segurança; 4.2.2 mandado de injunção; 5 Sobre os efeitos vinculantes no direito brasileiro; 6 O stare decisis e o papel do senado; 7 Considerações finais. 1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS A Constituição brasileira completa 20 anos de vigência comemorando o maior período de vida democrática no Brasil desde a proclamação da República. Hoje, os brasileiros podem olhar para sua história constitucional e constatar inumeráveis situações nas quais o objetivo do Constituinte de 1988 transformou concretamente o País na direção da democracia, da liberdade e do respeito à dignidade e à cidadania. Daí a importância de comemorar seu aniversário porque ele representa a emancipação da sociedade brasileira que avança a cada dia na busca de sua maturidade. Apesar da compulsão com a qual vem sendo emendada nesses 20 anos –já são mais de 60 Emendas incluídas as de revisão- a Constituição vem cumprindo o papel de promover uma estabilidade institucional. Claro que existiram períodos difíceis na vida política do País, mas mesmo nesses períodos as soluções foram buscadas dentro da própria ordem constitucional que, desta forma, saiu vitoriosa. Numa pequena retrospectiva percebemos que com apenas três anos de vigência da nova Carta brasileira, o primeiro Presidente da República, eleito pelo voto direto após sua promulgação, foi destituído através de um processo de impeachment (influxo do direito americano); elegeu-se um Presidente de oposição; existiram vários escândalos de corrupção que provocaram exoneração de ministros, demissão de juízes e cassação dos mandatos de deputados e senadores, etc. Mas, em todos esses episódios, as soluções

A Influencia Estrangeira Na Construcao Maria Auxiliadora

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O presente estudo tem o objetivo de demonstrar a influência estrangeira naformação do modelo brasileiro de jurisdição constitucional. Através da análise históricocomparatistaidentifica a opção do Constituinte pela importação dos modelos clássicos esua peculiar forma de adaptação ao direito brasileiro.

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  • A INFLUNCIA ESTRANGEIRA NA CONSTRUO DA JURISDIO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

    Maria Auxiliadora Castro e Camargo

    Procuradora Federal, representante da Escola da Advocacia Geral da Unio, mestre em direito agrrio e em direito constitucional e doutoranda em

    direito constitucional pela Universidade de Salamanca.

    RESUMO: O presente estudo tem o objetivo de demonstrar a influncia estrangeira na formao do modelo brasileiro de jurisdio constitucional. Atravs da anlise histrico-comparatista identifica a opo do Constituinte pela importao dos modelos clssicos e sua peculiar forma de adaptao ao direito brasileiro.

    A leitura terica dos elementos caracterizadores dos sistemas histricos de justia constitucional til para comprovar que sua introduo no direito brasileiro provocou uma transformao do carter original dos institutos, visando atender s particularidades da construo do sistema brasileiro.

    Na sua segunda fase, o estudo avalia os mecanismos processuais utilizados para a concretizao da jurisdio constitucional brasileira, concluindo que at mesmo os institutos genuinamente nacionais podem ser interpretados luz do direito comparado.

    Finalmente, expe a evoluo da jurisprudncia constitucional que, fundamentada na experincia europia assume, na atualidade, importncia decisiva na definio do modelo brasileiro de jurisdio constitucional.

    SUMRIO: 1 Consideraes introdutrias; 1.1 Controle jurisdicional e judicial; 2 A formao do modelo brasileiro; 3 Constituio de 1934: a regra do full bench e o controle em abstrato; 4 Sobre as aes constitucionais; 4.1 Instrumentos do controle em abstrato; 4.2 Instrumentos do controle difuso; 4.2.1 Mandado de segurana; 4.2.2 mandado de injuno; 5 Sobre os efeitos vinculantes no direito brasileiro; 6 O stare decisis e o papel do senado; 7 Consideraes finais.

    1 CONSIDERAES INTRODUTRIAS

    A Constituio brasileira completa 20 anos de vigncia comemorando o maior perodo de vida democrtica no Brasil desde a proclamao da Repblica. Hoje, os brasileiros podem olhar para sua histria constitucional e constatar inumerveis situaes nas quais o objetivo do Constituinte de 1988 transformou concretamente o Pas na direo da democracia, da liberdade e do respeito dignidade e cidadania. Da a importncia de comemorar seu aniversrio porque ele representa a emancipao da sociedade brasileira que avana a cada dia na busca de sua maturidade.

    Apesar da compulso com a qual vem sendo emendada nesses 20 anos j so mais de 60 Emendas includas as de reviso- a Constituio vem cumprindo o papel de promover uma estabilidade institucional. Claro que existiram perodos difceis na vida poltica do Pas, mas mesmo nesses perodos as solues foram buscadas dentro da prpria ordem constitucional que, desta forma, saiu vitoriosa.

    Numa pequena retrospectiva percebemos que com apenas trs anos de vigncia da nova Carta brasileira, o primeiro Presidente da Repblica, eleito pelo voto direto aps sua promulgao, foi destitudo atravs de um processo de impeachment (influxo do direito americano); elegeu-se um Presidente de oposio; existiram vrios escndalos de corrupo que provocaram exonerao de ministros, demisso de juzes e cassao dos mandatos de deputados e senadores, etc. Mas, em todos esses episdios, as solues

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    foram buscadas dentro da prpria ordem constitucional, que, assim, saiu fortalecida resultando no aparecimento de um embrionrio sentimento constitucional no sentido que lhe d LUCAS VERDU.

    Claro que para ser efetiva e respeitada como norma superior a Constituio brasileira previu formas de garantia, dentre as quais destacamos as tcnicas de controle de constitucionalidade que vem sendo aprimoradas no decorrer da histria brasileira, mas que tampouco esto completamente consolidadas. Neste tema, o que se pode constatar que o Brasil tem desenvolvido um sistema complexo cujos elementos importados dos sistemas clssicos vm sendo introduzidos de modo absolutamente peculiar. So exatamente essas particularidades que pretendemos aqui demonstrar e para alcanar esse objetivo valer-nos-emos do mtodo histrico-comparativo utilizando dos conceitos contrapostos de sistema difuso versus sistema concentrado e de controle concreto versus controle abstrato, sendo que os dois primeiros (difuso-concreto) exprimem a influncia recebida dos sistemas anglo-saxnicos, e os segundos (concentrado-abstrato) representam a influncia sofrida pelo sistema kelseniano-europeu.

    1.1. CONTROLE JURISDICIONAL E JUDICIAL

    Como a maioria dos pases que reconheceram a Constituio como norma jurdica suprema, o Brasil adotou o controle de constitucionalidade definido como jurisdicional e repressivo. Considerando, ainda, que no Brasil, o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judicirio, podemos dizer que alm de jurisdicional -como no sistema europeu- o controle de constitucionalidade brasileiro tambm judicial.

    Entretanto, ao verificarmos com ateno a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 (CRFB) constatamos que a opo do Constituinte pelo controle jurisdicional no excluiu completamente a fiscalizao poltica e preventiva de forte tradio no direito brasileiro.

    Essa fiscalizao, em regra, exercida pelo prprio Poder Legislativo na fase de elaborao da lei, atravs de Comisses permanentes denominadas de Comisses de Constituio e Justia, a quem cabe verificar a constitucionalidade dos projetos submetidos ao seu exame. O Presidente da Repblica tambm pode fazer esse tipo de controle atravs do veto por razo de inconstitucionalidade. Sem embargo, a existncia desses mecanismos de controle poltico da constitucionalidade, no descaracteriza a classificao do ordenamento brasileiro no controle das normas como jurisdicional que combina elementos do controle difuso-concreto, com outros do sistema concentrado-abstrato segundo os prottipos nascidos nos Estados Unidos e na ustria, respectivamente.

    A construo da jurisdio constitucional brasileira foi realizada sobre os alicerces desses dois modelos clssicos de Justia Constitucional: o primeiro, difuso, incidental e em espcie, influenciado pelo modelo norte-americano, que se originou dos ideais federalistas e republicanos emergidos com o incio da Repblica e materializados na Constituio de 1891; o outro, concentrado, principal e abstrato, influenciado pelo modelo kelseniano, introduzido gradual e lentamente a partir da Constituio de 1934, quando, ento, o sistema brasileiro poderia ser caracterizado como um sistema hbrido1 de controle da constitucionalidade das leis2.

    1 A propsito da hibridao dos modelos cf. PEGORARO, Lucio. A circulao, a recepo e a hibridao dos modelos de justia

    constitucional. Traduo para o portugus de Maria Auxiliadora Castro e Camargo. Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, Ano 42, n. 165, jan-mar 2005, pp. 59-76.

    2 Ressaltamos que grande parte doutrina brasileira admite a introduo do modelo concentrado de jurisdio constitucional apenas com o advento da Emenda Constitucional n 16, de 1965, que instituiu a ao direta de inconstitucionalidade com o nome de representao de inconstitucionalidade. Outros, com os quais concordamos, entendem que foi o constituinte de 1934 que, com a representao interventiva,

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    Enquanto o Direito Comparado se ocupa com a categorizao dos estilos de se fazer a Justia Constitucional -que a cada dia se transforma e se estende pelo mundo atravs de formas cada vez mais variadas e complicadas- a maioria da doutrina brasileira vinha aceitando pacificamente a convivncia dos dois modelos histricos clssicos e qualificando como misto o sistema jurisdicional sem se preocupar com a preponderncia de um sobre o outro3. Porm, o atual momento histrico-constitucional tem colocado em xeque essa classificao tradicional.

    Claro que a classificao abrigada de forma simplista pela doutrina nacional, no impede que outras classificaes, elaboradas segundo os mtodos de Direito Comparado4, venham inserir o peculiar modelo brasileiro de jurisdio constitucional dentro do panorama geral do constitucionalismo no mundo contemporneo. Sem embargo, a insero do ordenamento brasileiro dentro de um macro quadro comparativo que considere as semelhanas e diferenas com outros ordenamentos, especificamente no que se refere estrutura do rgo judicial encarregado de controlar as leis, s fases do controle, tcnicas de julgamento, efeitos da deciso, etc., no caberia neste singelo trabalho.

    Assim, preferimos delimitar nossas consideraes demonstrando a influncia que os modelos clssicos de controle difuso-incidental (norte-americano) e concentrado-principal (austraco) exerceram na seara da construo da jurisdio constitucional brasileira e como sua propagao e adaptao determinaram a preponderncia de um sistema sobre o outro ao longo da histria, de modo a colocar em crise a classificao tradicional.

    2 A FORMAO DO MODELO BRASILEIRO

    A formao do constitucionalismo brasileiro, na sua origem, acolheu o pensamento constitucionalista predominante na Europa do incio do sculo XIX. A primeira Constituio outorgada em maro de 1824, pelo Imperador Dom Pedro I, foi inspirada na Constituio real francesa de 1814, que por sua vez, sofreu inegvel influncia de Montesquieu na organizao da justia francesa.

    Na forma como foi adaptada da doutrina francesa, a Constituio de 1824 criou um quarto poder denominado poder moderador concebido pelo pensador e poltico francs

    que introduziu no Brasil o controle concentrado, o qual, at hoje, permanece em sede constitucional (art. 34, VII e 36, III 3 da CF/88). A propsito cf as palavras de Nilson Vital (NAVES, Nilson Vital. O Superior Tribunal e a Questo Constitucional. Revista dos Tribunais. So Paulo, v. 797, ano 91, p. 28-42, mar. 2002) para quem: as primeiras sementes foram as disposies constitucionais de 1934 acerca da representao interventiva (ou seja, editada pelo Senado lei sobre a interveno federal, esta s se efetivava depois que o Supremo, mediante a provocao do Procurador-Geral da Repblica, tomasse conhecimento da lei do Senado e lhe declarasse a constitucionalidade, conforme rezavam os arts. 41, 3., e 12, 2.. "Cuidava-se", nas palavras de Gilmar F. Mendes, "de frmula peculiar de composio judicial dos conflitos federativos"). Eis a o que se denominou de sistema misto, que s se converteu em plena realidade quando se introduziu, no ano de 1965, em nosso sistema jurdico, por obra e raa da EC 16, a ao de inconstitucionalidade, competindo ento ao Supremo Tribunal processar e julgar, originariamente, "a representao contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da Repblica" (redao dada alnea k do art. 101, I, da Constituio de 1946). negritos nossos -.

    3 Nesse sentido confira na obra coletiva: ALMEIDA FILHO, Agassiz; PINTO FILHO, Francisco Bilac M. (Coord.) Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006, o artigo de George Salomo Leite: Constitucionalismo e Jurisdio Constitucional p. 426, que admite uma hibridao ampla dos sistemas nos seguintes termos: No Brasil, o sistema de defesa da Constituio incorpora todas as caractersticas acima expostas, de modo que ele pode ser tido como difuso e concentrado, preventivo e repressivo, incidental e direto, subjetivo e objetivo. Tambm na obra coletiva: RAMOS TAVARES, Andr; ROTEMBURG, Walter Claudius. (coord). Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: Recurso extraordinrio e argio de preceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 2003, cf. os artigos de Andr Ramos Tavares: Perfil constitucional do recurso extraordinrio p. 6, e o de Marcelo Figueredo. O controle de constitucionalidade: algumas notas e preocupaes, p. 180. Nos manuais: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. So Paulo: Atlas, 2004, p. 607; SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 53. etc, etc.

    4 A propsito cf. em lngua portuguesa: CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed., reimp. Traduo de Aroldo Plnio Gonalves e reviso de Jos Carlos Barbosa Moreira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999; PEGORARO, Lcio. A Justia Constitucional no quadro do constitucionalismo contemporneo. Traduo para o portugus de Maria Auxiliadora Castro e Camargo in: ALMEIDA FILHO, Agassiz; PINTO FILHO, Francisco Bilac M. Constitucionalismo e Estado. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 430-451. Do mesmo autor em idioma italiano: Lineamenti di giustizia costituzionale comparata. Torino: G. Giappichelli, 1998; em espanhol cf. GARCA BELAUNDE, Domingo; FERNNDEZ SEGADO, Francisco: La jurisdiccin constitucional em Iberoamrica. Madrid: Dykison, 1997, e em italiano e espanhol: FERNNDEZ SEGADO, Francisco. La giustizia costituzionale nel XXI secolo (il progressivo avvicinamento dei sistemi americano ed europeo-kelseniano) La justicia constitucional ante el siglo XXI (la progresiva convergencia de los sistemas americano y europeo-kelseniano), n. 5 della Center for Constitutional Studies and Democratic Development Lecture Series, Bologna: Libreria Bonomo editrice, 2003.

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    de origem sua Benjamin Constant e que pela primeira vez no mundo das constituies seria positivado numa Carta Poltica5.

    No havia, ento, o controle de constitucionalidade das leis porque o sistema constitucional vigente no era favorvel criao de uma justia constitucional, primeiro porque toda possibilidade de interferncia dos juzes na esfera do Poder Legislativo era incompatvel com o princpio da diviso de poderes; segundo, porque era no Poder Moderador que repousava a defesa da Constituio6. Esse Poder Moderador era privativamente delegado ao Imperador7 e s a ele competia, por imposio natural, o controle da legalidade, a suprema inspeo, como supra poder8. Seu principal objetivo era de equilibrar9 a ao dos demais poderes, neles intervindo quando houvesse rompimento ou desequilbrio, o que justificava a sua inviolabilidade. A influncia ento recebida da Frana, no permitia ao Judicirio, pelas razes histricas conhecidas, examinar a constitucionalidade dos atos legislativos, cabia-lhe apenas a aplicao das leis.

    Contudo, iriam os brasileiros adotar outro esquema afastando-se da doutrina francesa, para adotar a posio de poder-dever de exercitar o controle judicial das leis. Isso aconteceu na ltima dcada do sculo XIX, com o surgimento da Repblica. Era a doutrina americana que ento se incorporava ao sistema constitucional brasileiro.

    At no final do sculo XIX, enquanto predominou no Brasil a influncia do pensamento poltico-constitucional europeu, a influncia norte-americana era praticamente inexistente. Entretanto, com a proclamao da Repblica, que abandonou o padro francs de organizao poltica, fez-se sentir a forte influncia norte-americana quanto forma de Estado Federal, a Repblica e o Presidencialismo. At o nome era parecido: Estados Unidos do Brasil.

    A criao republicana do Supremo Tribunal Federal tambm se baseou na Corte Suprema Americana, tanto em relao s competncias, como em relao composio, forma de investidura, garantias e impedimentos. Tambm sob a ntida influncia do sistema constitucional norte-americano, a Constituio republicana de 1891 inaugura o sistema de controle de constitucionalidade difuso ou incidental, tpico do sistema do Common Law, da jurisdio universal (judicial review) que tambm havia influenciado outros pases latino-americanos como o Mxico de 1847 e a Argentina de 1860.

    Contudo, enquanto nos Estados Unidos o controle de constitucionalidade surgiu por meio da jurisprudncia da Suprema Corte, no Brasil surgiria positivado no artigo 59 da Constituio de 1891, que cuidava da competncia do Supremo Tribunal Federal. Porm, o direito positivo se absteve de tambm introduzir mecanismos jurdicos que permitissem aos tribunais e principalmente ao STF a plena efetividade da funo de controlar a constitucionalidade das leis.

    5 o que esclarece Paulo Bonavides (BONAVIDES, Paulo. A evoluo constitucional do Brasil. Disponvel em:

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000300016 acesso em 08.02.08). 6 Cf. SILVA, Jos Afonso da. O controle de constitucionalidade das leis no Brasil. In:GARCA BELAUNDE, Domingo, FERNNDEZ

    SEGADO, La jurisdiccin constitucional em Iberoamrica, op. cit., pp. 389-407. 7 O Poder Moderador era exercido pelo Imperador cumulativamente com o Poder Executivo, sobrepondo-se aos demais em abrangentes

    atribuies. A teor do artigo 15, VIII competia ao Poder Legislativo Fazer as leis, interpret-las, suspende-las e revog-las. Contudo toda e qualquer proposio do Legislativo s adquiria fora de Lei aps a sano do Poder Moderador.

    8 Opinio de OTHON SIDOU, Jos Maria. Habeas corpus, mandado de segurana, mandado de injuno, habeas data, ao popular: as garantias ativas dos direitos coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 44.

    9 Observamos que o referido objetivo de equilbrio entre os poderes era combatido dentro da Assemblia Constituinte de 1823, dissolvida pelo Imperador exatamente por tentar limitar os poderes do monarca. As palavras do deputado Jos J. Carneiro de Campos, ao comentar sobre o direito de sano do Imperador, explanava sobre um poder poltico do monarca: o poder moderador que, segundo ele, tratar-se-ia de um poder exclusivo do monarca, que lhe caberia para vigiar os demais poderes polticos. Cf. ANNAES do Parlamento Brasileiro, Assemblia Constituinte de 1823, Rio de Janeiro: Hyppolito Jos Pinto & Cia., 1876, pp. 161-171, sesso de 26 de junho de 1823.

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    Embora a Constituio de 1891 tenha previsto o habeas corpus como instrumento de proteo do cidado contra violncia ou coao, por ilegalidade ou abuso de poder, esse no tinha o alcance de controlar a constitucionalidade da lei. J, o Mxico, inspirado no habeas corpus do comomm law, criou o jucio de amparo10 a fim de proteger os direitos constitucionalmente garantidos aos cidados contra os atos administrativos e jurisdicionais permitindo expressamente a no aplicao da lei reputada no constitucional.

    Arraigada que estava no Brasil a influncia do sistema europeu-continental da civil law, era difcil a implantao um efetivo controle de constitucionalidade das leis, j que a importao de novo modelo constitucional exigia uma profunda transformao na cultura jurdica11. Desta forma, apesar de a doutrina brasileira tentar defender a teoria da nulidade da lei declarada inconstitucional e a obrigao dos rgos estatais de se absterem de aplicar disposio que teve a sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal12, os prprios juzes, de formao privatstica, relutavam em controlar os atos dos demais poderes.

    Nos Estados Unidos, o sistema de controle de constitucionalidade, fundamentalmente, baseado no common law, teve fora institucional suficiente para dar eficcia s decises da Suprema Corte baseado na regra do stare decisis e, ainda que essa regra l no fosse dotada com o mesmo rigor com o qual era aplicada na Inglaterra, serviu para dar estabilidade ao controle de constitucionalidade norte-americano.

    Entretanto, no Brasil, o stare decisis no teve condies de sedimentar-se considerando que num sistema jurdico centrado no direito positivo, no era propcio ao surgimento de forma espontnea de uma jurisprudncia mais rigidamente vinculante. Esse antagonismo natural obsta a aceitao de uma vinculao imperativa dos juzes aos precedentes superiores, mesmo em face do Supremo Tribunal Federal. Por esse motivo, ainda que a Constituio republicana tenha adotado o controle difuso ou incidental na sua forma pura, a importao do modelo norte-americano no teve fora suficiente para ser completamente implantada no Brasil.

    Deste modo, as alteraes referentes ao controle constitucional paulatinamente iro abandonar o modelo norte- americano, que lhe deu inspirao inicial, para voltar sua ateno para os pases europeus que adotaram o modelo concentrado-abstrato, mesmo que a doutrina brasileira, atravs do gnio de Ruy Barbosa insistisse em importar os

    10 Cf. artigos 101 e 102 da Constituio Federal dos Estados Unidos Mexicanos de 1857 que influenciaram, dentre outros, na criao do

    recurso de amparo pelo artigo 36 da Repblica de El Salvador de 1886, e que tambm seria constitucionalizado na Espanha em 1931. No Brasil, ainda hoje, no existe um instrumento defensivo direto dos direitos fundamentais previstos na Constituio.

    11 LIMA LOPES esclarece que a importao do modelo constitucional norte-americano se d para uma cultura saturada de familiaridade com instituies europias, citando exemplos como o Direito Administrativo inspirado na Frana, o Direito Civil de longa inspirao alem e o processo claramente inquisitorial, escrito e cartorrio nos moldes do velho processo romano-cannico europeu. Apesar de reconhecer a influncia inglesa inspiradora de nossos liberais na criao do Tribunal do Jri nos crimes contra a vida, cita que a instituio do inqurito policial demonstra o quo longe estvamos do modelo do commom law (Cf. LIMA LOPES, Jos Reinaldo. O direito na histria: lies introdutrias.So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 368).

    12 Cf., nesse sentido: BITTENCOURT, Lcio. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis. Braslia: Ministrio da Justia, 1997 (Edio fac-simile da: 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 144) e CERQUEIRA, Marcelo. A Constituio e o direito anterior: o fenmeno da recepo. Braslia: Cmara dos Deputados. Coordenao de Publicaes, 1995, p. 40, para quem o prembulo do Decreto 848, de 11 de novembro de 1890 -cuja autoria se atribui a Ruy Barbosa- deixava bem claro a inspirao americana na organizao do Poder Judicirio: O poder de interpretar as leis, disse o honesto e sbio juiz americano [Itlico no original. Referncia ao Chief Justice Marshall e ao imortal caso Marbury v. Madison], envolve necessariamente o Direito de verificar se elas esto conforme ou no a Constituio, e neste ltimo caso cabe-lhe declarar que elas so nulas e sem efeito. Por esse engenhoso mecanismo consegue-se evitar que o legislador, reservando-se a faculdade de interpretao [Referncia expressa ao citado artigo 15, VII da Constituio do Imprio], venha a colocar-se na absurda situao de juiz em sua prpria causa. Ainda o mesmo prembulo que definia o papel do novo Judicirio afirmando que: [...] a Magistratura que agora se instala no pas, no um instrumento cego ou mero intrprete dos atos do Poder Legislativo. Antes de aplicar a lei cabe-lhe o Direito de exame, podendo dar-lhe ou recusar-lhe sano se ela lhe parecer conforme ou contrria lei orgnica [...] A est a profunda diversidade de ndole, que existe entre o Poder Judicirio, tal como se achava institudo no regime decado e naquele que agora se inaugura, calcado sobre os modelos democrticos do sistema federal. De poder subordinado, qual era, transforma-se em poder soberano.

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    preceitos tericos e jurisprudenciais do direito norte-americano, defendendo a teoria da inexistncia jurdica ou da ampla ineficcia da lei declarada inconstitucional13.

    Diante da ausncia da regra do stare decisis e sem uma ferramenta processual que emprestasse a fora de lei do direito alemo (Gesetzeskraft) era necessrio buscar outras solues para generalizar a deciso com uma eficcia erga omnes efetivamente vinculadora, que envolvesse inclusive os agentes do Estado, a fim de dar estabilidade ao controle mediante a formao de um padro de constitucionalidade.

    Essa fora vinculadora comearia, ainda que timidamente, a ser introduzida a partir da Constituio de 1934, mas, diferentemente dos Estados Unidos no se dar por intermdio da vinculao da jurisprudncia e sim no intuito de transformar a Suprema Corte brasileira num tribunal quase que exclusivamente constitucional14, o que de fato ocorrer apenas com a Constituio de 1988.

    No obstante, antes de 1988, longo caminho foi percorrido pelos Constituintes brasileiros, que por vrias vezes tentaram implantar o modelo concentrado de influncia austraca. Em 1934 j se defendia a implantao do modelo concentrado de jurisdio constitucional com a criao de uma Corte exclusiva de Justia Constitucional15, mas diante da resistncia da maioria, no restou alternativa seno a de criar novos mecanismos que, mesmo inicialmente inspirados no modelo norte-americano, na forma em que foram introduzidos no direito brasileiro, de uma forma ou de outra, acabaram atendendo mais ao modelo concentrado onde um rgo decide sobre a constitucionalidade da lei em abstrato.

    3 CONTITUIO DE 1934: A REGRA DO FULL BENCH E O CONTROLE EM ABSTRATO

    Interessante observar que a partir de 1934, a maioria dos mecanismos introduzidos no direito constitucional brasileiro por influncia dos pases do commom law, ao serem adaptados no direito interno, se tornaram mais em instrumentos de concentrao da jurisdio, permitindo a verificao da constitucionalidade em abstrato. Um exemplo bem marcante desse fato a regra do full bench que mesmo importada dos Estados Unidos, na forma em que foi introduzida no direito brasileiro permite o controle da constitucionalidade separado do caso concreto e vincula os rgos fracionados dos Tribunais.

    Consiste a regra do full bench, tambm conhecida como full cort ou in banc, na exigncia de que o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Pbico somente possa ser declarado pela maioria absoluta dos membros de um

    13 Veja a meno de Ruy Barbosa invocando o direito americano: [...] E se o julgamento foi pronunciado pelos mais altos tribunais de

    recursos, a todos os cidados se estende, imperativo e sem aplo, no tocante aos princpios constitucionais sbre o que versa`. Nem a legislao tentar contrari-lo, porquanto a regra stare decisis exige que todos os tribunais da em diante o respeitem como res judicata ; e, enquanto a Constituio no sofrer reforma que lhe altere os fundamentos, nenhuma autoridade judiciria o infringe. Cf. Comentrios Constituio Federal Brasileira, coligidos por Homero Pires, vol IV, p. 268) apud: BITTENCOURT (O controle jurisdicional ... op. cit., p.142) que a propsito do sentido da regra do stare decisis afirma que ela no tinha o poder atribudo por Ruy -nosso maior constitucionalista- no constituindo um comando rgido ou inabalvel que pudesse, de imediato, expulsar a lei do ordenamento jurdico (cf. pgina 143, nota 27).

    14 Cf, a propsito: BASTOS ARNATES, Rogrio. O sistema hbrido de controle da constitucionalidade das leis no Brasil. Disponvel em http://www.cjf.gov.br/revista/numero1/prodaca3.htm acesso em 17.02.2008.

    15 Nesse sentido a Emenda 1.107 (cf. Sesso de 20.12.1933. Disponvel em: < http://imagem.camara.gov.br/constituinte_principal.asp>. apresentada pelo Deputado Nilo Alvarenga justifica sua implantao nos seguintes termos: Os mais belos e generosos princpios de direito pblico consagrados nos textos constitucionais, de nada valero, sem as necessrias garantias de sua efetividade. Essas garantias so dadas pelo controle da constitucionalidade das leis. Nos Estados Unidos, onde essa atribuio conferida Justia comum, o controle falho, imperfeito e incompleto. Por isso que a Justia comum s cabe decidir das questes entre as partes, os efeitos de suas decises se restringem a casos sub judice. A lei anulada para o litigante continua em vigor em toda sua plenitude. No obstante havia ferrenhos defensores do sistema americano, como o Constituinte Cunha Melo, para quem o sistema dos Estados Unidos o que de melhor copiamos.

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    tribunal. criao da jurisprudncia americana que desde o sc. XIX condicionou o julgamento das questes constitucionais presena de todos os seus membros. L, convencionou-se adiar a apreciao de matrias constitucionais at que se obtivesse a presena da totalidade dos membros, mas o adiamento ocorria no por imposio constitucional e sim por uma regra de convenincia justificada pela importncia dos temas constitucionais16. Apesar de no ser uma regra absoluta, no Brasil aparecer positivada na Constituio de 1934 com uma rigidez que no possua nos EUA17, entretanto, ser abrandada nas constituies posteriores estando prevista atualmente no artigo 97 da Constituio de 1988.

    Tambm conhecida no Brasil como clusula de reserva ou per saltum, a regra do full bench de observncia obrigatria tanto no controle concentrado das normas18, quanto no controle difuso. Nesse caso processada incidentalmente atravs de um instrumento denominado incidente de argio de inconstitucionalidade que muito se aproxima do modelo incidental europeu, notadamente o alemo, o italiano e o espanhol.

    O curioso observar que enquanto na Europa as questes de inconstitucionalidade suscitadas incidentalmente no curso de aes ordinrias, so tidas como tendncias mitigadoras do controle concentrado e abstrato19. No Brasil, ocorre exatamente o contrrio, ou seja, o incidente de argio de inconstitucionalidade vem permitir o controle em abstrato e concentrado, atenuando o controle difuso no segundo grau de jurisdio. Contudo, verifica-se que ambas as formas so causas de hibridao dos modelos jurisdicionais clssicos.

    Segundo as disposies processuais brasileiras, a turma julgadora de um tribunal ao deparar-se com uma preliminar de inconstitucionalidade que entenda procedente ou pelo menos plausvel, deve lavrar um acrdo20 remetendo a prejudicial de inconstitucionalidade para deciso do plenrio. Somente depois de decidida a questo de inconstitucionalidade, que o processo retornar Turma para prosseguir no julgamento e aplicar o direito ao caso concreto.

    Verifica-se, pois, que o processamento do incidente dentro dos rgos colegiados brasileiros, guarda certa semelhana com os incidentes europeus de inconstitucionalidade que, tambm so estabelecidos a partir de uma prejudicialidade, que se considera existente a partir do momento no qual deve ser aplicada uma disposio cuja constitucionalidade resulta controvertida.

    16 Nesse sentido: BITTENCOURT (O controle jurisdicional .. op. cit., p.44) que atribui a observao Cooley, que ainda considerava a

    regra convencionada como uma orientao prudente e adequada em face da delicadeza dos assuntos constitucionais (COOLEY, Thomas M. A Treatise on the Constitutional Law, 6. ed. 1890, p. 194).

    17 Ainda Lcio Bittencourt, que referindo-se a Black cita como exemplo o caso conhecido Chicago Lake Front Case no qual a deciso foi tomada apenas por quatro entre os nove juzes que integravam a Corte Suprema em razo do impedimento de dois deles e da opinio contrria de trs outros (Cf. BLACK, Henry Campbel. Handbook on American Constitutional Law 2. ed., 1897, p. 57, apud BITTENCOURT, O controle jurisdicional ... op. cit., p.44). Outros exemplos podem ser ainda encontrados com Jos Levi que em excelente monografia exaure o tema do incidente. Ver: AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Incidente de argio de inconstitucionalidade: comentrios ao art. 97 da Constituio e aos arts. 480 a 482 do Cdigo de Processo Civil. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

    18 Cf. art. 23 da Lei 9.868/99 c/c artigo 97 da CRFB. 19 Nesse sentido cf. PEGORARO (A circulao... op. cit., p. 60) que ainda esclarece: A introduo, em um primeiro momento na

    Alemanha e Itlia, depois na Espanha, do controle incidental de constitucionalidade, fez surgir a discusso da hibridao dos modelos jurisdicionais. Entretanto, at bem pouco tempo, no havia sido colocada em crise a dicotomia originria, j que na antiga literatura o sistema em questo vinha sendo considerado como uma mescla dos outros dois, de modo que no o elevou categoria de "modelo" (embora hoje no so poucos a consider-lo como um prprio e verdadeiro tertium genus).

    20 Esse acrdo no representa a deciso de um incidente, mas um pronunciamento da turma atravs do qual procedida a valorao de uma situao processual, partindo da qual ser possvel afirmar ou negar a existncia de uma relao de prejudicialidade entre a questo constitucional e as matrias a serem enfrentadas para a deciso do caso concreto. atravs desse acrdo que ser instaurado o incidente, que aps ser decidido pelo Pleno do Tribunal ou por rgo especial, volta turma julgadora para deciso do caso concreto (Cf. artigo 481, in fine do Cdigo de Processo Civil).

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    Assim, ao encontrar-se um rgo fracionrio de um tribunal brasileiro diante de uma situao de possvel inconstitucionalidade suspender o julgamento, e depois de ouvido o Ministrio Pblico deve, necessariamente, deliberar sobre a questo constitucional. Decidindo-se pela constitucionalidade do ato, prosseguir-se- com o julgamento, mas no caso em que os julgadores se mostrem favorveis argio de inconstitucionalidade, devem submeter a matria apreciao do Plenrio, que apenas poder declarar a inconstitucionalidade pela maioria absoluta dos membros do tribunal, ou do rgo especial.

    Diferentemente do que ocorre no incidente de constitucionalidade europeu a declarao no produzir efeitos erga omnes, contudo, transcender o caso concreto do qual se originou o incidente, vinculando os rgos fracionrios daquele tribunal em todos os casos subseqentes. Outro trao distintivo do incidente europeu que no Brasil a regra s se aplica nos rgos colegiados, permitindo aos juzes de primeira instncia o pronunciamento sobre a inconstitucionalidade das normas21.

    Na verdade, as semelhanas so mais perceptveis no campo processual. De qualquer forma, no se pode negar que mesmo em se tratando do controle difuso, ou por via de exceo, a declarao de inconstitucionalidade no incidente de argio de inconstitucionalidade brasileiro trata-se de uma deciso autnoma, proferida num procedimento sem partes22 e completamente desvinculada do caso concreto.

    4 SOBRE AS AES CONSTITUCIONAIS

    4.1 INSTRUMENTOS DO CONTROLE EM ABSTRATO

    Sob a clara influncia do direito europeu, a Constituio de 1988, previu em seu texto vrias aes diretas, tpicas do controle concentrado e em abstrato, de competncia originria do Supremo Tribunal Federal e que nos termos do art. 102, I, compreende:

    a) a ao declaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal23;

    b) a ao direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;

    c) a ao de inconstitucionalidade por omisso24; 21 Substitutivo do Deputado Jair Carneiro ao Projeto de Emenda 96/92 e relatrio do Deputado Aloysio Nunes Ferreira, sugeriam uma maior

    aproximao com o modelo europeu permitindo o processamento do incidente ainda na primeira instncia e sua remessa, no mais para os Tribunais ordinrios, mas diretamente para o STF. (Cf. http://www2.camara.gov.br/proposicoes). Entretanto tais proposies no foram acatadas na transformao do Projeto na Emenda Constitucional 45/2004.

    22 A rigor no h partes no incidente de argio de inconstitucionalidade como da ndole dos processos objetivos de aferio em abstrato da constitucionalidade-, dado que no h direitos subjetivos contrapostos, mas um interesse maior do ordenamento jurdico em espancar as dvidas quanto constitucionalidade de determinado ato normativo (AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Incidente de argio de inconstitucionalidade... op. cit., p. 47).

    23 A introduo da Ao Declaratria de Constitucionalidade no direito constitucional brasileiro foi considerada por alguns uma inovao. Outros, contudo, aponta significativas similitudes com a representao contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral introduzida no direito ptrio pela Emenda Constitucional n. 16/65 Constituio de 1946, que possua natureza dplice. Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurana, ao popular, ao civil pblica, mandado de injuno, habeas data, ao direta de inconstitucionalidade, ao declaratria de constitucionalidade e argio de descumprimento de preceito fundamental. 26. ed. atual. e compl. So Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 306.

    24 A introduo do controle por omisso no direito brasileiro sofreu influencia direta da Constituio da Repblica Portuguesa de 1976. Acerca da influncia recproca com Portugal anotamos que a Constituio portuguesa de 1911, por influncia da brasileira de 1891, foi pioneira, em toda Europa, a introduzir em seu corpo, a previso de um controle (difuso) de constitucionalidade embora de escassa ou nenhuma influncia sobre as demais constituies europias. Mas a CRP/76 alm da previso do controle de constitucionalidade por ao ou atuao; foi tambm a pioneira em prever expressamente a figura do controle de constitucionalidade por omisso, ainda que por influncia da Jurisprudncia Constitucional alem e italiana. A propsito, cf. CASTRO E CAMARGO. Maria Auxiliadora. A influncia da Constituio da Repblica Portugues de 1976 sobre a Constituiao da Repblica Federativa do Brasil. In:PEGORARO, Lucio. (organizador) I trentanni della Costtuzione portughese. Originalit, recezioni, circolazione del modello. Os trinta anos da Constituio Portuguesa. Originalidade, circulao e recepo do modelo. Bolonha: Libreria Bonomo, 2006, pp. 181-231.

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    d) a argio de descumprimento de preceito fundamental25; e

    e) a representao interventiva.

    Alm de criar mecanismo at ento inexistentes no direito brasileiro, a Constituio tambm ampliou, consideravelmente, a legitimao para a propositura das referidas aes declaratrias que de acordo com o artigo 103, podem ser propostas por: I - o Presidente da Repblica; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Cmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assemblia Legislativa ou da Cmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da Repblica; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido poltico com representao no Congresso Nacional; IX - confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional.

    A ampliao expressiva dos mecanismos de controle abstrato e dos legitimados a provocar a jurisdio concentrada, teve como conseqncia lgica o arrefecimento do controle difuso j que tornou admissvel que praticamente todas as polmicas constitucionais fossem solucionadas atravs do controle concentrado.

    4.2 INSTRUMENTOS DO CONTROLE DIFUSO

    O alargamento do controle concentrado no impediu que a Constituio de 1988 tambm previsse outras aes constitucionais tpicas do controle difuso (ainda que tambm possam ser de competncia originria do STF nos casos em que prev o artigo 103, I/CRFB). Merecem destaque:

    a) o habeas corpus, cuja influncia atribuda aos writs do direito ingls, incorporada na Constituio de 1981;

    b) o mandado de segurana, inveno tipicamente brasileira inspirada no jucio de amparo26 introduzido pela Constituio de 1934;

    c) o mandado de segurana coletivo, novidade trazida pela Constituio de 1988;

    d) o habeas data cujas origens remontam legislao ordinria nos Estados Unidos da Amrica do Norte, mais precisamente no Freedom of Information Act. 1974, alterado pelo Freedom of Information Reform Act de 197827;

    e) a ao popular implantada pela Constituio de 1934 cuja inspirao remonta-se ao Direito Romano; e

    25 Regulamentou-se a argio de descumprimento de preceito fundamental para suprir no ordenamento jurdico brasileiro algumas lacunas

    no sistema de controle concentrado de constitucionalidade, visando assim, a possibilidade de apreciao pelo Supremo Tribunal Federal de algumas matrias, como as normas pr-constitucionais e as normas municipais, que antes s era possvel por outras aes de controle difuso (exemplos: Recurso Extraordinrio e Reclamao). Temos, no direito comparado, alguns tipos de institutos que servem de parmetros para autores nacionais dissertarem sobre a argio de descumprimento de preceito fundamental. Os dois institutos mais importantes so: o recurso constitucional alemo e o recurso de amparo espanhol. Entretanto, no vislumbramos grandes semelhanas com tais institutos, considerando que a argio no se limita aos casos de afronta aos direitos fundamentais, ainda que estes estejam contidos dentro da ampla definio de preceitos fundamentais.

    26 Cf. BARROSO, Lus Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas limites e responsabilidades da Constituio Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 188.

    27 O habeas data foi inserido na Constituio de 1988, no art. 5, LXXII, para assegurar ao cidado "garantia de acesso a informaes de carter pessoal, registradas em rgos do Estado", podendo o interessado retificar tais informes. A incluso deste instituto constitucional na nossa Carta Magna foi de sugesto do Prof. Jos Afonso da Silva na Comisso Provisria de Estudos Constitucionais, e, posteriormente, formalizada atravs de proposta pelo ento Senador Mrio Covas que ficou como seu autor legislativo. Outros pases tambm possuem instrumentos semelhantes a exemplo de Portugal (art. 35), Espanha (art. 105, "b"), Gr-Bretanha (Official Secrets Act) e EUA (Freedom Of Information Act).

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    f) o mandado de injuno cuja origem mais remota encontra-se nas injuncitions do direito anglo-saxnico e, mais recentemente, no mandado de segurana brasileiro e no instituto da inconstitucionalidade por omisso do direito portugus (Constituio Portuguesa, art. 283)28. Trata-se de um instrumento para combater a inconstitucionalidade por omisso no sistema difuso-concreto, cuja sentena, a princpio, produz efeitos apenas inter partes.

    Apesar da previso de todos esses instrumentos para a concretizao do controle concreto, inegvel que a Constituio de 1988 tenha flexibilizado o controle difuso ao permitir o controle coletivo da constitucionalidade, onde os efeitos da sentena podem transcender o processo onde foi proferida, fazendo coisa julgada erga omnes e ultra partes29. Assim, possvel verificar que mesmo em se tratando de controle difuso a natureza da sentena atende mais aos propsitos do controle concentrado. Esse tipo de ao pode ser proposto pelo Ministrio Pblico, partidos polticos e organizaes sindicais ou de classe.

    4.2.1 MANDADO DE SEGURANA (COLETIVO E INDIVIDUAL)

    Uma ao coletiva importante, introduzida pela Constituio de 1988, trata-se do mandado de segurana coletivo previsto no art. 5, LXX que permite sua utilizao pelos Partidos Polticos30 e organizaes sindicais ou de classe, que podem postular em favor de seus membros ou associados, no carecendo de autorizao especial para seu exerccio31. Trata-se de uma derivao do mandado de segurana individual, de criao genuinamente brasileira.

    Alis, o mandado de segurana (individual) foi o primeiro instrumento que, no direito constitucional brasileiro, veio permitir a argio de inconstitucionalidade de ato de autoridade pblica. Sua criao pelo artigo 113, item 33 da Constituio de 1934, deu margem intensificao do controle de conformidade da lei com a Constituio ao vincular sua concesso defesa de direito certo e incontestvel, ameaado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade.

    28 Nesse sentido vide pronunciamento em Plenrio e transcrio de artigo do Constituite ALFREDO CAMPOS no DANC de 24.08.88 p.

    12888. Todavia, alguns entendem que a ao uma inveno brasileira. Nesse sentido: A origem do mandado de injuno, apesar de alguns autores atriburem sua inspirao no writ of injunction do direito ingls, que foi posteriormente incorporado ao direito norte-americano, , na verdade, uma criao nacional, que merece uma maior ateno por parte dos estudiosos do tema e aplicadores do direito. A injunction inglesa no tem a finalidade de suprir omisses inconstitucionais, haja vista que seu sistema normativo no permite, pois no h supremacia formal constitucional. A mesma expresso utilizada no direito constitucional norte-americano visa obstar a interferncia do poder pblico na ordem privada, ou seja, uma ordem judicial dirigida absteno de fazer ou de continuar a fazer algo causador de dano irreparvel. Manifesta, assim, a distino de objetivos do injunction e do mandado de injuno, uma vez que este propicia o exerccio de direitos constitucionais inviabilizados por falta de regulamentao. Situao semelhante a do injuncione do direito italiano, que est inserido no regime processual como instituto voltado deciso condenatria mais clere do que o estabelecido para o procedimento ordinrio (destaque nosso). MACHADO CAMPINHO, Lcio. Efetividade constitucional via mandado de injuno. In: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Artigos/LucioCampinho.pdf. Acesso em 19.02.2008.

    29 Do disposto no Cdigo de Defesa do Consumidor (artigo 103 c/c art. 81) e na Lei 7.347/85 que disciplina a ao civil pblica possvel extrair a concluso de que nas aes coletivas que envolvam interesses ou direitos difusos, ou interesses ou direitos individuais homogneos, a coisa julgada ter efeito erga omnes; j nas aes coletivas que envolvam interesses ou direitos coletivos, a coisa julgada ter efeito ultra partes, abrangendo a todos os membros da coletividade ou de determinado grupo que se encontra diante da mesma situao jurdica.

    30 No que se refere aos Partidos Polticos, no s a legitimao para impetrao do mandado de segurana coletivo, mas tambm a legitimao para a propositura de ao direta (esta restrita apenas aos Partidos com representao no Congresso Nacional), vem reafirmar a idia de defesa das minorias, considerando que permite a argio de inconstitucionalidade at mesmo s menores fraes parlamentares (Cf., a propsito, FERREIRA MENDES, Gilmar. Jurisdio Constitucional: O controle abstrato no Brasil e na Alemanha. 5. ed. , 3 tiragem. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 90.)

    31 Nesse sentido decidiu o STF que Na disciplina constitucional do mandado de segurana coletivo, inconfundvel com a relativa ao direta de inconstitucionalidade, no se tem, quanto legitimao ativa, a exigncia de tratar-se de entidade de classe que congregue categoria nica. Constatada a abrangncia, a ponto de alcanar os titulares do direito substancial em questo, mister concluir pela configurao de hiptese ensejadora da substituio processual que distingue a espcie de mandado de segurana que o coletivo. (Cf. STF, RMS 21.514, Rel. Min. Marco Aurlio, julgamento em 27-4-93, DJ de 18-6-93)

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    A doutrina comparatista ao buscar as razes do mandado de segurana afirma que se trata de um instituto que se assemelha ao mandamus dos ingleses, ao writ dos Estados Unidos e ao jucio de amparo do Mxico32. Contudo, parece ser o jucio de amparo mexicano que, com as devidas adaptaes, na verdade a fonte mais prxima do remdio constitucional brasileiro33 cuja construo teve como base a experincia mexicana. Observamos que desde a dcada de 20 do sc. XX, os juristas brasileiros j reivindicavam a criao de um instrumento jurdico nos moldes do amparo mexicano. Essa reivindicao foi externada no Congresso Jurdico de 1922, Seo de Direito Judicirio, presidida pelo Ministro Muniz Barreto, da Suprema Corte, que naquela ocasio afirmou que o que necessitava o Brasil era:

    de um instituto semelhante ao recurso de amparo, criado no Mxico, com procedimento todavia mais sumrio, e que compreenda tanto o agravo ao direito, que provenha da autoridade pblica, como do proveniente do ato privado34.

    Entretanto, diferentemente do amparo mexicano, o mandado de segurana visou a proteo apenas contra os atos de autoridade pblica (ou a ela equiparadas35). A principal semelhana entre os dois institutos, ento, era ser um instrumento para combater leis inconstitucionais, manifestando-se como uma forma de impugnao dos atos inconstitucionais ou ilegais36.

    Nos termos do artigo 107 (c/c artigo 103) da Constituio mexicana de 1917, as bases de regulamentao do jucio de amparo, ratificadas pela Lei de Amparo, influenciaram muito o procedimento do mandado de segurana brasileiro. Essa influencia foi sentida principalmente na vigncia da Constituio de 1946, quando foi restaurado o Estado de Direito, ultrajado pela Carta institucional de 1937. Mas, foi em 1951 que se editou a Lei do Mandado de Segurana37, cujo procedimento nela previsto guarda semelhana com as bases orgnicas estabelecidas no artigo 107 da Constituio mexicana.

    Modernamente, o amparo mexicano guarda diferenas procedimentais importantes com relao ao mandado de segurana brasileiro. Contudo, o mandado de segurana como hoje conhecemos, somente tem lugar em razo da influncia extrada da experincia mexicana, ainda que no se despreze que os anglo-saxes38 com seus writs

    32 PICANO, Melchiades. Mandado de segurana. Rio de Janeiro : Jacintho, 1937, p. 21. 33 Cf. OTHON SIDOU, Jos Maria. Do mandado de segurana: sua gnese - sua posio no quadro jurdico brasileiro - seu novo processo.

    Recife: Cambio, 1952. 34 Apud: OTHON SIDOU, Jos Maria. Habeas corpus... op. cit. p. 129. Ainda: CASTRO NUNES, Jos de. Do mandado de

    segurana e de outros meios de defesa contra atos do poder publico. 8a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980 (edio atualizada por Jos de Aguiar Dias), p. 2-3.

    35 A construo jurisprudencial no sentido de permitir-se a impetrao contra o ato praticado por autoridade, no exerccio de competncia delegada (Smula 510/STF).

    36 O jucio de amparo apresenta funes de: I. Instrumento protetor de direitos fundamentais; II. Meio de combater leis inconstitucionais; III. Recurso de cassao; IV. Forma de impugnao dos atos da administrao ativa.

    37 Na sua origem, ao mandado de segurana foi conferido o mesmo processo do habeas corpus. Assim, to logo foi promulgada a Carta de 1934 os tribunais comearam a processar as aes mandamentais embora a lei que regulava seu procedimento fosse editada apenas um ano e meio depois da Constituio (Lei 191). Na vigncia da Constituio de 1937 -que no previu o mandado de segurana- a lei infraconstitucional exclua da apreciao judicial os atos praticados pelo Presidente da Repblica, ministros de Estado, Governadores, e Interventores. Nesse sentido, em 1939 foi editado o Cdigo de Processo Civil que regulava o mandado de segurana como um dos processos especiais. J a Constituio de 1946 definiu o mandado de segurana por excluso do habeas corpus para abranger os casos que no pudessem ser protegidos por esse. Essa excluso permaneceu no texto de 1988 que tambm acrescentou o cabimento do habeas data como hiptese de excluso do mandado de segurana (art. 5 inciso LXIX)

    38 Do pragmatismo norte-americano surgiram os chamados writs, que possuem, contudo, origem inglesa. Prestam-se proteo de direitos lesados para cuja reparao no haja, na lei, outros meios mais adequados. de se observar que desempenham papel ainda mais amplo que o mandado de segurana, pois no se opem to-somente a atos do Poder Pblico, mas tambm a violao de direitos por particulares. Cf. MELCHIADES PICANO. Mandado de segurana. op. cit., p. 19. Ainda o mesmo autor que nos d idia da correlao

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    tambm contriburam para a criao e aperfeioamento de um sistema que visasse a restrio ou o impedimento da pratica de atos pelo ente pblico, que fossem violadores de direitos do cidado.

    Embora no seja admitida sua impetrao contra lei em abstrato (smula 166/STF), no sistema constitucional de 1988 o mandado de segurana um dos instrumentos mais eficazes para afastar os efeitos concretos da lei inconstitucional. A importncia do mandado de segurana no direito brasileiro, a exemplo dos amparos mexicano e espanhol, a de constituir-se em um eficaz instrumento contra os atos do Estado praticados contra particulares, que possam violar direitos destes, traduzindo-se numa garantia constitucional capaz de impedir abusos e arbitrariedades. , assim, um instrumento da manuteno do Estado Democrtico de Direito.

    4.2.2 O MANDADO DE INJUNO

    A tendncia de flexibilizao do controle difuso tambm ocorreu em relao ao instituto do mandado de injuno que um instrumento do controle por omisso dentro do sistema difuso. No julgamento de um caso que envolvia o Sindicato dos Trabalhadores em Educao de Joo Pessoa (MI 708), o Supremo mudou completamente sua posio a respeito da conformao constitucional do Mandado de Injuno previsto no artigo 5, LXXI que diz que: conceder-se- mandado de injuno sempre que a falta de norma regulamentadora torne invivel o exerccio dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e cidadania.

    Vinha entendendo o Supremo, at recentemente, que a deciso no Mandado de Injuno limitar-se-ia cientificao do poder omisso a respeito da sua mora para que tome as medidas necessrias, pois, do contrrio, o rgo julgador transmudar-se-ia em legislador positivo.

    Entretanto, em trs ocasies recentes, o STF reviu esse posicionamento para declarar a omisso legislativa e implementar o exerccio do direito de greve no servio pblico, at que sobrevenha a edio de lei regulamentadora. Afastada a orientao que limitava os efeitos da deciso declarao da existncia da mora legislativa, o Tribunal passou, sem assumir compromisso com o exerccio de uma tpica funo legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulao provisria pelo prprio Judicirio.

    Desta forma, no caso concreto analisado pelo Supremo, considerando que ao legislador no seria dado escolher se concede ou no o direito de greve, podendo to-somente dispor sobre a adequada configurao da sua disciplina, reconheceu-se a necessidade de uma soluo obrigatria da perspectiva constitucional. Assim, o Tribunal, por maioria, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, conheceu do mandado de injuno e props a soluo para a omisso legislativa com a aplicao, no que couber, da Lei n 7.783, de 28 de junho de 1989, que regula o direito de greve na iniciativa privada.

    5 SOBRE OS EFEITOS VINCULANTES NO DIREITO BRASILEIRO

    O ordenamento constitucional brasileiro sofreu significativa modificao com a promulgao da Emenda Constitucional n. 45 de dezembro de 2004, especialmente,

    do mandado de segurana com os writs nos Estados Unidos e com o mandamus na Inglaterra, afirmando que: O mandado de segurana do direito brasileiro se aproxima mais do mandamus ingls, institudo para proteger os funcionrios demitidos ou removidos ilegalmente. O mandamus visa atos administrativos. O mandado de segurana tambm, criado pela Constituio brasileira, se dirige contra atos de autoridades. O writ, ao contrrio disso, medida geral de proteo contra atos pblicos e particulares. O mandado de segurana poder equivaler a certo e determinado writ, mas no a qualquer deles. O writ of mandamus no se confunde com o quo warranto, nem com o writ of certioari. (p. 19-20).

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    pelo fato de ter introduzido uma smula de efeitos vinculantes, cujo aparecimento na Constituio atravs da introduo do artigo 103-A, provocou grandes polmicas e calorosos debates nos vrios anos que a reforma do judicirio tramitou no Congresso Nacional39. A maioria desses debates era inspirada no direito estrangeiro.

    Nos termos do artigo 103-A, o Supremo Tribunal Federal, de ofcio ou por provocao das mesmas pessoas legitimadas no controle direto de (in)constitucionalidade, mediante deciso de dois teros dos seus membros e aps reiteradas decises sobre matria constitucional, poder aprovar a smula vinculante, bem como proceder sua reviso ou cancelamento (artigo 103-A).

    As smulas j eram velhas conhecidas no direito brasileiro40 como breves enunciados que, de maneira objetiva, retratam o entendimento reiterado pela maioria de um Tribunal Superior a respeito de determinada matria. Entretanto, antes da reforma de 2004, no possuam efeitos vinculantes, servindo apenas de orientao para juzes e tribunais, sem nenhum carter obrigatrio.

    J o efeito vinculante das decises do STF, mesmo que constasse de seu Regimento Interno41, somente foi introduzido na Constituio atravs da Emenda Constitucional 03/1993 e apenas para o controle abstrato. Estabeleceu-se, ento, que as decises proferidas em ao declaratria de constitucionalidade seriam dotadas de eficcia erga omnes e efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e da Administrao Pblica42.

    39 Sobre o assunto, a proposta de emenda constitucional foi de autoria do Senador Ronaldo Cunha Lima a fim de dar sentido uniforme

    prestao jurisdicional no Pas a medida que as decises da mais alta Corte de Justia do Pas so de obedincia compulsria pelos aplicadores da lei no Poder Executivo e pelos demais rgos da magistratura nacional, seja em grau singular ou tribunal (Cf. Justificativa da PEC 54/95) apud discurso do Deputado Helio Bicudo, DCD de 25 de julho de 1997, p. 21465). Com algumas modificaes e adequaes feitas ao projeto primitivo, a smula vinculante foi introduzida no ordenamento constitucional brasileiro como um mecanismo de concentrao da jurisdio constitucional que tem sido objeto de grandes controvrsias. Entretanto, sua aprovao resultou de acordo entre os partidos PMDB, PSDB, PFL, PSB, PPS e PT para viabilizar a denominada reforma do Judicirio (PEC 29/92) onde foi inserida. Apenas o PDT no aderiu ao acordo votando contra sua instituio.

    40 Seu idealizador foi o Min. Victor Nunes Leal que, em 1963, juntamente com os demais integrantes do Supremo Tribunal Federal, promoveu a criao da Smula sem qualquer fora vinculante. Os demais Tribunais trataram de copiar o exemplo editando suas prprias smulas. Na poca houve acirradas crticas com relao a sua implantao. Os que reprovavam a smula temiam pelo esclerosamento da jurisprudncia ou que as smulas se revestissem de carter imperativo, a exemplo da Lei. Victor Nunes Leal, ento, percorreu diversos pontos do pas, proferindo palestras, explicando que a smula no tinha carter impositivo ou obrigatrio. Ela era apenas um pequeno enunciado que o Supremo Tribunal se valia para uniformizar posicionamentos que se repetiam em semelhantes julgados. Esclareceu o Ministro que a smula era matria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento. Na sua criao, nunca se pensou sobre a possibilidade de prov-la de poder vinculante. Cf. SILVEIRA NETO, Antonio. Smula de efeito vinculante. Disponvel em: http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art64.html,. Acesso 08.03.2008.

    41 O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (cf. art. 187), ao regulamentar a chamada representao interpretativa, introduzida pela Emenda n. 7 de 1977, estabelecia que a deciso proferida na representao interpretativa fosse dotada de efeito vinculante.

    42 Cf. redao dada ao art. 102, 2 da CF/88 pela Emenda Constitucional 03/1993 que a princpio conferia o efeito vinculante apenas s decises proferidas nas aes diretas de constitucionalidade. Entretanto, logo o STF estendeu tais efeitos tambm ao direita de inconstitucionalidade em razo de sua natureza dplice: Aceita a idia de que a ao declaratria configura uma ADI com sinal trocado, tendo ambas carter dplice ou ambivalente, afigura-se difcil admitir que a deciso proferida em sede de ao direta de inconstitucionalidade seria dotada de efeitos ou conseqncias diversos daqueles reconhecidos para a ao declaratria de constitucionalidade. Argumenta-se que, ao criar a ao declaratria de constitucionalidade de lei federal, estabeleceu o constituinte que a deciso definitiva de mrito nela proferida includa aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ao, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada produzir eficcia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais rgos do Poder Judicirio e do Poder Executivo (Art. 102, 2 da Constituio Federal de 1988). Portanto, sempre se me afigurou correta a posio de vozes autorizadas do Supremo Tribunal Federal, como a de Seplveda Pertence, segundo a qual, quando cabvel em tese a ao declaratria de constitucionalidade, a mesma fora vinculante haver de ser atribuda deciso definitiva da ao direta de inconstitucionalidade. (Rcl 2.256, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 11-9-03, DJ de 30-4-04). Com o advento da Emenda Constitucional n. 45 modificou-se a redao do 2 do art. 102 para conferir os efeitos vinculantes tambm s aes diretas de inconstitucionalidade.

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    Apesar disso, o efeito vinculante de decises proferidas no controle concreto ou difuso, era novidade at ento inexistente na Constituio at 200443. O curioso observar dos Anais do Congresso Nacional, que alm dos opositores da criao da smula vinculante, tambm seus defensores, em sua maioria, defendiam o sistema de controle difuso espelhado na experincia americana44. Do mesmo modo, grande parte da doutrina brasileira aceita a influncia do sistema norte-americano como gnese do novo instituto. Busca no stare decisis o motivo para implantao desse instituto no Brasil.

    At mesmo a proposta de emenda constitucional que introduzia a conceito de efeitos vinculantes na ao direta de constitucionalidade (ou seja, no controle abstrato) fazia referncia ao stare decisis: O trao vinculante dos precedentes dos tribunais superiores para futura atuao das demais cortes de justia conhecido como stare decisis45. Como exemplo de pas sul-americano que adotou o princpio do stare decisis o Deputado Roberto Campos, autor da proposta, citava a Argentina cuja Constituio, no artigo 95 impunha aos juzes e tribunais nacionais a aplicao obrigatria da interpretao que a Corte de Justia fizesse dos artigos constitucionais, por intermdio de recursos. Todavia, esclarecia o autor da proposta de emenda constitucional:

    O precedente vinculativo, que se caracteriza pelo fato de a deciso de um alto tribunal ser obrigatria, como norma, para os tribunais inferiores, tem as naes anglo-americanas, a exemplo da Inglaterra, Canad e Estados Unidos, como reputado ambiente natural, por serem elas de direito de criao predominantemente judicial. Isso, no entanto no impede de se ver o precedente vinculante tambm em pases de tradio romanista, embora a mais formalizado.

    Para justificar a existncia de jurisprudncia vinculante em pases do sistema que chama de direito escrito o Deputado citava o exemplo do Mxico que atravs da reforma constitucional de 1951 (no artigo 107, frao VIII, hoje derrogada) deixou a cargo da lei determinar os casos de aplicao obrigatria da jurisprudncia dos tribunais do Poder Judicial da Federao46.

    Apesar de todas as argumentaes e justificaes da proposta, restou bem claro pelo Deputado que a vinculao que pretendia introduzir no direito brasileiro, tinha origem europia, precisamente no direito alemo. Vejamos suas palavras:

    Alm de conferir eficcia erga omnes s decises proferidas pelo Supremo Tribunal em sede de controle de constitucionalidade, a presente proposta de emenda constitucional introduz no Direito brasileiro o conceito de efeito vinculante em relao aos rgos e agentes pblicos. Trata-se de instituto jurdico desenvolvido no direito alemo, que tem por objetivo outorgar maior eficcia s decises proferidas por aquela Corte Constitucional, assegurando fora vinculante no apenas parte dispositiva da deciso, mas tambm aos chamados motivos determinantes (tragende Grnde).

    43 Observamos que a chamada PEC PARALELA da Reforma do Judicirio, em trmite no Congresso Nacional (PEC 358/2005) prev a

    edio de smulas vinculantes no mbito de outros Tribunais Superiores como o Superior Tribunal de Justia e o Tribunal Superior do Trabalho.

    44 No encaminhamento do voto o Deputado Fernando Coruja do PDT manifestou sua contrariedade criao da sumula vinculante sob a argumentao de que o modelo de controle de constitucionalidade concentrado numa corte constitucional no o modelo brasileiro e o Partido defende o controle de constitucionalidade difuso (cf. DCD de 08/06/2000, p. 30862 e 30863). Por seu lado o Deputado Inocncio de Oliveira do PFL, invocando a experincia norte-americana, parabenizava a ento relatora Deputada Zulai Cobra por fazer o melhor para o Pas desafogando os trabalhos do STF em matrias repetidas. (DCD de 08/06/2000, p. 30864).

    45 Cf. Justificao do Deputado Roberto Campos na PEC n. 130, in DCN de 23 de setembro de 1992, p. 21694. 46 Tarefa realizada na Lei de Amparo, especialmente nos, artigos 193, 193bis e 195bis

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    E, seguia explicando:

    A declarao de nulidade de uma lei no obsta sua edio, ou seja, a repetio do seu contedo em outro diploma legal. Tanto a coisa julgada quanto a fora de lei (eficcia erga omnes) no lograriam evitar esse fato. Todavia, o efeito vinculante, que deflui dos fundamentos determinantes (tragende Grnde) da deciso, obriga o legislador a observar estritamente a interpretao que o tribunal conferiu Constituio.47

    Verifica-se ento, que o conceito de efeito vinculante, introduzido no Brasil, primeiro no controle abstrato com a ao declaratria de constitucionalidade (EC 03/1993) e depois, no controle concreto com a smula vinculante (EC 45/2004), possui o mesmo embasamento jurdico: suas origens so encontradas no modelo alemo de jurisdio concentrada e no no stare decisis.

    Conclui-se, ento, que o precedente vinculante da doutrina do stare decisis, pertencente ao sistema jurdico da common law, em nada se relaciona com o conceito de efeito vinculante, nem com a smula vinculante, nos termos adaptados ao direito brasileiro, embora parte da doutrina insista em relacionar referida vinculao fora normativa dos precedentes norte-americanos.

    6 O STARE DECISIS E O PAPEL DO SENADO

    Descartada a criao de um Tribunal Constitucional que nos moldes do Tribunal austraco conferisse eficcia erga omnes s decises proferidas no controle de normas, o Constituinte de 1933/34 tentou solucionar a ausncia da regra do stare decisis -que implica no fato de no estarem, os juizes brasileiros, obrigados a aplicar a lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal- atribuindo a um rgo do Poder Legislativo a suspenso da execuo da lei declarada inconstitucional pelo Supremo.

    Com isso tentava atenuar o problema da quebra de harmonia de equilbrio entre os poderes. Foi naquele momento que surgiu a competncia do Senado para suspender a execuo, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberao ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judicirio, dispositivo previsto no art. 91, IV da Constituio de 1934 e repetido nas constituies subseqentes48, estando previsto na Constituio de 1988 no inciso X do artigo 52.

    Ainda que a doutrina, inspirada no modelo norte-americano, apregoasse a teoria da nulidade ou da inexistncia da lei inconstitucional, o Constituinte preferiu conferir a um rgo eminentemente poltico a suspenso da execuo lei com efeitos erga omnes. A proposta do Constituinte Godofredo Mendes Vianna, acrescentando um pargrafo 4 ao artigo 57 do ento Projeto dizia: Sempre que o Supremo Tribunal Federal declarar, em mais de um aresto, a inconstitucionalidade de uma lei, esta ser considerada como inexistente. Entretanto o mesmo Constituinte em sua Justificao que dizia que a declarao do STF no anula a lei em seu conjunto de modo que deve a mesma ser 47 In DCN de 23 de setembro de 1992, p. 21694. Cf tambm FERREIRA MENDES, Gilmar. O efeito vinculante das decises do Supremo

    Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Disponvel em: http://br.geocities.com/profpito/oefeitovinculantegilmar.html. Acesso em 18/02/2008, que esclarece que A prpria justificativa da proposta apresentada pelo Deputado Roberto Campos no deixa dvida de que se pretendia outorgar no s eficcia erga omnes, mas tambm efeito vinculante deciso, deixando claro que estes no estariam limitados apenas parte dispositiva. Embora a Emenda n 3/93 no tenha incorporado a proposta na sua inteireza, certo que o efeito vinculante, na parte que foi positivada, deve ser estudado luz dos elementos contidos na proposta original".

    48 O dispositivo foi mantido na Constituio de 1946 no art. 64; na Constituio de 1967 no artigo 41, VII; na reforma de 1969 (Emenda Constitucional, n 1, art. 42, VII). Entretanto, no constou na Constituio de 1937, tambm chamada a polaca. Por outro lado a Constituio de 1937 permitiu que o Presidente da Repblica interferisse nas decises do Judicirio, pois lhe possibilitava submeter apreciao do Parlamento as leis declaradas inconstitucionais, podendo o Parlamento desconstituir esta declarao e inconstitucionalidade atravs de dois teros de seus membros (art. 96, pargrafo nico).

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    excluda do repertrio oficial respectivo; declaram-na sem efeito, como se nunca tivesse existido, em relao ao caso especial sujeito ao julgamento49.

    Percebe-se, claramente que a opo do Constituinte de 34 foi a de no dotar o judicirio comum com uma competncia generalizadora que j naquela poca era conhecida por algumas cortes europias que exerciam com exclusividade a jurisdio constitucional, atravs do controle concentrado. Esse fato confirmado pelo que disse em Plenrio o Constituinte Jos Eduardo Prado Kelly:

    Certas constituies modernas tm criado cortes jurisdicionais para defesa da Constituio. Ns continuamos a atribuir Suprema Corte a palavra definitiva da defesa e guarda da Constituio da Repblica. Entretanto permitimos a um rgo de supremacia poltica estender os efeitos dessa deciso, e estend-los para o fim de suspender a execuo, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberao ou regulamento, quando o Poder Judicirio os declara inconstitucionais.50

    Constamos, assim, que o Constituinte, que optou por no admitir o stare decisis do direito norte-americano, tampouco ousou criar uma Corte Constitucional que no estilo europeu retirasse a eficcia da lei. Assim, atribuiu a dois rgos distintos, uma competncia sucessiva para realizar a tarefa desempenhada pelos Tribunais Constitucionais europeus: O rgo de cpula do Poder Judicirio declara a inconstitucionalidade da lei, cabendo ao Senado, numa competncia generalizadora, a suspenso da execuo da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

    As explicaes, para atribuir ao Senado referida misso de estender erga omnes as decises havidas inter partes no modo difuso de controle, so dadas pelos Constituintes em razo do respeito ao princpio da diviso dos poderes, considerando que somente o Poder que pode editar as leis, deve suspender sua execuo51.

    Tambm no deve ser desprezado o fato de que muito influiu nessa atribuio a origem histrica e a posio institucional do Senado que, talvez por resqucio da idia do Poder Moderador, era ento, como que predestinado a promover a coordenao dos poderes. No foi por acaso que as palavras do Deputado se referiam a ele como poder controlador52. Assim, no era de se estranhar que fosse o Senado, de alguma forma, chamado a participar do controle de constitucionalidade das leis53.

    49 Cf. AANC de 1933/1934, de 16/12/1933, Vol. III, p. 443-445. Cf. ainda, a evoluo histrica do instituto no constitucionalismo brasileiro

    em: ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. O Senado na estrutura constitucional brasileira. Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, Ano 15, n. 57, jan-mar 1978, pp 223-328.

    50 AANC. Vol. IV, p. 242/245 (Cf. ALENCAR. O Senado ... op. cit, p. 235). Tambm em discurso pronunciado em 23 de maro de 1934, dizia esse mesmo Constituinte: Ns como a Islndia (Const., art. 16) e a Rumnia, (art. 59), adotamos o sistema americano. Era esse o regime da Constituio de 1981. esse o regime do atual projeto. [Negrito no original, op. cit., p 254.] Ns outros aceitamos a teoria americana para o reconhecimento da inconstitucionalidade, quando argida nos pleitos ordinrios perante a Justia. Mas tambm consultamos o interesse coletivo, dando ao Conselho Federal [entenda-se Senado Federal], que o poder coordenador, a atribuio de declarar a nulidade de qualquer lei ou ato e regulamento emanados do Executivo e que contrariem a Constituio: diretamente, por fora de autoridade, ou na extenso erga omnes dos arestos lanados pela Suprema Corte, nas espcies sujeitas a seu julgamento (Idem, idem, p 255 e 260).

    51 Cf, RESENDE DE BARROS, Srgio. O senado e o controle de constitucionalidade. Disponvel em http://www.academus.pro.br/professor/ivanclementino/O%20senado%20e%20o%20controle%20de%20constitucionalidade.doc. Acesso em 19.02.2008: Logicamente preso ao rigor da separao de poderes, o ato de suspender erga omnes a execuo, embora esteja prximo, no idntico ao ato de revogao da lei, pois s a lei pode revogar a lei. Mas, mesmo admitindo isso, h quem entenda que o princpio da separao de poderes mantido to-s pelo fato de ser o Senado um rgo legislativo, no saindo assim do recinto do Poder Legislativo a deciso que esteriliza a lei. J OTHON SIDOU, afirma que nesse sentido outras constituies tambm atribuem ao Congresso a competncia para derrogar ou ab-rogar as lei, numa reciprocidade lgica do dever e poder edit-las. Como exemplo cita: Argentina (art. 52); Bolvia (Art. 140, 2, e 59, 1); Colmbia (art. 150); Costa Rica (art. 121, 1); Equador (arts 34,3; 48 e 10), Guatemala (arts. 164, 170 e 119) Nicargua (arts 138, 2), Peru (art. 123), Uruguai (arts 256 e 259) - Cf. OTHON SIDOU. Habeas corpus...op. cit. p. 39.

    52 Cf. supra, nota 51. 53 Registre-se, ainda na Constituio de 1934, outra competncia curiosa do Senado que consistia em fiscalizar a legalidade dos

    regulamentos expedidos pelo Poder Executivo, suspendendo a execuo dos dispositivos ilegais (art. 91, II). A, a funo era poltica, mas

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    Contudo, o constituinte brasileiro tampouco ficou imune influncia europia de controle concentrado que, permitisse a fiscalizao de constitucionalidade in abstrato. Porm, ainda que a Emenda 16/65, tenha introduzido a ao direita de inconstitucionalidade, por outro lado, rejeitou a proposta de alterao da competncia do Senado para suspender a execuo das leis inconstitucionais no controle difuso, como previa o anteprojeto. Na exposio de motivos ao Projeto de Emenda, o ento Ministro da Justia, Dr. Juracy Guimares, justificou a necessidade de poupar o Senado do dever de suspender a lei, invocando a Constituio italiana como modelo:

    Ao direito italiano pedimos, todavia, uma formulao mais singela e mais eficiente do que a do art. 64 da nossa Constituio, para tornar explcito, a partir da declarao de ilegitimidade, o efeito erga omnes de decises definitivas do Supremo Tribunal, poupando ao Senado o dever correlato de suspenso da lei ou do decreto -- expediente consentneo com as teorias de direito pblico em 1934, quando ingressou em nossa legislao, mas presentemente suplantada pela formulao contida no art. 136 do estatuto de 1948: 'Quando la Corte dichiara l'illegittimit costituzionale di una norma di legge o di atto avente forza di legge, la norma cessa di avere efficacia dal giorno sucessivo alla publicazione della decisione54

    Verificamos, desta forma, que o Constituinte mesmo comeando a aceitar a influncia da doutrina europia-kelseniana, conforme traduziu a Emenda n. 16/65, ainda assim, preferiu manter a competncia do Senado, para suspender a execuo da lei no controle difuso.

    A permanncia de tal dispositivo no direito constitucional brasileiro gerou diversas discusses na doutrina e jurisprudncia ptria, dentre as quais se destacam aquelas que debatiam sobre o carter vinculado ou discricionrio do ato do Senado e, ainda, sobre a extenso dos efeitos e a natureza da resoluo do Senado Federal que declarar a suspenso de lei ou ato normativo. Ainda que no seja unnime, posies que defendem tratar-se de ato discricionrio do Senado podem ser encontradas na jurisprudncia do STF55 e na doutrina56. Quanto aos efeitos, tambm controvertida a doutrina e jurisprudncia. Grande a corrente que afirma que a suspenso da lei pelo Senado possui efeitos ex tunc, pois o que inconstitucional nulo, jamais existiu. Assim, desconstituiri todo o passado57. Entretanto, outros, como Resende de Barros, entendem

    tambm jurisdicional. In: POLETTI, Ronaldo. Constituies Brasileiras: 1934. Braslia: Senado Federal e Ministrio da Cincia e Tecnologia, Centro de Estudos Estratgicos, 2001, p. 50.

    54 In: ALENCAR. O Senado ... op. cit. p. 271-272 e em: FERREIRA MENDES, Gilmar. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clssico de mutao constitucional. Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 41, n. 162 abr-jun 2004, p. 154.

    54 Como por exemplo, no voto do Ministro Victor Leal Nunes no MS 16.512, disponvel em http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado (acesso em 19.02.2008), julgado em 25.05.66, onde afirma que o Senado tem seu prprio critrio de convenincia e oportunidade para praticar o ato de suspenso.

    55 Como por exemplo, no voto do Ministro Victor Leal Nunes no MS 16.512, disponvel em http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado (acesso em 19.02.2008), julgado em 25.05.66, onde afirma que o Senado tem seu prprio critrio de convenincia e oportunidade para praticar o ato de suspenso.

    56 Nesse sentido, cf. artigo de RESENDE DE BARROS. O Senado e o controle... op. cit., que tambm afirma ser discricionrio o ato do Senado, mas reconhece ser grande a diviso da doutrina e da jurisprudncia do Supremo. Nesse sentido aponta: VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade: atualizado conforme as Leis 9.868 de 10/11/1999 e 9.882 de 03/12/1999. 2. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 54 s. Ver tambm: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 10. ed. So Paulo: Atlas, 2001. p. 581 s. Diz tambm que anteriormente, ainda enquanto senador, Paulo Brossard, que tambm foi Ministro do Supremo, arrolou diversas manifestaes da doutrina, bem como de ministros do Supremo Tribunal Federal, em favor ou em contrrio da discricionariedade, concluindo ele prprio pela discrio do Senado. Afirma reiterando o Ministro Pedro Chaves que o Senado no mero cartrio de registro de atos do Supremo. (Cf. BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais. In Revista de Informao Legislativa Braslia: Senado Federal, v.13, n.50, p.55-64, abr./jun., 1976).

    57 Nesse sentido BUZAID, Alfredo. Da ao direta de inconstitucionalidade no direito brasileiro. So Paulo:Saraiva, 1958; PALU, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade: Conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. rev. e ampl. So Paulo: RT, 2001, p. 151.

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    que a Resoluo do Senado apenas pode possuir efeitos ex nunc, sob o argumento de que a interveno do Senado, embora complemente o sistema difuso, no consiste no julgamento de nenhum caso concreto, em que a deciso, se no recuar ex tunc, pode prejudicar uma parte em benefcio da outra. Ao contrrio, o ato do Senado erga omnes e, por isso mesmo, se recuar ao passado, atingir outras partes, cujos direitos e obrigaes no foram questionados nos casos concretos, ao fim dos quais o Supremo solicitou ao Senado a suspenso da lei.

    Entretanto, no no cabe aqui adentrar no mrito de tais discusses, mesmo porque, ainda que o artigo 52, X da Constituio de 1988 continue em vigor, com o alargamento do sistema concentrado na jurisdio constitucional brasileira, sua aplicao, na prtica, quase j no atende ao objetivo para qual foi criado. Ao introduzir a ao declaratria de constitucionalidade o Constituinte derivado foi claro ao pretender vincular os juzes de primeiro grau s decises do STF58. Naquela ocasio a proposta de emenda constitucional de autoria do Deputado Roberto Campos59, tambm tentou suprimir o inciso X do artigo 52 da Constituio da Repblica atribuindo-se eficcia erga omnes declarao de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal no caso concreto60.

    No entanto, a exemplo do Constituinte originrio, tambm o Constituinte derivado, por opo da maioria, no quis excluir a regra do art. 52, X. E, mesmo que a ao declaratria de constitucionalidade, apesar de bastante combatida, tenha sido introduzida no ordenamento constitucional no ano de 1993 -atendendo os objetivos vinculatrios para os quais foi idealizada - deve, ainda, ser verificado que seu processamento ocorre atravs de ao direta, portanto no controle abstrato e concentrado. Assim, restou inalterada a regra que confere ao Senado a atribuio de estender erga omnes os efeitos das decises do STF proferidas no controle difuso.

    Posteriormente, no ano de 2004, como vimos, permitiu-se ao Supremo Tribunal Federal editar smulas de carter vinculante, sem qualquer interveno do Senado Federal. Aqui sim, tratamos de vinculao das decises reiteradas proferidas no controle difuso. A introduo de referido instituto, veio incorporar a idia de superao do artigo 52, X da Constituio Federal de 198861.

    A tese da superao do artigo 52, X/CRFB tem como seu grande defensor o Ministro Gilmar Mendes do STF62 que proferiu importante voto, como relator da Reclamao 4335-5/AC, pendente de julgamento pelo Supremo63. Seu voto, que contm completo arrazoado sobre toda evoluo na interpretao do dispositivo constitucional, vem consagrar a tese defendida por Lcio Bittencourt, de que o objetivo da atuao do Senado sempre foi o de apenas tornar pblica a deciso do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidados64.

    Essa tese, que at ento no tinha recebido a adeso da doutrina brasileira (tampouco do Constituinte), caso venha ser vitoriosa no Supremo Tribunal Federal implicar em grandes e radicais

    58 Observem os argumentos do ento Deputado Nelson Jobim defendendo a implantao da Ao Declaratria de Constitucionalidade: O

    que se quer, Sr. Presidente, que o Poder Judicirio de primeiro grau possa ser compelido a aplicar a lei constitucionalmente votada nesta Casa e no Senado Federal, para assegurar o direito aos rgos da Federao [...] preciso fazer tranqilizar esse Pas e haver segurana jurdica, atravs de uma deciso do Supremo Tribunal Federal Cf. DCN (Seo I) de 03/02/1993, p. 2675.

    59 PEC 130/1992. 60 Cf. DCN (Seo I) de 23/09/1992, p. 21693 onde o Deputado, em suas justificaes clamava pela introduo de mecanismos mais

    avanados argumentando: Se se admite que a declarao de inconstitucionalidade proferida no processo de controle abstrato tem eficcia erga omnes, como razoavelmente, justificar que a deciso proferida pelo Supremo Tribunal Federal no caso concreto deva somente ter eficcia entre as partes. Se se admite possa o Supremo Tribunal Federal suspender liminarmente a eficcia de qualquer ato normativo, inclusive de uma emenda constitucional no controle abstrato de normas, por que condicionar a eficcia geral de deciso do Supremo Tribunal Federal em controle incidental a um ato do Senado Federal.

    61 Entretanto, a Emenda Constitucional 45 tambm no suprimiu o artigo 52, X. De igual forma a chamada PEC paralela da Reforma do Judicirio em tramite no Congresso (PEC 358/2005) tambm no prev em sua redao original nenhuma supresso do dispositivo.

    62 A quem, tambm, so atribudos os estudos expostos na justificativa da PEC 130/1992. 63 Conforme informao extrada da pgina do STF na internet em 29.03.2008. Disponvel em:

    , aps o voto-vista do Senhor Ministro Eros Grau (que julgou procedente a reclamao, acompanhando o Relator) votaram os Ministros Seplveda Pertence (julgando-a improcedente) e Ministro Joaquim Barbosa (que no conheceu da reclamao). Atualmente os autos esto com vistas para o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski.

    64 Cf. BITTENCOURT. O controle... op. cit. p. 145, para quem: Dizer que o Senado suspende a execuo` da lei inconstitucional , positivamente uma impropriedade tcnica, uma vez que o ato, sendo inexistente ou ineficaz`, no pode ter suspensa sua execuo.

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    transformaes do sistema jurisdicional brasileiro de constitucionalidade. Seu ilustre defensor justifica a superao da norma invocando o conceito de Mutao constitucional. Diz ele65:

    possvel, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autntica mutao constitucional em razo da completa reformulao do sistema jurdico e, por conseguinte, da nova compreenso que se conferiu regra do art. 52, X, da Constituio de 1988. Valendo-nos dos subsdios da doutrina constitucional a propsito da mutao constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autntica reforma da Constituio sem expressa modificao do texto.

    [...]

    a natureza idntica do controle de constitucionalidade, quanto s suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, no mais parece legitimar a distino quanto aos efeitos das decises proferidas no controle direto e no controle incidental.

    Dessa forma, firme em seus argumentos de considerar ultrapassado o artigo 52, X o Ministro Gilmar Mendes votou no sentido de se conferir efeitos erga omnes deciso proferida pelo pleno do STF no controle difuso. Para ele s pode ser um o sentido atual da norma: o de dar publicidade, ou seja: o ato a ser praticado pelo Senado, tratar-se-ia de simples dever de publicao, comparvel com aqueles reconhecidos a outros rgos polticos em alguns sistemas constitucionais (Constituio austraca, art. 140,5 publicao a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgnica da Corte Constitucional Alem, art.31, (2), publicao a cargo do Ministro da Justia)66. Desta forma, seria a prpria deciso do Supremo que conteria fora normativa suficiente para suspender a execuo da lei declarada inconstitucional.

    O entendimento do Relator foi seguido pelo Ministro Eros Grau, que tambm considerou obsoleto o dispositivo. Contudo, foi mais longe. Reconhecendo que o Relator -Ministro Gilmar Mendes- no teria apenas se limitado a interpretar o texto para dele extrair a norma que lhe correspondesse, mas que sim, teria avanado at o ponto de propor a substituio de um texto normativo por outro, na verdade, o Ministro Eros Grau acabou por tambm estender o conceito de mutao constitucional, concluindo que no houve qualquer anomalia de cunho interpretativo, pois o Ministro Gilmar teria apenas feito uma autntica mutao constitucional. Justificou:

    Da que a mutao constitucional no se d simplesmente pelo fato de um intrprete extrair de um mesmo texto norma diversa da produzida por um outro intrprete. Isso se verifica diuturnamente, a cada instante, em razo de ser, a interpretao, uma prudncia. Na mutao constitucional h mais. Nela no apenas a norma outra, mas o prprio enunciado normativo alterado. O exemplo que no caso se colhe extremamente rico. Aqui passamos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execuo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por deciso definitiva do Supremo Tribunal Federal] a outro texto [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade suspenso da execuo, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por deciso definitiva do Supremo].

    65 Relatrio e voto disponvel em:< http://www.esdc.com.br/decisoes/RCL4335gm.pdf. Acesso em 04.02.2008. Ver, ainda, artigo do mesmo

    Ministro intitulado: O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clssico de mutao constitucional. In: Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 41, n. 162 abr-jun 2004, pp 149-168.

    66 Cf., a propsito, p. 55 do Relatrio.

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    [...] na mutao constitucional no apenas a norma nova, mas o prprio texto normativo substitudo por outro67.

    Evidentemente que a novidade no ficaria indiferente oposio da doutrina, conforme previu o prprio Ministro Eros Grau68. Os primeiros questionamentos surgiram atravs das habilidades de trs constitucionalistas representantes de universidades dos Estados brasileiros do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Cear69 que em oposio aos entendimentos manifestados nos referidos votos, juntos, buscaram demonstrar que no possvel admitir que a interpretao da Constituio possa conduzir a uma permisso para que o STF produza (novos) textos, diferentes do que foi escolhido pelo Constituinte:

    a tese da mutao constitucional advoga em ltima anlise uma concepo decisionista da jurisdio e contribui para a compreenso das cortes constitucionais como poderes constituintes permanentes. Ora, um tribunal no pode mudar a constituio; um tribunal no pode inventar o direito: este no seu legtimo papel como poder jurisdicional, numa democracia70.

    Lembramos que no Brasil, a jurisdio constitucional exercida no modelo de Suprema Corte e no por um rgo ad hoc separado dos Pode