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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Público A Jurisdicionalização e seus Impactos para a Unidade do Ordenamento Jurídico Internacional Délber Andrade Lage Belo Horizonte 2008

A Jurisdicionalização e seus Impactos para a Unidade do ... · O recente movimento de expansão não uniforme do Direito Internacional (DI) é caracterizado por um lado, pela especialização

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito Público

A Jurisdicionalização e seus Impactos para a

Unidade do Ordenamento Jurídico Internacional

Délber Andrade Lage

Belo Horizonte

2008

2

Délber Andrade Lage

A Jurisdicionalização e seus Impactos para a

Unidade do Ordenamento Jurídico Internacional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito Público da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito principal para a obtenção do título de

Mestre em Direito Público.

Orientador: Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da

Silva.

Belo Horizonte

2008

3

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Lage, Delber Andrade

L174j A Jurisdicionalização e seus Impactos para a Unidade do

Ordenamento Jurídico Internacional / Délber Andrade Lage. Belo Horizonte,

2008, 173f.

Orientador: Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva

Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito.

1. Direito Internacional. 2. Legislação 3. Tribunais Internacionais. I. Silva,

Carlos Augusto Canêdo Gonçalves. II. Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título

CDU: 341

4

Délber Andrade Lage

A Jurisdicionalização e seus Impactos para a Unidade do Ordenamento

Jurídico Internacional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Público da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito principal para

a obtenção do título de Mestre em Direito Público.

Belo Horizonte, 2008.

____________________________________________________________

Carlos Augusto Canêdo Gonçalves da Silva

____________________________________________________________

Leonardo Nemer Caldeira Brant

______________________________________________________________________

Ricardo Ubiraci Sennes – PUC/SP

5

Aos meus pais, ao Telder, e à Gabi

6

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho realmente não teria sido possível sem a ajuda de meus amigos. Meus Pais e meu

irmão, simplesmente por serem a essência...

À Mônica, Marcos, Paula e Bruno pelo apoio e carinho.

Ao Léo, por ser, além de fonte de inspiração, um verdadeiro mestre.

Ao Canêdo, pelo apoio, atenção e confiança.

Aos Meus amigos do CEDIN, Lu, Nana, Karina, Larissa, Demian, Bruno.

Ao Pepeu, pelo apoio acadêmico e pela mais sincera amizade.

Ao Leandro, companheiro de jornada; a saga continua!

À Gabi, pelo carinho, amor, atenção e apoio incondicional.

7

RESUMO

O recente movimento de expansão não uniforme do Direito Internacional (DI) é caracterizado

por um lado, pela especialização de regimes e, por outro, pelo aumento do número de cortes e

tribunais internacionais. O problema que se coloca, no âmbito desse trabalho, refere-se à

análise das implicações da jurisdicionalização do DI para a noção de unidade de seu

ordenamento jurídico. O primeiro capítulo, visa, nesse sentido, estabelecer quais são os

termos deste debate. Discute-se, assim, de onde as teorias tradicionais retiram a noção de

fragmentação, e propõe-se a tese de que elas partem de um pressuposto equivocado acerca da

natureza do DI, que impede que tenham uma real compreensão das peculiaridades do

ordenamento jurídico internacional o que, conseqüentemente, compromete a validade das

proposições desses teóricos. Uma vez enunciada a questão da unidade e as limitações das

teorias que tratam da matéria, faz-se necessária a propositura de um novo arcabouço

conceitual, com base no qual será enfrentado o problema. O segundo capítulo trata, dessa

forma, da estreita relação entre o Direito e a Política na esfera internacional, e propõe que a

regulamentação das relações pela via jurídica é apenas uma dentre várias opções que se

colocam aos atores. A formação do Direito Internacional é, portanto, a resultante de demandas

sociais tanto domésticas quanto internacionais. O último capítulo se volta, assim, para o

estudo da proliferação de cortes e tribunais internacionais à luz do arcabouço teórico proposto

no capítulo precedente. Discute-se, em um primeiro momento, o que caracteriza esse

movimento, bem como são identificas suas tendências conjunturais. A partir disso, há uma a

colocação e análise da tese de acordo com a qual o aumento de órgãos judiciais internacionais

é, ao mesmo tempo, um reflexo e um reforço do movimento de expansão não uniforme do

Direito Internacional, e, dentro das alternativas desenhadas pela necessidade política, atua de

forma decisiva para a consolidação do sistema normativo internacional.

Palavras-chave: Jurisdicionalização; legalização; cortes e tribunais internacionais;

fragmentação.

8

ABSTRACT

The recent movement of uneven expansion of International Law is characterized in one hand,

for the specialization of regimes and, on the other hand, for the increase in the number of

international courts and tribunals. This paper examines the implications of the judicialization

of the International Law to the notion of unity of its legal order. The first chapter seeks to

establish the terms of this debate. Therefore, discusses where do traditional theories extract

the notion of fragmentation, and proposes the argument that they are base on misleading

assumptions regarding the nature of International Law which disables a real comprehension of

the peculiar international order compromising the validity of these authors’ propositions.

Once announced the unity debate and the limitation of the theories dealing with the matter, a

proposal of a new conceptual framework is needed, on the basis of which the problem will be

faced. Hence, Chapter tow deals with the strict relation between the Law and the Politics in

the international arena and proposes that the regulation of relations through the legal approach

is only one among several others options available to the actors. The formation of the

International Law is, therefore, a result of domestic as well as international social demands.

The last Chapter focuses on the study of the proliferation of international courts and tribunals

through the premises of the theoretical framework presented in the previous chapter. Firstly, it

is argued what characterizes this movement, as well as how its conjunctural tendencies are

identified. On that account, it is defined and analyzed the argument which considers that the

increase of international legal organs is, at the same time, a reflex and a strengthen of the

movement of uneven expansion of the International Law, and between the alternatives

designed by the political needs, acts in a decisive way in the consolidation of the international

normative system.

Key-words: Judicialization; legalization; international courts and tribunals; fragmentation.

9

LISTA DE TABELAS

TABELA 2.1. FORMAS DE LEGALIZAÇÃO INTERNACIONAL

TABELA 2.2 INDICADORES DE OBRIGAÇÃO

TABELA 2.3 INDICADORES DE PRECISÃO

TABELA 2.4. INDICADORES DE DELEGAÇÃO

TABELA 3.1 – UNIVERSO DE CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

TABELA 3.2 – ACESSO AOS PRINCIPAIS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

TABELA 3.3 – CEDH E CIADH – CASOS, 1997-2003

TABELA 3.4 - INDICADORES DE ACESSO

TABELA 3.5 – FUNÇÕES JUDICIAIS DAS CORTES INTERNACIONAIS

TABELA 3.6 – INDEPENDÊNCIA: IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES

TABELA 3.7 – INDICADORES DE INDEPENDÊNCIA

TABELA 3.8 – ARRANJOS INSTITUCIONAIS DOS TRIBUNAIS

INTERNACIONAIS

TABELA 3.9 – NÚMERO DE DEMANDAS E CUMPRIMENTO DAS SENTENÇAS

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A.G. - Assembléia Geral das Nações Unidas

A.F.D.I. - Annuaire Français de Droit International

A.J.I.L. - American Journal of International Law

A.S.D.I. - Annuaire Suisse de Droit International

A.U.L.R. - American University Law Review

A.Y.I.L. - Australian Yearbook of International Law

B.Y.I.L. - British Yearbook of International Law

C.D.D.H. - Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento

do Direito Internacional Humanitário Aplicável nos Conflitos Armados

C.I.C.R. - v. C.IC.V.

C.I.C.V. - Comitê Internacional da Cruz Vermelha

C.I.J. - Corte Internacional de Justiça

C.P.J.I. - Corte Permanente de Justiça Internacional

C.U.P. - Cambridge University Press

E.J.I.L. - European Journal of International Law

E.P.I.L. - Encyclopedia of Public International Law

F.Y.I.L. - Finish Yearbook of International Law

G.Y.I.L. - German Yearbook of International Law

I.C.C. - International Criminal Court

I.C.T.R. - International Criminal Tribunal for Rwanda

I.C.T.Y. - International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia

I.C.J. - v. C.I.J.

I.C.L.Q. - International and Comparative Law Quarterly

I.C.R.C. - V. C.I.C.V.

I.J.I.L. - Indian Journal of International Law

I.L.A. - International Law Association

I.R.R.C. - International Review of the Red Cross

I.Y.H.R. - Israel Yearbook on Human Rights

J.I.L.P. - Journal of International Law & Politics – New York University

L.J.I.L. - Leiden Journal of International Law

M.L.R. - Military Law Review

11

N.U. - v. O.N.U.

O.N.U. - Organização das Nações Unidas

O.T.A.N. - Organização do Tratado do Atlântico Norte (N.A.T.O.)

P.U.F. - Presses universitaires de France

P.Y.I.L. - Polish Yearbook of International Law

R.B.D.I. - Revue Belge de Droit International

R.C.A.D.I. - Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye

R.D.M.D.G. - Revue de Droit Militaire et de Droit de la Guerre

Rec. - Recueil des arrêts de la C.I.J.

R.G.D.I.P. - Revue Générale de Droit International Public

R.I.C.R. - Revue Internationale de la Croix-Rouge

R.I.D.P. - Revue Internationale de Droit Pénal

R.Q.D.I. - Revue Québécoise de Droit International

S.d.N. - Sociedade das Nações

T.P.I. - Tribunal Penal Internacional

T.P.I.R. - Tribunal Penal Internacional para Ruanda

T.P.I.Y. - Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia

U.N.E.S.C.O. - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

Z.a.ö.R.V. - Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht

12

SUMÁRIO

CAPÍTULO I - O MOVIMENTO DE EXPANSÃO NÃO UNIFORME E A TENSÃO

ENTRE UNIDADE E FRAGMENTAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL ................... 15

PARTE I – A ABORDAGEM TRADICIONAL E SUAS LIMITAÇÕES ......................... 16

Seção I – A tensão entre unidade e fragmentação na perspectiva tradicional .................. 16

1- A fragmentação do Direito Internacional ................................................................. 16

2- A noção de unidade e a analogia com o Direito Interno .......................................... 17

Seção II – Os problemas estruturais da abordagem tradicional........................................ 20

1- O postulado liberal: Concretude e normatividade .................................................... 20

2- A teoria voluntarista e seus limites .......................................................................... 23

A) Instrumentalismo e Formalismo .......................................................................... 23

B) O Alcance explicativo limitado do voluntarismo ................................................ 25

PARTE II – ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E ESPECIFICIDADE

NORMATIVA EM FUNÇÃO DA AGENDA COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

DA UNIDADE DO DI ......................................................................................................... 28

Seção I: A constituição de uma ordem jurídica internacional .......................................... 29

1- A emergência de valores comuns à Sociedade Internacional .................................. 30

2- A dimensão normativa ............................................................................................. 32

A) A Ordem Internacional e a convivência de várias Estruturas Normativas .......... 32

B) O alargamento do rol dos sujeitos do Direito Internacional ................................ 34

C) A formação das normas jurídicas internacionais ................................................. 35

D) A aplicação das normas jurídicas internacionais ................................................. 40

Seção II: Especificidade Normativa em Função da Agenda ............................................ 41

1- A expansão não uniforme do Direito Internacional ................................................. 42

2- A Especificidade Normativa em Função da Agenda e a Unidade do Direito

Internacional ................................................................................................................. 42

CAPÍTULO II – O DIREITO INTERNACIONAL COMO A RESULTANTE DA

INTERAÇÃO ENTRE AS DEMANDAS DAS ESFERAS POLÍTICAS DOMÉSTICA E

INTERNACIONAL ................................................................................................................. 46

PARTE I- LEGALIZAÇÃO: ALCANCE E LIMITES ....................................................... 47

Seção I: Legalização enquanto Dimensão de Análise ...................................................... 47

1- O conceito de legalização ......................................................................................... 51

2- As dimensões da Legalização .................................................................................. 53

Seção II- Legalização e política internacional .................................................................. 60

1- Hard Law: vantagens e desvantagens ...................................................................... 61

2- Soft law: vantagens e limitações .............................................................................. 66

PARTE II: BARGANHA DOMÉSTICA E DIREITO INTERNACIONAL ....................... 70

Seção I: A Colocação do Problema .................................................................................. 71

1- Identificação dos Atores .......................................................................................... 75

2- A Classificação dos Atores ...................................................................................... 77

A) Atores Políticos ................................................................................................... 77

B) Atores Sociais ...................................................................................................... 82

13

Seção II: O Modelo de Análise......................................................................................... 83

TÍTULO 1: AS VARIÁVEIS DO MODELO .............................................................. 83

1- A Estrutura Doméstica de Preferências ............................................................... 83

2- Instituições .......................................................................................................... 87

3- Informação ........................................................................................................... 94

4- Os Constrangimentos de Ordem Internacional .................................................... 95

TÍTULO 2: BARGANHA DOMÉSTICA E POLÍTICA INTERNACIONAL ............. 100

CAPÍTULO III – O AUMENTO DO NÚMERO DE ÓRGÃOS JUDICIAIS

INTERNACIONAIS E SUAS REPERCUSSÕES PARA A SOCIEDADE

INTERNACIONAL ............................................................................................................... 105

PARTE I – A ―PROLIFERAÇÃO‖ DE CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 106

Seção 1- A caracterização do movimento: Expansão e especificidade Institucional ..... 106

Seção 2- As condicionantes sistêmicas do movimento de jurisdicionalização do Direito

Internacional ................................................................................................................... 112

Título 1 - Tendências conjunturais ................................................................................. 112

1- Adoção do paradigma compulsório.................................................................... 112

2- Participação de Atores Não-Estatais .................................................................. 117

3- A diversidade e maleabilidade funcional dos órgãos judiciais internacionais ... 124

4- Os Estados ainda são os atores com maior influência no comportamento das

Cortes e Tribunais Internacionais ........................................................................... 128

A) Constrangimentos de ordem institucional ......................................................... 129

B) Constrangimentos de ordem pessoal: a independência dos juízes .................... 132

Título 2 – Os Alcances do movimento de juridicização do DI ...................................... 134

1- A jurisdicionalização enquanto variável interveniente no processo de expansão

não uniforme (legalização) do Direito Internacional .............................................. 135

2- A jurisdicionalização não necessariamente implica adoção de padrões mais

rígidos para aplicação e implementação das normas internacionais ...................... 136

PARTE II – JURISDICIONALIZAÇÃO E ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL ... 139

Seção I – O aumento no número de cortes e tribunais internacionais e o problema da

unidade do Direito Internacional .................................................................................... 139

1- A natureza do movimento de jurisdicionalização e sua potencial ameaça à

unidade do Direito Internacional ............................................................................ 140

2- A jurisdicionalização e a dinâmica entre os valores fundamentais e a

especificidade normativa em função da agenda ..................................................... 143

SEÇÃO II – Jurisdicionalização e Direito Internacional: uma análise jurídico-política 144

Título 1 – Órgãos judiciais internacionais como variáveis intervenientes no jogo político

internacional ................................................................................................................... 144

1- As implicações políticas de um tribunal internacional não são apenas explicados

pela dimensão da efetividade de suas decisões ...................................................... 144

2- Jurisdição e política: os poderes dos tribunais internacionais ........................... 147

Titulo 2 – Órgãos Judiciais Internacionais como agentes de produção normativa ........ 149

1- Interesse particular na resolução de controvérsias como fundamento imediato da

atuação jurisdicional ............................................................................................... 150

2- O interesse comunitário como fundamento mediato da atuação jurisdicional ... 152

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 154

14

INTRODUÇÃO

O recente movimento de expansão não uniforme do Direito Internacional (DI)1 tem

despertado calorosos debates acerca de sua possível fragmentação. O argumento daqueles que

defendem essa tese é o de que a esse movimento implicou a formação de regimes autônomos,

que acabam por produzir um sistema normativo desconexo e com interpretações conflitantes

acerca dos mesmos princípios jurídicos. O primeiro capítulo desse trabalho tem como

objetivo analisar essa tendência expansionista à luz da tensão entre unidade e fragmentação do

DI. Argumentar-se-á, nesse sentido, que a tese da fragmentação se fundamenta em um

pressuposto distorcido acerca da natureza da noção de ordenamento jurídico internacional, o

que cria a necessidade de se rediscutir seus fundamentos e sua dinâmica. Afirma-se, nesse

sentido, que a idéia da unidade deve ser compreendida à luz de duas variáveis: o ordenamento

jurídico internacional e a especificidade normativa em função da agenda.

A redefinição dos termos do debate acerca da unidade do Direito Internacional cria a

necessidade de um arcabouço teórico que seja capaz de explicar a tendência de sua

legalização, bem como sua repercussão para a dinâmica da sociedade internacional. A tese

central do segundo capítulo é a de que a formação da norma jurídica internacional é a

resultante de um jogo político de dois níveis. Por um lado, tem-se considerações e

constrangimentos de ordem internacional, que são discutidos na sua primeira parte. Por outro,

a opção dos governantes também leva em conta os interesses e condicionantes da arena

doméstica. Constrói-se, portanto, na segunda parte do capítulo, um modelo teórico que

identifica quais são as principais categorias de atores domésticos envolvidos no processo, bem

como quais são as variáveis que afetam a escolha do representante estatal na esfera

internacional.

Uma vez definida a noção de unidade do ordenamento internacional, e colocado o

arcabouço teórico que abarque o movimento de expansão não uniforme do Direito

Internacional, tem-se elementos suficientes para discutir de que forma o aumento do número

de órgãos judiciais internacionais interfere na dinâmica do sistema, e em que medida ele

compromete ou reforça a supracitada noção de unida. A hipótese formulada é que a tendência

à adjudicação das controvérsias internacionais reflete o atual estado de maturidade da

sociedade internacional, na medida em que é condicionada pela tensão entre voluntarismo e

interdependência.

1 No âmbito desse trabalho, utilizar-se-á as expressões ―legalização‖ e ―juridicização‖ quando da discussão

acerca da opção pela regulamentação jurídica de determinadas áreas da agenda internacional.

15

CAPÍTULO I - O MOVIMENTO DE EXPANSÃO NÃO UNIFORME E A

TENSÃO ENTRE UNIDADE E FRAGMENTAÇÃO DO DIREITO

INTERNACIONAL

O Direito Internacional (DI) passa por um delicado momento: por um lado, assiste-

se a um crescimento notável de áreas da agenda internacional que têm sido regulamentadas

por normas jurídicas; por outro, raras vezes ele fora tão desafiado. Muitos têm apontado seu

crescimento desordenado como causa de sua fragmentação, que teria levado a inconsistências

de tal magnitude que ele não seria capaz de exercer influência concreta na atuação dos atores

que atuam no contexto internacional.

Esse capítulo se volta, portanto, para a análise do movimento de expansão não

uniforme do Direito Internacional, e visa estabelecer em que medida esse crescimento pode

contribuir para seu colapso ou para sua consolidação. Ao analisar esse contexto, a doutrina

tradicional tem sido taxativa ao afirmar sua fragmentação, que seria decorrente da

consolidação de sistemas normativos autônomos – e muitas vezes contraditórios – que

comprometeriam a unidade da ordem jurídica internacional.

Conforme se argumentará, essa corrente parte de pressupostos teóricos equivocados,

que decorrem da analogia do cenário internacional com o doméstico. Nesse sentido, objetiva-

se redefinir os termos do debate, indicando um arcabouço teórico formulado com premissas

mais adequadas a seu objeto de estudo. Com isso, tem-se elementos novos para se abordar a

questão, com base nos quais se formulará uma hipótese distinta daquela colocada

tradicionalmente.

O trabalho será, portanto, dividido em duas partes. A primeira se destina à análise

crítica dos postulados teóricos da corrente clássica de interpretação do Direito Internacional, a

partir da qual se indicará suas principais limitações explicativas. Ela é subdividida em duas

seções, sendo o primeiro reservado para a colocação da questão da fragmentação a partir da

perspectiva tradicional. A segunda seção tem como objetivo a avaliação de seus problemas

estruturais, que ensejariam conclusões precipitadas acerca dos efeitos da expansão do DI.

A segunda parte tem como objetivo central a redefinição do debate acerca da

unidade do Direito Internacional. Para tanto, também se subdivide em duas seções, nas quais

se analisa a formação e as características do ordenamento jurídico internacional (seção I); bem

como as causas e efeitos da criação de sistemas normativos especializados (seção II). Será

com base na relação dessas duas dimensões que será formulada uma nova hipótese, pela qual

se afirma que o DI está inserido em um contexto em que se sinaliza para uma forte tendência

16

de sua afirmação, e que a consolidação de regimes e o crescimento do número de Cortes e

Tribunais Internacionais servem como indicadores de um gradativo movimento de

juridicização das relações internacionais.

PARTE I – A ABORDAGEM TRADICIONAL E SUAS LIMITAÇÕES

Seção I – A tensão entre unidade e fragmentação na perspectiva tradicional

1- A fragmentação do Direito Internacional

A recente expansão do Direito Internacional tem sido objeto de ampla discussão

entre os estudiosos tanto do Direito quanto das Relações Internacionais (RI)2. Tal movimento

deve ser compreendido a partir de uma dupla perspectiva, na medida em que se caracteriza

tanto pelo aumento do número de instrumentos normativos utilizados internacionalmente3

quanto pelo surgimento de vários órgãos de solução de controvérsias internacionais4. É com

base na análise desses elementos que se coloca a discussão acerca da ―fragmentação‖ do

Direito Internacional.

De acordo com os defensores dessa tese, a regulamentação de áreas específicas da

agenda internacional teria criado um ambiente de certa autonomia e insulamento de seus

ramos. A justificativa para tal posicionamento residiria no fato de que a essa tendência à

juridicização não se daria de forma uniforme, na medida em que cada uma dessas matérias

estaria submetida a um conjunto de princípios próprios, o que seria reforçado pela existência

de um desenho institucional específico para cada um desses casos. A simples comparação, por

2 Nesse sentido, trabalhos acerca da correlação entre essas duas áreas têm sido constantemente publicados. Ver,

por exemplo, BYERS, Michael (ed.), The Role of Law in International Politics, 2000, e International

Organization, 54, 3, Summer 2000. 3 Ver, nesse sentido, SHELTON, Dinah. International Law and “Relative Normativity”, 2003, p.149 e

GOLDSTEIN, Judith et al. Introduction: Legalization and World Politics., pp.385-386. 4 É para o que nos adverte Romano: “Quando os futuros estudiosos do Direito Internacional se voltarem para a

análise do Direito e das Organizações Internacionais no fim do século XX, eles provavelmente farão referência

à enorme expansão e transformação do judiciário internacional como o mais importante desenvolvimento do

período posterior à Guerra Fria.” (ROMANO, Cesare. 1999. The Proliferation of International Judicial

Bodies: The Pieces of the Puzzle p.709, tradução do autor). Ver também KEOHANE, Robert O., et al, Legalized

Dispute Resolution: Interstate and Transnational, 2000, p. 457-488; DUPUY, Pierre Marie, The Danger of

Fragmentation or Unification of the International Legal System and the International Court of Justice, 1999;

CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal System of the Growth of International Courts

and Tribunals, 1999, pp.697-708; e ABI-SAAB, Georges, Fragmentation or Unification: Some Concluding

Remarks, 1999, pp.919-933, dentre outros.

17

exemplo, entre as normas relativas ao Comércio e ao Meio Ambiente seriam elucidativas a

esse respeito5. De acordo com o argumento, é com base nessa observação que se tem o

primeiro indicador da fragmentação: a existência de ramos especializados (regimes) criaria

um cenário de convivência de sistemas normativos autônomos, o que exponenciaria a

possibilidade de conflitos entre normas. Ademais, a situação se mostraria ainda mais

problemática a partir do momento em que se percebe que não há nenhum mecanismo

preestabelecido para sua solução6.

Esse argumento seria reforçado, igualmente, quando se analisa o aumento do

número de Cortes e Tribunais Internacionais, que tem sido caracterizado justamente pela

especificidade de sua competência e pela diferenciação de seu desenho institucional7. Assim,

a idéia de independência entre esses ―sistemas legais‖, associada à ausência de hierarquia

entre eles implicaria a concreta possibilidade de conflito de jurisdição e de jurisprudência

entre esses órgãos8. Por fim, em caso de continuidade dessa situação, poderia haver casos em

que os órgãos consolidassem interpretações diferentes de princípios basilares do Direito

Internacional, o que reforçaria a idéia de sua fragmentação.

2- A noção de unidade e a analogia com o Direito Interno

Entretanto, a tese da fragmentação se mostra ―uma resposta ruim a uma pergunta

ruim‖. Conforme se argumentará, essa noção decorre de uma concepção inadequada do deve

ser compreendido como ―unidade‖ do sistema normativo internacional. Como destaca Dupuy,

discutir a fragmentação “nos traz a questão de compreender o que, em termos legais,

5 Ao analisarem esse fenômeno, os teóricos de Relações Internacionais costumam se valer do conjunto de

Regimes Internacionais, que, em sua definição clássica seriam caracterizados por um conjunto de “princípios,

normas, regras e procedimentos decisórios em torno dos quais convergem expectativas em uma dada matéria.”

(KRASNER, Stephen. Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening Variables, 1993,

p.2, tradução do autor). O que se percebe é que cada um desses regimes tem características peculiares, que se

traduzem em mecanismos mais ou menos rígidos para garantir o cumprimento dos acordos internacionais: o

regime de comércio internacional, por exemplo, é, nesse sentido, mais rígido do que o ambiental, na medida em

que não há no segundo nenhuma organização semelhante à OMC. 6 Para uma discussão mais detida acerca dessa matéria, ver SHELTON e KOSKENNIEMI cdi.

7 Ver, igualmente, ROMANO, Cesare, The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of the

Puzzle, 1999, pp.709-751; KEOHANE, Robert O., et al, Legalized Dispute Resolution: Interstate and

Transnational, 2000, p. 457-488; e CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal System of

the Growth of International Courts and Tribunals, 1999, pp.697-708. O que se pode perceber é que cada um

desses órgãos possui regras próprias para delimitar sua competência, legitimidade para proposição de demandas

e mecanismos para aplicação das decisões. 8 DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System and the

International Court of Justice, 1999, pp. 792-795.

18

significa essa unidade, se é que ela existe9”. Dessa forma, faz-se necessária uma discussão

preliminar acerca do caráter do sistema internacional, para que então se possa ter os elementos

fundamentais para a análise consistente acerca dos efeitos da expansão do Direito

Internacional.

Ao se analisar os termos em que é colocada a discussão, pode-se perceber que o

―problema da unidade‖ tem sido compreendido com base em uma concepção equivocada

acerca da natureza do sistema internacional. De acordo com o argumento de Koskenniemi,

essa noção se funda em uma analogia com o contexto doméstico, pela qual se assume um

nível tal de convergência de interesses que acaba por afastar a necessidade de discutir a

legitimidade das leis produzidas internamente. Nesse sentido, a norma seria aceita como um

bem público a priori, cujo ideal é “praticamente auto-evidente10

”.

Nesse sentido, a noção de unidade é duplamente questionada: por um lado, critica-se

a ausência, no plano internacional, de uma instituição capaz de estabelecer e interpretar as

normas; por outro lado, se houver um órgão (ou Estado) que exerça esse papel, ele criará uma

ordem internacional imperial, dada a heterogeneidade de interesses existente nesse cenário11

.

Tendo como referência essa perspectiva, é sintomática a constatação de que a

discussão acerca da fragmentação toma força justamente no momento em que ocorre o

movimento de expansão não uniforme da regulamentação jurídica internacional, uma vez que

esta se dá de forma específica em relação à agenda que é objeto de regulação. O que se pode

perceber, portanto, é que o debate tem como ponto central a discussão envolvendo instituições

que representariam uma idéia generalista do sistema normativo internacional (notadamente a

Corte Internacional de Justiça)12

.

Do que fora exposto, pode-se concluir, finalmente, que o debate acerca da ―unidade‖

do DI se pauta em uma concepção do contexto internacional como algo análogo ao contexto

doméstico. Dessa forma, aqueles que defendem a tese de sua fragmentação o fazem com base

na ausência de uma instituição de caráter geral, que tenha a competência para estabelecer e

9 DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System and the

International Court of Justice, 1999, p. 792, tradução do autor; grifo no original. 10

KOSKENNIEMI, Martti, International Legislation: Today‟s Limits and Possibilities, p.21, tradução do autor.

O mesmo autor nos atenta, em outro trabalho, para o fato de que essa concepção surge juntamente com o ideal

do Estado Moderno, alicerçada nos pressupostos liberais da liberdade, igualdade e legalidade (KOSKENNIEMI,

Martti. The Politics of International Law, p.1). 11

KOSKENNIEMI, Martti, International Legislation: Today‟s Limits and Possiblities, p.33. 12

Ver, por exemplo, DUPUY, Pierre Marie, L‟Unité de l‟ordre juridique international. Cours général de droit

international public, Académie de droit international de la Haye, Recueil des Cours, Nijhoff, 2003; CHARNEY,

Jonathan I., The Impact on the International Legal System of the Growth of International Courts and Tribunals,

1999, pp.697-708; ABI-SAAB, Georges, Fragmentation or Unification: Some Concluding Remarks, 1999,

pp.919-933.

19

determinar a aplicação das normas internacionais. Nessa perspectiva, os recentes movimentos

apresentados anteriormente – quais sejam, o de expansão não uniforme (caracterizado por

diferenças substanciais nas agendas reguladas) e o de aumento do número de Cortes e

Tribunais Internacionais – são utilizados por esses autores como indicadores da diminuição da

unidade do sistema normativo internacional.

A idéia da fragmentação seria formulada, portanto, com base na tese de que o

Direito Internacional não constituiria um ―sistema jurídico‖, de acordo com o conceito de

Hart. De acordo com esse autor, um sistema legal existiria a partir do momento em que esse

se fundasse na convivência harmônica entre ―normas primárias‖ e normas ―secundárias‖. As

primeiras seriam caracterizadas por prescrever comandos diretos de conduta aos sujeitos.

Normas secundárias, por sua vez, teriam como objetivo principal o estabelecimento de

procedimentos pelos quais as primárias poderiam ser identificadas, modificadas e

promulgadas13

- regras de reconhecimento (recognition), de mudança (change) e de

julgamento (adjudication), respectivamente. Foi com base nesse argumento que o próprio

autor concluiu que, apesar de ser Direito, o DI não seria um ―sistema jurídico‖14

.

Essas questões, envolvendo a existência e a unidade de um eventual ―sistema

normativo internacional‖, foram também abordadas pela Comissão de Direito Internacional da

ONU. De acordo com ela, a fragmentação deve ser analisada com base em três situações

distintas, a saber: (i) interpretações distintas, oriundas de órgãos diferentes, acerca de normas

gerais; (ii) emergência de exceções institucionalizadas por regimes específicos, que

implicariam um conflito entre normas de caráter geral e especial; e (iii) o conflito entre

normas especiais15

. Como se pode perceber, todos esses casos guardam íntima relação com os

movimentos de expansão não uniforme do DI e o de proliferação de Cortes e Tribunais

Internacionais.

O que se tem, portanto, é que qualquer tentativa de contestar essa noção deve

rediscutir as bases sobre as quais fora construído o problema, o que implica problematizar o

postulado básico da necessidade de similaridade entre as estruturas normativas doméstica e

internacional. Para tanto, faz-se necessária uma discussão teórica inicial, para que então se

possa redefinir a questão à luz de novas premissas. Conforme se argumentará, a idéia de

ordenamento jurídico internacional deve ser fundada em um arcabouço teórico próprio do

13

HART, H. L. A., The Concept of Law, 1994. 14

Para discussão acerca do conceito sistema jurídico (legal system) em Hart, ver, igualmente, STEPHENS, Tim,

Multiple International Courts and the „Fragmentation‟ of International Environmental Law, (2006), 25, Aust

YBIL, pp.230-231. 15

INTERNATIONAL LAW COMISSION, Study Group on Fragmentation report, 2002.

20

Direito Internacional, que seja capaz de compreender as vicissitudes do grupo social que é

objeto de sua regulamentação.

Seção II – Os problemas estruturais da abordagem tradicional

1- O postulado liberal: Concretude e normatividade

De acordo com a tese colocada anteriormente, o problema da fragmentação tem sido

abordado com base em um arcabouço teórico inadequado, na medida em que as principais

análises feitas a esse respeito assumem premissas de validade contestável. Nesse sentido, faz-

se necessária uma discussão mais detida, cujos objetivos são, além de identificar as limitações

daí decorrentes, construir um arcabouço teórico alternativo, fundado em postulados distintos

daqueles que têm sido utilizados. A importância desse tipo de discussão para a elaboração de

uma pesquisa consistente é destacada por Scobbie:

“Dessa forma, uma vez que autores partem de premissas diferentes (e muitas vezes

desarticuladas) acerca da natureza e função do Direito Internacional, não é

surpreendente que a adesão a diferentes pressupostos teóricos resulte em diferentes

conclusões sobre o que realmente identifica o Direito Internacional.”

“Pressupostos como esses são, entretanto, freqüentemente inarticulados, se não

invisíveis, em trabalhos de exposição substantiva, e ainda moldam entendimentos e

abordagens para as regras de Direito Internacional e seu conteúdo. Identificar as

premissas autorais é fator crucial para se avaliar o valor a ser dado a um

determinado argumento16

.”

Como destaca Kratochwil, critérios positivistas ainda são amplamente aceitos no

âmbito das Ciências Sociais17

. Contudo, destaca ele, a noção de causalidade, largamente

utilizada nesse tipo de análise, implica problemas metodológicos graves. Isso porque a

complexidade das relações sociais torna extremamente limitado seu alcance explicativo: dizer

que alguém tomou alguma atitude em virtude da ameaça feita por outra não implica afirmar

que, repetidas as circunstâncias, a mesma ação se seguiria18

. Dessa forma, a principal função

metodológica dessa noção se mostra comprometida, uma vez que a generalização do resultado

se torna algo inviável. Nesse sentido, ―testar‖ os resultados obtidos se mostra algo inútil, já

16

SCOBBIE, Iain. Some Common Heresies About International Law: Sundry Theoretical Perspectives, 2003,

p.64-65, tradução do autor. 17

KRATOCHWIL, Friedrich V., How do Norms Matter?, 2000, p.62. 18

KRATOCHWIL, Friedrich V., How do Norms Matter?, 2000, p.63. Tal situação se mostra ainda mais

complicada quando se altera o sujeito passivo da ação: afirmar que duas pessoas irão necessariamente se

comportar da mesma forma diante de uma mesma ameaça é algo extremamente problemático.

21

que normas sociais situam-se na ordem do ―dever ser‖ – pelo que se pode concluir que um

caso individual de desconformidade com o preceito legal não compromete sua existência19

.

O autor argumenta, igualmente, que os problemas enfrentados pelas concepções

clássicas de Direito e Relações Internacionais se exponenciam pelo fato de que partem de

concepções equivocadas tanto de Política quanto de Direito20

. De acordo com ele, a

tradicional idéia de que a Política Internacional é o espaço do conflito de interesses nacionais

- medidos em termos de poder – é forjada para que ela preserve sua autonomia, não se

confundindo com motivações de outra ordem. Da mesma forma, afirma que as concepções

―normativistas puras‖ também almejam se desvencilhar de contingências de ordem moral ou

social, a partir do momento em que identificam o fundamento de obrigatoriedade da norma

em seu processo formal de criação e com a observação de uma estrutura predeterminada.

É nesse ponto do argumento que o tradicional postulado da necessidade de unidade

do sistema normativo internacional – compreendida nos termos daquela que ocorre no Direito

Interno – manifesta suas maiores contradições. Conforme discutido anteriormente, tal

premissa tem como fundamento básico os valores do liberalismo (igualdade, liberdade e

legalidade), de acordo com os quais se formula a tese de que uma sociedade pode ser

constituída e organizada por regras jurídicas, oriundas de instituições políticas que em alguma

medida são capazes de absorver as demandas fundamentais do grupo social em questão.

Assumir a premissa da legalidade significa, igualmente, admitir que as normas

devem se revestir de duas dimensões bem definidas, quais sejam, a da concretude

(concreteness) e a da normatividade (normativity)21

. De acordo com o postulado da

concretude, há a necessidade de que a norma consagre uma situação objetiva, que traduza as

expectativas e interesses exatos dos membros de uma determinada sociedade. O comando

legal, quando construído dessa forma, evitaria o subjetivismo político – e, consequentemente,

um constrangimento ilegítimo. Em virtude de seu fundamento na demandas sociais, afastaria

definitivamente a vaga noção das teorias de ―Direito Natural‖. Por outro lado, o postulado da

19

Além disso, Kratochwil (idem, p.64) coloca outro relevante argumento para contestar o poder explicativo da

idéia de causalidade, quando se vale do seguinte exemplo: considere que algumas casas de um bairro desabem

durante um terremoto, mas que outras continuem com suas estruturas inabaladas. Em um primeiro momento, a

conclusão de que o terremoto fora a causa do desabamento parece inquestionável. Entretanto, a situação se

complica quando se percebe que todas as casas que desabaram foram construídas antes da entrada em vigor das

especificações de segurança para construção de prédios, e que aquelas que não ruíram foram construídas

atendendo-se a essas normas. A análise se mostraria ainda mais problemática se houvesse a constatação de que

um túnel havia sido construído na mesma região em que ocorreram os desabamentos, e que ele provavelmente

teria comprometido em algum grau a estrutura das casas. Conclui o autor, portanto, que esse tipo de abordagem é

insuficiente para abarcar a complexidade envolvida em no procedimento de tomada de decisão de um agente

social. 20

KRATOCHWIL, Friedrich V., How do Norms Matter?, 2000, p.38. 21

Ver, a esse respeito, KOSKENNIEMI, Martti. The Politics of International Law, p.4.

22

normatividade se consubstanciaria no caráter prescritivo da norma, na medida em que seu

comando de conduta (dever ser) deveria ser aplicado e obedecido independentemente de

qualquer interesse ou vontade dos sujeitos envolvidos22

. Se observados, portanto, esses

requisitos, o Direito conseguiria total independência em relação à política.

Entretanto, como bem observa Koskenniemi, concretude e normatividade são duas

dimensões contraditórias, cuja prevalência de uma delas se dará em detrimento da outra. O

que se pode perceber, portanto, é que em cada um dos casos se justificarão tendências

doutrinárias de matrizes antagônicas, ora realistas (por priorizarem o contexto material das

relações sociais na formação da norma), ora idealistas (que se caracterizam pela escolha

abstrata dos valores que devem orientar os sujeitos)23

. Em suas palavras:

“A doutrina predominante se refugia em assertivas gerais sobre a necessidade de

combinar concretude e normatividade, realismo e idealismo, o que não implica

nenhuma conseqüência para sua conclusão normativa. E então avança, enfatizando

a contextualização de cada decisão – indeterminando, assim, sua própria ênfase no

caráter geral e imparcial de seu sistema.”

“As contradições da própria doutrina forçam um pragmatismo empobrecido. Por

um lado, a ilusão “idealista” de que o Direito pode e efetivamente exerce um papel

na vida social entre Estados é preservada. Por outro, as críticas realistas foram

aceitas e é visto distintamente como algo secundário ao poder e à política. (...) O

estilo sobrevive porque nele reconhecemos a doutrina liberal à qual estamos

acostumados a depositar nossos argumentos políticos.”24

É com base nesse panorama que se encontram os argumentos para a justificativa de

duas abordagens distintas de explicação do fenômeno normativo. Na primeira delas, que se

baseia na dimensão da concretude, a explicação para o conteúdo das normas está na soberania

estatal. De acordo com ela, cada Estado, por ser soberano – e conseqüentemente autônomo –

tem a liberdade para fazer a opção pela submissão (ou não) a determinada norma25

. A

segunda abordagem se funda no procedimento de criação de uma norma como o elemento

que distinguiria o Direito de outras esferas da vida social. Nessa perspectiva, qualquer

comando de conduta que almeje o status de norma jurídica deve ter sido submetido a um

procedimento preestabelecido para sua elaboração26

.

22

Esses postulados garantiriam, assim, a neutralidade na aplicação da norma (normatividade), que refletiria os

anseios exatos da sociedade (concretude) à qual se destina. 23

Contudo, o próprio Koskenniemi nos adverte para o fato de que essa distinção tem uma importância

meramente heurística, uma vez que se mostram intimamente dependentes umas das outras. KOSKENNIEMI,

Martti. What´s International Law For?, pp.92-93. 24

KOSKENNIEMI, Martti. The Politics of International Law, p.8. 25

É sobre essa perspectiva que se funda a concepção voluntarista clássica, cuja consagração se dera na decisão

do ―Caso Lotus‖ da Corte Permanente de Justiça Internacional, em 7 de setembro de 1927. 26

Koskenniemi nos adverte para algo importante: a força que essas abordagens assumiram no meio acadêmico é

de tal magnitude que a maioria dos ―manuais‖ de Direito Internacional tem sua estrutura definida com base em

23

Tais correntes oscilam entre o que Koskenniemi chamou de apologia (valorização

excessiva da soberania como variável de análise do comportamento dos Estados) e utopia

(corrente que superestima o alcance explicativo da norma enquanto forma de conformação do

comportamento dos sujeitos)27

. O argumento exposto a seguir discute os fundamentos

teóricos que são utilizados como justificativa para cada uma delas. Com base nele, pode-se

inferir que elas são resultado da tensão entre instrumentalismo e formalismo, duas dimensões

comuns a essas abordagens e que carregam uma contradição intrínseca – equivocadamente

negligenciada por esses autores.

2- A teoria voluntarista e seus limites

A) Instrumentalismo e Formalismo

O Direito Internacional moderno tem como marco inicial o tratado de paz de

Westfalia (1648), no qual se teve a consagração do conceito de soberania, que se tornou a

base de todo ordenamento jurídico internacional calcado nas concepções clássicas28

. Nesse

sentido, cada Estado era um ente autônomo e independente, que não sofreria qualquer tipo de

constrição em seu processo de tomada de decisões. Dessa forma, não estaria submetido a

qualquer norma de caráter geral que conformasse seu comportamento29

. Nos dizeres de

Koskenniemi:

De acordo com o mito fundação do sistema, a Paz de Westfalia de 1648 criou as

bases para um Direito Internacional agnóstico e procedimental, cujo mérito

consistia em sua recusa em impor qualquer ideal normativo externo na sociedade

internacional. Os objetivos dessa sociedade emergiriam em decorrência de sua

própria criação: não havia qualquer noção religiosa ou transcendental sobre o

„bem‟ que o Direito Internacional deveria promover. Se existe uma „comunidade

internacional‟, essa é uma associação prática, nunca teleológica, um sistema que

uma ou em outra. Em alguns casos, eles têm sua primeira parte destinada aos ―fundamentos políticos‖ da ordem

internacional. Em outros, os textos se iniciam com uma exposição das fontes do DI, das quais se infere o

conteúdo de suas normas (KOSKENNIEMI, Martti. The Politics of International Law, p.11). 27

KOSKENNIEMI, Martti, From Apology to Utopia. The Structure of International Legal Argument, 1989. 28

O conceito de soberania consagrado nesse tratado passa a ser também a base das relações internacionais até a

Primeira Guerra Mundial; para uma discussão mais detalhada acerca da evolução histórica do conceito, ver

PEREIRA, Antônio Celso A. Soberania e Pós Modernidade, 2004. p. 619-661; ARRIGHI, Giovanni; SILVER,

Beverly J. Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. 334p;

Krasner, Stephen D. Sovereignty: Organized Hypocrisy. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1999;

WENDT, Alexander. Anarchy is What States Make of It: The Social Construction of Power Politics, 1992,

pp.391-425, e KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence: World Politics in

Transition. Boston: Little, Brown, 1977, ao criarem o conceito de interdependência complexa, também discutem

as modificações nessa concepção e suas repercussões para as relações internacionais. 29

Ver PELLET, Alain. As Novas Tendências do Direito Internacional: Aspectos “Macrojurídicos”, 2004, pp.2-

9; CAMPOS et al, Curso Derecho Internacional Publico, 1998, pp.64-66; e SHAW, International Law, 1991,

p.9.

24

fora desenhado não para promover valores pré-estabelecidos, mas para ordenar

ações práticas no sentido de se atingir objetivos das comunidades existentes30

.

Corolário. Dessa característica pode-se inferir que as relações entre os Estados,

considerados como os únicos atores do cenário internacional, não eram condicionadas por

qualquer valor comum que orientasse seu comportamento31

. É a partir desse panorama que

surge a concepção voluntarista clássica do DI: qualquer limitação normativa a atuação de um

determinado Estado somente poderia ocorrer na medida em que este consentisse com ela, já

que, pelo princípio da soberania, tinha autonomia para tomar suas decisões da forma que

julgasse melhor.

Descentralização Normativa. Na medida em que as normas de DI passam a existir

a partir do expresso consentimento dos Estados envolvidos, pode-se inferir que essas não têm

nenhum alcance para terceiros. Nesse sentido, o sistema normativo é relacional, ou seja,

decorre da interação direta entre os atores que concorreram para a sua formação. Assim, há a

exata coincidência entre seu autor e destinatário. Pelo fato de não haver qualquer poder

central (anarquia) ou valor que agregue essa sociedade, pode-se afirmar que esta é

descentralizada, o que significa dizer que são os próprios Estados os que formulam e aplicam

as normas32

. Não há, portanto, qualquer hierarquia entre elas, e o Direito Internacional é um

reflexo da relação de coexistência que rege o sistema.

Estrutura. Nas estruturas normativas internas o sistema legal é hierárquico, com um

poder central que detém o uso legítimo da força e exerce sua autoridade verticalmente33

. No

âmbito internacional, contudo, todos são formalmente iguais (já que todos detêm soberania),

motivo pelo qual as relações se dão horizontalmente, com um caráter de coordenação34

.

O DI teria, nesse sentido, a função de consagrar os objetivos dos atores políticos

que o criaram. Essa interpretação instrumentalista acerca de seu papel na Sociedade

30

KOSKENNIEMI, Martti. What´s International Law For?, p.90, tradução do autor. 31

Por esse motivo, muitos autores afirmam que nesse período existia uma Sociedade Internacional. Ver, a esse

respeito, MELLO, Celso, Direito Internacional Público, 2004, pp.51-76. A Sociedade Internacional se

distinguiria da Comunidade Internacional na medida em que a segunda se caracteriza pela existência um valor

comum que agrega e orienta a atuação dos atores nela inseridos. 32

Ver SHAW, International Law, 1991, p.6. 33

De acordo com a teoria kelseniana, cada norma retira seu fundamento de validade em uma norma superior, até

que se chegue ao nível constitucional, que se fundamenta em uma norma fundamental pressuposta logicamente

(KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1991). 34

Nesse sentido, afirma Waltz: “As partes dos sistemas políticos domésticos mantêm relações de superioridade

e subordinação. Alguns têm o condão do comando, outros devem apenas obedecer. Sistemas domésticos são

centralizados e hierárquicos. As partes do sistema político internacional mantêm relações de coordenação.

Formalmente, todos são iguais. Nenhum tem o condão do comando, ninguém deve obedecer. Sistemas

internacionais são descentralizados e anárquicos”. WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics,

1979, p.88, tradução do autor.

25

Internacional conviveria, por outro lado, com uma lógica formalista, pela qual os padrões de

comportamentos desejados seriam decorrentes justamente de normas cuja criação observou a

um processo legislativo específico35

.

Essa perspectiva formalista – ao relacionar o caráter jurídico de uma regra a seu

procedimento de elaboração – expurga qualquer critério axiológico da dimensão normativa.

Ao invés de serem encarados como ―ferramentas sociais‖, os diplomas normativos passam a

ser vistos como fins em si mesmos. Dessa forma, as dimensões de validade e legitimidade

existem a partir do momento em que os requisitos formais para sua elaboração sejam

atendidos. Nos dizeres de Pellet:

“Não importa qual o conteúdo das regras, ou a ratione legis, o único objeto digno

de estudo é a maneira pela qual as normas são formadas. E elas são formadas

exclusivamente pela vontade dos Estados, ou, mais exatamente, elas têm sido

criadas, uma vez e para sempre, pela vontade de certos Estados. Ademais, elas não

podem ser modificadas – exceto pelos mesmos métodos.”36

A convivência entre a lógica instrumental e a formal consagrariam, portanto, a

noção de que uma norma jurídica internacional somente teria existência na medida em que

coincidisse com a vontade do Estado que a criou. Haveria, assim, a exata correspondência

entre a norma, seu conteúdo e a manifestação volitiva emitida quando de sua formulação.

B) O Alcance explicativo limitado do voluntarismo

A abordagem voluntarista implica, contudo, problemas tanto de ordem formal

quanto de ordem material. No primeiro caso, o que se percebe é que o consentimento é

elemento insuficiente para a compreensão do caráter jurídico do DI. Ademais, essa

perspectiva parte do pressuposto de que a manifestação volitiva dos Estados ocorre de forma

livre de quaisquer constrangimentos o que, como será argumentado, compromete o alcance

explicativo dessa teoria.

a) Problemas de ordem formal.

A afirmação de que o consentimento é que confere caráter jurídico a uma norma se

mostra algo contraditório do ponto de vista lógico. Esse tipo de concepção se fundamenta,

como discutido, na óptica legalista, oriunda de ideais liberais37

. De sua análise pode-se

perceber, assim, uma excessiva valorização da dimensão da concretude, na medida em que

35

Ver, nesse sentido, KOSKENNIEMI, Martti. What´s International Law For?, p.104. 36

PELLET, Alain. The normative dilemma: Will and consent in International law-making, 1992, p.24, tradução

do autor. 37

Ver ―O postulado liberal: Concretude e normatividade‖, supra.

26

seria a demanda estatal (manifesta a partir do consentimento) a responsável pela juridicidade

do comando normativo. Diante disso, forçosa é a inferência de que uma mudança nas

condições sociais implicaria a modificação da própria natureza da demanda dos Estados.

Nesse caso, a norma formulada anteriormente não mais atenderia aos interesses das partes que

a criaram, o que comprometeria, destarte, seu caráter vinculante, na medida em que não mais

se verifica a correspondência entre a sua vontade e a resposta dada pelo diploma normativo38

.

Além disso, assumir como verdadeira essa colocação significa negligenciar a

dimensão da normatividade39

, na medida em que o comando legal deve corresponder à

necessidade material daqueles que estão a ele submetidos. Resta caracterizada, dessa forma,

uma incompatibilidade dessa situação com o pressuposto básico da teoria, qual seja o da

legalidade (que, como visto, se fundamenta nas dimensões da concretude e da

normatividade)40

.

Neste contexto, o que se pode concluir é que o postulado do consentimento se

mostra insuficiente para explicar tanto a natureza quanto o fundamento de validade do Direito

Internacional, na medida em que a vontade não é uma explicação suficiente, ou melhor, nem

sequer uma explicação, para seu caráter vinculante. Em posicionamento semelhante, conclui

Pellet que “a vontade dos Estados não só não é a base do Direito Internacional, como

também é uma enganadora explicação de como o Direito Internacional realmente funciona41

.

Questionar o papel do consentimento para a explicação da juridicidade das normas

do Direito Internacional não significa, contudo, desconsiderar sua pertinência para a

compreensão do fenômeno. A observação ora feita objetiva, frise-se, apontar a inviabilidade

de uma teoria que o consagre como a variável explicativa do modelo.

b) Problemas de ordem material.

A partir da análise da teoria voluntarista, é interessante, por fim, que se faça a

indagação acerca da viabilidade fática da noção de consentimento utilizada como sua

premissa. O que se percebe, nesse sentido, é que não há, na prática, nenhuma manifestação

volitiva que se dê de forma ―livre‖ ou independente, na medida em que há fortes

constrangimentos à atuação dos Estados decorrente do contexto no qual se desenvolvem suas

relações.

38

Para uma discussão mais específica sobre as limitações da doutrina voluntarista, ver PELLET, Alain. The

normative dilemma: Will and consent in International law-making, 1992. 39

É importante destacar que, “de acordo com o requisito da normatividade, o Direito deve ser aplicado

independentemente das preferências políticas dos sujeitos legais”. (KOSKENNIEMI, Martti, The Politics of

International Law, p3, tradução do autor). 40

Ver, igualmente, ―O postulado liberal: Concretude e normatividade‖, supra. 41

PELLET, Alain. The normative dilemma: Will and consent in International law-making, 1992, p.25, tradução

do autor. Ver, também nesse sentido, SHAW, International Law, 1991, p.9.

27

O que se tem, portanto, é que os pressupostos da igualdade e da liberdade de tomada

de decisões, corolários da noção clássica de soberania, se mostram algo meramente abstrato,

que não encontram guarita na realidade social.

Nas palavras de Pellet:

“Isso, de fato, é pura hipocrisia. Não basta desejar; é também necessário ser capaz

de desejar. E está muito claro que, na sociedade internacional, se os Estados são

iguais, alguns são „mais iguais‟ que os outros.

(...) É óbvio que o desejo de um Estado pequeno e fraco é „menos livre‟ que o

daqueles maiores e mais poderosos.

(...) Se os Estados são soberanos, por que eles celebram tratados que na realidade

não desejam? A resposta é porque eles precisam. Não apenas em virtude da

necessidade de dinheiro, assistência técnica, urgência de ajuda alimentar, etc. Mas

também porque sentem a absoluta necessidade de „participar‟. E isso é verdade não

só para os tratados, mas, de uma forma geral, para o Direito Internacional,

qualquer que seja sua forma.”42

Assim, deve-se ressaltar que o fato de que Estados mais poderosos têm condições de

fazer valer seus interesses em maior medida não quer dizer que o consentimento dos outros

seja, por essa razão, inválido. Dada a variedade de interesses envolvidos no Cenário

Internacional, aspirar que o DI consagre todos eles é algo, além de utópico, inútil, na medida

em que as normas não teriam a menor influência sobre este contexto43

.

Por fim, ao se atentar para a dinâmica atual das relações internacionais, pode-se

notar que do adensamento das teias de relacionamento emergem novas instituições jurídicas44

,

com características marcadamente distintas daquelas construídas sob a égide da concepção

westfaliana clássica. O voluntarismo se vê, portanto, diante de um problema de ordem

pragmática, qual seja, o de explicar esse fenômeno:

“Essa teoria também falha por não fornecer uma adequada explicação do sistema

legal internacional, na medida em que não leva em consideração o dramático

crescimento nas instituições internacionais e a rede de regras e regulamentações

que delas foi decorrente na última geração.

(...) Ela tenta colocar em foco a mudança de ênfase da exclusiva concentração no

Estado-Nação para a consideração de emergentes formas de cooperação nas quais

conceitos como consentimento e sanção são inadequados para explicar o que está

acontecendo.”45

42

PELLET, Alain. The normative dilemma: Will and consent in International law-making, 1992, pp.42-43,

tradução do autor. 43

Novamente se mostra a contradição entre os postulados da concretude e da normatividade. Nesse caso, a total

observância dos interesses estatais na produção normativa (dimensão da concretude) criaria um cenário em que o

sistema normativo daí decorrente seria um reflexo exato do cenário que regulamenta. Dessa forma, a dimensão

da normatividade estaria completamente comprometida. 44

Como nos sugere o movimento de expansão do Direito Internacional, apresentado anteriormente. 45

SHAW, International Law, 1991, p.10, tradução do autor.

28

Colocadas as limitações das teorias tradicionais de abordagem do Direito

Internacional, resta a necessidade de discussão e construção de um arcabouço teórico

alternativo, para que se possa, então, restabelecer as bases da discussão em torno do problema

da fragmentação. Conforme se argumentará, não se pode negligenciar o papel que o contexto

social exerce tanto no momento de criação quanto no momento de aplicação da norma.

PARTE II – ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL E ESPECIFICIDADE

NORMATIVA EM FUNÇÃO DA AGENDA COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA

UNIDADE DO DI

As seções anteriores desse trabalho abrigam uma discussão crítica acerca dos termos

nos quais é colocada a questão da ―fragmentação‖ do Direito Internacional. Conforme

argumentado, as tradicionais abordagens a esse respeito se baseiam em uma analogia com o

cenário doméstico que se mostra problemática (ver ―A noção de unidade e a analogia com o

Direito Interno‖, supra). Por essa razão, assumem pressupostos liberais que acabam por minar

sua teoria com uma contradição intrínseca (concretude X normatividade), traduzida na

inconsistente tensão entre instrumentalismo e formalismo (ver ―Instrumentalismo e

Formalismo‖, supra).

Conforme tese apresentada anteriormente, a redefinição do debate enseja uma

interpretação diversa do fenômeno da ―expansão do Direito Internacional‖46

. Esse ―rearranjo

conceitual‖ será feito com base na análise de duas tendências do atual cenário internacional: a

formação de um ordenamento jurídico internacional47

e a especificidade normativa em função

da agenda48

.

A noção de ordem jurídica internacional deve ser compreendida à luz das

peculiaridades do grupo social que é objeto de sua regulação. Nesse sentido, o que se deve

46

Nesse caso, a expressão abarca os dois movimentos indicados, na primeira seção desse trabalho, como causas

imediatas da ―fragmentação‖: a juridicização de novas áreas e o aumento do número de Cortes e Tribunais

Internacionais. 47

A expressão Ordenamento Jurídico Internacional é utilizada, nesse caso, em um sentido semelhante ao

conceito de ―sistema jurídico‖ (legal system) na obra de Hart (ver nota 13, supra). Ambas implicam a existência

de um conjunto normativo organizado a partir de certo grau de unidade e hierarquia, em que não haja a

convivência de normas ou princípios excludentes. 48

Por especificidade normativa em função da agenda deve-se compreender a diferenciação do desenho jurídico-

institucional em função das áreas que são objeto de regulamentação. Como se sabe, as normas de Direitos

Humanos, por exemplo, constituem um regime claramente distinto daquele construído pelas normas de

Comércio Internacional.

29

ressaltar é o fato de que esse sua existência não poder ser discutida com base em uma analogia

pura em relação à ordem jurídica interna de cada Estado. Sua consolidação decorre do

alargamento do número de sujeitos na esfera internacional (i); bem como da modificação dos

padrões de formação (ii) e aplicação (iii) do Direito Internacional.

A especificidade normativa em função da agenda é a base do argumento a favor da

fragmentação, uma vez que ela favoreceria a criação de sistemas normativos autônomos, com

princípios próprios e contraditórios. Contudo, quando se confronta esse movimento com a

noção de ordem jurídica internacional, pode-se tecer algumas considerações em sentido

diverso. O argumento central é o de que essa especialização ocorre não em virtude da

existência de princípios diversos que orientariam a formação de regimes mutuamente

excludentes, mas que ela se dá com vistas às necessidades políticas que são enfrentadas em

cada uma dessas áreas. O que se tem, portanto, é que desenhos institucionais diferentes

surgem em razão de demandas específicas, o que não significa, a princípio, que se

fundamentam em princípios incompatíveis.

Seção I: A constituição de uma ordem jurídica internacional

O surgimento do ordenamento jurídico internacional deve ser analisado com base na

convergência de duas dimensões distintas. A primeira delas é a dimensão axiológica, pela

qual se verifica a existência de valores comuns capazes de orientar o comportamento dos

sujeitos da Sociedade Internacional. A segunda é a dimensão normativa, na qual esses valores

– considerados como universalmente aceitos – passam a ser consagrados por normas

juridicamente vinculantes.

O que se pode perceber, portanto, é que antes que se faça uma discussão mais

precisa dos elementos normativos constitutivos da ordem jurídica internacional, faz-se

necessária uma análise de quais são seus fundamentos, que despertam em seus sujeitos a

noção de ―ordem pública‖. Nesse sentido, destaca Allott:

“O gerenciamento da ordem pública de uma sociedade reflete suas teorias, valores e

propósitos, dado que ele é parte integral não apenas de sua auto-constituição real

(material) e legal, mas também do ideal de sua auto-constituição. (...) Elas são

idéias que alteram e são alteradas pela auto-constituição social nacional, de forma

30

que começam a ser apropriadas como um emergente processo ideal de auto-

constituição mesmo no nível global49

.”

1- A emergência de valores comuns à Sociedade Internacional

.

A modificação dos padrões de relacionamento da Sociedade Internacional do

período Pós-II Guerra Mundial são acompanhados pelo reconhecimento de valores

considerados de importância fundamental. Tal fenômeno é amplamente reconhecido pela

doutrina, que indica, por exemplo, valores como a manutenção da paz e da segurança

internacionais, proteção dos Direitos Humanos e do Meio-Ambiente, proibição do

Genocídio50

, etc. Além disso, instrumentos normativos internacionais fazem referência à

existência de ―interesses comuns da humanidade‖51

, ou ainda à ―Comunidade Internacional‖52

como uma entidade dotada de autoridade para regular a ação coletiva53

. A própria Carta da

Organização das Nações Unidas tem uma listagem de princípios fundamentais, e cria a

obrigação, oponível erga omnes, de manutenção da paz e da segurança internacionais54

.

O que se deve destacar, contudo, é que os valores têm um alcance limitado no que

diz respeito à sua capacidade de conformar o comportamento dos sujeitos55

. Nesse sentido, o

relacionamento entre valor e norma é de primordial importância para a compreensão da noção

de ordem jurídica internacional. Conforme ressaltado anteriormente, os valores atuam na

dimensão da constituição ideal da Sociedade Internacional, indicando quais são os bens que

devem ser por ela protegidos. Dessa forma, atuam como elementos de legitimação de suas

normas constitutivas56

.

Os valores exercem sua influência, assim, a partir de uma perspectiva informativa,

pela qual moldam o conteúdo das normas, cujo objetivo é consagrar os anseios comuns de um

determinado grupo social. É nesse sentido que Martha Finnemore e Stephen Toope afirmam

49

ALLOTT, Philip, The Concept of International Law, 2000, p.79, tradução e grifo do autor. 50

Ver, dentre outros, CAMPOS et al, Curso Derecho Internacional Publico, 1998, p.79; CASSESE,

International Law, 2001, p.16, BROTÓNS, Antonio Remiro, et al, Derecho Internacional, 1997, pp.22-30; Ver

PELLET, Alain. As Novas Tendências do Direito Internacional: Aspectos “Macrojurídicos”, 2004, pp. 18-19. 51

Ver Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, art. 137(2); Tratado sobre os Princípios Reguladores

das Atividades dos Estados na Exploração e no Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos

Celestes (1967), preâmbulo, parágrafo 2. 52

Ver, por exemplo, art. 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969); e arts. 136-137 da

Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar. 53

Nesse sentido, SHELTON, Dinah, International Law and Relative Normativity, 2003, p.152. 54

Ver artigo 2 (6) da Carta. 55

KRATOCHWIL, Friedrich V., How do Norms Matter?, 2000, pp.57-63. 56

FRANCK, Thomas M. Fairness in International Law and Institutions, 1995, pp.26-46.

31

que o Direito deve ser compreendido como um processo57

social, e não apenas a partir de uma

perspectiva estática, na qual as normas seriam estabelecidas com base em um único

procedimento de tomada de decisão durante o momento de sua criação:

“O Direito, e consequentemente a juridicização (legalization), referem-se muito

mais a processo do que a forma ou produto. Muito do que legitima o Direito e o

distingue de outras formas de normalização são os processos pelos quais ele é

criado e aplicado – aderência a valores legais processuais, a habilidade dos atores

em participar e ser sensíveis à sua influência, e o uso de formas legais de

raciocínio.”58

O que se tem, portanto, é que a dimensão axiológica não é suficiente para a

explicação da formação de uma ordem jurídica internacional. Sua compreensão deve também

abarcar, como visto, a dimensão normativa, a qual é resultante do processo de

consubstanciação desses valores fundamentais em instituições e desenhos normativos

minimamente definidos59

.

57

O que se percebe, portanto, é que a perspectiva adotada nesse trabalho se coaduna com o que a doutrina chama

de matriz sociológica de interpretação do Direito Internacional, na qual o processo legal é interpretado com

vistas aos elementos sociais que concorreram para sua formação. Conforme se argumentará essa perspectiva

rompe com os postulados das tradicionais teorias discutidas na anteriormente (ver ―Os problemas estruturais da

abordagem tradicional‖, supra). 58

FINNEMORE, Martha & TOOPE, Stephen; Alternatives to “Legalization”: Richer Views of Law and Politics,

2001, p.750. 59

Para uma visão mais detalhada acerca do processo social de formação de uma norma, ver os argumentos com

Kowert & Legro, de acordo com os quais o processo de constituição normativa internacional pode ser analisado à

luz de três variáveis básicas: processo ecológico (ecological process) (i); processo social (ii); processo interno

(iii).

A primeira delas refere-se ao ―ambiente‖ em que se desenvolvem as relações entre os atores. Os autores

colocam três exemplos de situações que podem interferir na produção normativa (KOWERT & LEGRO, Norms,

Identity, and Their Limits: A Theoretical Reprise, 1996, p.470). Em uma situação pode ser ter uma dramática

mudança no ambiente; em outra pode se ter uma continuidade e estabilidade nos valores consagrados; e, por fim,

pode se ter uma situação de ambigüidade e incerteza com relação aos padrões de relacionamento social.

Certamente as normas produzidas em cada um desses contextos terão caráter diverso, por refletirem

preocupações distintas de seus formuladores.

Os processos sociais, por sua vez, se referem à maneira pela qual os agentes do sistema interagem

(KOWERT & LEGRO, Norms, Identity, and Their Limits: A Theoretical Reprise, 1996, p.474). A maior ou

menor capacidade de interação entre esses agentes seria responsável por uma proporcional capacidade de difusão

e solidificação de valores, com conseqüente repercussão no conteúdo dessas normas. Um exemplo dessa interferência é fornecido por Martha Finnemore e Michael Barnett (FINNEMORE &

BARNETT, The Politics, Power and Pathologies of Internarional Organizations, 1999). De acordo com esses

autores, as Organizações Internacionais teriam poder para modificar a atuação dos atores no sistema na medida

em que conseguem classificar fenômenos, fixar significados e difundir normas. Como exemplo disso, citam a

diferença de perspectiva com a qual se tratou os países do ―terceiro mundo‖, quando, na década de 70, eram

classificados como ―subdesenvolvidos‖; e na década de 80, quando passaram a ser vistos como ―em

desenvolvimento‖. O que importa, nesse caso, é ressaltar como um determinado padrão de interação entre os

atores (nesse caso via Organizações Internacionais) tem o condão de modificar seu comportamento, alterar suas

preferências e conseqüentemente influenciar a produção normativa.

32

2- A dimensão normativa

A discussão da forma pela qual a dimensão normativa constitui e define a

configuração da ordem jurídica internacional terá como base, em um primeiro momento,

compreensão dos padrões normativos verificados em seu seio (i.e., a partir da idéia de

estruturas normativas). Isto feito, analisar-se-á os fatores que determinam a convivência

desses padrões à luz de três relevantes dimensões do DI: seus sujeitos, a sua formação e sua

aplicação.

A) A Ordem Internacional e a convivência de várias Estruturas Normativas

Ao analisar o cenário em transição, González Campos identificou a convivência de

três estruturas jurídicas dentro do ordenamento jurídico internacional60

. De acordo com o

argumento exposto, o referido cenário, pela convivência simultânea de instituições novas e

clássicas, apresenta demandas de natureza diversa. Dessa forma, cada uma dessas estruturas

implicaria um núcleo de normas distinto, que emergiria justamente para dar conta dessa

diversidade existente no sistema internacional.

A última variável capaz de interferir na produção normativa seria o processo interno. Muitos autores têm

destacado a importância do jogo político interno na atuação dos Estados enquanto atores internacionais. Assim,

uma alteração da conjuntura política interna pode significar uma alteração da atuação internacional desse Estado,

repercutindo no processo de criação de normas (ver, por exemplo, PUTNAM, Diplomacy and Domestic Politics:

The Logic of Two-Level Games 1988; PUTNAM, EVANS & JACOBSON, Double-Edged Diplomacy:

International Bargaining and Domestic Politics, 1993; MILNER, Interests, Institutions and Information:

Domestic Politics and International Relations, 1997; MARTIN, Democratic Commitments: Legislatures and

International Cooperation, 2000.

Em argumento semelhante, Finnemore e Sikking afirmam que as normas passam por três estágios

básicos: (i) emergência; (ii) difusão e (iii) internalização (FINNEMORE E SIKKING, International Norm

Dynamics and Political Change, 1998, p.258).

A emergência de uma norma seria proveniente da atuação do ―empreendedor‖, que, por algum motivo

(ideais políticos, altruísmo, compromissos políticos, etc) resolve se valer do mecanismo de persuasão para lançar

a discussão acerca de uma determinada regra na Sociedade Internacional.

A difusão dessa norma ficaria a cargo dos atores que agem nesse cenário, da maneira pela qual o fazem

(Estados, Organizações, etc) que, para conseguir legitimidade para suas ações nesse cenário, ou até mesmo para

manter sua ―reputação‖, decidem assumir o discurso axiológico por elas proposto. Isso pode ser concretizado por

mecanismos de socialização, institucionalização ou demonstração.

Uma vez difundida uma determinada norma, ela definitivamente interfere nas relações internacionais a

partir do momento em que se encontram ―internalizadas‖ no corpo de seus atores, se manifestando em suas leis,

profissionais e burocracia. Dessa forma, passam a ser institucionalizadas (inclusive do ponto de vista do direito

interno), e se tornam ―habituais‖.

Argumentam ainda que esse processo não se dá de maneira uniforme com todas as normas. Seu

desenvolvimento dependerá da ―pertinência e relevância‖ do que fora proposto face as vicissitudes das relações

que visam regular. Assim, somente serão adotadas se em conformidade com as preferências dos atores. Nesse

ponto o argumento desses autores vai ao encontro daquele adotado por Kowert & Legro. 60

CAMPOS et al, Curso de Derecho Internacional Publico, 1998, pp.76-82.

33

O primeiro desses núcleos normativos se fundamenta nos princípios consagrados a

partir do Tratado de Westfalia, que consolidam as noções de soberania e autonomia como

pressupostos balizadores do relacionamento inter-estatal. Como já discutido, tem-se, nesse

caso, relações horizontalizadas, cujo objetivo maior é propiciar a coexistência entre os atores.

Nesse sentido, seu conteúdo é eminentemente procedimental, na medida em que visa à

regulação do exercício do poder estatal. A atuação de outros atores não é, portanto, uma

questão abarcada por essa estrutura relacional, pelo que se constata que indivíduos somente

são considerados enquanto sujeitos do ordenamento interno, e os povos são apenas simples

componentes dos Estados.

No final do século XIX, percebe-se, contudo, a emergência de um conjunto

normativo com características distintas, que se desenvolveu de forma mais consistente no

início do século XX. Ele é resultado de ações conjuntas dos Estados no sentido de se

promover a cooperação como forma de solucionar questões ―isoladas‖, em distintas esferas de

interesse. São, portanto, esforços em certa medida desconexos e irregulares, na medida em

que não objetivam a universalização de qualquer prática ou valor. Sua operacionalização se

faz a partir de tratados multilaterais e reuniões periódicas em conferências internacionais. A

constituição desse núcleo foi o primeiro passo para que a sociedade internacional conseguisse

ultrapassar o frágil e instável arranjo de equilíbrio de poder representado pelo concerto

europeu. A periodicização desses encontros multilaterais lançou o germe das atuais

Organizações Internacionais, a partir da criação, por exemplo, de Comissões e Uniões

internacionais61

.

A partir desse momento, assistiu-se a um movimento de crescente

institucionalização, que conferiu um certo caráter de verticalização ao sistema. Assim, com o

fortalecimento da cooperação internacional, foi possível que um novo grupo de normas

emergisse com o intuito de promover e consagrar valores e princípios relevantes para a

―comunidade internacional‖ como um todo. Essa tendência universalizante tem como

indicador, por exemplo, a criação da ONU, que tem sua atuação voltada para a promoção da

paz e dos direitos humanos, por exemplo. Surge, portanto, a noção de obrigações jurídicas

internacionais oponíveis erga omnes. Os indivíduos assumem um status de sujeitos dessas

normas, podendo ser inclusive responsabilizados por sua transgressão.

61

CAMPOS et al, Curso de Derecho Internacional Publico, 1998, pp.78-79; TRINDADE, Antônio A. Cançado,

Direito das Organizações Internacionais, 2002, 77-121; CAMPOS, João Mota de (coord.), Organizações

Internacionais, pp. 27-33.

34

Deve-se ressaltar, contudo, que essas três esferas estão em constante interação,

sendo muito difícil identificar seus limites na realidade social. Mas, ao se considerá-las,

levando em conta suas diferenças e efeitos sobre o comportamento dos atores, pode-se

compreender mais facilmente como se manifesta a dinâmica de relacionamentos dentro do

atual Cenário Internacional.

Conforme enunciado anteriormente, a análise acerca de como ocorre a interação

entre elas deve ser feita com vistas aos sujeitos que criam as normas, a seu processo de

formação e à sua aplicação.

B) O alargamento do rol dos sujeitos do Direito Internacional

No momento de criação do Estado Moderno, tem-se a formação da primeira

estrutura normativa internacional, caracterizada pela única existência dos Estados como

sujeitos do DI. Nesse sentido, admitia-se que normas com caráter jurídico somente poderiam

ser estabelecidas, nesse cenário, por atores dotados de soberania, na medida em que esses

teriam, por essa razão, autonomia62

para decidir acerca de sua (não) submissão a determinados

compromissos internacionais63

.

Com a modificação da Sociedade Internacional, notadamente após o período das

duas Guerras Mundiais, pode-se perceber o surgimento e consolidação de mais um grupo de

sujeitos de Direito Internacional, representado pelas Organizações Internacionais

(Intergovernamentais – OI’s)64

. Elas vão, paulatinamente, adquirindo status cada vez mais

relevante nesse Cenário65

, tese reforçada pela tendência de universalização de instituições

como a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Além disso, a consolidação da proteção internacional dos Direitos Humanos chamou

a atenção para a emergência do indivíduo como outro sujeito do DI66

. Se a personalidade

jurídica dos mesmos fora adquirida, em um primeiro momento, na perspectiva passiva, o que

62

A autonomia é decorrência, portanto, de não haver nesse cenário nenhum poder superior com legitimidade

para criar e aplicar normas. 63

Ver, por exemplo, CASSESE, International Law, 2001, p.22. 64

O reconhecimento de sua personalidade jurídica tem seu marco em 1949, com o Parecer Consultivo da Corte

Internacional de Justiça no caso da Reparação de danos sofridos a serviço das Nações Unidas (11 de abril de

1949, Rec. 1949, p.174). 65

Fato reconhecido com a elaboração da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e

Organizações Internacionais ou entre OI’s de 1986, que consagra definitivamente a capacidade ativa dessas

instituições para celebração de acordos internacionais com esse caráter. 66

Ver, nesse sentido, TRINDADE, Antônio Augusto Cançado, Direitos Humanos: personalidade e capacidade

jurídica internacional do indivíduo, 2004.

35

se pode perceber é que eles podem exercer direitos de forma ativa tanto no campo dos

Direitos Humanos67

quanto no campo da proteção aos investimentos e em casos excepcionais

em relação à proteção do Meio-Ambiente68

.

Por fim, deve-se ressaltar a situação de atores do Cenário Internacional que ainda

não se consolidaram enquanto sujeitos, mas que colocam consistentes demandas por maior

participação nesse contexto. Têm-se como exemplos, nesse caso, a atuação de vários grupos

paraestatais, tais como: entes federados69

, organizações não-governamentais70

, e facções

terroristas71

.

Por fim, deve-se fazer duas importantes observações. A primeira delas refere-se ao

fato de que a emergência desses novos atores não implica a superação da noção de Estado.

Sua figura continua sendo, em última análise, a base de sustentação do Direito Internacional.

A segunda observação deve ser feita para que se ressalte que esse aumento no número de

sujeitos terá repercussões importantes tanto para a formação quanto para a aplicação das

normas internacionais. As discussões que se seguem trarão importantes elementos para a

compreensão dos alcances e limites dessa interferência.

C) A formação das normas jurídicas internacionais

Os padrões de criação de normas no atual Cenário Internacional devem ser

analisados à luz de dois movimentos convergentes: (i) o de normatividade relativa (relative

normativity); e o de (ii) codificação e juridicização de novas áreas da agenda. O argumento

básico construído a partir dessas idéias é o de que elas contribuem para a afirmação do

ordenamento jurídico internacional na medida em que permitem que esse se molde às

necessidades específicas vivenciadas pelos atores em cada uma das áreas que são objeto de

sua regulamentação72

.

67

No qual o caso da Corte Européia de Direitos Humanos é paradigmático, na medida em que permite que o

próprio indivíduo proponha perante a mesma uma demanda. 68

Ver, nesse sentido, PELLET, Alain, As Novas Tendências do Direito Internacional: Aspectos

“Macrojurídicos”, 2004, p.6. Mas, como destaca o autor, a consolidação do indivíduo como sujeito do DI ainda

carece de avanços institucionais que permitam com que ele tenha maior capacidade de atuação na esfera

internacional. 69

Ver, a esse respeito, VIGEVANI, Tullo (org.), et al, A Dimensão Subnacional e as Relações Internacionais,

2004. 70

Ver, sobre a criação de canais de comunicação entre a sociedade civil organizada e as OI’s, TUSSIE, Novos

Procedimentos e Velhos Mecanismos: a governança global e a sociedade civil, 2003. 71

Ver resoluções 1368 (2001) e 1373 (2001) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 72

Como se verá a seguir, esse é o ponto central da tese contrária à noção de Fragmentação do Direito

Internacional.

36

a) A questão da normatividade relativa

Conforme destaca Dinah Shelton, a questão da normatividade relativa “refere-se à

natureza e à estrutura do Direito Internacional. Ela envolve questões de hierarquia entre

fontes e normas e abarca as regras de reconhecimento pelas quais o Direito se distingue de

outras normas que não são juridicamente vinculantes73

”.

O que se tem, portanto, é que o entendimento da normatividade relativa do Direito

Internacional requer a análise dos vários níveis de obrigatoriedade dos quais suas normas

podem se revestir. Eles variam, dessa forma, em função da matéria que regulam, dos sujeitos

a que são oponíveis e dos mecanismos disponíveis para sua aplicação e implementação. Pode-

se, nesse sentido, indicar duas matrizes antagônicas, que determinarão os limites de um amplo

espectro ao longo do qual esses diferentes níveis de vinculação podem ser estabelecidos. A

primeira delas é constituída pelas normas imperativas (jus cogens), ao passo que a segunda

abarca as chamadas ―soft laws‖.

i) O surgimento de normas imperativas

A existência de normas imperativas (jus cogens) é reconhecida no artigo 53 da

Convenção de Viena de Direito dos Tratados de 1969 (CVDT), que dispõe que essas são

normas das quais nenhuma derrogação é possível, e que somente podem ser modificadas por

norma de Direito Internacional de igual valor.

Como se pode perceber, essas normas compõem uma matriz normativa cujo nível de

obrigatoriedade é, a princípio, máximo, na medida em que nenhum sujeito pode se furtar a seu

cumprimento. Contudo, não há, em nenhum instrumento normativo, uma definição que

forneça elementos concretos para sua identificação. Não há, tampouco nas decisões de órgãos

internacionais, nenhum consenso a esse respeito74

: em alguns casos, ela se mostra reticente ao

enfrentar a questão75

, e em outros ela o faz de forma bastante específica, para atribuir a certas

normas esse caráter76

.

Dessa forma, é a doutrina que promove esforços mais concretos no sentido de

estabelecer sua definição e alcances. De acordo com Antonio Cassese77

, uma ―obrigação

73

SHELTON, Dinah, International Law and “Relative Normativity”, 2003, p.145. 74

Ver, nesse sentido, SHELTON, Dinah, International Law and “Relative Normativity”, 2003, pp. 152-158. 75

Ver, por exemplo, o caso do Arrest warrant de 11 de abril de 2000, (República Democrática do Congo X

Bélgica), ICJ reports, 2002, no qual a República Democrática do Congo argüiu o caráter de imperatividade do

costume internacional que conferia a ministros das relações exteriores imunidade absoluta em casos de eventuais

processos criminais. A Corte decidiu o caso sem discutir o possível status de jus cogens da referida norma. 76

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, declarou, por exemplo, o direito à vida como uma norma de

jus cogens (ver Rep No. 47/96, OR OEA/Ser.L/V/II.95/Doc.7, ver (1997), pp. 146-147. 77

CASSESE, Antonio, International Law, 2001, pp.15-16.

37

comunitária‖ pode ser identificada pela existência de cinco características: (i) proteção de

valores fundamentais (paz, direitos humanos, autodeterminação dos povos, proteção ao Meio-

Ambiente); (ii) oponibilidade a todos os membros da comunidade (obrigações erga omnes) –

ou pelo menos a todos os Estados parte de tratados multilaterais78

; (iii) existência correlata de

um direito a qualquer desses membros; (iv) que pode ser exercido mesmo não tendo sido o

sujeito diretamente (materialmente ou moralmente) atingido por sua violação; (v) o que é

feito em nome de toda a comunidade internacional (o dano representado pela violação da

obrigação em questão representa, nesse sentido, uma afronta a todos os Estados, uma vez que

decorre da inobservância de valores fundamentais da mesma)79

.

De se destacar, contudo, que os avanços representados por essa noção, que remete à

uma concepção ―comunitarista‖ do Direito Internacional, são contrabalançados pela

indefinição acerca do conceito de normas imperativas, bem como pela inexistência de

previsão das conseqüências de sua violação:

“Conceitualmente, trata-se de um passo à frente em direção à comunitarização do

Direito Internacional; mas, concretamente, a idéia segundo a qual a violação do

direito por um Estado pode trazer reações por parte da comunidade internacional

em seu conjunto só tem – e sem dúvida está destinada a só ter durante muito tempo –

conseqüências bastante limitadas: de um lado, as próprias regras de „jus cogens‟

são necessariamente muito pouco numerosas em uma sociedade internacional ainda

muito pouco integrada e solidária; por outro, as conseqüências concretas das

„violações graves‟, enumeradas de maneira incompleta no artigo 41 do projeto da

CDI, permanecem incertas e indiscutidas80

.”

ii) As normas brandas - ―Soft Law‖

A noção de normas brandas (soft law) toma força justamente em decorrência da

dificuldade para se estabelecer normas imperativas, bem como dos ―custos de soberania‖81

a

que os Estados se submeteriam caso fizessem dessas últimas a base de regulamentação das

78

Muitos teóricos de Relações Internacionais (MARTIN, Lisa L. Interests, Power and Multilateralism, 1992, pp.

765-792; RUGGIE, John Gerard. Multilateralism: The Anatomy of an Institution 1993, pp. 3-47) apontam, nesse

sentido, o surgimento do multilateralismo como resultado do que chamam de reciprocidade difusa de princípios,

que nada mais é do que a oponibilidade erga omnes das obrigações internacionais. 79

Ver, por exemplo, artigo 40 do Projeto (de 2001) da Comissão de Direito Internacional da ONU (CDI) sobre

fato intencionalmente ilícito, que dispõe que a violação grave de uma obrigação decorrente de uma norma de

imperativa de Direito Internacional implica a responsabilização do Estado independentemente da comprovação

da existência do dano. 80

PELLET, Alain, As Novas Tendências do Direito Internacional: Aspectos “Macrojurídicos”, 2003, p.19. 81

A expressão ―custos de soberania‖, nesse caso, refere-se aos problemas enfrentados por um Estado quando

este perde o controle (autonomia) do processo de tomada de decisão.

38

relações internacionais. Assim, são utilizadas com o intuito de se reduzir os custos de

contratação, monitoramento e de efetivação de seus comandos82

.

O conceito de normas brandas também é algo controverso entre os estudiosos do

assunto, uma vez que alguns as admitem em casos que o vínculo jurídico existe (apesar de

fraco)83

e que outros atestam sua existência em casos nos quais não há vinculação jurídica

entre os envolvidos84

. O que interessa para o argumento aqui desenvolvido é que esse tipo de

normas constitui o outro extremo da matriz da normatividade relativa, cujo objetivo principal

é atuar em uma dimensão muito mais informativa (programática) da ação dos Estados do que

necessariamente vinculante.

Como destaca Dinah Shelton, essas normas têm um crescente papel no atual

contexto das relações internacionais e do desenvolvimento do Direito Internacional, já que

podem: (i) preceder e ensejar a criação de costumes e tratados internacionais; (ii) atuar em

uma dimensão ―supletiva‖, preenchendo lacunas principalmente no momento da interpretação

de outras normas internacionais; (iii) substituir obrigações legais quando as necessidades

contextuais fazem da elaboração de um tratado algo muito custoso e que dispendioso de

tempo85

. Pode-se concluir, a partir desse breve estudo, que sua existência e crescimento, ao

invés de representarem uma ameaça ao DI podem indicar um momento de maturidade do

ordenamento jurídico internacional86

.

b) Os movimentos de codificação e expansão do Direito Internacional

A noção de ordem jurídica internacional deve ser igualmente analisada à luz de duas

tendências verificadas em seu seio: os movimentos de codificação (i) e de juridicização de

novas áreas da agenda internacional (ii).

A codificação do Direito Internacional ocorre quando são criados Tratados

Internacionais cujo objeto é a regulamentação de áreas normalizadas por costumes

internacionais. Não há, a rigor técnico, inovação em relação às matérias alcançadas pelo DI,

uma vez que seu objetivo é apenas o de fixar com mais clareza os parâmetros das obrigações

82

Ver, nesse sentido, ABBOTT & SNIDAL, Hard and soft law in the International Governance, 2000, pp.433-

435. 83

ABBOTT & SNIDAL, Hard and soft law in the International Governance, 2000. 84

SHELTON, Dinah, International Law and “Relative Normativity”, 2003, p. 168. 85

SHELTON, Dinah, International Law and “Relative Normativity”, 2003, p. 169. 86

Vale lembrar que muitas vezes a escolha que se coloca é entre a regulamentação via normas brandas ou

nenhum tipo de regulação.

39

ora assumidas87

. O movimento de expansão, por sua vez, é caracterizado pela criação de

normas jurídicas em relação à áreas que ainda não eram regulamentadas pelo DI88

.

O que se pode perceber, portanto, é que os Tratados Internacionais se mostram um

elemento essencial para a consolidação de ambos os movimentos. É interessante se destacar,

nesse caso, a existência de um aparente paradoxo: em sua natureza, o tratado nada mais é do

que um instrumento particular do qual os Estados se valem para regulamentar situações

específicas. A pergunta que se coloca, dessa forma, refere-se a explicação de como ele

consegue se desprender da óptica privada para se tornar um claro meio de se criar e consagrar

obrigações de ordem pública.

Os primeiros indícios dessa tendência surgem juntamente com a emergência dos

primeiros tratados multilaterais (marcados pela reciprocidade difusa de seus princípios)89

, que

primam por consagrar valores aceitos por todos aqueles que são parte dos mesmos. Nesse

sentido, destaca Philip Allott:

“Na legislação, a dialética das idéias domina a dialética da prática. A dialética das

idéias, que é dissimulada na dialética da prática dos costumes jurídicos se torna a

forma dominante de dialética da prática, no sentido de que o ato legislativo reflete

uma proposital escolha específica de uma possibilidade futura para a sociedade em

questão, de acordo com as teorias e na implementação de valores e propósitos dessa

sociedade. Mas o Direito legislado é estruturalmente o mesmo do direito

consuetudinário, no sentido de que ele consiste em relações jurídicas, nas quais o

comportamento em conformidade com o Direito legislado é também

necessariamente comportamento que serve o interesse comum da sociedade90

.”

Diante desse contexto, podem ser indicados quatro efeitos básicos da tendência à

crescente utilização dos tratados internacionais no cenário internacional: (i) a criação de

costumes jurídicos que atinjam a partes que não são vinculadas a um tratado, em decorrência

da generalização de práticas dele resultantes91

; (ii) a criação de situações objetivas que devem

87

Ver, nesse sentido, CAMPOS, Curso de Derecho Internacional, 1998, pp. 109-111. 88

É nesse sentido que o artigo 13, parágrafo 1º, a, da Carta da ONU estabelece que é função da Assembléia

Geral a de promover estudos e fazer recomendações com fins de impulsionar o progressivo desenvolvimento do

Direito Internacional e sua codificação (o que são, destarte, os objetivos precípuos da CDI). 89

Ver, nesse sentido, CAMPOS, p.78; KOSKENNIEMI, Martti, International Legislation: Today‟s Limits and

Possiblities, pp.9-14. 90

ALLOTT, Philip, The Concept of International Law, 2000 p.81. 91

A CVDT de 1969 contém, por exemplo, uma série de dispositivos que são considerados como costume

jurídico internacional, e por isso vinculam Estados que não são parte da mesma.

40

ser respeitadas por terceiros Estados92

; (iii) a criação de Organizações Internacionais, cujo

objetivo principal é servir como forma de garantir a efetividade das normas de determinado

tratado93

; (iv) a transferência, para a esfera internacional, de disputas políticas de ordem

doméstica94

.

D) A aplicação das normas jurídicas internacionais

Quando se discute a aplicação das normas jurídicas internacionais, não se pode

negligenciar o substancial aumento do número de Cortes e Tribunais Internacionais

verificado nos últimos anos. Essa tendência é marcada pela (i) crescente especialização da

competência desses órgãos em razão da matéria e (ii) por casos de alargamento de sua

competência em função da pessoa (nos quais indivíduos e cortes nacionais passam a ter

legitimidade para propor demandas).

Diante desse contexto, a discussão acerca do papel da Corte Internacional de Justiça

(dotada de competência universal em razão da matéria) vis-à-vis à atuação de Órgãos de

Solução de Controvérsias internacionais com competência específica e desenhos

institucionais variados é algo comumente encontrado na doutrina95

. Como ressaltado

anteriormente, em alguns casos a unidade do DI é colocada em questão pela possibilidade de

conflito de interpretações e de decisões envolvendo os tribunais internacionais – o que

poderia, em casos extremos, levar à existência paralela de sistemas normativos autônomos e

independentes.

Por outro lado, a legitimidade (ativa e passiva) de sujeitos do Direito Internacional

que não Estados perante essas Cortes e Tribunais internacionais contribui para uma maior

demanda pela observação e aplicação de suas normas. Ao analisar as diferentes estruturas

92

Ver, nesse sentido, ALLOTT, Philip, The Concept of International Law, 2000, p.82, PELLET, Direito

Internacional Público, pp. 255-256. 93

É o caso, e.g., da Organização Mundial do Comércio (OMC). 94

Ver, nesse sentido, PUTNAM, Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games 1988;

PUTNAM, EVANS & JACOBSON, Double-Edged Diplomacy: International Bargaining and Domestic

Politics, 1993; MILNER, Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997; MARTIN, Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000. A elaboração de

um tratado internacional implica o compartilhamento da competência para formular políticas acerca de

determinada matéria. Nos casos em que a questão é muito controversa domesticamente (ex.: Direitos Humanos),

o chefe de Estado pode optar pela negociação internacional como forma de inserir ou excluir do processo

determinados grupos políticos. 95

Ver DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System

and the International Court of Justice, 1999; CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal

System of the Growth of International Courts and Tribunals, 1999, pp.697-708; e ABI-SAAB, Georges,

Fragmentation or Unification: Some Concluding Remarks, 1999, pp.919-933, dentre outros.

41

organizacionais e institucionais desses órgãos, alguns autores96

propuseram uma distinção

entre tribunais de cunho interestatal e os de cunho transnacional. De acordo com eles, os

primeiros representariam a visão clássica acerca do DI, de acordo com a qual Estados são seus

únicos sujeitos, concebidos como atores unitários97

. Os últimos, por sua vez, seriam

resultantes das recentes modificações ocorridas na Sociedade Internacional, a partir das quais

são inseridos novos sujeitos e atores nas relações internacionais. Assim, as cortes têm

competência para atuar e implementar suas decisões com certa autonomia em relação ao

desejo dos Estados. São casos, por exemplo, em que indivíduos têm legitimidade para propor

demandas98

. A discussão acerca do crescente movimento de adjudicação das disputas

internacionais, bem como sua repercussão para a unidade do ordenamento internacional será

feita, de forma mais detida, no terceiro capítulo.

Seção II: Especificidade Normativa em Função da Agenda

A partir das discussões envolvendo a idéia de ordem jurídica internacional, podem

ser feitas duas inferências se mostram primordiais para a corroboração da hipótese colocada

nesse trabalho. A primeira delas refere-se à existência, ainda que primária, de valores e

obrigações considerados como fundamentais à Sociedade Internacional. A segunda decorre

da constatação de que dentro desse ordenamento convivem estruturas normativas distintas,

que implicam a formação de regras e instituições (tais quais cortes e tribunais internacionais)

com arranjos específicos e variáveis em função da matéria que é objeto de sua

regulamentação. Conforme argumento que se segue, elas são fundamentais para que se

compreenda o fenômeno da especificidade normativa em função da agenda, bem como suas

repercussões para a noção de unidade do Direito Internacional.

96

KEOHANE, Robert O., et al, Legalized Dispute Resolution: Interstate and Transnational, 2000, p. 457-459. 97

Isso implica que as decisões tanto acerca da possibilidade de apreciação da demanda pelo tribunal quanto da

maneira pela qual esta será implementada ficam a cargo dos próprios Estados, a partir de decisões tomadas no

âmbito da administração pública. 98

Nesse sentido, a partir do momento em que um Estado pode ser demandado

independentemente de sua vontade, e que eventualmente a execução da sentença também pode

ocorrer dessa forma, pode-se inferir que os entes estatais perdem a capacidade de controle

sobre a agenda dessas cortes. Tem-se, assim, um mecanismo de empoderamento

―empowerment‖ de um ou outro grupo social de acordo com as especificidades de cada caso (Ver

GOLDSTEIN, Judith & MARTIN, Lisa. Legalization, trade liberalization, and domestic politics: a cautionary

note, 2000b).

42

1- A expansão não uniforme do Direito Internacional

A noção de especificidade normativa em função da agenda é construída com base na

idéia da normatividade relativa, característica que confere às regras jurídicas internacionais

maior ou menor grau de obrigatoriedade em seus comandos legais. O que se pode perceber,

nesse caso, é que a variação desse nível de vinculação por parte dos sujeitos ocorre em

função da matéria da agenda internacional que é regulamentada. É essa diferenciação que

permite a observação de padrões entre as normas que regulamentam determinadas áreas – e

que são, portanto, os elementos basilares dos diversos regimes internacionais.

Nesse sentido, pode-se tecer a hipótese de que esse movimento de expansão não

uniforme – o qual implica a existência de desenhos normativos distintos – do Direito

Internacional ocorre em virtude das necessidades específicas (demandas políticas e sociais)

de cada um dos pontos da agenda política internacional. É afastado, assim, qualquer

argumento que verse sobre uma eventual ―desordem‖ no recente crescimento do número de

normas jurídicas internacionais.

O que se pode afirmar, portanto, é que a diferenciação do caráter das normas de

Direito Internacional para os Direitos Humanos e para o Comércio Internacional, por

exemplo, acontece devido às demandas criadas politicamente em cada uma dessas áreas.

Apenas atestar uma eventual inconsistência do ordenamento jurídico internacional

(decorrente dessa normatividade relativa), sem analisar suas causas e efeitos nas relações

internacionais é algo que se mostra teoricamente limitado e com pouca relevância prática.

2- A Especificidade Normativa em Função da Agenda e a Unidade do Direito

Internacional

Se a discussão acerca da unidade do Direito Internacional for colocada com base

nos termos tradicionais – ainda ligada à concepção de Hart sobre sistema jurídico99

- os quais

se fundam em uma concepção liberal (da mesma forma que ocorre no Direito Interno), a

conclusão que se chega, quando da análise da relatividade normativa, é a de que a ordem

jurídica internacional (se é que ela existe) está sendo gradativamente fragmentada por seu

crescimento não uniforme.

99

Ver ―A noção de unidade e a analogia com o Direito Interno‖, supra.

43

Contudo, conforme argumento exposto anteriormente, os postulados básicos

adotados pela teoria clássica se mostram inconsistentes, o que cria a necessidade de se

redefinir a questão com base em um arcabouço teórico mais adequado. Nesse sentido, a tese

adotada nesse trabalho é a de que a noção de unidade do ordenamento jurídico internacional

deve ser compreendida com vistas às especificidades do grupo social que é por ela

regulamentado, qual seja, a Sociedade Internacional.

De acordo com essa perspectiva, a ordem jurídica internacional ainda é uma

instituição cujos limites não estão claramente delineados, mas que sinaliza para um cenário

de crescente utilização e afirmação do Direito como forma de regulação das relações

internacionais. Dupuy destaca, em posicionamento semelhante que a unidade do Direito

Internacional deve ser compreendida a partir de uma dupla perspectiva, sendo a primeira

delas formal, definida nos mesmos termos colocados por Hart100

. Além disso, afirma que há

uma dimensão material de constituição dessa unidade, que não pode ser negligenciada. De

acordo com ele, essa última seria composta por normas que consagram os anseios

fundamentais da Sociedade Internacional, tais quais: proibição do uso da força;

criminalização do Genocídio e Direitos Humanos, por exemplo101

.

O que se tem, portanto, é que a dimensão material do sistema legal internacional

(decorrente da consagração de seus valores fundamentais) seria a responsável, em última

instância, por conferir a ele coesão e legitimidade. A especificidade normativa em função da

agenda seria, portanto, uma forma de efetivação desses valores fundamentais, na medida em

que as normas são desenhadas com vistas às demandas sociais de seus sujeitos. Ao avaliar

esse movimento, Koskenniemi afirma:

“Essas diferenças são como diferenças entre Estados: o que está em questão é uma

batalha hegemônica na qual cada instituição, apesar de parcial, tenta ocupar o

espaço de todas. Longe de ser um problema a ser resolvido, a proliferação de

regimes normativos autônomos ou semi-autônomos é um inevitável reflexo de uma

condição social pós-moderna e um prólogo benéfico para uma comunidade

100

Seria, portanto, decorrente da coerente relação entre as normas primárias e as secundárias. Ver ―A noção de

unidade e a analogia com o direito interno‖, supra. 101

Ele argumenta ainda que as normas secundárias, ao contrário do que afirmava Hart, estão consolidadas no

plano internacional, e ―encarnam‖ a óptica voluntarista clássica do ―Direito Internacional da Coexistência‖.

Destaca, nesse sentido, que essas normas conferem apenas uma unidade formal ao sistema, insuficiente para

representar qualquer avanço prático relevante, ou para influenciar de forma decisiva no comportamento dos

sujeitos. Conclui, portanto, que a dimensão material é de suma importância para a constituição de uma

verdadeira ordem jurídica internacional (DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of

the International Legal System and the International Court of Justice, 1999, pp. 793-795.

44

pluralista na qual os níveis de homogeneidade e fragmentação refletem preferências

políticas e o instável sucesso de desejos hegemônicos.”102

Diante deste contexto, o que se pode afirmar é que a noção de ordem jurídica

internacional não deve ser concebida com base em postulados relativos ao Direito Interno.

Ela deve, assim, ser analisada com vistas à especificidade do grupo social que regula. Nessa

perspectiva, a unidade desse sistema normativo deve ser compreendida a partir da relação

entre seus valores fundamentais e as demandas específicas existentes em cada uma de suas

áreas – que devem, naturalmente, ser respondidas por instrumentos normativos de

características distintas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A recente tendência de expansão não uniforme das normas jurídicas internacionais,

bem como do número de Cortes e Tribunais Internacionais, tem despertado especial interesse

entre os teóricos do Direito Internacional. Aqueles vinculados a uma matriz teórica clássica

tendem a defender a tese da fragmentação, cuja análise é o objetivo principal desse trabalho.

Conforme argumento apresentado, essa corrente inicia seu estudo a partir de uma

premissa teórica inválida acerca da unidade do DI, resultante de uma equivocada analogia do

contexto internacional com o cenário doméstico. Dessa forma, o esforço inicial é para se

contestar esse postulado, e, consequentemente, justificar a necessidade de redefinição do

debate em torno da questão.

A hipótese de trabalho é, portanto, a de que a unidade da ordem internacional é

constituída pela interação entre duas dimensões com tendências distintas: uma delas referente

aos valores fundamentais consagrados por normas de alcance geral; e outra composta por

núcleos normativos cujas características foram determinadas em função das demandas

específicas da agenda que regulamentam. A primeira seria, portanto, a dimensão responsável

pela coerência e legitimidade do sistema normativo, ao passo que a última conferiria a este

maior nível de efetividade e concretude.

Nesse sentido, o movimento de expansão do Direito Internacional reflete, por um

lado, uma tendência à ―comunitarização‖103

, a partir do momento em que consolida a

102

KOSKENNIEMI, Martti, What´s International Law For?, 2003, p.110. 103

Ver PELLET , Alain, As Novas Tendências do Direito Internacional: Aspectos “Macrojurídicos”, 2003,

pp.14-25..

45

superioridade de alguns valores em torno dos quais se organiza a Sociedade Internacional104

.

Por outro, é reflexo de necessidades sociais específicas, que criam regimes com

características distintas, e que contribuem, como visto, conferir efetividade ao sistema

normativo.

A jurisdição concorrente de vários órgãos de solução de controvérsias internacionais

deve, mais do que ser encarada como uma potencial causa de interpretações contraditórias

acerca da mesma matéria, ser compreendida como um importante aspecto desse movimento

de afirmação do Direito Internacional. Como bem nos mostra Cesare Romano, o papel dessas

instituições não se restringe à composição de conflitos específicos: elas acabam – ao

transformar comandos abstratos em dispositivos concretos e cogentes – por se tornar

ferramentas essenciais na construção do sistema normativo internacional e na afirmação da

necessidade de sua observação105

.

Dessa forma, ambos os movimentos que são apresentados pela doutrina tradicional

como as causas para a suposta ―fragmentação‖ do Direito Internacional podem ser entendidos

como fatores de reafirmação desse mesmo Direito, na medida em que ensejam a juridicização

das questões internacionais, fazendo com que essas sejam analisadas com base na linguagem

e métodos próprios. Isso contribui, por fim, para sua consolidação enquanto instrumento de

regulamentação das relações sociais que se desenvolvem no seio da Sociedade Internacional.

104

Nessa perspectiva, pode-se perceber que por vezes o Direito Internacional funciona como uma instância de

discussões que envolve atores (sociais e políticos) distintos daqueles que seriam envolvidos se a discussão se

ativesse à esfera doméstica. Dessa forma, ele funciona como um mecanismo de ―empoderamento‖ de certos

grupos sociais, na medida em que esses passam a ter suas reivindicações colocadas de forma muito mais ampla,

o que pode contribuir para sua legitimidade e, no longo prazo, reforçar a formação de identidades anti-sistêmicas

(KOSKENNIEMI, Martti, What´s International Law For?, 2003, pp.110-111). 105

ROMANO, Cesare, The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of the Puzzle, 1999, p.750.

Ver, igualmente, DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal

System and the International Court of Justice, 1999, p.802.

46

CAPÍTULO II – O DIREITO INTERNACIONAL COMO A

RESULTANTE DA INTERAÇÃO ENTRE AS DEMANDAS DAS

ESFERAS POLÍTICAS DOMÉSTICA E INTERNACIONAL

Como discutido anteriormente, o movimento de expansão não uniforme do Direito

Internacional tem sido amplamente analisado pela doutrina, na medida em que tem alterado

significativamente os padrões de relacionamento na esfera internacional. A partir desse

panorama, fora analisada, no primeiro capítulo, a questão da tensão entre unidade e

fragmentação do DI. Conforme argumentado, os teóricos tradicionais tendem a partir de uma

premissa equivocada, de acordo com a qual a dinâmica do Direito Internacional seria fundada

na mesma matriz que aquela dos ordenamentos nacionais. Uma vez contestado esse

postulado, fora colocada uma outra concepção acerca da natureza do ordenamento jurídico

internacional, pela qual se propôs uma interpretação alternativa para o referido movimento.

Considerando-se que o problema central desse trabalho refere-se à

jurisdicionalização do Direito Internacional, e de seus impactos sobre a noção de seu

ordenamento jurídico, faz-se necessária a colocação de um arcabouço teórico que seja a base

para o argumento que será defendido. Esse será, portanto, o objeto desse segundo capítulo,

para que se possa, no terceiro, analisar de forma mais detida a problemática ora enunciada.

A primeira parte desse capítulo traz uma discussão sobre a lógica Legalização106

.

Seu objetivo central é avaliar como se dá a opção dos Estados no sentido de regulamentar

suas relações pela via jurídica. De acordo com o argumento, essa avaliação deve ser feita com

base em três dimensões normativas distintas, a saber: obrigação, precisão e delegação. A tese

colocada é a de que a norma internacional será desenhada de acordo com as demandas

políticas específicas de um determinado ponto da agenda. É com base nisso que será

explicado, por exemplo, o movimento de especificidade normativa em função da agenda,

caracterizado no primeiro capítulo.

As análises das tradicionais teorias do Direito e das Relações Internacionais, por sua

vez, partem da premissa de que os Estados são atores unitários, e que suas decisões são

motivadas pelo chamado ―interesse nacional‖. A segunda parte do capítulo visa problematizar

justamente esse postulado. De acordo com o a tese que será exposta, a inserção do jogo

político doméstico como variável explicativa do comportamento dos Estados na esfera

internacional poderá fornecer valiosas inferências acerca da maneira pela qual as normas

106

Nos âmbitos desse trabalho, os termos legalização e juridicização serão utilizados como sinônimos.

47

jurídicas são criadas. Será, portanto, com base nesse arcabouço teórico que se desenvolverá a

discussão do terceiro capítulo.

PARTE I- LEGALIZAÇÃO: ALCANCE E LIMITES

Seção I: Legalização enquanto Dimensão de Análise

O primeiro aspecto a ser ressaltado é o seguinte: as relações internacionais se

pautam em uma série de instituições e práticas sociais, dentre as quais o Direito é apenas uma.

Shaw, por exemplo, coloca que as normas jurídicas devem se distinguir de meros

compromissos, que não têm caráter (juridicamente) vinculante, e são decorrentes da cortesia

ou da moralidade107

. Várias outras formas de padronização de comportamento têm

repercussões políticas consideráveis, sem, no entanto, serem consideradas Direito

Internacional. Nos dizeres de Shelton:

Por certo, esforços para resolver problemas sociais não estão invariavelmente na

forma de lei em qualquer comunidade. Sociedades se empenham em manter a ordem,

prevenir e resolver conflitos, e assegurar a justiça na distribuição e uso de recursos

não apenas através da lei, mas através de outros meios de ação. Questões como

justiça podem ser tratadas através de mecanismos de mercado e caridade privada,

enquanto a resolução de conflitos pode ser feita através da educação e informação,

ou ainda a partir de negociações alheias às instituições legais. A manutenção da

ordem e de valores sociais pode ocorrer a partir de sanções morais, exclusão,

concessão de benefícios, bem como pelo uso de penalidades legais e incentivos. Na

arena internacional, tal qual em outros níveis de governança, o Direito é uma forma

de controle social ou afirmação normativa, mas prescrições de comportamento

também se originam da moralidade, cortesia, e costumes sociais que refletem os

valores da sociedade. Eles são parte das expectativas do discurso social, e o

cumprimento dessas normas é esperado, enquanto sua violação sancionada108

.

Entretanto, continua a autora, a regulamentação legal, em virtude de suas

peculiaridades, assumiu o papel de principal instrumento de resposta a problemas sociais no

último século. Isso porque ela representa as necessidades e consagra os valores de uma

determinada sociedade. Além disso, o tipo de linguagem do Direito, especialmente a escrita,

tem um grau de precisão maior, o que eleva as expectativas em relação à ação futura dos

107

SHAW, Malcon N., International Law, 1991, p.2. 108

SHELTON Dinah. International Law and “Relative Normativity”, 2003, p.147, tradução do autor.

48

agentes e provê maior nível de confiança entre eles109

. O que se argumentará é que a escolha

por essa forma de regulamentação representa uma série de custos e vantagens para os atores

internacionais, e que será a partir dessa estrutura de custos que eles optarão por se valer (ou

não) dela. Nesse sentido, a própria criação do DI está intimamente ligada à dimensão política,

uma vez que é significativamente afetada por interesses políticos, poder e instituições. O

relacionamento entre Direito e Política é recíproco: a legalização (criação de normas de DI)

também atua sobre os processos políticos e seus resultados110

. A heterogeneidade presente nas

normas jurídicas internacionais deve, assim, ser analisada à luz dessa relação. A relatividade

normativa111

se coloca, nesse sentido, como uma variável explicativa de suma importância

para a compreensão do fenômeno da legalização, na medida em que esta é reflexo do atual

cenário das relações internacionais.

O que se propõe, destarte, é a compreensão do DI a partir de um contexto social

amplo, que é ao mesmo tempo condicionante e condicionado pela emergência de normas com

essa natureza. A legalização seria, portanto, uma particular forma de instituição internacional,

resultante de decisões sobre assuntos específicos da agenda internacional, que objetiva a

imposição de constrangimentos legais a governos. A idéia central é a de que a escolha por

esse tipo específico de forma de regulação de comportamento implica uma alteração na

estrutura de custos políticos112

de cada um dos envolvidos.

A relação entre relatividade normativa e legalização será feita a partir do próprio

conceito de legalização, que será dividido em três dimensões de análise: o nível de obrigação

estabelecido pelas normas internacionais, seu grau de precisão e o nível de delegação

existente em relação a funções de interpretação, monitoramento e implementação das

decisões. A partir delas, poder-se-á criar uma tipologia em que cada um desses níveis será

classificado entre alto e baixo; quanto maior o grau de obrigação, precisão, ou delegação,

mais legalizada será uma determinada norma113

. Essa classificação será feita

independentemente com relação a cada um das dimensões de análise, o que fortalecerá o

potencial explicativo do conceito.

109

SHELTON Dinah. International Law and “Relative Normativity”.2003 In.: EVANS, Malcolm D.

International Law, pp.147-148. 110

GOLDSTEIN, Judith et all Introduction: Legalization and World Politics et all 2000, p.387. 111

Ver discussão a esse respeito no primeiro capítulo. 112

GOLDSTEIN, Judith et all Introduction: Legalization and World Politics et all 2000, p.386. 113

Há uma edição especial da Revista International Organization que é justamente dedicada à análise do

conceito de legalização e seu impacto (político) em diversas áreas da agenda internacional (IO, 54, 3, Summer

2000). Os principais conceitos e inferências dessa parte do capítulo foram feitos com base nos artigos dessa

revista.

49

É importante se destacar que em nenhum momento há a afirmação de que a

legalização representa uma forma superior de institucionalização. Como dito, ela é apenas o

resultado de uma escolha racional dos atores, que dado um determinado contexto de interação

social optam por estabelecer constrangimentos legais. Entretanto, a explicação de como e

porque eles resolvem alterar o nível de legalização de uma norma é de suma importância.

Como ressalta Goldstein:

Esses movimentos incluem a formalização de práticas costumeiras ou entendimentos

informais, a adoção de regras sistemáticas para cristalizar e codificar práticas, na

medida de sua evolução, e o reforço da delegação para aumentar o nível de poder e

independência de um tribunal formado por terceiros114

.

Dessa forma, o nível de relatividade de uma determinada norma corresponderá a seu

grau de legalização. Através da contraposição entre a relatividade da norma e as vicissitudes

de um determinado assunto da agenda internacional é que se procederá a análise do objeto

desse trabalho. Antes de discutir mais detidamente o conceito de legalização a partir de cada

uma de suas dimensões, mister se faz a exposição de alguns pressupostos e hipóteses que se

assume ao escolhê-lo como instrumento de análise115

.

a) A legalização é uma forma específica de institucionalização.

Como dito anteriormente, a decisão de se criar normas jurídicas internacionais é

tomada levando-se em conta uma vasta gama de outros padrões de relacionamento possíveis

no cenário mundial, ou seja, a opção de se criar constrangimentos legais é feita levando-se em

consideração os custos e vantagens resultantes desse tipo de regulamentação.

b) Instituições legalizadas podem ser explicadas a partir de seu valor

funcional, das preferências e incentivos aos atores políticos internos e do reforço de

normas internacionais específicas.

O valor funcional da legalização está intimamente ligado às características de uma

norma: ela possibilita uma maior previsibilidade do comportamento dos atores, e permite que

se estabeleça ex ante qual serão as conseqüências de sua implementação para cada um dos

atores. Elas implicam, portanto, em maior grau de confiança com relação ao que fora

pactuado, além de significarem uma redução dos custos transacionais.

114

GOLDSTEIN, Judith et all Introduction: Legalization and World Politics, 2000, p.388, tradução do autor. 115

Ver GOLDSTEIN, Judith et all Introduction: Legalization and World Politics, 2000, p.396-399.

50

Como normas de DI identificam com mais clareza os resultados de sua

implementação, sabe-se, internamente, quais são os grupos que terão benefícios ou custos

com sua adoção. Elas têm, portanto, o condão de influir na arena política doméstica, que passa

a ser variável indispensável para a análise desse fenômeno.

O reforço de algumas normas internacionais também é elemento chave para se

explicar a legalização. O fato de determinados atores acreditarem que determinada norma

deve ser cumprida em virtude de conter dispositivos que devem ser observados e consagrados

pela sociedade internacional, tem o condão de elevar seu nível observância. Ou seja, a partir

do momento em que uma norma atinge um patamar de legitimidade alto, isso afeta a própria

estrutura de custos que se coloca durante a tomada de decisões de um determinado ator, na

medida em que pode alterar suas preferências116

.

c) O cumprimento de obrigações, a efetividade de uma instituição e o

aumento da cooperação internacional podem não coincidir, em parte devido efeitos

domésticos da legalização.

Como ressaltado anteriormente, a escolha pela legalização implica em uma série de

custos e constrangimentos a determinados atores, que poderiam não existir ou não serem

previsíveis por outra forma de regulação. Portanto, a previsibilidade que essas normas

provêem ao sistema pode ensejar seu descumprimento e sua inefetividade caso despertem

pressões de importantes grupos domésticos nesse sentido.

d) Os efeitos da legalização na política mundial no longo prazo dependerão

de sua heterogênea disseminação, que dependerá da evolução das normas

internacionais, suas conseqüências para a política doméstica e transnacional, e os

benefícios auferidos por atores chave.

Novamente deve-se ressaltar que não se argumenta, nesse trabalho, que há uma

tendência indiscutível no sentido da legalização, ou que essa seja uma forma superior de

regulação de comportamento. O que se pode afirmar, entretanto, é que sua expansão ou

retração, e o nível de homogeneidade com que isso ocorrerá nas diversas áreas da agenda

dependerá de seus efeitos sobre atores domésticos e transnacionais, que em última análise são

os responsáveis pela escolha do modo de regulamentação de seu comportamento.

Por fim, cabe destacar que a escolha, em um determinado momento, por um baixo

nível de legalização, pode levar, no longo prazo, a um grau maior de institucionalização. Isso

116

Ver, nesse sentido, MARTIN, Lisa L., & Beth A. Simmons. Theories and Empirical Studies of International

Institutions, 1998; SHELTON, Dinah. International Law and “Relative Normativity”, 2003, p. 148.

51

vai depender de como ela afetará os ganhos dos atores. É assim que normas pouco legalizadas

(soft law) podem dar ensejo a criação de regimes mais legalizados. Exemplo disso se dá no

caso do regime ambiental, que iniciou com normas meramente programáticas (como as da

Convenção de Estocolmo) e hoje já assiste a esforços de produção de hard laws (como no

caso do Protocolo de Kyoto).

1- O conceito de legalização

Legalização refere-se a um arranjo específico de características que instituições

podem (ou não) possuir.117

Essas características serão analisadas a partir de três dimensões.

A primeira delas é a da obrigação, e se relaciona ao fato de estarem os atores obrigados por

uma série de normas e compromissos. Obrigação, nesse caso, somente ocorre na medida em

que há vinculação jurídica entre as partes, ou seja, seu comportamento está submetido a

regras, procedimentos e ao discurso do Direito Internacional, e muitas vezes da também lei

doméstica.118

A dimensão da precisão está ligada à existência de ambigüidades na definição

das condutas que regulamentam. Por fim, a delegação se refere à competência que é dada a

uma terceira parte para implementar, interpretar e aplicar as normas, resolvendo conflitos e

até mesmo criando novas obrigações às partes119

.

O que se deve destacar é que a análise desses fatores será feita com vistas às

características das normas e procedimentos, e não com relação a seus efeitos. Não se discute,

portanto, o nível de efetividade dessas normas, se são ou não implementadas pelos Estados.

Isso ocorre em virtude do próprio objeto dessa pesquisa, qual seja, o de se compreender o

motivo pelo qual atores optam por se submeter a um determinado tipo de normas, criando

ainda um órgão específico para sua apreciação. A questão da efetividade não é relevante,

portanto, para o tipo de análise aqui proposta. Outra observação que merece ser feita é a de

que esse conceito ultrapassa a reducionista idéia de que a lei pressupõe a existência de um

ente soberano com poder coercitivo120

.

117

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, p.401, 2000, tradução do autor. 118

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, p.401, 2000, tradução do autor. 119

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, p.401, 2000. 120

Como uma situação como essa é no mínimo improvável no cenário internacional, esse tipo de perspectiva

pode explicar o motivo da tradicional desconfiança que se tem em relação ao papel do DI. A idéia, entretanto,

não é propor uma definição do que ―realmente‖ venha a ser uma norma de Direito Internacional; a

instrumentalidade do conceito está muito mais relacionada com a análise das características do compromisso que

se criou e com os fatores que levaram a essa escolha. ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization,

2000, pp. 402-403.

52

Como dito anteriormente, os elementos que compõem o conceito são independentes,

e variam do grau mais ―fraco‖ ao mais ―forte‖. Dessa forma, conceitualmente a escolha que se

coloca para os autores de uma norma se refere à combinação de qualquer nível de obrigação,

precisão e delegação para produzir uma instituição adequada a suas necessidades

específicas.121

Pode-se, então, propor a classificação das normas em tipos ideais, que variam

da forma mais forte (hard law) à mais fraca (soft law).

TABELA 2.1. Formas de legalização internacional

Tipo Obrigação Precisão Delegação Exemplos

Tipo ideal:

hard law

I Alta Alta Alta Corte Européia, Acordo TRIPs da OMC,

Convenção Européia de Direitos Humanos, TPI

II Alta Baixa Alta OMC – tratamento nacional, leis antitruste da

Comunidade Econômica Européia

III Alta Alta Baixa Tr. de controle de armas entre EUA e Rússia,

Protocolo de Montreal

IV Baixa Alta Moderada Comitê para o Desenvolvimento Sustentável da

ONU (Agenda 21)

V Alta Baixa Baixa Convenção de Viena para proteção da Camada de

Ozônio, Convenção Européia Minorias Nacionais

VI Baixa Baixa Moderada Agencias especializadas da ONU, Banco Mundial

VII Baixa Alta Baixa Ato final de Helsinki, princípios florestais não

vinculantes, padrões técnicos

VIII Baixa Baixa Baixa G7, esferas de influência, balança de poder

Tipo ideal:

anarquia

Fonte: ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.406.

A tabela 2.1 expõe uma relação de tipos ideais a partir de uma classificação binária

(alta/baixa) de cada uma das dimensões da legalização. Eles estão organizados de ordem

decrescente, sendo que o tipo I tem características de hard law ao passo que o VIII se

aproxima da ausência de qualquer estrutura normativa, aqui denominada anarquia.

No tipo I pode ser classificada a maioria das normas da EU, como também algumas

das normas comerciais do sistema OMC. Os tipos II e III representam situações em que se

121

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.404, tradução do autor.

53

tem um caráter relativamente alto de legalização. De se destacar que as normas classificadas

como II podem atingir o mesmo nível de legalização percebido no tipo I, na medida em que a

delegação a uma terceira parte pode suprir sua imprecisão. No tipo III, por exemplo, temos o

Protocolo de Montreal sobre a degradação da camada de ozônio (1987), que, apesar de definir

com precisão as obrigações ali consagradas, não delega a uma terceira parte a competência

para apreciá-las. Como esse é um elemento central para a legalização, deve-se concluir que

esse tipo normativo é menos legalizado que os outros dois.

Na medida em que se procede a análise dos outros tipos ideais, às vezes se complica

a tarefa de determinação dos níveis de legalização: é difícil de se afirmar, por exemplo, que

em todos os casos do tipo IV as normas serão mais legalizadas que as do tipo V. Muitas vezes

sutis diferenças somente são percebidas caso a caso. Também não é comum se perceber

delegação a terceiros quando se tem um nível baixo de obrigação; normalmente o que se tem

nesses casos são organismos quasi-jurisdicionais de cunho administrativo (daí o uso da

classificação ―moderada‖). Muitos desses arranjos intermediários acontecem em casos nos

quais a soberania e autonomia dos atores são muito importantes, pelo que altos níveis de

legalização seriam inaceitáveis.

Nos níveis VI e VII temos casos em que as normas não criam vínculos jurídicos,

mas nos quais as partes se submetem a um alto nível de obrigação ou admitem a delegação de

autoridade a terceiros para que esses implementem princípios gerais. Normalmente esses são

casos em que a cooperação é algo benéfico para os atores, ou seja, eles tendem a cumprir o

combinado porque as expectativas de que o outro também o faça é grande. Assim, a criação

de obrigações jurídicas seria inócua.

O tipo VIII quase se aproxima da ausência de padronização de comportamento. Não

há semelhanças com instituições legais sobre qualquer aspecto. O concerto europeu, por

exemplo, representava um instável equilíbrio de poder de cunho pragmático e permeado por

relações diplomáticas. As esferas de influência da URSS e dos EUA durante a Guerra Fria

também eram muito imprecisas, as obrigações eram em sua maioria tácitas e pouco padrão

institucional existia para abarcá-las.122

2- As dimensões da Legalização

Obrigação

122

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.405-407.

54

De acordo com o que vem sendo discutido, normas legais são aquelas que vinculam

juridicamente o comportamento dos sujeitos. Elas se diferenciam de obrigações resultantes

apenas da coerção, moralidade, compromisso.123

É a partir da dimensão da obrigação que se

pode perceber a intenção (ou não) dos atores de se submeterem a normas de Direito

Internacional. Ela reflete, portanto, os efeitos causados pela escolha de um nível maior ou

menor de vinculação.

Ao criarem normas de DI os atores devem observar um conjunto normativo muito

mais abrangente do que aquela simples regra comportamental que acabaram de estabelecer: o

vínculo jurídico implica, como vem sendo discutido, em uma série de princípios e valores

universais que balizam tanto a criação quanto a interpretação e aplicação de seus institutos.124

Por terem características peculiares, as normas legais internacionais possuem, por

exemplo, um conjunto próprio de fontes, ou seja, há a delimitação de regras procedimentais

para sua criação. Há, inclusive, a determinação de meios de integração de eventuais lacunas

no ordenamento internacional, como a equidade e a aplicação de fontes subsidiárias.125

Quanto aos requisitos de validade e vigência, há ainda o princípio da relatividade126

, da

irretroatividade e uma série de regras técnicas de caráter procedimental para que sejam

reconhecidas. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT) de 1969, por

exemplo, consagra normas relativas ao procedimento de conclusão de tratados127

, reservas128

e

emendas129

.

O sistema legal internacional possui ainda um tratamento especial para os casos de

descumprimento. Nesses casos, via de regra, somente o Estado afetado tem legitimidade para

reclamá-lo. A Carta da ONU prevê uma série de meios pacíficos de solução de controvérsias

dos quais as partes litigantes devem se valer.130

Há também uma série de previsões que

isentam o Estado de responsabilidade em caso de descumprimento, como o Estado de

Necessidade e a cláusula rebus sic standibus.131

Esses institutos, apesar de aparentemente

implicarem certa flexibilidade nos compromissos legais, acabam por reforçá-los, na medida

123

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.408. 124

Ver KOSKENNIEMI, Martti. What is International Law for?, 2003. 125

Ver, por exemplo, art.38 do Estatuto da CIJ. 126

Via de regra uma norma só vincula o Sujeito que participou de sua elaboração ou manifestou posterior

consentimento nesse sentido. 127

CVDT, art.6º a art.18. 128

CVDT, art.19 a art.23. 129

CVDT, art.39 a art.41. 130

Ver art.33 da Carta. 131

CVDT, arts. 61 e 62.

55

em que conferem um caráter específico a esse conjunto de normas. Para os casos de danos

oriundos de violação de regras de DI, há a responsabilização internacional de seus sujeitos132

,

que enseja a obrigação de reparação e abre até mesmo a possibilidade de retaliação133

por

parte dos afetados (como por exemplo no caso de violações a normas do âmbito da OMC).

Como se pode perceber, a utilização de normas de Direito Internacional implica na

adoção de um discurso peculiar, a partir do qual se tem uma regulamentação especial para

uma série de fatos relativos ao estabelecimento e (não) cumprimento dos acordos.134

TABELA 2.2 Indicadores de obrigação

Alta

Obrigação incondicional; linguagem jurídica e outros indícios de que a norma é juridicamente vinculante

Tratado político: condições implícitas na obrigação

Reservas nacionais em obrigações específicas; ―escape clauses‖

Hortatory obligations

Normas adotadas sem carta de plenos poderes; recomendações e guias

Explicitação da intenção de não haver vínculo jurídico

Baixa

Fonte: ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.410.

A tabela 2.2 traz alguns indicadores a partir dos quais pode-se identificar o nível de

obrigação de uma determinada norma. Como exemplo de diplomas com alto grau de

obrigação, tem-se o artigo 24 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que

dispõe que os arquivos e documentos da Missão são invioláveis, em qualquer momento e

onde quer que se encontrem”. Essa convenção, como um todo, obedece às regras

internacionais para a celebração de tratados, é redigida a partir de uma linguagem jurídica, é

intitulada ―Convenção‖ e está de acordo com normas costumeiras internacionais. No outro

extremo da tabela tem-se acordos como os celebrados pelo FMI quando da liberação de

empréstimos, que prevêem expressamente que não são juridicamente vinculantes.135

132

Apesar de incontestável, há muitas controvérsias a respeito do alcance desse conceito, que vem sendo

modificado e ampliado principalmente em virtude dos trabalhos da Comissão de Direito Internacional da ONU.

Ver, a esse respeito, PELLET, Alain; et al. Direito Internacional Público, 2004; SHAW, Malcon N.

International Law, 1991; SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência,

obrigações e responsabilidades, 2003. 133

De se destacar que essa possibilidade também se sujeita a uma série de princípios, como o da

proporcionalidade e limitações ao uso unilateral da força. 134

Para discussão mais detida acerca dos princípios do DI, ver BROWNLIE, Ian. Princípios de direito

internacional público, 1997. 135

Para discussão mais detida do caráter desses acordos, ver MAZZUOLI, Valério de O. Direito Internacional:

Tratados e Direitos Humanos Fundamentais na Ordem Jurídica Brasileira, 2001

56

Nesse sentido, atores utilizam muitas técnicas para variar a obrigação legal entre

esses dois extremos, criando constantemente surpreendentes contrastes entre forma e

substância.136

Estados podem, por exemplo, se valer de ―escape clauses‖, pelas quais se

eximem do cumprimento de determinadas normas com base em expressões vagas e que dão

ampla margem para interpretação (ex.: ―interesse nacional‖, ―ameaça à soberania‖, etc).

A definição do arranjo normativo em uma ou outra direção vai depender dos

interesses dos atores. Deve-se destacar, ainda, que as três dimensões, apesar de poderem ser

analisadas independentemente, têm interferências umas sobre as outras, de forma que pode ser

difícil identificar a diferença no grau de obrigação de uma norma nos casos em que não há

delegação, por exemplo.137

As repercussões da escolha por níveis mais altos ou baixos de

obrigação vão depender das necessidades que visam suprir; há casos em que soft laws

emergiram em cenários nos quais um nível mais alto de legalização era inicialmente

inconcebível e acabaram por ser a tônica do relacionamento dos atores a partir de então. Esses

efeitos serão discutidos na próxima seção do capítulo.

Precisão

Uma regra precisa especifica claramente e sem ambigüidades o que é esperado de

um Estado ou outro ator (tanto em termos de objetivos quanto dos meios para atingi-lo) em

uma determinada circunstância.138

A precisão delimita, portanto, os limites de uma

interpretação razoável.Além disso, quando inserida em um conjunto normativo maior, essa

norma deve guardar conformidade com as outras com as quais se relaciona, de modo a prover

coerência ao ordenamento.

A escolha por um maior ou menor nível de precisão implica em uma maior ou

menor delimitação dos comportamentos aceitáveis. Mais do que isso: normas precisas trazem

ex ante essa previsão, ao passo que normas menos precisas, mais programáticas, permitem

que essa identificação seja feita ex post, seja a partir da prática reiterada de certos atos, seja

pela decisão de um órgão jurisdicional ao qual é delegada a competência para sua

interpretação e aplicação.

É importante destacar que na maioria das áreas das relações internacionais corpos

jurisdicionais ou quase-jurisdicionais não existem ou são pouco utilizados. Isso implica que

136

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.411. 137

Isso porque, mesmo no caso de ser a norma juridicamente vinculante, sua observação dependerá da

apreciação individual do sujeito atingido pela por ela. 138

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.412, tradução do autor.

57

quem interpretará e aplicará a norma serão os próprios atores que a criaram, e que são ao

mesmo tempo seus destinatários. Dessa forma, a dimensão da precisão será de suma

importância, na medida em que delimita o escopo plausível de interpretações e

comportamentos por parte de seus sujeitos.

Muitas das regras de DI têm elevado grau de precisão, e seu número vem

aumentando gradativamente nos últimos anos. Exemplos disso são os acordos celebrados no

âmbito da OMC, acordos ambientais como os Protocolos de Kyoto e Montreal. Outros

diplomas são esforços explícitos de codificar e promover o desenvolvimento progressivo do

costume internacional: As Convenções de Viena sobre Direito dos Tratados e Relações

Diplomáticas, e partes importantes da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar são

decorrentes justamente dessa tendência. Há ainda um outro movimento que merece destaque:

vários instrumentos com baixo nível de obrigação se mostram significativamente precisos e

densos, como a Declaração para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21, ambas

celebradas no Rio de Janeiro (1992). Eles podem ser explicados pela crença no fato de que

elevados níveis de precisão reforça seu valor político e normativo.139

Não se pode negligenciar, contudo, o fato de que vários outros diplomas normativos

ainda são vagos e gerais. O acordo acerca da regulamentação trabalhista, no âmbito do

NAFTA dispõe, por exemplo, que as partes devem prover altos padrões de trabalho. O artigo

VI do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, por sua vez, afirma que as partes

devem entabular, de boa-fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data

próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear. Outros tratados

dispõem que os Estados devem ―negociar‖ ou ―consultar‖, sem, no entanto, especificar os

procedimentos pelos quais isso deve ser feito. Nesses casos aos atores é permitido um alto

grau de discricionariedade, não sendo possível, muitas vezes, estabelecer nem um conjunto

mínimo de interpretações aceitáveis. Como se argumentará na próxima seção do capítulo, isso

acontece muito menos em virtude de falhas ou erros, mas muito mais por escolhas

condicionadas pela conjuntura doméstica e internacional.140

TABELA 2.3 Indicadores de Precisão

139

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.414. 140

Ver também ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International

Governance, 2000.

58

Alta

Regras determinadas; pouca margem à interpretação

Número significativo (mas limitado) de interpretações

Ampla margem de discricionariedade

―Padrões‖: normas programáticas cujo significado somente se completa em situações específicas

Impossibilidade de se determinar a conduta apropriada

Baixa

Fonte: ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.415

A partir dos indicadores propostos na tabela 2.3 pode-se auferir o grau de precisão

de uma determinada norma. Cabe, por fim, uma observação: como dito anteriormente, um

baixo nível de precisão não necessariamente implica em alto nível de discricionariedade, na

medida em que ele pode ser compensado pela atuação de um órgão (quasi) jurisdicional que

fixe, a posteriori, o seu significado.

Delegação

A última dimensão da legalização refere-se ao grau de competência e autoridade que

é dado a uma terceira parte – seja ela uma corte, um tribunal arbitral ou administrativo – para

que essa possa interpretar, aplicar e implementar determinados acordos. O nível de

legalização, quanto a essa esfera, pode variar de acordo com a forma de submissão de

demandas a esses órgãos, a forma de sua implementação, a abrangência de sua competência,

etc.141

Essa dimensão não deve, contudo, se limitar à análise da delegação de competência

apenas para a solução de conflitos. Não se pode negligenciar a existência de órgãos aos quais

é delegada a autoridade para elaborar normas (mesmo que imprecisas), implementar outras já

estabelecidas e facilitar o cumprimento de outras.142

TABELA 2.4. Indicadores de Delegação

a. Resolução de Conflitos

Alta

Cortes: decisões vinculantes; jurisdição geral; acesso privado direto; competência para interpretação e

integração

Cortes: jurisdição, acesso ou autoridade normativa limitada ou consensual

Arbitragem obrigatória

141

Essa é a dimensão mais importante para a compreensão do objeto dessa pesquisa, e será detalhadamente

discutida na última seção desse capítulo. 142

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.417.

59

Arbitragem não obrigatória

Conciliação, mediação

Barganha institucionalizada

Barganha puramente política

Baixa

b. Capacidade de criar e implementar normas

Alta

Regulamentações vinculantes, execução centralizada

Regulamentações vinculantes com consentimento

Políticas internas vinculantes, legitimação para execução descentralizada

Padrões de coordenação

―Draft Conventions‖, monitoramento e publicidade dos atos

Recomendações, monitoramento confidencial

―Declarações normativas‖ (Normative statements)

Fórum para negociações

Baixa

Fonte: ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p. 416.

Como refletido pela tabela 2.4a, o nível de delegação para a resolução de conflitos

pode variar entre nenhuma delegação (como nos modos políticos de solução de

controvérsias), passando por modos institucionalizados de barganha (como mediação e

conciliação, disponíveis na OMC e a partir da Convenção sobre Lei do Mar) e pela arbitragem

não obrigatória (como era o caso do antigo GATT). No outro extremo, temos órgãos

jurisdicionais como a Corte Européia de Justiça e a Corte Européia de Direitos Humanos.

Deve-se observar, destarte, que quanto maior o grau de delegação maior a

necessidade de que as decisões tomadas por esse corpo independente sejam condicionadas por

regras determinadas anteriormente pelos atores. Isso porque eles não abririam mão de sua

autonomia e soberania para que se subjugassem à decisão de um órgão que agisse sem

nenhum tipo de controle. O terceiro atua, portanto, na medida da competência e de acordo

com o procedimento decisório preestabelecido.

Alguns órgãos internacionais têm competência para criar normas. É o caso da

Comissão da EU e de algumas Agências Especializadas da ONU, por exemplo. Elas

normalmente produzem regras que têm sua obrigatoriedade condicionada ao consentimento

dos Estados, ou que definitivamente não têm esse caráter. Em níveis mais baixos de

delegação, há ainda órgãos como a OIT e a OMPI, que têm competência para criar ―Draft

Conventions‖ e regras não obrigatórias, que alcançam inclusive atores privados. Outros

órgãos, como o Conselho de Segurança, têm competência para criar medidas obrigatórias para

todos os Estados.143

143

Mas não se pode negar que muitos órgãos, apesar de não terem competência legal para criar normas

vinculantes conseguem com elas sejam cumpridas devido à sua capacidade de oferecer benefícios a Estados ou

até mesmo a atores privados. Isso é o que ocorre muitas vezes com o FMI e o Banco Mundial, por exemplo.

60

Há ainda órgãos e agências que têm a incumbência de implementar diretivas

normativas previamente estabelecidas. Como exemplo desses casos pode-se citar o Programa

Ambiental das Nações Unidas, a OMS e o Banco Mundial. Esse último atua de forma a

disseminar políticas de impacto ambiental e tratamento de indígenas, dentre outros.144

O nível de delegação pode implicar na inserção de novos atores no cenário político,

alterações nos padrões de comportamento dos Estados e até mesmo ―empoderamento‖ de

atores privados. Esses efeitos serão analisados na última seção desse capítulo. Cabe destacar,

por fim, que resolução de disputas, adaptação ou desenvolvimento de novas regras,

implementação de acordos anteriores e respostas à violação têm, cada uma delas,

repercussões políticas próprias, que ajudam a reestruturar a tradicional política

interestatal.145

O argumento que vem sendo exposto é, portanto, o de que instituições legais se

diferem de outras formas de regulamentação de comportamento. Elas têm características

próprias, identificáveis a partir das três dimensões propostas, que implicam em diferenças

metodológicas, procedimentais, e até mesmo discursivas. Dessa forma:

Diferentes atores têm acesso ao processo, e devem se valer de argumentos diferentes

daqueles que utilizariam em um contexto não legal. Decisões legais, por sua vez,

devem ser baseadas em fundamentos aplicáveis a todos os litigantes em situação

semelhante, e não apenas às partes de uma determinada disputa.146

Diante de determinadas circunstâncias, aos atores cabe a escolha entre se submeter

ou não a normas com esse caráter. Deve-se atentar para o fato de que a realidade é muito mais

complexa do que qualquer simplificação analítica, pelo que muitas vezes o que se percebe na

prática são institutos que têm apenas algumas características da legalização.

Seção II- Legalização e política internacional

O conceito de legalização e suas dimensões de análise foram expostos na seção

anterior. A primeira parte do capítulo foi dedicada ao estudo do atual contexto no qual se

desenvolvem as relações internacionais (cenário em transição). Como visto, o Direito

144

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.417. 145

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.418, tradução do autor. 146

ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000, p.419, tradução do autor.

61

Internacional atravessa um momento de expansão não uniforme, no qual assistimos

instituições com alto nível de legalização convivendo com outras pouco ou nada legalizadas.

A presente seção tem como objetivo analisar essa expansão das normas jurídicas

internacionais à luz do conceito de legalização proposto anteriormente. O intuito é, portanto,

oferecer uma explicação para a legalização, que possa inclusive abarcar o porque esse

movimento ocorre de forma não uniforme em cada área da agenda internacional. Para tanto,

segue uma análise do tipo normativo mais legalizado, a hard law. O que se perceberá é que

essas normas reduzem os custos de transação, reforçam a credibilidade de seus compromissos

conseguem instrumentos que dão menor margem para comportamentos desertores. Ao mesmo

tempo, elas implicam em custos de soberania, de monitoramento, dentre outros.147

Ao optarem por arranjos em que uma ou mais dimensões apresentam nível mais

baixo, os atores criam normas menos legalizadas, as soft laws. 148

Elas são mais fáceis de

serem criadas do que as hard laws, porque implicam em menores custos de contratação,

monitoramento e há menor constrangimento em relação ao comportamento dos atores. São,

portanto, uma alternativa viável para os casos em que a soberania é elemento crítico. Além

disso, as soft laws podem iniciar um processo de aprendizagem e conscientização, que a partir

do empoderamento de alguns grupos pode levar a mudança de práticas sociais. Nesses casos,

essas normas podem inclusive ser modificadas para arranjos mais legalizados ou se

transformarem em costume internacional.149

1- Hard Law: vantagens e desvantagens

a) Credibilidade dos Compromissos

A falta de uma instituição internacional centralizadora, que detenha o uso legitimo

da força para forçar o cumprimento de suas normas é apontada como principal fator

impeditivo da construção de acordos sólidos no cenário internacional. Os diplomas

147

Ver ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.422. 148

Como destacado anteriormente, a escolha entre hard e soft law não é binária. Atores podem criar vários

arranjos diferentes, em que se tem uma maior ou menor variação em cada uma das dimensões. Os efeitos da

escolha por um maior ou menor nível de legalização é que serão objeto dessa seção. 149

Ver, por exemplo, o caso de várias normas de direito ambiental, em que várias convenções de caráter geral

como a de Estocolmo acabaram por desenvolver costumes a alterar práticas, levando à criação de diplomas mais

legalizados como o Protocolo de Kyoto. A esse respeito, SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional

do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades, 2003, e SANDS, Philippe. Principles of

International Environmental Law, 2003.

62

normativos do ordenamento interno têm maior credibilidade porque seus sujeitos podem se

valer do poder estatal para exigir seu cumprimento. Por certo que nem mesmo as hard laws

têm essa característica. Entretanto, a conclusão de que elas são por esse motivo inócuas não é

verdadeira: a legalização é um dos principais métodos pelos quais os Estados podem

aumentar a credibilidade de seus pactos.150

A partir das dimensões de precisão e delegação as normas legalizadas diminuem

dramaticamente a possibilidade de auto-interpretação por parte dos atores. A precisão, além

de oferecer um limite objetivo a comportamentos oportunistas ainda deve ser analisada à luz

de todos os princípios do ordenamento jurídico internacional, o que condiciona ainda mais o

escopo de ações plausíveis.

Além disso, normas de DI, por muitas vezes, não são tomadas isoladamente: elas se

integram em regimes que regulamentam determinados assuntos. Assim, a violação de regras

específicas pode repercutir de forma negativa, podendo, em último caso, comprometer todo o

regime. Isso eleva enormemente os custos de um comportamento desertor. Um

comportamento como esse pode implicar, ainda, danos à reputação do ator que viola as

normas, fazendo com que ele tenha problemas em todos os outros acordos jurídicos que

celebrou (que representam quase a totalidade dos acordos internacionais). Dessa forma, esse

agente pode comprometer sua capacidade de pactuar, na medida em que perde a credibilidade

frente aos outros. 151

Se considerarmos que é no DI que estão os princípios basilares do

relacionamento interestatal152

, o custo de violação de determinadas normas pode se

exponenciar, na medida em que ela enfraquece o sistema legal internacional153

, e pode

comprometer, no longo prazo, todo o padrão de relacionamento da sociedade internacional.

A dimensão da delegação pode ainda oferecer alternativas, mesmo que precárias,

que permitem certa centralização coercitiva, que pode legitimar uma ação que de outra forma

não seria viabilizada154

. No âmbito do órgão de solução de controvérsias da OMC, por

exemplo, um Estado prejudicado pode conseguir autorização legal para impor ao outro

150

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.426, tradução do autor. 151

Ver, a esse respeito, KEOHANE, Robert O. After Hegemony. Cooperation and Discord in the World Political

Economy, 1984. 152

Como, por exemplo, o princípio da soberania, do reconhecimento de Estados, da jurisdição sobre o próprio

território, não intervenção, proibição do uso da força nas relações internacionais, etc. 153

Com a expansão do processo de legalização, mesmo que de forma não uniforme, esse sistema fica ainda mais

consistente e integrado, fato que aumenta ainda mais os custos de reputação resultantes da violação de uma

norma específica. 154

O conceito de responsabilidade internacional é, nesse caso, crucial. Ele acaba por legitimar a reclamação do

Estado que se diz afetado, impondo ao violador o dever de reparar o dano por ele causado. Esse conceito vem

passando por drásticas modificações, que fazem com que seu alcance fique cada vez mais abrangente. Ver nota

de rodapé número 84, nesse capítulo.

63

medidas compensatórias.155

Pode-se criar, ainda, órgãos que tenham competência para

determinarem por si só sanções a comportamentos ilícitos, desde que observados os limites de

seus acordos constitutivos, como é o caso do Conselho de Segurança e de algumas

instituições financeiras.

O nível de credibilidade de determinados acordos pode se elevar consideravelmente

na medida em que eles passam a ser incorporados pelo ordenamento interno. Quando isso

ocorre, uma violação de suas normas passa a ser também violação de uma norma interna.

Assim, os órgãos jurisdicionais internos também ficam legitimados para apreciar a demanda,

e sua implementação pode contar com instrumentos coercitivos domésticos,

independentemente da vontade do executivo.156

Isso também eleva os custos de uma ação que

viole as regras em questão, reforçando a confiança no que fora avençado.

Um exemplo desse efeito pode ser visto no caso da quebra das patentes de remédios

para a AIDS, conseguida pelo Brasil. Os Estados Unidos estavam obtendo sucesso no âmbito

da OMC alegando que a conduta brasileira violava as normas comerciais relativas à

propriedade intelectual. O governo nacional conseguiu reverter a situação, mas não com

discussões nessa arena. O Brasil conseguiu aprovar, no âmbito da OMS, uma resolução que

reconhecia o direito a tratamento da AIDS como um Direito Humano. Assim, a conduta norte-

americana passou a ser vista como uma conduta contrária a preceitos fundamentais do

ordenamento jurídico internacional. Além disso, a opinião pública dos EUA, que

tradicionalmente se mostra sensível a esse tipo de questões, se manifestou contrariamente à

postura inicial do governo, elevando ainda mais os custos de sua atuação. Dessa forma, o

governo norte-americano retirou a demanda que movia contra os brasileiros no âmbito da

OMC.157

Como argumentado anteriormente, a escolha pela legalização implica a adoção de

um determinado discurso, que torna necessária a observação de um determinado conjunto de

princípios e normas procedimentais que limitam o escopo de atuação dos agentes. Nesse

155

Os custos de se promover a mesma ação sem uma legitimação legal para isso seriam muito maiores, ou seja,

medidas de auto-ajuda, quando tomadas de acordo com o ordenamento jurídico internacional, adquirem uma

dimensão de legitimidade que de outra forma não teriam. Além disso, uma condenação em um órgão como esse

pode implicar custos políticos (de reputação) aos quais um país não se sujeitaria caso o conflito não houvesse

sido apreciado por um órgão alheio as partes litigantes. 156

Com isso, agentes privados aumentam enormemente sua capacidade de interferir na agenda, na medida em

que eles próprios passam a ser legitimados para propor demandas perante as cortes domésticas. Uma discussão

mais detida desses efeitos terá lugar na última seção desse capítulo. Ver, também nesse sentido, MARTIN, Lisa

L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, e KEOHANE, Robert O.;

MORAVCSIK, Andrew & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute Resolution: Interstate and

Transnational, 2000. 157

Esse exemplo reforça a supracitada idéia de ―canais normativos‖, na qual se admite que violações de uma

determinada norma poder ter repercussões (de reputação) negativas por todo o sistema.

64

sentido, uma vez que determinada matéria se encontra regulada por normas de direito

internacional, uma atuação de um determinado ator por meios que não legais a torna

carecedora de legitimidade, ou seja, argumentos calcados em preferências e interesses são

inócuos. Ao agir sem sustentação oriunda do sistema normativo o agente estará, portanto, se

submetendo a custos de reputação muito mais altos do que se tomassem a mesma decisão em

um contexto de não legalização.158

O caso da intervenção dos EUA no Iraque reforça essa tese. Apesar de terem agido à

revelia do sistema normativo internacional ao invadirem o referido país, os norte-americanos

se apressaram em justificar juridicamente sua ação, em um esforço de legitimação a posteriori

que se mostrou, em última análise, pouco efetivo. Essa atitude demonstra os limites do

ordenamento jurídico internacional. Ele, por si só, não foi capaz de impedir uma ação em

desconformidade com seus preceitos, mas, ao mesmo tempo, se mostrou variável importante

no cenário internacional na medida em que seu violador tenta legitimar sua ação sob o ponto

de vista legal. Sob essa perspectiva, pode-se argumentar que o Direito Internacional saiu

fortalecido do episódio.

Outro elemento que merece destaque nesse episódio é o de como a classificação159

de uma determinada ação pode ensejar conseqüências jurídicas distintas, e modificar o custo

dela para o ator. Ao mesmo tempo em que os EUA tentavam legitimar sua atuação do ponto

de vista jurídico, afirmavam também que aquilo se tratava de um caso de intervenção, e não

de Guerra. Isso porque se a ação fosse classificada da última forma, os norte-americanos

estariam violando uma série de princípios referentes ao ius in bellum e ao ius ad bellum, o que

representaria custos ainda maiores, na medida em que o valor paz é parte fundamental da

estrutura normativa pós II Guerra Mundial, e se sujeita a uma disciplina especialmente mais

severa.

De acordo com essa análise, pode-se elencar alguns casos em que altos níveis de

legalização são desejáveis. Em situações de cooperação, nas quais o ganho com a deserção

pode ser alto, uma hard law pode elevar os custos do oportunismo, minimizando a

possibilidade de que isso aconteça. Em situações de coordenação, por sua vez, os incentivos

de violação são baixos, e arranjos como esse podem se mostrar por demais custosos.160

Além

disso, em situações nas quais a violação a normas é difícil de se detectar, como nos casos de

158

Ver ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.429. 159

Essa classificação deve ser feita de acordo com o discurso e método que são peculiares a ordenamentos

legais, como já discutido previamente. 160

Para discussão detalhada sobre instituições internacionais e teoria dos jogos, ver MARTIN, Lisa L., & Beth

A. Simmons. Theories and Empirical Studies of International Institutions, 1998.

65

controle de armas, altos níveis de legalização podem vir acompanhados de provisões

centralizadas (ou não) de monitoramento, organizadas a partir da dimensão da delegação. Por

fim, instrumentos como esse podem ocorrer nos casos de blocos de países que desejam se

associar de forma bastante significativa, como acontece na OTAN e na UE. Nessas situações,

a hard law pode emergir por fatores relativos à própria formação do bloco: o desejo de se

submeter a estruturas bastante legalizadas pode, ex ante, prover credibilidade ao discurso do

agente, na medida em que implicam em baixa propensão para a defecção.161

b) Redução de Custos Transacionais

As já (amplamente) discutidas especificidades do sistema legal internacional têm

especial relevância nesse caso. Como normas jurídicas devem ser elaboradas com base em

técnicas e metodologia próprias, elas facilitam sua interpretação, aplicação e elaboração na

medida em que fixam claras balizas e procedimentos que devem ser observados.162

Novos

arranjos normativos devem, portanto, ser coerentes com uma estrutura legal pré-existente.

Dessa forma, a observação ou não de determinados valores não mais é discutida, na medida

em que a escolha pela legalização necessariamente implica em sua incidência. A delimitação

de seu conteúdo passa a ser mais fácil já que, frise-se, determinados valores devem ser

observados. Isso diminui, portanto, os custos de se atingir um consenso a seu respeito.

Ademais, procedimentos de negociação e resolução de conflitos ficam subjugados a

determinados princípios concernentes a sua interpretação e devem ser feitos por determinados

profissionais através de uma forma específica (técnica) de discurso. Assim, a existência de

órgãos (quasi) jurisdicionais de solução de controvérsias diminui os custos transacionais uma

vez que provê previsibilidade ao sistema (já que determinadas normas procedimentais deverão

ser seguidas). É nesse sentido que se pode interpretar a exigência, quando da criação da OMC,

que disputas comerciais deveriam ser resolvidas dentro da própria organização, sendo vedadas

ações unilaterais de Estados que não autorizadas por ele.

161

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

pp.429-430. 162

O papel de regimes (estruturas normativas de padronização de comportamento) na redução dos custos

transacionais – via provisão de informação, aumento da previsibilidade e dos custos de defecção – já foi

amplamente discutida doutrinariamente, especialmente nos casos de modificação desses acordos. Ver, por

exemplo, KEOHANE, Robert O. After Hegemony. Cooperation and Discord in the World Political Economy,

1984. Entretanto, essas discussões não cuidaram de tratar das especificidades do processo de legalização, tal qual

será feito nessa seção, a partir do argumento exposto por ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and

soft law in the International Governance, 2000, pp.430-431.

66

c) Mitigação de problemas de contratação incompleta

Dois fatores se mostram importantes para essa análise: o primeiro deles se refere ao

fato de que, por mais que se tente criar acordos precisos, algum grau de discricionariedade

haverá, e ele não conseguira abarcar toda a gama de possibilidades que se verificam na

realidade social. Dessa forma, esses instrumentos são, por definição, imperfeitos; pelo que

dão azo a comportamentos oportunistas. Além disso, altos níveis de precisão podem, em um

primeiro momento, se mostrar indesejáveis, na medida em que podem significar acordos

inócuos ou ainda os enrijecer sem que haja razões para tanto.163

A melhor forma de lidar com esses problemas é a delegação, pela qual se confere a

um terceiro a competência para dirimir conflitos resultantes da imperfeição originada no

momento de criação do acordo. Cabe à Corte Européia de Justiça, por exemplo, avaliar

conceitos relativos a normas de direito da concorrência, como ―práticas combinadas‖ e

―distorção da competição‖.164

Na medida em que essa interpretação é feita por um terceiro a

parir de regras claras e preestabelecidas, diminui-se enormemente o espaço para

interpretações individuais e independentes por parte dos atores, o que aumenta a

previsibilidade e confiabilidade do sistema, diminuindo os custos transacionais.

2- Soft law: vantagens e limitações

a) Redução dos custos de contratação

Apesar dos significativos efeitos de um alto nível de legalização com relação ao

incentivo para que os atores cumpram o que foi determinado, esse tipo de diploma pode

oferecer, como discutido, altos custos de manutenção de estrutura de monitoramento, por

exemplo. Ademais, custos de outra natureza podem contribuir de forma decisiva para que uma

hard law se torne inviável: os custos de contratação. Às vezes determinadas questões exigem

que os agentes estudem a respeito de seu objeto, além de serem necessárias várias reuniões

163

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.433. 164

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.433.

67

entre os representantes, etc. Esses custos são especialmente majorados no caso da legalização,

uma vez que a violação desses acordos tem repercussões mais severas para os atores; uma

concessão mal feita em uma dessas negociações será, provavelmente, muito mais difícil de ser

revertida do que em casos de acordos não legalizados.165

As diferenças entre tradições legais

internas também podem complicar o processo.166

Portanto, em casos em que acordos legalizados implicarem em grande incerteza com

relação aos efeitos de seu resultado, ou em casos em que significarem grande perda de

soberania, por exemplo, um alto nível de legalização pode se mostrar inviável. A negociação

acerca de determinadas questões pode se complicar inclusive em relação à definição de qual

será o regime de regulação a que ela se submetera: a liberalização do comércio de livros e

revistas é uma questão cultural ou econômica?167

Uma legalização mais branda (soft law) pode, destarte, emergir como a solução mais

benéfica aos atores: ela reduz muitos desses custos, e ainda oferece algumas das vantagens da

legalização. O nível em que essa vai ocorrer dependerá, assim, do contexto e da natureza da

questão que está sendo discutida. Em casos que a incerteza em relação aos efeitos do acordo é

grande, formas mais brandas podem oferecer a oportunidade para que os agentes os analisem,

possibilitando previsões acerca dos resultados de ações no sentido de aumentar o nível de

legalização.

Alguns casos são bastante elucidativos a esse respeito. Nos últimos anos, as

convenções da OIT se viram cada vez mais ignoradas pelos Estados. Diante disso, ela mudou

seu foco de atuação, que agora se concentra em instrumentos que não vinculam juridicamente,

como recomendações e códigos de conduta.168

Logo após a II Guerra, fora proposta uma

estrutura organizacional que deveria ser a base da governança global do sistema que se

desenhava. Foram criados, a partir dessa idéia, organismos como o FMI e o Banco Mundial.

Havia ainda a previsão de que fosse criada a Organização Internacional do Comércio.

Entretanto, os altos custos de contratação, decorrentes da delicadeza e centralidade da agenda

comercial impediram a adoção de um diploma muito legalizado, pelo que se adotou uma

165

A adoção de institutos legalizados não implica em custos de contratação existente apenas na esfera

internacional: processos internos de ratificação e incorporação desses diplomas podem tornar sua adoção ainda

mais custosa para um determinado Estado e podem, como também já discutido, inserir atores internos (com

demandas próprias) no processo político. 166

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.434. 167

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.435. 168

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.434.

68

forma mais branda e menos abrangente, qual seja, o GATT.169

Com o passar dos anos, os

Estados se deram conta da importância e dos efeitos benéficos de uma regulamentação mais

significativa, o que possibilitou a criação da OMC170

.

b) Redução dos ―custos de soberania‖

O conceito de soberania é bastante controverso e tem sido constantemente

desafiado.171

Essa discussão, entretanto, não se mostra relevante para o que se quer

argumentar na presente seção. Dizer que a adoção de determinado diploma implica em custos

de soberania significa apenas afirmar que de alguma forma o ator perderá a capacidade de

controle ou autoridade sobre determinadas questões, como capacidade normativa sobre

determinado assunto, controle sobre decisões (quando há delegação a terceiros), etc.

Alguns acordos, por sua especificidade, implicam em custos de soberania muito

baixos, pois constrangem o comportamento dos atores em situações determinadas, e resultam

em efeitos positivos. Entretanto, a adoção de alguns institutos pode significar perda de

capacidade de controle sobre suas fronteiras (por exemplo no caso de livre circulação de

pessoas, bens ou capital), ou limitações quanto a implementação de políticas públicas

(questões de condições de trabalho e ambientais, dentre outras). 172

Nesse sentido, Estados podem perder controle sobre uma vasta gama de questões,

como subsídios e política industrial; ainda podem ser obrigados a modificar leis ou sua

estrutura governamental. Em alguns casos haverá inclusive a ingerência de atores

internacionais (em cujo processo de escolha o Estado pode não ter nem participado) em

assuntos domésticos, como as visitas de comissões de direitos humanos ou inspeções de

apuração de existência de armas proibidas.

A incerteza quanto aos resultados futuros de um acordo também se estende aos

custos de soberania, notadamente quando os níveis de delegação são altos. Nesses casos,

169

No caso da OIC fica claro o fato de que efeitos internos de acordos internacionais podem dificultar sua

adoção: os EUA não conseguiram, por exemplo, que o projeto fosse aprovado justamente porque não convenceu

seu congresso das vantagens dessa organização. 170

Não está se afirmando que após a criação da OMC a questão comercial se tornou incontroversa ou menos

central. Apenas coloca-se a idéia de que o GATT surgiu como uma forma mais branda de legalização em um

contexto em que uma forma mais severa seria inviável, e que ele possibilitou esforços posteriores de aumento do

grau de legalização de questões comerciais. 171

Ver, por exemplo, PEREIRA, Antônio Celso A. Soberania e Pós Modernidade, 2004 e KRASNER, Stephen

D., Sovereignty: Organized Hypocrisy, 1999, que chega a propor quatro tipos de soberania. 172

ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

p.437.

69

quando se atribui a um terceiro a competência para interpretar, aplicar, implementar e até

mesmo criar normas, a capacidade de previsão dos efeitos que elas terão sobre a atuação do

ator fica ainda menor, na medida em que não é o próprio ator quem determinará os alcances

concretos que esses diplomas terão.173

Entretanto, estes custos podem ser minimizados quando são criados diplomas com

menores níveis de obrigação, precisão ou delegação. Há varias formas pelas quais se pode

criar normas mais brandas, permitam o equilíbrio ideal entre a perda de soberania e os

benefícios auferidos com o acordo. Disso decorre uma última inferência: os custos de

soberania irão variar de acordo com o assunto que está sendo discutido. Questões de

segurança nacional são mais problemáticas do que a padronização de terminadas normas ISO,

por exemplo. Além disso, acordos oferecem diferentes retornos em cada uma das áreas.

Assim, diplomas mais ou menos brandos serão criados de formas diversas em cada uma delas.

É por esse motivo que se consegue explicar a regulamentação relativamente severa que vem

sendo adotada no âmbito da OMC, já que questões comerciais implicam em custos de

soberania bastante significativos.

Redução dos custos de contratação e redução dos custos de soberania são as duas

principais vantagens das formas mais brandas de legalização, motivo pelo qual mereceram

uma análise mais detida. Mas as soft laws trazem em seu bojo uma série de outras vantagens e

efeitos, tais quais a redução da incerteza com relação a situações futuras, criação de espaço

para adoção de formas mais severas, etc.174

O que se deve destacar, portanto, é a utilidade dessa forma de institucionalização

como forma de regulamentação de comportamentos no cenário internacional, na medida em

que oferece uma série de alternativas para situações nas quais uma legalização mais severa se

mostraria inviável em virtude dos custos que lhe são intrínsecos. Elas não são, contudo, uma

forma ideal ou menos problemática de regulamentação de comportamento.

A operacionalização desse arcabouço teórico nos permite, destarte, uma

compreensão bastante funcional acerca da opção pela juridicização (legalização) de

determinadas áreas da agenda internacional, bem como fornece valiosas inferências para que

se possa compreender as razões pelas quais esse movimento se dá a partir de desenhos

173

Essa incerteza também pode ser elevada internamente, quando se admite que cortes ou agências autônomas

em relação ao governo tomem ou implementem decisões sem que ele interfira no processo. No caso da

legislação comunitária européia, por exemplo, as cortes nacionais podem aplicar a legislação supranacional e

inclusive demandar unilateralmente a atuação da Corte Européia de Justiça para que esta interprete as normas

envolvidas em um determinado caso concreto. 174

Ver ABBOTT, Kenneth W. & SNIDAL, Duncan. Hard and soft law in the International Governance, 2000,

pp.441 a 448.

70

institucionais tão distintos (especificidade normativa em função da agenda). O que não se

pode negligenciar, contudo, é a pressão exercida pelo contexto político doméstico tem

repercussões significativas na conduta do negociador das normas internacionais. O objetivo

da segunda parte desse capítulo é justamente o de se complementar o arcabouço teórico já

colocado, para que se possa incorporar a ele o constrangimento doméstico como variável

explicativa da escolha estatal na esfera internacional.

PARTE II: BARGANHA DOMÉSTICA E DIREITO INTERNACIONAL

A inserção da política doméstica como variável de análise do Direito Internacional

não tem sido, via de regra, considerada como uma dimensão de análise pelos teóricos do

Direito e das Relações Internacionais (RI). Contudo, de acordo com o argumento que será

exposto a seguir, o jogo de poder doméstico pode fornecer valiosas inferências acerca da

existência e dos termos de acordos celebrados internacionalmente. Nesse sentido, a discussão

acerca da influência da arena doméstica sobre a formulação de política internacional não pode

ser feita sem que se problematize algumas das principais premissas tradicionais, para que se

possa, a partir disso, estabelecer um arcabouço teórico que assuma a política doméstica como

uma das variáveis do modelo.

A primeira seção se destina, portanto, à colocação do problema, quando ocorrerá a

discussão acerca das premissas normalmente adotadas e de suas implicações teóricas. A partir

da problematização da premissa da unitariedade do Estado, argumentar-se-á que a unidade de

análise do modelo deverá ser novamente identificada, para que consiga abarcar os novos

atores nele inseridos. Dessa forma, essa parte do capítulo se encerra com a colocação e

caracterização dos atores que serão considerados.

Uma vez postas as unidades de análise, deve ser feita uma exposição do modelo

dentro do qual atuarão. Esse é o objetivo da segunda seção. Por motivos didáticos, ela foi

dividida em dois títulos. O primeiro delas colocará as variáveis de análise do modelo, quais

sejam: (1) a estrutura doméstica de preferências; (2) as instituições domésticas; (3) a

informação; e (4) os constrangimentos de ordem internacional. Expostas as variáveis, deve-se

discutir suas repercussões teóricas e a sua capacidade explicativa. Esse é o objetivo do

segundo título do capítulo que, à luz do argumento exposto, discute a relação entre as esferas

doméstica e internacional, bem como suas implicações para a compreensão de processos de

formulação de normas internacionais.

71

Seção I: A Colocação do Problema

O debate acerca da cooperação tem, indubitavelmente, posição destacada no âmbito

das teorias de Relações Internacionais. A influência da esfera doméstica na formulação de

políticas internacionais é, contudo, pouco explorada. Como ressaltam alguns autores, as

teorias de Direito e RI se pautam em modelos nos quais constrangimentos que não sejam

oriundos do cenário internacional são desconsiderados175

. O objeto desse trabalho visa

justamente discutir esse ponto, a partir da elaboração de um arcabouço teórico que abarque

ambas as dimensões como variáveis de análise176

. Segue, portanto, uma exposição das

principais premissas dessas teorias, bem como das implicações que a relativização dessas

terão para o modelo que será proposto.

O principal pressuposto dessas teorias é o de que o cenário internacional é

Anárquico. Além disso, tanto neo-realistas quanto neo-institucionalistas assumem que os

Estados são os principais atores das relações internacionais, e que se caracterizam pelo fato de

serem unitários e racionais177

. Considerar que os Estados agem a partir de uma perspectiva

unitarista significa afirmar que o sistema doméstico é, por sua vez, hierárquico, na medida em

que o ―tomador de decisões‖ (decision maker) se situa no topo de uma estrutura de

subordinação na qual esse tem independência para agir. De acordo com Waltz:

“As partes dos sistemas políticos domésticos mantêm relações de superioridade e

subordinação. Alguns têm o condão do comando, outros devem apenas obedecer. Sistemas

domésticos são centralizados e hierárquicos. As partes do sistema político internacional

mantêm relações de coordenação. Formalmente, todos são iguais. Nenhum tem o condão do

comando, ninguém deve obedecer. Sistemas internacionais são descentralizados e

anárquicos178

”.

Dessa premissa pode-se inferir, como destaca Moravcsik, que os atributos internos

são considerados mais como dados do que como variáveis. Os Estados teriam, portanto, igual

habilidade de extrair recursos domésticos, na medida em que seus procedimentos de tomada

175

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, pp.430-433;

MORAVCSIK, Andrew., Integrating International and Domestic Theories of International Bargaining, 1993,

pp.6-17; MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.3-7. 176

Nesse sentido, PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games,

1988, p. 427, chega a afirmar que não se deve perguntar ―se‖ a política interna tem interferência nas relações

internacionais, mas sim ―como‖ e ―quando‖ isso ocorre. 177

A esse respeito, ver GRIECO, Joseph M., Anarchy and the limits of cooperation: a realist critique of the

newest liberal institucionalism, 1995. 178

WALTZ, Kenneth N., Theory of International Politics, 1979, p.88, tradução do autor.

72

de decisão se equivaleriam179

. Nesse sentido, teriam eles preferências estáveis sobre os

resultados (outcomes) de uma negociação internacional, sendo esses determinados

estritamente por constrangimentos externos. Isso implica afirmar, destarte, que fariam

escolhas similares caso se deparassem com as mesmas condições externas180

.

Entretanto, a adoção dessa perspectiva pode ensejar equívocos, na medida em que se

pode atribuir a fatores externos a causa de comportamentos que na verdade ocorrem em

função de aspectos domésticos181

. A relativização da premissa da unitariedade, portanto, tem

permite com que se coloquem novas variáveis para a análise de fenômenos internacionais.

Como coloca Lisa Marin:

“As tentativas estatais de cooperação, e nossas tentativas de explicar sucessos e

fracassos da cooperação internacional, são complicados pelo fato de que

Estados não são atores unitários. O Estado não é um indivíduo que planeja e

implementa suas próprias decisões. É uma estrutura organizacional e social

bastante complexa. A estrutura interna pode interferir nos padrões de

cooperação para além daqueles definidos por „constrangimentos‟ do sistema

internacional. (...) Nós ainda prescindimos de um entendimento sistemático

acerca de como esses fatores domésticos importam, ou até mesmo quais

estruturas domésticas merecem nossa atenção182

”.

Uma vez problematizada a premissa de que Estados são atores unitários, resta

prejudicada a inferência de que eles têm igual habilidade de mobilizar recursos internos, bem

como não se pode afirmar que teriam procedimentos decisórios idênticos. A relativização

desse pressuposto permite, assim, a afirmação de que variações no contexto doméstico se

tornam importantes para se estabelecer o poder de barganha de um determinado ator183

.

Assim, diferenças nas instituições políticas internas, bem como nas preferências de seus

grupos têm repercussões consideráveis na esfera internacional184

.

Isto posto, faz-se necessária a criação de um modelo de análise que seja capaz de

incorporar essas variáveis. Putnam destaca o fato de que o chefe de governo é a figura que

age em ambas as dimensões, pelo que busca uma opção que seja aceitável em cada uma delas:

179

MORAVCSIK, Andrew., Integrating International and Domestic Theories of International Bargaining,

1993, p.5. 180

Uma vez que a capacidade de mobilização de recursos internos é a mesma, a decisão do agente se pauta nos

fatores externos, pelo que, em cada situação na qual esteja envolvido, pode-se estabelecer qual seria o ―interesse

nacional‖ daquele Estado. 181

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.4. 182

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.4,

tradução do autor. 183

MORAVCSIK, Andrew., Integrating International and Domestic Theories of International Bargaining,

1993, p.10. 184

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.10.

73

“As políticas de muitas negociações internacionais podem ser concebidas como um

jogo em duas arenas. Ao nível nacional, grupos domésticos perseguem seus

objetivos pressionando o governo a adotar políticas favoráveis, e os políticos visam

poder através da construção de coalizões entre esses grupos. Ao nível internacional,

governos nacionais visam maximizar sua própria habilidade de satisfazer pressões

internas, e ainda minimizar as conseqüências adversas de desenvolvimentos

externos. Nenhum dos dois jogos pode ser ignorado pelos tomadores de decisões

centrais, na medida em que seus países restam interdependentes, mas ainda

soberanos185

”.

Antes da exposição do arcabouço que será proposto nesse trabalho, mister se faz a

colocação dos pressupostos teóricos nos quais ele se fundamentará. Nesse sentido, o primeiro

aspecto a ser ressaltado é o seguinte: a premissa de que o cenário internacional é anárquico

não implica nenhum problema ao modelo, e possibilita que se façam importantes inferências

acerca da influência das condicionantes externas no processo de criação de políticas

internacionais.

Entretanto, a partir do momento em que os Estados não mais são considerados como

sendo unitários, não se pode assumir que o sistema interno seja estruturado de forma

hierárquica. Isso porque, como destaca Milner, não se pode estabelecer, a priori, nenhum

grupo político que se coloque no topo da estrutura interna de tomada de decisões, na medida

em que poder e autoridade sobre ela são compartilhados – mesmo que desproporcionalmente

– notadamente em governos democráticos186

. Em decorrência disso, pode-se afirmar as

preferências dos grupos dominantes serão condicionantes do comportamento do Estado no

cenário internacional, e que o poder de cada um desses grupos é também resultante das

peculiaridades do contexto institucional no qual se inserem187

. Nesse sentido, a arena

doméstica deverá ser compreendida como poliárquica188

.

Na medida em que não se assume o pressuposto da unitariedade dos Estados, há a

clara necessidade de se estabelecer quais serão os atores envolvidos no processo de

formulação de políticas internacionais. Cabe, entretanto, destacar que esses novos atores

185

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, p.434,

tradução do autor. 186

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.11. 187

Dessa forma, não mais se admite que Estados terão comportamentos similares, dada uma estrutura de custos

internacionais. Isso porque suas preferências poderão variar em função dos grupos internos e de seu respectivo

arcabouço institucional. Nesse sentido, o ―interesse nacional‖ não é mais inferido apenas das condicionantes

externas, como ocorre no âmbito das tradicionais teorias de RI. 188

O termo poliarquia é, nesse caso, utilizado com o mesmo sentido que lhe fora atribuído por MILNER, Helen.

Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations, 1997, p. 11), qual seja, o

de que ela é decorrente da divisão de poder entre os grupos internos. DAHL, Robert. Modern Political Anaysis,

1984, pp. 75-93, se vale do mesmo termo para fazer referência ao grau de democracia presente em um

determinado país.

74

continuarão sendo considerados como unitários e racionais. Frise-se: o modelo não assume o

fato de que ESTADOS são unitários, mas admite que seus ATORES o são189

.

Milner justifica a premissa de que os atores são racionais com os seguintes

argumentos: sua utilização permite o estabelecimento de hipóteses teóricas que serão objeto

de testes a partir de casos empíricos. Essas seriam decorrentes das inferências possibilitadas

pelo fato de que os pressupostos teóricos são utilizados explicitamente. Nesse sentido, sua

utilização permite com que estudos posteriores produzam novas hipóteses (com maior

potencial explicativo) a partir da relativização desses pressupostos. Além disso, um segundo

motivo seria relevante: essa premissa permite que haja a previsão de qual será o

comportamento de cada um dos atores190

, o que viabiliza várias inferências do modelo.

Por fim, uma última observação deve ser feita: é com base nas premissas

supracitadas que se busca evitar o perigo para o qual adverte Waltz. De acordo com ele, se a

dimensão doméstica assumir caráter central na análise, o que se teria era a necessidade de se

―voltar‖ ao nível descritivo. Assim, explicações com esse caráter implicariam em uma infinita

proliferação de variáveis, porque nesse nível nenhuma delas é suficiente para explicar o

resultado observado. A compreensão do que seria relevante para o nexo de causalidade

restaria, destarte, comprometida, de forma que as variáveis seriam estabelecidas ad hoc191

, o

que retiraria qualquer potencial explicativo do modelo192

.

Para combater essa colocação, Milner argumenta que a premissa da poliarquia

permite com que se identifique um sistema que não fora considerado: o sistema doméstico.

Para a autora, portanto, a associação entre poliarquia e a manutenção da idéia de que seus

atores são unitários impede a infinita proliferação de variáveis prevista por Waltz. Isso porque

a única modificação decorrente desse fato seria a nova identificação da unidade de análise do

modelo, que agora leva em conta não só o sistema internacional, mas também o sistema

interno193

.

Nesse sentido, faz-se necessária, assim, a identificação de quais são as unidades de

análise do modelo que será proposto. Feito isso, haverá a exposição de suas variáveis, para

189

Nesse sentido, MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International

Relations, 1997, p.12. 190

Como exemplo disso, pode-se citar o fato da consideração de que o legislativo pode influenciar o executivo

pelo mecanismo de antecipação de reações, que será mais bem examinado a seguir. 191

Essa é, por exemplo, a crítica feita por MORAVCSIK, Andrew., Integrating International and Domestic

Theories of International Bargaining, 1993, pp. 9-15 ao argumento da ―variância residual‖ (residual variance);

pelo qual a dimensão doméstica seria uma variável interveniente que explicaria algumas variações nas previsões

da teoria sistêmica. 192

WALTZ, Kenneth N., Theory of International Politics, 1979, p.65. 193

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.254-255.

75

que posteriormente se explicite qual será sua dinâmica e suas implicações para a análise das

relações internacionais.

1- Identificação dos Atores

Como ressaltado anteriormente, a flexibilização da premissa de que Estados são

atores unitários implica admitir que a formulação de política internacional ocorre com base

em dois sistemas distintos. Além disso, dela nasce a imediata necessidade de se estabelecer

quais serão as unidades de análise desse processo.

Não obstante o fato de ser um dos precursores da discussão acerca dessa matéria,

Putnam, no modelo que propõe, não chega a identificar a natureza dos atores envolvidos nessa

negociação. Como dito, seu argumento central é o de que o chefe de governo atua sempre

buscando a consecução de um acordo que satisfaça às demandas internas e que seja aceitável

internacionalmente. A instrumentalização dessa barganha se daria pelo que chamou de

procedimento de ratificação, pelo qual os grupos internos manifestariam sua aprovação (ou

não) ao acordo negociado na esfera internacional. Sua discussão concentra-se na influência

que esse processo exerce nas ações do chefe de governo194

.

Em discussão de natureza semelhante, Martin tem por objeto estabelecer qual a

influência do legislativo no processo de cooperação internacional, bem como nas repercussões

que ela tem na credibilidade dos acordos daí resultantes. Nesse sentido, ela propõe um modelo

voltado pela interação entre legislativo e executivo, no qual grupos internos participariam de

forma subsidiária, em decorrência de um poder que lhes é atribuído pelo legislativo195

.

Diante da impossibilidade de se especificar, a priori, quais os atores que estão

envolvidos na arena política doméstica – uma vez que irão variar em função da matéria (issue

area) que está sendo discutida – Milner opta por estabelecer uma classificação dessas figuras,

que se diferenciariam em função da natureza de seus interesses. Dessa forma, ela afirma a

existência de duas categorias de atores: os políticos e os sociais. Os primeiros teriam por

194

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, pp.435-460.

O autor, entretanto, admite que preferências e coalizões no nível interno são fatores que determinam o conteúdo

do acordo que será aprovado (win-set). ). De se destacar ainda que o autor ressalta que, por essas razões, seu

modelo se restringe à análise do procedimento de criação de políticas, pelo que não abarca as ações que serão

adotadas após sua adoção. Não se discute, assim, a fase de implementação das mesmas. Ao colocar o argumento,

chega a citar grupos que eventualmente poderiam atuar no processo (agências burocráticas, grupos de interesse,

classes sociais e ―até mesmo a opinião pública‖), sem, no entanto, estabelecer quaisquer afirmações sobre sua

natureza ou sobre as formas pelas quais poderiam interferir no processo (1988:436). 195

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.23-36.

76

objetivo a sua manutenção no poder196

, ou seja, agem com vistas diretas aos interesses

daqueles grupos que lhes dão suporte eleitoral. Eles se dividiriam entre executivo e

legislativo. Os atores sociais, por sua vez, buscam a maximização de seus rendimentos

(incomes). Dessa forma, serão mais favoráveis àquelas políticas que lhe forem mais

rentáveis197

.

Será utilizada, no âmbito desse trabalho, a classificação proposta por Milner, uma

vez que ela tem maior potencial explicativo e se coaduna com a dinâmica do modelo que será

proposto. Antes de se fazer uma análise mais detida de cada uma dessas categorias, devem ser

feitas duas observações.

A primeira delas é colocada tanto por Martin que destaca que qualquer análise de

um processo de formulação de políticas pode ser prejudicada se houver a confusão entre os

conceitos de ação e influência. De acordo com a autora, eles não significam a mesma coisa,

tampouco se pode inferir um a partir da observação do outro. Muitas vezes um ator pode ter

um grande poder de interferir na formulação de uma determinada política sem

necessariamente agir diretamente no processo, através da conformação da ação dos atores

diretamente envolvidos. Essa é a razão apontada por ela como sendo a principal causa de

muitas análises teóricas que afirmam que o Congresso tem pouca influência na formulação da

política externa dos EUA:

“Equacionar falta de ação legislativa na política externa com falta de influência

pode nos levar a uma falácia lógica similar, fazendo-nos compreender mal como e

quando a política externa reflete a preferência dos legisladores198

”.

Assim, de acordo com seu argumento, estudar os resultados (outcomes) de uma

determinada política externa pode ser muito mais esclarecedor do que estudar apenas o seu

processo de formulação. Dessa forma, poderá haver a contraposição entre os efeitos da adoção

dessa política e os anseios dos diversos grupos internos afetados por ela. A consideração de

mecanismos ―indiretos‖ de conformação de ação de atores é, portanto, elemento chave em

qualquer análise desse cunho. Nesse sentido, Putnam afirma que a expectativa de rejeição no

196

Optou-se pela utilização da expressão ―manutenção no poder‖ em detrimento de se usar ―reeleição‖, pelo fato

de que a primeira é mais abrangente que a segunda. Mesmo nos casos em que não é possível a reeleição, os

atores desejam que seus aliados sejam eleitos, motivo pelo qual observarão os anseios dos grupos de suporte. 197

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.14-17. 198

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.8,

tradução do autor.

77

nível doméstico pode frustrar negociações no nível internacional sem que nenhuma ação

formal na arena interna199

.

A segunda observação que deve ser feita é a de que interesse não se confunde com

preferência. Interesse se caracteriza por ser a representação dos ―objetivos fundamentais‖ de

um determinado ator. No caso de atores políticos, por exemplo, seu interesse é se manter no

poder (reeleição). No caso de atores econômicos, seu interesse é com a maximização dos

rendimentos (incomes). Assim, em qualquer assunto (issue), esses interesses genéricos não

variam entre a mesma espécie de atores (políticos, econômicos, etc). O que os diferencia são

suas preferências, que são condicionadas pelas características do contexto em que esses atores

estão inseridos. Dessa forma, as preferências se relacionam à escolha da política específica

pela qual os atores julgam que será atingido seu objetivo (manutenção do poder no caso dos

políticos e maximização dos rendimentos no caso dos econômicos, por exemplo). Preferências

são variáveis de acordo com a situação, ao passo que interesses são menos suscetíveis de

modificação.200

É essa diferenciação que permite, por exemplo, que se compreendam as diferenças

de posicionamento entre executivo e legislativo em face de uma determinada política. Isso

porque, não obstante o fato de terem o mesmo interesse (manutenção no poder), sua adoção

pode representar impactos distintos sobre seus grupos de suporte, pelo que, dado um certo

contexto, suas preferências irão variar no sentido de se proteger os interesses dos grupos

supracitados, já que esses são sua base de sustentação eleitoral. Feitas essas observações,

deve-se proceder à análise de cada um dos tipos de atores que estarão envolvidos no processo.

2- A Classificação dos Atores

A) Atores Políticos

a) Executivo

Como destacado anteriormente, os atores políticos se caracterizam pelo fato de que

suas ações têm como objetivo último a sua manutenção no poder. No caso do executivo, deve-

se fazer um esclarecimento: o termo abarca tanto os Chefes de Governo e Estado quanto o

199

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, p.436. 200

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.15, nota de rodapé n.4.

78

aparato burocrático a eles vinculado. Certamente há a possibilidade de que haja discrepância

de preferências dentro desse próprio corpo201

. Contudo, por motivos heurísticos, e pelo fato de

que via de regra cabe ao chefe do executivo a decisão final acerca de seu posicionamento,

considerar-se-á que esse é um ator unitário.

O executivo tem, em relação aos demais atores elencados, uma função peculiar: ele é,

via de regra, o único que se insere diretamente tanto na barganha internacional quanto no jogo

de preferências interno202

. Suas ações são, portanto, diretamente afetadas pelos

constrangimentos oriundos de ambas as arenas. Essa posição lhe oferece, todavia, algumas

prerrogativas, que podem se consubstanciar em importantes elementos de barganha nessas

negociações.

A capacidade de colocar (ou não) um tema em discussão na agenda internacional

pode ser crucial para a consecução de seus interesses. Ele pode, por exemplo, se empenhar

mais na negociação de temas cujos acordos terão repercussões eleitorais que lhe serão

favoráveis. Além disso, tem, em virtude da negociação internacional, um poder de veto ex

ante, na medida em que pode barrar, ainda nessa esfera, uma solução que lhe seja desfavorável

internamente (sem que para isso tenha que submeter seu posicionamento ao crivo das

instituições internas).

A colocação de um determinado tema na agenda internacional pode ser ainda mais

benéfica ao executivo: há casos em que esse fato permite com que ele atue diretamente na

formulação de uma política em relação à qual não poderia se manifestar, caso a discussão fosse

feita estritamente na dimensão doméstica203

.

Entretanto, não se pode afirmar que por essas razões tenha o executivo um alto grau

de discricionariedade204

. Acontece que, como já destacado, ele atua em duas arenas distintas,

pelo que enfrenta constrangimentos decorrentes de ambas. Nesse sentido, seu anseio de

manutenção no poder deve ser conjugado à necessidade de credibilidade na mesa de

negociações internacionais.

201

É para o que nos adverte PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level

Games, 1988, p. 432 e MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and

International Relations, 1997, p.34. 202

Como coloca PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988,

p.456, ele é o único elo formal entre o nível doméstico e o internacional. 203

Ver, a esse respeito, DAVIS, Christina, Linkage and Legalism in Institutions: evidence from agricultural

trade negotiations, 2001, p.9; PAARLBERG, Don. Obituary for a Farm Program, 1996, p.6. 204

Como destaca MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation,

2000, pp. 21-23, nem mesmo quando o legislativo delega expressamente suas funções ao executivo esse tem uma

margem de ação completamente discricionária. Isso porque ele continua sofrendo influências indiretas oriundas

do legislativo, porquanto continua sendo condicionado pelas preferências deste.

79

Dessa forma, é crucial que ele tenha em mente, quando da negociação internacional,

as preferências do legislativo, na medida em que deverá submeter o acordo ao procedimento de

ratificação205

. Isso porque uma rejeição interna de um acordo celebrado internacionalmente

pode gerar custos altíssimos de credibilidade do governo frente aos outros Estados. É o que

Putnam chamou de defecção involuntária206

. O negociador deve, portanto, antecipar as reações

dos grupos internos em face de determinado acordo, de forma que consiga evitar problemas

decorrentes de sua rejeição posterior à manifestação do consentimento na mesa de negociações

internacionais.

Além disso, como ressalta Milner, o fato de estar o executivo preocupado em manter-

se no poder ainda coloca a ele dois outros desafios: o primeiro deles refere-se à necessidade de

que seu governo obtenha um bom desempenho no campo econômico – que é apontado como

principal fator de persuasão sobre a opinião pública. Além disso, o executivo não pode

contrariar aqueles grupos que são sua base de sustentação eleitoral, seja por sua influência

direta sobre os eleitores, seja por suas contribuições financeiras que dão sustentação às

campanhas eleitorais207

.

a) Legislativo

A importância do legislativo como um agente na formulação da política

internacional vem sendo, como visto, reafirmada e discutida por autores de Relações

Internacionais. A obra de Lisa Martin, por exemplo, destaca-se por ter como objetivos

específicos justamente a discussão acerca do nível de influência exercida pelo legislativo na

formulação de políticas com esse caráter, bem como o de saber quais são suas implicações

para a cooperação internacional208

. A análise desse ator torna-se, assim, essencial para o

objetivo desse trabalho. Deve-se, destarte, indicar sua natureza, suas prerrogativas, e as

formas pelas quais podem atuar nesse processo.

205

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, p. 436, define

ratificação como qualquer processo decisório pelo qual os atores domésticos devem manifestar seu

consentimento em relação ao acordo celebrado no nível internacional, seja esse processo formal ou informal.

Essa ampla definição de ratificação permite que se considere até mesmo a fase de implementação dos acordos. A

contrariedade em relação a adoção de determinada política pode se manifestar, por exemplo, pela não

disponibilização dos fundos necessários para sua efetivação. 206

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, pp.438-440. 207

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.34-35. 208

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.5-6.

80

A natureza política desse ator faz com que seu interesse se assemelhe ao do

executivo, na medida em que também estão envolvidos, em última instância, com sua própria

manutenção no poder209

. Cabe relembrar que é também considerado como sendo unitário e

racional. Como discute Milner, a premissa da unitariedade não deixa de ser problemática,

principalmente em casos em que o legislativo é organizado a partir de uma estrutura

bicameral. Entretanto, essa ―simplificação‖ é aceitável do ponto de vista do modelo proposto,

na medida em que a influência legislativa será auferida a partir do posicionamento ―final‖

desse corpo face à formulação de determinada política210

.

No que se refere à identificação desse tipo de ator, uma observação deve ser feita:

atores com natureza legislativa não se confundem com atores que participam do processo de

produção legislativa (i.e. de políticas). Esse processo é determinado pelas instituições internas

e até mesmo internacionais (quando a discussão ocorre nessa dimensão); e são justamente

essas instituições que determinarão quais serão os atores que poderão atuar diretamente na

formulação das políticas, podendo esses ser inclusive o executivo ou grupos sociais. O

―legislativo‖ será identificado, portanto, a partir da clássica distinção decorrente da divisão de

poderes proposta por Montesquieu.

Por suas características, e tal como ocorre no caso do executivo, há a constante

preocupação com a opinião pública em geral e principalmente com as preferências dos grupos

específicos que lhe dão suporte211

. A peculiaridade de suas funções confere ao legislativo

algumas prerrogativas no jogo de interesses doméstico212

. Mesmo que não atue diretamente

na formulação de políticas, ele tem alguns mecanismos de controle dessas, pelo que sua

capacidade de influenciar seu resultado é considerável.

209

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp. 35-36. 210

A consideração será, portanto, se o legislativo é ou não favorável a determinada política. O processo de

determinação desse posicionamento será mais bem discutido quando da exposição acerca da estrutura doméstica

de preferências. Cabe destacar ainda que esse posicionamento encontra guarita também no modelo proposto por

Lisa Martin (Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000). PUTNAM, Robert

R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, apesar de não discutir diretamente a

existência e influência de nenhum ator específico, destaca a importância do que chamou de procedimento de

ratificação, pelo qual um acordo negociado internacionalmente seria aprovado ou rechaçado internamente. O que

se pode inferir é que mesmo no âmbito desse modelo a premissa de que o legislativo é um ator unitário se mostra

válida, na medida em que o posicionamento dos atores internos também é vislumbrado a partir de seu

posicionamento ―final‖ perante um determinado acordo. 211

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.36. 212

A esse respeito, uma observação merece destaque: assim como ocorreu quando da análise do executivo, são

elencadas algumas prerrogativas dos atores. Essas são decorrentes da especificidade de suas funções, e não se

confundem com os poderes delegados a eles (pelas instituições) em cada caso concreto. Esses ―poderes

legislativos‖, imanentes às instituições, serão estudados em tópico próprio.

81

Essa capacidade se concretiza a partir de mecanismos de controle indiretos, para os

quais nos adverte Martin213

. Durante a fase de implementação, o legislativo pode, por

exemplo, dificultar a mobilização de recursos para a efetivação da política – a autora cita o

caso do fim das atividades militares no Vietnam, que teriam sido enormemente dificultadas

pela diminuição dos fundos destinados a esse fim. Além disso, esse ator pode optar por

dificultar a operacionalização das políticas se negando a tomar medidas (de cunho

eminentemente interno) que seriam necessárias para sua implementação214

.

Em decorrência disso, o legislativo pode exercer sua influência através de um

mecanismo ainda mais sutil: durante a fase de negociação, o executivo, ao vislumbrar a

possibilidade de que haja rejeição interna do acordo, pode modificar seu posicionamento no

sentido de atender às demandas de cunho doméstico. É o que os autores chamam de

antecipação de reações (anticipated reactions)215

.

A análise desses meios indiretos de controle das ações de outros atores permite que

uma última observação seja feita: sua existência possibilita que o legislativo delegue

competências que lhe seriam próprias, sem que isso signifique que suas preferências serão

desconsideradas por aqueles que foram contemplados pela delegação. Há, portanto, como nos

mostra Martin, uma lógica para a utilização desse instrumento, que se coloca como a melhor

forma de resolver certos tipos de dilemas216

.

A autora argumenta que se podem identificar certos padrões para seu uso, que

decorrem de problemas de complexidade e incerteza217

. Os primeiros seriam decorrentes do

fato de que é muito difícil que o legislativo consiga vislumbrar e controlar os impactos de

todas as questões que lhe são colocadas. Dessa forma, pode-se fazer a opção de delegar a

corpos especializados tarefas das mais distintas, que podem ser desde provisão de

informações (como nos casos de audiências públicas) à competência negociadora (ao

executivo, no caso de questões comerciais, por exemplo).

Os problemas de incerteza estão diretamente relacionados à questão da

credibilidade. Muitas vezes a adoção de um comportamento por parte do legislativo pode se

mostrar ineficiente, na medida em que esse fora adotado sem que houvesse a devida avaliação

213

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.27-29. 214

A autora nos adverte ainda para o fato de que mesmo acordos que têm caráter auto-executório (self-executing)

por vezes necessitam de pequenas alterações na legislação interna (MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments:

Legislatures and International Cooperation, 2000, p. 28). 215

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.6; MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000,

p.41-46. 216

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.29. 217

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.29-36.

82

de seus impactos. Para evitar situações como essas, os atores podem se valer de mecanismos

de delegação pelos quais se institucionaliza a participação de outros grupos, que deverão

manifestar seu posicionamento perante as demandas colocadas.

Esse instrumento pode ser também utilizado nos casos de formulação de políticas

centrais para o desenvolvimento do Estado, e para os quais não há como assegurar que os

interesses daquele grupo que se encontra eleito serão observados no longo prazo. Nesses

casos, a opção que se coloca é a da criação de um órgão independente ao qual será delegada a

competência para formular essas políticas. Assegura-se, assim, que esse tenha autonomia para

tomar suas decisões sem que haja interferência do grupo político dominante em um

determinado período. Como exemplo disso pode-se citar o caso de criação de Agências

Reguladoras e os casos em que o Banco Central deixa de se submeter às políticas

governamentais.

B) Atores Sociais

Grupos de interesse

Ao contrário do que ocorre com os atores de natureza política, os atores sociais não

têm preocupações de se manterem (diretamente) no poder. Dessa forma, seus objetivos

decorrem da necessidade de maximização de rendimentos, seja de qual natureza eles forem

(lucros, incentivos fiscais, etc)218

. A adoção da premissa de que são unitários, como ressalta

Milner, não é problemática219

, e, como nos casos anteriores, será central para as inferências

que serão feitas.

Isso não significa dizer, contudo, que não tenham interesse no resultado dos

processos eleitorais. Não se pode negar o fato de que a promoção de políticas que lhes

favoreçam depende em larga medida da capacidade que têm de influenciar os atores políticos,

que têm a competência para sua formulação. Assim, a capacidade de fazer alianças com

grupos políticos é um elemento chave para sua atuação. Como já discutido anteriormente, o

fato de se constituírem como a base de financiamento de campanhas eleitorais faz com que os

218

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.36-37. 219

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.37.

83

grupos políticos passem a considerar suas preferências quando do cálculo acerca da adoção de

determinado curso de ação.

Além disso, sua posição peculiar no jogo político doméstico lhes confere outra

prerrogativa: como discutido no tópico anterior, por vezes os atores políticos não têm

condições de obterem informações precisas e confiáveis sobre os impactos de determinadas

políticas. Nesses casos, podem optar por abrir espaço para que grupos de pressão atuem como

provedores de informação, pelo que esses passam a ter influência direta no resultado desse

processo220

.

O que se pode afirmar, portanto, é que a atuação desses atores será função do

impacto que a adoção de políticas terá sobre cada um deles. Assim, se colocarão como

promotores para os casos em que seus rendimentos forem exponenciados, e como opositores

nos casos em que sofram prejuízo.

Esta seção do capítulo destinou-se à identificação dos atores envolvidos modelo,

pela qual se buscou estabelecer quais seriam a natureza, a prerrogativa, e as formas de atuação

de cada um deles. Essas informações se mostrar importantes no seguinte sentido: é a partir

delas que podem ser inferidas as preferências de cada um dos agentes envolvidos na

formulação de uma determinada política.

Como se discutirá a seguir, as preferências dos atores será central para a análise do

objeto desse trabalho, na medida em que elas constituirão a primeira variável de análise do

modelo: a estrutura doméstica de preferências.

Seção II: O Modelo de Análise

TÍTULO 1: AS VARIÁVEIS DO MODELO

1- A Estrutura Doméstica de Preferências

220

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp. 92-98, analisa os impactos da presença de grupos como provedores de informação, afirmando seus

impactos sobre o processo de formulação de políticas internacionais, seja sobre o enfoque da possibilidade de

celebração do acordo, seja sobre a possibilidade de sobreposição de interesses entre legislativo e executivo.

84

Um dos argumentos defendidos nesse trabalho é o de que acordos internacionais têm

repercussão direta, via efeitos distributivos, no jogo político interno. Dessa forma, como

ressalta Milner, eles “criam ganhadores e perdedores domesticamente, pelo que geram

defensores e opositores221

”. A resultante desse embate de forças domésticas tem, portanto,

efeitos consideráveis sobre a possibilidade e a natureza do acordo. É justamente desse fato

que surge a necessidade de se identificar a preferência dos atores envolvidos: é a partir dela

que se pode inferir seu posicionamento, i.e., se contrário ou favorável à adoção de

determinada norma.

Isto posto, segue uma exposição de como se configuram as preferências dos agentes

envolvidos no processo. Em decorrência do que fora discutido na seção anterior, essa

exposição se dará com base na classificação ali proposta: primeiro se fará a discussão acerca

dos atores políticos, ocorrendo, em seguida, o mesmo com os de natureza social.

a) A preferência dos atores políticos

Da classificação proposta anteriormente, o que se pode inferir é que a conformação

das preferências dos atores políticos será sempre balizada por seu interesse, qual seja, o anseio

de manutenção no poder. Dessa forma, as preocupações com as repercussões eleitorais de um

determinado acordo serão a base do posicionamento de um agente com esse caráter. A

discussão que se segue, portanto, não tem por objetivo indicar a prevalência da preferência

desses atores por políticas exclusivamente domésticas (unilaterais) ou internacionais. O

argumento será justamente o de que a opção será pelo tipo que for mais útil ante as

preferências de cada um deles. Nesse sentido, importante citar a observação feita por Milner:

“Uma política que envolva cooperação com outros países não necessariamente

precisa ser a opção mais eficiente economicamente; uma política doméstica

unilateral poderia ser mais eficiente, mas menos benéfica eleitoralmente para os

líderes políticos222

”.

A autora coloca, ainda, que são dois os fatores que ensejariam a opção por uma

política de cunho internacional: o grau de abertura da economia de um país, e o tipo de

221

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.9; tradução do autor. 222

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.43; tradução do autor.

85

externalidades geradas por uma determinada escolha política223

. Nesse sentido, o grau de

abertura estaria intimamente ligado à criação de situações nas quais opções políticas de outros

Estados têm consideráveis repercussões domésticas. Esses fatores podem, como se discutirá a

seguir, criar (ou não) uma demanda por cooperação.

Ao se fazer esse tipo de análise, o que se deve ter em mente é o seguinte: a opção

pela discussão de uma determinada política no nível internacional implica na escolha de uma

certa estrutura de custos, na medida em que se trata de um aparato institucional (tanto interno

quanto internacionalmente) distinto224

, que insere atores outros que não aqueles que se

colocam quando a discussão ocorre exclusivamente no âmbito doméstico. Uma política

negociada internacionalmente tem, portanto, custos distintos (tanto de adoção quanto de

modificação ou revogação) daqueles de uma política de cunho unilateral. Nesse sentido, os

atores irão optar pela via que lhes traga menores custos225

. Milner coloca uma importante

implicação dessa diferenciação:

“Líderes podem buscar a cooperação internacional também para evitar problemas

políticos domésticos. Políticas têm diferentes efeitos internamente; alguns grupos

ganham e outros perdem em decorrência de uma escolha política. Líderes políticos,

como argumentei anteriormente, preocupam-se tanto com o bem estar geral quanto

com interesses específicos. Grupos poderosos em um certo país podem ser capazes de

impedir a adoção de políticas que não concordam em uma discussão unilateral,

mesmo que os líderes políticos os favoreçam. A coordenação internacional pode

permitir que atores políticos se sobreponham a essa oposição e que adotem políticas

que de outra forma não poderiam.226

Para efeitos analíticos, como percebe Milner, duas ordens de custos são suscitadas

quando da opção pela discussão internacional de uma determinada política: uma oriunda das

223

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.43. De acordo com ela, o grau de abertura seria auferível pelo nível de integração de sua economia com

o resto do mundo. No caso do comércio, por exemplo, poderia ser medida com base na porcentagem de

importações e exportações face ao PIB. O conceito de externalidades é o mesmo utilizado na economia: ele faz

referência aos impactos que a ação de um agente externo têm sobre o ambiente doméstico, sendo que esses

efeitos não são transmitidos via mecanismos de preço (ver p.43, nota de rodapé 1). 224

O procedimento de adoção de uma determinada política domesticamente pode ser distinto, por exemplo, do

que aquele adotado para a ratificação de um tratado. Além disso, a discussão no âmbito internacional envolve

instituições decorrentes desse sistema – uma lei adotada internamente pode, via de regra, ser revogada com base

no mesmo procedimento. Entretanto, se essa lei é decorrente de um tratado internacional, sua revogação implica

em uma rediscussão dos termos do tratado internacionalmente, sob a égide da Convenção de Viena do Direito

dos Tratados (Ver, a esse respeito, PELLET, Alain; et al. Direito Internacional Público, 2004). 225

O caso da posição norte-americana na Rodada do Uruguai, por exemplo, é bastante claro a esse respeito: a

discussão, por parte do governo dos EUA, de subsídios agrícolas se mostrou muito menos custosa se feita

internacionalmente, inserida em uma agenda de negociações consideravelmente mais abrangente, que envolvia

assuntos como propriedade intelectual e compras governamentais. 226

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.45; tradução do autor.

86

conseqüências distributivas da escolha, e outra decorrente da perda do controle unilateral

sobre um instrumento de política227

.

A conclusão a que se chega, portanto, é que a opção dos atores irá variar em função

do problema (issue area) que está sendo discutido. Pode haver casos em que esses custos

gerados pela discussão não unilateral da formulação de políticas se mostrem muito altos, pelo

que não haverá demanda por cooperação228

. O cálculo feito pelos atores deverá levar em

conta os seguintes aspectos: os benefícios que ele tem ao utilizar-se unilateralmente de uma

política; os custos decorrentes de seu uso unilateral por outro Estado e ainda eventuais

retaliações que possa sofrer em virtude desse uso unilateral.

Milner se vale dentre outros, do exemplo da política comercial, para afirmar que, em

virtude dos graves efeitos de suas externalidades (uso unilateral da política por outros

Estados), a cooperação, nessa área, seria uma opção razoável. Entretanto, afirma que, uma

vez que os ganhos internos por seu uso unilateral também são altos, somente nos casos em

que haja grande possibilidade de retaliação é que a discussão internacional dessa política se

mostra razoável229

.

b) A preferência dos atores sociais

Como os atores políticos, os atores sociais buscam maximizar seus rendimentos. A

pergunta que se coloca, portanto, é como se manifestarão as preferências desses diante de

uma determinada política. Conforme o argumento de que a opção por políticas negociadas

internacionalmente tem efeitos distributivos internos, forçosa é a conclusão de que os grupos

de interesse irão favorecer a adoção daquelas que representem maiores benefícios, ao passo

que se posicionarão contrariamente àquelas que implicarem em maiores custos.

Nesse sentido, não se pode duvidar que aqueles grupos mais afetados por uma

determinada política (positiva ou negativamente) serão os mais engajados em sua discussão.

227

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.46. Novamente, o exemplo da Rodada do Uruguai é bastante elucidativo: a opção por determinar a

redução de barreiras agrícolas gerou oposição por parte dos fazendeiros norte-americanos, que por diversas

oportunidades manifestaram seu descontento com a situação. Além disso, uma nova discussão acerca desses

níveis tarifários somente seria possível, pelo menos em tese, no âmbito da OMC. A dificuldade de novas

discussões acerca de normas adotadas internacionalmente pode, portanto, funcionar como um mecanismo de

―blindagem‖, do qual se valem os atores políticos, para que se protejam de pressões de grupos internos para sua

alteração. 228

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.47-59. 229

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.55-56.

87

Dessa forma, discussões sobre política comercial podem suscitar a participação de atores que

não se envolveriam caso a discussão fosse sobre matéria monetária, por exemplo230

.

Novamente, portanto, procede o argumento de que a preferência e atuação de cada um dos

grupos de interesse irá variar de acordo com o problema (issue area) colocado na agenda.

O argumento se completa com a exposição das formas pelas quais essas preferências

podem se traduzir em influência no resultado de um determinado acordo: como destacado

anteriormente, a atuação dos grupos de pressão ocorre de duas formas. Uma delas se refere ao

financiamento de campanhas, ao passo que a segunda se dá pela provisão de informação aos

atores políticos durante a formulação de políticas. O que acontece é que, quando da discussão

de um determinado acordo, os atores políticos passam a ter em mente quais são aqueles

grupos que o sustentam no poder, e, ao obterem deles informações sobre os impactos da

política adotada, começam a agir, via mecanismo de antecipação de reações, no sentido de se

evitar problemas eleitorais futuros231

.

Isto posto, pode-se chegar à seguinte conclusão: a estrutura doméstica de

preferências é conformada pela barganha de interesses dos atores sociais e políticos. Dessa

forma, se suas preferências irão variar em função do assunto que está sendo discutido, pode-

se inferir que essa estrutura será específica para cada política que está sendo negociada. É,

assim, a resultante do jogo de interesses interno, e condicionará tanto a possibilidade quanto

os termos de um acordo negociado internacionalmente. Nesse sentido, essa estrutura será, no

âmbito do modelo construído, uma variável independente, da qual dependem a cooperação e

os termos do acordo232

.

Se considerarmos, contudo, que um dos grupos envolvidos no processo de

formulação de políticas tenha mais poder que os outros, a definição acerca dos termos do

acordo irá variar em função desse fator. A questão que se coloca, portanto, refere-se à

identificação da maneira pela qual um ator pode ter mais ou menos poder no processo de

formulação de políticas. Essa atribuição será, como argumento que se segue, decorrente das

instituições envolvidas nesse jogo.

2- Instituições

230

Ver, nesse sentido, MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and

International Relations, 1997, pp.50-56. 231

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp.60-61. 232

Nesse sentido, MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International

Relations, 1997, p.23.

88

Na seção anterior fora exposto o conceito de estrutura de preferências que, de

acordo com o argumento aqui defendido, se mostra como um fator determinante na

possibilidade e nos termos de um acordo internacional. Isso porque a decisão do negociador

seria balizada justamente pela resultante dessa estrutura. O que se deve ressaltar, contudo, é

que as instituições políticas, pelo fato de implicarem em constrangimentos na arena na qual se

desenvolve o jogo doméstico233

, são capazes de modificar o cálculo dos atores, bem como de

dar mais ou menos poder a cada um deles.

Nesse sentido, é importante que se compreenda a forma pela qual instituições

domésticas podem interferir na arena política interna, bem como as repercussões que

representam para a cooperação internacional234

. Para que isso seja possível, segue uma análise

dos mecanismos de influência das mesmas, além da discussão acerca dos poderes dela

decorrentes.

Como ressalta Milner, instituições se caracterizam por serem “constrangimentos ou

regras socialmente aceitas que moldam as interações humanas235

”. Dessa forma, sejam ou

não de natureza formal, reproduzem determinados padrões de conduta. Isso decorre do fato de

que atuam como um instrumento de mobilização de bias em favor de certos atores, a partir do

momento em que “determinam como o poder sobre o processo de tomada de decisões é

alocado entre os atores nacionais236

”. O que se pode afirmar, portanto, é que o desenho

institucional de ordem interna é capaz de indicar quais preferências devem predominar no

processo de formulação de uma política. A implicação disso é a de que variações ou

mudanças nesse desenho influenciam a probabilidade e os termos dos acordos

internacionais237

.

O argumento aqui colocado é o de que elas podem interferir no processo na medida

em que alteram a estrutura doméstica de preferências, o que pode se dar de duas formas. Uma

delas é decorrente do fato de que, ao conferirem poder decisório a determinados atores,

podem inserir ou privilegiar determinadas preferências no processo. Assim, o fato de se dar

233

MARCH, James, & OLSON, Johan, Rediscovering Institutions, 1989, p.18. 234

A análise feita nessa seção é voltada para a interferência das instituições domésticas no processo de

formulação de normas internacionais. A influência das instituições de cunho internacional é analisada em tópico

posterior (ver tópico acerca dos constrangimentos de ordem internacional, nesse trabalho). 235

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.18; tradução do autor. 236

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p. 99; tradução do autor. 237

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.99.

89

ao executivo, por exemplo, poder de ação na formulação de uma política da qual ele não

participava significa ter que considerar tanto suas preferências quanto aquelas dos grupos de

pressão que lhe dão suporte eleitoral (em decorrência do mecanismo de antecipação de

reações).

Esse desenho institucional é, no mais das vezes, determinado pelo ordenamento

jurídico interno de cada um dos Estados, e determina os parâmetros da interação entre os

atores políticos. Milner afirma que se pode identificar 5 poderes dele decorrentes, cuja

distribuição influenciaria o resultado final do processo238

. Eles seriam: capacidade de

controlar a agenda, de propor emendas, de ratificação ou veto, de proposição de referendos e

de oferecer pagamentos paralelos (side payments). Segue a análise de cada um deles.

Controle da agenda. Este poder está relacionado com a capacidade de escolha dos

assuntos (issues) que serão discutidos. É fato que os resultados (outcomes) de um

determinado processo podem não corresponder com as preferências daquele que o colocou

em pauta. Entretanto, o controle da agenda permite com que o agente privilegie alguns temas

em detrimento de outros, o que funciona como um poder de veto ex ante239

.

Além disso, aquele que define a agenda tem a prerrogativa de definir e classificar o

problema que será debatido, pelo que determina os próprios termos do debate240

. Assim,

classificar determinada matéria como de direitos humanos ou relativa a bens culturais pode

ensejar a incidência de um arcabouço institucional distinto do que aquele que seria

movimentado caso a mesma questão fosse classificada como comercial. O controlador pode

por fim, definir a ordem de consideração das opções de tratamento de uma determinada

questão. Essa capacidade de colocar em pauta, definir, classificar o problema e propor

soluções confere ao agente um poder considerável241

.

Proposição de emendas. A capacidade de proposição de emendas é um importante

mecanismo de conformação dos termos do acordo às preferências do agente que tem esse

poder. Dessa forma, pode modificar suas disposições de forma a aumentar seus benefícios.

Nos casos em que a iniciativa da proposição cabe ao executivo, o legislativo tende a desejar o

238

De acordo com ela, quanto mais concentrados eles estejam nas mãos do agente à favor da cooperação

internacional, maior a possibilidade do acordo (MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information:

Domestic Politics and International Relations, 1997, p. 100). 239

PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, p. 457,

argumenta nesse sentido, a partir do momento em que admite que o chefe negociador pode escolher quais temas

serão debatidos, e que isso influencia decisivamente no resultado das negociações. 240

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.102. 241

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.102.

90

controle sobre esse tipo de mecanismo. O que se deve ressaltar, contudo, é que, quando se

trata de acordos celebrados internacionalmente, modificações posteriores resultantes de

procedimentos internos implicam na rediscussão do acordo internacionalmente, o que pode

comprometer a cooperação ou tornar as modificações muito custosas242

. Nesses casos a

possibilidade de sua utilização tende, portanto, a ser restringida. Cabe ao legislativo, portanto,

a escolha de outras formas de interferência sobre o acordo que não essa (como por exemplo,

no caso da antecipação de reações por parte do executivo).

Ratificação ou veto. O poder de ratificação ou de veto de um determinado acordo é

compreendido, nesse trabalho, a partir de uma perspectiva abrangente: ele se refere a qualquer

procedimento, seja ele de ordem formal ou informal, pelo qual os agentes internos

manifestam sua aprovação ou rejeição em relação à adoção de uma política243

. No caso de

acordos internacionais, ele normalmente é atribuído ao legislativo. Mesmo nos casos em que

formalmente isso não ocorre, haverá a necessidade de manifestação do parlamento, na medida

em que tais acordos têm repercussões sobre o ordenamento jurídico interno.

Esse se coloca como um importante poder de conformação de políticas

principalmente a partir do mecanismo de antecipação de reações. Não se pode negar, por

exemplo, que o executivo atua sempre com vistas a possibilidade de rejeição de um acordo

por parte do legislativo, o que, como visto quando da discussão acerca da defecção

involuntária, pode implicar em custos de credibilidade consideráveis. Nesse sentido, como

ressalta Milner:

“Não são apenas os termos do acordo que são afetados pelo poder de ratificação,

mas a decisão de iniciar negociações internacionais também depende das chances de

ratificação do acordo no cenário doméstico. O executivo decide se e como negociar

internacionalmente sempre se lembrando do processo de ratificação244

”.

O que se percebe, portanto, é que o poder de emenda é mais significante do que o de

ratificação, na medida em que no primeiro há a possibilidade de se modificar o acordo de

forma que se atenda melhor às expectativas do ator, ao passo que no segundo a única opção

242

Nesse sentido, PUTNAM, Robert R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games,

1988, p.437; MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International

Relations, 1997, p.105. 243

Esse tipo de abordagem consegue dar conta de conceitos importantes para o argumento dessa obra, tais quais

a diferenciação entre ação e influência, por exemplo. É também o posicionamento de PUTNAM, Robert R.

Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, p.436 e MILNER, Helen. Interests,

Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations, 1997, p.106. 244

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.107; tradução do autor.

91

que se coloca é a da sua rejeição, sendo que sua influência sobre seus termos se dá de forma

indireta (via antecipação de reações). Entretanto, já fora destacado o fato de que, em

negociações, o poder de emendas pode se mostrar muito custoso.

Isto posto, forçosa é a conclusão de que o procedimento de ratificação identifica as

preferências que devem ser consideradas pelo negociador. É por meio desse mecanismo que

ele irá influenciar o resultado da negociação. É por isso que muitas vezes a discussão acerca

da classificação de um problema (poder de controlar a agenda) se mostra importante: ela pode

modificar o procedimento que será utilizado, e conseqüentemente, as preferências que

determinarão a política a ser adotada.

Isso permite a inferência de que a cooperação estaria prejudicada quando houvesse

uma alteração desse procedimento posteriormente à celebração do acordo, uma vez que as

preferências contempladas podem não mais corresponder àquelas dos atores que detêm o

poder de veto, pelo que aumentariam suas chances de rejeição interna245

.

Proposição de referendos. Esse poder funciona como um meio de se persuadir

atores que se mostram hesitosos em relação à aprovação de um determinado acordo. Isso

porque contrariar a posição da opinião pública é algo muito custoso para os atores políticos.

Nesse sentido, aquele que detém seu poder de proposição optará por utilizá-lo nos casos em

que as chances de uma resposta positiva da opinião pública sejam consideráveis246

. Eles se

mostram pouco custosos na medida em que a população pode apenas se manifestar de forma

positiva ou negativa em relação a determinado tema, o que implica que não podem modificar

as disposições daquilo que lhes é submetido. A possibilidade de que o agente propositor seja

surpreendido com algum custo que não tenha sido previamente considerado é, portanto,

pequena. A proposição de referendos pode ter um efeito adicional: ela pode aumentar o nível

de influência indireta de atores sociais, na medida em que esses poderão atuar decisivamente

junto à formação da opinião pública, seja através da provisão de informações, seja por meio

do financiamento de campanhas.

Proposição de ganhos secundários (side payments). Como destaca Milner, esse tipo

de artifício deve ser compreendido a partir de uma ampla perspectiva247

. Nesse sentido,

podem ser legais ou ilegais; implícitos ou explícitos. Podem, por exemplo, ocorrer pela

245

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.124. 246

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p. 109. 247

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p. 109.

92

promessa de troca de apoio em votações sobre temas distintos, pelo oferecimento de propina,

ou até mesmo por meio de ameaça de represálias.

Eles são, portanto, uma barganha entre atores que se dá no sentido de que um deles

cede em uma determinada circunstância para que receba algum benefício proposto pelo outro

ator. Assim, pode-se afirmar que a condição de existência de um artifício como esse é o de

que os agentes têm preferências individuais distintas sobre diferentes assuntos248

.

Como destaca Milner, sua existência sempre fora discutida pelos teóricos de Relações

Internacionais249

. Contudo, a problematização da premissa de que o Estado é um ator unitário

permitiu com que o arcabouço aqui desenvolvido abarcasse a possibilidade de que eles

ocorressem tanto entre grupos internos, quanto em relação a atores de Estados distintos que

participam da negociação internacional250

. O que se buscou com a análise desses poderes foi,

portanto, mostrar que sua utilização tem o poder de modificar a estrutura doméstica de

preferências e, conseqüentemente, a possibilidade e os termos do acordo internacional.

Nesse ponto do argumento, duas observações se mostram pertinentes. A primeira

delas se refere a uma questão colocada por Milner251

: a diferenciação entre regimes

presidencialistas e parlamentaristas pode representar algum problema ao modelo? O que se

deve observar, a esse respeito, é o seguinte: regimes parlamentaristas e presidencialistas são

constituídos a partir de instituições diferentes. Nesse sentido, em cada um desses casos a

distribuição de poderes legislativos será feita de uma forma diferente, pelo que as preferências

envolvidas também irão variar. Entretanto, digno de nota é o fato de que o que importa não é

a natureza do regime, mas sim a distribuição de poderes resultante de suas instituições. Dessa

forma, essa diferenciação não se mostra problemática diante do modelo proposto. Nas

palavras de Milner:

“Para nossos propósitos, a distribuição desses poderes entre o executivo e o

legislativo na questão em tela terá mais efeitos na maneira pela qual o jogo

doméstico se desenvolve do que terá a natureza parlamentar ou presidencial do

regime252

”.

248

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p. 110. 249

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p. 112. 250

Ver, a esse respeito, a discussão acerca de constrangimentos internacionais de ordem relacional, nesse

capítulo. 251

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp. 117-122. 252

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.122.

93

A segunda observação é decorrente do fato de que instituições têm o condão de

afetar a participação de determinados atores no processo, seja via exclusão/inclusão ou a

partir da determinação da intensidade de sua participação. Nesse sentido, um determinado

desenho institucional pode fazer com que determinados atores (sejam eles políticos ou

sociais) não tenham influência no processo, ou que essa seja exercida de forma secundária.

Nesse sentido, discrepâncias em relação a análises feitas por outros autores, como por

exemplo, Milner253

– que considera os grupos de pressão como agentes de seu modelo – e

Martin254

– que afirma que grupos de pressão têm participação subsidiária no processo – não

se mostram problemáticas diante do argumento aqui defendido.

Pode-se concluir, do que fora exposto, que as instituições determinam o resultado do

processo de formulação de políticas uma vez que atuam sobre a estrutura de preferências,

privilegiando alguns atores em detrimento de outros. Diante disso, uma última inferência

pode ser feita: se instituições alteram o poder de interferência de atores, esses terão

preferências também por instituições255

. Nesse sentido, o agente que detém o poder de

escolhê-las ou modificá-las terá o ―maior‖ dos poderes, na medida em que poderá se valer do

procedimento que seja mais favorável às suas expectativas256

.

A afirmativa de que as instituições são, no âmbito desse trabalho, consideradas

como variáveis intervenientes se coaduna com a análise feita nessa seção. Nesse sentido,

pode-se afirmar que elas têm relevância para a compreensão do resultado do processo, mas

apenas se estudadas conjuntamente com as preferências, na medida em que essas últimas

condicionam o nível de alterações que podem ser promovidas pelas primeiras257

. Nas palavras

de Milner:

“As preferências dos atores determinam o conjunto no qual se inserem os resultados

(outcomes) viáveis; as instituições determinam onde nesse conjunto a política

realmente estará. Portanto preferências e instituições são críticas, mas têm diferentes

papéis na composição de resultados de políticas258

”.

253

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, pp. 14-17. 254

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.23-36. 255

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.19. 256

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.100. 257

Nesse sentido, MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International

Relations, 1997, p.19. 258

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations ,

1997, p.242; tradução do autor.

94

3- Informação

Pelo que fora até aqui exposto, a conjugação das variáveis indicadas permite traçar o

seguinte panorama: diante da discussão de uma determinada política, atores políticos irão

perseguir resultados que lhe garantam apoio eleitoral. Atores sociais, por sua vez, irão apoiar

aquelas que lhe propiciarem aumento nos rendimentos. Essa é, pois, a base de constituição da

estrutura de preferências que, de acordo com o argumento aqui defendido, condiciona a

probabilidade e os termos de um eventual acordo internacional. Deve-se ressaltar, contudo,

que o arcabouço institucional no qual ocorram as negociações pode favorecer alguns desses

grupos envolvidos, pelo que o acordo (ou defecção) resultante das negociações tenderá a ser

influenciado, em maior medida, por suas preferências.

Acontece que outra variável tem repercussões consideráveis nesse processo: a

informação259

. Do que já fora exposto, fica claro o fato de que os atores políticos decidem-se

por um determinado curso de ação com base em suas repercussões sobre os grupos que

formam sua base eleitoral. Dessa forma, conhecer os impactos que a adoção de uma

determinada política terá sobre eles é essencial para que tanto o executivo quanto o legislativo

optem por apoiar ou rechaçar tal acordo.

Nesse sentido, pode-se argumentar que a quantidade e a qualidade das informações

disponíveis interferirá diretamente no comportamento dos atores. O executivo, por exemplo,

pode mudar seu curso de ação ao ser informado que o principal grupo integrante de sua base

eleitoral será prejudicado com um acordo (ao contrário do que achava anteriormente). Atores

sociais poderão se manifestar de forma mais incisiva a partir do momento em que saibam

exatamente qual será o custo ou benefício ao qual estará submetido pela adoção de uma

determinada política. Como argumenta Martin, a institucionalização da participação de

grupos de pressão como provedores de informação eleva a credibilidade dos

comprometimentos acertados internacionalmente, na medida em que dá aos negociadores

maior convicção acerca da aceitação interna do que fora negociado260

. A conclusão a que se

chega, nesse sentido, é que a influência dessa variável ocorre, em grande parte, por meio do

259

Ver, a esse respeito, MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and

International Relations , 1997, pp.83-95; MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and

International Cooperation, 2000, pp.41-46. Como ressaltado anteriormente, o objeto do trabalho desenvolvido

por Martin é o de se estabelecer qual a influência do legislativo sobre os acordos internacionais. Dessa forma, a

informação não á tratada explicitamente como uma variável. Entretanto, na supracitada passagem a autora coloca

quais são os efeitos da provisão de informação sobre a atuação do legislativo e do executivo, mostrando,

conseqüentemente, sua influência em um determinado acordo. 260

MARTIN, Lisa L. Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.43.

95

mecanismo de antecipação de reações: ao identificarem os anseios dos grupos que lhe dão

suporte, os atores políticos buscarão acordos que favoreçam a seus aliados.

A variação na quantidade de informação disponível afetará, portanto, o cálculo de

todos os atores envolvidos no processo: no que se refere aos políticos, determinará seu

posicionamento via antecipação de reações. Já no que se refere aos atores sociais, ela

condicionará o seu grau de envolvimento em cada uma das discussões. Nesse sentido, a

informação se coloca como uma variável interveniente no processo261

.

O objeto desse trabalho é, como vem sendo destacado, a discussão acerca da

influência da esfera doméstica na produção de normas internacionais. A criação de um

modelo que consiga dar conta do jogo de forças que se passa nessas duas arenas não pode,

portanto, negligenciar os constrangimentos de ordem internacional que atuam sobre os atores.

A próxima seção do capítulo objetiva, assim, inseri-los como variável do modelo de análise.

4- Os Constrangimentos de Ordem Internacional

Ao longo dessa parte do capítulo, toda a discussão voltou-se para a análise da

influência da política doméstica na formulação de políticas internacionais, bem como nas

formas pelas quais essa é exercida. Não se pode negligenciar, contudo, que a criação de

políticas com esse caráter se dá em um ambiente institucional peculiar, com atuação de atores

que não aqueles envolvidos apenas no jogo interno. Dessa forma, forçosa é a conclusão de

que constrangimentos de ordem internacional também atuam como fator interveniente nos

acordos celebrados nesse âmbito.

Esses constrangimentos se manifestam em dois momentos distintos, quais sejam,

durante a fase de negociação e durante a fase de execução (implementação) dos acordos. A

compreensão acerca da possibilidade e termos da cooperação internacional não pode, destarte,

ocorrer sem que se considerem esses aspectos. Por motivos analíticos, eles serão estudados a

partir de uma classificação que os dividem entre constrangimentos de ordem institucional –

decorrentes do ambiente no qual o processo se desenvolve – e os de ordem relacional – que

são oriundos da relação direta entre os agentes dos Estados envolvidos e das estratégia de

atuação por eles adotada.

261

Como citado anteriormente, MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and

International Relations, 1997, p.23 afirma que tanto a informação quanto as instituições são variáveis

independentes do modelo. Entretanto, diante do argumento desenvolvido nesse trabalho, parece mais persistente

a afirmativa de que ambas são variáveis intervenientes.

96

a) O ambiente institucional internacional

Dentre os teóricos de Relações Internacionais, o debate acerca da importância das

instituições para análise do cenário internacional se estende por décadas262

. Todavia, foge ao

objetivo desse trabalho uma exposição mais detida sobre o tema. Como ressaltado

anteriormente, o foco da discussão aqui desenvolvida se refere à influência que um dado

ambiente institucional exerce sobre a formulação de políticas. Nesse sentido, o argumento que

se coloca é o de que instituições criam padrões de comportamento que acabam por

condicionar a atuação dos atores envolvidos via alteração na estrutura de custos com a qual se

deparam. Essa influência ocorre, como destacado a seguir, tanto na fase de negociação quanto

na de execução dos acordos celebrados internacionalmente.

Ao se comparar as esferas doméstica e internacional, pode-se diferenciar entre duas

ordens distintas, referentes aos padrões de relacionamento que se desenvolvem em cada uma

delas. Isto posto, pode-se afirmar que a atuação internacional de um ator estará inserida em

um conjunto institucional distinto daquele que se colocaria caso atuasse apenas na dimensão

doméstica.

Durante o processo de negociação de uma norma no âmbito internacional,

necessariamente estarão envolvidos representantes dos Estados negociadores, que

provavelmente não se manifestariam sobre o assunto se este fosse discutido apenas no âmbito

doméstico. As negociações no nível internacional obedecem, portanto, a um conjunto

normativo próprio, dotado de procedimentos e sanções que lhe são peculiares. A interferência

desse arcabouço normativo nos termos do acordo não pode ser negada, na medida em que

pode privilegiar atores que não teriam tal poder caso as discussões ocorressem em outra arena.

Como exemplo disso, pode-se citar um caso hipotético no qual a discussão interna

de uma política envolve apenas o legislativo e os grupos de pressão. Contudo, quando

discutida na esfera internacional, é o executivo quem tem a competência para deliberar sobre

a matéria263

. Nesse sentido, preferências que antes não eram assumem papel diferente na

estrutura que é formada; nesse caso a inserção do executivo como agente formulador pode

fazer com que grupos de pressão que eram negligenciados pelo legislativo tenham suas

demandas consideradas. O que se tem, portanto, é uma modificação tanto dos atores inseridos

262

Ver, a esse respeito, KEOHANE, Robert O., MARTIN, Lisa, The promise of institutionalist theory, 2000. 263

Claro que, do ponto de vista aqui defendido, isso não significa que os outros atores não exercerão influência

na ação do executivo.

97

no processo quanto da estrutura de custos que lhes é colocada. Se, quando da discussão

doméstica o executivo não seria contestado – por sua base eleitoral – pela adoção de uma

política que lhes seria desfavorável (na medida em que ele não atuava diretamente em sua

formulação), um acordo internacional com esse caráter – do qual participasse o executivo –

teria repercussões eleitorais consideravelmente mais dramáticas para esse ator.

Outra forma pela qual essa influência pode se manifestar é quanto aos

procedimentos internos para a adoção da política. Pode acontecer que seja exigido um

determinado quorum legislativo para sua adoção internamente, e um outro distinto para a

ratificação de acordos internacionais. Certamente que essa distinção implica em custos

distintos para a atuação dos atores. Além disso, como já destacado, a discussão internacional

pode abarcar vários problemas distintos, pelo que os grupos de interesse que serão

considerados no processo se alteram, modificando a estrutura de preferência doméstica e

conseqüentemente os termos do acordo.

Na fase de execução das políticas, a dinâmica não se dá de forma diferente. A

adoção de um acordo internacional movimenta uma ordem jurídica distinta daquela envolvida

internamente. Dessa forma, o descumprimento do que fora proposto dá legitimidade para que

atores diversos responsabilizem o Estado violador. Um governo que descumpra uma política

de subsídios celebrada no âmbito da OMC sofrerá uma responsabilização que se distingue

daquela que seria desencadeada caso sua política houvesse sido estabelecida de forma

unilateral. Ademais, uma política formulada internacionalmente se submete a procedimentos

de modificação e extinção distintos daqueles que incidiriam caso fosse criada unilateralmente.

Isso traz, portanto, repercussões que se referem ao número de atores envolvidos, a estrutura

doméstica de preferências e a plausibilidade de negociação e implementação do acordo. O

objetivo dessa seção foi, portanto, o de argumentar que a inserção de uma política na agenda

internacional implica necessariamente em um conjunto institucional peculiar, que, coloca no

processo atores singulares, alterando a estrutura de custos que conforma a ação de cada um

deles, pelo que modifica a estrutura de preferências e os termos do acordo.

b) Os constrangimentos internacionais de ordem relacional

De acordo com o argumento que vem sendo defendido nesse trabalho, a opção pela

discussão internacional da formulação de uma política implica em custos específicos, na

medida em que essa ocorrerá em um ambiente institucional peculiar, com atores distintos

98

daqueles envolvidos em processo meramente doméstico. Para tanto, fez-se a exposição acerca

da influência dos atores domésticos e seu ambiente institucional nesse processo, bem como

das repercussões das instituições internacionais sobre ele. É para o que nos adverte Evans:

“acordos no nível internacional modificam o caráter dos constrangimentos domésticos,

enquanto o movimento político doméstico abre novas possibilidades para acordos

internacionais264

”. Falta, portanto, analisar a interferência que constrangimentos oriundos do

próprio relacionamento entre os Estados negociadores tem sobre os acordos daí resultantes.

A flexibilização da premissa de que Estados são atores unitários terá

desdobramentos importantes na discussão que se segue. Os representantes estatais nas

negociações internacionais têm competência para celebrarem acordos. Entretanto, isso não

significa que podem negligenciar interesses de outros atores domésticos. Dessa forma, a

poliarquia do cenário doméstico dos negociadores terá repercussões para sua estratégia de

ação. Dessa forma, pode-se perceber que os constrangimentos oriundos do relacionamento

entre eles podem ser classificados de duas formas: intergovernamentais e

transgovernamentais.

Os constrangimentos de ordem intergovernamental aproximam-se da visão dos

Estados como atores unitários. Dizem respeito, portanto, ao relacionamento direto entre os

negociadores, e são decorrentes dos recursos de poder que cada um deles detém. Nessa

categoria estariam inseridos, assim, artifícios como ganhos secundários (side payments)

oferecidos ao negociador. Um deles pode oferecer concessões em outra matéria, ou ainda

ameaçar retaliações. A idéia básica é a de que os Estados negociadores podem se valer de seus

recursos de poder para modificar a estrutura de custos da outra parte, fazendo com que ela

opte por um curso de ação que, caso contrário, não lhe seria aprazível. Ações com esse caráter

podem ser utilizadas tanto durante a fase de negociação – para que se consiga alguma

concessão – quanto durante a fase de execução – seja para garantir seu cumprimento, seja

para rediscutir os termos do acordo.

Nada impede, contudo, que as ações de um negociador sejam dirigidas a um ator que

não o negociador da outra parte. Podem ocorrer ainda ações que não sejam oriundas de

nenhuma das partes negociadoras, mas que digam respeito exclusivamente aos outros atores

envolvidos no processo. Esse tipo de constrangimento é, nesse trabalho, classificado como

transgovernamental.

264

EVANS, Peter B, Double-Edged Diplomacy: International Bargaining and Domestic Politics 1993, p.397;

tradução do autor.

99

A dinâmica da interferência dessas ações nos resultados (outcomes) do processo não

oferece maiores problemas: uma ação orientada para um dos atores envolvidos pode alterar

sua estrutura de custos, modificando sua preferência em relação ao acordo. Dessa forma, tem-

se uma alteração da estrutura de preferências e, a partir dos mecanismos já expostos, há uma

conseqüente alteração no cálculo do agente negociador.

Assim, se um negociador tem por objetivo obter uma concessão da outra parte, pode

se mostrar mais eficiente uma ação voltada diretamente para o grupo interno ao qual está

relacionada (ação transgovernamental) do que propriamente ao negociador da outra parte265

.

Ainda nesse sentido, um grupo de pressão que deseje uma opção de acordo que não seja aceita

pelo negociador da outra parte pode buscar alianças ou infringir constrangimentos a grupos

internos dessa parte, para que consiga que esse grupo exerça influência maior sobre seu

negociador.

Esse tipo de atuação pode se dar pelas mais variadas vias. Uma opção é a provisão

de informação266

a grupos internos que não as tinha, por exemplo, para que esses se engajem

com mais vigor no processo. A ação pode se dar ainda via proposição de ganhos secundários

(side payments)267

, para que se mude a estrutura de custos desse ator e conseqüentemente seu

posicionamento sobre a matéria. Assim, oferecimento de concessões em outras matérias,

financiamento de projetos e até mesmo ameaças de retaliações estariam inseridas nessa

classificação. Tal como nos casos de constrangimentos intergovernamentais, esses artifícios

podem ser utilizados tanto na fase de negociação quanto na fase de execução dos acordos.

Neste título do capítulo, o que se buscou foi a exposição da maneira pela qual os

constrangimentos de ordem internacional podem interferir no resultado de um determinado

acordo. Pela dinâmica exposta, forçosa é a conclusão de que esses constrangimentos atuam

como variável interveniente no modelo.

Como visto, a problematização da premissa de que o Estado é um ator unitário

permitiu que várias inferências fossem feitas, de forma que a dimensão doméstica passou a ser

importante para a determinação dos resultados de uma política internacional. Para que isso

265

Nesse sentido, MORAVCSIK, Andrew, Integrating International and Domestic Theories of International

Bargaining, 1993, pp.31-32. O autor chama esse tipo de interação de alianças transnacionais (transnational

alliances). No mesmo sentido, EVANS, Peter B, JACOBSON, Harold K., PUTNAM, Robert D., Double-Edged

Diplomacy: International Bargaining and Domestic Politics, pp.418-423. 266

A importância desse mecanismo fez com que PUTNAM, R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of

Two-Level Games, 1988, pp. 454-456 a inserisse como variável interveniente no modelo, a partir de um

mecanismo que chamou de reverberação (reverberation); pelo qual admitia que opções de grupos internos

poderiam ser modificadas, durante o processo de negociação, por ações tanto dos negociadores quanto dos

grupos internos. 267

Ver PUTNAM, R. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of Two-Level Games, 1988, p.450.

100

fosse possível, fez-se uma exposição das unidades de análise que seriam utilizadas no modelo

proposto. Em seguida, foram propostas as variáveis que determinariam a influência de cada

um deles no resultado nas negociações. A estrutura doméstica de preferências fora colocada

como variável independente, ao passo que instituições, informação e constrangimentos de

ordem internacional são variáveis intervenientes do modelo. A tomada de decisões do ponto

de vista do ator que atua internacionalmente será, portanto, a variável dependente do modelo.

Tabela 2.5 Variáveis do Modelo

Variáveis Independentes Variáveis Intervenientes Variável Dependente

Estrutura de preferências

(preferências dos atores

políticos e sociais)

1) Instituições Decisão

2) Informação

3) Constrangimentos de

ordem internacional

Uma vez desenvolvido o arcabouço de análise, faz-se necessária uma exposição de sua

dinâmica, para que se explicite como o resultado final é condicionado pela interação entre os

elementos propostos.

TÍTULO 2: BARGANHA DOMÉSTICA E POLÍTICA INTERNACIONAL

O objetivo desse título é discutir como o modelo proposto é capaz de explicar a

interação entre as esferas doméstica e internacional durante a formulação de uma determinada

política. Para tanto, preciso é que haja a explicitação da dinâmica do arcabouço aqui

desenvolvido. Antes disso, porém, é conveniente rever a perspectiva de outros autores acerca

do tema. Milner explica a interação entre as duas esferas a partir de um arcabouço muito

semelhante ao que é aqui exposto, do qual interesse, instituições e informação são variáveis

independentes, sendo a cooperação internacional e seus termos as variáveis dependentes268

.

Para a autora, a dinâmica das interações poderia ser representada com base nos

seguintes atores: o executivo, o legislativo e os grupos de interesses – todos de cunho

268

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations ,

1997, p.23.

101

doméstico – além do país estrangeiro – que, de acordo com ela, é um ator unitário, sendo que

sua preferência política se equivale à do ―eleitor médio‖ (median voter)269

.

Seu argumento é o de que a presença de atores domésticos na discussão

internacional faz da cooperação algo ainda mais improvável do que normalmente prevêem as

teorias de relações internacionais270

. Seu argumento sustenta-se em duas questões: qual o

impacto de preferências distintas entre legislativo e executivo para a cooperação internacional

e qual o papel da distribuição de informação nesse processo271

.

A comparação entre o que a autora propõe e o modelo colocado nesse trabalho exige

que seja feita uma observação: o fato de considerar o país estrangeiro como um ator unitário

traz uma limitação a seu argumento. Isso porque esse pressuposto acaba por negligenciar o

papel dos constrangimentos de natureza internacional no resultado final do processo, na

medida em que o posicionamento da outra parte é trabalhado como um fator exógeno ao

modelo. Nesse sentido, seu arcabouço não consegue explicar a interferência de ações de

cunho transnacional, sejam elas referentes à interação entre governos e grupos de interesse ou

mesmo referentes à interação apenas entre grupos sociais de Estados diferentes. Seu cálculo

acerca da probabilidade do acordo resta, portanto, prejudicado.

Martin, por sua vez, insere a dimensão doméstica na análise da política internacional

para identificar a influência da ação legislativa sobre os processos de cooperação

internacional em democracias e suas conseqüências para a credibilidade dos

comprometimentos assumidos nessa esfera272

. Ela argumenta que a atuação do legislativo é

primordial para a compreensão dos termos da cooperação internacional. Contesta, portanto, a

afirmativa, feita por vários teóricos, de que a formulação de política externa é dominada pelo

executivo. Além disso, afirma que a influência da atuação de atores domésticos eleva a

credibilidade dos acordos (através de mecanismos indiretos), pelo que não é pertinente a

discussão acerca de qual ator é o ―mais influente‖. De acordo com suas palavras:

“Mais do que focar nossa análise em estabelecer qual parte do governo tem „a maior

influência‟ ou ganha as batalhas por poder, devemos pensar as ações entre executivo

e legislativo como um relacionamento de troca, no qual elementos distributivos e

269

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations ,

1997, p.71. 270

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations ,

1997, pp.76-94. 271

MILNER, Helen. Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations ,

1997, p.75. 272

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.3.

102

competitivos coexistem com o potencial para que ambas as partes ganhem com

instituições bem desenhadas273

”.

De acordo com ela, o principal mecanismo de atuação do legislativo seria o de

antecipação de reações, na medida em que afirma que sua atuação se dá muito mais através de

influência do que sobre ações diretas no processo de negociação274

. Os efeitos desse

mecanismo se manifestariam tanto na natureza do acordo – na medida em que o executivo

toma suas decisões com base também nas preferências do legislativo275

– quanto na eficiência

da cooperação internacional – uma vez que a participação legislativa aumenta a credibilidade

daquilo que está sendo acordado276

.

Nesse sentido, as instituições seriam as maiores fontes de credibilidade, na medida

em que demonstrariam claramente aos outros atores qual o posicionamento e o grau de

participação dos atores internos no processo. O que se pode inferir, portanto, é que, de acordo

com esse argumento, o mecanismo de influência é central para a análise, sendo a variação

institucional uma variável chave no processo e a credibilidade o principal problema

envolvendo a cooperação277

.

Propõe, assim, três conjuntos de variáveis que seriam capazes de explicar a

interação entre as esferas. O primeiro deles seria referente à influência legislativa. De acordo

com ela, pode-se afirmar que: quanto maior o nível de conflito de interesses, mais

institucionalizada a ação legislativa nos esforços cooperativos; e que o executivo não

consegue manipular as instituições de forma que consiga atuar independentemente dos

anseios do legislativo. No que se refere à credibilidade do comprometimento, afirma a autora

que quanto maior a institucionalização da participação legislativa, maior a credibilidade do

comprometimento278

, na medida em que diminui as chances de defecção involuntária.

Formula, por fim, a hipótese de que quanto maior a institucionalização da

participação legislativa, maior a possibilidade de cooperação – uma vez que o principal

problema a ela concernente – qual seja, o da credibilidade – estaria resolvido. Para comprovar

suas hipóteses, a autora faz uma discussão acerca da celebração de acordos por duas formas

distintas nos EUA: a partir do procedimento de acordos executivos e da celebração de

273

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.19. 274

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.23-36. 275

É nesse ponto do argumento que a autora discute a dimensão informacional, inserindo, como já discutido, os

atores sociais como secundários no processo. 276

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.43. 277

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.46-47. 278

Repare que, ao contrário do que ocorre com Milner, Martin afirma que a discrepância de preferências entre os

atores políticos, desde que balizada por instituições fortes, não se coloca como empecilho à cooperação.

103

tratados279

. De acordo com ela, a opção entre a utilização desses dois instrumentos – que têm

repercussões institucionais distintas – por parte do executivo, não ocorre como forma de

diminuir ou extinguir a influência do legislativo sobre o acordo. Para ela, a opção entre uma

forma mais rápida, na qual a influência do legislativo é menos institucionalizada (acordos

executivos) está muito mais ligada à complexidade da matéria discutida e à questão do

comprometimento. Cita como exemplo vários acordos envolvendo atividades militares, que

foram celebrados via acordos executivos. Isso somente teria sido possível porque em acordos

dessa natureza há outras formas de se assegurar o comprometimento (tais quais permissão

para instalação de bases militares, por exemplo)280

.

Pelo exposto, pode-se perceber que as autoras citadas têm uma visão aparentemente

conflitante acerca das repercussões da dimensão interna para a cooperação internacional. Uma

análise mais detida, contudo, leva a conclusão de que elas tecem seus argumentos com base

em aspectos distintos de um mesmo objeto. Milner está mais preocupada com as dificuldades

que a discrepância de preferências pode impor para que o acordo seja aceito internamente.

Martin já observa os efeitos da participação doméstica por uma outra óptica: uma vez que,

mesmo com discrepâncias internas um Estado conseguiu celebrar determinado acordo, isso

quer dizer que todos as partes envolvidas foram ouvidas e que se chegou a uma opção

razoável para todas elas, pelo que se mitiga o problema da credibilidade do comprometimento

e se viabiliza o processo de cooperação.

O objetivo desse trabalho, tal como ocorre com as duas autoras supracitadas, é

desenvolver um arcabouço que seja capaz de explicar os termos de um determinado acordo

internacional. Entretanto, ele não tem por objetivo discutir se a inserção de atores internos

dificulta ou facilita o processo de cooperação. De acordo com o argumento aqui defendido,

essa é uma questão que deve ser analisada caso a caso, na medida em que será dependente da

configuração das variáveis aqui expostas. Há a necessidade de se discutir, portanto, como essa

influência se concretizaria em cada caso concreto. A discussão que se segue é justamente

nesse sentido.

Do ponto de vista do modelo desenvolvido no âmbito desse trabalho, o primeiro

fator que deve ser considerado é a estrutura doméstica de preferências. Ela é a resultante do

jogo de interesses interno, e representa a opção política dos atores em cada problema (issue

área). É ela que irá, a rigor, determinar os termos do acordo aceitável pela parte.

279

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, pp.53-80. 280

MARTIN, Lisa L., Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, 2000, p.79.

104

O desenho institucional no qual se desenvolvem as negociações não pode ser

negligenciado. Ele altera a estrutura de custos que se coloca aos atores, condicionando seu

comportamento em um determinado sentido. Dessa forma, ele pode inclusive inserir ou retirar

do processo alguns deles. Isso não significa que, como discutido, seja capaz de impedir sua

influência, em virtude do mecanismo de reações antecipadas. Contudo, a discussão de

políticas no nível internacional , como visto, tem repercussões institucionais tanto na fase de

negociação quanto durante a execução dos acordos internacionais, sejam elas de ordem

interna ou internacional.

Além disso, uma outra variável pode interferir na estrutura de preferências: a

informação. Isso porque, como visto, ela tem o condão de mobilizar em maior ou menor grau

certos grupos sociais e ao mesmo tempo pode modificar as preferências de grupos políticos,

na medida em que alteram a percepção que esses têm em relação aos objetivos dos grupos que

lhe dão suporte eleitoral.

Por fim, uma última variável é capaz de alterar a estrutura de preferências: os

constrangimentos de ordem internacional. As instituições internacionais podem modificar o

jogo político se comparado ao procedimento que seria adotado quando de uma discussão de

cunho eminentemente interno. Ademais, qualquer um dos atores relativos à outra parte da

negociação pode agir, como discutido, de forma a modificar a estrutura de custos que se

coloca aos atores domésticos ou ao negociador de um determinado Estado. Assim, diante de

cada caso concreto devem ser examinados esses aspectos, a fim de que se possam identificar

quais são as preferências que terão mais importância naquele determinado contexto. Elas

serão aquelas que condicionarão os termos do acordo internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão acerca da criação de normas internacionais como uma escolha política

dos Estados, bem como a justificativa da importância da política doméstica na discussão do

direito internacional e as formas pelas quais ela afeta seus resultados são os dois principais

objetivos desse capítulo. Por essa razão, fez-se uma discussão acerca do conceito de

legalização, bem como uma consistente avaliação dos atores e variáveis envolvidas nas arenas

doméstica e internacional. Isso somente foi possível em decorrência da relativização da

premissa da unitariedade dos Estados, que permitiu que se fossem inseridas novas unidades de

análise – e conseqüentemente novas variáveis – do processo. Assim, o argumento fora

105

construído a partir da identificação dos atores e exposição dos níveis de análise, para que ao

final pudessem ser feitas inferências acerca da dinâmica do processo.

A conclusão a que se chegou é a de que esse tipo de abordagem pode explicar não só

a existência de um acordo internacional, mas também seus termos. A afirmativa de que

cenários domésticos são poliárquicos permitiu que se demonstrasse a relação entre o jogo de

preferências internas e a atuação dos negociadores na esfera internacional281

. Nesse sentido,

valiosa a colocação de Milner, que afirma que um acordo dessa ordem somente será viável se

os requisitos domésticos forem observados, mesmo que todas as considerações de ordem

internacional sobre defecção e ganhos relativos tenham sido ultrapassadas282

.

CAPÍTULO III – O AUMENTO DO NÚMERO DE ÓRGÃOS JUDICIAIS

INTERNACIONAIS E SUAS REPERCUSSÕES PARA A SOCIEDADE

INTERNACIONAL

281

Nesse sentido, a inferência da poliarquia se aplica não só a regimes democráticos, mas a qualquer outra forma

de organização estatal. Como destacado, o que interessa para o modelo é a divisão de poderes entre os atores

domésticos, pelo que a natureza dos regimes não se coloca como uma variável de análise. 282

MILNER. Helen, Interests, Institutions and Information: Domestic Politics and International Relations,

1997, p.253.

106

A recente tendência de adjudicação dos conflitos internacionais, caracterizada por

uma significativa especialização dos órgãos jurisdicionais internacionais e de suas

competências tem acirrado o debate acerca da fragmentação do DI. Uma vez que essa última

noção fora discutida no primeiro capítulo, e que houve a proposição de um arcabouço teórico

que relaciona os contextos políticos doméstico e internacional como condicionantes das

dimensões da ordem jurídica (segundo capítulo), deve-se, primeiramente, analisar o real

alcance da proliferação de cortes tribunais internacionais (parte I), para que então se possa

discutir de que forma essa tendência interfere na dinâmica do ordenamento jurídico

internacional. A hipótese defendida é a de que ela reflete a tensão existente na sociedade

internacional entre a existência de valores comuns e os ideais voluntaristas decorrente do

corolário da soberania dos Estados e conseqüente anarquia do sistema internacional.

PARTE I – A “PROLIFERAÇÃO” DE CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

Seção 1- A caracterização do movimento: Expansão e especificidade Institucional

O significativo aumento do número de cortes e tribunais internacionais, ocorrido nos

últimos quinze anos, é provavelmente o indicador mais latente do movimento de expansão

não uniforme do Direito Internacional. A magnitude desse fenômeno é atestada, por exemplo,

quando se percebe que, apesar de existirem há mais de um século, sessenta e três por cento de

toda a atividade das cortes internacionais ocorreu nos últimos doze anos283

. Ele não se

caracteriza, contudo, apenas por seu aspecto quantitativo, uma vez que é acompanhado por

uma tendência de expansão e transformação da natureza e competência desses órgãos

judiciais284

. Para que se possa analisar de que forma a jurisdicionalização repercute na a

unidade do ordenamento internacional, faz-se necessária a compreensão do contexto no qual

essas mudanças ocorreram285

. Faz-se necessária, igualmente, a discussão de suas implicações

283

ALTER, Karen J., International Legal Systems, Regime Design and the Shadow of International Law in

International Relations. Paper presented at the American Political Science Association Conference, Boston, MA,

2002. 284

ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,

p.710. 285

Nesse sentido, relevantes colocações são feitas por Romano, que argumenta que essa ―proliferação‖ fora

resultado dos seguintes fatores estruturais: Fim da Guerra Fria e conseqüente abandono das concepções de

Marxistas e Leninistas acerca das RI (i); substantiva expansão do Direito Internacional, capitaneada pela

consolidação de novos regimes (ii); grande número de acordos comerciais regionais – os quais normalmente

trazem provisões acerca da solução de controvérsias (iii); e a emergência de atores de natureza não estatal na

Sociedade Internacional – tais quais Organizações Internacionais, indivíduos e cortes nacionais – cujas

107

no padrão normativo tradicional, a partir de questões relativas à possibilidade de conflito de

decisões, a ―constitucionalização‖ do sistema normativo internacional, a comunicação

transjudicial, e a ―possibilidade do fórum shopping‖286

.

Conforme será argumentado, a criação de cortes e tribunais internacionais é marcada

por sua diversidade funcional287

e institucional288

. Por essa razão, muito tem sido discutido

sobre uma pretensa fragmentação do DI, causada pela desmedida ―proliferação‖ desses

órgãos289

. Esse é, repita-se, justamente o foco desse trabalho. Faz-se necessária, portanto, uma

observação preliminar a esse respeito: em virtude desse recorte epistemológico, a avaliação

acerca das razões pelas quais os Estados têm optado por delegar a avaliação das questões

normativas a terceiros290

é algo que se coloca apenas de forma incidental. O que se quer frisar,

com isso, é que o foco desse estudo privilegia os impactos desse movimento para a Sociedade

Internacional. Isso significa que, do ponto de vista teórico, a jurisdicionalização será colocada

como uma variável independente.

Face à incipiência desse cenário, bem como aos problemas relativos à dificuldade de

uniformização conceitual acerca do tema, a determinação do que será considerado como

Cortes e Tribunais internacionais no âmbito desse trabalho é algo de suma importância.

Alguns autores optam por trabalhar com a noção cunhada por Martin Shapiro, de acordo com

a qual há quatro elementos envolvidos: (1) juízes independentes; (2) normas relativamente

precisas e preexistentes; (3) procedimento que consagre o contraditório; e (4) decisão de

acordo com a qual uma parte necessariamente vença291

. Essa, contudo, se mostra limitada por

pressupor uma correspondência entre os órgãos judiciais domésticos e internacionais. Não se

demandas criaram a necessidade de novas instituições internacionais (iv). (ROMANO, Cesare P.R., The

Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999, pp. 729-748). 286

Ver, por exemplo, The Proliferation of International Tribunals: Piecing Together the Puzzle, 31 New York

Journal of International Law and Politics, 1999. 287

Especialização da competência, regime legal aplicável, acesso, dentre outros. 288

Medidas provisionais, procedimentos internos, mecanismos de monitoramento e implementação das decisões,

por exemplo. 289

Ver, por exemplo, KINGSBURY, Benedict, Foreword: Is the Proliferation of International Courts and

Tribunals a Systemic Problem?, pp.680-688; BURGENTHAL, Thomas, Proliferation of International Courts

and Tribunals: Is it Good or Bad?, 2001. Para uma exaustiva análise a esse respeito, inclusive sobre a existência

real de eventuais conflitos de decisões, ver CHARNEY, Jonathan I., Is International Law Threatened by

Multiple International Tribunals?, RECUEIL DES COURS 101, 1998 (No qual o autor argumenta que, até

aquele momento, não havia nenhum indício de fragmentação). 290

Para uma discussão sobre as razões políticas que envolvem o processo de delegação, ver ALTER, Karen,

International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for State-IC relations,

2005. 291

SHAPIRO, Martin, Courts, a Comparative and Political Analysis, 1981, p.1. Ver, igualmente, MERRILS,

International Dispute Settlement, 1998, pp. 293-296; ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths

and consequences, 2003, p.407; CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and

Tribunals, 2006, p.406.

108

pode negligenciar o fato de que a adjudicação, na esfera internacional, assume dinâmica

própria, notadamente distinta daquela dos ordenamentos nacionais.

Nesse último caso, o acesso às cortes é, normalmente, um direito inerente ao sujeito,

e se insere dentro de um sistema judicial hierarquizado e cujo mecanismo de implementação

das sanções é eficaz. Nas relações internacionais, por sua vez, a presença de Estados

Soberanos como os principais agentes do Direito Internacional implica especificidades para a

própria idéia do exercício da jurisdição, dramaticamente ligado ao consentimento desses292

.

Ademais, as vicissitudes desse contexto impedem que haja um sistema judicial análogo aquele

existente na esfera doméstica. Os mecanismos de implementação das sanções, por exemplo,

são especialmente inconsistentes, normalmente de ordem bilateral (à cargo dos próprios

Estados envolvidos na lide)293

. No seio da própria ONU, por exemplo, a única frágil provisão

de ordem institucional relativa à garantia das decisões da CIJ é aquela do artigo 94, parágrafo

2º da Carta, de acordo com a qual o Conselho de Segurança pode ser acionado nos casos de

seu descumprimento294

. Se por um lado os Estados têm gradativamente optado por se

submeter à jurisdição de Cortes e Tribunais Internacionais, por outro sua postura em relação à

autoridade de suas decisões ainda é ambígua, na medida em que reflete a tensão entre

soberania e comunitarismo colocada no primeiro capítulo desse trabalho. Nesse sentido,

destaca Leonardo Nemer C. Brant:

“A aplicação do princípio da autoridade da coisa julgada demonstra, assim, o estado

de maturidade do direito internacional na atualidade. Este princípio reflete a

contradição dialética entre a afirmação da soberania (voluntarismo expresso na

necessidade absoluta do consentimento) e a interdependência da comunidade

internacional (expressa na possibilidade de autoridade da decisão de um terceiro

jurisdicional). Esta contradição se expressa, em última análise, uma vez que

enquanto, por um lado, é amplamente admitido que a solução obtida através da

aplicação do direito por uma corte imparcial é aquela mais propícia de ser

respeitada e a durar; ou seja, enquanto por um lado o princípio da autoridade da

coisa julgada se consagra como corolário da manutenção da paz por intermédio do

direito, por outro, os Estados evitam engajar-se numa aventura em que um terceiro

imparcial poderá estabelecer uma obrigação normativa de natureza definitiva e

obrigatória para ele.”295

292

Ver, a esse respeito, ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in

International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007. 293

Ver, nesse sentido, BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional

Público, 2002, pp.227-233. 294

A única vez que esse dispositivo fora invocado foi em 1986, quando a Nicarágua alegou o descumprimento

de uma decisão da CIJ pelos EUA. Entretanto, nenhuma medida fora adotada, vez que esses últimos exerceram

seu poder de veto (S/PV 2700-2704 e 2718). 295

BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, p. 369,

notas de rodapé omitidas.

109

O que se deve fazer, portanto, é a articulação de um conceito que seja capaz de

abarcar essas especificidades relativas à adjudicação na esfera internacional. A opção, no caso

desse estudo, foi pelos critérios estabelecidos pelos pesquisadores do ―Project on International

Courts and Tribunals‖296

(PICT). De acordo com eles, uma Corte Internacional é aquela que é

(1) permanente; (2) composta de juízes independentes; (3) que decide controvérsias de duas

ou mais partes, sendo pelo menos uma delas Estado ou Organização Internacional; (4)

trabalha de acordo com regras e procedimentos preestabelecidos; e (5) cujas decisões são

vinculantes297

. Ao aplicar essa noção aos órgãos cujo objetivo precípuo é a solução de

controvérsias internacionais, pode-se claramente perceber o recente aumento de seu número,

bem como o considerável impulso em sua atividade nos últimos anos. Karen Alter nos

fornece, a partir de uma tabela, evidências bastante elucidativas a esse respeito. Ela relacionou

os principais tribunais internacionais em atividade (por ordem de criação), o total de casos

julgados, e a atividade de cada um deles desde o ano de 1990. Mais informações podem ser

encontradas também no portal do PICT298

.

TABELA 3.1 – UNIVERSO DE CORTES E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS299

Cortes Internacionais Data de

Estabelecimento/

Operacional

Total de Casos (ano passado

incluído)

Número de casos

1990-2003

Corte Internacional de Justiça

(ICJ)

1945/1946 104 casos contenciosos

arquivados, 80

30 julgamentos, 45 novos

casos arquivados, 3

julgamentos, 23 opiniões

consultivas (2003)

opiniões consultivas (2003)

Corte de Justiça Européia

(ECJ)

1952/1952 2304 casos infringentes pela

Comissão,

1580 casos infringentes pela

Comissão,

(Estrutura alterada desde

1989)

5044 casos remetidos por

cortes nacionais

3048 casos remetidos por

296

http://www.pict-pcti.org; último acesso em 08/02/2008. 297

http://pict-pcti.org/publications/synoptic_chart/synop_C4.pdf; último acesso em 08/02/2008. Essa definição

tem, por certo, algumas limitações de ordem material, razão pela qual é contestada por alguns autores. O critério

da permanência, por exemplo, exclui o sistema do NAFTA, que desempenha as mesmas funções de órgãos que

se enquadram nessa definição. Apesar disso, ela se mostra relativamente precisa, e sua aplicação nos fornece

uma visão segura do movimento que é objeto desse trabalho. Os próprios pesquisadores do PICT reconhecem a

existência de órgãos com funções semelhantes que não contemplam todos os critérios (na extensiva carta

sinóptica disponível no site, que elenca os principais tribunais internacionais – passados, presentes e aqueles

ainda não implementados -, eles diferenciam entre cortes (tribunais) internacionais e outras instituições de

solução de controvérsias). Por ser muito completa e didática, ela será reproduzida no ANEXO I desse trabalho,

para que o leitor possa a ela se remeter sempre que julgar conveniente. 298

http://pict-pcti.org/publications/synoptic_chart/synop_C4.pdf 299

Fonte: ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their

Implications for State-IC relations; 2005, p.8.

110

(2003) cortes nacionais (2003)

Corte Européia de Direitos

Humanos (ECHR) (Estrutura

alterada 1998)

1950/1959 8810 casos considerados

admissíveis, 4145 julgamentos

(2003)

8140 casos considerados

admissíveis, 3940

julgamentos (2003)

Corte do Benelux (BCJ) 1965/1974 * *

Corte Interamericana de

Direitos Humanos

1969/1979 104 julgamentos, 18 opiniões

consultivas,

95 julgamentos, 8 opiniões

consultivas,

(IACHR) 148 ordens para medidas

provisórias

146 ordens para medidas

provisórias

(2003) (2003)

Tribunal de Justiça do Acordo

de Cartagena

1979/1984 32 nulificações, 96 casos

infringentes,

29 nulificações, 94 casos

infringentes,

(Pacto Andino) (ACJ) 563 decisões judiciais

referentes à

550 decisões judiciais

referentes à

questões interpretativas (2003) questões interpretativas

(2003)

Tribunal de Justiça para a

Organização dos Países

1980/1980 2 casos (1999) *

Árabes Exportadores de

Petróleo. (OAPEC)

Tribunal Internacional sobre

Direito do Mar (ITLOS)

1982/1996 12 casos, 11 julgamentos

(2003)

12 casos, 11 julgamentos

(2003)

Corte Européia de Primeira

Instância (CFI)

1988/1988 1823 decisões de 2507 casos

arquivados (excluindo casos

da equipe) (2003)

1823 decisões de 2507

casos arquivados (2003)

Corte de Justiça da União do

Magreb Árabe (AMU)

1989/* * *

Corte de Justiça da América

Central

1991/1992 49 decisões judiciais (2003) 49 decisões judiciais (2003)

(CACJ)

Corte da Área de Livre

Comércio Européia (EFTAC)

1992/1995 59 opiniões (2003) 59 opiniões (2003)

Corte Econômica para o Bem-

Estar dos Estados

Independentes (ECCIS)

1993 47 casos, não é claro se estão

em andamento(2000)

47 casos, não é claro se

estão em andamento (2000)

Corte de Justiça para o

Mercado

1993/1998 * *

Comum da África

Austral e Oriental (COMESA)

Organização para a

harmonização

1993/1997 4 opiniões, 27 decisões

judiciais (2002)

4 opiniões, 27 decisões

judiciais (2002)

do direito de negócios

na África (OHADA)

Tribunal Penal Internacional

para a

1993/1993 75 acusações públicas, 18

casos concluídos,

75 acusações públicas, 18

casos concluídos,

Ex- Iugoslávia (ICTY) 11 julgamentos em vários

estágios de

julgamentos em vários

estágios de

apelação (2003) apelação (2003)

Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio

1953 229 casos, 98 decisões

judiciais

29 decisões judiciais (1989-

1993)

(GATT) sistema de solução de

controvérsias – não

possui corte permanente

Organização Mundial do

Comércio

Órgão Permanente de

Apelação (WTO)

1994/1995 304 disputas formalmente

iniciadas, 59 decisões judiciais

apeladas, 115 relatórios

painéis (2003)

304 disputas formalmente

iniciadas, 59 decisões

judiciais apeladas, 115

relatórios painéis (2003)

111

Tribunal Penal Internacional

para a

1994/1995 58 casos em andamento, 17

casos concluídos

58 casos em andamento, 17

casos concluídos

Ruanda (ICTR) (2003) (2003)

Tribunal Penal Internacional

(ICC)

1998/2002 * *

Corte Africana dos Direitos

Humanos e

1998/* * *

dos Povos (ACHR)

Tribunal Penal Internacional

para a Serra Leoa (ICTSL)

2002/2002 11 procedimentos de

acusação, 2 retirados devido à

morte (2003)

11 procedimentos de

acusação, 2 retirados devido

à morte (2003)

Atividade Judicial Total 20584 casos admitidos

arquivados ou

16908 casos admitidos

arquivados ou

sem decisão judicial sem decisão judicial

Somente Casos Concluídos 14886 decisões concluídas,

opiniões ou decisões judiciais

12736 decisões concluídas,

opiniões ou decisões

judiciais

O que se pode perceber, a partir da análise desses dados, é que a jurisdicionalização

do Direito Internacional ocorreu de forma heterogênea, tendo efeitos desproporcionais sobre

as diversas áreas do direito e das relações internacionais. Ao se comparar o arranjo

institucional de cada um desses órgãos, resta evidente que não há nenhuma relação

(institucional) direta entre elas, que suas ações não são sincronizadas, e que há dramáticas

diferenças nas regras de acesso aos mesmos300

. Pode-se indicar, a título exemplificativo, que o

Direito do Comércio Internacional tem sido um campo particularmente fértil para essas

instituições, o que também ocorre com os Direitos Humanos e com o Direito Internacional

Penal. O mesmo movimento não é percebido, contudo, em relação à área financeira e

monetária, às questões envolvendo segurança, fluxos de migração, dentre outros.

Diante desse contexto, a inferência de que o crescimento do número de cortes e

tribunais internacionais reflete a dinâmica da legalização – discutida nos dois primeiros

capítulos – se mostra bastante razoável. Argumenta-se, nesse sentido, que ele irá, por um lado,

ser balizado pela formação de uma incipiente ordem normativa internacional – à qual ele

acabará por reforçar. Por outro, ele responderá às demandas políticas específicas de cada uma

das áreas do direito e das relações internacionais – de acordo com a já discutida noção de

especificidade normativa em função da agenda301

. Nesse sentido, destaca Cesare Romano:

“A jurisdicionalização não uniforme das relações internacionais é inevitável, dado o

fato de que a comunidade internacional é composta por entes soberanos que não

300

Ver, a esse respeito, a robusta matriz comparativa dos principais órgãos judiciais internacionais,

disponibilizada pelo PICT (http://www.pict-pcti.org/matrix/matrixhome.html, último acesso em 08/02/2008), e

que consta no ANEXO II desse trabalho. 301

Ver capítulo 1, supra.

112

reconhecem autoridades superiores ipso facto. (...) O Direito Internacional sempre

manterá um nível considerável de unidade no nível normativo, mas será sempre

fracionado no que se refere às suas instituições de governança, uma vez que poder e

legitimidade no nível internacional são fragmentados e distribuídos em meio a um

grande número de Estados e, mais recentemente, entidades supra-nacionais. Se não

há, portanto, nenhuma forma de evitar o pluralismo e a fragmentação, então surge a

questão se esse „não sistema‟ judicial pode continuar na fronteira entre a utopia de

um „estado universal‟ e a auto-destruição sob o peso de suas próprias

contradições”.302

Seção 2- As condicionantes sistêmicas do movimento de jurisdicionalização do

Direito Internacional

Título 1 - Tendências conjunturais

1- Adoção do paradigma compulsório.

Como qualquer outro arranjo normativo desenvolvido no seio da Sociedade

Internacional, a criação de Cortes e Tribunais internacionais é condicionada pela ação e

vontade dos Estados. Conforme ressaltado anteriormente, a adjudicação é uma opção que

esses fazem por delegar autoridade para que um terceiro resolva seus conflitos303

. Há vários

Estados que relutam a se vincular a cortes ou tribunais nos quais ele poderá ser julgado

independentemente de uma manifestação volitiva específica para um determinado caso304

. A

título exemplificativo, basta lembrar que apenas 24 dos membros da OEA (de um total de 35)

aceitam a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIADH)305

; que noventa

membros da ONU ainda não ratificaram o estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI)306

; e

que não há nenhuma corte internacional na Ásia307

. O consentimento é, portanto, elemento

essencial para que se compreenda a dinâmica da jurisdicionalização.

O que se pode afirmar, contudo, é que a exigência relativa à manifestação volitiva

dos Estados para o exercício da jurisdição dos órgãos internacionais tem se modificado

302

ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International

Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p. 797, nota de rodapé 19, tradução do autor. 303

Isso é, como dito, notadamente diferente da esfera doméstica, na qual todo sujeito que se sinta lesado tem o

direito de acesso ao judiciário independentemente da vontade da outra parte envolvida na controvérsia. 304

Pode-se citar, por exemplo, Irã, Coréia do Norte, Vietnam, Azerbaijão, dentre outros. 305

http://www.oas.org/juridico/english/sigs/b-32.html (última visita em 02/02/2008). 306

http://www.untreaty.un.org/ENGLISH/bible/engishinternetbible/partI/chapterXVIII/treaty11.asp (última

visita em 02/02/2008). 307

Para um chinês, por exemplo, a proteção dos Direitos Humanos por um tribunal internacional é uma opção

que não se coloca.

113

substancialmente nos últimos anos, caracterizando uma mudança de um paradigma

consensual308

para um eminentemente compulsório. Se, nas décadas de 50 e 60 os Estados

rejeitavam a idéia de se obrigar à submissão de suas controvérsias a cortes309

, o que se assiste,

a partir da década de 90, é a uma inversão dessa tendência310

. Quando se analisa o universo

dos Tribunais Internacionais atualmente, constata-se que apenas a Corte Internacional de

Justiça, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e algumas matérias relativas ao Tribunal

da Lei do Mar ainda funcionam com base no modelo consensual311

. Os exemplos daqueles

que assumem o paradigma compulsório, por sua vez, são abundantes: Corte Européia de

Direitos Humanos (CEDH), Corte Européia de Justiça, Órgão de Solução de Controvérsias da

OMC, Tribunal Penal Internacional, dentre outros312

.

Como destaca Cesare Romano, mesmo nos casos da Corte Internacional de Justiça e

da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujas jurisdições são consensuais, há uma forte

tendência à adoção do paradigma compulsório313

. O que se deve destacar, em ambos os casos,

é que o princípio da Competência da Competência assume papel central nesse contexto314

.

A CIJ é, provavelmente, o tribunal internacional mais próximo da raiz voluntarista

clássica do DI – talvez pelo fato de seu estatuto ser idêntico ao da Corte Permanente de

Justiça Internacional (CPJI), criada na década de 20, ainda no âmbito da Liga das Nações.

Interessante notar, igualmente, que sua jurisdição ratione materiae é ampla o suficiente para

abarcar qualquer controvérsia entre Estados relativa a qualquer questão de Direito

Internacional315

. A cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, por sua vez, não produz

efeitos práticos significativos, uma vez que o número de Estados da ONU que a ratificaram é

308

Como destacou a Corte Permanente de Justiça Internacional, “nenhum Estado pode, sem seu consentimento,

ser obrigado a submeter suas disputas (...) à arbitragem ou qualquer outro tipo de resolução pacífica de

controvérsias (Status Of Eastern Carelia, Advisory Opinion, 1923, no.5, p.19). 309

Ver a Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados de 1969; As conferências sobre relações

diplomáticas e consulares de 1961 e 1963; dentre outros. 310

Ver POSNER, Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, p.11;

ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for

State-IC relations; 2005, pp.10-11. Para um denso histórico acerca da tendência à adoção do paradigma

compulsório, ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in

International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, pp. 803-816. 311

Duas observações são, nesse caso, relevantes. A primeira delas é a de que tanto a CIJ quanto a CIADH trazem

a previsão de protocolos adicionais para o reconhecimento de sua jurisdição compulsória. A outra se refere ao

Tribunal da Lei do Mar, que têm o caráter consensual para algumas matérias e compulsório para outras. Esse

fato é um indicador relevante para a tese de que o desenho institucional desses órgãos é feito com base nas

demandas políticas que a eles se colocam. 312

Uma lista completa desses tribunais pode ser obtida na Matriz do PICT, anexo II desse trabalho, disponível

em http://www.pict-pcti.org/matrix/matrixhome.html, último acesso em 08/02/2008. 313

ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International

Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, pp.816-831. 314

Para uma análise da extensão do controle dos Estados no estabelecimento da jurisdição da CIJ, ver BRANT,

Leonardo Nemer C., A Autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Púbico, 2002, pp. 294-300. 315

Ver artigos 34 e 36 do Estatuto da CIJ.

114

de 66 (em um universo de 191)316

. Cabe lembrar que ela somente pode ser invocada quando

há reciprocidade na sua aceitação pelas partes envolvidas no conflito, o que diminui ainda

mais a possibilidade de sua utilização.

É interessante notar, contudo, que apesar de ter seu funcionamento balizado pelo

paradigma consensual, apenas 15 dos 105 casos submetidos à CIJ foram fundados em acordos

ad hoc. Os outros foram submetidos unilateralmente; com base em uma cláusula

compromissória de tratado internacional (bilateral ou multilateral); por meio de uma

declaração opcional ou pelo forum prorogatum317

. Como observa Romano, a Corte

dificilmente nega sua jurisdição, o fazendo apenas nos casos em que ela flagrantemente não

existe318

. Exemplos célebres de casos nos quais houve atenuação do princípio do

consentimento não faltam: Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua (EUA v.

Nicarágua), no qual a Corte, por maioria aceitou a declaração de reconhecimento da jurisdição

da CPJI, mesmo essa não tendo sido ratificada por seu legislativo319

; Border and Transborder

armed actions (Nicarágua v. Honduras)320

; dentre outros.

No que se refere à competência consultiva, merece destaque o caso das

Conseqüências Legais da Construção do Muro no Território Ocupado Palestino, opinião

solicitada pela Assembléia Geral da ONU321

. Quando a Corte requisitou informações a Israel,

esse, que não aceitava a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória desde 1985, argüiu que a

matéria não poderia ser apreciada por aquela jurisdição. Isso porque se tratava de um caso que

envolvia diretamente os interesses do Estado de Israel, não podendo, portanto, a questão ser

avaliada em sede consultiva. A CIJ, entretanto, afirmou que o parecer não sobrepujava o

princípio do consentimento, e que nenhum Estado pode barrar uma ação que a ONU, por meio

da Assembléia Geral, julga necessária. É interessante notar que, em um caso semelhante, a

CPJI decidiu de forma diversa. Em 1923 o Conselho da Liga das Nações solicitou à Corte

Permanente de Justiça Internacional um parecer acerca de um acordo entre Finlândia e URSS

316

O único membro permanente do Conselho de Segurança que a reconhece atualmente é, note-se, o Reino

Unido. Ver http://www.icj-cji.org/jurisdiction/index.php?p1=5&p2=1&p3=3, último acesso em 08/02/2008. 317

Ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International

Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p.818, http://www.icj-

cji.org/docket/index.php?p1=3&p2=2, último acesso em 08/02/2008. 318

Desde 1990, dos 38 casos a ela unilateralmente submetidos, em apenas 11 a jurisdição da CIJ fora por ela

negada. Para a listagem completa desses casos, ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the

Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p.818, nota de

rodapé 98. 319

1986, I.C.J, 27 de junho, p.14. De se destacar a veemente opinião dissidente do juiz norte-americano. 320

1988, I.C.J., 20 de dezembro, p.69. 321

Parecer Consultivo, 2004, I.C.J., 9 de julho.

115

sobre a região da Eastern Carelia322

. A Corte se recusou a dar o parecer alegando que ele

versaria sobre uma controvérsia já estabelecida entre os dois Estados. Destaca-se, contudo,

que a URSS não era membro da Liga em 1923323

, ao contrário do que acontece com Israel,

que é um membro da ONU.

A jurisdição contenciosa da CIADH – sobre controvérsias que envolvam a

Convenção Americana de Direitos Humanos – depende da ação da Comissão Interamericana

de Direitos Humanos ou de um dos Estados parte da referida Convenção324

. De acordo com

seus dispositivos, portanto, o consentimento para sua jurisdição deve acontecer duas vezes:

quando da ratificação da Convenção; e por meio de uma declaração opcional. Concebido na

década de 60, esse sistema tinha, certamente, o propósito de ser claramente consensual. A

forte influência da Corte Européia de Direitos Humanos – na qual uma recente reforma

consagrou o paradigma compulsório325

– associada ao robusto trabalho jurisprudencial, tem

implicado em significativos avanços em relação à necessidade do consentimento. Alguns

autores apontam que a CIADH adota uma verdadeira ―doutrina compulsória‖326

.

Dos setenta e um casos da Corte, objeções preliminares foram suscitadas em

trinta327

, sendo que o tribunal encerrou o processo em apenas dois deles328

. Como destaca

Cesare Romano, cinco casos encarnam a orientação da Corte em relação à doutrina

compulsória: Ivcher-Bronstein (1999) e Constitutional Court (1999), ambos contra o Peru; e

Hilaire (2001), Benjamin (2001), e Constantine (2001) contra Trinidad e Tobago329

.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos iniciou os procedimentos contra o

Peru em maio e junho de 1999, respectivamente. Contudo, o Peru, em julho, notificou à Corte

e ao Secretário Geral da OEA, que o Congresso daquele país tinha aprovado, com efeito

imediato, a retirada do reconhecimento peruano à jurisdição da Corte. O Tribunal

prontamente rechaçou, por unanimidade, esse argumento, afirmando que não há na

Convenção nenhum dispositivo que permita a retirada do reconhecimento da jurisdição da

322

Status da Eastern Carelia, Parecer Consultivo, 1923. C.P.J.I., 23 de julho. 323

Sua adesão somente ocorreu em 1934. 324

Convenção Americana de Direitos Humanos, arts. 61 e 62. 325

O Protocolo 11, de 1994, à Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais determinou que a filiação ao Conselho da Europa é condicionada à ratificação da Convenção

Européia, o que implica o automático reconhecimento da jurisdição da CEDH (ver artigo 65 da Convenção

Européia e Estatuto do Conselho da Europa, T.S. no. 001). 326

ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International

Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p.821. 327

http://corteidh.or.cr/casos.cfm, última visita outubro de 2007. 328

Ver Alfonso Martin del Campo-Dodd v. México, 2004, no.113 (no qual a jurisdição ratione temporis não

existia); e Cayara v. Peru, 1993, no. 114. 329

ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International

Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, pp.821-824.

116

Corte, e que tampouco a declaração feita pelo Governo Peruano tinha qualquer previsão nesse

sentido. Dessa forma, a CIADH não poderia ficar a mercê de alegações feitas pelas partes

baseadas em razões domésticas. Esclareceu, ainda, que a única forma pela qual poderia o Peru

se furtar à jurisdição da Corte seria pela denúncia à própria Convenção.

A contestação feita por Trinidad e Tobago, em seus casos, fora baseada em uma

reserva feita pelo país à sua declaração de reconhecimento da jurisdição da Corte, de acordo

com a qual essa existiria apenas se consistente com as seções relevantes da Constituição

daquele Estado, e desde que a decisão proveniente não infringisse, criasse ou abolisse

qualquer direito ou dever de seus cidadãos330

. O tribunal prontamente declarou que a reserva

alegada era contra o objeto e propósito da Convenção, sendo, por essa razão, inválida. A

invalidação da reserva, contudo, não implicou a invalidade da própria declaração de

reconhecimento da jurisdição. A Corte, portanto, com base nela, se julgou competente para

apreciar a demanda.

Cesare Romano destaca, igualmente, dois casos consultivos que reforçam a tese de

que a CIADH tem assumido o paradigma compulsório. Tanto na opinião consultiva relativa

ao Right to Information on Consular Assistance331

quanto no Undocumented Migrants332

, o

México colocou, de forma geral, questões a serem respondidas pela Corte. Contudo, elas

claramente se referiam aos Estados Unidos. Por essa razão, eles, que não ratificaram a

Convenção Americana de Direitos Humanos, argüiram a falta de jurisdição do tribunal, uma

vez que seu consentimento para tanto era inexistente. Em ambos os casos, a CIADH superou

os argumentos norte-americanos. Seus argumentos eram baseados no fato de que as opiniões

consultivas não têm caráter vinculante; que a existência de uma dúvida no que diz respeito à

interpretação de um dispositivo legal não constitui um impedimento ao exercício da função

consultiva; e que a questão colocada era de natureza geral.

O que se pode perceber, diante do exposto, é que o aumento do número de tribunais

internacionais fora, nos últimos anos, acompanhado por uma forte tendência à consagração de

um paradigma compulsório (em detrimento do consensual). Tal fato reforça a tese de que os

Estados têm promovido esforços no sentido de que suas controvérsias sejam resolvidas por

um terceiro independente. Não é seguro se afirmar, contudo, que esse é um movimento

definitivo, nem tampouco que ele tenha repercussões homogêneas sobre todas as áreas do DI.

Seu efeito certamente varia de acordo com o arranjo institucional de cada um desses órgãos de

330

Hilaire v. Trinidad e Tobago, 2001, CIDH, no.80, prelimiray objections, p.43. 331

The Right to information on Consular Assistance in the Framework of the Guarantees of The Due Process of

Law, Advisory Opinion, 1999, CIADH , no. 16. 332

Juridical Condition and Rights of the Undocumented Migrants, Advisory Opinion, 2003, CIADH, no.18.

117

solução de controvérsias. Por esse motivo, a análise desse fenômeno deve ser feita à luz das

outras condicionantes estruturais que podem ser identificadas na esfera internacional, que

serão expostas a seguir.

2- Participação de Atores Não-Estatais

Ao se observar com alguma atenção à jurisdicionalização do Direito Internacional,

resta cristalino o fato de que vários órgãos judiciais internacionais permitem, de alguma

forma, a participação de atores não estatais em seu processo. Esse movimento tem, por certo,

relevantes repercussões para a dinâmica da adjudicação, tanto no que se refere ao número de

casos submetidos aos tribunais internacionais, quanto nas questões relativas à implementação

de suas decisões. Com o objetivo de permitir uma análise mais detida dessas implicações,

segue uma tabela com as regras de acesso relativas às principais cortes internacionais.

TABELA 3.2 – ACESSO AOS PRINCIPAIS TRIBUNAIS

INTERNACIONAIS333

.

Corte Legitimados Consentimento Fonte casos Interv. 3os Amic.Curiae

CIJ Estados, órgãos

e OIs

Deve ser dado Exógena Sim Sim

Trib. Mar Est., indivíduos,

órgãos e OIs

Deve ser dado Exógena Sim Sim

OMC Estados Implícito Exógena Sim Sim

TPI Indivíuos,

Prosecutor

Implícito Endógena e

exógena

Sim ------------

ICTY;ICTR Indivíuos,

Prosecutor

Implícito Endógena Não Sim

CEDH Est., indivíduos,

órgãos, OIs,

ONGs

Implícito Exógena Sim Sim

CIADH Estados, órgãos

e OIs

Deve ser dado Exógena Não Sim

CADH Est., indivíduos,

órgãos, OIs,

ONGs

Implícito (só para

disputas entre Est.)

Exógena Sim

-----------

CEJ Est., indivíduos,

órgãos, OIs,

cortes nacionais

Implícito Exógena Sim Não

A) Organizações Internacionais (OIs)

333

Fonte: Matriz PICT. Para quadro completo de tribunais, ver Anexo II desse trabalho, disponível em

http://www.pict-pcti.org/matrix/matrixhome.html, último acesso em 08/02/2008.

118

As Organizações Internacionais têm canais de comunicação com praticamente todos

os órgãos de solução de controvérsias internacionais. Seu nível de envolvimento varia,

contudo, de acordo com o desenho institucional de cada um deles. A razão para sua efetiva

participação nos procedimentos de adjudicação não é difícil de figurar: sua criação

normalmente é motivada pelo fato de que sua existência diminui os custos da ação Estatal em

uma determinada área sobre a qual elas atuam334

. Muitos de seus órgãos são desenhados

justamente com o papel de monitorar e zelar pelo cumprimento dos acordos. Nesses casos,

limitar a ação dos tribunais somente à atuação dos Estados seria condicionar a própria

atuação desses órgãos.

É por essa razão que, em alguns casos, essas Organizações têm o poder de solicitar

opiniões jurídicas (de caráter não vinculante) aos órgãos judiciais internacionais. É o que

acontece com o Conselho de Segurança, com a Assembléia Geral da ONU – ou qualquer

outra agência especializada por ela autorizada – em relação à CIJ335

; com o Comitê de

Ministros em relação à Corte Européia de Direitos Humanos336

; com o Conselho e a

Comissão das Comunidades Européias em relação à Corte Européia de Justiça337

; com os

órgãos da OEA em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos338

; com a Assembléia

Geral ou com o Conselho da Autoridade da Lei do Mar em relação ao Tribunal da Lei do

Mar339

; dentre vários outros casos.

As OIs ou seus órgãos, em outras situações, podem funcionar como intermediadores

de interesses de outros grupos sociais junto aos tribunais internacionais; como é o caso da

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que avalia denúncias individuas de violações

a seus direitos e tem o poder de submetê-las à apreciação da Corte Interamericana de Direitos

Humanos340

. Em outros casos, elas podem ser partes de um contencioso. É o que ocorre, por

exemplo, com a ―International Sea-bed Authority‖ perante a ―Sea-bed Dispute Chamber‖ do

Tribunal da Lei do Mar341

; e com o órgão de acusação (Prosecutor) dos Tribunais Penais

Internacionais342

.

334

Ver capítulo 2, desse trabalho. 335

Carta da ONU, art. 96; Estatuto da CIJ, arts. 65-68. 336

Protocolo 11 Adicional à Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades

Fundamentais, art. 47. 337

Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia, art.300. 338

Carta da OEA, art. 51; Estatuto da CIADH, arts. 19, 64. 339

Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar, arts. 159.10, 191. 340

Convenção Americana de Direitos Humanos, art.61.1. 341

Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar, art. 187; e Estatuto do Tribunal da Lei do Mar, art.37. 342

Ver, por exemplo, Estatuto do TPI, arts. 13, 34.c; Estatuto do Tribunal Penal para a Ex-Iugoslávia, arts. 11.b,

18; e Estatuto do Tribunal Penal para Ruanda, arts. 10.b, 17.

119

B) Indivíduos

Por ainda não terem uma personalidade jurídica plenamente reconhecida – tanto nos

órgãos internacionais quanto na doutrina343

– o acesso dos indivíduos aos tribunais

internacionais ainda é incipiente, e muito menos uniforme do que o das OIs. Ademais, parece

haver uma relação inversa entre a generalidade da jurisdição dos tribunais e a abertura para

participação dos indivíduos. Quanto maior a competência e o âmbito temporal e espacial de

abrangência das Cortes, menor é o espaço para os últimos344

.

Dessa forma, sua atuação direta em instituições como a Corte Internacional de

Justiça e o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC ainda não é institucionalizada345

. Em

sistemas regionais, contudo, há vários exemplos nos quais há mecanismos de ação destinados

às pessoas (sejam naturais ou jurídicas): Comunidades Européias346

; Comunidade Andina347

;

Sistema de Integração Centro-Americano348

, dentre outros.

Ao se analisar o número de casos submetidos às Cortes e Tribunais Internacionais, à

luz de suas regras de acesso, o que se pode inferir é que a efetiva participação de indivíduos

tende a implicar um aumento significativo no número de demandas a eles levadas349

. Isso

acontece pelo fato de que quanto maior a gama de habilitados para propor uma ação, menos o

custo do recurso ao tribunal recai sobre um determinado Estado350

. Merece destaque, nesse

sentido, a comparação entre a Corte Européia de Direitos Humanos e a Corte Interamericana

de Direitos Humanos. No primeiro caso, desde a entrada em vigor do Protocolo 11, os

indivíduos podem recorrer a ela diretamente; enquanto que no último há uma intermediação

da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É interessante notar que o número de

343

Ver, nesse sentido, TRINDADE, Antônio Augusto Cançado, Direitos Humanos: personalidade e capacidade

jurídica internacional do indivíduo, 2004; e PELLET, Alain, As Novas Tendências do Direito Internacional:

Aspectos “Macrojurídicos”, 2004, p.6. Mas, como destaca o autor, a consolidação do indivíduo como sujeito do

DI ainda carece de avanços institucionais que permitam com que ele tenha maior capacidade de atuação na

esfera internacional. 344

Ver, nesse sentido, ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of

The Puzzle; 1999, pp. 743-746. 345

A defesa dos seus interesses, nesses casos, deve ser exercida pelos próprios Estados aos quais pertecem. 346

Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia, arts. 229, 230, 232, 235, 236, 238, e 241, que

incluem ações de anulação, ações por danos, ações contra aplicabilidade de regulamentos da CE, dentre outras. 347

Tratado de Criação da Corte de Justiça de Cartagena, art. 19. 348

Estatuto da Corte de Justiça Centro Americana, art.22. 349

Em relação a essa inferência, Karen Alter coloca uma relevante questão. De acordo com ela, não há,

necessariamente, uma relação direta entre acesso de indivíduos (ou atores não estatais) e o número de casos

levados a um Tribunal Internacional. Tal situação será igualmente condicionada por outras variáveis, e deve ser

mais bem compreendida à luz do escopo e objetivos de cada um desses órgãos judiciais. ver ALTER, Karen,

International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for State-IC relations,

2005, pp. 11-14. 350

Ver, nesse sentido, GOLDSTEIN, Judith & MARTIN, Lisa. Legalization, trade liberalization, and domestic

politics: a cautionary note, 2000.

120

casos e procedimentos perante a CEDH aumentou dramaticamente após a modificação de

suas regras de acesso.

TABELA 3.3 – CEDH E CIADH – CASOS, 1997-2003351

.

CEDH 1990-1998 CEDH 1999-2003 CIADH 1990-2003

Litigantes privados sem direito de Litigantes privados sem

Acesso Direito de acesso

Número de 632 3307 249

Procedimentos Casos por ano 70.2 661.4 17.78

Apesar de ser um processo ainda incipiente e fracionado, deve-se destacar, por fim,

que a possibilidade de acesso direto a tribunais internacionais, como destaca Cesare Romano,

pode implicar a modificação do instituto da proteção diplomática352

; cuja definição clássica

fora consagrada pela Corte Permanente de Justiça Internacional. De acordo com ela, a

proteção diplomática ocorre quando:

“ao tomar para si um caso de um de seus nacionais, por meio de ação diplomática

ou procedimentos judiciais internacionais em sua representação, um Estado está,

na realidade, assegurando seu próprio direito, o de garantir na pessoa de seus

próprios nacionais o respeito pelas regras de Direito Internacional.‖353

C) Cortes e Tribunais Nacionais

O acesso de Cortes e Tribunais nacionais a órgãos internacionais ocorre

notadamente quando esses últimos têm um caráter regional, frequentemente quando há uma

ordem normativa supranacional estabelecida. É o caso, por exemplo, das Comunidades

Européias354

; da Comunidade Andina355

; e do Sistema de Integração Centro-Americano356

.

O recurso a esse tipo de ação é feito, normalmente, para assegurar uma interpretação

uniforme da norma supranacional, bem como prover meios eficazes para sua implementação

na esfera doméstica. Os tribunais domésticos passam a atuar, assim, como guardiões daquele

351

Fonte: ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their

Implications for State-IC relations, 2005, p.14. 352

Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999, p.746. 353

Panevezys-Saldutiskis Railway, CPJI, ser. A/B, no.76, 1939, tradução do autor. 354

Tratado Constitutivo da Comunidade Econômica Européia, art. 234. 355

Tratado de Criação da Corte de Justiça de Cartagena, art. 29. 356

Estatuto da Corte de Justiça Centro Americana, art. 22.k.

121

determinado regime. Nesse sentido, todo o aparato normativo nacional, relativo à execução

das normas nacionais passa a ser utilizado também em prol das normas internacionais, sem

que, para isso, haja a necessidade de nenhum procedimento especial na esfera legislativa357

. O

que se deve destacar, contudo, é que essa relação é dificultada por dois fatores: (i) em virtude

da heterogeneidade do próprio aumento de cortes e tribunais internacionais, são poucos os

casos nos quais isso ocorre, e não há um padrão indicativo de quais devem ser seus termos;

ademais, (ii) os diferentes procedimentos internos e regimes jurídicos distintos de cada um

dos Estados podem, de alguma forma, criar entraves políticos e normativos tanto no

desenvolvimento das demandas quanto na implementação de suas decisões358

.

D) Organizações Não-Governamentais (ONGs)

A atuação das Organizações Não-Governamentais é apontada como principal

indicador da crescente participação da Sociedade Civil no procedimento de formulação e

implementação de políticas – sejam elas de caráter nacional ou internacional. Variadas são as

abordagens que se ocupam dos novos mecanismos de governança, cujo foco tem sido a

possível modificação do papel do Estado Soberano na determinação das diretrizes das mais

relevantes questões da Agenda Internacional359

. Há, nesse sentido, significativos movimentos

que afirmam a necessidade de maior participação das ONGs na esfera normativa

internacional. A abertura de canais de comunicação entre essas organizações e os tribunais

internacionais é, de fato, um tema recorrente na agenda internacional.

Neste contexto, sintomática é a afirmativa do Secretário Geral das Nações Unidas,

na Assembléia Geral de 1999, de acordo com a qual “Estados devem servir seus povos. Se

eles fracassarem em fazê-lo e permitirem sérios abusos de Direitos Humanos, eles se abrem à

intervenção justificada da comunidade internacional, na forma da própria ONU360

”. O que

se pode observar é que a percepção, pela sociedade civil, da necessidade de controle das ações

estatais, acompanhada da demanda por sua efetiva participação no processo de tomada de

decisões. Esse movimento é refletido na Agenda 21, na qual se afirma que os governos devem

357

Para uma avaliação do papel desse mecanismo na construção do sistema legal europeu, ver, ALTER, Karen J.

The European Union´s Legal System and Domestic Policy: Spillover or Blacklash?, 2000. 358

Ver, nesse sentido, Foreword: Is the Proliferation of International Courts and Tribunals a Systemic

Problem?, pp. 694-695. 359

Ver, por exemplo, ROSENAU, James. Toward an Ontology for Global Governance. In.: Approaches to

Global Governance Theory, HEWSON and TIMOTHY (eds) 1999; ROSENAU, James, Governance in a New

Global Order, 2002; HELD, David, and McGREW, Anthony (eds.) Governing Globalization, London: Polity

Press, 2002. 360

Financial Times. People First. Sept. 22th, 1999, p.13.

122

adotar “quaisquer medidas legislativas necessárias para permitir o estabelecimento de

grupos consultivos de organizações não-governamentais, e para garantir a elas o direito de

proteger o interesse público por meio de ação legal361

”.

Tem-se, assim, uma significativa pressão para a criação de canais de comunicação

entre o Estado e a Sociedade Civil, que se traduzirão (i) em um ambiente propício para a

atuação das ONGs; e (ii) na problematização dos padrões clássicos de produção normativa

internacional, na medida em que a legalidade (baseada no consentimento) não mais será

suficiente como fundamento de validade de seus diplomas. O Estado assiste, portanto, a um

movimento de questionamento de sua legitimidade, que resulta em uma firme demanda pela

participação do terceiro setor tanto na elaboração quanto na implementação de suas decisões.

As ONGs assumem, destarte, ainda que de maneira incipiente e pouco regulamentada, as

seguintes funções: (i) a de definição da agenda de políticas a ser discutida e votada; (ii) do

acompanhamento dos processos decisórios, de forma que fique garantida a transparência dos

mesmos; (iii) de prestação de serviços técnicos – tanto no momento da criação quanto no da

implementação normativa; e (iv) de fiscalização da execução das políticas adotadas362

.

A possibilidade de atuação dessas organizações está, contudo, condicionada por um

lado, pelo debate acerca de sua legitimidade para desempenhar determinadas funções363

, e,

por outro, pela relativa fragilidade com que o ordenamento internacional regulamenta a

matéria364

. Importante destacar, nesse sentido, que a legitimidade das ações das ONGs está

intimamente ligada à dimensão axiológica, na medida em que quanto maior for a

homogeneidade em torno de certos valores, maior será o reconhecimento das atividades que

visem à sua consagração.

Não por acaso o regime internacional de proteção aos direitos humanos é aquele que

permite significativa participação de organizações com esse caráter. Tanto a Corte Européia

de Direitos Humanos365

como a Corte Africana de Direitos Humanos366

permitem que elas

361

Agenda 21, paras. 27.10 e 27.13, tradução do autor. 362

Ver, nesse sentido, o trabalho do “Panel of Eminent Persons on United Nations – Civil Society Relations”,

presidido por Fernando Henrique Cardoso (Ex-Presidente do Brasil), que deu origem ao relatório “We the

peoples: Civil Society, the United Nations and Global Governance” (UN Doc. A/58/817), de 11 de junho de

2004. 363

Ver, nesse sentido, BUCHANAN and KEOHANE, The Legitimacy of Global Governance Institutions, 2006. 364

Ver, igualmente, BODANSKY, Daniel, The Legitimacy of International Governance: A Coming Challenge

for International Environmental Law?, American Journal of International Law, 1999. 365

Estão legitimados a submeter questões à apreciação da CEDH, “qualquer pessoa singular, organização não-

governamental ou grupo de particulares, que se considere vítima de violação por qualquer Alta Parte

Contratante, dos Direitos reconhecidos na Convenção ou nos seus protocolos”.(Estatuto da CEDH, art.34). 366

Desde que o Estado a ser demandado tenha feito, de acordo com o artigo 34.6 do Protocolo à Carta Africana,

uma declaração aceitando a competência da Corte para demandas individuais. Para que nesses casos figurem as

123

figurem como partes em seus procedimentos. Apesar de não permitir o acesso direto de

indivíduos ou ONGs à Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Sistema Interamericano

tem relevantes mecanismos que permitem sua atuação.

No âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as ONGs têm duas

funções relevantes: atuar no momento das visitas in loco367

; e peticionar quando há

desrespeito aos direitos garantidos pela Convenção Interamericana368

. Na Corte

Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, as ONGs agem tanto no âmbito consultivo

quanto no contencioso. Em ambos, a atuação ocorre por meio do instituto do amicus

curiae369

. No que concerne à competência consultiva, ele é o único meio de participação370

.

No que se refere à competência contenciosa371

há, além dele, a possibilidade de que atuem

como testemunhas e com auxílio à vítima, na qualidade de seus representantes legais372

.

Diante desse contexto, forçosa é a conclusão de que a atuação das ONGs, apesar de

ser uma realidade na esfera internacional, ainda carece de instrumentos legais apropriados,

ONGs como parte do processo, elas devem ainda ter o status de observadores perante a Comissão Africana

(artigo 5,3 do protocolo). 367

As ONGs, nesses casos, atuam como importantes provedores de informação. Neste sentido, são realizados

encontros entre a Comissão e as organizações da sociedade civil envolvidas com a proteção aos Direitos

Humanos, como se deu, por exemplo, nas visitas in loco feitas ao Brasil em 1995, Bolívia e Colômbia em 1997,

Guatemala em 1998, Argentina, Haiti e México em 2002 368

São diversos os casos que demonstram a significância da atuação das ONGs como peticionárias na Comissão,

ao auxiliarem que as pretensões das vítimas sejam alcançadas sem necessidade de se recorrer à Corte

Interamericana. Neste sentido, podem ser citados o caso Meninos Capados do Maranhão contra o Brasil (Casos

12.426 e 12.427, Solução Amistosa, 15 de março de 2006), caso Sergio Schiavini y María Teresa Schnack de

Schiavini contra a Argentina (Caso 12.080, Solução Amistosa, 27 de outubro de 2005), caso Paulina del Carmen

Ramírez Jacinto contra o México (Petição 161-02, Solução Amistosa, 9 de Março de 2007) e caso Alejandra

Marcela Matus Acuña e outros contra o Chile (Caso 12.142, Mérito, 24 de outubro de 2005). Merecem destaque

as seguintes organizações: Global Rights, CEJIL, Lawyers Committee for Human Rights, Casa Alianza,

Guatemalan Association of Missing Detainee Next-Of-Kin (FAMDEGUA). 369

Pôde-se observar a participação como amicus curiae da Anistia Internacional e da Rights International no Caso Benavides Cevallos Vs. Equador; ainda, a International Human Rights Law no Caso

Gangaram Panday Vs. Suriname e no Caso Barrios Altos Vs. Peru. 370

Nas Opiniões Consultivas, as cartas de amicus curiae estiveram presentes desde o primeiro caso levado à Corte, quando da OC-1/82, solicitada pelo Peru, a qual discute acerca da interpretação do artigo 64

da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Na oportunidade, diversas ONGs ofereceram seus pontos de

vista como amigos da Corte, tais quais International Human Rights Law Group, International League for Human

Rights e Lawyers Committee for International Human Rights o que levou ao estabelecimento de um importante

precedente. 371

Desde o primeiro caso contencioso (Velazquez Rodriguez), a Corte recebeu várias cartas amicus curiae de ONGs como Amnesty International e a Lawyers Committee for Human Rights. Entretanto, a menção à atuação das ONGs, enquanto amicus curiae é limitada somente ao registro, no corpo da decisão, do recebimento de tais cartas, sem maiores análises ou referências ao texto particular de cada uma. Como verdadeiras peças processuais, as cartas são submetidas a um juízo de admissibilidade. 372

Ver, por exemplo, o caso Penal Miguel Castro vs. Peru em 2006, no qual a sentença considerou a tese da impetrante, mudando o rumo do julgamento. Em casos brasileiros, a atuação das ONGs também se mostra relevante. Ver Ximenes Lopes (2003) e Gilson Nogueira de Carvalho (2005), no qual não houve, contudo, condenação do Brasil.

124

que sejam capazes tanto de permitir ações efetivas quanto de limitar e controlar o exercício

das atividades das mesas373

.

Como visto, a tendência de incorporação de atores não-estatais no processo de

adjudicação internacional não pode ser questionada. É, nesse sentido, suficiente a constatação

de que o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC é, de acordo com a doutrina, o único

com caráter exclusivamente inter-estatal. Deve-se ressaltar que, à rigor técnico, ele admite a

ação de um ator com características distintas, uma vez que a Comunidade Européia participa

efetivamente de seus procedimentos374

. Esse movimento não se desenvolve, no entanto, de

forma linear, e sua sorte futura depende de uma conjuntura política ainda incerta.

Como visto, o desenho institucional das Cortes Internacionais varia de forma

dramática, notadamente no que se refere àqueles atores com capacidade de participar, como

partes ou não, de seus respectivos procedimentos. Segue, portanto, uma tabela com

indicadores de acesso aos tribunais internacionais; cujo objetivo é permitir que se possa

avaliar minimamente os vários níveis de abertura consagrados por cada um deles375

.

TABELA 3.4 - INDICADORES DE ACESSO376

.

Nível de Acesso Legitimação para demanda Corte Internacional ou tribunal

Baixo Todos os Estados devem consentir Corte Permanente de Arbitragem,

CIJ

Moderado Um Estado pode demandar*

Acesso através de Cortes

Nacionais

GATT, OMC

Corte Européia de Justiça

Alto Acesso individual direto se

instâncias domésticas esgotadas

Cortes Européia e Interamericana

de Direitos Humanos

* Inclusive influenciado por atores sociais domésticos377

3- A diversidade e maleabilidade funcional dos órgãos judiciais internacionais

373

Ver, nesse sentido, COLLINGWOOD, Vivien; LOGISTER, Louis. State of the Art: Addressing the INGO

„Legitimacy Deficit‟, 2005. 374

Ver, nesse sentido, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle;

1999, p.739. 375

É importante frisar que, de acordo com o argumento defendido nesse trabalho, a opção por um determinado

nível de abertura será feita em decorrência das demandas políticas colocadas pela área da agenda internacional

sobre a qual o tribunal exercerá sua jurisdição. 376

KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute

Resolution: Interstate and Transnational, p.464. 377

Ver, nesse sentido, LAGE, Délber A., Barganha Doméstica e Política Internacional: A Política Agrícola dos

EUA e sua Atuação em Fóruns Multilaterais, 2005.

125

Tradicionalmente, o tema da adjudicação tem sido estudado dentro da disciplina da

chamada ―resolução pacífica de controvérsias internacionais‖378

. No entanto, classificar os

órgãos judiciais internacionais juntamente com os procedimentos políticos de resolução de

controvérsias (negociação, inquérito, bons ofícios, mediação, conciliação)379

e arbitragem ad

hoc é tecnicamente impróprio e pode comprometer a análise de seu real efeito na sociedade

internacional380

. Tal afirmativa se justifica, basicamente, por duas razões: (i) pela participação

de atores não estatais em seus procedimentos (muitas vezes associada à adoção do paradigma

compulsório)381

; e (ii) pela variedade funcional resultante do aumento do número de cortes e

tribunais internacionais. No primeiro caso, o que se pode constatar é que a abertura à atuação

de atores não estatais nesses órgãos retirou dos Estados o controle que tinham sobre suas

atividades e a exclusividade de participação em seus procedimentos. O que se pode afirmar,

nesse sentido, é que as Cortes Internacionais deixam de ser um instrumento dos Estados, cuja

utilização se dá apenas para a resolução de seus conflitos.

As repercussões decorrentes do acesso de atores não estatais aos órgãos judiciais

internacionais já foram discutidas no tópico anterior. É necessário que se compreenda,

portanto, qual a relação de sua diversidade funcional com a afirmação de que o estudo da

adjudicação internacional deve ser feito a partir de um arcabouço teórico peculiar. Como

ressalta Karen Alter, os diferentes papéis exercidos por esses órgãos mostram que por vezes

seu maior objetivo é o respeito às normas do Direito Internacional, o que não necessariamente

se resume à solução de controvérsias (muitas vezes com alcance bilateral) entre Estados. Ao

analisá-los, a autora identificou quatro padrões funcionais, os quais podem inclusive conviver

em um mesmo tribunal382

. Uma discussão mais detida acerca de cada um deles será

importante para corroborar a tese de que as cortes internacionais ultrapassam a noção de

meros instrumentos de resolução de controvérsias inter-estatais.

Karen Alter coloca, portanto, que os padrões funcionais assumidos pelos tribunais

internacionais são os seguintes: (i) administrativo, cuja principal função refere-se à

fiscalização dos atores públicos que aplicam ou implementam determinada norma; (ii)

Criminal, responsável por avaliar a legitimidade do emprego da força pelos agentes

governamentais; (iii) de resolução de disputas, que refere-se à determinação do dispositivo

378

Ver, nesse sentido, MERRILS, International Dispute Settlement, 1998. 379

Ver artigo 33.1 da Carta da ONU. 380

ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,

p.749. 381

Ver tabela relativa ao acesso aos principais tribunais internacionais, supra. 382

ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications

for State-IC relations, 2005, pp. 16-39.

126

legal aplicável a uma determinada controvérsia; e (iv) constitucional, de acordo com o qual

se avalia a coerência e adequabilidade de diplomas normativos produzidos por atores

legislativos. A autora afirma, igualmente, que seu entendimento deve se dar a partir de três

dimensões distintas: jurisdição, que inclui a competência em razão da matéria e se o

paradigma é ou não compulsório; regras de acesso; e remédios legais que podem ser por eles

utilizados383

.

Quando os juízes internacionais se revestem de uma função de cunho administrativo,

eles devem se preocupar em avaliar as decisões dos administradores públicos, de forma a

garantir que elas foram tomadas de acordo com o procedimento adequado. Nesses casos, a

competência da corte deve abarcar a legalidade de quaisquer de seus atos (regulamentos,

diretivas, etc), bem como sua omissão quando tinham o dever de fazer algo. Por se tratar de

uma situação em que o próprio agente estatal será julgado, o ideal é que a jurisdição seja

compulsória. Pela mesma razão, as regras de acesso devem permitir atores não estatais. Os

remédios legais devem, por fim, serem capazes de anular o ato viciado, e, igualmente, de

impor ação para o restabelecimento da situação de acordo com os ditames legais384

.

Um tribunal que assuma a função Criminal, por sua vez, deve apreciar demandas

relativas à legalidade do uso da força pela autoridade estatal. O ideal é que a jurisdição seja,

nesse caso, compulsória. As regras de acesso podem se restringir a Estados, ou se estenderem

a procuradores institucionais ou outros atores não estatais. Os remédios podem variar desde

prisão dos responsáveis, medidas legislativas internas, a compensação por danos ilegalmente

causados à vítima385

.

O objetivo da atuação jurisdicional pode ser, igualmente, a solução de controvérsias

de caráter particular, normalmente relativas à aplicação de determinados dispositivos

normativos específicos ou ao (des)cumprimento de alguma regra juridicamente vinculante.

Nessas situações, a jurisdição da Corte varia entre os paradigmas consensual e compulsório. O

acesso normalmente é de exclusividade estatal. Os remédios legais normalmente se limitam

ao caráter vinculante da decisão (que versa sobre a aplicabilidade de determinada norma ou

383

ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications

for State-IC relations, 2005, p. 22, e 25. 384

Esse tipo de função pode ser identificado, por exemplo, na Corte de Justiça de Cartagena, relativa a uma

decisão da Comissão Andina; e no Tribunal Internacional da Lei do Mar, em virtude de determinada ação da

“Seabed Authority”. 385

Exemplos dessa função podem ser encontrados nos Tribunais Penais Internacionais e nas Cortes de Direitos

Humanos.

127

impõe um dever de fazer ou não fazer); em alguns casos pode haver a possibilidade de

retaliação (bilateral) quando persistir a violação386

.

Os órgãos judiciais internacionais podem, por fim, assumir uma função

constitucional. Seu objetivo é o de controlar a produção de diplomas normativos,

normalmente à luz de alguns valores que se consagraram como hierarquicamente superiores.

Por vezes, esse tipo de atuação visa a uniformização da interpretação e aplicação de normas

com status supra-nacional. A jurisdição deve ser compulsória, e abarcar atos estatais e de

Organizações Internacionais. As regras de acesso normalmente incluem entes não estatais. Os

remédios podem anular os atos em desconformidade com diplomas de hierarquia superior e

até mesmo impor determinado dever de fazer à autoridade legislativa387

.

TABELA 3.5 – FUNÇÕES JUDICIAIS DAS CORTES INTERNACIONAIS388

Revisões Resoluções de Sanção Revisão

Administrativas Disputa Criminal Constitucional

Revisão de ações das

OIs * ITLOS (Autoridade do solo

oceânico),

*EFTAC, *CFI,

*ECJ, *TJAC,

*CACJ

*ECJ, *TJAC

Revisão de Ações

Estatais *ECJ,

ICJ, ITLOS, ECJ, CACJ, ECJ

*COMESA, *CCJ,

* ITLOS (re:

somente medição de

embarcações)

WTO, ECJ, EFTA,

OAPEC, CCJ,

ECCIS, CACJ,

OHADA,

*ECHR, IAHCR,

COMESA, ACHR

(Comissões & outros

estados

expressamente

autorizados)

COMESA,

AMU,TJAC

Litigância privada é

um

papel modificado)

Revisão de *TJAC.

Cortes Nacionais *COMESA,

Decisões *ECCIS,

*OHADA,

*CJAC, *BCJ,

*CCJ

Revisões privadas Disputas *ICC, *ICTY,

Comportamento do

Ator

Particulares *ICTR, *ICTSL

OI: *ECJ, *TJAC

386

Os exemplos mais latentes desse tipo de função podem ser encontrados na CIJ, na OMC e no Tribunal da Lei

do Mar. 387

Exemplos: Corte Européia de Justiça, Corte Européia de Direitos Humanos, OMC, Corte de Justiça de

Cartagena, dentre outros. 388

Fonte: ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their

Implications for State-IC relations, 2005, p.41.

128

* Acesso não estatal / Cortes marcadas em Itálico: jurisdição compulsória.

A tabela 3.5 traz alguns exemplos dos principais tribunais internacionais, associados

às funções que podem exercer. O que se pode notar, dessa forma, é que um mesmo órgão

pode assumir mais de uma função diferente, dependendo da natureza da demanda com a qual

se depara. A possibilidade ou não de exercício da mesma, de acordo com as normas

previamente fixadas pelos Estados (em seu acordo constitutivo), irá variar em função das

demandas políticas envolvidas389

.

Diante do exposto, pertinente se mostra a tese de os órgãos judiciais internacionais

têm assumido um papel muito mais abrangente do que aquele identificado no início do século

XX, qual seja, o de resolução de controvérsias inter-estatais390

. A tendência, portanto,

resultante do aumento do número de órgãos judiciais internacionais é que o efeito de suas

decisões alcance tanto aos Estados quanto a outros atores; e que, em alguns desses casos,

obrigue não apenas as partes envolvidas no litígio, mas sim a todos aqueles submetidos à sua

respectiva jurisdição391

. Ademais, deve-se frisar que o nível de maleabilidade funcional de

cada uma das cortes será definido de acordo com o interesse dos Estados quando da

elaboração de seus acordos constitutivos. Há, contudo, o risco que o desenvolvimento de suas

atividades crie situações que não foram previstas pelos Estados, nas quais os tribunais se

comportariam de uma forma que não era a princípio desejada392

.

4- Os Estados ainda são os atores com maior influência no comportamento das

Cortes e Tribunais Internacionais

Nas seções anteriores, foram discutidas algumas tendências decorrentes da

―proliferação‖ de cortes e tribunais internacionais. De acordo com o exposto, se mostra

razoável a afirmativa de que, na última década, houve um significativo aumento do número de

casos apresentados a esses órgãos, bem como uma diminuição do controle dos Estados no

389

Karen Alter argumenta, nesse sentido, que a utilização desses quatro padrões funcionais como variáveis de

análise fornece importantes inferências para a compreensão da relação Estado-Cortes Internacionais; ALTER,

Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their Implications for State-IC

relations, 2005. 390

Para uma abordagem histórica dos principais desenvolvimentos do escopo dos tribunais internacionais, ver,

igualmente, ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in

International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, especialmente pp. 804-816. 391

Ver, no mesmo sentido, ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The

Pieces of The Puzzle; 1999, p.737. 392

Ver ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and Their

Implications for State-IC relations, 2005, pp. 54-63.

129

estabelecimento dessas demandas – principalmente em decorrência da mudança para o

paradigma compulsório e da abertura dos órgãos à participação não estatal. Isso não implica,

contudo, que os Estados deixaram de exercer influência determinante no seu estabelecimento

e funcionamento393

. São eles os responsáveis tanto pela determinação das normas

constitutivas dos tribunais, quanto pelo suporte (inclusive financeiro) a suas atividades, bem

como, na maioria das vezes, pela implementação de suas decisões. Como destacam alguns

autores: “Claramente o poder e preferências dos Estados influenciam o comportamento tanto

do governo quanto dos tribunais de solução de controvérsias: o direito internacional opera à

sombra do poder”394

.

Uma discussão mais detida acerca das formas de controle do Estado sobre os órgãos

judiciais internacionais é de suma importância para a compreensão do problema enfrentado

nesse trabalho. No âmbito desse trabalho, essa relação será avaliada a partir de uma variável

que tem como objetivo determinar o nível de independência de um tribunal vis-à-vis aos

Estados que são submetidos à sua jurisdição. Ela deve ser compreendida à luz dos

mecanismos de controle utilizados pelos segundos, que podem ser, conforme argumento que

se segue, de duas ordens: jurídicos; ou políticos. Ademais, eles devem ser igualmente

analisados a partir de uma dupla perspectiva: uma institucional, relativa ao funcionamento do

próprio órgão; e outra pessoal, relacionada ao nível de independência dos juízes.

A) Constrangimentos de ordem institucional

Os Estados têm uma série de instrumentos para condicionar e avaliar a atuação dos

órgãos judiciais internacionais, que podem ser utilizados tanto no momento de sua criação

quanto durante o exercício de suas atividades. Para que essa dinâmica seja mais bem

compreendida, essa seção abarcará os constrangimentos (a) de ordem jurídica (formal); e (b)

os de ordem política (informal)395

.

a) Os mecanismos formais de controle estatal

393

Ver, nesse sentido, CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006,

pp.405-410. 394

KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute

Resolution: Interstate and Transnational, p.458, tradução do autor. 395

Para uma discussão ampla desses mecanismos, mas a partir de uma perspectiva um pouco diferente, ver

HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: A Response

to Professors Posner and Yoo, 2005, pp.42-56. Alguns dos mecanismos discutidos nesse trabalho foram

identificados a partir do argumento defendido por elas; ver especialmente quadro sinóptico da página 46.

130

É no momento da negociação dos acordos constitutivos que os Estados têm a

oportunidade para fixar a competência, o procedimento, e os instrumentos para aplicação

normativa dos tribunais internacionais. Por essa razão, essa é uma fase crítica para a

determinação do nível de independência de um determinado órgão.

O primeiro instrumento de controle refere-se ao nível de precisão das normas

substantivas, que constituirão a competência ratione materiae do tribunal. Conforme

discutido no segundo capítulo, quanto maior o nível de precisão de uma regra, menor o espaço

para interpretação, e consequentemente, menor a possibilidade de uma interpretação diversa

daquela desejada pelo Estado396

. Igualmente relevante, pelas mesmas razões, é o nível de

precisão das normas procedimentais que serão seguidas no âmbito do órgão. Merecem

destaque, nesse sentido, as regras relativas ao acesso397

. Os Estados podem ainda se valer de

reservas tanto às normas substantivas que podem ser aplicadas quanto ao reconhecimento da

jurisdição dos tribunais398

.

Mesmo após o estabelecimento de uma corte internacional, os Estados ainda se

valem de instrumentos formais de controle sobre sua atividade. Eles podem, por exemplo,

reinterpretar uma norma substantiva, cuja aplicação da maneira pela qual fora concebida passe

a contrariar seus interesses399

. Se o funcionamento da corte implicar divergências

significativas em relação aos anseios iniciais que ensejaram sua criação, um Estado ainda

pode: (i) renegociar as normas relativas à sua jurisdição, acesso e procedimento400

; (ii) retirar

a declaração pela qual reconhece sua competência ou denunciar ao tratado ao qual sua

jurisdição se vincula401

. Em uma medida mais unilateral, ele pode optar por retardar a

implementação da sentença aplicada.

A forma de implementação da sentença é, no que se refere ao nível de independência

de um tribunal, um indicador muito significativo. Uma decisão que seja, por exemplo, auto-

396

Ver, igualmente, ABBOTT, Kenneth W. et al. The concept of legalization, 2000. 397

Ver seção Participação de atores não estatais, supra. 398

O alcance dessas últimas reservas é, contudo, bastante limitado pela tendência atual de adoção do paradigma

compulsório, mesmo por aqueles tribunais cuja jurisdição ainda é consensual – notadamente a CIJ e a CIADH.

Ver seção Adoção do Paradigma Compulsório, supra. 399

O alcance desse mecanismo é, certamente, limitado, na medida em que ele somente terá o efeito desejado se

também for aplicado pelos outros Estados envolvidos ou se a interpretação for reconhecida como legítima pelo

próprio tribunal. 400

A mesma limitação se aplica a esse caso, na medida em que esse instrumento somente poderá ser exercido se

houver certa ―homogeneidade‖ em relação às insatisfações dos Estados. 401

Como destaca Cesare Romano, esse é um instrumento que, em virtude da adoção do paradigma compulsório,

pode se fortalecer decisivamente no atual cenário internacional. Ver ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the

Consensual to the Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007,

pp. 857-865.

131

aplicável na esfera doméstica do Estado (como ocorre com a Corte Européia de Justiça)

permite que atores domésticos controlem seu cumprimento. Caso um Estado se recuse a fazê-

lo, esses atores podem inclusive recorrer aos instrumentos jurídicos nacionais para garantir

sua efetividade. Segue tabela indicativa do nível de independência em relação a essa questão.

TABELA 3.6 – INDEPENDÊNCIA: IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES402

.

Nível de Independência Quem impõe cumprimento Corte Internacional ou Tribunal

Baixo Governos individuais podem vetar

implementação da decisão

GATT

Moderado Não há veto, mas não há

mecanismos legais de imposição

de cumprimento

OMC, CIJ403

Alto Normas Internacionais aplicadas

por Cortes Nacionais

Normas de direitos humanos

incorporadas e relativas à CEDH,

sistemas nacionais em que

tratados são auto-executávies

b) Os Mecanismos Informais de Controle Estatal

Os Estados mais poderosos podem, nesse caso, se valer de seu prestígio político para

evitar que um estado mais fraco opte por levar a controvérsia a um tribunal, ou para que este

não exerça o direito de retaliação eventualmente decorrente da inexecução de uma de suas

sentenças404

. Os Estados podem, tanto no momento da criação quanto posteriormente, prover

fundos insuficientes405

para que as atividades sejam desenvolvidas da forma adequada406

. Em

caso de insatisfação com uma decisão, pode-se, igualmente, optar pela submissão do mesmo

caso a um outro tribunal com jurisdição concorrente, prática que é conhecida como fórum

402

Fonte: KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute

Resolution: Interstate and Transnational, p.467. 403

No caso da CIJ, há a previsão de que o Conselho pode ser acionado para fazer valer uma decisão sua.

Entretanto, diante da própria estrutura e natureza política do Conselho, essa possibilidade é muito remota, não

tendo sido registrado nenhum caso até o presente momento. 404

É o que acontece, por vezes, em relação ao direito de retaliação decorrente da inexecução de uma decisão da

OMC. Em vários casos os Estados ganhadores acabam por não se valer dele. 405

HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: A

Response to Professors Posner and Yoo, 2005, p. 50. 406

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Tribunal Penal de Ruanda, que enfrenta sérias dificuldades

decorrentes da escassez de seus recursos. É interessante notar que o Tribunal Penal para Ex-Iugoslávia , que fora

criado por razões semelhantes, recebera um aporte dramaticamente maior de recursos. Ver, nesse sentido,

CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006, p.410.

132

shopping407

. Se desejar agir de forma claramente unilateral, basta ignorar a sentença ou

cumpri-la parcialmente408

.

B) Constrangimentos de ordem pessoal: a independência dos juízes

A independência dos juízes internacionais, como discutido anteriormente, é

elemento essencial do próprio conceito de órgão judicial internacional409

. Conforme destaca

Pasquale Pasquino, ela é essencial para a consagração da estrutura tripartite de resolução de

conflitos410

. Os Estados podem, por meio da indicação dos juízes, controle financeiro e outros

artifícios, influenciar decisivamente a atuação de um determinado juiz411

. É interessante se

notar que há instrumentos não obrigatórios que tratam da questão da independência tanto do

ponto de vista nacional412

quanto internacional413

. Os próprios tribunais, em seus estatutos ou

regulamentos internos, consagram dispositivos nesse sentido414

. Alguns autores afirmam,

nesse sentido, a necessidade de padronização dessas regras, para que se evite uma situação na

qual uma corte interna se recuse a aplicar uma decisão internacional alegando que ela não

esteja de acordo com os padrões legais de seu Estado, por exemplo415

.

A determinação das normas de seleção, reeleição, tempo de mandato, número de

juizes, é, portanto, essencial para se estabelecer o nível de controle sobre os mesmos. Os

Estados ainda podem criar mecanismos de controle (implícitos ou explícitos) dentro da

407

O Brasil, por exemplo, ao perder uma demanda no Tribunal de Arbitragem do MERCOSUL (Brasil v.

Argentina, 21/V/01, 2001), recorreu à OMC, onde conseguiu uma decisão favorável (WT/DS241/R abril de

2003). 408

Para uma análise do grau de cumprimento das decisões dos principais tribunais internacionais, ver POSNER,

Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, pp. 29-54. 409

Ele aparece em ambas as definições analisadas nesse trabalho, quais sejam, a de Martin Shapiro e a do PICT.

Ver seção A Caracterização do Movimento: Expansão e Especificidade Institucional, nesse capítulo. 410

PASQUINO, Pasquale, Prolegomena to a Theory of Judicial Power: the Concept of Judicial Independence in

Theory and History, 2003, p.14. 411

Ver, nesse sentido, MILLER, Nathan J., Independence in the International Judiciary: General Overview of

the Issues, 2002, p.2. 412

United Nations Basic Principles on the Independence of the Judiciary, UN Doc. A/RES/40/146 (13

December 1985). 413

International Bar Association Code of Minimum Standards of Judicial Independence, aprovada em Nova

Delhi, 1982; Montreal Universal Declaration on the Independence of Justice (1983); Beijing Statement of

Principles of the Independence of the Judiciary in the LAWASIA Region (1995); Syracuse Principles (1981). 414

Estatuto da CIJ, art.2, bem como Practice Directions VII e VIII (7 de fev. 2002, disponível em http://www.icj-

cji.org/icjwww/ibasicdocuments.htm, último acesso em 30/01/2008); art. 17 DSU (OMC); Estatuto do TPI,

artigo 36; dentre outros. 415

MACKENZIE, Ruth; & SANDS, Phillippe, International Courts and Tribunals and the Independence of the

International Judge, 2003, p.275.

133

própria organização da qual o tribunal faz parte416

. Além disso, o controle pode ser feito pela

via (informal) de pressões políticas. Como destacam Sands e Mackenzie, a reputação é algo

bastante valorizado no meio jurídico internacional417

, fato que pode ser explorado tanto a

favor quanto contra a independência dos juízes. Nesse sentido, destaca Gilbert Guillaume, ex-

Presidente da CIJ: “Ultimamente, como mostrado por vários exemplos nacionais,

independência é, acima de tudo, uma questão de caráter. Os únicos juízes sobre pressão são

aqueles que são suscetíveis a ela. Um juiz que deseja ser independente o é”418

.

Segue tabela que traz indicadores para análise.

TABELA 3.7 – INDICADORES DE INDEPENDÊNCIA419

.

Nível de independência Seleção e Mandato Corte Internacional ou Tribunal

Baixo Representantes diretos, talvez com

veto individual

Conselho de Segurança da ONU

Moderado Litigantes controlam seleção ad

hoc de juízes

Grupos de Estados controlam

seleção de juízes

Corte Permanente de Arbitragem

CIJ, GATT, OMC

Alto Governos individuais apontam

juízes com mandato longo

Grupos de Estados selecionam

juízes com mandato longo

Corte Européia de Justiça

Cortes Européia e Interamericana

de Direitos Humanos

Foram expostas, até agora, quatro tendências conjunturais, que, conforme

argumentado, são a base para o entendimento do aumento do número de órgãos judiciais

internacionais, quais sejam: (1) adoção do paradigma compulsório; (2) abertura a atores não

estatais; (3) diversidade e maleabilidade funcional; e (4) significativa dependência do Estado.

Feito isso, deve-se proceder à análise das limitações enfrentadas por esse movimento, para

que então se possa discutir com mais fundamento as principais correntes teóricas que visam

explicá-lo (Parte II do Capítulo).

416

Apesar de não haver nenhum mecanismo expresso no seio da ONU, muito se discute sobre uma eventual

hierarquia entre a CIJ e o Conselho de Segurança (Ver caso Lockerbie). Países que são membros permanentes do

C.S., por exemplo, tendem a ter um controle muito maior das decisões deste órgão, e teoricamente poderiam se

utilizar desse expediente caso para exercer algum tipo de pressão informal sobre os juízes da Corte. 417

MACKENZIE, Ruth; & SANDS, Phillippe, International Courts and Tribunals and the Independence of the

International Judge, 2003, p.280. 418

GUILLAUME, Gilbert, Some Thoughts on the Independence of International Judges vis-à-vis States, 2003,

p.168. 419

Fonte: KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute

Resolution: Interstate and Transnational, p.461.

134

Antes, porém, uma última observação se mostra necessária: conforme discutido, o

grande número de tribunais internacionais, associado a seus diferentes arranjos institucionais,

impede a identificação de um padrão singular de funcionamento desses órgãos, bem como

inviabiliza a formação de um sistema judicial unitário. Pode-se, contudo, formular um quadro

comparativo, cujo objetivo é captar as principais características desses órgãos, e que será de

grande utilidade para o debate que se segue.

TABELA 3.8 – ARRANJOS INSTITUCIONAIS DOS TRIBUNAIS

INTERNACIONAIS420

.

Espectro do “legalismo”

Provisão do

tratado Mais diplomático ———————————— Mais legalizado

Revisão de

Terceiros Nenhuma Acesso controlado pelo Direto automático de revisão

corpo político

Decisões judiciais

de terceiros

Recomendações Vinculante se aprovado

pelo

Obrigação diretamente

vinculante

corpo político

Juízes Arbitragens Ad hoc Painéis Ad hoc baseado Tribunal de Justiça

com

represen-

tação das

partes

em listas

Partes Somente Estados Estados e organismos

acordados

Estados, organismos acordados,

e

indivíduos

Reparação Nenhuma Sanções de retaliação Efeito direto no direito

doméstico

Título 2 – Os Alcances do movimento de juridicização do DI

Feitas as considerações acerca do caráter do movimento de proliferação de cortes e

tribunais internacionais, tem-se elementos suficientes para a compreensão do debate relativo

às suas repercussões sobre o ordenamento jurídico internacional. Deve-se evitar, contudo,

algumas impropriedades de ordem teórico-conceitual – normalmente presentes nas discussões

a respeito do tema – que acabam por superestimar o alcance desse movimento; o que,

certamente, prejudica a avaliação de suas causas e efeitos. Duas advertências serão, nesse

420

Fonte: SMITH, James McCall, The Politics of Dispute Settelment Design: Explaining Legalism in Regional

Trade Pacts, 2000, p.143.

135

sentido, enunciadas a seguir: a primeira é relativa à confusão que normalmente é feita entre os

fenômenos da jurisdicionalização e o da juridicização da sociedade internacional; ao passo

que a segunda refere-se à idéia de que a adjudicação internacional necessariamente implica a

adoção de padrões mais rígidos para garantir o cumprimento das normas internacionais.

1- A jurisdicionalização enquanto variável interveniente no processo de expansão

não uniforme (legalização) do Direito Internacional

Quando do estudo do fenômeno da jurisdicionalização, o primeiro perigo a ser

evitado é o de que ele seja confundido com o movimento de expansão não uniforme do

Direito Internacional. Conforme discutido no capítulo inaugural desse trabalho, a

juridicização (ou legalização) é uma tendência recente da Sociedade Internacional, pela qual

os sujeitos têm optado por regulamentar suas relações a partir de normas jurídicas. Não há, à

rigor técnico, uma correspondência exata entre as duas tendências. Assumir, portanto, que o

aumento do número de cortes internacionais é uma decorrência imediata da criação de normas

jurídicas, e que o primeiro fenômeno se desenvolverá em função dos avanços e retrocessos do

segundo é algo temerário, que carece de comprovação fática. Como colocado no capítulo

inicial, a jurisdicionalização, ao lado do crescente número de regimes internacionais, é um

seguro indicador da juridicização. Mas, por se tratarem de movimentos distintos, com causas

e repercussões peculiares, não devem, frise-se, ser analisados como se constituíssem um único

objeto de estudo.

Como destacado nesse capítulo421

, a criação de cortes e tribunais internacionais não

obedece a um padrão preestabelecido, nem tampouco ocorre da mesma maneira nas diversas

áreas do DI. Isso implica, por exemplo, a existência de áreas que foram objeto de significativa

regulamentação legal, mas sobre as quais ainda não nenhum órgão judicial com jurisdição

específica para apreciar suas demandas422

. Ademais, a simples criação de uma Corte não

significa que as controvérsias relativas àquelas matérias serão necessariamente submetidas a

ela. Assumir, portanto, que sua existência implica o abandono dos meios políticos de solução

de controvérsias é algo que não encontra nenhuma fundamentação fática423

, e, certamente,

compromete decisivamente qualquer análise a esse respeito. Há, igualmente, vários exemplos

de cortes que ainda não exercem efetivamente suas atividades, seja por problemas estruturais

421

Ver Expansão e Especificidade Institucional, supra. 422

Pode-se citar, e.g,, as áreas da Segurança Internacional, dos Fluxos Monetários e Investimentos, do Meio

Ambiente, dentre outras. 423

Ver, nesse sentido, ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths and consequences, 2003, p.411.

136

decorrentes de pouco suporte estatal, seja pela falta de demandas a elas submetidas424

. É

importante ressaltar, nesse sentido, que a opção pela adjudicação não é aquela inicialmente

preferida pelos Estados, uma vez que perderão a capacidade de decidir sobre como se

comportarão em uma determinada situação. A delegação parece ser, dessa forma, o curso de

ação viável quando todo o espectro de opções políticas já se mostra esgotado425

.

Faz-se necessária, igualmente, uma observação acerca do acesso a esses tribunais.

Apesar de muitos órgãos permitirem a participação de atores não estatais, sabe-se que ela

ainda é incipiente, e, em alguns casos, pouco significativa426

. Ademais, não se pode afirmar,

como colocado anteriormente, que a abertura a participação desses atores é uma tendência

irreversível, ou que ela caminha de forma homogênea no sentido de uma

―transnacionalização‖ de seu acesso. Isso porque uma opção com esse caráter implica custos

diferenciados aos Estados, na medida em que aumentar o número de legitimados para agir

significa diminuir o controle político sobre o estabelecimento das próprias demandas. Além

disso, o custo pecuniário de manutenção de uma estrutura judicial internacional com acesso

universal seria infinitamente maior do que aqueles que os Estados estão dispostos a suportar.

Diante desse contexto, associar o aumento de tribunais internacionais ao movimento

de juridicização, assumindo que seguem a mesma dinâmica, é algo que se mostra equivocado,

tanto a partir de uma perspectiva teórica quanto fática. Grande parte das relações

internacionais, bem como de seus atores, ainda não são, por certo, passíveis de avaliação por

um tribunal internacional. Não se pode negar, contudo, que há uma relação de

interdependência entre eles, e que o primeiro tem significativas repercussões sobre o segundo.

É por essa razão que a jurisdicionalização fora colocada, no primeiro capítulo, como uma

variável interveniente no processo de legalização.

2- A jurisdicionalização não necessariamente implica adoção de padrões mais

rígidos para aplicação e implementação das normas internacionais

424

Corte Africana de Direitos Humanos, Tribunal Europeu de Energia Nuclear (OCDE, 1957), Tribunal Europeu

sobre Imunidade Estatal (Conselho da Europa, 1972), Corte de Justiça da Comunidade Econômica Africana

(1991), Corte de Justiça do MERCOSUL, dentre outros. Para uma lista completa, ver Carta Sinóptica no

ANEXO I desse trabalho. 425

Ver, nesse sentido, HOPMANN, P. Terrence, The Negotiation Process and the Resolution of International

Conflicts, 1996, p.221; e KOREMENOS, et al, The Rational Design of International Institutions, International

Organization, no.55, 2001. 426

Ver Participação de atores não estatais, supra.

137

A segunda advertência enunciada anteriormente refere-se a uma premissa

normalmente assumida pelos autores, de acordo com a qual os órgãos judiciais internacionais

tendem a (i) aplicar instrumentos normativos rígidos (hard law); a (ii) conferir precisão e

algum poder vinculante a normas brandas (soft law); e a (iii) consagrar instrumentos eficazes

(remédios legais) para a aplicação e implementação das normas e decisões juridicamente

vinculantes. Uma vez que se percebe, no entanto, que o desenho institucional desses órgãos é

variado, e que cada um deles adota procedimentos e medidas provisionais distintas, essa

premissa cai por terra. O que se afirma, nesse sentido, é que a efetivação ou não de cada uma

dessas ―expectativas‖ deverá ser avaliada no caso concreto.

Como discutido no primeiro capítulo desse trabalho, os tribunais internacionais

normalmente são relutantes no que se refere tanto à aplicação de normas imperativas quanto à

utilização de normas brandas em suas decisões. Elas são, via de regra, em ambos os casos,

imprecisas427

. Dada a falta de unidade e hierarquia entre os órgãos judiciais internacionais,

isso quer dizer que, mesmo quando utilizadas, a questão de sua precisão não restará

definitivamente superada. Por um lado, nenhuma dessas instituições conta com autoridade de

criação normativa, motivo pelo qual sua decisão terá alcance restrito, normalmente inter-

partes. Por outro, a interpretação dessas normas será feita de acordo com o caso concreto, sem

que se tenha em mente todas as possibilidades de sua aplicação. Isso implica que, caso um

outro caso seja submetido a essa ou outra instituição, haverá, certamente, dificuldades para a

aplicação do padrão adotado na decisão anterior428

.

O risco de interpretações fragmentadas e inconsistentes é agravado, igualmente, pela

relutância dos Estados em permitir que os órgãos judiciais assumam um papel efetivo nesse

sentido, na medida em que visualizam a situação como uma ameaça potencial a sua soberania.

Conforme destaca Prosper Weil, a hierarquia normativa internacional pode retirar do Estado o

controle sobre a criação normativa, bem como relativizar de forma perigosa a fronteira entre

direito e política429

. Em uma situação extrema, uma ampla difusão e aplicação de uma norma

branda criada por atores não estatais poderia gerar efeitos significativos sobre a sociedade

internacional, hipótese que, de fato, se coloca contra os interesses dos Estados.

Afirmar que a jurisdicionalização do DI necessariamente consagra instrumentos

eficazes para a aplicação e implementação das normas juridicamente vinculantes é algo

igualmente problemático. A delegação da capacidade decisória a um terceiro independente

427

Ver discussão acerca de normas rígidas e brandas, no segundo capítulo. 428

ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths and consequences, 2003, p.426. 429

WEIL, Prosper, Towards a Relative Normativity in International Law, 1983.

138

não deve, nesse caso, ser confundida com a dimensão da garantia do cumprimento dessas

decisões. É para o que nos adverte Cesare Romano:

“A questão da natureza vinculante dos julgamentos dos órgãos judiciais

internacionais, contudo, não deve ser confundida com a da garantia do cumprimento

dessas decisões. A função de garantia das decisões dos órgãos judiciais é de natureza

executiva, e como tal é normalmente confiada a órgãos investidos de poderes

executivos. É, em outras palavras, uma matéria mais política que jurídica”430

.

A percepção dessa questão é um fator relevante para a compreensão da razão para a

existência de órgãos com remédios legais tão distintos, e por vezes ineficientes. O caso da

Corte Internacional de Justiça, por exemplo, cujo cumprimento da decisão deverá ser feito

pelo Conselho de Segurança431

, é emblemático nesse sentido. De acordo com o que se pode

inferir dos artigos 24 e 39 da Carta da ONU, as decisões do CS são de caráter eminentemente

político, e seu procedimento decisório é claramente dependente dos cinco países com poder

de veto. Em última análise, se o Estado vencedor da demanda na CIJ optar por pedir ao

Conselho para garantir o cumprimento da mesma, o mecanismo somente será efetivamente

utilizado após considerações de ordem política. A mesma situação é verificada na Corte

Européia de Direitos Humanos, cuja garantia das decisões é confiada ao Conselho de

Ministros432

.

Em outros casos, como o das decisões do órgão de apelação da OMC, o

descumprimento dá ao ganhador da demanda o direito de retaliar a outra parte. Interessante

notar, nesse caso, que apesar da decisão ser proveniente de um mecanismo multilateral de

solução de controvérsias, sua garantia é feita de forma bilateral. Essa, apesar de não ser a

ideal, é a opção viável nesse caso, uma vez que dificilmente um Estado alheio à demanda iria

se dispor a arcar com os custos políticos de impor uma sanção a outro, que poderia ser

inclusive um significativo parceiro comercial433

. Os Estados têm a opção de consagrar

arranjos genéricos e pouco precisos, que sejam, por essa razão, difíceis de ser aplicados. É o

que caso, por exemplo, com o artigo 39 do Estatuto da Corte Centro Americana de Justiça, o

qual determina que a Corte, em caso de descumprimento, deve submeter a questão aos

430

ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,

p.714, nota no.25, tradução do autor. 431

Ver A Caracterização do Movimento: Expansão e Especificidade Institucional, supra. 432

Ver art.46.2 do Protocolo 11. 433

Para uma compreensão das considerações políticas envolvendo os diferentes desenhos para os procedimentos

decisórios na esfera internacional, ver KAHLER, Miles, Multilateralism with Smal and Large Numbers,

International Organization, 46, 3, 1992, pp.681-708.

139

Estados Membro, que deverão, pelos meios ―pertinentes‖, garantir sua execução. Em

situações mais extremas, o custo pelo descumprimento da decisão será meramente político,

simplesmente em razão da ausência de um dispositivo que crie um mecanismo para sua

garantia, como ocorre com a Corte Interamericana de Direitos Humanos434

.

O que se percebe, portanto, é que a delegação da capacidade decisória acerca de

determinadas controvérsias não necessariamente significará que serão criados mecanismos

para garantir sua execução. Não se sustenta, dessa forma, a crença de que a

jurisdicionalização do Direito Internacional é condição suficiente para uma melhoria nos

meios de aplicação e implementação das normas jurídicas internacionais.

Uma vez caracterizado o recente aumento do número de cortes e tribunais

internacionais, bem como discutidas suas tendências (Título 1º) e alcances (Título 2º), pode-se

colocar com mais precisão o problema que é enfrentado nesse capítulo. Dessa forma,

considerando-se que (i) o movimento de jurisdicionalização se dá de maneira não uniforme,

tendo diferentes repercussões em cada uma das áreas do direito e das relações internacionais;

(ii) que essa expansão é marcada por uma transformação na natureza e competência das cortes

e tribunais internacionais; (iii) que os diferentes arranjos institucionais visam a solução de

problemas políticos específicos colocados nas diferentes áreas (especificidade normativa em

função da agenda); (iv) e que esses órgãos não formam um sistema judicial unitário; o

problema que se coloca é o de se estabelecer de que forma sua existência pode influenciar no

debate acerca da tensão entre unidade e fragmentação do próprio Direito Internacional. A

segunda parte do capítulo tem por objetivo a análise dessas questões.

PARTE II – JURISDICIONALIZAÇÃO E ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL

Seção I – O aumento no número de cortes e tribunais internacionais e o problema

da unidade do Direito Internacional

O objetivo dessa seção é, à luz das características do movimento de

jurisdicionalização, colocado na primeira parte desse capítulo, compreender suas repercussões

434

Quando do descumprimento de suas decisões, cujo caráter obrigatório é consagrado no art. 68.1 da

Convenção Americana de Direitos Humanos, deve a Corte indicá-lo, em seus informes anuais, à Assembléia

Geral da OEA, que não tem, contudo, competência para tomar medidas vinculantes a esse respeito. A única

provisão de algum meio de garantia das determinações das sentenças refere-se ao caso de pagamento de

indenizações compensatórias, quando ela poderá ser executada de acordo com as normas internas do Estado

condenado (art. 68.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos).

140

sobre a problemática acerca da unidade do Direito Internacional, discutida no primeiro

capítulo. O argumento será construído no sentido de se identificar, dentre as peculiaridades

decorrentes do aumento do número órgãos judiciais (não unitariedade, especialização

funcional e forte influência estatal), as causas para as principais ameaças à noção de unidade

do ordenamento jurídico internacional (possibilidade de conflito de jurisdições; conflito de

jurisprudência; e o fórum shopping). A partir desse panorama, será enunciada a tese de que

esse fenômeno segue a lógica proposta no primeiro capítulo – relativa à formação do

ordenamento jurídico internacional com base em um núcleo duro de valores fundamentais

associado à especificidade normativa em função da agenda. Por essa razão, argumentar-se-á

que a jurisdicionalização acaba por reforçar a aplicação e a unidade do DI.

1- A natureza do movimento de jurisdicionalização e sua potencial ameaça à

unidade do Direito Internacional

Conforme argumento exposto no primeiro capítulo, os teóricos que advogam a tese

da fragmentação do Direito Internacional pressupõem uma analogia entre as esferas

internacional e interna. É com base, portanto, nessa noção de unidade que afirmam que a

criação de cortes e tribunais internacionais contribui ainda mais para sua fragmentação. De

acordo com eles, a existência de órgãos judiciais internacionais com competências e

procedimentos específicos contribuiria decisivamente para a consolidação de regimes

autônomos (self-contained regimes)435

. Na medida em que eles consagrariam princípios e

dinâmicas próprias, funcionariam de forma independente, pelo que restaria comprometida a

unidade do DI436

.

Ao se analisar de forma mais detida cada um dos argumentos que defendem a tese

da fragmentação, o que se pode perceber é que retiram seu fundamento de três características

específicas do aumento do número de órgãos judiciais internacionais, discutidas na primeira

parte desse capítulo, a saber: (i) existência de um sistema judicial não unitário; (ii)

especialização funcional desses órgãos; e (iii) forte influência dos Estados em sua dinâmica.

O objetivo dessa discussão é, contudo, o de afirmar que esses argumentos abarcam apenas

parcialmente a dinâmica do movimento. Há, de acordo com a tese construída a seguir,

condicionantes estruturais que condicionam a dinâmica da jurisdicionalização a partir da

435

Para um profundo estudo da questão dos self-contained regimes, ver SIMMA, Bruno; PULKOWSKI, Dirk.

Of planets and the universe: self-contained regimes in International Law, 2006. 436

Ver, nesse sentido WEIL, Prosper. Towards relative normativity in International Law?, 1983; SHELTON,

Dinah. Centennial Essay - Normative hierarchy in international law, 2006.

141

tensão entre valores fundamentais e especificidade normativa em função da agenda. A partir

dessa constatação poder-se-á compreender onde se situa o ―equívoco‖ da abordagem

tradicional.

A peculiaridade do ordenamento jurídico internacional437

, que estabelece um sistema

normativo com padrões incipientes de hierarquização normativa, é um fator determinante para

inexistência de um sistema judicial internacional unitário438

. O aumento do número de órgãos

judiciais implica, dessa forma, uma estrutura de justaposição de jurisdições, cada uma das

quais consagrando arranjos normativos e institucionais específicos para as áreas sobre as

quais exercerão seu poder. Esse panorama, associado ao fato de que há vários pontos de

entrelaçamento entre as diferentes matérias da agenda internacional (como, por exemplo,

entre comércio, integração, e direitos humanos), cria um ambiente em que há a concreta

possibilidade de conflito entre a jurisdição desses órgãos439

. Esse seria é o primeiro pilar no

qual se fundam os defensores da tese da fragmentação.

O segundo elemento que dá sustentação a essa linha de argumentação decorre

justamente da diversidade e especificidade funcional das cortes e tribunais internacionais. Na

medida em que elas atuam a partir de um arcabouço normativo e institucional próprio, há o

risco de que cada um deles consagrem interpretações divergentes acerca de princípios gerais

do direito internacional. A possibilidade desse tipo de conflito de jurisprudência

comprometeria, no longo prazo, a frágil homogeneidade axiológica que mantém algum nível

de inter-relação entre as diversas áreas do DI440

.

O terceiro alicerce dessa abordagem está intimamente relacionado aos supracitados

mecanismos de controle estatal sobre a atuação desses órgãos441

. A existência desses

instrumentos criaria, no longo prazo, uma situação de dependência pragmática dos tribunais

em relação aos Estados; e esses apenas se utilizariam dos primeiros quando atendessem de

forma precisa a seus interesses. Nas palavras dos professores Posner e Yoo:

“Nós concebemos os tribunais internacionais como artifícios criados com o único

objetivo de resolver problemas („problem solving devices‟). Eles não transformam os

437

Ver A Constituição da Ordem Jurídica Internacional, no primeiro capítulo. 438

Ver Tendências Conjunturais, supra. 439

DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System and

the International Court of Justice, 1999, p.797. 440

KINGSBURY, Benedict, Foreword: Is the Proliferation of International Courts and Tribunals a Systemic

Problem?, p 690. 441

Ver, Os Estados ainda são os atores com $maior influência no comportamento das Cortes e Tribunais

Internacionais, supra.

142

interesses dos Estados, nem fazem com que os Estados os ignorem para o bem de um

ideal transnacional”442

.

É por essa razão que esses autores argumentam que tribunais internacionais

dependentes são mais eficazes quando comparados àqueles que guardam algum nível de

independência em relação aos Estados. Defendem, portanto, a tese de acordo com a qual

possibilidade de decisões contra os interesses estatais compromete seu próprio

funcionamento, na medida em que não há ―nada‖ na esfera internacional (ao contrário do que

ocorre na arena doméstica) que impeça os Estados de ignorarem a jurisdição desses

tribunais443

. De acordo com essa linha argumentativa, estaria consolidado, portanto, um

cenário no qual os Estados optam por submeter suas demandas àqueles órgãos que atendam a

suas necessidades (fórum shopping); o que criaria um círculo vicioso no qual ou os tribunais

se renderiam ao controle estatal ou estariam fadados ao fracasso444

.

Esses são, portanto, os três principais pilares dos argumentos daqueles que defendem

a tese de acordo com a qual o aumento dos órgãos judiciais internacionais reforça a

fragmentação do DI. O que se pode argumentar, de forma diversa, é que eles traduzem uma

visão parcial do movimento, que falha ao interpretar a própria dinâmica do sistema normativo

internacional. Como destaca Dupuy, parece perfeitamente normal a criação de instituições

cujo objetivo é controlar a aplicação e obediência dos novos conjuntos normativos

decorrentes do movimento de expansão do DI. A criação desses órgãos não pode ser analisada

como prejudicial ao sistema internacional. Deve, de uma forma diversa, ser compreendida

como a consolidação de um estágio de sua maturidade445

. A interpretação distinta de

princípios internacionais não é, igualmente, uma ameaça tão robusta quanto a enunciada por

esses autores. Como se sabe, a convivência de princípios contraditórios é inerente à própria

noção de ordem jurídica, e esses devem ser, no momento da aplicação, equalizados de acordo

com as vicissitudes do caso concreto.

442

Ver POSNER, Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, pp. 6-7,

tradução do autor. 443

Ver POSNER, Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, p. 13. 444

Helfer e Slaughter, em ensaio específico, criticam fortemente essa linha de argumentação, HELFER,

Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: A Response to

Professors Posner and Yoo, 2005. Cesare Romano, por sua vez, afirma que esses argumentos não têm nenhum

alcance significativo quando se analisa tribunais com jurisdição compulsória. Ver ROMANO, ROMANO,

Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International Adjudication:

Elements for a Theory of consent, 2007, pp.802-803. 445

DUPUY, Pierre Marie, The Danger of Fragmentation or Unification of the International Legal System and

the International Court of Justice, 1999, p.795.

143

2- A jurisdicionalização e a dinâmica entre os valores fundamentais e a

especificidade normativa em função da agenda

Como destacado anteriormente, a crescente tendência de adjudicação das

controvérsias internacionais deve ser compreendida a partir de um contexto normativo amplo,

que abarque tanto considerações de ordem política quanto de ordem jurídica. Os postulados

da abordagem da fragmentação podem ser, nesse sentido, contestados a partir de uma dupla

perspectiva. Por um lado, o anseio por uma plena uniformidade na interpretação

jurisprudencial é algo se mostra inviável inclusive para o Direito Interno. A situação é

certamente exponenciada na esfera internacional, na medida em que não há uniformidade nem

mesmo em relação ao padrão de criação de suas normas jurídicas446

. O que se deve ter em

mente, neste contexto, é a avaliação acerca da existência de um padrão valorativo que oriente

as decisões em torno de um objetivo social minimamente estabelecido. A corrente tradicional

(da fragmentação) falha na medida em que não faz considerações estruturais que dêem conta

dessa dimensão axiológica.

Por outro lado, como destaca Abi-Saab, “é claro que especialização significa

regimes específicos. Mas apesar de seu nível de particularidade e autonomia, não pode haver

um regime completamente independente dentro de uma ordem legal”447

. Essa observação se

aplica, continua a ele, não só às normas, mas também às instituições de um dado

ordenamento. A complexidade da ordem internacional gera, nesse sentido, uma demanda por

organismos especializados, capazes de responder de forma dinâmica e eficiente às

necessidades políticas de uma determinada área da agenda internacional. O que os teóricos

tradicionais não percebem é que esse sistema especializado, para que possa funcionar de

forma correta, carece de fundamentos comuns capazes de impedir seu desmoronamento,

ruindo-se em um amontoado de partículas pequenas e sem nenhuma finalidade quando

consideradas isoladamente448

. Afirma-se, nesse caso, que a especificidade funcional desses

órgãos só é viável em virtude da existência de um arcabouço normativo que lhe confira

objetivo e dinamicidade.

A ação das cortes e tribunais internacionais criaria, assim, um ―processo

acumulativo‖, que progressivamente condensaria e cristalizaria as distintas partículas desse

446

CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal System of the Growth of International Courts

and Tribunals, 1999, p. 699-705. 447

ABI-SAAB, Georges, Fragmentation or Unification: Some Concluding Remarks, 1999, p. 926, tradução do

autor. 448

Ver a discussão sobre normas primárias (regulatórias) e secundárias (constitutivas) na ordem jurídica

internacional, no primeiro capítulo.

144

modelo jurisdicional consensual em uma estrutura449

, que reforçaria os fundamentos

axiológicos da sociedade internacional e conferiria mais legitimidade ao próprio ordenamento

jurídico internacional. Há, nesse sentido, vários trabalhos que discutem a formação de uma

incipiente ―comunidade global de cortes‖ que, a partir de um diálogo transnacional,

contribuiria decisivamente para a internalização de uma cultura judicial na sociedade

internacional450

.

Pode-se inferir, diante do exposto, que a análise da dinâmica entre a constituição

axiológica do ordenamento jurídico internacional e sua especificidade normativa em função

da agenda é essencial para a avaliação dos impactos do aumento de cortes e tribunais

internacionais sobre esse sistema normativo. Há a necessidade, portanto, de se estudar de

forma mais precisa qual a inter-relação entre a jurisdicionalização e as duas dimensões ora

colocadas. O objetivo da seção que se segue é justamente o de dar conta deste debate. Ele será

feito a partir de considerações de ordem (i) política e (ii) normativa.

SEÇÃO II – Jurisdicionalização e Direito Internacional: uma análise jurídico-

política

A inserção do movimento de jurisdicionalização do Direito Internacional dentro de

um contexto estrutural é, como visto, essencial para a compreensão de seus reais efeitos sobre

o ordenamento internacional. Isso será feito, por um lado, a partir de considerações de ordem

política, cujo objetivo será o de estabelecer qual o papel dos órgãos judiciais nas relações

entre os Estados. Por outro, serão debatidas as repercussões normativas desse movimento,

para que então se possa refutar a tese da fragmentação e tecer algumas considerações finais a

respeito do problema.

Título 1 – Órgãos judiciais internacionais como variáveis intervenientes no jogo

político internacional

1- As implicações políticas de um tribunal internacional não são apenas explicados

pela dimensão da efetividade de suas decisões

449

ABI-SAAB, Georges, Fragmentation or Unification: Some Concluding Remarks, 1999, p. 927. 450

Ver, nesse sentido, SLAUGHTER, Anne-Marie, A typology of transjudicial Communication, 1995; e A

Global Community of Courts, 2003.

145

Na esfera internacional, a delegação da autoridade decisória a um terceiro

independente é uma escolha política dos Estados. Conforme a discussão do segundo capítulo,

a legalização é uma das opções que se colocam aos Estados como forma de regulação de seu

comportamento, como forma de resposta a uma demanda específica dele decorrente, que

envolve, igualmente, interesses de atores domésticos. É importante que se faça, assim, uma

análise dos tribunais internacionais enquanto instrumentos de ação política, ou seja,

instituições capazes de condicionar e modificar o comportamento dos atores.

Quando um problema dessa ordem é colocado, é natural que se tome o cumprimento

das decisões proferidas por esses órgãos como o principal indicador de sua efetividade. Vários

argumentos se baseiam, nesse sentido, em dados dessa ordem. Muitos autores estabelecem,

assim, uma relação direta entre (des)cumprimento de sentenças e (in)efetividade do DI. A

validade de um indicador como esse não pode, certamente, ser desconsiderada. Mas seu

alcance explicativo não deve ser, contudo superestimado. O que se argumenta, no âmbito

desse trabalho, é que o estudo acerca dessa questão precisa ser qualificado, para que se avalie

de forma menos pontual o papel das cortes e tribunais internacionais. Para que se inicie a

discussão, será útil um levantamento estatístico feito pelos professores Posner e Yoo, o qual

se reproduz a seguir.

TABELA 3.9 – NÚMERO DE DEMANDAS E CUMPRIMENTO DAS

SENTENÇAS451

Corte Anos

de

Casos Estados

Sujeitos

Casos Casos/ Conseti- Taxa

Completa

Opera- Arquivados /Ano Estado- mento de

ção Anos

*** Reputa-

ção

Consenti-

mento

Arbi- — — — 0,15 0,007 Bom 44-94%

tragem

PCA 104 33 88 0,32 0,004 — —

PCIJ 26 36 63 1,38 0,022 Ruim/misto —

ICJ- 57 30 62 0,53 0,008 Ruim 40%

Compul.

ICJ- 57 62 187 1,09 0,017 — 72%

outros

GATT 48 298 128* 6,21 0,05 Misto 38%

ECJ 51 12,800 15 251 17 Bom 82%

451

Fonte POSNER, Eric A; e YOO, John C., Judicial Independence in International Tribunals, 2005, p53.

146

ECHR

IACHR 44 24 1000s 32 44 21

1,33 — 0,06 Bom/Ruim 80% 4%

WTO 9 313 146 34,7 0,28 Misto 66%*

ITLOS 9 10 145 1,11 0,008 — —

ICC 1 0 92 — — — —

Afirmar, com base nos dados acerca do cumprimento das decisões, se o aumento do

número de cortes e tribunais internacionais implica (ou não) um reforço do Direito

Internacional, é algo bastante comum na doutrina. Esse tipo de abordagem desconsidera,

contudo, outros fatores e variáveis envolvidos nesse processo. A natureza da demanda é uma

das variáveis que exerce significativa influência na opção do Estado. Basta comparar, por

exemplo, uma decisão relativa a Direitos Humanos com uma sobre Comércio Internacional.

No primeiro caso, normalmente o benefício de sua implementação é concentrado, ou ao

menos se pode identificar um indivíduo (ou um determinado grupo social) que será

imediatamente atingido. Seus custos, por sua vez, tendem a ser difusos. Por outro lado,

quando se trata de uma relação comercial, os benefícios tendem a ser difusos e os custos

concentrados. Imagine uma situação na qual um Estado deva retirar tarifas abusivas que

impõe a um determinado produto. Os benefícios internos dessa ação atingirão aos

consumidores do mercado interno (preço menor do produto, decorrente do aumento da oferta

resultante de importações), ao passo que os custos se restringirão aos produtores domésticos

daquele bem. Considerando que em ambos os casos haja grupos de pressão domésticos

relevantes (ativistas de direitos humanos e sindicato de produtores, por exemplo), capazes de

influenciar na dinâmica eleitoral interna, pode-se afirmar, com alguma segurança, que a

implementação da decisão acerca dos Direitos Humanos tende a ser menos custosa452

.

Esse é apenas um exemplo do tipo de distorção que uma análise semiótica do

papel das cortes e tribunais internacionais pode causar. A simples criação de um órgão

judicial internacional pode ter repercussões relevantes nas arenas doméstica e internacional.

Ao resolver ingressar na OMC, por exemplo, um governo pode mitigar os custos de uma

redução de tarifas para determinado bem, a qual ele desejava fazer mas que se mostrava

inviável do ponto de vista estritamente doméstico. Isso porque a decisão de integrar a referida

organização teria também efeitos positivos sobre produtores de vários outros bens, e, o apoio

452

Essa argumentação se coaduna com a exposição feita na segunda parte do segundo capítulo, a partir da qual

pode-se compreender como grupos sociais domésticos exercem influência na opção política internacional de um

determinado Estado. Para um argumento semelhante, ver, GOLDSTEIN, Judith & MARTIN, Lisa. Legalization,

trade liberalization, and domestic politics: a cautionary note, 2000.

147

deles diminuiria o impacto da oposição do grupo defensor da política tarifária. Ademais, ao

fazê-lo o governo desse Estado ―terceiriza‖ o custo da decisão de retirar as tarifas, na medida

em que fora imposta por uma OI (e não por uma decisão unilateral do governo). Mesmo que

posteriormente esse governo opte por descumprir as normas e decisões da OMC em casos

específicos, não se pode negar que elas modificam os custos políticos (internos e

internacionais) da ação desse Estado453

.

2- Jurisdição e política: os poderes dos tribunais internacionais

Com base nessa constatação, faz-se necessária uma discussão mais detida acerca dos

poderes e implicações políticas que envolvem a criação de uma corte internacional. De uma

forma geral, a criação de organizações internacionais cria um arcabouço normativo

minimamente rígido, o qual definirá de forma clara os procedimentos de tomada de decisão

acerca de uma determinada matéria454

. O que se tem, portanto, é a definição prévia dos

interesses políticos que influenciarão decisivamente nas escolhas que serão feitas. Isso cria,

portanto, uma situação de estabilização do locus deliberativo, e permite o acesso a grupos que

de outra forma talvez não participariam da escolha política455

. Organizações Internacionais

têm o potencial de assumir, igualmente, um relevante papel para a formação das normas

jurídicas internacionais, na medida em que podem constituir um foro específico para a

discussão de tratados internacionais456

, ou como um eficaz instrumento de fixação de

significados e difusão e consolidação de princípios457

.

Essas considerações teóricas são aplicáveis, certamente, às cortes e tribunais

internacionais. Alvarez destaca, por exemplo, que esses órgãos reduzem custos

453

Ver, nesse sentido, LAGE, Délber A., Barganha Doméstica e Política Internacional: A Política Agrícola dos

EUA e sua Atuação em Fóruns Multilaterais, 2005. 454

O estabelecimento do processo de tomada de decisões é particularmente importante na medida em que ele irá

inserir ou excluir determinados grupos na estrutura de custos políticos. Ver, nesse sentido, discussão acerca de

instituições como variáveis do modelo de análise, na segunda parte do segundo capítulo. Mesmo que um Estado

não tenha, por exemplo, grupos de Direitos Humanos capazes de influenciar a opinião pública, quando ele opta

por ratificar, por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos ele reconhece a competência da

Comissão e da Corte. Ele abre espaço, nesse caso, para a participação inclusive de ONGs transnacionais cujo

objetivo é trabalhar junto a essas instituições para monitorar o comportamento dos Estados em relação à matéria. 455

Ver, nesse sentido, PROST, Mario; CLARK, Paul K.. Unity, diversity and the fragmentation of international

law: how much does the multiplication of international organizations really matter?, 2006, pp.348-354. 456

Ver, por exemplo, acerca do trabalho da CDI: FRANCK, Thomas M.; ELBARADEI, Mohamed. The

codification and progressive development of international law: a unitar study of the role and use of the

international la commission, 1982; MATHERSON, Michael J. The fifty-eighth session of the International Law

Commission. American Journal of International Law 98, 2007. 457

Ver, nesse sentido, ALVAREZ, José E.. International Organizations: then and now, 2006; BARNETT,

Michael N.; FINNEMORE, Martha. The Politics, Power and Pathologies of Internarional Organizations.

International Organization, 1999.

148

transnacionais, servem para legitimar determinados interesses estatais, ―aumentam a sombra

do futuro‖, facilitam comunicação entre os Estados, coletam e difundem informação458

.

Ademais, eles têm repercussões importantes para a reputação de seus integrantes, na medida

em que provêem credibilidade e legitimidade das ações desenvolvidas de acordo com suas

determinações459

, além de reduzirem os custos de monitoramento pelo descumprimento dos

compromissos assumidos, podendo, inclusive, aumentar o custo doméstico decorrente desse

curso de ação460

.

O que se pode concluir, por fim, é que eles definirão, a priori, os limites jurídicos a

partir dos quais se desenvolverá o jogo político. Não se trata, nesse caso, de uma exclusão da

política em detrimento do direito, mas sim da utilização deste como forma de incentivar um

determinado tipo de comportamento461

. Helfer e Slaughter destacam, nesse sentido, que a

participação dos Estados será incentivada se os custos imediatos de uma eventual condenação

forem superados pelos benefícios de longo prazo decorrentes da consolidação de um

determinado regime462

. Fica corroborada, nesse sentido, a tese anteriormente exposta que

afirma que a diferenciação funcional dos órgãos judiciais internacionais não só é uma

constante do movimento de jurisdicionalização do Direito Internacional, mas também uma

condição necessária para que eles sejam eficazes na consecução de seus objetivos.

Quando se opta pela criação de um mecanismo de solução de controvérsias relativo

a matérias comerciais, por exemplo, não se pode negligenciar o fato de que a liberalização

normalmente implica custos concentrados (para aqueles grupos que perderão a proteção das

políticas governamentais) e benefícios difusos (para todos aqueles que exportam produtos,

para os consumidores nacionais que têm acesso a mais bens por um preço menor). Entende-

se, a partir dessas considerações, a razão pela qual a OMC produz suas normas

multilateralmente mas consagra um mecanismo de garantia das decisões de seu órgão de

solução de controvérsias que é bilateral463

. Os mecanismos criados por esses órgãos, nesse

sentido, “alteram os cálculos de custo-benefício da defecção por aumentarem a possibilidade

458

ALVAREZ, José E., New Dispute Settlers: (Half) Truths and consequences, 2003, p.407. 459

Ver, nesse sentido, CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006,

p.410. 460

Ver, igualmente, ALTER, Karen, International Courts in International Politics: Four Judicial Roles and

Their Implications for State-IC relations, 2005, p.39. 461

Ver, BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, p.

371; e CARON, David, Towards a Political Theory of International Courts and Tribunals, 2006, pp. 411-422,

quando o autor define um modelo para se analisar os tribunais internacionais como instrumentos estratégicos de

limitação de interesses políticos (theory of bounded strategic space). 462

HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: A

Response to Professors Posner and Yoo, 2005, p 35. 463 Ver discussão do tópico A jurisdicionalização não necessariamente implica adoção de padrões mais rígidos

para aplicação e implementação das normas internacionais, supra.

149

de detecção [desse comportamento], resolver problemas de interpretação, e garantir as

sanções impostas ou criar regras diretamente aplicáveis no direito doméstico464

”.

A dinâmica entre normas jurídicas e política é, portanto, elemento indispensável

para a compreensão do papel dos órgãos judiciais internacionais. Charney nos atenta, por

exemplo, para a grande discrepância entre o orçamento da Corte Internacional de Justiça (US$

11 milhões) e do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (US$ 70 milhões465

), o que

indicaria, em sua visão, a falta de interesse da comunidade internacional em reforçar o papel

da CIJ como uma ―Corte Internacional Suprema‖466

. Fora reforçada, anteriormente, a estreita

relação entre a dimensão de acesso e a quantidade de casos em um determinado tribunal, bem

como da relação entre a utilização de remédios domésticos e o cumprimento das decisões.

Deve-se, por fim, destacar o papel da própria jurisprudência na construção de uma imagem

sólida do tribunal junto à comunidade internacional. Como ressaltam Keohane, Moravicsik e

Slaughter, a decisão da CIJ no caso das Atividades e Paramilitares na Nicarágua, quando a

Corte adotou uma posição extremamente extensiva para julgar sua competência em relação ao

caso (contra os interesses dos EUA), ensejou um substancial aumento nas demandas

propostas por países em desenvolvimento467

. Concluem, portanto, os autores que é a

interação entre direito e política, e não a ação isolada de cada um deles, que gera decisões e

determina sua efetividade468

”.

Titulo 2 – Órgãos Judiciais Internacionais como agentes de produção normativa

Ao se conferir a competência para que um tribunal resolva controvérsias

internacionais de acordo com um conjunto normativo preexistente, automaticamente se

confere a ele um mandato implícito para que preencha lacunas e amenize suas ambigüidades.

464

SMITH, James McCall, The Politics of Dispute Settelment Design: Explaining Legalism in Regional Trade

Pacts, 2000, p.143, pp. 138-139, tradução do autor. 465

Valores de 1998. 466

CHARNEY, Jonathan I., The Impact on the International Legal System of the Growth of International Courts

and Tribunals, 1999, p. 703. 467

KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute

Resolution: Interstate and Transnational, p.480. Para uma consistente análise da ação dos países em

desenvolvimento em relação aos tribunais internacionais, ver ROMANO, Cesare P.R.. International justice and

developing countries: a quantitative analysis; e International justice and developing countries (continued): a

qualitative analysis, 2002. 468

KEOHANE, Robert O.; MORAVCSIK, Andrew; & SLAUGHTER, Anne-Marie. Legalized Dispute

Resolution: Interstate and Transnational, p.488, tradução do autor.

150

Como destacam Helfer e Slaughter, isso dá a esses órgãos ao menos uma mínima capacidade

de produção normativa469

. Cesare Romano, nesse sentido, afirma que:

“Juízes internacionais estão bem advertidos para o fato de que, ao proferir

julgamentos, estão de fato, senão de direito, contribuindo para o desenvolvimento de

da ordem legal. Fazendo isso os juízes internacionais afetam uma comunidade que é

realmente muito maior do que as partes envolvidas na ação470

”.

Diante dessa constatação, pode-se formular a tese de que é da tensão entre os

interesses particulares envolvidos numa lide e o interesse da comunidade (em se garantir pelo

cumprimento do Direito Internacional um nível de estabilidade e segurança nas relações

internacionais) que se consolida o papel das cortes e tribunais internacionais enquanto agentes

normativos. Para que se possa mostrar sua viabilidade teórica, segue análise tanto do interesse

particular na resolução de conflitos (1) quanto do alcance comunitário de uma decisão judicial

internacional (2).

1- Interesse particular na resolução de controvérsias como fundamento imediato da

atuação jurisdicional

Ao se analisar a dinâmica da delegação na esfera internacional, não se pode

negligenciar o fato de que o fundamento primeiro (imediato) para a atuação de cortes e

tribunais internacionais é a necessidade que os Estados demandantes têm de resolver suas

controvérsias. A jurisdição desses órgãos se justifica, nesse sentido, na medida em que

responde aos anseios manifestos pelo consentimento dos Estados. Como destaca Leonardo

Brant, a autoridade positiva da coisa julgada internacional é claramente consensual471

. O

argumento, nesse sentido, se coaduna com as idéias expostas anteriormente, quando se

argumentou que o desenho institucional dos tribunais deve, necessariamente, responder às

necessidades e particularidades de cada uma das áreas sobre as quais têm jurisdição.

469

HELFER, Laurence R.; & SLAUGHTER, Anne-Marie, Why States Create International Tribunals: A

Response to Professors Posner and Yoo, 2005, p. 39. 470

ROMANO, Cesare P.R., The Proliferation of International Judicial Bodies: The Pieces of The Puzzle; 1999,

p. 751, tradução do autor. 471

O autor distingue, nesse caso, duas dimensões distintas da coisa julgada. Em sua dimensão negativa, ela se

traduz a obrigatoriedade da decisão em virtude do caráter jurisdicional da atuação dos tribunais internacionais

(perspectiva formal). Em sua dimensão positiva, avalia-se a eficácia da sentença a partir da adequação do

comportamento das partes ao que fora por ela determinado. BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade da

Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, p. 255.

151

A estreita relação entre o consentimento estatal (enquanto manifestação particular de

seu interesse) e o exercício da jurisdição internacional levanta, contudo, uma questão

significativamente complexa para o atual sistema judicial internacional. Considerando-se que

(i) esse sistema não é unitário, motivo pelo qual há a concreta possibilidade de conflito de

jurisdições472

; que (ii) o fundamento imediato da atuação jurisdicional é a composição de um

determinado conflito; e que (iii) o exercício dessa jurisdição é altamente dependente da

vontade estatal; o problema que se coloca é o de se determinar qual deve ser o curso de ação

caso aconteça, em virtude da provocação de um Estado, um conflito entre decisões de

tribunais diversos sobre um mesmo caso concreto.

Uma análise mais detida sobre as situações nas quais pode ocorrer esse conflito

extrapola o objetivo desse trabalho. Entretanto, é interessante notar que há três casos em que

ele pode ocorrer: (i) conflito entre duas jurisdições compulsórias; (ii) conflito entre duas

jurisdições consensuais e (iii) conflito entre uma jurisdição consensual e outra compulsória473

.

A solução desses casos perpassa pela equalização entre o consentimento dos Estados para a

atuação desses órgãos (e a conseqüente externalização do desejo de ver a controvérsia

definitivamente decidida) e a indagação se deve ou não ser permitido que os próprios Estados

se valham desse tipo de artifício para criar uma espécie de mecanismo informal de revisão de

sentenças. O dilema se coloca, então, a partir da dificuldade de se perceber se um conflito

como esse gera um reforço da noção de jurisdição internacional (na medida em que os

Estados reiteradamente se manifestam no sentido de solucionar a controvérsia) ou se, por

outro lado, há um desafio à sua autoridade (uma vez que a constante possibilidade de ―revisão

informal‖ de uma decisão internacional pode gerar nos Estados um sentimento de insegurança

jurídica).

Quando se tratar de duas jurisdições consensuais, talvez esse dilema seja

solucionado de forma mais simples, na medida em que os interesses envolvidos são quase que

circunscritos às duas partes, e, na medida em que ambos optaram por submeter a controvérsia

a outro órgão não há, pelo menos a princípio, nenhuma ameaça à segurança jurídica. A

situação se mostra mais complexa, contudo, nas situações em que houver conflitos

envolvendo pelo menos uma jurisdição compulsória. Duas considerações são, nesses casos,

relevantes: a primeira refere-se ao fato de que a segunda demanda pode ser iniciada sem o

472

Ver A natureza do movimento de jurisdicionalização e sua potencial ameaça à unidade do Direito

Internacional, supra. 473

Para uma análise robusta das hipóteses de conflito envolvendo essas situações, ver ROMANO, Cesare P.R.,

The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International Adjudication: Elements for a

Theory of consent, 2007, pp. 834-844.

152

consentimento específico de uma das partes; e a outra é relativa ao fato de que uma jurisdição

compulsória certamente é imbuída de um forte apelo comunitário. Como dito, a solução desse

tipo de conflito envolve uma série de considerações de ordem estrutural, e não se pode, pelo

menos no atual contexto, se estabelecer uma regra geral que consiga dar conta dos problemas

daí resultantes474

.

2- O interesse comunitário como fundamento mediato da atuação jurisdicional

A problemática do alcance normativo de uma decisão judicial internacional não

pode, contudo ater-se apenas à dimensão particular da resolução de um dado conflito.

Conforme se argumentará, ela deve ser compreendida à luz da necessidade social de

estabilidade e convivência harmônica dos integrantes da sociedade internacional, que,

ultimamente, é condicionada pela observação de valores que assumiram status

diferenciado475

. A transposição da dimensão inter-partes de uma decisão fora, com precisão,

colocada por Hersch Lauterpacht:

“Como cortes nacionais, também os tribunais internacionais, pela própria natureza

da função judicial, não estão confinados a uma aplicação puramente mecânica da lei.

Ao aplicar a regra legal necessária ao caso concreto, eles criam a norma para o caso

individual que lhes fora submetido. A real operação do direito em uma sociedade é

um processo de cristalização gradual da norma abstrata

No direito internacional o escopo desse aspecto da atividade judicial é muito mais

amplo; a consciente criação normativa pela legislação, na sociedade internacional,

está em um estágio rudimentar, a criação de normas costumeiras é lenta e de difícil

identificação, e o precedente judicial é relativamente raro e de autoridade

controversa. (...) Dessa forma, o alcance normativo das decisões judiciais é de

especial importância para o propósito de solucionar as disputas pelo

desenvolvimento e adaptação da lei das nações, dentro da órbita do direito existente,

para as novas condições da vida internacional por meio de um processo de

interpretação judicial equânime e plausível476

”.

474

Cesare Romano chega a propor a interação entre três tipos de abordagens: a tecnocrática/legalista; a

sociológica/jurisprudencial e a do não-engajamento/defecção. Essa solução não se mostra, contudo, definitiva, na

medida em que não há como se estabelecer um padrão para determinar em que medida será cada um deles

aplicado. ROMANO, Cesare P.R., The Shift from the Consensual to the Compulsory Paradigm in International

Adjudication: Elements for a Theory of consent, 2007, p 867. Leonardo Brant, ao analisar a possibilidade de

flexibilização do princípio da autoridade da coisa julgada no DI constata, igualmente, a tensão entre a

necessidade social de solução de conflitos e a demanda por segurança, além de enunciar o caráter ainda

―rudimentar‖ dos instrumentos disponíveis para tratar da questão. BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade

da Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, pp. 379-440. 475

Ver discussão sobre ordenamento jurídico internacional, no primeiro capítulo. 476

LAUTERPACHT, Hersch, The Function of Law in the International Community, 1933, pp.255-256, tradução

do autor. Para uma discussão do pensamento de Lauterpacht, ver KOSKENNIEMI, Martti, Lauterpacht: The

Victorian Tradition in International Law, 1997.

153

A discussão do alcance normativo das decisões dos órgãos judiciais internacionais

remete, portanto, à equalização entre a função jurisdicional, o interesse das partes envolvidas

(fundamento imediato) e o interesse social de estabilidade e segurança envolvido nessa

relação (fundamento mediato). Nas palavras de Leonardo Brant:

“(...) é claro que o caráter obrigatório e definitivo da sentença internacional

encoraja o estabelecimento e a coexistência de um direito internacional híbrido, a

meio caminho entre o voluntarismo contratual e a autoridade hierárquica de um

terceiro. Ele reflete assim a contradição atual do direito internacional que aparece

em seu conjunto como o resultado da dialética entre o movimento que leva os Estados

a afirmar sua soberania, e o que os obriga a reconhecer sua necessária

interdependência. Isto significa que o princípio da autoridade da coisa julgada

registra a ambigüidade que leva os Estados a se ater a sua independência,

registrando sua interdependência477

”.

A dinâmica entre essas três dimensões se mostra particularmente caracterizada nas

discussões acerca do alcance de uma decisão jurisdicional que consagre uma norma de jus

cogens ou uma obrigação erga omnes. Por um lado, o postulado do consentimento estatal para

o exercício da jurisdição (interesse imediato) é garantido pelo efeito apenas inter-partes das

sentenças. Por outro, a necessidade de observância das normas que consagrem valores

fundamentais da sociedade internacional para que suas relações se desenvolvam de forma

estável e segura se exponencia no caráter mediato das provisões judiciais.

Do ponto de vista prático, apesar da limitação da obrigatoriedade das decisões

apenas para as partes – o que faz com que esse reconhecimento não alcance, a princípio os

outros Estados – o reconhecimento de uma obrigação erga omnes tem uma implicação

material significativa. Afinal de contas, trata-se de uma situação na qual um órgão judicial

com expertise e legitimidade afirma ser latente a existência de uma norma que, por definição

todos devem obedecer. Outros Estados não são, frise-se, obrigados pela sentença. Deve-se

salientar, contudo, que a ação de acordo com a norma (cuja existência fora declarada pelo

tribunal) é imperativa. A repercussão de uma decisão como essa na sociedade internacional é

de tal ordem que os principais órgãos judiciais internacionais se mostram reticentes ao tratar

do assunto, e não há nenhum sinal de homogeneidade nas opiniões doutrinárias a esse

respeito478

.

477

BRANT, Leonardo Nemer C., A autoridade da Coisa Julgada no Direito Internacional Público, 2002, p. 275,

notas de rodapé omitidas. 478

Ver, por exemplo, WEIL, Prosper. Towards relative normativity in International Law?, 1983; e SHELTON,

Dinah. Centennial Essay - Normative hierarchy in international law, 2006.

154

CONCLUSÃO

Ao se analisar a dinâmica de jurisdicionalização do Direito Internacional, pode-se

perceber que ela acompanha o atual estado de maturidade da sociedade internacional –

claramente marcado por uma tensão entre o voluntarismo inerente ao atributo da soberania e a

formação de um núcleo duro de valores comunitários que orientam o desenvolvimento das

relações na esfera internacional. Por um lado, os Estados ainda mantêm um alto nível de

controle sobre a atuação das cortes e tribunais internacionais, e não houve nenhum esforço

para a construção de um sistema judicial unitário. Por outro, assiste-se a uma tendência de

delegação em várias áreas da agenda internacional, que implica a proliferação de corpos com

jurisdição e estrutura funcional diferenciada. Seus efeitos são exponenciados pela adoção do

paradigma compulsório e abertura dos procedimentos à participação de atores não estatais.

Quando estudado à luz de considerações de ordem política, esse contexto permite a

inferência de que as cortes e tribunais internacionais reforçam a instrumentalidade do Direito

como uma forma de composição e regulação das relações na esfera internacional. Do ponto de

vista jurídico, por sua vez, o que se pode perceber é que a atuação jurisdicional tem sua

dinâmica condicionada por um movimento pendular, ora dominado pelo interesse particular,

ora impulsionado pelos anseios comunitários. Os tribunais assumem, nesse contexto, um

papel cada vez mais significativo, e seus impulsos pela observância das normas e princípios

internacionais vão sendo consubstanciados na crescente afirmação do direito enquanto

condicionante estrutural do comportamento na sociedade internacional.

155

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ANEXO I – CARTA SINÓPTICA

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ANEXO II – MATRIZ DE CORTES E TRIBUNAIS

INTERNACINONAIS