A Liberdade Natural Da Mente No Dzogchen Ou Grande Perfeição

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  • 8/18/2019 A Liberdade Natural Da Mente No Dzogchen Ou Grande Perfeição

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    A Liberdade Natural da Mente no Dzogchen ou Grande Perfeição

    Paulo Borges - Presidente da União Budista Portuguesa

    “Abandonai pois a mente que imagina alvos

    E, sem nada conceber, permanecei sem corrigir nem alterar o que se manifesta.

    Sem distinguir o sujeito do objecto, ficai na grande liberdade natural”

    - Longchenpa

    Pretende este estudo apresentar alguns aspectos fundamentais dos ensinamentos e prática do

    Dzogchen ou “Grande Perfeição” a partir da trilogia ! li"erdade natural da mente de

    Longchenpa #$%&'-$%(%) um dos mestres mais eminentes da primeira tradição do "udismo

    ti"etano a dos !ntigos ou *+ingmapa, onsiderado na classificação da mesma escola e na

    perspecti.a da .ia gradual #lam rim) como o /ltimo e supremo dos no.e .e0culos para o

    reconhecimento da natureza primordial da mente e de todos os fen1menos - a natureza de

    Buda designação não de uma figura hist1rica mas da realidade plenamente iluminada - o

    Dzogchen 2 toda.ia em si mesmo não propriamente uma .ia ou um .e0culo mas o pr1prio

    estado de e3peri4ncia imediata da perfeição natural e a"soluta de todas as coisas

    independente dos m2todos e práticas 5ue o podem preparar e mesmo de 5ual5uer tradição

    religião ou escola espec0ficas , !testa-o o facto do Dzogchen não ser e3clusi.o do "udismo

    mas surgir tam"2m na tradição B6n a anterior religião do 7i"ete com linhagens pr1prias 5ue

    ainda ho8e o .eiculam , *ão sendo se5uer procedente do 7i"ete apesar de a0 se ha.er

    desen.ol.ido e preser.ado a tradição B6n e mestres "udistas como *am9ha: *or"u

    ;inpoch2 consideram 5ue o Dzogchen foi primeiro ensinado por

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    humana cerca do ano $'I !, , no reino de Cddi+ana no *oroeste da Jndia , De Cddi+ana

    procederam tam"2m muitas linhagens de mestres dos 7antras superiores .erificando-se a0 o

    miraculoso nascimento de Padmasam"ha.a igualmente mestre Dzogchen e futuro introdutor

    do "udismo tKntrico no 7i"ete, *ão tendo uma origem ti"etana o Dzogchen 2 considerado

    por *am9ha: *or"u um dos seus maiores representantes actuais como algo 5ue nãopertencendo propriamente ao "udismo nem ao B6n 2 toda.ia a ess4ncia de toda a

    espiritualidade e logo da cultura ti"etana podendo ser utilizado como uma cha.e para a sua

    compreensão glo"al , 7oda.ia se o Dzogchen 2 fonte de filosofia religião e cultura 2 por5ue

    nada disso 2 mas antes a e3peri4ncia concreta de desco"erta e fruição do estado primordial

    de si e de todas as coisas uma plenitude li.re de todas as ela"oraçes iluses e artif0cios,

    Uma plenitude 5ue não se reduz M e3peri4ncia da .acuidade mediante a mera aus4ncia de

    conceitos #em ti"etano mito9pa) mas 5ue integra tal como na a"ordagem tKntrica toda a

    energia 5ue 2 a sua manifestação cont0nua em todas as suas esferas mesmo a conceptual e

    emocional sem procurar corrigir o 5ue 5uer 5ue se8a, Hsta a diferença em termos de m2todo

    e de “resultado” entre uma .ia s/"ita como o Een e uma não .ia como o Dzogchen ,

    N esse estado primordial não dual e sempre presente da mente e dos fen1menos ou numa

    perspecti.a 8á e3terior de todos os seres e coisas 5ue se designa como *atureza de Buda a

    5ual 2 alheia M representação ha"itual do "udismo como doutrina 2tica filos1fica ou

    religiosa, 7oda.ia a transmissão da e3peri4ncia de reconhecimento e fruição desse estado

    5ue pode ser directa mediante o esp0rito sim"1lica por o"8ectos imagens e pará"olas ou

    oral e escrita recorrendo M pala.ra e ao intelecto adapta-se naturalmente não s1 Msdiferentes capacidades e disposiçes dos indi.0duos mas ainda aos seus paradigmas culturais,

    N assim 5ue em termos e3teriores e para as necessidades de classificação intelectual surge

    um "udismo e dentro deste um "udismo indiano um "udismo chin4s 8apon4s ti"etano

    etc, *a .erdade na e3peri4ncia "/dica ou se8a na e3peri4ncia do Despertar da ilusão de

    todos os pressupostos refer4ncias e conceitos não há "udismo nem se5uer Buda não por5ue

    dei3e de ha.er um su8eito 5ue antes realmente e3ista mas por5ue dei3a de ha.er a ideia de

    ha.er de ter alguma .ez ha.ido e de poder alguma .ez ha.er e logo de poder cessar um

    su8eito intr0nseca e a"solutamente e3istente como o indicam os te3tos onde se e3pe a

    .erdade a"soluta como o a 5ue designa a luz /nica de tudo o 5ue

    se manifesta de tudo o 5ue aparece e3terna ou internamente, ! nossa intimidade 2 o mundo

    e somos a intimidade do mundo,

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    #usamos a pala.ra “mente” em .ez de “esp0rito” para e.itar conotaçes su"stancialistas ou

    religiosas), Hn5uanto ao *irmana9a+a corpo de aparição f0sica corresponde nesta era o Buda

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    muito mais árduo do 5ue a"andonar-se Ms o"8ecti.açes da mente e Ms distracçes do re-agir

    5ue geram e reproduzem o ilus1rio mundo con.encional,

    7radicionalmente e normalmente ao menos no "udismo os ensinamentos Dzogchen não se

    comunicam senão como corolário da .ia gradual mais ou menos longa segundo as 5ualidadese aplicação dos disc0pulos em 5ue primeiro se renuncia ao sofrimento e Ms suas causas os

    dez actos negati.os de corpo pala.ra e mente depois se transforma o egocentrismo pelo

    culti.o do Bodhicitta o esp0rito de Rluminação tendo em .ista atingir o estado de Buda para

    li"ertar todos os seres do sofrimento da e3ist4ncia condicionada e depois se transmutam

    progressi.amente todos os conceitos e emoçes na e3peri4ncia da .acuidade /ltima de si e de

    todos os fen1menos, *esta perspecti.a antes do acesso ao Dzogchen 2 suposto 5ue a mente

    se ha8a esta"ilizado na prática da meditação com suporte em 5ue a concentração

    unidireccionada na respiração ou num o"8ecto e3terior ou interior proporciona a calma

    mental shin2 tendo-se depois emancipado dos suportes meditati.os na e3peri4ncia da .isão

    profunda lha9tong em 5ue todos os fen1menos e3teriores e interiores são acolhidos com

    e5uanimidade sem nada re8eitar ou adoptar numa consci4ncia panorKmica e não-dual ,

    7oda.ia e em si mesma a e3peri4ncia do Dzogchen 2 a da perfeição e iluminação eterna

    actual e natural da mente e de todos os fen1menos e como tal pode irromper su"itamente

    independentemente de 5uais5uer m2todos ou e3erc0cios preparat1rios, N nesse sentido 5ue 2

    apresentado como um ensinamento al2m da lei de causa e efeito pois consiste na introdução

    directa ao incondicionado al2m do pensamento e da acção dualista ou se8a al2m do 9arma ,

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    onsidera-se 5ue a o"ra 5ue nos ocupa ;angdr6l horsum em ti"etano pertence a uma das

    tr4s s2ries de ensinamentos DzogchenO semd2 a “s2rie da mente” dita mais apropriada para

    os intelectuais a5ueles 5ue carecem de racioc0nios para compreender, N uma trilogia sendocada uma das suas partes composta por dois te3tos, C primeiro 2 um longo poema em .erso

    em tr4s cap0tulos 5ue e3pem a .isão a meditação e o fruto sendo o segundo um d6ntri

    uma “instrução essencial” so"re a prática 5ue indica o modo de nela se integrar a .ida

    5uotidiana a e3peri4ncia do sono e do sonho e a dos .ários "ardo ou estados interm2dios

    5ue se sucedem ao momento da morte, !ctualmente os comentários a respeito da presente

    o"ra perderam-se,

    Da trilogia elegemos a terceira parte intitulada “! Li"erdade natural da igualdade segundo a

    Grande Perfeição” te3to 5ue o tradutor e apresentador Philippe ornu considera “o mais

    radical e V,,,W a"rupto dos tr4s” , omeçando pela homenagem ao Buda primordial

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    concepção-impulsão e consci4ncia dualista - são desde o in0cio reconhecidos como “os "udas

    das cinco fam0lias” do mesmo modo 5ue os cinco elementos c1smicos - terra água fogo ar

    e 2ter-espaço - são as suas respecti.as consortes consoante a iconografia tKntrica , Cu se8a

    todas as formas da e3peri4ncia mental e sens0.el do mundo todas as percepçes são o

    pr1prio estado natural e primordial de iluminação,

    Fista na luz 5ue 2 a sua a luz primordial e sempre instante “a e3ist4ncia fenomenal 2

    a"solutamente pura”, Li.res da parcialidade do “intelecto discriminante” da errKncia

    especulati.a da normati.idade moral acerca do 5ue há a fazer e a e.itar e da ascese 5ue

    supe “n0.eis de progressão” ou .ias por ren/ncia e adesão li.res como diz Longchenpa “de

    todas as .eleidades” T poder0amos dizer glosando o Hclesiastes #$ X) de todas as “.aidades”

    - 5ue “se esgotam a 5uerer corrigir o c2u” li.res “de todo o artif0cio corruptor” todas as

    coisas são o esplendoroso e espontKneo desdo"ramento e cumprimento da “realidade

    a"soluta”, *ada sendo estranho M natureza imaculada e imaculá.el do ;eal alheia a 5ual5uer

    noção de identidade e diferença união e cisão uno e m/ltiplo ser e não-ser toda a

    fenomenalidade tudo o 5ue na perspecti.a das consci4ncias dualistas emerge como puro e

    impuro samsara e nir.ana uni.erso seres e Budas 2 .isto como o seu “prod0gio mágico” ou

    “8ogo” ilus1rio - note-se 5ue a ilusão remete a5ui menos para o sentido de erro ou engano

    consistentes no tomar como e3istente o 5ue o não 2 dominante na ontognosiologia ocidental

    do 5ue para a5uele outro de ironia e di.ersão l/dica afim M il-lusio onis latina ou mais de

    impulso criador mantido no castelhano e plenamente assumido entre n1s no pensamento

    po2tico de 7ei3eira de Pascoaes , *ão sendo a realidade interpretada em termos de seresmas de fen1menos igualmente .azios e aparentes en5uanto formas 5ue emergentes na

    interdepend4ncia com todas as demais e com a pr1pria percepção transcendem toda a

    caracter0stica conceptual e não possuem su"stancial e3ist4ncia pr1pria nada em .erdade

    e3iste independentemente desse incriado 8ogo criador 5ue 2 simultaneamente repouso e

    mo.imento,

    ! manifestação 2 assim radicalmente irrepresentá.el sem su"stKncia fundamento origem

    causa ou fim não ha.endo em si ou fora de si algo de fi3o e categorizá.el o 5ue mostra o

    .azio de “todas as designaçes intelectuais”, C 5ue não impede 5ue se8a na mesma realidade

    /nica omni-en.ol.ente como o “espaço” 5ue se manifestem os m/ltiplos “sistemas

    filos1ficos” procedentes do “intelecto discriminante” os 5uais como todas as coisas

    igualmente se “reunificam” e li"ertam no “esp0rito de despertar da Grande Perfeição” , !

    li"ertação das eti5uetas mentais a e.asão da “gaiola das diferentes filosofias” acompanha-

    se da dos estados psicol1gicos reconhecendo-se a insu"stancialidade das “alegrias e penas”

    ou dos “altos e "ai3os” da e3ist4ncia ,

    ! e3peri4ncia da Grande Perfeição de tudo desde o in0cio e desde sempre o des.elamentode todos os fen1menos como a pr1pria natureza de Buda cumpre o fito dos .ários n0.eis de

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    ascese "udista na e3acta medida em 5ue mostra a sua ilusão constituti.a, !ssim desde os

    “tr4s .e0culos da causa” os dois n0.eis do Qina+ana e o =aha+ana aos seis .e0culos da

    “fruição” do 7antra+ana e3ternos e internos incluindo o pr1prio !ti+oga onde o Dzogchen

    emerge se denuncia como todos afinal “em"araçam” a “mente imaculada” “no esforço na

    realização no a"andono na adopção” ou ainda no caso do !ti+oga no apego ao“inconce"0.el” , N 5ue se “o esp0rito de despertar 2 a pr1pria ess4ncia do espaço” ou se8a

    se a Rluminação 2 natural e omni-englo"ante não há se5uer lugar para 5ue alteridade alguma

    se lhe acrescente ou a diminua, “Cnde se encontra então a5uele 5ue percorre a .ia do

    despertar Y” - interroga Longchenpa sugerindo 5ue na s/"ita assunção e reconhecimento

    pela mente 5ue 8ulga progredir em direcção ao real e M .erdade da sua iner4ncia aos

    mesmos cessa a ficção do Dharma como uma .ia e da Budeidade como algo a ser realizado ou

    atingido por algu2m, ontemplação 5ue 2 a ess4ncia mesma da sa"edoria transcendente

    transcendente da pr1pria noção de ha.er sa"edoria e sua realização de um su8eito 8á

    segundo o Pra8na-paramita sutra , 7odos os des.ios e o"scurecimentos dos 5uais resulta a

    ideia de progresso espiritual procedem do intelecto 5ue não a"dicando da apreensão

    o"8ecti.ante se o"stina em “olhar a0 onde não há nada a .er” .elando-se ilusoriamente a luz

    pr1pria tanto mais 5uanto assim porfia na zelosa "usca da .irtude e do conhecimento,

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    das e3ist4ncias condicionadas pelo ilus1rio auto-condicionamento da mente 5ue ignora a sua

    perfeição inata e pelo sucedKneo dese8o-a.ersão se e3tra.ia no "em e no mal nas

    “a"sorçes meditati.as” e no apego M .acuidade tanto nos mundos inferiores como nos ditos

    superiores do plano do dese8o da forma e do sem forma ,

    *a conclusão deste primeiro cap0tulo dZ “! Li"erdade natural da igualdade segundo a Grande

    Perfeição” 5ue diz tratar “da li"ertação dos seres de capacidade superior pelo meio da

    realização da "ase” Longchenpa apresenta uma .isão a"solutamente pura não dual das

    “apar4ncias” tão despro.ida de “esforço” e “ela"oração” como elas mesmas, =ente e

    apar4ncias mente-apar4ncias e apar4ncias-mente “/nica realidade a"soluta imutá.el” onde

    insepara.elmente “as coisas aparecem como formas .ariadas incessantes e indi.idualizadas”

    são “o pr1prio estado da Grande Perfeição natural”,

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    este sentido negati.o da sua errKncia parece ser inerente ao facto de se imaginarem m2t-

    odos .ias sentidos e o"8ecti.os 5uando tudo 2 desde sempre e para sempre li.re dos nossos

    conceitos de origem fim lugar sentido ou rumo, =as sem nos refugiarmos do 5ue 2 como o

    5ue instantaneamente ad.em sem nos reproduzirmos como “cadá.eres adiados” na mem1ria

    do passado ou em pro8ectos de futuro sem nos adiarmos mais se8a por medo ou poresperança se8a em nome da moral da filosofia ou da religião do homem de Deus ou do

    Buda tudo 2 Grande Perfeição, 7udo 2 Grande Perfeição, [ue al0.io \