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1ª edição São Bernardo do Campo Lamparina Luminosa, 2011 A Mineirinha e outras histórias

A Mineirinha e outras histórias

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A Mineirinha e outras histórias é composto por quatorze contos de quatorze alunos de uma turma do MOVA (Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos). Trata-se de uma coleção de lembranças, fragmentos de vida, momentos simples, mas marcantes, que este grupo possui. Momentos estes bem conservados na memória de cada um e que Lamparina Luminosa ajudou a resgatar, reorganizar e publicar nestas páginas. Todos os alunos, autores dos textos, vêm de outros estados do país por motivos diferentes. Há quem fugiu de extremas condições de vida em busca de trabalho, quem se mudou por amor e quem veio em busca de um sonho. Nenhum deles tem uma formação escolar, mas todos sabem falar da profunda experiência em praticar um ofício comum a todos: ser pessoa.

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Page 1: A Mineirinha e outras histórias

1ª edição

São Bernardo do Campo

Lamparina Luminosa, 2011

A Mineirinhae outras histórias

Page 2: A Mineirinha e outras histórias

A mineirinha e outra histórias

São Bernardo do Campo: Lamparina Luminosa, 2011

ISBN 978-85-64107-01-4

Série Narrativa, ficção e contos brasileiros

1. A Mineirinha e outras histórias

CCD: B869.3

Esta obra é publicada digitalmente no blog:

editoralivrepopularartesanal.blogspot.com

As licenças deste livro permitem copiar, distribuir, exibir e executar as obras e fazer

trabalhos derivados dela, contanto que sejam para fins não comerciais, que dêem

créditos devidos aos autores de cada texto e à editora Lamparina Luminosa, e que as

obras derivadas sejam distribuídas somente sob licença idêntica à que governa esta.

Page 3: A Mineirinha e outras histórias

Coordenação editorial: Christian Piana

Organização dos textos: Ana Luiza Caetano,

Joelma Ruas Sobral e Paula Carrara

Educadora da sala do MOVA: Maria Edilma Batista Miranda

Coordenação das atividades teatrais: Paula Carrara

Projeto gráfico: Andréia Alcantara

Ilustrações: Andréia Alcantara e Marcos Oliveira

Desenho de capa: Geni Soares Lopes

Traduções do italiano: Joelma Ruas Sobral

Revisão: Lílian Akemi, Paula Carrara

A mineirinhae outras histórias

Page 4: A Mineirinha e outras histórias

PrefácioContos contados por quem sabe dá conta da vida

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Frei Betto

Esta coletânea de contos é uma preciosidade. Reúne a literatura

de quem, na idade adulta, escreve pela primeira vez. Autores e

autoras são alunos do curso do MOVA – Movimento de

Alfabetização - no ABC paulista.

Os relatos têm como fonte e matéria-prima a vida migrante e

difícil de seus autores. Quase todos vieram de outros estados

para São Paulo em busca de uma vida melhor. Percebe-se

claramente a nostalgia dos tempos felizes de infância na roça,

o lamento por abandonar a agricultura, o esforço por encontrar

um lugar ao sol na cidade grande.

São narrativas de quem nunca perde a esperança, apesar das

adversidades da vida confinada na pobreza. Os sonhos jamais

têm caráter de ambição, de riqueza, de poder. São todos na linha

de uma vida digna: a casa própria, o emprego, a saudade da vida

rural e dos familiares que lá ficaram.

Esta é uma escrita que brota do coração, do chão árduo da vida,

de evocações de quem, agora, experimenta como presente a vida

atribulada da cidade grande – outrora sonhada como futuro

promissor – e descobre que o passado na roça foi, apesar da

carência material, de profunda felicidade espiritual.

O MOVA está de parabéns por alfabetizar e letralizar adultos,

despertando neles a vocação literária e o gosto pela memória

história através de suas próprias vidas.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – Autobiografia Escolar” (Ática), entre outros livros.

Page 6: A Mineirinha e outras histórias

Introdução

Page 7: A Mineirinha e outras histórias

Este livro é composto por quatorze contos de quatorze alunos

de uma turma do MOVA (Movimentos de Alfabetização de Jovens

e Adultos), projeto ativo na Associação de Promoção Humana

e Resgate da Cidadania.

Trata-se de uma coleção de lembranças, fragmentos de vida,

momentos simples, mas marcantes, que este grupo possui.

Momentos estes bem conservados na memória de cada um

e que a Editora Lamparina Luminosa ajudou a resgatar,

reorganizar e publicar nestas páginas.

Todos os alunos, autores dos textos, vêm de outros estados

do país por motivos diferentes. Há quem fugiu de extremas

condições de vida em busca de trabalho, quem se mudou por

amor e quem veio em busca de um sonho. Nenhum deles tem

uma formação escolar, mas todos sabem falar da profunda

experiência em praticar um ofício comum a todos: ser pessoa.

Apesar disso, a tarefa de reapresentar estas experiências de vida

em forma de história escrita foi extremamente árdua e transformou,

nós operadores da Lamparina Luminosa, em verdadeiros

arqueólogos da memória.

De fato, os autores não tiveram somente a dificuldade em escrever

o próprio texto - dificuldade, aliás, mais que compreensível, visto

que estão em processo de alfabetização. A maioria demonstrou

uma nítida dificuldade, até mesmo, em relembrar, em falar de si,

em um campo íntimo e espiritual como aquele dos sentimentos.

Os textos escritos pelos alunos, durante o ano de trabalho juntos,

limitavam-se a elencar, de maneira muito resumida, os fatos mais

Christian Piana

Page 8: A Mineirinha e outras histórias

Introdução

Page 9: A Mineirinha e outras histórias

importantes de suas vidas, como a data de uma mudança,

o momento da chegada em São Paulo, o dia do casamento e os

nomes dos filhos. Estes textos não continham imagens, sons ou

sabores; não deixavam transparecer as emoções ligadas aos fatos,

às dores ou às alegrias imprescindíveis para uma comunicação mais

profunda sobre as próprias experiências.

Todos estes elementos foram pacientemente resgatados das histórias

deles, usando diversas dinâmicas e métodos que não tínhamos

pré-elaborado.

Alguns exemplos das estratégias utilizadas foram os jogos teatrais

com o grupo, conduzidos por uma atriz convidada; o desenho da

linha da vida de cada um, enriquecida por imagens encontradas e,

enfim, a realização de vídeo-entrevistas individuais, nas quais foram

registradas as lembranças que vinham à tona com perguntas quase

investigativas sobre os sentimentos a elas ligadas.

Se os textos escritos não possuíam uma dimensão sentimental,

os resultados das dinâmicas, por outro lado, eram ricos de emoções,

fatos curiosos, risadas e momentos de suspensão que podiam

completar os textos.

Assim nosso trabalho passou de arqueólogos da memória àquele

de arquivistas que, revendo os resultados destas dinâmicas

(todas registradas em vídeo), organizaram e teceram,

minuciosamente, nos textos originais.

O resultado de tudo isso são os contos das próximas páginas.

Histórias breves, mas autênticas, escritas numa língua natural

e neológica, que respeita a identidade dos seus autores.

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Nota dos curadores

Page 11: A Mineirinha e outras histórias

Os contos publicados neste livro foram construídos, em sua

maioria, por meio da junção de textos que seus autores elaboraram

em um caderno e pelas transcrições de seus vídeos-depoimento.

Foi impossível utilizar uma metodologia única para cada autor:

alguns, com mais facilidade em escrever, desenvolveram no próprio

caderno textos ricos, aos quais foram adicionadas algumas frases

complementares, extraídas dos vídeos.

Outros obtiveram ajuda de seus familiares, deixando assim

transparecer nos textos a lógica gramatical dos filhos, namoradas

e maridos.Para outros ainda, com maior dificuldade em escrever,

usamos, sobretudo, as transcrições dos vídeos depoimentos.

Procuramos manter ao máximo a identidade original das histórias,

dos seus conteúdos e da maneira como foram expressadas.

Não alteramos, propositalmente, as conjugações dos verbos, as

repetições e outros elementos que substituídos modificariam a

estrutura original das frases.

Nas partes transcritas dos vídeos, eliminamos algumas expressões

típicas da linguagem falada, como “e aí...”, “né?”, “entendeu?”, e

corrigimos gramaticalmente as palavras pronunciadas de maneira

modificada , como, por exemplo: “plantava” no lugar de “prantava”,

“para” ao invés de “pra”, etc.

Nossas intervenções mais marcantes foram: estruturar a pontuação,

inserir os acentos nas palavras e organizar os períodos das frases

- elementos que podem facilitar a compreensão e o ritmo da leitura.

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A Mineirinhae outras histórias

Page 14: A Mineirinha e outras histórias

O rio só ficou no barro

Sou do Piauí. Minha casa era feita de

barro, tinha fogão à lenha e tinha uma

vida muito difícil. Na casa tinha dez

pessoas. Como era o filho mais velho

era o mais sofrido, porque tinha que

trabalhar para o sustento dos menores.

Plantava feijão, milho e algodão. Quando

era criança, não tinha tempo de brincar e

nem de estudar, só trabalhava.

No Piauí era muito seco, para voltar

para casa tinha só uma trilha pequena

com muito mato seco. As árvores não

tinham folhas. Quando o rio secava a

gente falava: “o rio só ficou no barro”.

Para pegar água tinha que escavar até

dois metros no meio do rio e fazia a

escadinha de barro mesmo.

Adão Manoel da Silva

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Page 15: A Mineirinha e outras histórias

Das seis às sete da manhã tinha

que buscar água. Se chegava

atrasado tinha a fila e demorava

muito. Às vezes, as mulheres

brigavam pela água, puxavam

o cabelo. E nós, que éramos

jovens, não podíamos fazer nada.

Quando completei vinte e dois anos

resolvi buscar uma vida melhor, tirei

os documentos e vim para São Paulo.

Saí do Piauí em 1988. Sem saber ler

e escrever foi mais difícil, pois a

cidade grande cobra muito da gente.

Com a ajuda de um amigo consegui

meu primeiro emprego de ajudante

de pedreiro. Trabalhei um ano, resolvi

voltar para o nordeste, fiquei onze

meses, mas estava muito ruim a

situação, voltei de novo para São

Paulo. Cheguei aqui. Consegui um

emprego e logo construí uma casa.

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Page 16: A Mineirinha e outras histórias

Nasci em Ibirapitanga, na Bahia, e tenho

muitas lembranças da minha infância.

O lugar onde nasci era muito bonito. Tinha

só duas casas. A minha casa era de barro e

madeira, coberta de palha sapê. Quando foi

um dia, deu uma chuva e a gente acordou

debaixo da água e fomos para a casa da

vizinha. Ficamos uns três dias na casa da

vizinha, aí meu pai subiu no telhado, tirou

as palhas, pôs outras melhor e cobriu

direitinho - não teve mais problemas.

Minha mãe era uma morena muito

bonita. Ela gostava de cantar: “preta, preta,

pretinha... eu ia te chamar enquanto corria

a barca... abre a porta e a janela e vem ver

o sol nascer...”. Ela ficava ouvindo baixinho

todas as músicas do Zé Bettio no radinho de

banca, pequeno e quadradinho, e fumava

tiberio – o cachimbo de hoje.

AnaildaAnailda Heostílio dos Santos

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Page 17: A Mineirinha e outras histórias

A maior lembrança da minha mãe era quando

se reunia todos na mesa para todos almoçar

no Natal. Eu gostava tanto do Natal porque era

uma época em que todo mundo estava junto,

a família toda. Ela sempre rezava, antes de

fazer as refeições.

Minha mãe tinha uma horta e lá ela plantava

amendoim, cebola, batata, milho mandioca e

tudo que podia para o nosso sustento. Gostava

de cuidar da horta, da casa, dos filhos, da família.

Gostava de fazer farinha... Tinha muita mandioca.

Ela gostava de plantação que dava muito de tudo

e outras coisas. A vida era muito sofrida. Plantava

para poder sobreviver. Viver do suor do próprio

rosto. Comia até banana verde cozida.

A horta ficava no fundo da casa. Enquanto

a mãe ia trabalhar na casa de farinha, juntava eu,

meus dois irmãos e duas irmãs e nós arrancava

os pé de amendoim, tirava as vagens, comia tudo

e depois replantava para mãe não desconfiar, mas

depois a gente apanhava.

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Page 18: A Mineirinha e outras histórias

Quando era criança fizemos uma fogueira

e pusemos uma vasilha de água no fogo,

daí a água virou e queimou todo meu pé.

No joelho foi uma brasa que caiu e grudou.

Esconde-esconde era a melhor brincadeira.

Quando a lua tava bonita e clara, a gente

se escondia atrás das bananeiras, atrás do

mato. Um dia a bananeira se mexeu e a

gente pensou que era o lobisomem.

Eu mesma fazia minhas bonequinhas.

Fazia boneca de pano, a minha mãe que

ensinou. Eu fazia umas pequenininhas

para fazer que era filha das outras.

A parte mais triste da minha infância foi

quando minha mãe morreu. Morreu minha

mãe e minha irmã de nove anos, de

sarampo. Ela deixou seis filhos e um deles

era um bebê de nove meses. Na roça a

gente dormia tudo no chão, na esteira.

A irmã morreu no meio de todo mundo,

ninguém percebeu. Logo depois que a mãe

terminou de morrer a gente viu que ela

também tinha morrido.

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Page 19: A Mineirinha e outras histórias

Ficou todo mundo doente, menos

meu pai, e depois que minha mãe

morreu ele nunca mais se casou.

Criou todo mundo primeiro, só casou

agora, com setenta e oito anos e

continua morando na roça, na Bahia.

Meu primeiro marido, logo em uma

primeira vez que me viu, foi em casa e me

pediu em casamento para meu pai. O pai

não aceitou, queria que eu casasse, mas

que eu juntasse o meu dinheiro. Como eu

ia juntar dinheiro se meu pai ficava com

tudo e não dava um centavo para gente?

Eu trabalhava na roça, juntei minhas

coisas, esperei dar a noite e peguei

minhas coisas e fui para a casa dele. Antes

de chegar lá, deixei as coisas embaixo do

pé de jenipapo. Bati na porta e falei que

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Page 20: A Mineirinha e outras histórias

queria morar com ele. Voltei e peguei

minhas coisas debaixo do pé de

jenipapo. Tive dois filhos com ele.

Depois ele me abandonou e foi

morar com outra mulher.

Hoje sou casada há quatorze anos,

meu esposo tem oitenta e nove anos.

A cunhada do meu atual esposo é que

me apresentou para ele. Ele estava

procurando uma nova mulher, pois

já tinha três anos que a mulher dele

tinha morrido. Ele queria que eu

viesse junto embora com ele, mas eu

tive medo. Depois me deram conselho

para eu ir. Eu liguei para ele vir me

buscar e ele foi.

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Page 21: A Mineirinha e outras histórias

Achei São Bernardo muito estranho. Até hoje

eu acho. Eu não acostumo aqui não.Tenho

vontade de voltar para a Bahia. A única

coisa boa aqui é para comprar as coisas.

Eu... Eu gosto de fazer crochê, de cuidar

da minha casa, de cuidar da minha neta

e também de fazer comida baiana.

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Page 22: A Mineirinha e outras histórias

“Deus deu uma vida para cada pessoa cuidar

dela e fazer a coisa certa.”

Nasci na Paraíba em um povoado chamado

Bezerro Amarrado é um povoadozinho mais

pobrezinho. Cresci e vim para São Paulo.

Para fazer a vida.

Eu morava no povoado de lá, não era bem

na cidade, nós ficava mais no sítio. Quando a

gente era pequeno a gente ia para cidade, para

a festa. A gente achava bom ir comer numa festa.

Na noite de ano tem muita festa, tem muito

divertimento, baile, forró, estas coisas. Lá se

chama Festa Junina, solta muitos fogos e é

divertimento bom, todo mundo conhece o outro,

todo mundo fala com você.

Todo mundo me conhece lá, porque é tudo

nascido ali, é muito tempo, de pequeno, então

um conhece o outro, um respeita o outro. Aqui

ninguém conhece ninguém é difícil, mesmo

quando mora vizinho. A rotina lá é diferente,

é porque lá não tem muita correria.

Antonio Antonio Alves dos Santos

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Page 23: A Mineirinha e outras histórias

Eu trabalhei na roça muito tempo, comecei

muito novo. Comecei mais ou menos com

uns oito anos a trabalhar. A gente capinava

a terra, plantava e colhia. O que colhia a

gente comia. O que plantava, colhia.

É só essa a história do norte mesmo. Aí eu

vim pra cá e mudou tudo. Tudo aqui foi

diferente, até a gente acostumar aqui,

porque lá é outro clima diferente. Quando

eu cheguei aqui eu adoecia muito porque

não acostumava com o clima, andava muito

ruim da garganta também, porque lá é

quente. Depois de acostumado não

adoeci mais não.

Estou aqui há uns trinta e poucos anos.

Cheguei e fui trabalhar. Eu vim direto morar

no Silvina. Está com uns sete anos que eu

moro nos predinhos. Eu morava nos barraco

aí a prefeitura resolveu organizar e mudou

bastante. Aqui antes tinha um rio, eles

encanaram o rio, arrumaram muita coisa,

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Page 24: A Mineirinha e outras histórias

derrubaram os barracos e tão fazendo os

predinhos. Sempre quando faz uma melhoria

assim, melhora mais. Que era tudo lama aqui,

mato. Aqui não tinha essa pista, fizeram.

Era tudo buraco. Essa estrada do Padre Leo aqui

era tudo terra, até lá perto da padaria e é tudo

pista agora. Cada vez que eles fazem uma coisa

diferente fica melhor.

O registro num tinha, o meu tirei porque o povo

do norte é atrasado. Geralmente os pais da gente

não liga muito, não tem estudo, não põe o filho

pra estudar. Tem gente que põe, meu pai não

ligava muito, era da roça. Lá eu estudei, quando eu

morava com um padrinho meu que deu escola pra

mim, mas a gente novo não se interessava muito.

Agora que a gente veio se interessar mais,

sabendo que a coisa é mais difícil sem leitura.

Que a gente sem leitura aqui é complicado, tudo

depende de leitura: é para trabalho, para gente

fazer uma conta, para pegar o ônibus tem de saber

ler, tudo depende de leitura. Aí eu resolvi estudar.

Arrumei esposa, casei, me amiguei na época.

Depois arrumei outro enrosco com ela, fui tendo

família e fui vivendo a vida até hoje. Agora eu

trabalho de zelador do clube Aramaçan,

em Santo André. É clube que vai os cantor,

vai forró, Falamansa e essas coisas.

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Page 25: A Mineirinha e outras histórias

Acho que a pessoa tem de gostar do que a

pessoa é mesmo, ser contente com o que você

é. É eu creio assim da minha maneira. É porque

se a gente tem capacidade para uma coisa ele

é, se não tem, tem que ficar quieto.

Eu vou fazer quarenta e nove anos: nasci em

sessenta e um. Na minha idade agora eu não

tenho muito futuro para ser alguma coisa muito

não. O futuro que eu tenho é ser motorista de

ônibus, eu tenho carta e tudo. Vou aumentar

minha letra, fazer um cursinho pra trabalhar

como motorista de ônibus.

Conheço São Bernardo, São Paulo, o bairro

tudo. De primeiro era perigoso, mas agora está

mais sossegado. Eu levanto quatro e meia da

manhã e não tem nada, não vejo nada, a cidade

sossegada. Estou entrando no ônibus quatro

horas e não tem problema. Eu conheço todo

mundo. Também não mexo com ninguém,

cada um é cada um e pronto. Vou para o meu

serviço, de casa para o serviço.

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Page 26: A Mineirinha e outras histórias

Eu sou a Elizete, nasci em Alagoas.

Viajei para São Paulo e conheci meu

marido. Nós éramos vizinhos de casa e a

gente começou a sair para o aniversário

do São Bernardo no dia vinte de agosto e

eu fazia aniversário no dia vinte e um de

agosto. Tive uma filha maravilhosa, ela

vai fazer nove anos no mês que vem.

O meu milagre foi assim no comecinho

deste ano: a gente foi para a praia.

No dia dezessete de janeiro, tive começo

de derrame. Fiquei cinco dias na U.T.I.

e depois fui para o quarto. Depois, fiquei

recebendo visitas da minha família.

Fiquei um mês certinho internada.

O meu milagreElizete Bispo da Silva

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Page 27: A Mineirinha e outras histórias

O meu marido ficou muito preocupado.

Eu fiquei com muita fé em Nossa

Senhora Aparecida. Na igreja Belém,

o meu marido levou uma imagem da

Nossa Senhora e uma peça de roupa

para benzer e agora eu estou feliz

por ter saído sã e salva. Mas, o único

problema é que eu estou tomando a

Marevam para afinar o sangue.

Agora eu estou melhor porque o

médico disse que o coágulo que

tinha na cabeça sumiu.

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Page 28: A Mineirinha e outras histórias

Eu morava em Minas Gerais, vim de Minas

agora. Fui nascida e criada lá, em Minas

Gerais. Eu possuí dez filhos, criei todos os

dez trabalhando na roça, agora tem oito

vivo, mas eu possuí dez até ficar grande,

possuí dez filhos na roça.

A minha menina veio pra cá nova e casou,

de vez em quando eu vinha e voltava.

Quando foi agora ela tinha que estudar

e trouxe eu para cozinhar, que ela não

queria pagar mais empregada. Mas eu

gosto mais de lá - para o meu gosto eu

ia embora amanhã.

Lá é melhor porque a gente não precisa

estar comprando nada, eu mesmo não

comprava nada, só que lá não corre

dinheiro, o que você planta, você planta

para comer, possuir. O mais difícil é roupa,

a roupa que nós estamos vestindo é daqui

pra lá, que a gente vendia um feijão, ou

arroz, ou milho e comprava uma roupa,

e do ano ao outro ia comprar de novo.

A MineirinhaGení Soares Lopes

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Page 29: A Mineirinha e outras histórias

Essa menina minha quando ia passear lá

eu matava três capado: eu engordava eles,

quando ela ia pra lá eu matava um para

fazer gordura e carne. Quando ela chegava

eu matava outro para comer carne fresca. O

dia dela vim embora eu matava o outro pra

ela trazer. Agora estou aqui só comendo

coisa comprada.

Tem tanta coisa que tem passado comigo.

Eu tenho setenta e um anos, desses setenta

e um, quando comecei a trabalhar eu estava

com sete anos de idade. Parei agora depois

que vim pra São Paulo, mas eu trabalho

em casa - eu lavo a minha roupa, eu faço

minha comida, limpo minha casa, não pago

ninguém eu mesmo que faço minhas coisas.

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Page 30: A Mineirinha e outras histórias

Lá eu trabalhava muito na roça. Tinha vez

que eu colhia setenta, oitenta quilo de

milho, de arroz, feijão, galinha. Quando

eu vim pra cá, tinha galinha de perú, pato,

galinha d’angola, vendi umas quinhentas.

O trabalho acaba com a gente, que o sol

lá estraga, mas eu adoro, eu gosto. É tão

bonito você ver um arrozal, milho, feijoal:

quando você está no meio limpando, que

está ventando nunca vi coisa mais bonita do

mundo! É porque o milho está crescendo e

o vento fica passando nele, e a planta fica

cinerando; nunca vi coisa mais bonita!

Plantava feijão, café, bananeira, jabuticaba,

coco, mandioca. A mais difícil de colher é

laranja, mangueira, jabuticaba que é dum

ano no outro. Lavoura de milho é de seis em

seis meses, se planta um milho em outubro,

mês de junho está colhendo. Planta feijão

em fevereiro, colhe mês de junho. O arroz

você planta em setembro, colhe mês de

maio. É todo ano que está de colheita.

Nós descansava só nos dia santo, no meio

de semana estava trabalhando. Dia de santo

ficava dentro de casa comendo e bebendo.

A gente às vezes ia passear na casa d’algum

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Page 31: A Mineirinha e outras histórias

amigo, mas ficava mais dentro de casa.

Se fosse um dia santo e tivesse missa a

gente ia na missa. Eu sonhava que Deus me

desse as coisas para eu comer e beber. Rico

eu não queria ficar, mas queria que Deus

me desse as coisas pra mim possuir.

A gente tinha a maior alegria, a gente não

tem assim coisa boa não, mas essas coisas

de roça a gente tinha de tudo. Eu tinha

demais. Tem um rio grande, a gente vai

para o rio a pescar, pega aqueles peixão,

eu adorava! Tinha muita natureza; com a

natureza a gente fica todo alegre, todo

satisfeito, não fica nervoso. Quando você

está cuidando da lavoura, você está só

alegre, não está pensando em coisa ruim,

nem nada. Lá eu pensava em trabalhar,

trabalhava ia embora para casa, tomava

um banho de tarde, no outro dia de novo

ia trabalhar. A gente ia para o mato

cantando alegre todo dia! Aqui fica só

pensando no que não presta.

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Page 32: A Mineirinha e outras histórias

Eu mesma não gosto daqui, uma porque

eu não trabalho e outra que a gente fica

só vendo violência, quando você não está

vendo, você está assistindo na televisão.

Depois que eu fui embora inventei de fazer

uma consulta no medico e na consulta

apresentou um rolo de coisa doente e eu

tive que ficar para poder tratar. Nunca tinha

ido no médico, vim pela primeira vez num

médico agora depois que eu vim tratar aqui.

O médico fala com gente que a gente tem

aquela doença, daqui a pouco aquela não é

ela e a gente fica pensando que tem aquela

doença, mas eu não ponho na cabeça que

tenho aquela doença. A não ser se eu tiver

sentindo doendo aí eu falo: “tá doendo”.

O médico é muito bom, mas só se a gente

falar o que a gente está sentindo, se não ele

não sabe. Se ele soubesse não precisava a

gente falar, mas tem de falar para ele poder

descobrir o remédio. Da primeira vez que

vim ao medico ele falava e eu não entendia

essas conversas esquisitas. Então é a minha

menina que vai para saber o quê é que ele

está falando, porque ele fala diferente e eu

não sei falar. Eu falo errado, quando tem

leitura fala certo, mas eu falo errado.

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Page 33: A Mineirinha e outras histórias

Eu gosto muito de fazer um canto, uma

reza; sou católica e gosto muito de ter

a reza, da igreja. Tenho vontade de

aprender a ler para poder cantar aqueles

canto da igreja. Eu gosto muito de

aprender as coisas e fazer alguma coisa

do mundo, coisa que a gente aprende.

Eu tenho vontade de aprender escrever

falar feijão, milho, arroz, porco, galinha

e os nome das frutas. Eu sei desenhar

a galinha só não sei fazer que nem

artista que faz do tipo da pena e essas

coisas, mas fazer o desenho da galinha

eu sei fazer.

O que faz a pessoa ficar bonita é saber

tratar os outros, e ter inteligência de fazer

as coisas. Porque tem gente que às vezes

é bonito de aparência, cabelo bom,

bonito, mas não tem inteligência com

nada, não sabe nada.

Eu não sei nada, mas eu passo algumas

coisas. Eu não sei tudo quanto há no

mundo não, que ninguém aprende tudo

quanto há do mundo, que todo dia você

está aprendendo e todo dia você está

querendo aprender mais, mas eu sei

bastante coisa que ajuda a vida da

gente! Coisas da roça.

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Page 34: A Mineirinha e outras histórias

“Nunca machuque um coração, pois você

pode estar dentro dele”.

dito selecionado por Genivaldo

Nasci na Bahia, nos éramos doze irmãos.

Com oito anos comecei trabalhar na

plantação de café com meu pai. Plantava

milho, feijão, arroz, café; gostava de caçar.

Sonhava ser um fazendeiro.Quando voltava

para casa era noite e não dava para estudar,

nos aproveitava para brincar. Eu gostava

muito de andar a cavalo.

Com quinze anos construí uma casa de

madeira no sitio e fui morar nela.

A vida era tranquila, não tinha violência.

Gostava muito das festas juninas, minha

mãe fazia biscoitos, matava porco para

comprar roupa de festa junina. Plantei cana

e não deu certo.

Quando eu salvei uma vida

Genivaldo Ferreira de Souza

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Page 35: A Mineirinha e outras histórias

Então resolvi vir para São Paulo morar com

a Irmã. Morei com ela um ano e voltei para

Bahia. Trabalhei na roça com meu pai e

comprei uma vaca e dois cavalos bons.

Depois voltei para São Paulo, vendi os

cavalos e a vaca para vir embora.

Novamente morei com minha irmã, depois

aluguei uma casa, comprei um barraco no

Jardim Silvina e depois comprei uma casa

e conheci novos amigos. Depois de um

tempo conheci minha vizinha e começamos

a namorar - resolvemos morar juntos e logo

ela engravidou. Tenho uma filha que amo

demais,é a razão da minha vida.

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Page 36: A Mineirinha e outras histórias

Teve uma vez que começou a chover muito.

Era um sábado de novembro 2006, eu

estava no boteco do meu sogro, começou

chover e de repente o rio que passava

próximo da minha casa encheu. Ouvia as

pessoas pedindo socorro, fui ver o que

estava acontecendo, eu e meu irmão.

O rio trasbordou, parecia uma onda levando

tudo no seu caminho, rapidinho chegou.

Começou a invadir as casas dos vizinhos.

Vimos uma mulher gritando, quando

chegou lá tava tudo alagado, som,

geladeira, tudo coisa nova do pessoal,

tudo boiando por cima d’água. E umas

pessoas, senhora de idade, tudo dentro

da água. Teve vizinho que largou

as coisas lá em casa, colchão, o resto

de comida que sobrou, largou em

casa lá. Eles ficaram apavorados então

resolvi ajudá-los.

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Page 37: A Mineirinha e outras histórias

Entrei em um barraco, me reparei com uma

criança desmaiada, logo fui ajudá-la, fiquei

muito feliz por ter ajudado ela. Não senti medo,

me senti com coragem. Tirei algumas coisas e

tomei choque, quase a água me levou.

Depois entrei em outro barraco porque tinha

três pessoas em cima da caixa de água numa

laje, e alguns caras estavam amarrados em uma

corda para chegar até o barraco. Era perto da

boca do lobo e a água fazia moinho. Eles não

conseguiram porque era o lugar mais fundo e a

água era mais forte. Então eu e mais dois caras

conseguimos ir até eles. Me amarrei em uma

corda para a correnteza não me levar, mas tinha

gente me ajudando.Pegamos as pessoas e

passamos para quem estava no lugar mais baixo.

Tinha muita gente chorando porque perderam

tudo, eram todos desesperados e ficavam

nervosos. Eu vendo aquilo fiquei balançado.

No outro dia fui ver aquele local, não tinha

mais ponte, a água levou.

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Page 38: A Mineirinha e outras histórias

“Eu morei em um monte de lugar.

Achei tudo igual!

Só que a planta tinha mais valor.

A planta tinha mais valor até.”

Eu gosto muito de passeio, toda a vida eu

gostei. É, diversão! Mais divertido é chegar

perto dos parentes, aquela alegria, aquela

amizade. Minha diversão é essa aí. Tenho

os parente lá. Os que não moram aqui

moram em Curitiba. Eu gostaria de passear

na casa deles. Se tivesse um carrinho eu

passeava para todo o canto, eu passeava bem!

Buscava no mercado, ia lá pra Minas, ia pro

Paraná. É um negócio muito importante!

Eu de carro gosto, mas não sabe dirigir.

Se a gente soubesse dirigir um carrinho,

eu gostaria, mas a gente tem medo. Medo

de pegar um carrinho e não conseguir uma

carta. Medo de pelejar também. Medo de

bater o carro!

Seu IdalinoIdalino Lourenço

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Page 39: A Mineirinha e outras histórias

Já to pelejando pra ver se aprendo alguma

coisa, mas pela minha idade também não

tá compensando mais não. Sou de mil e

novecentos e quarenta e um. Dia vinte e

um de maio completo setenta anos.

Nasci em Minas Gerais, onde morei até a

idade de vinte anos. Depois mudei para

o Paraná à procura de trabalho. Morei em

Ipatinga, depois em Maringá, Foz do Iguaçu,

Cascável, Verê, Água Grande. Morei em

Londrina. Trabalhava em lavoura e cada

contrato contava dois, três, quatro anos

conforme a lavoura - depois mudavam de

cidade. Morei mais dezessete anos e lá foi

ficando difícil, então vim para São Paulo

com a família, a mulher e uma filha. Moro

aqui em abril de oitenta.

Minha casa era barraco de madeira que eu

construí. Construí três cômodo em baixo

e três cômodo e outro banheiro em riba.

E uma área por riba ainda, que seca roupa.

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Page 40: A Mineirinha e outras histórias

Conheci a esposa ainda em Ipatinga.

Os dois moravam perto, na mesma

companhia. Os dois eram de menor,

brincavam juntos e começaram em

namorinho e acabou dando certo. Casei

em abril de 1962, com vinte e um anos,

com Amélia Tomás Barbosa. A primeira

filha, Perpétua Aparecida, nasceu no Paraná

em Cascável. A outra filha, Viviane

Lourenço, nasceu em São Paulo, em 1985.

Na cidadezinha de Pedra Corrida, que passei

a infância, caçava de espingarda, armava

arapuca, pegava juriti, nhambú que é um

tipo de marreco, essas aves do tamanho de

um pombo. Pescava traíra, tomava banho de

rio. Nos tempos de moleque morava na

usina de cana-de-açúcar, cortava cana.

Éramos em oito meninos-homem e uma

menina-moça. Adoeceram um menino e a

menina quando formados já. Tiveram

meningite e morreram no mesmo dia.

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Page 41: A Mineirinha e outras histórias

A mãe pegava arroz no brejo para limpar

e ganhar o que comer. Meu pai morreu

em derrubada de mata, cortando lenha

para carvão.

Eu queria saber escrever bem rápido.

E eu peguei a escola. Vou estudar um

pouco. Às vezes eu posso, mais tarde,

colocar um comércio, alguma coisa.

Vou viajar também. O estudo pra viajar

também é bom: você vê o que está escrito

na frente do ônibus, se vê uma placa sabe

o que tá escrito na placa. E a gente não

sabe nada! Não tem jeito nem de viajar.

Você não sabe nem o que tá escrito lá na

placa, não sabe pra onde é que vai. Fica difícil.

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Page 42: A Mineirinha e outras histórias

Gosto muito de viver no meio do mato. Uma casinha no meio do mato é bom.

Quando eu vim pra São Paulo tinha quinze anos. A gente veio de lá porque a vida era muita sofrida. Trabalho muito duro, esse trabalho na enxada, aí não dava mais pra gente ficar. Eu sou do Silvina tem uns trinta anos.

Antes eu morava em Vitória - Espírito Santo. Minha casa era de madeira e ficava perto da serra. Tinha muitos cafezais, árvores e frutas. Na casa morava eu, meu pai, minha mãe e oito irmãos, uma família muito grande! Todos tinham suas tarefas. Minha irmã ajudava minha mãe nas tarefas de casa como lavar, passar, cozinhar, levar comida na roça para nós e mais as pessoas que ajudavam na

A minha naturezaJoel Monteiro da Silva

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Page 43: A Mineirinha e outras histórias

plantação. A gente mexia com muitas coisas, alface, cenoura, beterraba, coentro, tomate, palmito, quiabo, chuchu. Plantava café, arroz, batata, feijão, cana, mandioca.

A gente amassava o barro no pé, depois a gente fazia umas ripa de palmito, pegava o próprio barro junto com a mão e jogava pra fazer a casa. Ficava a coisa mais linda! Uma espécie de uma casa de marimbondo! Eu adorava, porque juntava bastante gente pra fazer o trabalho. Era uma alegria pra gente! Juntava todo mundo, rapidinho fazia uma casa. Depois colocava o barro e pintava. Lá a gente tem o próprio barro branco, que a gente fazia a tinta. Ficava branquinha a casa, ficava a coisa mais linda!

Perto da minha casa tinha um rio, lá nós pescava muito, eu e meus primos; era muito divertido! Pescava de peneira, porque lá o rio é estreito. A gente ia lá, pegava uns pedaço de pau e batia nas touceira de mato, aí o peixe vinha e a gente tava com a peneira esperando. Então a gente gritava: “pode parar que a peneira tá quase cheia já!”

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Page 44: A Mineirinha e outras histórias

Outra coisa bonita era cuidar da criação, dos animais que a gente tinha também. Porque a gente pegava soltava umas duzentas cabeça de animal e a gente ia atrás tocando. A gente tinha cavalo, gado. Tinha vez que eles ficavam bravo, tipo assim nervoso, e corria atrás da gente. A gente tinha que correr e mergulhar debaixo da cerca de arame e eles ia e rasgava todinho. Era legal demais!

A gente tinha a tropa. A tropa significa que a gente tinha mais ou menos uns quarenta animais. A gente pegava aquelas saca de café e colocava ao lado do arreio, aí soltava sempre um na frente que era o mais cabeça que levava todo mundo. Chegava no local, parava todos eles. Era a coisa mais linda! Fazia aquela fileira.

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Page 45: A Mineirinha e outras histórias

A gente chegava e ia tirar pra jogar no armazém, pra fazer café pra vender. Porque chegava finais de ano, quando a gente conseguia comprar um sapatinho melhorzinho pra colocar no pé. Quando eu vim colocar um sapato no pé eu tinha treze anos.

As calça da gente, tinha época que rasgava muito; a gente brincava com aqueles carrinho, tipo de rolimã, aí minha mãe sempre pegava aqueles remendo, ficava pregando, quando ia ver, não tinha nem lugar mais pra colocar. Igual punk, tinha várias emendas: coloca um remendinho aqui preto, aqui coloca outro vermelho e assim vai, que já tava todo furado!

Vai fazer mais de quarenta anos que eu não vejo meus amigos, primos. De vez em quando bate uma saudade, vontade de ir lá. Depois de vinte anos, vinte anos sem ver minha mãe, consegui juntar um pouquinho de dinheiro e a gente foi lá passear. Muita alegria de ver ela! A saudade era demais. Primeiro a mãe ficou meio assim, em choque, porque também eu fui de surpresa, queria chegar de surpresa e não avisar nada pra ela. Quando menos esperou a gente estava chegando na porta! Muita emoção, abraços, abraços e beijo. Abraço de aproximadamente uns dez minutinhos pra matar a saudade! Eu já tinha minhas duas meninas e ela viu pela primeira vez, foi emocionante!

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Page 46: A Mineirinha e outras histórias

Nasci na Bahia. Meu pai tinha uma

chácara no interior, uma cidade bem

grandinha, do tamanho do Silvina mesmo,

perto de Poções – Conquista. Eu trabalhava.

Trabalhava e estudava, tinha de ajudar

meu pai também, que ele já é bem veinho.

Gostava de dar comida para as galinhas.

Gostava de jogar bola com meus amigos.

Gostava de tomar banho de rio. Gostava

de andar a cavalo. Gostava de pegar

gafanhotos e por na caixa de fósforo.

Na escola jogava fumaça no rosto do

professor e ele colocava nós de joelho

no chão no pé do milho. O professor

batia nós de palmitosa.

Eu, na hora que via meus amigos vir para

São Paulo queria também. Eu ficava no

pé da banana tirando medidas para ficar

grande, porque eles falavam que podia vir

Saudade da terra que cheirava de fruta

Jorgival Ferreira de Souza

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Page 47: A Mineirinha e outras histórias

quando ficava grande como o pé

da banana. Mas todos os dias eu

via o pé da banana crescer, era

mentira do povo! Mas o tempo foi

passando até chegar o tempo de eu

vir para São Paulo.

Quando cheguei em São Paulo fiquei

cinco meses parado, depois fui

trabalhar, morava com minha irmã,

depois fui pagar aluguel. Depois de

um tempo no aluguel fui comprar um

barraco. Quando chegava do trabalho

eu ia pegar água do bico do serviço

até minha casa. Era uma hora e meia

de caminhada.

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Page 48: A Mineirinha e outras histórias

Eu peguei o meu barraco e vendi para

um melhor; quando inventaram de construir

um Rodoanel. Teve que derrubar todos os

barracos que ficavam perto do Rodoanel,

e foi que a prefeitura deu dinheiro para eu

comprar uma casa. E ai eu conheci uma

moça e fui namorando com ela.

Chegou um tempo me casei com ela,

tem um ano de casado; o nome dela

é Thaina Guimarães.

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Page 49: A Mineirinha e outras histórias

Eu gostei de São Paulo, mas sinto saudade

da Bahia. Sinto muita saudade dos meus pais,

penso em ir embora pra lá também, Lá na

Bahia eu levantava do lado deles, dava benção

a eles. Aqui tem hora que eu levanto eles estão

lá e eu estou aqui, eu não sei o que esta acon-

tecendo com eles lá e eles não sabe o que está

acontecendo comigo aqui.

Lá é diferente, lá eu andava de cabeça erguida.

Aqui eu ando de cabeça erguida também, mas

lá a gente anda à vontade.

Sentia cheiro de terra quando chovia, a terra

tem muitos significados legais.A terra é muito

cheirosa de fruta e verdura; me dava vontade

de comer um pouquinho dela.

Sinto saudade quando eu torrava farinha

com meus irmãos. Sinto saudade quando a

lua estava bonita e eu cantava para minhas

amigas: “ai Rosinha ai não chora, ai Rosinha ai

não chora, casa também namora, por detrás

daquela serra passa boi, passa boiada, passa

moreninha bonita do cabelo cacheado”.

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Page 50: A Mineirinha e outras histórias

Eu nasci na Bahia na cidade de Entre Rios,

mas com dezessete anos eu vim para São Paulo,

pois era o meu sonho conhecer essa cidade.

O pai da minha filha é pernambucano, eu sou

baiana, mas não deu certo. Nós vivemos até

dez anos e não deu certo. Depois eu casei com

outro, um mineiro, já tem dez anos também

que eu estou com ele. Nós convive só nós três:

eu, o mineiro e minha filha. Ele sustenta a

família, ele me dá as coisas que eu quero, então

ele fala que eu não preciso trabalhar, porque

minha filha trabalha e me dá dinheiro também,

e eu tenho que cuidar dos dois, mas então eu

trabalho do mesmo jeito porque é duro cuidar

de uma casa sozinha.

Eu já trabalhei muito mesmo, trabalho desde

quatorze anos! Mas o serviço de casa é muito

pesado também! Lavar roupa, limpar casa,

fazer comida, tudo na hora certa, até de

domingo eu tenho que fazer comida.

Eu te amoLaura dos Santos Barbosa

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Page 51: A Mineirinha e outras histórias

Eu lembro que quando eu comecei a ficar

com quatorze, quinze anos eu quis sair da

roça pra trabalhar na cidade. Minha mãe

falava assim: “a Laura não gosta mesmo de

trabalhar na roça”. Não gostava não e não

abaixava, meu pai falava: “abaixa Laura pra

tirar os matos da beirada dos pés de

mandioca” e eu arrastava com a enxada e

tudo ficava tudo no mato, eu não gostava

não. Eu falava: “ai mãe, pra trabalhar em

roça não é comigo não!”. Nunca gostei. Eu

chorava, e minha mãe: “não, você é minha

filha mais velha, tem que ficar em casa pra

cuidar da casa e cuidar dos seus irmãos”.

Toda noite eu chorava quando meu pai

chegava da roça. Então minha mãe falava:

”deixa Domingos”, o nome da minha mãe

é Dominga e do meu pai é Domingos; mas

meu pai: “não, eu não quero não, porque vai

ficar mal falada”. Mas acabou deixando, eu

fiquei trabalhando na cidade, arrumei uma

casa de uma patroa.

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Page 52: A Mineirinha e outras histórias

A minha patroa que me ensinou a fazer

tudo dentro de uma casa. Minha mãe não

me ensinava, minha mãe só deixava eu em

casa pra varrer e cuidar das crianças, mas

no fim quem cuidava mais era ela, e eu só

olhava. O que eu aprendi de doméstica foi

com a minha patroa.Eu trabalhava, pegava

o meu dinheiro e dava todinho pra minha

mãe. Ela ia pra cidade só buscar o meu

dinheiro, eu não ficava com nada, porque a

minha patroa já me dava dormida e roupa.

Quando vim para cá, para São Paulo eu era

de menor ainda - vim morar com a minha

tia. Eu me lembro que quando saí de casa

a minha mãe chorou, não queria que eu

viesse, não ia deixar eu vir, não ia me dar

dinheiro. Já faz vinte anos que eu estou

aqui. Eu lembro como hoje - a minha avó

bem velhinha pegou e meu deu dinheiro

para mim vir, para mim conhecer São Paulo,

matar minha vontade. Era só pra conhecer

e ir embora, mas nisso que eu vim, acabei

ficando aqui. Acabei gostando mesmo de

São Paulo.

Comecei a trabalhar e a conviver com

pessoas diferentes. Eu também participei

de um grupo chamado “Xexéu do Norte”,

era muito boa aquela época, o grupo era

instrumental e até gravamos um disco com

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Page 53: A Mineirinha e outras histórias

outros grupos. Depois o grupo saiu em

turnê para o nordeste e eu não fui por causa

de um namorado e perdi essa oportunidade.

Acabei não voltando mais pra Bahia, já tem

vinte anos. Nenhuma vez consegui voltar!

Minha mãe anda falando direto pra mim

voltar, as vezes ela pensa que eu morri.

Às vezes eu fico pensando muito nela. Às

vezes eu sonho com ela direto, sonho

com a minha mãe. O pessoal fala assim:

“eee Laura, você nem lembra mais onde

sua mãe mora”. Lembro sim! Está aqui na

minha mente, eu sei direitinho a rua e tudo.

Lembro a casa da minha mãe, eu sei o jeito

e tudo. Sei o jeito de quando eu saí, eu

deixei minha mãe dormindo, eu falei:

“mãe, eu tô indo viu? Acorda que eu tô

indo!” era sete horas da manhã, minha mãe

falou assim: ”tá bom filha, vai com Deus.

Já que você quer ir, né? Vai com Deus. Eu

mesmo não queria que você fosse, mas já

que você quer ir...”.

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Page 54: A Mineirinha e outras histórias

Aconteceu uma coisa, quando eu era

pequenininha, que até hoje eu não esqueço.

Meus tios passaram quinze anos mais ou

menos aqui em São Paulo.Então, um dia,

quando foi umas três horas da manhã, eles

chegou. Nós estava tudo dormindo na casa

de minha avó. Naquele tempo lá era aquelas

radiolinha, tinha aquelas vitrola, que tinha

disco. Eu lembro que eles colocaram bem

encostado na nossa porta com a musica

alta e a gente acordou. Lembro que cantou

a música de Roberto Carlos: “Eu te amo, eu

te amo”. A música diz assim: “Tanto tempo

longe de você, quero ao menos te falar...A

distância não vai impedir, meu amor de te

falar.Cartas já não adiantam mais, quero

ouvir a sua voz...Vou telefonar dizendo que

estou quase morrendo de saudade de você”.

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Page 55: A Mineirinha e outras histórias

Foi uma alegria da gente! Até hoje eu

lembro: nós saímos tudo pra fora, e

abraçando esses tios da gente, nossa

senhora! E até hoje eu não tiro essa

música do Roberto Carlos da minha cabeça.

Eu cantava as música dele todinha, lá na

Bahia, quando eu era pequena. Todas as

músicas dele que meu tio levou eu cantava.

Chego a chorar com aquelas músicas.

Quando eu vejo o Roberto Carlos cantar,

eu lembro demais.

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Page 56: A Mineirinha e outras histórias

Meu nome é Luiz Deoclecio Pereira, nasci no município de Várzea Alegre, era um lugar muito pobre. Trabalhava na roça para sustentar. Era seis irmãos, todos trabalhavam na roça. Era um lugar que nem a África. A casa de meu pai era feita de barro no meio do mato. Não tinha vizinhos, nem amigos. Se você vai se deitar numa rede você não agüenta, você começa a pingar água no fundo da rede, molha todinho, de tão calor que é.

Como era muito seco não tinha nem o que comer, nosso alimento era farinha de milho cozida com feijão e as vezes não tinha nem água porque era muito suja, com urina de animal. A merenda da gente era farinha seca, rapadura, era isso que nós comia e ficava satisfeito. Almoçava uma hora da tarde polenta pura, não tinha nada de mistura, só a rapadura.

Uma vez não tinha nada, nada para comer. Eu chegava lá numa quitanda o cara não vendia um quilo de arroz, falava que não vendia fiado. Se não tinha dinheiro para comprar o pessoal lá não vendia. Eu precisava trabalhar uma semana para comprar um quilo de arroz. Tinha dia que chorava de fome, e minha mãe: “meu filho tenha paciência que um dia nós vence a vida”.

LuizLuiz Deoclecio Pereira

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Page 57: A Mineirinha e outras histórias

Água para você tomar banho não tem. A roupa era feita com saco de farinha e andava descalço. Eu não tinha condições de comprar uma roupa, então com quatorze anos de idade eu andava pelado. Aí minha mãe pegava saco de farinha de trigo, tintava e fazia aqueles shorts para gente vestir sem camisa. Vivia pelado porque não era necessário, o pessoal lá não tinha roupa. A gente era acostumado, era que nem índio. Nós só usamos aquelas bermudas porque um cara lá correu na roça de algodão e aí pegou a faca para me capar. Por isso que a mãe conseguiu essas bermudas, porque eu não podia sair de casa com medo desse cara. Ele falava que ia me capar porque eu tava pelado. Era um cara velho e ele fazia isso aí porque ele achava que não era certo um cara de quatorze anos pelado.

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Em cinco de agosto 1979, com dezoito anos eu vim para São Paulo sem nada, sem nenhum documento. Naquela época nós viemos de caminhão, pau-de-arara que chama, sofrendo na carroceria. Passamos três dias com três noites. A mãe ponhava o colchão no chão, na carroceria do caminhão e aí nós dormia. Estava eu, meus quatro irmãos, minha mãe. Vinha lotado de gente, mais ou menos umas vinte pessoas.

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Page 59: A Mineirinha e outras histórias

A vida foi muito difícil, sem trabalho e sem dinheiro. Depois com o tempo consegui um emprego de faxineiro ganhando aquele salarinho pequenininho e fui construindo a vida. Então meu pai foi e arrumou um barraquinho. Morava em um barraco onde tinha apenas uma cama. Com o tempo ganhei um fogão e assim fui levando a vida.

Naquela época eu comecei a melhorar de vida, arrumei um empreguinho melhor e fui criando a vida. Juntando um dinheirinho comprei um barraquinho pra mim e me casei em cinco de setembro de 1987. Construí a família, construí quatro filhos.

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Page 60: A Mineirinha e outras histórias

Um dia a mulher falou “vamos para o Ceará, para Fortaleza que lá nós consegue uma vida melhor” e eu fui no embalo.Cheguei lá, nem emprego nem nada. Comendo na custa da minha sogra. Aí eu liguei para meu pai e ele mandou vinte reais. A passagem de volta para São Paulo era dezoito. Eu comprei a passagem e sobrou dois reais, deixei para a mulher. E vim só com a passagem. Chegando na Bahia o pessoal perguntou “você não toma nem um café?” Eu falei: “eu não tomo porque é o seguinte: eu vim só com o dinheiro da passagem”. Quando abri a bolsa e mostrei para o cara eu até chorei. Então o cara fez uma fala na frente do ônibus e arrecadou quinze reais - aquela época quinze reais era dinheiro. Eu cheguei aqui com esses quinze reais, não gastei nada e também não faltou mais nada para mim.

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Page 61: A Mineirinha e outras histórias

Eu cheguei. Deus foi tão grande que eu cheguei. Minha mãe quando me viu, chorou porque eu só estava o couro e o osso. Eu chorava, chorava toda noite porque o cara que gosta dos filhos sente falta. Quando fez seis meses eu mandei um dinheiro pra ela vir com eles.

Eu fui passear lá uma vez. Minha mãe queria que eu viajasse para Várzea Alegre, mas ela morreu antes que eu fosse. Na noite antes de viajar ela me cobriu os pés. Eu sabia que era ela porque ela quando era viva, sempre cobria os pés da gente.

Quando fui passear eu chorei porque eu vi onde eu nasci, a casa que meu pai morava ainda hoje ela está, ainda tem o pilãozinho que minha mãe pilava a comida pra gente comer. Então recordando aquele sofrimento que eu tinha eu chorei, eu não agüentei, vim embora.

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Page 62: A Mineirinha e outras histórias

Sou de Lorena, no interior. Me mudei para São Bernardo porque vim morar com meu esposo. Me mudei por amor. Ele é caminhoneiro e viaja o Brasil todo. Me encontrei com ele no posto de gasolina, eu estava parada e ele foi tomar café, eram 6 horas da manhã. Eu estava no carro da minha comadre que estava quebrado, ela vinha para São Paulo porque morava aqui e eu vinha com ela para passear, e nisso o carro dela quebrou e eu fiquei. Ele perguntou para o meu amigo o quê que eu estava fazendo lá. Meu amigo falou: “o carro dela tá quebrado”. Então ele falou para o meu amigo: “eu vou carregar a carreta, quando eu voltar se ela estiver, eu engato na carreta e levo ela embora até a casa dela”. Ele fala que aquele dia eu estava muito bonita, ele fala até hoje: “nossa, que gordinha bonitinha!”.

Quando eu vi que ele desceu eu fiquei séria, eu fechei a cara, porque diz que caminhoneiro faz muita coisa com a

Eu e JobertinoMaria Aparecida Molinari

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Page 63: A Mineirinha e outras histórias

gente. A hora foi passando, ele carregou a carreta e quando ele voltou eu já não estava mais.Depois eu fui até a empresa que ele estava, agradeci muito e fui embora. Deixei o telefone, o endereço, se ele quisesse tomar um refrigerante na padaria que eu trabalhava, ele podia ir.

Um belo dia ele apareceu e a gente ficou conversando, conversa vai conversa vem, aí eu fui viajar com ele de caminhão. Depois de dois meses a minha filha sumiu de casa. E ele me ajudou a chamar o resgate. Foi quando me cativou mais porque ele não tinha nada a ver, mas mesmo assim me ajudou.

A gente foi viajar juntos, era época de Natal. Fomos para Manduri, uma cidade muito linda que eu não esqueço essa cidade até hoje. Tinha muita natureza, muitas árvores de eucalipto. Eu vi um cachorrinho e queria levar embora.

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Namoramos assim 3 anos. Depois a gente se separou porque ele ficava mais em São Paulo do que lá, a gente se via muito pouco. Ele falou que um dia ia levar eu embora pra morar com ele. Mas o tempo foi passando e a distancia nos separava. Um dia eu cheguei nele e falei que era para ele seguir o caminho dele que eu ia seguir o meu. Porque não dava, eu queria uma pessoa que ficasse perto de mim e não longe, e ele ficava distante. Eu sofri porque eu no mesmo tanto que falei que não queria mais, eu queria. Ele foi embora e eu não tinha mais contato.

Eu fiquei noiva, mas não adiantou nada. Não era aquilo que eu queria, o que eu queria era ele. Depois de três anos ele voltou, lembro que era dia sete de setembro.Fui no desfile e uma amiga falou que estava me procurando só que eu já não morava mais no bairro onde ele tinha me deixado, eu já morava em outro bairro. O desfile era no sábado e eu me encontrei com ele no domingo porque a minha amiga deu para ele o meu telefone.

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E naquele dia eu tinha falado para minha comadre que o homem que eu ia me casar, que eu ia embora seria ele, mas nem imaginava que ele ia aparecer.

Quando foi umas seis horas da manhã o telefone tocou. A minha amiga falou que era ele, eu não acreditei, só acreditei quando eu fui encontrar com ele, num posto, em um restaurante. Esse encontro foi muito emocionante, eu chorei muito, só que daí, desse dia em diante eu já não quis mais deixar ele.

Depois de um tempo ele pediu para ir morar juntos em São Paulo e me trouxe de vez para cá. Já faz sete anos e parece que cheguei ontem.

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“minha história é amarga e doce.Primeiro veio o amargo e terminou doce“

Um certo dia, minha tia Maria da Conceição chegou com uma maravilhosa notícia: a de que eu e meus irmãos iríamos para São Paulo. Ao chegarmos aqui fomos morar no Batistini e começamos a trabalhar em uma olaria. Lá o serviço era muito pesado porque tinha que fazer a bola do barro e depois jogar dentro da forma, cortar, jogar em cima de duas tabuinhas e levar lá no chão. Eu lançava tijolo, eram dois mil, dois mil e quinhentos tijolos que eu fazia por dia e foi com esse serviço que a gente manteve o nosso alimento.

A minha história amarga e doce

Maria das Graças

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Foi na olaria que perdi minha mãe, ela teve uma grave doença e meu pai, com a intenção de salvá-la, gastou seus últimos centavos. Ficamos só eu e meu pai. A gente era muito simples, não tinha um fogão a gás, então meu pai fez um fogão à lenha. Com aquele fogão à lenha eu cozinhava feijão, fazia tudo para o meu pai naquele fogãozinho.

Era uma casinha muito simples. Ficava sozinha, só tinha um “radico” de pilha, um radinho que eu ligava naquelas músicas do Roberto Carlos, aquelas antigas.

Enquanto meu pai estava no bar, eu ficava cantando sozinha dentro daquele barraquinho. Às vezes eu saia um pouquinho para fora, era muito turvo, muito escuro. Em volta tinha bastante pé de mamona e tinha janelinha, mas não entrava sol não. Eu dormia ali, o cachorrinho na banda de fora e eu dentro

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do barraquinho. Ficava no meio do mato e tinha até bicho, aquele porco-do-mato. Quantas vezes não correu atrás de mim, eu com a jarrinha de suco para levar para o meu pai beber na olaria, quantas vezes eu largava a jarra lá derramada com suco e saia correndo, porque aquele bicho machuca a gente.

Era daquela maneira que nós vivíamos. Tinha semana que nem dava pra fazer uma despesinha, a gente comia aquilo que tinha lá: fazia farofa de fubá, fazia angu. Meu pai trabalhava de manhã e de noite saia para beber. Eu ficava ali naquele mato sozinha, meditando. Eu queria ser uma pessoa grande e adulta para ajudar meu pai. Diante do desespero, meu pai achou a maldita cachaça e bebia tanto que as pessoas do bar precisavam levá-lo no colo até em casa. Em uma certa manhã, eu disse a ele: “pai por favor não bebe tanto assim se não vai acabar morrendo”.

E ele respondeu: “minha filha isso é para ver se eu esqueço sua mãe que tanto amava e estimava”. Ele achava que não tinha mais solução na vida. Quantas vezes eu chegava e pegava meu pai

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jogado no chão, apoiava na cama, e pedia a Deus para me dar força pra eu conseguir deitá-lo na cama. Eu dava banho no meu pai, não tenho vergonha de falar porque eu queria que ele se tornasse uma pessoa limpa. Eu lavava e enxugava os pezinhos dele, jogava três, quatro cobertas por cima dele, porque ele não estava sabendo o que tava fazendo. Enquanto ele estava dormindo eu ia no fogão com dois pedacinhos de pau, e acendia aquele fogão enorme soprando com a boca pra fazer o fogo. Esquentava um pouquinho daquele arroz com feijão pra ele se alimentar. Ele não podia ficar fraco, senão não ia agüentar trabalhar na olaria.

Depois de um tempo meu pai arrumou uma namorada chamada Antonia. Eu pensei que não ia me dar bem com esta madrasta, mas ele falou que era muito boazinha e que eu ia adorar ela. Eu pensei “ai meu Deus!, agora essa

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mulher vai vir para dentro de casa, eu acho que ela vai me bater e não vai me querer bem, porque não sou filha dela”. Logo que meu pai se casou eu fiquei meditando: “não demora, não vejo a hora de chegar a minha idade também pra eu arrumar um namorado e casar”.

Com os meus onze anos comecei a namorar, e esse namoro durou quatro anos e com quinze anos me casei com Jair Jacinto dos Santos. Ele morava em Santo André e a gente morava em Diadema. Um dia ele chegou e foi na casa da irmã dele, Julieta. Minha irmã me chamou pra ver ele, para ver o jeito que ele era. Cheguei lá, peguei na mão dele, eu estava com onze anos e ele com vinte e dois. Quando ele pegou na minha mão, que eu olhei no rosto dele, ele piscou para os meus olhos, piscou pra mim. Eu não sabia o que era namorar aí eu achei que estava com um cisco no olho.

Minha mãe dizia que se um rapaz colocasse a mão na gente, não era moça mais. Se pegasse na mão tinha que casar mesmo. Então a gente tinha aquele cuidado. Meu namorado não entendia ele falava: “se não é para relar, de que jeito a gente vai namorar?” Um dia ele pegou no meu ombro e meu irmão falou para mãe.

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Levei uma pisa que tenho até hoje. De primeiro, no meu tempo era assim, o namoro era muito delicado e muito educado. Hoje em dia é muito diferente. Mas eu não queria namorar com ele, era muito pequena e muito nova. Já minha mãe falou assim: que antes de morrer só ficaria sossegada e teria paz se eu casasse com ele. Era a maior alegria da vida dela.

Ele pediu a minha mão para minha mãe, disse que gostava muito de mim. Minha mãe aceitou e eu aceitei. Meu pai estava bêbado. Então depois de todos aceitarem até ele providenciar o casamento levou quatro anos. Meu namorado foi mais do que um filho pra minha mãe. Chegava a pegar minha mãe no colo. Minha mãe achava que do jeito que ele fazia pra ela, ele ia fazer pra mim quando eu casasse. E foi mesmo.

Já pensou você casar com uma pessoa que você não gosta? Só pelo amor do que ele fazia para minha mãe eu acabei gostando dele e esse gostar já tem quarenta e quatro anos. Nós dois somos a mesma coisa que dois irmãos.

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“Sonhar mais um sonho, porque quem pára de sonhar morre”

A casa onde eu nasci era de taipa, tinha dois quartos para onze filhos mais meu pai e minha mãe morar. A sala era bem grande, onde tinha bastante rede para dormir.

Quando eu morava com meus pais, morava no interior de Sergipe, nessa cidade chamada Moita Bonita. Ela já existe no mapa. Eu nasci lá mas quando eu tinha sete anos meu pai foi contratado para trabalhar na Bahia e assim fomos morar na fazenda Agriza que fica na cidade de Ituberá. Moramos numa casinha de sapé durante sete meses até desocuparem a casa de dentro da fazenda. Eu tive uma infância bem humilde, mas muito feliz.

Minha mãe pegava água na fonte com o pote de barro que levava na cabeça - a fonte é uma pequena poça que acumula água da chuva durante o inverno e é usada para o consumo no verão. É uma

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água que não tem muitas qualidades, cor de barro ou cor de leite. No início ela é boa, mas no fim, o que sobra é terrível e tem que dividir com o gado. Para tomar banho eu não sei se a gente se limpava ou se sujava mais.

Enquanto mamãe fazia o café da manhã, meu pai cuidava da horta. Ele e meu irmão plantavam feijão e produziam a palma, planta que serve como ração para o gado enquanto o inverno não chega para o capim voltar a nascer.

No nordeste, todos têm seus meios de ter algum alimento. Meu pai, mesmo quando estava mais pobre, sempre teve seu gado de onde tirava leite, fazia queijo.Mas o grande problema mesmo foi e ainda é a água. Os açudes são uma espécie de salva-vidas do gado. Com a chegada das primeiras chuvas o nordestino se prepara para a plantação do milho.

Eu lembro que minha mãe cantava“boi, boi, boi, boi da cara preta...” balançando eu e meus irmãos na rede.

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Até os cinco ou seis anos, eu brincava sem compromissos, depois descascava mandioca, quebrava milho, colhia amendoim, feijão. Das brincadeiras de criança, esconde-esconde era uma das preferidas em noite de lua. A lua cheia no nordeste ilumina o céu como se fosse dia.

No início, as crianças não trabalhavam, mas depois percebemos que o pai não ia dar conta do serviço e resolvemos ajudar. No trabalho, a gente se divertia e começamos a gostar de colher cacau, partir, tirar o caroço. Pela primeira vez, eu vi um cacho de bananas madurinho. A gente não participava do processo de fermentação e secagem do cacau.Tudo era novidade.

A gente nunca teve festa de aniversário, então a gente combinou que quando cada um de nós saíssemos de casa, o primeiro aniversário a gente se reunia todo mundo e comemorava. Mas aí a gente não comemorou o aniversário da gente, a gente comemorou o aniversário

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de casamento do meu pai e da minha mãe. Eu lembro que a coisa mais bonita que vi até hoje foi minha mãe e meu pai chorando de felicidade por causa da festa que nós fizemos pra eles.

Quando eu voltei da Bahia, tinha vinte e um anos, me casei e foi onde eu fui viver na capital lá em Aracaju, num bairro chamado São Conrado. Saí de Aracajú em 1998, vim para São Paulo porque meu marido era muito violento, me maltratava muito, chegava até a me machucar fisicamente e eu fui cansando daquela vida de cuidar da casa, dos filhos, do marido e não ter nenhum reconhecimento. Eu passei alguns meses só pensando, pensando, pensando, até que cheguei à conclusão de que seria melhor ir embora, mas ir embora para longe, porque ficar perto, próximo dele, ele ia sempre atrás de mim.

Era época junina no nordeste, onde tem muitos fogos, muitas coisas, muita bebedeira, trio elétrico. O meu marido gostava muito dessas coisas e eu não gostava. Ele saia e eu não saia. Então, ele chegava sempre muito violento e um dia foi me agredir e acabou machucando o meu filho do meio. Aquilo foi me revoltando, digamos que foi a gota d’água para uma decisão, não sei se a mais certa, mas no momento era a solução.

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Conversando com minha mãe, meu pai e alguns irmãos eu acabei chegando à conclusão que o melhor seria ir embora.

Há doze anos moro na favelinha aqui no Oleoduto, com meus filhos Júnior, Roberto e Tiago.

Eu comecei de doméstica, passei uns três anos de doméstica, depois fui trabalhar num condomínio, na portaria, depois eu fui para uma firma aqui no Rudge Ramos. E até que eu consegui comprar meu barraquinho que hoje é dois cômodos, mas é meu. Nesses doze anos eu não quis casar mais.

Algumas pessoas comentam que chegam em São Paulo e vêm com o intuito de que ganha dinheiro fácil. Não ganha. A gente tem que correr atrás, quando a gente quer.

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Acho que quer que as coisas caiam do céu. Que eu saiba do céu só cai chuva. Eu cheguei aqui, fui à procura de trabalho, cheguei na casa da minha patroa Adriana, eu falei para ela “Adriana, Dona Adriana, eu preciso trabalhar, acabei de chegar do nordeste com meus dois filhos”. E eu não fui atrás de pensão, eu fui procurar trabalho e sobreviver, andar com as minhas pernas.

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Era o que eu queria e foi o que eu consegui. Quando eu quero alguma coisa eu corro atrás, eu não espero acontecer. Eu gosto de lutar pelas coisas, eu gosto de ter trabalho para conseguir, porque o que vem fácil vai fácil também.

A melhor fase da minha vida é hoje com meus filhos criados. O meu caçula hoje tem quatorze anos. Então, é bem diferente, embora um pouco assustador porque o ambiente onde eu moro é bem barra pesada.

Eu fiz questão de sempre realizar alguns sonhos básicos dos meus filhos. Eu ouço algumas crianças falarem que “a mãe nunca me abraça, nunca me beija...” Se você vê eu e meus filhos você fala que é uma família muito feliz e a gente é! Eu faço questão do amor deles e retribuo do mesmo jeito. Se tem problema eu converso, não sou de agredir, se precisar por de castigo eu ponho, mas tudo no limite.

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Eu vou seguir em frente com meus estudos, até porque eu tenho o apoio dos três agora. No início ficaram assim... Mas eu vou. Ainda que seja por pouco tempo. Eu ainda quero ser auxiliar de enfermagem. Eu tenho esse sonho. Fazer visita a asilos.

A gente tem sempre que fazer alguma coisa para manhã, porque hoje já acabou. Daqui a pouco é hora de você tomar um banho, jantar, dormir... No dia seguinte, você tem que sonhar, senão você não tem o que fazer. Eu vou continuar sonhando e realizando os que eu puder, pode ter certeza.

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Índice dos contos

14 O rio só ficou no barro Adão Manoel da Silva

16 Anailda Anailda Heostílio dos Santos

22 Antonio Antonio Alves dos Santos

26 O meu milagre Elizete Bispo da Silva

28 A Mineirinha Gení Soares Lopes

34 Quando eu salvei uma vida Genivaldo Ferreira de Souza

38 Seu Idalino Idalino Lourenço

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42 A minha natureza Joel Monteiro da Silva

46 Saudade da terra que cheirava de fruta Jorgival Ferreira de Souza

50 Eu te amo Laura dos Santos Barbosa

56 Luiz Luiz Deoclecio Pereira

62 Eu e Jobertino Maria Aparecida Molinari

66 A minha história amarga e doce Maria das Graças

72 Valdice Valdice Mendonça Santana

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