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1 A Policy Orientation em Estudos Recentes de Implementação de Políticas Públicas no Brasil Autoria: Francisco Gabriel Heidemann, Leonardo Secchi, Camila Herzmann Corrêa, Douglas Ruschel Resumo: Este artigo tem com objetivo verificar a incorporação da policy orientation nos estudos recentes de implementação de políticas públicas no Brasil. Estudos ‘orientados a política pública’ (policy oriented), nos termos em que esta é definida na literatura das policy sciences, são aqueles que acumulam aspectos de multidisciplinaridade e normatividade. As características delineadoras da policy orientation foram inicialmente propostas por Harold Lasswell (1951) e, mais tarde, requalificadas por estudiosos que retomaram a temática, entre os quais Dror (1971) e Howlett e Ramesh (2003). A pesquisa que originou este artigo mapeou todos os trabalhos publicados nos anais dos eventos acadêmicos EnANPAD, EnAPG, ABCP e CBS, no período de 2005 a 2009, que abordassem temas de implementação de políticas públicas. Após a operacionalização dos termos sensíveis a esta pesquisa, passou-se a verificar a presença de multidisciplinaridade e normatividade em cada um dos artigos mapeados nos eventos. A característica de “ânimo para resolução de problemas públicos” não foi verificada, por problemas de operacionalização de indicadores. Como principais conclusões da pesquisa tem-se que mais da metade dos estudos que trabalham com implementação de políticas públicas são multidisciplinares. A outra conclusão é que menos de um terço dos estudos de implementação de políticas públicas apresentados em eventos científicos no Brasil são normativos. Por fim, apenas 15,28% dos estudos recentemente publicados sobre implementação de políticas públicas no Brasil acumulam simultaneamente aspectos de multidisciplinaridade e normatividade, ou seja, possuem policy orientation. Os eventos do EnAPG e EnANPAD são aqueles que apresentaram percentuais mais altos de policy orientation. Como sub-produto da pesquisa também extraiu-se um ranking de autores mais citados pela comunidade epistêmica brasileira na área de implementação de políticas públicas. Em nossa conclusão afirmamos, de modo ainda não definitivo, que é baixa a ‘orientação para política pública’ encontrada nos recentes estudos de implementação de política pública apresentados em eventos científicos no Brasil. Levantamentos algumas das hipóteses explicativas para esta situação: isolamento da comunidade epistêmica nacional na área de políticas públicas em termos internacionais; “ideal da neutralidade científica” na comunidade epistêmica brasileira, onde a explicitação de valores é vista como defeito; isolamento entre o mundo dos scholars (acadêmicos) e do mundo dos practictioners (aqueles que vivem a política pública).

A Policy Orientation em Estudos Recentes de Implementação ... · dados não foram considerados no momento da elaboração do projeto. Mas é também fato que o campo da assim chamada

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A Policy Orientation em Estudos Recentes de Implementação de Políticas Públicas no Brasil

Autoria: Francisco Gabriel Heidemann, Leonardo Secchi, Camila Herzmann Corrêa, Douglas Ruschel

Resumo: Este artigo tem com objetivo verificar a incorporação da policy orientation nos estudos recentes de implementação de políticas públicas no Brasil. Estudos ‘orientados a política pública’ (policy oriented), nos termos em que esta é definida na literatura das policy sciences, são aqueles que acumulam aspectos de multidisciplinaridade e normatividade. As características delineadoras da policy orientation foram inicialmente propostas por Harold Lasswell (1951) e, mais tarde, requalificadas por estudiosos que retomaram a temática, entre os quais Dror (1971) e Howlett e Ramesh (2003). A pesquisa que originou este artigo mapeou todos os trabalhos publicados nos anais dos eventos acadêmicos EnANPAD, EnAPG, ABCP e CBS, no período de 2005 a 2009, que abordassem temas de implementação de políticas públicas. Após a operacionalização dos termos sensíveis a esta pesquisa, passou-se a verificar a presença de multidisciplinaridade e normatividade em cada um dos artigos mapeados nos eventos. A característica de “ânimo para resolução de problemas públicos” não foi verificada, por problemas de operacionalização de indicadores. Como principais conclusões da pesquisa tem-se que mais da metade dos estudos que trabalham com implementação de políticas públicas são multidisciplinares. A outra conclusão é que menos de um terço dos estudos de implementação de políticas públicas apresentados em eventos científicos no Brasil são normativos. Por fim, apenas 15,28% dos estudos recentemente publicados sobre implementação de políticas públicas no Brasil acumulam simultaneamente aspectos de multidisciplinaridade e normatividade, ou seja, possuem policy orientation. Os eventos do EnAPG e EnANPAD são aqueles que apresentaram percentuais mais altos de policy orientation. Como sub-produto da pesquisa também extraiu-se um ranking de autores mais citados pela comunidade epistêmica brasileira na área de implementação de políticas públicas. Em nossa conclusão afirmamos, de modo ainda não definitivo, que é baixa a ‘orientação para política pública’ encontrada nos recentes estudos de implementação de política pública apresentados em eventos científicos no Brasil. Levantamentos algumas das hipóteses explicativas para esta situação: isolamento da comunidade epistêmica nacional na área de políticas públicas em termos internacionais; “ideal da neutralidade científica” na comunidade epistêmica brasileira, onde a explicitação de valores é vista como defeito; isolamento entre o mundo dos scholars (acadêmicos) e do mundo dos practictioners (aqueles que vivem a política pública).

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1. INTRODUÇÃO

Os estudiosos ou pesquisadores brasileiros que, explícita ou nominalmente, tratam em

seus escritos de temas de política pública, em geral, e de sua implementação, em particular, revelam graus diferenciados de compreensão do significado e da natureza dos fenômenos da política pública. A ‘orientação para política pública’ de uma política pública é um desses fenômenos. Parece a coisa mais óbvia do mundo que uma política (policy) tenha que ter ‘orientação política’! Mas no mundo real dos cientistas sociais brasileiros nem sempre se revela tão óbvio assim. Por um lado, felizmente, podemos observar pesquisadores que se empenham de modo extremamente consistente com o conceito e colhem resultados de grande valia para o campo teórico e para a governança pública. Por outro, no entanto, há também pesquisadores que tratam a questão de maneira mais vaga e pouco específica e não atentam para as complexas dificuldades que o conceito de política pública contém ou implica. A linguagem de política pública que empregam muitas vezes não passa de um formalismo inócuo que muito pouco contribui para o entendimento e a prática da governança da pólis.

Por essa razão, a pesquisa que deu origem a este artigo se procurou verificar a ‘orientação para política pública’ contida nos estudos e relatos sobre implementação de política pública divulgados pela comunidade acadêmica de várias áreas de ciências sociais. Escolhemos para análise os textos apresentados nos eventos do Enanpad (Administração), Enapg (Administração Pública), Reuniões da ABCP (Ciência Política) e Congressos da SBS (Sociologia). Acreditamos que estes textos poderiam ser, como de fato são, uma base rica e adequada de dados para checar a congruência entre o que nos aponta a literatura consagrada e o que contêm os textos dos pesquisadores a respeito. Outros procedimentos para coleta de dados não foram considerados no momento da elaboração do projeto.

Mas é também fato que o campo da assim chamada policy science é muito novo e ainda depende de muito estudo para que se possa afirmar que há na academia uma ciência solidamente estabelecida e reconhecida. Não só no Brasil, mas em todo o mundo, a policy science é ainda um empreendimento de ciência novíssimo. Além disso, este campo é parte dos estudos da ciência política, uma área conhecida por um alto grau de polissemia e dificuldade para se estabelecer univocidade. Mais ainda, é um conhecimento iniciado no exterior e transposto para o país, com todas as implicações de sentido ou de falta de significado e da requerida ‘redução sociológica’ ao contexto brasileiro.

Em termos de empreendimento científico, essas características representam um desafio de difícil superação. O momento parece adequado para se iniciar estudos que levem à compreensão dos fenômenos que estão ocorrendo e torne seu conhecimento mais relevante e útil aos policy-makers e aos cidadãos em geral e contribua para melhorar a provisão dos serviços públicos à cidadania.

Neste primeiro esforço de pesquisa sobre o entendimento da política pública encontrado nos trabalhos dos pesquisadores vis-à-vis à literatura, decidimos isolar a questão da implementação da política pública como ponto central e direto de estudo, por uma questão de coerência e urgência.

A implementação de políticas públicas é o que mais se espera do trabalho de um bom administrador público e o que mais desafios representa para ele. A implementação bem sucedida de política pública depende do administrador público mais do que de qualquer outro profissional. Lamentavelmente, a teoria de administração pública não teve êxito na missão de dar ao administrador público os instrumentos adequados à implementação de políticas, apesar dos sofisticados conceitos e instrumentos articulados por ela. O tipo ideal da burocracia, por exemplo, não lhe satisfaz como instrumento estratégico concebido para a produção eficaz de serviços públicos.

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Em termos de justificativa, o conhecimento e uso correto dos conceitos de política pública têm efeito operacional prático nas ações implicadas por eles. Se os termos usados não correspondem a um conteúdo reconhecido pela comunidade científica, seu emprego dissonante pode desvirtuar a ação dos policy-makers como também pode introduzir confusão no campo de estudo. O campo específico da ‘implementação’ diz respeito à intervenção direta na realidade político-social-econômica e requer todo o cuidado teórico e prático que a boa ética implica.

Assim, preocupa, particularmente, aos pesquisadores o uso incorreto dos conceitos por suas implicações teóricas e práticas. Com a pesquisa julgamos possível separar o “joio do trigo”, indicando aos acadêmicos da área, por exemplo, os textos que têm fundamentação teórica adequada, sólida e confiável. No frigir dos ovos, o estudo também pretende contribuir para desmistificar a produção acadêmica destituída dos fundamentos adequados.

Como objetivo central da pesquisa nos propomos a verificar se os trabalhos sobre implementação de políticas públicas apresentados e publicados nos eventos acadêmicos do EnANPAD, EnAPG, Reuniões da ABCP, e CBS, entre os anos de 2005 e 2009, se pautam pela ‘policy orientation’, conforme preconiza a literatura respectiva. Os objetivos específicos desdobrados desse objetivo geral somam três: (1) caracterizar a ‘policy orientation’ a partir dos conceitos, definições e indicadores encontrados na literatura específica para descrever ‘implementação’ de política pública; (2) levantar os trabalhos apresentados nos eventos da ANPAD, EnAPG, ABCP e SBS, que tratam da questão da implementação; e (3) analisar pelas lentes da ‘policy orientation’ os trabalhos sobre implementação de política pública apresentados nos congressos indicados, para verificar seu grau de congruência.

Para delimitar nosso problema de pesquisa e seu objetivo geral, procuramos averiguar as “deficiências de fundamentação teórica” constatáveis nos artigos submetidos aos eventos mencionados, particularmente em relação a sua ‘policy orientation’. Essa ‘orientação para política pública’ se traduz por três dimensões: multidisciplinaridade, normatividade e ânimo de resolução de problemas. Das três, tivemos condições de estudar apenas as duas primeiras. Por problemas de operacionalização, a dimensão “ânimo para a resolução de problemas” será tratada em outra pesquisa que ainda será desenvolvida. Além disso, buscamos fazer algumas especulações preliminares sobre os significados que a linguagem empregada pelos pesquisadores estaria tentando traduzir para o leitor: estaria se processando entre os estudiosos brasileiros da temática uma ‘redução sociológica’ da linguagem de ‘política pública’ para o nosso contexto cultural ou uma desfiguração de seu sentido pragmático operacional? Não se teve a pretensão, porém, de abordar as supostas razões ou origens de um eventual fenômeno desse tipo.

Na seção seguinte trataremos dos fundamentos teóricos que dão suporte e permitem a elaboração dos indicadores operacionais necessários ao tratamento e estudo do problema.

2. POLÍTICAS PÚBLICAS

Nesta seção apresentamos as principais definições de política pública e descrevemos

as características da ‘orientação política da política pública’ (‘policy orientation’). Como um dos principais autores de estudos sobre política pública, Dye (1972) define

política pública como “tudo o que um governo decide fazer ou não fazer” (Howlett & Ramesh, 2003). Neste conceito, pode-se destacar que a política pública é uma iniciativa de caráter oficial para resolver problemas da sociedade. O agente principal desse processo é o governo enquanto representa a dimensão política de toda sociedade. Neste sentido, a política pública se distingue da política privada, pela presença do Estado em sua produção ou coprodução. Pelo lado da origem, a política pública nasce na esfera pública, ou poder público, que diz respeito ao que é comum, de todos, coletivo. Quanto ao alvo das políticas públicas,

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todos os membros de uma pólis, de uma jurisdição político-administrativa, serão afetados por seus efeitos; se nem todos são beneficiários diretos de uma política, todos terão que arcar com os ônus dela. A definição de Dye é muito abrangente e têm aí sua principal limitação e dificuldade de aplicação. As políticas concretas se expressam em termos específicos, circunscritos e subsistêmicos. Mas há ainda outras definições de natureza ampla, como a de David Easton (1965), que conceitua a política pública como “a alocação oficial de valores para toda a sociedade”. Nas duas definições sobressai a presença de um ator comum e global, que representa uma responsabilidade última.

Já William Jenkins (1978) define política pública como “um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou um grupo de atores políticos, a qual se refere à seleção de objetivos e dos meios necessários a alcançá-los, numa situação especificada em que o alvo dessas decisões estaria, em princípio, ao alcance efetivo desses atores” (Howlett & Ramesh, 2003). Essa definição é mais analítica que as anteriores, por apresentar a política como uma ou mais decisões tomadas para resolver um problema da sociedade. Ela destaca elementos específicos como atores, valores, objetivos, recursos associados a uma politica. Os atores políticos envolvidos no processo policy making podem vir do Estado, da sociedade civil e/ou do sistema internacional. Ela ressalta a fusão entre objetivos e meios de uma política, tirando a ênfase exclusiva sobre os valores alocados à sociedade. O autor aborda um problema concreto, numa situação real e objetiva, que pode ser implementada e alcançada. A definição de Jenkins é bem mais pragmática que as anteriores, mas também não é completa. Cada definição resgata algum elemento essencial à noção de política pública, mas não todos.

Para James Anderson (1984) política pública é “um curso de ação intencional perseguido por um ator ou conjunto de atores, quando tratam de um problema ou matéria de interesse” (Howlett & Ramesh, 2003). Esta definição sublinha o fato de as políticas dizerem respeito a problemas, á solução de problemas. A noção da intencionalidade ou do propósito de uma política é essencial à definição de política pública. A política passa a ser entendida como uma espécie de decisão pré-existente, para situações problemáticas que possam aparecer em alguma data ou lugar. Mas concebida apenas com intenção, a noção de política pública não é completa. Sem as ações que lhe correspondem, sem sua implementação, a política é discurso de intenções e não cumpre seu papel. Ou seja, a intencionalidade não basta para que a política pública exista. Precisamos mais do que de intenções enunciadas na forma de leis ou outros instrumentos jurídicos, mesmo que elas sejam importantes para retratar as intenções e comunica-las oficialmente à sociedade. Por outro lado, pode haver política pública em operação sem que um enunciado oficial de suas intenções a sustente. Esta é uma questão complexa a se discutir.

Além das três definições submetidas aqui, há muitas outras, como lembra Dye nas mais de 10 edições que seu livro Understanding Public Policy já alcançou desde que foi lançado pela primeira vez em 1972. As definições mais abarcantes tem a vantagem de ajudar a compreender a complexidade conceitual e prática de uma política pública; as mais específicas permitem abordar de forma bem pragmática e concreta um problema específico. Todas elas têm utilidades e limitações. Por isso não podemos dispensá-las, como também não podemos confiar plenamente em uma ou outra delas.

2.1 Implementação de políticas públicas

A implementação de uma política tem sido alvo de construção teórica há muito tempo. Um instrumento clássico de produção de serviço público é a burocracia. É talvez a estratégia mais conhecida e mais controvertida, desde que foi concebida como tipo ideal por Weber e desdobrada nas estruturas organizacionais dos governos públicos e privados.

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Quando se iniciou o estudo do campo hoje conhecido como política pública, ou policy making, esta passou a ser alvo de um processo, o processo de política pública. Para operacionalizá-la, o processo foi desdobrado em etapas ou estágios. Várias proposições apareceram. Algumas com um número elevado de fases. Outras, com no máximo três etapas: formulação, implementação e avaliação. Uma proposta intermediária surgiu na obra de Howlett e Ramesh (2003). Segundo a classificação de estágios feita por Howlett e Ramesh (2003), o processo de política pública pode ser desdobrado em cinco fases, a saber: montagem ou estabelecimento de uma agenda; formulação de propostas de solução para o problema identificado e reconhecido como tal pelo poder público na primeira etapa; tomada de decisão política, quando uma das propostas anteriores é eleita e formalizada como decisão oficial; sua implementação por meio dos instrumentos, atores e recursos disponíveis e alocados para sua produção; e, finalmente, a avaliação de seus efeitos e impactos.

A implementação é a quarta fase do processo de políticas públicas, pela tipologia de Howlett e Ramesh (2003). Depois que um problema público conseguiu entrar na agenda política, depois que foram propostas várias opções para sua resolução e que o governo fez opção por uma dessas propostas, resta ainda pôr a decisão em prática. O estágio da implementação é aquele em que as decisões políticas são transformadas em ação, em um bem material e concreto para a cidadania ou um segmento dela. A implementação é definida como o processo pelo qual as políticas são executados na forma de programas e ou/projetos. Enquanto algumas decisões foram tomadas na forma geral de políticas, outras são necessárias para concluir as políticas eleitas em questão.

No início dos estudos de política pública não existia a questão da implementação, porque ainda se acreditava que, uma vez votada uma lei, a burocracia pública automaticamente se encarregaria de pô-la em prática. Foi apenas no início da década de 1970 que a questão da implementação se colocou como uma questão chave na literatura de política e de administração pública. Hoje a literatura que trata de implementação já se encontra em sua terceira geração, segundo Goggin (1990).

A partir da publicação do livro Implementation, de Pressman e Wildavski (1973), a implementação passou a fazer parte da sistemática da área de políticas públicas. Foram mobilizados esforços para verificar os aspectos que facilitavam ou restringiam a implementação de políticas públicas.

Em seguido surgiu um segundo debate envolvendo esta etapa das políticas públicas, denominado top-down versus bottom-up. Algumas análises e prescrições de estudiosos sugeriam que a implementação efetiva da política era um processo top-down, que se interessava em criar mecanismos que garantissem que a implementação de políticas públicas levasse os funcionários a fazer seu trabalho com mais eficácia. Era um reforço sobre a abordagem clássica da burocracia. Mas a abordagem bottom-up contestou esse método, sugerindo que fosse focado no estudo mais cuidadoso das ações de quem era afetado e estava envolvido na implementação da política.

Posteriormente, nos anos 90, ao invés de estudar as questões puramente administrativas voltadas a colocar programas em prática, essa nova abordagem considerava o processo de implementação como uma das ferramentas de governo, sendo aplicadas em casos concretos, por meio de um processo de design de políticas (Howlett & Ramesh, 2003).

Mais recentemente, os estudos na área avançaram para além da questão da tomada de decisão isolada de instrumentos e examinaram em detalhe os instrumentos e os estilos de implementação, visto que as preferências podem se tornar relativamente duradouras, em nível setorial, e às vezes em níveis nacional e internacional, a respeito dos tipos específicos ou combinações de instrumentos.

Os estudos da implementação de políticas públicas não se limitam a abordar apenas as ferramentas que foram utilizadas em cada uma das políticas, mas também, em analisar por

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que determinadas ferramentas não foram utilizadas em políticas específicas, tornando ainda mais complexa esta área de estudos.

2.2 Policy orientation

O termo policy orientation, ou “orientação para política pública”, é aqui definido em

termos específicos e passíveis de operacionalização para que fosse útil à pesquisa. Segundo Harold Lasswell (1951), um importante cientista político do século XX, essa

‘orientação para a política’ é o que move as policy sciences e incorpora as demais especializações científicas. A partir dessa afirmação, é possível identificar a presença de todas as demais áreas do conhecimento humano no campo das policy sciences, que também é marcada, de um lado, pelo interesse no processo das políticas públicas e, de outro, pela necessidade de acrescentar “inteligência” ao processo.

A principal característica das policy sciences é a de incorporar conhecimentos científicos específicos ao processo de formulação e implementação de políticas públicas. É por esse motivo que Lasswell apresenta uma orientação para a política pública, que vai além dos campos específicos do conhecimento, como economia, ciência política, psicologia etc.

Inspirado em Lasswell (1951), Howlett e Ramesh (2003) destacaram três elementos ou dimensões que são considerados importantes características que diferenciam a ciência política de suas abordagens iniciais: a multidisciplinaridade, a normatividade e ânimo para a resolução de problemas.

O primeiro elemento, a multidisciplinaridade, diz respeito ao fato de a ciência da política pública incorporar trabalhos e descobertas de diferentes campos, como a sociologia, economia, direito, a administração e a política.

Quanto à normatividade, Lasswell queria afirmar que a ciência da política pública não pode se disfarçar sob a aparência de “objetividade ou neutralidade científica”, devendo reconhecer a necessidade de andarem juntos os objetivos e os meios, os valores e as técnicas no estudo das ações governamentais. Esperava-se que os analistas de políticas dissessem claramente qual seria a melhor solução para cada problema.

Por fim, encontra-se o ânimo para a resolução de problemas, que incorpora os outros dois elementos e adquire maior importância no processo da public policy-making. Portanto, esse é o elemento que implica a intenção e a ação correspondente que torna possível solução dos problemas.

Segundo observam Howlett e Ramesh (2003), com o passar do tempo, essas orientações às ações governamentais ainda continuam em vigor, porém com algumas qualificações. A ciência da política pública agora é uma disciplina em si, com vocabulários, conceitos e terminologia próprios. A multidisciplinaridade continua sendo enfatizada, com algumas modificações no sentido de que agora não há dúvidas quanto à necessidade de inserirem-se outras disciplinas no campo da ciência da política pública e que os estudiosos do campo devem ser “peritos” em conceitos e interesses desta ciência e em história e em problemas presentes na área substantiva da política.

A questão da normatividade na ciência política também sofreu mudanças, porém não com a mesma intensidade que apresentou a multidisciplinaridade. Em sua maior parte, os valores dos analistas de políticas permaneceram e eles continuam insistindo em avaliar os objetivos e os meios das políticas públicas, bem como o próprio processo de policy making. Por outro lado, vem diminuindo a busca pela prescrição de valores e objetivos específicos que tracem diretrizes práticas para a melhoria das políticas; o que se deve em parte à maior consciência da intratabilidade de muitos problemas públicos. Como consequência, a avaliação das políticas acontece agora com base nos conceitos de eficiência e eficácia e identifica se os governos de fato direcionam suas atividades para a realização dos objetivos determinados,

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desconsiderando a desejabilidade e a racionalidade desses objetivos. Uma forma de identificar os valores privilegiados por um determinado analista é tentar desvendar sua preferência teórica, que referências teóricas o orientam.

Atualmente, os trabalhos desenvolvidos empírica e teoricamente sobre as atividades governamentais vêm surgindo cada vez mais no cenário mundial e, ao mesmo tempo, as propostas iniciais de Lasswell e de seus seguidores permanecem válidas e continuam a proporcionar as bases para a condução do estudo da política pública.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi de natureza exploratória, pois construiu uma hipótese acerca da policy

orientation e aprimorou idéias da literatura internacional e adaptou para o contexto brasileiro. Esta pesquisa é ainda descritiva, por apresentar as características e os dados dos artigos apresentados nos eventos brasileiros e estabelece relações entre variáveis.

A característica de levantamento bibliográfico desta pesquisa é dada pela coleta de dados em material já elaborado, principalmente artigos científicos apresentados em eventos específicos na área de políticas públicas.

Para começar a pesquisa foi realizado um estudo conceitual na área de políticas públicas para definir os conceitos de ‘políticas públicas’, ‘implementação de políticas públicas’, policy orientation, normatividade, multidisciplinaridade e ânimo de resolução de problemas. Este último aspecto, o ânimo de resolução de problemas, é parte integrante da policy orientation, mas não foi estudado na pesquisa que originou este artigo por problemas de operacionalização de indicadores.

Após o entendimento e contextualização destes conceitos, foi possível delimitar o escopo da pesquisa científica, sendo este, verificar a normatividade e a multidisciplinaridade dos artigos científicos apresentados nos colóquios promovidos pelas associações e/ou sociedades de áreas específicas, como no Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), no Encontro Nacional de Administração Pública e Governança (EnAPG), nas Reuniões Nacionais da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), no Congresso Brasileiro de Sociologia (CBS) da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). Alguns outros eventos, como os encontros anuais da ANPOCS (Ciências Sociais), foram buscados para complementar a pesquisa, mas os artigos completos não estavam disponíveis. Outros eventos foram excluídos da pesquisa, pois não se encaixavam aos critérios iniciais na área de implementação de Políticas Públicas. No entanto, os eventos que analisamos supriram as necessidades que a pesquisa apresentava para responder às perguntas inicialmente apresentadas.

Para verificar a policy orientation no Brasil fizemos um estudo através dos artigos publicados na área de políticas públicas. O início da pesquisa se deu pela busca de eventos possíveis de análise. Estes eventos geralmente estão organizados em Grupos de Trabalhos, e a pesquisa privilegiou a análise de artigos inseridos em Grupos de Trabalhos da subárea de Políticas Públicas.

A segunda etapa contou com a aquisição e arquivamento dos artigos completos, separados por evento e ano de apresentação, visto que os resumos não eram suficientes, para que a pesquisa fosse a mais completa e fidedigna possível. Para isso buscamos alguns contatos com os sites e e-mails dos principais eventos buscados, além de contar com o acervo que a faculdade nos disponibiliza. Foi por este último meio que tivemos acesso à maior parte dos artigos completos que usamos em nossa pesquisa, por meio de CD-ROM.

Na etapa seguinte, analisamos cada artigo arquivado, dentro do Grupo de Trabalho de Políticas Públicas, para verificar em quais deles o termo “Implementação” e “Políticas

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Públicas” era citado. Nesta etapa utilizamos como critério a aparição destes termos, no corpo do texto, pelos menos três vezes, para que tivesse sentido analisar o contexto como um todo.

Estes artigos foram catalogados em planilhas, separados por evento e ano de apresentação novamente, e separados no arquivo, para que pudessem ser utilizados posteriormente na próxima etapa da pesquisa.

Estes artigos catalogados foram então analisados, um a um, quanto aos elementos da Policy Orientation (normatividade e multidisciplinaridade), cada qual com seus critérios específicos.

Como primeiro item de análise estava a normatividade do artigo. Para isso foram lidas a introdução e considerações finais de cada artigo de cada congresso, anteriormente catalogados, para então poder verificar se ele era uma descrição do contexto ou se apresentava aconselhamento, sugestões ou encaminhamentos para possíveis mudanças à realidade prática, com melhorias nas tomadas de decisões dos gestores públicos.

Quando o artigo apresentava normas, dicas, prescrições para futuras ações na área de políticas públicas, este era catalogado como normativo. Caso isso não ocorresse, era catalogado como neutro. Não classificamos como “normativos” aqueles artigos que faziam indicações de possíveis futuras pesquisas, por não ser um aconselhamento de política pública. A planilha de artigos era então preenchida com ‘Normativo’ ou ‘Neutro’.

A etapa seguinte, talvez a mais trabalhosas de todo o processo, contou com a junção da bibliografia de todos os artigos inicialmente inseridos na planilha de catalogados, separados por eventos. Essa bibliografia foi configurada para um padrão de visualização e posteriormente organizada em ordem alfabética. O objetivo desta juntada de bibliografias era o de verificar os autores mais citados em cada evento trabalhado.

Os autores citados quatro vezes, ou mais, foram separados em outro arquivo e depois preencheram uma nova planilha. No caso do evento CBS, foi usado como critério a citação de três vezes ou mais para os autores, por causa do pequeno número de autores que a planilha inicial apresentou, dificultando o trabalho de classificação da multidisciplinaridade. Muitos artigos acabaram não apresentando nenhum dos autores catalogados; por este motivo alteramos o critério para este evento, apesar de alguns artigos ainda não apresentarem nenhum dos autores catalogados.

Com esta planilha totalmente completa, com o nome completo dos autores, uma busca na plataforma “Lattes” mostrou a área de formação e atuação destes autores catalogados. Quando o autor era de origem internacional buscou-se o seu Curriculum Vitae em sua universidade de origem, ou em sites que apresentavam a biografia dos autores, de modo a identificar sua área de formação de graduação e doutorado.

Nesta etapa foi utilizado como critério de análise a formação de graduação e doutorado dos autores selecionados. Quando estas formações eram diferentes no mesmo autor, era contabilizado 0,5 em uma área e 0,5 em outra. Isto serviu para que o número de áreas contabilizadas fosse equivalente ao número de autores catalogados. Em cima destes dados foi finalmente completada a planilha de autores. Sendo 31 autores selecionados no evento CBS, 22 no evento ABCP, 30 no evento EnANPAD e 49 no evento EnAPG.

Como passo final da análise de dados, foi possível verificar a multidisciplinaridade dos artigos catalogados. Esta etapa foi realizada através de um estudo em separado de cada artigo, verificando o referencial bibliográfico de cada um destes, buscando os autores que estavam presentes na planilha de autores. Uma contagem do número de áreas que estavam presentes foi feita, respeitando o critério de graduação e doutorado acima citado, através da área de formação dos autores estudados.

Caso a área de formação dos autores mais citados (administração, sociologia, etc) apresentasse mais de 50% em uma mesma área de formação, este artigo era classificado como unidisciplinar. Quando o contrário ocorresse, ele era catalogado como multidisciplinar.

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Apresentamos na Tabela 1 os 10 primeiros colocados no ranking que elaboramos para que estes autores tenham conhecimento destes dados coletados e possam ver o reflexo de seu trabalho em números.

O ranking contou com 105 autores ao todo, que apareceram nos referenciais bibliográficos cinco vezes ou mais; dentre estes 105 selecionamos apenas os 10 primeiros para divulgação de resultados, por ser um dado extra ao objetivo da pesquisa.

A Tabela 1 conta ainda com a área de formação dos autores; divulgamos apenas a graduação e o doutorado, por ser os dados que utilizamos para obter os resultados da multidisciplinaridade, apresentado anteriormente.

NOME DO AUTOR Nº DE

BIBLIOGRAFIAS Área de Formação

Graduação Doutorado

1º ARRETCHE, Marta Teresa da Silva 40 Ciências Sociais

Ciências Sociais

2º SOUZA, Celina Maria de 33 Direito Ciência Política3º BRESSER PEREIRA, Luís Carlos 29 Direito Economia

4º ABRÚCIO, Luiz Fernando 23 Ciências Sociais

Ciência Política

5º DRAIBE, Sônia Miriam 17 Pedagogia Ciência Política

6º DINIZ, Eli 16 Ciências Sociais

Ciência Política

7º ALMEIDA, Maria Hermínia B. Tavares

15 Ciências Sociais

Ciências Sociais

8º FREY, Klaus 14 Ciências Sociais

Ciências Sociais

9º POCHMANN, Marcio 14 Economia Economia

10º PRZEWORSKI, Adam 14 Ciência Política

Ciência Política

Tabela 1 – Ranking de autores mais referenciados por artigos de implementação de políticas públicas

Como resultado extra ao objetivo desta pesquisa, foi possível elaborar um pequeno ranking de autores que mais aparecem nos referenciais teóricos dos artigos estudados, nos eventos que trabalhamos, visto que selecionamos os mais citados para elaborar a planilha da área de formação e classificar a multidisciplinaridade dos artigos. Interessante notar que entre os 10 autores mais citados, apenas um deles é residente no exterior (Przeworski), sendo que os outros nove acadêmicos atuam em universidades brasileiras. Este achado, embora não constasse entre os objetivos da pesquisa, nos conduz a hipótese de endogenia nacional no que tange ao uso de referências bibliográficas na área de políticas públicas.

As planilhas foram então fechadas e a análise dos dados estava completa. Foi possível verificar se os eventos brasileiros apresentavam ou não a policy orientation presente na área de políticas públicas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta sessão do trabalho, são apresentados quantitativamente os resultados da

pesquisa e da coleta de dados a partir da análise dos gráficos abaixo inseridos, os quais traduzem percentualmente a quantidade de artigos que foram classificados quanto à sua normatividade e sua multidisciplinaridade. Em seguida são apresentados os gráficos que

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trazem o percentual das áreas de conhecimento às quais pertencem os autores que mais aparecem em referências bibliográficas dos artigos selecionados.

Ao final disso, torna-se possível a elaboração das conclusões da pesquisa, onde podemos determinar se os trabalhos e artigos apresentados nos congressos específicos escolhidos possuem ou não o fator da policy orientation (orientação para política) e se inserem, em suas discussões sobre implementação de políticas públicas, a característica da multidisciplinaridade, ou seja, a incorporação de conhecimentos de diferentes áreas do conhecimento na análise do processo de policy-making.

Gráfico I – Normatividade dos artigos que tratam de implementação de políticas públicas

Acima foram apresentados os gráficos referentes à normatividade dos artigos

selecionados. Pode-se observar que tanto o EnAPG, que demonstra os encontros de 2006 e 2008 e conta com um total de 62 artigos interessantes à pesquisa, quanto o EnANPAD, que demonstra os encontros de 2006, 2007 e 2008 e conta com um total de 43 artigos interessantes à pesquisa, apresentam maior quantidade de artigos com a característica da normatividade, ou seja, os trabalhos buscam explicitar uma orientação prática para o processo de implementação de políticas públicas.

O evento ABCP foi o que apresentou o menor número de artigos com normatividade em suas considerações finais. Isto pode ser explicado pelo fato de a Ciência Política, área principal do evento, é uma ciência predominantemente descritiva. Por esta mesma linha de pensamento, podemos também explicar o baixo porcentual de normatividade no evento CBS.

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Gráfico II – Formação dos autores mais citados nos artigos que tratam de implementação de políticas públicas

Quanto à área de formação dos autores que mais aparecem nas referências

bibliográficas, identificamos quatro principais para a nossa pesquisa: Ciência Política, Administração, Sociologia/Ciências Sociais e Economia. Foi possível, a partir dessa seleção, identificar que nos eventos EnAPG e EnANPAD, a Administração, a Sociologia/Ciências Sociais, e a Ciência Política tiveram mais presença nos trabalhos apresentado.

Também é possível visualizar no gráfico que no evento ABCP, que têm a Ciência Política como foco, a Sociologia se apresenta em 28% das formações dos autores trabalhados, além dos 36% de formação dos autores na área de Ciência Política.

O evento CBS tem como foco a Sociologia, e apresentou o maior percentual de formação nesta área (43%), como já era esperado. Apresentou também a maior concentração entre os eventos trabalhados da formação em Economia (28%).

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Gráfico II – Multidisciplinaridade dos artigos que tratam de implementação de políticas públicas.

O terceiro grupo de gráficos é o da multidisciplinaridade, presente ou não nos artigos selecionados. A partir da análise dos mesmos, percebe-se que o EnANPAD e o EnAPG apresentam os maiores percentuais de artigos marcados pela característica da multidisciplinaridade (58% e 73% respectivamente). Isso significa que ambos estes, nos anos pesquisados, possuem nas referências bibliográficas de seus artigos da área de políticas públicas diferentes fontes de conhecimento.

Alguns artigos ficaram sem classificação por não apresentarem em suas referências bibliográficas autores listados entre aqueles mais citados.

Na etapa de classificação da multidisciplinaridade dos artigos apresentados nos eventos foi possível verificar que o percentual de multidisciplinaridade dos eventos é alta, variando entre 40% e 73%.

O evento CBS apresenta como características neste gráfico, o menor percentual em multidisciplinaridade e o maior em unidisciplinaridade (45%). A explicação para esta diferença para com os outros eventos pode ser reflexo do grande percentual da formação de Sociologia e Economia entre os autores. Porém este é apenas um indício, sem comprovação real da hipótese.

Encontro GT de

Políticas Públicas

N. artigos com implementação de

PP

N. de artigos com policy orientation

% de artigos com policy orientation

ABCP 2008

23 artigos 10

ABCP 2006

19 artigos 9 1 5,26%

CBS 2009 100 artigos 8

CBS 2007 79 artigos 6

CBS 2005 15 artigos 6

2 10%

EnANPAD 2008

53 artigos 25

EnANPAD 2007

44 artigos 9

EnANPAD 2006

42 artigos 9

8 18,60%

EnAPG 2008

178 artigos 32 11 16,12%

13

EnAPG 2006

144 artigos 30

Totais 697 artigos 144 22 15,28%

Tabela 2 – Percentual de artigos com Policy Orientantion

A Tabela 2 mostra que que os artigos analisados nos eventos totalizaram 697, sendo que passaram na primeira filtragem apenas 144 artigos que mencionavam os termos implementação e políticas públicas. Destes 144 artigos, apenas 22 apresentavam cumulativamente a normatividade e a multidisciplinaridade, ou seja, apenas 15,28% deles tinham o que já definimos como policy orientantion.

Os eventos EnAPG e EnANPAD obtiveram percentuais significativamente superiores aos obtidos pelas Reuniões da ABCP e pelos CBS. Esta discrepância é devida ao fato de EnAPG e EnANPAD aceitarem um percentual mais alto de artigos normativos (em torno de 35%), e por serem eventos que reúnam autores com formação mais multidisciplinar (58% para EnANPAD e 73% para EnAPG).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível concluir, com os resultados obtidos com a pesquisa, que a grande maioria

de artigos apresentados em eventos brasileiros na área de Políticas Públicas não apresentam a policy orientation proposta por Lasswell em seus estudos.

Um percentual pequeno dos artigos (15,28%) apresentou, simultaneamente, características de normatividade e multidisciplinaridade. Esta policy orientation, que teve origem nos Estados Unidos na década de 1950, ainda não encontrou muitos adeptos no Brasil.

A normatividade é um dos principais elementos da policy orientation apresentada no texto, mas a mesma aparece em minoria nos artigos apresentados. Para a área de políticas públicas, a normatividade poderia servir de incentivo e auxílio aos policy makers, porém isso ainda é pouco utilizado na academia brasileira. Este baixo percentual de artigos que assumem a normatividade pode ser uma consequência do “ideal da neutralidade” que impera na comunidade epistêmica brasileira, onde a explicitação de valores é vista como defeito do cientista. Outra hipótese para esse baixo percentual pode ser o destacamento entre o mundo dos scholars (acadêmicos) e do mundo dos practictioners (aqueles que vivem a política pública).

Em termos de multidisciplinaridade, os artigos que trabalham com implementação de políticas públicas apresentaram percentuais significativos (entre 40% e 73% eram multidisciplinares). Resta saber se esta há uma tendência de intensificação da multidisciplinaridade ou da disciplinaridade na comunidade epistêmica de políticas públicas no Brasil, vista a paulatina consolidação desta área disciplinar.

Como indicação de pesquisas posteriores, sugerimos a continuação dos estudos nos próximos anos, para verificar se haverá modificações nos resultados apresentados nesta pesquisa (monitoramento de tendência). O aspecto de “ânimo para resolução de problemas” preconizado por Lasswell, porém não operacionalizado neste trabalho, também deve ser considerado em estudos futuros que queiram verificar a policy orientantion da comunidade epistêmica de políticas públicas no Brasil. Além disso, outras classificações ou tipologias voltadas a identificar a policy orientation podem servir de base de estudo. Pode-se ainda, finalmente, analisar outros elementos que sejam capazes de influenciar os resultados aqui demonstrados, ou ainda considerar outras etapas do processo de política pública além da implementação.

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6. REFERÊNCIAS

ANDERSON, J. E. (1984). Public Policy-Making: An Introduction, 3rd ed. Boston: Houghton Miflin. DROR, Y. (1971) Design for policy sciences. Nova York: American Elsevier Pub. Co.,. DYE, T. R. (1972). Understanding Public Policy. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. EASTON, D. (1965). A framework for political analysis. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. GOGGIN, M. et al. (1990). Implementation theory and practice: Toward a third generation. Glenview, Illinois: Scott, Foresman/Little, Brown Higher Education. HOWLETT, M.; RAMESH, M. Studying Public Policy: Policy Cycles and Policy Subsystems. 2nd Ed. Oxford (UK): Oxford University Press, 2003. JENKINS, W. I. (1978). Policy Analysis: A Political and Organizational Perspective. London: Martin Robertson. LASSWELL, H. D. (1951). The policy orientation. In: LERNER, D.; LASSWELL, H. D. The policy sciences; recent developments in scope and method. Stanford, California: Stanford University Press. PRESSMAN, J. L.; WILDAVSKI, A. (1973). Implementation. Berkeley: University of California Press. Anais dos encontros das Sociedades/Associações nacionais da ANPAD, EnAPG, SBS, ABCP, referentes aos anos de 2005 a 2009.