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Universidade do Vale do Itajaí Campus São José Curso de Relações Internacionais
A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FONTE DE VANTAGEM COMPETITIVA PARA AS MULTINACIONAIS:
UMA ABORDAGEM PRÁTICA
FERNANDA CRISTINA DA SILVEIRA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí.
Orientador: Prof. MSc. Álvaro José de Souto
São José (SC), novembro de 2008.
2
RESUMO Observa-se nos últimos anos uma nítida mudança quanto aos valores e às esferas da vida em sociedade: o papel das empresas na economia mundial vem se tornando mais abrangente, por vezes assumindo funções antes atribuídas estritamente ao setor público, como o bem estar social e a preservação do meio ambiente. As empresas, que por muitas décadas sintetizaram sua atuação responsável no campo das ações filantrópicas, percebem que a responsabilidade socioambiental, além da dimensão ética, pode traduzir-se em melhor desempenho econômico e possibilidades em termos de vantagens competitivas. Dentre os principais benefícios econômicos que a atuação socioambiental responsável pode ocasionar às multinacionais, pode-se citar: redução de custos de produção, valorização da imagem e dos papéis da empresa, maior acesso a recursos financeiros e mercados, aumento de produtividade e redução dos riscos. A partir dos referidos benefícios, é possível entender o motivo pelo qual um número cada vez mais expressivo de empresas vê na adequação às normas ambientais e sociais a oportunidade de ganhos econômicos e melhoria de imagem institucional. Tais políticas de gestão, além de representarem fonte potencial de vantagem competitiva frente aos concorrentes, influenciam diretamente os stakeholders e o entorno social e ambiental no qual a organização está inserida. Palavras-chave: Responsabilidade socioambiental, sustentabilidade, vantagem competitiva, estratégia, multinacionais. ABSTRACT
In the last few years it’s been observed clear changes regarding the values and spheres of the life in society: The role of the corporations in the world’s economy are becoming more extensive, thus assuming functions that were attributed to the public sector, like the social well being and the environment’s preservation. The corporations, which for decades synthesized their responsible performances in the philanthropic actions’ field, realize that the social and environmental responsibilities, besides the ethic dimension, can be translated in better economic fulfillment and possibilities in competitive advantages. Among the main economic benefits that the responsible social and environmental actions can cause to the multinational companies: reduction of production costs, valorization of the company’s image and the roles inside the company, more access to financial resources and markets, productivity raise and reduction of risks. Considering the referred benefits, it’s possible to understand the reason for which an expressive increasing number of corporations see in the adjustments to the environmental and social regulations the opportunity of economic earnings and institutional image improvement. These management politics, besides representing a potential competitive advantage source confronting the competition, influence directly the stakeholders and the social and environmental surroundings in which the corporation is inserted in. Keywords: Social and environmental responsibility, sustainability, competitive advantage, strategy, multinational companies.
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A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FONTE DE VANTAGEM COMPETITIVA PARA AS MULTINACIONAIS: UMA ABORDAGEM PRÁTICA
Fernanda Cristina da Silveira1
1. Introdução. 2. O surgimento da Responsabilidade Socioambiental como
conceito e comportamento empresarial. 3. Abordagem conceitual de
estratégia e vantagem competitiva. 4. A Responsabilidade socioambiental
como fonte de vantagem competitiva para as multinacionais. 5. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Durante o período da Guerra Fria, o cenário internacional mobilizou-se em torno
da disputa de poderes entre dois blocos, liderados por Estados Unidos (economia de mercado)
e União Soviética (economia planificada). Nesse cenário, as agendas estatais priorizavam
assuntos de high politics, como segurança e poderio militar. Com o fim da Guerra Fria e a
reorganização dos países em diversas zonas de influência, ascenderam à agenda internacional
novos temas, estes denominados low politics, como questões demográficas e econômicas.
Ao passo que a agenda abarcava novos temas, a globalização ocasionou a abertura
de múltiplos canais de relacionamento, acarretando o surgimento e a crescente importância de
outros atores que não os Estados. As relações internacionais modificaram-se e passaram a
envolver empresas públicas, empresas privadas e organizações não-governamentais.
Nesta conjuntura, também se observa uma nítida mudança quanto aos valores e às
esferas da vida em sociedade: o papel das empresas na economia mundial vem se tornando
mais abrangente, por vezes assumindo funções antes atribuídas estritamente ao setor público,
como o bem estar social e a preservação do meio ambiente. É nesse cenário que passa a existir
um novo tipo de consumidor, o qual exige das organizações respostas às necessidades
socioambientais da comunidade. Esse público-alvo, que antes representava um nicho de
mercado, agora cresce de maneira a criar a necessidade de um novo conceito de atuação
1 Para confecção do presente trabalho, foram utilizadas algumas obras de origem estrangeira, cuja tradução, em caráter não oficial, é de responsabilidade da autora.
4
empresarial. As empresas, que por muitas décadas sintetizaram sua atuação responsável no
campo das ações filantrópicas, percebem que a responsabilidade socioambiental, além da
dimensão ética, pode traduzir-se em melhor desempenho econômico e possibilidades em
termos de vantagens competitivas.
Essa mudança valorativa e conceitual atingiu de diferentes maneiras todos os
âmbitos da sociedade: consumidores, pequenas e grandes empresas, fornecedores,
investidores e Governo. Por ser um tema abrangente, optou-se, então, por direcionar este
artigo para o estudo da responsabilidade socioambiental na esfera das multinacionais, visto
que a maior parte das empresas de grande porte e alcance internacional de mercado tem um
bom controle de suas políticas sociais e relatórios próprios de sustentabilidade, o que facilita o
acesso aos dados. Vale ressaltar que tais organizações ocupam posição de destaque nos
âmbitos produtivo, comercial e financeiro, e podem tanto realizar parcerias público-privadas
com os Estados quanto assumir papel de concorrentes frente a estes.
Assim, partindo de uma abordagem do tipo qualitativa, através da descrição e
interpretação dos dados de maneira indutiva, este artigo tem como objetivo geral identificar os
principais benefícios econômicos que a atuação socioambiental responsável pode ocasionar às
companhias multinacionais. Os objetivos específicos consistem em relacionar tais benefícios
à vantagem competitiva e apresentar exemplos práticos de multinacionais que já fazem uso
estratégico da responsabilidade socioambiental. Para tanto, primeiramente será apresentado
um histórico do surgimento da responsabilidade socioambiental como conceito e
comportamento empresarial; a segunda parte, por sua vez, irá abordar o conceito de estratégia
e vantagem competitiva, de maneira a lançar o aporte teórico do estudo. Por fim, será tratado
o tema da responsabilidade socioambiental como fonte de vantagem competitiva para as
multinacionais por meio de exemplos práticos de organizações que adotaram tais posturas.
2. O SURGIMENTO DA RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO
CONCEITO E COMPORTAMENTO EMPRESARIAL
Por muito tempo predominou no cenário mundial o senso comum de que os
recursos naturais seriam inesgotáveis. As empresas limitavam suas ações de cunho social à
5
filantropia e as atuações relativas à gestão ambiental e social eram vistas como despesas
necessárias para atender à legislação. Em 1968, constituiu-se o Clube de Roma2, cujo objetivo
era analisar o uso dos recursos naturais em prol do desenvolvimento econômico. A partir de
1972, ano de publicação do relatório Os limites do crescimento3 e da realização da
Conferência de Estocolmo4, o modelo econômico vigente na sociedade mundial passou a ser
questionado de maneira mais veemente. O maior grau de influência da população nas
questões públicas e privadas, juntamente com a conscientização coletiva do entorno social e
natural, causaram a eclosão de diversos movimentos sociais em defesa das minorias, dos
direitos civis, do meio ambiente, dentre outros.
O debate sobre a abrangência da responsabilidade das instituições privadas a
serviço do bem estar da comunidade e preservação do entorno natural é relativamente recente.
Para identificar o surgimento da responsabilidade socioambiental como conceito e
comportamento empresarial, este estudo parte de dois momentos: sociedade industrial e
sociedade pós-industrial. Durante o primeiro período, que teve início com a Revolução
Industrial Inglesa, predominava o liberalismo, segundo o qual
A interferência do Estado na economia seria um obstáculo à concorrência, elemento essencial ao desenvolvimento econômico e cujos benefícios seriam repartidos por toda a sociedade. O Estado seria o responsável pelas ações sociais, pela promoção da concorrência e pela proteção da propriedade. Já as empresas deveriam buscar a maximização do lucro, a geração de empregos e o pagamento de impostos. Atuando dessa forma, as companhias exerceriam sua função social. (TENÓRIO, 2006, p. 14).
O liberalismo é, portanto, um modelo econômico que se contrapõe às ações
sociais por parte das empresas, cuja função seria gerar empregos e impostos com a
maximização de lucros e a otimização da produção. Entretanto, a descoberta da máquina a
vapor possibilitou aumento significativo na produção de bens materiais e, conseqüentemente,
provocou transformações em todas as áreas da sociedade.
2 Encontro realizado em Roma por dez países, cujos representantes, dentre cientistas, economistas,
industriais, sociólogos, funcionários de alto escalão dos governos e educadores reuniram-se para debater assuntos relacionados, principalmente, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável. 3 A pedido do Clube de Roma, uma equipe do Massachusetts Institute of Technology (MIT), coordenada por Donella Meadows, lançou o relatório “Os limites do crescimento”, posteriormente também publicado como livro. Dentre as conclusões, os autores postulam que “se as atuais tendências de crescimento da população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos, e redução de recursos naturais continuarem, os limites de crescimento do planeta serão alcançados nos próximos cem anos” (CLUB OF ROME, 1972). 4 Primeira Conferência Mundial sobre o meio ambiente, organizada pela ONU em 1972, em Estocolmo,
na Suécia.
6
A ampliação da produtividade e a necessidade de matéria prima culminaram no
aumento da exploração do campo e, ao mesmo tempo, a demanda por mão de obra nas
fábricas provocou o êxodo rural. A urbanização crescente contribuiu diretamente para o
aumento da degradação ambiental e a recém-surgida classe trabalhadora industrial trouxe
consigo os movimentos sociais. O espaço natural, tanto na cidade quanto no campo, foi
irrestritamente modificado (TENÓRIO, 2006). De maneira gradual, surgiram críticas à
negligência das empresas para as questões que figuram além da produtividade.
Como já salientado, até o início do século XX, a responsabilidade social limitava-
se a atos beneficentes. Num primeiro momento, as contribuições, de caráter pessoal, eram
feitas por grandes empresários ou através de fundações criadas pelas companhias, como a
Ford, a Rockfeller e a Guggenheim. “Posteriormente, com as pressões da sociedade, a ação
filantrópica passou a ser promovida pela própria empresa, simbolizando o início da
incorporação da temática social na gestão empresarial” (TENÓRIO, op. cit., p. 16).
Todavia, a partir da Segunda Revolução Industrial surgiram os primeiros
movimentos sociais preocupados com questões trabalhistas e ambientais, os quais passaram a
pressionar o governo e empresas para que atentassem aos problemas advindos com a
industrialização. Enquanto para a sociedade industrial o sucesso de uma empresa se dava a
partir da maximização da produção e vendas, a sociedade pós-industrial aos poucos introduziu
uma nova proposta para a administração empresarial. José Oliveira (2008, p. 19) divide as
mudanças desse período em quatro partes:
Primeiro, os bens materiais produzidos por processos industriais mecanizados perderam forças na economia para a produção de informação trabalhada pela tecnologia da informação (TI), como computadores e dispositivos de comunicações. [...] Segundo, o gigantismo gerencial das organizações produtivas, como mostrado no filme de Carlitos, Tempos Modernos, passou a um processo de decisões mais descentralizadas e independentes. [...] Uma terceira mudança foi a valorização dos capitais humano, social, intelectual e natural, e não somente do capital físico. Finalmente, a divisão público-privado está cada vez mais difícil, com o aparecimento das parcerias e das organizações não-governamentais. (ONGs).
O surgimento da responsabilidade socioambiental como um conceito aplicado e
que exige determinado comportamento empresarial remete-nos, portanto, aos valores
adquiridos pela sociedade pós-industrial. Nesse sentido, com a referida valorização do capital
humano, social, intelectual e natural, entende-se que as organizações estão inseridas em
ambiente complexo e interdependente, onde as ações de cada agente influenciam ou têm
impacto direto sobre os demais. “Conseqüentemente, a orientação do negócio visando atender
7
apenas aos interesses dos acionistas torna-se insuficiente, sendo necessária a incorporação de
objetivos sociais no plano de negócios, como forma de integrar as companhias à sociedade”
(TENÓRIO, 2006, p. 20).
O tema é efetivamente introduzido na agenda internacional a partir do fim da
década de 1980. Em 1987 foi publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (World Comission on Environmental and Development – WCED)5 o
relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland6, que lançou
o conceito de desenvolvimento sustentável, segundo o qual
Em suma, desenvolvimento sustentável é um processo de mudança no qual a exploração de recursos, o direcionamento de investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais estão todas em harmonia e em busca de desenvolver tanto o potencial atual quanto futuro de alcançar as necessidades e aspirações humanas. (WCED, 1987).
Tal conceito logo foi utilizado também para balizar as relações em âmbito
privado. Criado em 1990, o Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento
Sustentável (World Business Council for Sustainable Development – WBCSD) foi uma das
primeiras associações privadas de nível internacional a abordar a responsabilidade social
empresarial como parte do desenvolvimento sustentável. Segundo o WBCSD, o
desenvolvimento sustentável está edificado em três pilares: crescimento econômico, equilíbrio
ecológico e progresso social, premissas que fundamentam os conceitos de responsabilidade
socioambiental empresarial contemporâneos.
A partir da noção de sustentabilidade, surgem diversos estudos sobre a aplicação
de tal conceito nas esferas social e ambiental. Nesse sentido, Barbosa e Rabaça (2001),
elucidam que
A responsabilidade social nasce de um compromisso da organização com a sociedade, em que sua participação vai mais além do que apenas gerar empregos, impostos e lucros. O equilíbrio da empresa dentro do ecossistema social depende basicamente de uma atuação responsável e ética em todas as frentes, em harmonia com o equilíbrio ecológico, com o crescimento econômico e com o desenvolvimento social.
5 Órgão assessor da ONU, presidido pela então primeira-ministra da Noruega, Harlem Brundtland. 6 O Relatório Bruntland expõe 109 recomendações destinadas a concretizar os propósitos emanados
de Estocolmo (1972). De forma sintética, conclui que o modelo econômico vigente impossibilita o acesso das gerações futuras aos recursos necessários para sua sobrevivência.
8
O Instituto Ethos7, por sua vez, considera a responsabilidade socioambiental uma
forma de gestão, a qual
(...) se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e com o estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, 2008).
Atualmente, dentre os estudiosos do tema, vale destacar os autores Andre W.
Savitz e Karl Weber, os quais exploram o assunto de maneira a motivar empresas e mobilizar
investidores. Em sua obra, The Triple Bottom Line (2006), os autores explicam que, na
prática, a sustentabilidade consiste em fazer negócios em um mundo interdependente e que
apenas uma empresa sustentável, de acordo com este ponto de vista, está apta a perdurar no
mercado competitivamente. Em síntese, para julgar uma organização quanto sua capacidade
de criar valor para os stakeholders8, ou seja, seu grau de sustentabilidade, as ações da empresa
devem ser analisadas em três campos: econômico (vendas, lucro, taxas, fluxo monetário,
criação de empregos), ambiental (qualidade da água, do ar, uso da energia e desperdício) e
social (práticas trabalhistas, impactos na comunidade, direitos humanos e responsabilidade do
produto).
Assim, com o histórico acima detalhado, evidencia-se que, apesar de ser um tema
de discussão recente, envolve diversos atores da sociedade internacional. Para atingir o
objetivo de identificar as influências práticas da responsabilidade socioambiental na gestão
das multinacionais é preciso, primeiramente, entender os conceitos de estratégia e vantagem
competitiva, os quais serão expostos a seguir.
3. ABORDAGEM CONCEITUAL DE ESTRATÉGIA E VANTAGEM
COMPETITIVA
7 Organização não-governamental que visa auxiliar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável. Conta com aproximadamente 1364 empresas associadas dos mais diversos setores e portes. 8 Os stakeholders são grupos de interesse, “partes legitimamente interessadas no funcionamento da empresa, seja porque impactam ou são impactados pela empresa, ou simplesmente têm interesse sobre como a empresa se comporta” (OLIVEIRA, José, 2008, p. 94). Dentre os stakeholders, pode-se citar. Governo, consumidores, clientes, ONGs, funcionários, comunidades, acionistas, fornecedores, mídia, financiadores.
9
É no âmbito das empresas multinacionais, atores foco deste estudo, que a gestão
estratégica e a busca pela vantagem competitiva podem ser mais facilmente observadas.
Segundo o estudo Criando Valor9, realizado no ano 2003, percebe-se uma influência mais
incisiva da gestão socioambiental estratégica nessas companhias, devido ao fato de que
Para pequenas e médias empresas, a ênfase está na redução de custos, embora elas também se beneficiem com receitas mais altas e maior acesso ao mercado, especialmente por meio de produtos e de serviços ecológicos. Empresas nacionais e companhias multinacionais com sede em mercados emergentes obtêm vantagens em todas as áreas, especialmente com a redução de custos proporcionada pelo aperfeiçoamento dos processos ambientais. Multinacionais estrangeiras (sediadas em países desenvolvidos, mas atuando em mercados emergentes) também usufruem de mais benefícios intangíveis, como a redução de riscos e o desenvolvimento do capital humano. (INSTITUTO ETHOS, 2008).
Dentre um vasto número de definições para multinacionais, adotou-se neste
estudo o conceito segundo o qual multinacionais (ou transnacionais) são consideradas “todas
as corporações que operam econômica e comercialmente, com interesses comuns, em diversos
países segundo ordens jurídicas locais, influenciadas vinculativamente por comando de centro
único dominante, de irradiação político-administrativa” (STRENGER, 1998, p. 217).
Tratando-se de multinacionais, o cenário adquire proporções amplas e a área de
atuação, o mercado consumidor e a competitividade conformam fatores mais complexos do
que os existentes no âmbito doméstico. Essa configuração exige da empresa a delineação de
um plano estratégico, com o intuito de orientar as ações da organização e responder melhor às
exigências e possibilidades de um mercado de tal magnitude. Sem uma estratégia, a empresa
acaba por desperdiçar recursos e tempo em ações que não contribuem para seus objetivos
(ORCHIS, 2002).
Porter (1996), em seu artigo O que é estratégia?, aponta que demarcar uma
estratégia significa
(...) escolher deliberadamente um conjunto diferente de atividades para fornecer uma combinação única de valor. A maioria dos gestores descreve o posicionamento estratégico em termos dos seus clientes. Mas a essência da estratégia está nas atividades — optar por exercer atividades de modo diferente ou exercer atividades diferentes das dos rivais. Senão, uma estratégia não seria mais do que um slogan publicitário que não sobreviveria à concorrência.
9 Estudo realizado pela consultoria britânica SustainAbility, International Finance Corporation e Instituto Ethos, que destaca benefícios e riscos de negócios resultantes de melhorias sociais e ambientais. Baseia-se em 240 casos de empresas na África, Ásia, América Latina, Europa Central e Europa Oriental.
10
No referido artigo, Porter explica que o posicionamento estratégico pode
apresentar-se de três diferentes maneiras (ou pela combinação destas): variedade, necessidade
e acesso. Quando a empresa se posiciona voltada para a variedade, oferece um amplo
portfólio de produtos e serviços. Quando se baseia em necessidade, visa a atender
determinado segmento de consumidores quanto às suas necessidades específicas. Por fim,
quando baseia-se no acesso, atua de maneira a segmentar clientes que são acessíveis de
maneiras diferentes, apesar de apresentarem necessidades semelhantes as dos demais.
Nesse sentido, para o autor supracitado, o posicionamento estratégico organiza as
atividades da empresa, de maneira a oferecer ao cliente um produto ou serviço único e gerar
vantagem competitiva. Quanto à vantagem competitiva, Porter (1989, p. 48) explica que
Há dois tipos básicos de vantagem competitiva: menor custo e diferenciação. O menor custo é a capacidade de uma empresa de projetar, produzir e comercializar um produto comparável com mais eficiência do que seus competidores. A preço dos ou próximo dos competidores, os custos menores traduzem-se em rendimentos superiores. [...] A diferenciação é a capacidade de proporcionar ao comprador um valor excepcional e superior, em termos de qualidade do produto, características especiais ou serviços de assistência. [...] A diferenciação permite a uma firma obter um preço melhor, que leva a uma lucratividade superior, desde que os custos sejam comparáveis aos concorrentes.
É possível, ainda, ter ao mesmo tempo menor custo e diferenciação. Tal situação é
difícil de ocorrer visto que, na maior parte das vezes, oferecer um produto ou serviço
diferenciado requer custos altos. Porter (1989) explica que as mais típicas inovações que
influenciam na obtenção de vantagem competitiva são: novas tecnologias; necessidades novas
ou renovadas do comprador; aparecimento de novo segmento da indústria; custos ou
disponibilidade oscilante de insumos e mudanças nos regulamentos governamentais.
No cenário internacional, com a diminuição da distância entre Estados no âmbito
social e econômico e a transposição de fronteiras por parte das empresas, configurou-se um
novo mercado consumidor. A facilidade e rapidez da difusão de informações permitiram até
mesmo a internacionalização de movimentos sociais, cujas necessidades e anseios passaram a
ter, de alguma forma, influência em diversas partes do globo. Assim, também a noção de
atuação responsável difundiu-se entre os consumidores, tornando essencial a incorporação de
elementos sociais e ambientais às estratégias empresariais.
Esty e Winston (2006, p. 14) em sua obra Green to Gold, debatem como
companhias inteligentes utilizam a estratégia socioambiental para inovar, criar valor e
construir vantagem competitiva. Os autores argumentam que
11
‘Líderes ambientais’ vêem seu negócio através de lentes ambientais, encontrando oportunidades para cortar custos, reduzir riscos, conquistar financiamentos governamentais e alcançar lucros antes impensáveis. Eles constroem conexões profundas com consumidores, funcionários e outros grupos de interesse. Suas estratégias revelam um novo tipo de vantagem competitiva sustentável, a qual chamamos ‘Eco-Vantagem’.
Diante do exposto, serão apresentados a seguir exemplos práticos de empresas
multinacionais que, a partir de ações sociais ou ambientalmente responsáveis, obtiveram
vantagem competitiva com os grupos de interesse. Vale lembrar, no entanto, que o objetivo
deste estudo configura uma tarefa complexa, visto que
Na matemática da sustentabilidade, sabe-se que a soma de um mais um nunca dá dois. Especialistas em finanças, contabilidade e gestão ou mesmo os executivos envolvidos com o tema nas empresas reconhecem que os modelos atuais são limitados para mensurar a adição de valor da sustentabilidade par ao negócio. Há um consenso crescente, no entanto, de que, apesar de complexa, a tarefa de medir resultados é fundamental para a inserção cada vez maior do conceito nas estratégias empresariais. (LOPES, 2008, p. 18).
Assim, embora não seja possível, em alguns tópicos, quantificar resultados, serão
apresentadas evidências dos benefícios econômicos das ações socioambientais responsáveis
para as multinacionais por meio de exemplos práticos de empresas que adotaram tais posturas.
4. A RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO FONTE DE VANTAGEM
COMPETITIVA PARA AS MULTINACIONAIS
Algumas evidências nos levam a crer que a responsabilidade social corporativa,
além de benéfica para a sociedade, pode, a médio e longo prazo, ser atraente e lucrativa para a
empresa. Uma das concepções acerca do tema sustenta que há um nível apropriado de
responsabilidade social a ser assumida pela corporação. Os autores McWilliams e Siegel
(apud MACHADO, 2002, p. 49 ) explicam que
Para maximizar lucros, a firma deveria oferecer precisamente aquele nível de responsabilidade social para o qual o incremento da receita (advindo de um aumento de demanda) iguale o maior custo (da utilização de recursos para prover ações sociais). Fazendo isto, a firma encontra a demanda dos stakeholders relevantes, tanto
12
daqueles que demandam ações de responsabilidade social (consultores, empregados, comunidade), como dos acionistas da firma.
A empresa deve buscar, portanto, atender aos interesses dos stakeholders de tal
sorte que os custos dessas políticas sejam compensados pelo aumento das receitas. Do
contrário, a organização não obtém resultados satisfatórios e as ações responsáveis tornam-se
economicamente inviáveis ou desvantajosas. Entretanto, conforme supracitado, vale salientar
que é difícil quantificar, sob alguns aspectos, tais ganhos. Há pouca comprovação empírica,
por exemplo, quando se relaciona responsabilidade social corporativa ao aumento do valor da
marca junto aos consumidores.
No que diz respeito ao caráter economicamente vantajoso das ações responsáveis,
o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desenvolveu um
relatório, segundo o qual
Na visão de governança corporativa exclusivamente direcionada para a performance financeira, o exercício da responsabilidade social pode ser entendido, à primeira vista, como um custo adicional para as empresas, seus sócios e acionistas, pois são recursos que, de outra maneira, estariam sendo reinvestidos ou distribuídos na forma de lucros e dividendos. Todavia, a adoção de uma postura pró-responsabilidade social parece indicar que há ganhos tangíveis para as empresas, sob a forma de fatores que agregam valor, reduzem custos e trazem aumento de competitividade, tais como a melhoria da imagem institucional, criação de um ambiente interno e externo favorável, estímulos adicionais para melhoria e inovações nos processos de produção, incremento na demanda por produtos, serviços e marcas, ganho de participação de mercados e diminuição de instabilidade institucional e política locais, entre outros. (BRASIL, 2008).
Em seu relatório, o BNDES explica que há indícios de ganhos econômicos
advindos da gestão socioambiental estratégica. Na tentativa de relacionar tais indícios às
vantagens competitivas frente aos concorrentes, é preciso analisar pontualmente as ações da
empresa, visto que, segundo Porter (1989, p. 31),
A vantagem competitiva não pode ser compreendida observando-se a empresa como um todo. Ela tem sua origem nas inúmeras atividades distintas que uma empresa executa no projeto, na produção, no marketing, na entrega e no suporte de seu produto. Cada uma destas atividades pode contribuir para a posição dos custos relativos de uma empresa, além de criar uma base para a diferenciação. [...] Uma empresa ganha vantagem competitiva executando estas atividades estrategicamente importantes de uma forma mais barata ou melhor do que a concorrência.
Partindo dessa premissa, é possível identificar os principais benefícios
econômicos que a atuação socioambiental responsável pode ocasionar às empresas
multinacionais, seja ela de produtos ou serviços. Tais benefícios podem advir de menor custo,
diferenciação ou ambos, através de fatores como eficiência (otimização de processos pela
13
redução de desperdícios e do uso); imagem da empresa (marketing verde); valorização dos
papéis da empresa; maior acesso a recursos financeiros (financiamentos); mercados (atender
um maior número de consumidores) ou melhorias internas para com os trabalhadores
(redução do número de acidentes, aumento de produtividade, redução dos riscos). Percebe-se,
ainda, a possibilidade de redução de multas, compensações ou indenizações por crimes
ambientais e questões trabalhistas.
Quanto ao maior alcance de mercado, pesquisa realizada em oito países
(Alemanha, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos, França, Índia e Reino Unido) pela
consultoria McKinsey aponta subsídios importantes para a análise do comportamento por
vezes contraditório do consumidor. De acordo com o levantamento, apesar de 87% dos
entrevistados manifestarem preocupação com os impactos ambientais e sociais dos produtos
que compram, apenas 33% dos consumidores afirmaram que compraram ou pretendem
comprar produtos socioambientalmente corretos. (LIMA, 2008).
Pesquisa realizada nos mesmos moldes pelo Instituto Quorum Brasil para o Guia
Exame de Sustentabilidade 2008 confirma tais constatações:
74% dos entrevistados consideram-se consumidores preocupados com questões ambientais e 59% afirmam que produtos com apelo ecológico influenciam sua decisão de compra. Apesar das boas intenções, na prática o comportamento desse grupo é outro. A pesquisa revela, por exemplo, que 70% dos entrevistados desistem de comprar produtos com selo ambiental caso eles custem mais do que similares sem a certificação verde. Além disso, 47% dos consumidores afirmam que não deixam de comprar um produto mesmo sabendo que ele é prejudicial à natureza. (LIMA, op. cit., p. 112).
É possível interpretar as pesquisas a partir de diferentes perspectivas.
Primeiramente, o aspecto ambiental, na maior parte dos casos, é considerado pelo consumidor
quando associado a preços competitivos e qualidade. Por outro lado, a parcela relativamente
pequena dos chamados “consumidores verdes” é composta por cidadãos mais críticos, cujo
comportamento tende a formar correntes de opinião desfavoráveis às empresas que
contaminam o meio. A imagem corporativa pode, por exemplo, representar para o
consumidor critério de desempate quando da compra de produtos similares com mesmo
preço. Por fim, as empresas que conseguirem conquistar o nicho de mercado representado
pelos consumidores preocupados com produtos socioambientalmente corretos terá a seu
alcance um público alvo disposto a pagar um preço maior por tais produtos, devido ao seu
valor agregado.
14
Por sua vez, as políticas que buscam a eficiência no processo de produção, como a
redução do consumo de água e de outros insumos, são as mais proeminentes em relação à
vantagem competitiva, visto que refletem diretamente na redução do custo de produção. Essas
ações são permeadas pelo conceito de “eco-eficiência”, o qual consiste em utilizar de maneira
eficiente materiais e energia, a fim de amortizar custos, melhorar o desempenho econômico e
impactos ambientais, reduzir os riscos de acidentes e melhorar a relação entre a organização e
os stakeholders (AGENDA 21 EMPRESARIAL, 2008).
Os ganhos com a produção eco-eficiente podem se dar a partir da substituição de
matérias-primas e energia, pela diminuição de custos com embalagens e transporte, pela
redução e reutilização de materiais, dentre outros. Como exemplo de postura ecoeficiente, a
multinacional Unilever10 vem diminuindo seus custos de produção sensivelmente. Desde
1995, adota uma política de redução de consumo de água no processo produtivo em mais de
100 países, comportamento que acarretou uma redução de 58% do consumo de água por
tonelada produzida e, apenas em sua fábrica em Caivano, na Itália, resultou em uma economia
de aproximadamente 130 mil dólares por ano. A respeito da produção ecoeficiente, a ONG
inglesa The Climate Group aponta que a economia pode chegar a 2,5 trilhões de dólares por
ano para os países e empresas (GONÇALVES, 2007).
A filial brasileira da multinacional Amanco11, por sua vez, também busca a
redução do desperdício de recursos e a diminuição do custo de produção em suas fábricas.
“Desde 2002, a empresa conseguiu economizar 3,8 milhões de dólares com programas de
redução de consumo de água e energia, de reciclagem de lixo, de combate aos acidentes de
trabalho e ao desperdício de matéria-prima.” (OLIVEIRA, 2008, p. 38). À proporção que
atinge os objetivos de reduzir o uso e o desperdício de recursos em âmbito interno, demonstra
preocupação com a questão socioambiental e diminui sensivelmente os custos de produção
em suas fábricas.
Quanto à vantagem competitiva resultante de maior acesso a recursos financeiros,
vale ressaltar o importante papel dos investidores no cenário econômico internacional. John
Doerr, investidor que no passado apostou em empresas como Compaq e Google, atualmente
foca suas atenções nos “negócios verdes”, para os quais, nos últimos anos, destinou 200
milhões de dólares (HERZOG, 2007). Por outro lado, as empresas que, de algum modo,
agridem o meio ambiente ou ferem os direitos humanos, correm o risco de perder apoio
10 Multinacional anglo-holandesa de produtos de higiene pessoal, limpeza e alimentos. 11 A Amanco, pertencente ao grupo multinacional Mexichem, atua nos segmentos de construção civil e infra-estrutura e fabrica tubos e conexões.
15
financeiro. Em 2001, em um encontro realizado em Haia (Holanda), representantes de cerca
de 300 entidades, as quais somam patrimônio de mais de US$ 5 bilhões, elaboraram uma
“lista negra” de empresas nas quais não se deve investir (FERREIRA, 2006).
No âmbito dos investimentos, é difícil, entretanto, mensurar de maneira precisa a
valorização dos papéis de uma organização em relação à promoção de políticas sociais e
ambientais. Vários fatores levam a crer que os investidores também compartilham das “idéias
verdes”, pois se observa que no mercado de ações cada vez ganham maior relevância
estatísticas e indicadores de performances que avaliam se uma companhia é ou não digna de
receber o selo de “empresa sustentável”. Assim,
A empresa seriamente comprometida com o social tem colhido os frutos de suas boas práticas. A valorização dos papéis dessas empresas no mercado demonstra que a prática de ações sociais funciona como alavanca. A análise dos retornos dos fundos relacionados a investimentos socialmente responsáveis em comparação com o rendimento dos fundos tradicionais tem mostrado em alguns períodos um rendimento superior destes em relação ao daqueles. De certa forma, a própria existência dos fundos demonstra que há investidores que se preocupam e valorizam a postura social das empresas selecionadas e para elas é que direcionam os seus investimentos. (FERREIRA, op. cit., p. 203).
Observando o comportamento dos investidores, as instituições financeiras criaram
índices de sustentabilidade, como Dow Jones Sustainability Indexes (DJSI), o qual reúne
empresas socialmente responsáveis cotadas na Bolsa de Nova York. Os índices são ótimas
ferramentas para mostrar ao mercado que a companhia possui boas práticas de governança
corporativa e representam maiores chances de obtenção de recursos financeiros. No Brasil, a
Bovespa criou o Índice de Sustentabilidade Empresarial – ISE, reconhecendo que
Já há alguns anos iniciou-se uma tendência mundial dos investidores procurarem empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis para aplicar seus recursos. Tais aplicações, denominadas “investimentos socialmente responsáveis” (“SRI”), consideram que empresas sustentáveis geram valor para o acionista no longo prazo, pois estão mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais. Essa demanda veio se fortalecendo ao longo do tempo e hoje é amplamente atendida por vários instrumentos financeiros no mercado internacional. [...] O ISE tem por objetivo refletir o retorno de uma carteira composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial, e também atuar como promotor das boas práticas no meio empresarial brasileiro. (BOVESPA, 2008).
O maior acesso a investimentos acarreta, na grande maioria dos casos, valorização
dos papéis da empresa, o que também pode configurar uma fonte de vantagem competitiva
16
para as multinacionais. A General Eletrics12, por exemplo, vem desenvolvendo uma linha de
produtos ambientalmente corretos desde o início de 2005. O portfólio desta linha, denominada
Ecomagination inclui desde turbinas que emitem menos poluentes até sistemas que regulam a
utilização dos recursos naturais em ambientes domésticos.
Em 2007, as vendas da Ecomagination somaram 14 bilhões de dólares (quase
10% do valor total de vendas da empresa). Tal faturamento, cujo crescimento é três vezes
mais rápido que a média de todos os produtos da companhia, tem a estimativa de alcançar 25
bilhões de dólares em 2010. Em decorrência desses resultados, o banco Goldman Sachs
estima um aumento de aproximadamente 12% nos preços das ações da GE nos próximos
meses (MANO, 2007).
Além da relação entre companhia e atores externos, como investidores e
acionistas, a vantagem competitiva também pode advir da atuação responsável da instituição
para com os trabalhadores, por duas razões principais: por atrair e manter talentos e pelo fato
de que funcionários satisfeitos produzem mais. Uma pesquisa realizada com presidentes e
diretores de multinacionais concluiu que, dentre os stakeholders, o grupo dos funcionários é o
que mais influencia nas decisões de gerenciamento de recursos para fins sociais. O segundo é
o de consumidores (BIELAK, 2008). Sobre esse tema, Paul Hawken, Amory Lovins e L.
Hunter Lovins (apud WILLARD, 2002, p. 57) explicam que
Devido ao fato dos trabalhadores estarem mais confortáveis, com melhores condições de iluminação e menos incomodados com o barulho, sua produtividade e a qualidade do seu trabalho tende a aumentar. Oito estudos de casos recentes de funcionários trabalhando em prédios bem projetados e energeticamente eficientes mostraram aumento de produtividade de 6% a 16%.
A KPMG Auditores Independentes, consultoria que atua em 144 países, aposta
nas bonificações e promoções para melhorar o desempenho de sua equipe e aumentar a
produtividade da empresa. As promoções estão diretamente atreladas ao desempenho do
funcionário, o que faz com que todos se comprometam a atingir as metas. A motivação da
equipe é uma das causas apontadas para o crescimento de 27% da companhia no último ano.
Do mesmo modo, a Monsanto13 confere especial atenção ao setor de recursos humanos. Para
compensar a rotina exaustiva de trabalho, os colaboradores recebem salários acima da média e
12 Multinacional que opera em mais de 100 países com uma diversificada gama de produtos e serviços, como manutenção de motores de aviões, geração de energia, serviços financeiros, eletrodomésticos, equipamentos de diagnósticos por imagem e plásticos de engenharia. 13 Multinacional americana produtora de defensivos agrícolas e sementes transgênicas.
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têm participação nos lucros, ações que funcionam como política de retenção de talentos
(SALIM, 2007, p. 135).
Além de manter talentos e aumentar a produtividade dos funcionários, a maneira
como a empresa se relaciona com seus colaboradores influencia diretamente toda a estrutura
organizacional. “O custo da conduta antiética pode ir muito além das penalidades legais,
notícias desfavoráveis na imprensa e prejuízos nas relações com clientes. Muitas vezes a
conseqüência mais grave é o dilaceramento do espírito organizacional” (AGUILAR, 1996, p.
15).
A atuação socioambiental responsável ainda pode proporcionar a redução de
riscos, como multas e compensações. O cotidiano dos negócios envolve uma série de
problemáticas às quais a empresa está sujeita, como críticas e reclamações, processos
contratuais, questões quanto à propriedade intelectual, à procedência de produtos e ao meio
ambiente, mas é fato que uma organização pode precaver-se e até mesmo evitar sanções
ocasionadas por atuações descomedidas.
Como exemplo, pode-se citar o caso da Veracel Celulose, multinacional criada
por uma associação entre Aracruz e Stora Enso. Após denúncia de organizações não-
governamentais, como Greenpeace e SOS Mata Atlântica, a Veracel Celulose foi condenada,
em julho deste ano, a uma multa de R$ 20 milhões e a retirar as plantações de eucalipto de
uma superfície de 96 mil hectares, a qual abrange quatro municípios baianos, e a reflorestar a
área com espécies nativas da Mata Atlântica (GLOCK, 2008). Sanções como essas podem até
mesmo descapitalizar a empresa, acarretando perda de competitividade e valor de mercado.
Além disso, podem configurar má gerência da organização, o que também abala a imagem
institucional e credibilidade junto a investidores.
As certificações, por sua vez, diminuem a probabilidade de contendas como a
supracitada, bem como constituem ferramentas de marketing e possibilitam maior acesso a
recursos financeiros. A organização que possui certificação socioambiental pode utilizar-se
dessa ferramenta para obter vantagem competitiva através da diferenciação. Segundo Porter
(1989, p. 111),
Uma empresa diferencia-se da concorrência quando oferece alguma coisa singular valiosa para os compradores além de simplesmente oferecer um preço baixo. A diferenciação permite que a empresa peça um preço-prêmio, venda um maior volume do seu produto por determinado preço ou obtenha benefícios equivalentes, como uma maior lealdade do comprador durante quedas cíclicas ou sazonais.
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Vale destacar as normas ISO 9000 e ISO 14000, responsáveis, respectivamente,
por certificar as empresas quanto à qualidade do processo e o respeito ao meio ambiente na
fabricação dos produtos. No âmbito social, a norma BS 8800 certifica empresas que alcançam
o patamar estabelecido de garantia à saúde e segurança do trabalhador, ao passo que a norma
AS 8000 certifica as empresas que adotam condutas baseadas nos princípios da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) quanto aos direitos humanos e trabalhistas no ambiente
organizacional (MACHADO, 2002).
Alguns selos verdes que antes se restringiam a bens de consumo duráveis, hoje
podem ser encontrados em diversos produtos. Isso se deve ao fato de que
A venda de artigos com selos socioambientais - que atestam que foram produzidos respeitando direitos trabalhistas e com cuidados ambientais - está em expansão no mundo todo. O movimento começou no início da década de 1990, com os produtos orgânicos, e ganhou impulso com o selo FSC, voltado a produtos florestais, como madeira e papel. Hoje, a certificação florestal cresce a taxas de 40% ao ano, em todo o mundo - já são 103 milhões de hectares de florestas certificadas. O Brasil acompanha a tendência, com uma área de 5 milhões de hectares, sendo metade de floresta nativa (VIALLI, 2008).
Dentre as multinacionais que investiram em certificação ambiental estão a
Unilever, cuja meta global é ter todo o seu chá da marca Lipton certificado até 2014, e a rede
McDonald’s que, na Inglaterra, só vende café e suco de laranja certificados. Ambas fixaram
sua estratégia no selo Rainforest Alliance, que certifica produtos agrícolas produzidos com
menor impacto ambiental (VIALLI, op. cit.).
Por fim, vale ressaltar a importância de conduzir uma política de marketing
compatível à estratégia de gestão socioambiental adotada pela empresa. Além de possibilitar
maior eficiência produtiva, valorização dos papéis e redução de multas, a atuação
socioambiental responsável também pode criar vantagem competitiva a partir do “marketing
verde”, principalmente por meio da valorização da marca junto aos consumidores.
Ao passo que torna públicas as demais atividades socioambientais adotadas pela
empresa, o marketing constrói a imagem institucional, fator primordial para a sustentabilidade
da organização no mercado. Assim,
A reputação da empresa para o comportamento ético, incluindo sua integridade percebida em lidar com clientes, fornecedores e outras partes, é parte do valor de seu nome (brand name capital); desta forma, isto é refletido em sua avaliação (assim como o capital humano individual é baseado em parte em sua reputação para o comportamento ético). Neste sentido, mercados privados propiciam potencialmente importantes incentivos para o comportamento ético, ao imporem custos em
19
organizações e indivíduos que rompem padrões éticos estabelecidos (BRICKLEY et
al apud MACHADO, 2002, p. 64)
Nessa perspectiva, o conceito de marketing passa a impregnar um caráter mais
humanista, ecológico e social, no sentido de “projetar uma imagem de alta qualidade,
incluindo sensibilidade ambiental relacionada tanto aos atributos do produto quanto a sua
trajetória produtiva” (LEMOS, 2008, p. 141). O marketing, portanto, observa os desejos e as
necessidades do público alvo e molda a imagem do produto ou serviço de maneira a atender
aos anseios do consumidor, abarcando também as questões políticas e sociais para a
promoção de seus produtos.
A ação socioambiental responsável divulgada através do marketing pode
colaborar para a construção da imagem da empresa. Nesse sentido,
Vantagem competitiva também pode ser criada através da comunicação, quando as ferramentas são utilizadas com eficiência para construir uma reputação positiva. O posicionamento da marca, usado como diferencial de comunicação, estabelece um lugar forte na mente dos consumidores e envolve aspectos emocionais ligados a produtos e serviços. [...] Pode-se constatar que há várias formas de se criar vantagens competitivas, e uma marca forte é aquela que consegue ser reconhecida e identificada por sua identidade, sua essência e seus valores. (OLIVEIRA, J., 2008, p. 127)
Um exemplo de empresa que utiliza o marketing verde para construir sua imagem
institucional é a multinacional de cosméticos The Body Shop. Criada em 1976 por Anita
Rodrick, ativista em movimentos sociais e ambientais, rapidamente se expandiu com a
premissa de oferecer produtos 100% ecológicos e não testados em animais. Em 1989 entrou
no mercado norte americano e em 1990 criou a The Body Shop Foundation, para apoiar
projetos sociais e ambientais que envolvem a valorização da mulher, respeito ao planeta e
promoção do comércio justo. Em 2006, a empresa foi vendida para o grupo L’Oréal por US$
1,14 bilhão (ROSENBURG, 2008). Assim, a líder mundial de cosméticos incorporou em seu
portfólio produtos ecologicamente corretos, no intuito de agregar à marca L’Oréal a imagem
de “produtos verdes”.
A partir dos referidos benefícios, é possível entender o motivo pelo qual um
número cada vez mais expressivo de empresas vê na adequação às normas ambientais e
sociais a oportunidade de ganhos econômicos e melhoria de imagem institucional. Tais
políticas de gestão, além de representarem fonte potencial de vantagem competitiva frente aos
concorrentes, influenciam diretamente os stakeholders e o entorno social e ambiental no qual
a organização está inserida.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança de valores observada nos últimos anos, a qual atribuiu às instituições
privadas funções antes consideradas estritamente do setor público, culminou com o
surgimento de novas correntes de pensamento concernentes a questões sociais, ambientais e
empresariais. O conceito atual de responsabilidade socioambiental parte da premissa que
empresa e sociedade são entidades interligadas e não distintas. Devido a este fator, a
sociedade espera das organizações privadas, principalmente das grandes organizações, como
multinacionais, comportamento responsável com relação ao ambiente no qual estão inseridas.
Nesse contexto, a relação entre empresas, aqui representadas pelas multinacionais,
e stakeholders, com destaque aos consumidores, lança os parâmetros que configuram o
cenário econômico. A busca pela otimização dos processos e maximização de resultados
passa a abranger uma nova variável, a atuação socioambiental responsável, a qual constitui
um fator de difícil mensuração e que, devido a isso, pode causar desconfianças quanto a sua
eficácia na criação de valor para a companhia.
Foram identificados durante a pesquisa alguns benefícios econômicos que a
atuação socioambiental responsável pode ocasionar às empresas (como redução de custos de
produção, valorização dos papéis, acesso a recursos financeiros e melhora na imagem
institucional), bem como evidências de que tais benefícios, quando inseridos em uma
estratégia de gestão socioambiental, podem ser convertidos em vantagem competitiva para as
multinacionais. Destaca-se, nesse contexto, a avaliação de Michael Porter, segundo a qual
muitas organizações controlam seus investimentos sociais e publicam relatórios de
sustentabilidade, mas poucas abordam o tema como parte integrante da estratégia da empresa
e ferramenta para criar vantagem competitiva (CARDOSO, 2008).
A partir de tal constatação, observa-se a necessidade da empresa investir em ações
compatíveis com sua área de atuação. Além disso, como já comentado anteriormente, é
preciso que os custos das ações socioambientais sejam relativamente menores que o retorno
21
sobre investimento esperado; caso contrário, as ações socioambientais podem tornar-se
economicamente desvantajosas para as empresas.
Vale ressaltar, ainda, o caráter introdutório deste estudo. Devido à condição
recente do tema, à sua complexidade e à referida dificuldade de mensuração de resultados,
ainda há muito a ser pesquisado. Por fim, vale citar o pensamento dos autores Savitz e Weber
(2006), segundo o qual as empresas devem atender aos interesses da sociedade nos âmbitos
econômico, ambiental e social para que garantam sua sustentabilidade no mercado. A atuação
socioambiental responsável, portanto, não só representa a possibilidade de maior
competitividade no mercado como também configura uma premissa para a permanência da
organização no ambiente econômico.
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