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A Satisfação do Cliente de Serviços de Informação

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  • MARIA BEATRIZ PINTO DE S MOSCOSO MARQUES

    A Satisfao do Cliente de Servios de Informao As Bibliotecas Pblicas da Regio Centro

    Dissertao de Doutoramento em Cincias Documentais, especialidade de Gesto da Informao e Servios de Informao, apresentada Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sob orientao da Professora Doutora Maria Jos Azevedo Santos e da Professora Doutora Fernanda Ribeiro

    Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

    2012

  • Ao sal da minha vida a Famlia

    minha me,

    s minhas filhas Sofia, Marta e Beatriz.

    Ao Antnio.

  • RESUMO

    Define-se a problemtica do nosso trabalho A Gesto de Servios de Informao -

    delimitando o mbito s Bibliotecas Pblicas. Analisa-se o contexto internacional e

    nacional da evoluo destas organizaes, relevando-se o papel determinante da Rede

    Nacional de Leitura Pblica. De seguida, desenvolve-se a viso das Bibliotecas Pblicas

    como Servios de Informao imprescindveis para o desenvolvimento da humanidade,

    com a misso de transformar os recursos informativos em riqueza e desenvolvimento

    sustentvel. Introduz-se o conceito de valor e enquadra-se o objeto de avaliao no

    campo cientfico da Cincia da Informao, assumindo-se a necessidade de avaliar o

    desempenho das Bibliotecas Pblicas. Analisa-se o conceito de Qualidade Total das

    organizaes, a partir de uma nova dimenso e de uma nova viso dos Servios

    Pblicos, que coloca os interesses dos clientes no centro da sua gesto, e conduz a uma

    substituio das prticas transacionais pelas prticas relacionais. Contextualiza-se o

    conceito chave deste trabalho a Satisfao dos Clientes atravs de uma reviso

    crtica da literatura consultada sobre o tema e realiza-se um estudo emprico para

    verificao da satisfao dos clientes das Bibliotecas Pblicas portuguesas num

    contexto geogrfico determinado - a Regio Centro do Pas. Para o desenvolvimento

    dessa anlise utiliza-se como amostra as Bibliotecas Pblicas pertencentes Rede

    Nacional de Leitura Pblica, s quais foram aplicados dois questionrios, um dirigido

    aos seus Responsveis e outro, que constitua o protocolo principal da investigao,

    dirigido aos seus clientes. Para alm dos dados recolhidos por esta via indireta,

    realizaram-se visitas maioria das organizaes, que permitiram uma observao

    participante. Conseguiu-se assim melhorar o conhecimento do nosso objeto de estudo,

    atravs da determinao do grau de satisfao dos seus Responsveis e dos seus

    Clientes, identificando-se as suas principais causas e consequncias e as suas

    implicaes estratgicas no domnio da Gesto. Os resultados obtidos apontam

    genericamente para um peso determinante da componente humana das Bibliotecas

    Pblicas para a formao da opinio dos clientes e para a melhoria do desempenho

    destas organizaes.

    Palavras-chave: Gesto de ONL; Marketing de Servios; Satisfao de Clientes; Qualidade de Servios; Bibliotecas Pblicas.

  • ABSTRACT

    The scope theme of our essay The information services management - is specially

    focused on the public libraries. We aim to analyse the national and international context

    of the evolution of these organizations, with particular deepness on the determinant role

    of the national public reading network. We develop the vision of public libraries as

    information services. These services are essential to the mankind evolution, whose

    mission is to chance the available informational resources into a wealthy and

    sustainable growing. We bring into use the value concept and set up the object

    appraised in the scientific area of information, and we take it as a fundamental necessity

    of the public libraries action. Next, we analyse the total quality concept in these

    organizations, starting with a new dimension and a new perspective of the public

    services, which put our users interest in the core of their management and replace the

    transactional practices by relational ones. The key concept of this thesis Users

    satisfaction is supported on the critical revision of the published literature on the

    theme. We also show an empirical study made to verify the public libraries users

    satisfaction in the central region of Portugal. To fulfil this analysis, we used the public

    libraries included in the national public reading network as an example. Two

    questionnaires were applied: one to the chairmen of the institutions and the other one

    which was the main protocol of the research to their users. Besides the gathered data

    we obtained, we could also observe and acquaint directly in loco during the visits we

    paid to the most organizations. These procedures helped us to understand and to know

    our object study much better. We determined the headmen and the users satisfaction

    level, identifying their main causes and consequences, as well as the strategic outcomes

    in management. Generally speaking, we can say the data collected reveal a most

    important role of the public libraries employees to the users opinion and to the

    improvement of these organizations performance.

    Key words: Nonprofit Management; Services Marketing; User satisfaction; Service quality; Public Libraries.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus orientadores, a Professora Doutora Maria Jos de Azevedo Santos e a

    Professora Doutora Fernanda Ribeiro, agradeo a amizade, a confiana e a

    disponibilidade que sempre manifestaram ao longo do meu percurso de Doutoramento.

    Professora Doutora Maria Jos de Azevedo Santos, que me acolheu na vida

    acadmica da Universidade de Coimbra, devo a experincia e o conforto que sempre me

    serviu de refgio nos momentos de desnimo ou de insegurana e a leitura crtica do

    texto cujos nveis de exigncia foram determinantes quer ao nvel do contedo quer ao

    nvel da forma desta dissertao. Professora Doutora Fernanda Ribeiro, minha ilustre

    professora, ficarei profundamente reconhecida por me ter iniciado na rea Cientfica da

    Cincia da Informao e, sobretudo, por me ter ensinado os valores da excelncia e do

    rigor cientfico e metodolgico que sempre pautaram a sua orientao cientfica.

    Ao Professor Doutor Arnaldo Coelho, agradeo por me ter orientado num momento

    inicial da minha investigao, que correspondeu fase crucial da escolha do tema.

    Ao Professor Doutor Antnio Campar de Almeida, uma palavra de profunda gratido

    por todo o apoio e incentivo, ao longo desta investigao, nomeadamente ao nvel da

    componente prtica da metodologia e anlise dos resultados estatsticos, para alm da

    amizade que sempre me dispensou e que foi determinante para o desenvolvimento e

    concluso deste trabalho.

    Uma palavra de especial gratido Dra. Anabela Lapa, pelo apoio na reviso

    Bibliogrfica da tese e pela amizade que nos une e ao Dr. Jlio Ramos pela ajuda na

    elaborao do resumo e por partilhar connosco a paixo pela Gesto de Servios de

    Informao.

    Ao Professor Doutor Alexandre Gomes da Silva, pelos sbios conselhos dados no

    domnio da anlise e do tratamento dos dados estatsticos.

    Ao Dr. Rui Faria Viana, agradeo o vivificante dilogo, desde os tempos de alunos da

    Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sobre a temtica da Gesto das

  • Bibliotecas, assim como as sugestes e o apoio que me deu para a estruturao e

    produo do questionrio elaborado.

    Este Doutoramento tambm uma etapa da minha carreira universitria como docente

    da rea Cientfica da Cincia da Informao Arquivstica e Biblioteconmica da

    Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e, por isso, quero tambm agradecer a

    todos os meus colegas de Seco, nas pessoas dos seus Diretores do 1 e 2 ciclos,

    Professor Doutor Hans Richard Jahnke e Professora Doutora Maria Manuel Borges.

    Agradeo tambm a todos os Responsveis pelas Bibliotecas Pblicas da Rede Nacional

    de Leitura Pblica da Regio Centro que participaram e tornaram possvel esta

    investigao, quer atravs do preenchimento do questionrio que lhes foi dirigido, quer

    atravs da distribuio dos questionrios aos clientes das Bibliotecas Pblicas.

    Uma palavra especial de agradecimento a todos os meus alunos que durante o ano letivo

    de 2010-2011 colaboraram comigo, para que as visitas s Bibliotecas em estudo

    pudessem ocorrer em tempo til.

    Snia Quelhas, Ftima Alves, e a todos os meus amigos e amigas, que de uma

    forma indireta contriburam para o reforo do meu entusiasmo em concluir esta

    dissertao.

    Uma lembrana especial da Raquel Carvalho Neto, que tanta fora me deu para levar a

    cabo esta investigao. Que estejas l em cima a olhar por mim e por toda a minha

    famlia e amigos.

    A todos aqueles que estiveram, esto e estaro sempre no meu coraoe mais uma

    vez s minhas filhas que me deram fora para chegar ao fim

    por vocs e para vocs!

  • 9

    SUMRIO

    INTRODUO.. 15

    PARTE I

    Quadro Terico e Concetual

    CAPTULO I

    EVOLUO E ENQUADRAMENTO HISTRICO DAS BIBLIOTECAS

    PBLICAS.. 251 Contexto internacional da evoluo das Bibliotecas Pblicas....

    1.1 Das origens das Bibliotecas at ao sculo XIX....

    1.2 O Sculo XIX...

    1.3 O Sculo XX........

    1.3.1 O Manifesto da Unesco para a Biblioteca Pblica.......

    1.3.2 Outros documentos internacionais....

    1.4 A primeira dcada do Sculo XXI...

    2 As Bibliotecas Pblicas em Portugal: evoluo e contexto histrico

    2.1 Das origens at ao Sculo XIX.....

    2.2 O Sculo XIX

    2.3 O Sculo XX.

    2.3.1 Da instaurao da Repblica ao fim do Estado Novo (1910-1974)..

    2.3.2 A Democracia (1974-2011).......

    2.3.2.1 A Rede Nacional de Leitura Pblica.

    2.3.2.2 Balano dos primeiros 25 anos da RNLP.

    25

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    62

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    70

    81

    89

    97

    CAPTULO II

    A MISSO DA BIBLIOTECA PBLICA NO SCULO XXI 1051 - O conceito de Misso

    2 - O conceito de Biblioteca Pblica..

    3 - A Viso e a Misso das Bibliotecas Pblicas

    3.1 A identidade das Bibliotecas Pblicas....

    105

    108

    115

    121

  • 10

    3.2 O posicionamento das Bibliotecas Pblicas..

    3.3 A estratgia das Bibliotecas Pblicas....

    4 - A Biblioteca Pblica no mbito da poltica local.

    137

    147

    155

    CAPTULO III

    A AVALIAO DAS BIBLIOTECAS PBLICAS 159

    1- O Conceito de Avaliao...

    2 - O Conceito de Qualidade..

    2.1 O que a Qualidade?......................................................................................

    2.2 Como que se avalia a Qualidade?.................................................................

    3 - A avaliao da Biblioteca Pblica. Porqu e para qu?........................................

    4 - A avaliao do desempenho da Biblioteca Pblica..

    4.1 Sistemas normativos

    4.1.1 A srie de Normas ISO 9000

    4.1.2 A ISO 11620:2008 Informao e Documentao Avaliao de

    desempenho das Bibliotecas..

    4.1.3 A ISO 2789:2006 Informao e Documentao Estatsticas

    internacionais de Bibliotecas.

    4.1.4 Indicadores de rendimento das Bibliotecas Pblicas...

    4.1.5 Limites da avaliao normativa

    4.2 Modelos dinmicos..

    4.2.1 Modelo de Excelncia da EFQM.

    4.2.2 Estrutura comum de avaliao (CAF)..

    4.2.3 Modelo SERVQUAL..

    4.2.4 O Modelo LibQual e o Projecto LibQual+ ..

    4.3 Modelos de avaliao do impacto ou Modelos contingenciais

    4.3.1 Impacto social Avaliao dos OSG e dos OAG

    4.3.2 Impacto financeiro

    5 - Estratgias futuras para a avaliao do desempenho da Biblioteca Pblica.

    159

    176

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    2682

    270

  • 11

    CAPTULO IV

    DA QUALIDADE SATISFAO DOS CLIENTES DAS BIBLIOTECAS

    PBLICAS. 279

    1- O Conceito de Satisfao...

    2- Da Qualidade Satisfao.

    3- A Medio da Satisfao

    3.1 Modelos da Satisfao do Cliente..

    3.1.1 O paradigma da desconfirmao.

    3.1.2 O modelo do paradigma modificado..

    3.1.3 O modelo da disparidade de perceo do valor..

    3.1.4 O modelo qualitativo...

    3.2 ndices da Satisfao do Cliente

    3.2.1 O Swedish Customer Satisfaction ndex (SCSI).

    3.2.2 O American Customer Satisfaction Index (ACSI)..

    3.2.3 O European Customer Satisfaction Index (ECSI)..

    3.2.4 O European Customer Satisfaction Index - Portugal ou ndice

    Nacional de Satisfao do Cliente (INSC).

    3.3 Variveis da Satisfao do Cliente presentes nos modelos estruturais dos

    CSIs

    3.3.1 Determinantes da Satisfao do Cliente .

    3.3.1.1 Imagem

    3.3.1.2 Expetativas..

    3.3.1.3 Qualidade apercebida

    3.3.1.4 Valor apercebido...

    3.3.2 Consequncias da Satisfao do Cliente.

    3.3.2.1 Lealdade..

    3.3.2.2 Reclamaes

    4- A Satisfao dos Clientes das Bibliotecas Pblicas...

    4.1 A avaliao da Satisfao dos Clientes das Bibliotecas Pblicas

    4.2 A Medio da Satisfao em Bibliotecas Pblicas .

    4.3 Modelo da Satisfao do Cliente das Bibliotecas..

    279

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    366

    379

    381

  • 12

    PARTE II

    Estudo Emprico

    CAPTULO V

    QUESTES METODOLGICAS 3851. Justificao do estudo.

    2. Contextualizao do estudo.

    3. Seleo da amostra para o estudo...

    4. Desenvolvimento do estudo

    4.1 Inqurito aos Bibliotecrios.

    4.2 Inqurito aos Clientes...

    385

    390

    395

    405

    409

    412

    CAPTULO VI

    A SATISFAO DOS CLIENTES DAS BIBLIOTECAS PBLICAS :

    APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS 42721. Anlise de Dados

    1.1 Anlise descritiva.

    1.1.1 Inqurito aos Bibliotecrios...

    1.1.2 Inqurito aos Clientes

    1.1.2.1 Caraterizao sociodemogrfica do objeto de investigao:...

    1.1.2.2 Determinantes da Satisfao dos Clientes das Bibliotecas da

    Rede Nacional de Leitura Pblica da Regio Centro..

    1.1.2.3 Grau de Satisfao dos Clientes das Bibliotecas da Rede

    Nacional de Leitura Pblica da Regio Centro...

    1.1.2.4 Consequncias da Satisfao dos Clientes das Bibliotecas da

    Rede Nacional de Leitura Pblica da Regio Centro..

    1.1.3 Anlise Comparativa da Viso dos Bibliotecrios e da Perceo dos

    Clientes...

    1.2 Anlise explicativa.

    1.3 Modelo explicativo da Satisfao e da Lealdade dos Clientes das

    Bibliotecas Pblicas....

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    4292

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    4524

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    485

    498

    503

    2

  • 13

    CONCLUSO 511

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 521

    LISTA DE SIGLAS E ACRNIMOS.. 6034

    NDICE DE FIGURAS.. 6077

    NDICE DE TABELAS. 611

    ANEXOS

    ANEXO I ANLISE ESTATSTICA DA RNLP... 617ANEXO II COBERTURA TERRITORIAL DA REGIO CENTRO. 639ANEXO III ANLISE ESTATSTICA DA RNLPRC.. 645ANEXO IV ANLISE CASUSTICA DAS BIBLIOTECAS DA RNLP REGIO

    CENTRO 653ANEXO V INQURITO POR QUESTIONRIO DIRIGIDO AOS RESPONSVEIS DAS

    BIBLIOTECAS DA RNLPRC... 7419ANEXO VI INQURITO POR QUESTIONRIO DIRIGIDO AOS CLIENTES DAS

    BIBLIOTECAS DA RNLPRC... 751ANEXO VII INQURITO AOS CLIENTES DAS BIBLIOTECAS DA RNLPRC LISTA DE

    SIGLAS UTILIZADAS NA APLICAO

    INFORMTICA.

    763

  • 15

    INTRODUO

    A felicidade do ser humano o ponto de partida para o desenvolvimento de uma

    sociedade organizada. Decorre implcita, quando no explicitamente, deste raciocnio a

    concluso de que todas as organizaes nascem e evoluem no sentido do bem comum.

    Esta busca incessante da felicidade humana, atravs da resposta a novos desafios

    e da obteno de consensos e concesses, assume-se como a razo de ser das

    organizaes, conferindo-lhes uma vitalidade nica no processo de diferenciao

    identitria.

    A personalidade de cada organizao assim definida, e reconhecida, em funo

    da sua capacidade de adaptao e reao a cada ciclo social, criando e inovando

    permanentemente, atravs de um processo contnuo de aprendizagem e sabedoria,

    assente na conduo racional das atividades dos seres humanos que as movimentam e

    em funo da combinao possvel entre o real e o imaginrio, entre o bom e o timo.

    Do equilbrio entre a tradio e os valores de cada sociedade, e a capacidade das

    organizaes inovarem e reagirem aos constantes desafios que dela emanam, resulta a

    sua sobrevivncia e o seu sucesso futuro, enquanto sistema, integrado no macrossistema

    social em que esto inseridas.

    Da que o carter nico de cada individuo, constitua a riqueza e a vantagem

    competitiva das organizaes permitindo-lhes sobreviverem estruturalmente, num

    ambiente conjuntural cada vez mais dinmico, diversificado e desafiador, porquanto

    cada vez mais complexo e exigente.

    Assentando na ideia de que a competio entre os organismos vivos conduz

    melhoria dos ecossistemas, e assumindo as organizaes sociais como partes integrantes

    do processo de satisfao das necessidades dos indivduos, ento, o seu futuro depende

    da sua capacidade em aumentar o bem-estar e a felicidade dos seres vivos que as

    constituem.

    Esta complexidade da anlise implica a delimitao do conceito de satisfao a

    um determinado objeto de estudo, devidamente contextualizado, e ao qual se possa

    aplicar uma metodologia de anlise passvel de revelar, ainda que por amostragem, a

    sua extenso e a sua profundidade.

  • A SATISFAO DO CLIENTE DE SERVIOS DE INFORMAO

    16

    Da decorre que esta investigao tenha como objetivo descortinar as razes que

    sustentam a criao e a existncia das Bibliotecas Pblicas, dando voz aos seres vivos

    que com elas interagem na sociedade contempornea e dessa forma contribuindo para

    aumentar a sabedoria que lhes advm do conhecimento contido na informao que elas

    recolhem, conservam e difundem.

    A grande dificuldade do nosso trabalho consiste em conciliar o que queremos,

    com o que temos, a misso, com a possvel utopia da viso que desenhamos para esta

    organizao.

    Ora, fazer com que os nossos sonhos faam as Bibliotecas Pblicas pular e

    avanar constitui o alicerce da nossa investigao, cujos clculos de engenharia vo no

    sentido de transformar o barro que o sustenta, em cimento, de qualidade superior.

    O algoritmo subjacente a esta equao Medir, Mudar e Melhorar atravs dos

    sentidos da voz, dos olhos, da audio - dos clientes, e no a partir de nmeros,

    muitas vezes fictcios, ainda que atrativos, mas que enublam a viso e conduzem runa

    e ao insucesso futuro das organizaes.

    Por isso, Resistir ao efmero, Reposicionar valores, Reequacionar prioridades,

    Racionalizar recursos, Reciclar o suprfluo, constituem as foras estratgicas da gesto

    das organizaes no sculo XXI, e definem a resposta adequada s exigncias e forte

    presso dos mercados a que esto sujeitas, e a qual tm obrigatoriamente de superar.

    Ainda que os clientes possam no ser os reis, eles so no mnimo, e de certeza,

    os soldados rasos que movimentam e asseguram o sucesso das revolues, pelo que no

    podem ser silenciados. A exemplo do que aconteceu no passado, a queda dos regimes

    totalitrios a que assistimos no mundo contemporneo, abala juris et de jure a conceo

    divina de poder e a possibilidade de uma viso tradicional das organizaes, agora com

    o gestor a disseminar o poder que lhe conferido pela comunidade envolvente.

    O sucesso da gesto das organizaes est atualmente imbricado na sua

    capacidade de partilha democrtica do poder com aqueles que so a grande razo da sua

    existncia os clientes.

    Assim, em lugar de definir temos de comunicar, em lugar de oferecer temos de

    recolher, em lugar de improvisar, temos de planear, em lugar de julgar, temos de

    avaliar

    Hoje, o valor das organizaes depende dos seus ativos intangveis as pessoas

    e o retorno do capital investido j no o lucro tangvel, mas a satisfao dos clientes,

  • Introduo

    17

    a qual entendida como o resultado final do investimento efetuado ao nvel das relaes

    estabelecidas com a componente humana do sistema a designada mtrica do cliente.

    Para atingirmos os objetivos inerentes a esta anlise precisamos de explorar as

    relaes estabelecidas entre as Bibliotecas Pblicas e os seus clientes ao longo da sua

    histria, desde a sua criao at atualidade, tentando sempre maximizar os benefcios

    inerentes sua existncia enquanto parcela importante da felicidade humana almejada.

    Do ponto de vista da estrutura, o texto encontra-se dividido em 2 partes

    complementares entre si, organizadas em seis captulos e unidas pelo conceito central da

    satisfao dos clientes.

    Na Parte I, explanamos o quadro terico e concetual subjacente nossa

    investigao.

    Assim, no Captulo I faz-se a contextualizao do mbito de aplicao do nosso

    estudo, atravs da anlise da evoluo e do enquadramento histrico das Bibliotecas

    quer a nvel internacional, quer em termos nacionais, relevando o papel das Bibliotecas

    Pblicas para o bem-estar e para a felicidade dos indivduos, desde meados do sculo

    XIX at atualidade. Da que a nossa anlise comece no mundo anglo-saxnico e

    desemboque na realidade portuguesa, procurando encontrar os fundamentos tericos da

    sua criao, que justificam o seu desenvolvimento futuro.

    Da anlise do quadro normativo existente, nomeadamente das vrias verses dos

    Manifestos da Unesco, verifica-se a preocupao constante desta organizao em

    acompanhar a dinmica da evoluo social e em satisfazer as necessidades de

    informao dos vrios grupos sociais, as quais so alvo de uma evoluo e

    transformao vertiginosa nos ltimos anos, sobretudo a partir da dcada de noventa do

    sculo passado, fruto da progressiva introduo das Tecnologias da Informao e da

    Comunicao no seu funcionamento vital.

    No caso das Bibliotecas Pblicas portuguesas, e apesar das mudanas

    decorrentes das ideias liberais - que se fizeram sentir a partir da segunda metade do

    sculo XIX e que conduziram criao das chamadas Bibliotecas Populares e

    Inspeco-Geral das Bibliotecas e Arquivos Pblicos (IGBAP) - , e do revivalismo dos

    ideais republicanos, o obscurantismo cultural em que o pas se viu mergulhado, a partir

    de 1926 e at ao 25 de Abril de 1974, com a instaurao da ditadura em Portugal,

  • A SATISFAO DO CLIENTE DE SERVIOS DE INFORMAO

    18

    combatido significativamente pela ao da Fundao Calouste Gulbenkian, faz com que

    s a partir dos finais do sculo XX, assistamos criao de verdadeiras Bibliotecas

    Pblicas, dignas desse nome.

    A criao da Rede Nacional de Leitura Pblica, em 1987, que d corpo aos

    movimentos associativos que se comeam a gizar a partir de 1983, o ponto de partida

    para a criao de infra-estruturas que contribussem para o progresso e para o

    desenvolvimento sustentado das comunidades locais.

    No Captulo II, analisamos a Misso das Bibliotecas Pblicas em funo dos

    valores da Sociedade da Informao e do Conhecimento, isto , enquanto objeto social

    de vises mltiplas e objetivos incertos.

    Partindo de vrias definies possveis, desenvolve-se o conceito de Biblioteca

    Pblica e analisa-se a sua complexidade enquanto organizao destinada a satisfazer as

    necessidades dos clientes no domnio da recolha, processamento e difuso da memria

    da humanidade, acompanhando e estimulando o desenvolvimento de relaes slidas

    entre as Bibliotecas Pblicas e as comunidades locais em que esto inseridas e dessa

    forma contribuindo para o seu desenvolvimento sustentvel.

    Invoca-se assim a necessidade de uma evoluo natural dos pressupostos base da

    sua criao, aliada a uma proatividade no seu funcionamento, que acentua o carter

    precrio destas organizaes e a volatilidade da sua misso, cuja dinmica imposta a

    partir do exterior e no, como at agora, a partir de mecanismos ancestrais de natureza

    monopolista que asseguravam a transmisso da informao mas, s muito dificilmente,

    conduziam criao de conhecimento e de sabedoria.

    A articulao entre a viso e a misso destas organizaes transforma-se na

    razo de ser da sua existncia, na combinao ideal para o seu sucesso, atravs de

    mecanismos de controle que lhe so impostos pelo ambiente dinmico e no pela

    rigidez dos documentos normativos a que esto sujeitas.

    Esta mudana operacional implica um retorno s origens, consubstanciado numa

    espcie de popularizao da organizao, enquanto sistema aberto vulnervel s

    necessidades sociais, as quais contribuem para a definio o seu contedo funcional.

    Esta nova orientao, implica o compromisso dos seus profissionais com as

    diversas variveis do sistema e uma atitude que vai muito alm da valorizao da

    componente tecnolgica do mesmo e inaugura uma nova mentalidade, assente na

    inovao para as pessoas, e atravs das pessoas.

  • Introduo

    19

    No Captulo III, desenvolve-se o conceito de valor a partir de duas abordagens -

    a filosfica e a econmica enfatizando-se a necessidade de contextualizar a sua

    anlise.

    Da decorre a definio da avaliao como uma operao metodolgica de

    atribuio do valor do uso das Bibliotecas em funo dos benefcios que delas podem

    advir para a sociedade. Esta operao, sustentada e justificada a partir dos julgamentos

    individuais, contribui de forma significativa para a melhoria do desempenho das

    organizaes e para uma nova viso da gesto dos servios pblicos, conferindo-lhes

    assim uma nova visibilidade, a partir de uma, tambm nova, base de sustentao.

    A ausncia de tradio no domnio da avaliao um facto em Portugal, no s

    no mbito das Bibliotecas Pblicas, mas em todas as reas da Gesto Pblica. A ideia da

    desresponsabilizao das Organizaes no Lucrativas na gesto da coisa pblica uma

    das causas, seno a principal, para a ausncia de reconhecimento do seu valor e por

    conseguinte da sua qualidade.

    Introduz-se assim o conceito de qualidade total das organizaes estabelecida

    em conformidade com as especificaes dos utilizadores, a partir daqui entendidos

    como clientes, isto , como nicos juzes da qualidade dos seus produtos e/ou servios,

    deslocando-se a viso da anlise do sistema para a anlise do cliente, verdadeiro

    recetculo das atividades desenvolvidas pelas Bibliotecas Pblicas.

    Justifica-se assim a introduo do conceito de excelncia das organizaes,

    enquanto compsito da eficincia e da eficcia do seu desempenho e da necessidade de

    a medir atravs da utilizao de diversas metodologias inclusivas, umas de natureza

    quantitativa e outras de natureza qualitativa.

    Apresentam-se de seguida as diversas metodologias de avaliao das Bibliotecas

    Pblicas, que classificmos como Sistemas Normativos, Modelos Dinmicos e Modelos

    de Avaliao do Impacto ou Modelos Contingenciais, incluindo-se os estudos sobre a

    satisfao dos clientes, nas metodologias indiretas de avaliao dos outcomes.

    O Captulo IV desenvolve o nosso objeto de investigao, que num sentido lato

    se pode definir como a satisfao das pessoas que esto na origem da criao das

    diversas infra-estruturas que alimentam o progresso e a felicidade da sociedade.

    Apresentam-se vrias tentativas de definio de satisfao, conceito abstrato,

    de elevada subjetividade e de difcil operacionalizao, inexoravelmente ligado

    qualidade total das organizaes, ainda que representando uma avaliao cumulativa

  • A SATISFAO DO CLIENTE DE SERVIOS DE INFORMAO

    20

    das experincias de consumo de produtos e/ou servios de uma organizao, e por isso

    relativamente estvel ao longo do tempo.

    Partindo de uma reviso da Literatura no mbito das Cincias da Administrao

    e da Gesto, mas tambm da Psicologia e da Sociologia, analisam-se os vrios estudos

    desenvolvidos, designadamente aqueles mais pertinentes para a Cincia da Informao,

    em particular os diretamente relacionados com a qualidade das Bibliotecas, dando-lhe

    uma nova abordagem - a orientao para o cliente, tambm designada por engenharia da

    satisfao do cliente.

    Esta abordagem de marketing implica uma nova viso e um reposicionamento

    sistmico das Bibliotecas Pblicas da qualidade do sistema para a satisfao do

    mercado, e da necessidade de a medir em funo de critrios distintos, ainda que

    complementares -, assente no pressuposto da racionalizao de esforos e inerente

    conteno de custos.

    Assim sendo, a satisfao dos clientes, enquanto julgamento, individual de

    natureza racional e emocional - ferramenta de diagnstico-, assume-se como a medida

    da qualidade total das organizaes e como uma oportunidade para a sua melhoria e

    afirmao, isto , para a rentabilidade da Biblioteca Pblica.

    Apresentam-se os diversos Modelos e ndices da Satisfao dos Clientes e

    analisam-se as diversas variveis previstas, consideradas como antecedentes e

    consequncias da satisfao.

    Por ltimo apresentam-se os diversos estudos sobre a satisfao dos clientes das

    Bibliotecas Pblicas e define-se o seu mbito de aplicao e as dimenses estudadas.

    Na Parte II, desenvolvemos o estudo emprico efetuado, procedendo discusso

    dos resultados, apresentao das concluses, identificao das implicaes e das

    limitaes do estudo e sugerindo caminhos para futuras investigaes.

    O Captulo V corresponde ao desenvolvimento do mtodo de investigao,

    seguido da justificao e contextualizao do estudo, da fundamentao da amostra e da

    apresentao do instrumento adotado para a recolha de dados - o inqurito por

    questionrio.

    Descrevem-se os objetivos associados aos dois processos de inqurito

    desenvolvidos e identifica-se a estrutura dos dois protocolos elaborados Questionrio

    sobre a Satisfao do(a) Responsvel e Questionrio sobre a Satisfao dos clientes das

  • Introduo

    21

    Bibliotecas Pblicas da Rede Nacional de Leitura Pblica da Regio Centro e as

    respetivas taxas de sucesso e de representatividade.

    Finalmente identifica-se a aplicao informtica SPSS Statistical Package for

    the Social Sciences - 19.0, como a ferramenta utilizada para o tratamento dos 2155

    questionrios recolhidos e anuncia-se a anlise estatstica a desenvolver.

    O Captulo VI apresenta os dados recolhidos e analisa estatisticamente os

    resultados dos inquritos em duas etapas: a tradicional ou descritiva - que permite

    ganhar uma sensibilidade com os dados, procurando descortinar as relaes ou as

    interdependncias existentes -, e a estrutural ou explicativa - que permite compreender e

    explicar as relaes que se estabelecem entre as diferentes variveis exgenas e

    endgenas da satisfao dos clientes das Bibliotecas Pblicas -.

    Descrevem-se os resultados do Inqurito aplicado aos bibliotecrios

    responsveis pelas bibliotecas pblicas pertencentes Rede Nacional de Leitura Pblica

    da Regio Centro, que sumarizam a viso do sistema sobre a qualidade interna e externa

    dos seus servios.

    Seguidamente caraterizam-se, social e demograficamente, os clientes

    respondentes do universo da amostra e descrevem-se os resultados relativos opinio

    dos clientes que usufruem das Bibliotecas Pblicas em estudo - o seu grau de satisfao,

    as suas causas e as consequncias que dele decorrem -, nomeadamente a imagem, as

    expetativas, a qualidade apercebida, o valor apercebido, as necessidades de uso do

    Sistema de Informao, assim como o seu grau de satisfao com os recursos materiais

    e humanos disponveis. Reala-se a influncia da satisfao dos clientes nos

    comportamentos desenvolvidos em relao ao sistema e ao reconhecimento da sua

    utilidade. Finalmente, procede-se a uma anlise comparativa global das duas vises.

    A parte final do captulo debrua-se, numa primeira fase, sobre a tentativa de

    explicar, atravs da Regresso Linear Mltipla (MRLM), o carter multidimensional do

    conceito de satisfao, explicitando os indicadores do questionrio que melhor explicam

    cada varivel latente, isto que tm maior impacto na explicao do grau de satisfao

    dos respondentes e, numa segunda fase, analisa-se modelarmente o conceito de

    satisfao a partir da anlise das trajetrias das variveis independentes que se

    apresentaram como mais significativas, isto , que melhor se ajustaram a esta amostra e

    que melhor explicaram a varivel dependente, neste caso a satisfao dos clientes

  • A SATISFAO DO CLIENTE DE SERVIOS DE INFORMAO

    22

    respondentes das Bibliotecas Pblicas da Rede Nacional de Leitura Pblica da Regio

    Centro, entendida como um pr-requisito para a sua lealdade.

    Com base nos resultados obtidos apresentam-se algumas sugestes para a

    melhoria do desempenho dos servios a partir da incluso dos clientes na gesto dos

    sistemas.

    A reflexo final dedicada s limitaes encontradas no decurso da nossa

    pesquisa e apresentao de propostas de orientao de novas linhas de investigao.

  • PARTE I

    Quadro Terico e Concetual

  • 25

    CAPTULO I - EVOLUO E ENQUADRAMENTO HISTRICO DAS BIBLIOTECAS PBLICAS

    A toda sociedad humana podra decirse con

    justicia: Dime lo que das a leer a tu pueblo, y

    te dir quin eres. Andr Maurois La biblioteca pblica y su misin, p. 33

    1 Contexto internacional da evoluo das Bibliotecas Pblicas

    O estudo das diversas organizaes indissocivel da anlise das necessidades

    intrnsecas de cada sociedade, em cada momento histrico.

    O ser humano sempre procurou, ao longo da sua histria, criar infra-estruturas

    que contribussem para o seu progresso e para a sua felicidade. Essa foi a prioridade de

    todas as sociedades, desde a Antiguidade pr-clssica at aos tempos em que vivemos e,

    naturalmente, os valores culturais de cada civilizao marcaram e marcaro

    substancialmente o processo evolutivo das vrias organizaes, as quais surgem para

    desempenhar uma funo que sentida como necessria em termos sociais. Ora, ser da

    interao que se estabelece entre os indivduos e as organizaes, do processo de

    comunicao humana, que surge a vantagem competitiva de cada organizao em

    concreto.

    Da que a existncia nascimento e desenvolvimento de qualquer organizao,

    tenha como fundamento primeiro o ser capaz de produzir, num dado momento ou lugar,

    algo que ningum est em condies de produzir ou, pelo menos, de produzir to bem.

    Tal implica que qualquer organizao deve apresentar vantagens competitivas tais, que

    lhe permita no ser substituda por terceiros1.

    Nesta linha de argumentao ser pois importante uma anlise, ainda que

    sumria, da responsabilidade social das Bibliotecas enquanto organizaes, dado que a 1 CHIAVENATO, Idalberto Administrao nos novos tempos : os novos horizontes em Administrao. So Paulo : Makron Books, 1999. ISBN 85-346-0926-8, p. 25.

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    26

    criao e a evoluo do sistema de informao2 - Biblioteca obedece aos cnones das

    diversas pocas e das diversas expetativas que lhe esto na base, enquanto parte

    integrante e inseparvel da sociedade em que est inserida.

    Como afirmam MILANESI e ARVIDSSON, a histria da biblioteca a histria

    do registro da informao, sendo impossvel destac-la de um conjunto amplo: a

    prpria histria do homem3, pelo que Libraries are part of society and reflect changes

    that take place in society4.

    pois ao nvel da anlise social e sobretudo no que diz respeito ao estudo das

    diversas orientaes ideolgicas e necessidades culturais dominantes em cada momento

    histrico, que podemos encontrar a resposta para a evoluo das Bibliotecas, desde os

    locais de encontro e reencontro, de aprendizagem e formao, de cio e imaginao,

    desde a Caixa de Livros5 do Egipto e da Mesopotmia at ao Servio de Informao6 do

    sculo XXI.

    O que vamos assistir, ao longo do caminho percorrido por esta organizao, a

    uma srie de avanos e retrocessos em relao ao atual conceito de Biblioteca,

    particularmente de Biblioteca Pblica (BP), e que naturalmente espelham as mudanas

    da sociedade ao longo dos sculos e da prpria noo de produo e acesso ao

    conhecimento.

    Essas mudanas ocorrem fundamentalmente ao nvel dos suportes da

    informao produzidos e conservados, dos mtodos de conservao intelectual da

    informao recolhida e das modalidades de acesso ao patrimnio intelectual produzido,

    recolhido e difundido pelo ser humano.

    Mas, apesar do percurso algo sinuoso da organizao Biblioteca, h todavia uma

    verdade transversal a todos os momentos histricos, a todos os locais do planeta e a

    todos os indivduos e que diz respeito ao papel da informao como fonte de poder e

    2 Do ponto de vista organizacional, o sistema de informao Biblioteca um subsistema do sistema de informao, a par do subsistema de informao de Arquivo, de Museu, etc., o qual, por sua vez, tambm pode ser considerado como um subsistema de um sistema maior que o da Cultura. 3 MILANESI, Luiz O que biblioteca. 5 ed. So Paulo : Brasiliense, 1988, p. 16. 4 ARVIDSSON, Ulla Librarians experiences of introducing the Internet in the public library : a study in southern California, p. 11-24. In JOHANNSEN, Carl Gustav ; KAJBERG, Leif, ed. New frontiers in public library research. Maryland : Scarecrow Press, 2005. ISBN 0-8108-5039-7, p. 11. 5 O termo Biblioteca aparece pela primeira vez na Grcia no sculo IV a.C. e forma-se pela justaposio de Biblion (livro) + thck (cofre, lugar de depsito). A palavra Biblioteca tem origem etimolgica na palavra latina Bibliotheca, o lugar onde se guardam os livros. 6 Que consolida o primado do acesso sobre a propriedade da informao.

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    27

    consequentemente, do exerccio do direito fundamental de cidadania, da a necessidade

    de a conservar como um bem7 para as geraes futuras.

    Tal como refere PIRES, secularmente, a histria da(s) biblioteca(s) do futuro

    inscreve-se na do passado, e para esse mesmo futuro ficar o legado do presente,

    nunca saberemos bem para quem, nem a propsito de qu. Talvez, quem sabe, para a

    construo de novas histrias8.

    Como veremos ao longo deste primeiro captulo e desenvolveremos no segundo,

    a criao das Bibliotecas obedeceu a uma Misso muito especfica e, em nossa opinio,

    eterna Recolher, Conservar e Difundir a memria da humanidade9.

    As Bibliotecas so pois lieux de mmoire et de conservation mais aussi de

    transmission de cette mmoire, lieux de rencontres au service de la communaut, outils

    de vie dmocratique, les bibliothques se trouvent au centre de toute politique

    culturelle, la croise ds chemins du pass (par la conservation des documents), du

    prsent (information des individus) et du devenir par la confrontation avec la

    modernit. Elles ont pour mission doffrir tous les individus qui composent cette

    communaut, quells que soient leur ge et leur situation sociale, les moyens de

    satisfaire leurs besoins10.

    Numa etapa inicial da histria das Bibliotecas, esta to nobre Misso teve um

    mbito de aplicao muito restrito, pois este direito fundamental de acesso

    informao, era apangio de uma elite de privilegiados. Mas, alguns sculos mais tarde,

    este direito viria a ficar consagrado formalmente, conferindo s Bibliotecas em geral e

    s BP em particular, o estatuto de portas abertas para o conhecimento11.

    Estas organizaes de memria so ento o espelho de uma determinada

    sociedade, clulas vivas de um organismo, mas tambm podem ser encaradas como o

    motor do seu desenvolvimento, da a importncia da anlise do contexto histrico do

    aparecimento desta organizao.

    7 Entendido segundo FERRATER MORA, Jos Dicionrio de filosofia. Lisboa : Crculo de Leitores, 1989, p. 38, como uma realidade metafsica, como um Bem em si mesmo, como uma luz que ilumina todas as coisas 8 PIRES, Cludia Casaca Bibliotecas : protagonistas mudas da histria humana. Temas. ISSN 0874-8004. N 7 (2001), p. 10 9 Registada em vrios suportes (tbuas de argila, papiro, pergaminho, digital), com vrios formatos (rolo, cdice, ebook) e natureza diversa (administrativa, legal, educativa, literria, etc.). 10 TAESCH-WAHLEN, Danielle Concevoir, raliser et organiser une bibliothque: mmento pratique lusage des lus, des responsables administratifs et des bibliothcaires. Paris : Les ditions du Cercle de la Librairie, 1997. ISBN 2-7654-0656-1, p. 13. 11 UNESCO. Manifesto da Unesco sobre a Biblioteca Pblica (1994) [Em linha]. [Consult. 2010-10-17]. Disponvel em WWW:

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    28

    Antes de iniciarmos a tentativa de, numa abordagem sintica, traarmos o

    caminho percorrido por esta organizao ao longo de vrios sculos, ser importante

    referirmos que a criao e a evoluo da organizao Biblioteca condicionou

    substancialmente o aparecimento e o desenvolvimento da BP, tal como hoje a

    entendemos. Da que seja necessrio uma anlise inicial de conjunto que nos permita

    elaborar um quadro de referncia terica para a abordagem desta tipologia funcional.

    Consideramos tambm que, e a ttulo de enquadramento concetual, ser til

    fazermos desde j uma chamada de ateno para a necessidade de termos em linha de

    conta a duplicidade de critrios subjacentes anlise da BP como organizao e que

    est na base de algum anacronismo ao nvel da sua interpretao o aspeto institucional

    e o aspeto funcional12.

    Institucionalmente, e de acordo com a tradio de servio pblico vigente at

    hoje em diversos pases do mundo, incluindo Portugal, uma BP uma organizao

    criada e sustentada, administrativa e financeiramente, pelo poder pblico, central e/ ou

    local. Neste sentido podemos considerar como Bibliotecas Pblicas, a Biblioteca

    Nacional de Portugal, as Bibliotecas das Universidades Pblicas, as Bibliotecas

    Municipais e as Bibliotecas da Rede de Escolas Pblicas.

    Funcionalmente, e de acordo com a tradio anglo-saxnica, a BP, do ingls

    public library, uma organizao que est ao servio de todos os cidados e imune a

    qualquer tipo de descriminao, independentemente da sua natureza, por mais nobre

    que ela possa ser13, e do seu enquadramento institucional.

    Ora, se do ponto de vista institucional podemos encontrar grandes assimetrias

    quer ao nvel da histria antiga das Bibliotecas, quer em termos da sua histria

    contempornea, as quais dependem naturalmente do regime jurdico e do

    enquadramento poltico de cada pas ou regio, j do ponto de vista funcional a

    12 BELAYCHE, Claudine Les bibliothques publiques : missions et enjeux, p. 35-49. In ASSOCIATION DES BIBLIOTHCAIRES FRANAIS - Le mtier de bibliothcaire. 9 ed. Paris : ditions du Cercle de la Librairie, 1992. ISBN 2-7654-0606-5, p.35. 13 A utilizao dos termos Biblioteca Pblica ou Biblioteca de Leitura Pblica em nossa opinio absolutamente indiferente, pois a existncia desta organizao justifica-se exclusivamente atravs do fenmeno da leitura, em todas as suas mltiplas acees. A nossa preferncia pela segunda opo, deve-se exclusivamente ao facto de ao longo da histria desta organizao verificarmos a utilizao literal do termo para classificar as Bibliotecas que estavam abertas ao pblico, ainda que esse pblico fosse uma pequena minoria de pessoas privilegiadas nos diversos momentos e nas diversas sociedades. Tal como reitera CARRIN GTIEZ, Manuel Manual de bibliotecas. Madrid : Fundacin Germn Snchez Ruiprez, 1990. ISBN 84-86168-26-0, p. 30, s verdad que durante siglos el trmino todos equivala a una minora representativa de dirigentes sociales, de sabios o de eruditos quienes utilizaban (o al menos deban utilizar) el conocimiento social para los dems.

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    29

    interpretao ser muito semelhante14 desde Alexandria, a Biblioteca mtica da

    Antiguidade, a Xanadu, a biblioteca ideal inteiramente pesquisvel por computador15.

    Apesar da importncia do estudo da evoluo histrica das Bibliotecas,

    porquanto ela foi determinante para o desenvolvimento da Misso das BP, h que

    salientar desde j, que as primeiras referncias leitura pblica, sobretudo no que diz

    respeito a uma anlise essencialmente institucional, remontam apenas ao sculo XIX.

    1.1 Das origens das Bibliotecas at ao sculo XIX

    A origem das Bibliotecas est indissociavelmente ligada descoberta da escrita

    pelas civilizaes pr-clssicas16 e possibilidade aberta desde 3.200 a.C. pelos

    sumrios, acdicos, assrios, babilnios, medos e persas, de perpetuar a memria da

    humanidade17.

    Durante vrios sculos, desde a Biblioteca do Palcio Real de Ebla18, uma antiga

    cidade localizada no norte da Sria, at, pelo menos, ao sculo XIX, acentuou-se o

    14 A este respeito veja-se a obra de NAUD, Gabriel - Advis pour dresser une bibliotheque. dition du groupe Ebooks libres et gratuits, 2003 [Em linha]. [Consult. 2011-10-03]. Disponvel em WWW: URL:http://elg0002.free.fr/pdf/naude_advis_pour_une_bibliotheque.pdf, p. 50, que j em 1627, apresentava uma viso da Biblioteca como uma instituio pblica, no sentido de aberta a todos, e universal, n'est-ce pas une chose du tout extraordinaire qu'un chacun y puisse entrer toute heure presque que bon luy semble, y demeurer tant qu'il luy plaist, voir, lire, extraire tel autheur qu'il aura agreable, avoir tous les moyens et commoditez de ce faire, soit en public ou en particulier, et ce sans autre peine que de s'y transporter s jours et heures ordinaires, se placer dans des chaires destines pour ct effet, et demander les livres qu'il voudra fueilleter au bibliothecaire ou trois de ses serviteurs, qui sont fort bien stipendiez et entretenus, tant pour servir la bibliotheque qu' tous ceux qui viennent tous les jours estudier en iceller. 15 BORGES, Maria Manuel De Alexandria a Xanadu. Coimbra : Quarteto Editora, 2002. (Ciberculturas;2). ISBN 972-8535-80-5, p. 13. 16 Povos que habitavam no vale do Nilo e na Mesopotmia na rea designada como Crescente frtil e Mdio Oriente, nos vales entre o rio Tigre e Eufrates, atual Iraque. 17 Atravs de uma escrita cuneiforme, com pontas de cana, registada num suporte perdurvel - em tabuinhas de argila cozida, o Homem vai, segundo SILVA, Armando Malheiro da [et al.] Arquivstica : teoria e prtica de uma cincia da informao. 2 ed. Porto : Edies Afrontamento, 2002. ISBN 972-36-0483-3, p. 45, registar e comunicar os seus actos, conhecimentos ou sentimentos, garantindo assim a memria e garantindo direitos atravs da produo de textos religiosos e registos legais e histricos. importante salientar que do ponto de vista institucional, no havia distino entre Arquivo e Biblioteca, dado que uma nica instituio desempenhava ambas as funes. 18 Capital do imprio dos sumrios, cuja Biblioteca, de acordo com LERNER, Fred Historia de las bibliotecas del mundo : desde la invencin de la escritura hasta la era de la computacin. Buenos Aires : Troquel, 1999. ISBN 950-16-2061-1, p. 22, funcionava como uma escola, servia como academia para la capacitacin de los escribas. Pero, igual que una universidad moderna, esta academia existi tanto para crear y preservar el conocimiento, como para propagarlo. Ver tambm ARCHI, Alfonso Les archives royales d'Ebla. In Syrie : mmoire et civilisation. Nantes : Flammarion, 1993. p. 107-119, KRAMER,

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    30

    carter da conservao fsica das espcies documentais, sustentado numa tradio

    biblifila e bibligrafa, a qual vai ser perpetuada at aos nossos dias, influenciando

    decisivamente o funcionamento e o dia-a-dia das atuais Bibliotecas e acentuando o seu

    carter fortemente bibliocntrico.

    Por todo o mundo antigo19, na Grcia20 e em Roma21, e durante todo o perodo

    da Idade Mdia22, predominou um acentuado esprito protecionista e conservacionista

    Samuel Noah A histria comea na Sumria. Lisboa : Publicaes Europa-Amrica, 1963, p. 263-272, e SILVA, Armando Malheiro da [et al.] Op. cit., p. 49-53. 19 Alguns autores, como DIAS, Geraldo J. A. Coelho Na pr-histria das bibliotecas. In Da memria do mundo [Em linha]. Porto : Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Biblioteca Central, 1996. [Consult. 2011-03-10]. Disponvel em WWW:

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    31

    do livro23, objeto que apenas estava disponvel para uma elite de privilegiados, os quais

    tinham acesso aos livros deste perodo, escritos pacientemente mo nos atelis de

    copistas- scriptorium dos mosteiros -, razo pela qual eram escassos e valiosos24.

    O acesso aos livros e s poucas Bibliotecas existentes nestes primeiros tempos

    da sua histria, foi desde a gnese desta organizao, e ser por motivos diversos at ao

    sculo XXI, um fator de descriminao social25, apangio de uma minoria de indivduos

    que dominava a tcnica da leitura descodificava os cdigos lingusticos utilizados,

    designadamente o grego e o latim que, por razes de natureza histrica, constituam as

    lnguas oficiais de registo da informao.

    A funo desenvolvida por estas primeiras Bibliotecas foi, pois, de natureza

    essencialmente utilitria recolher e conservar a memria coletiva para servir de apoio

    aos grupos sociais dirigentes no exerccio da sua influncia poltica sobre as classes

    menos favorecidas e menos poderosas.

    Tal como refere MAGN WALS, a histria das Bibliotecas esteve sempre

    associada aos interesses da sociedade em que estava inserida La aparicin de la

    biblioteca est ligada a sociedades en expansin, estando el mayor volumen de sus

    servicios parejo al desarrollo de las sociedades o grupos de inters que las

    sustentaban, lo cual nos muestra una interaccin entre bibliotecas por un lado e

    intereses econmicos, dirigismo poltico y dimensin social por otro26.

    Mosul El madrasa era principalmente un centro de enseanzas especializado en la ley islmica; el sostenimiento de una biblioteca era una funcin secundariaa mediados del siglo XIII, haba treinta y seis bibliotecas en Bagdad; al menos vieinte de ellas eran genunas bibliotecas pblicas. NAIR, R. Raman Public library purpose [Em linha]. [Consult. 2011-05-16]. Disponvel em WWW:

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    32

    O grande momento de viragem, no sentido da passagem do depsito de libros

    a institucin que adquiere libros apropriados a una finalidad y los guarda con un

    cierto orden para facilitar su rpida localizacin y consulta27, parece dar-se a partir de

    finais do sculo XV, com a inveno da imprensa28, a qual marca uma profunda

    mudana em direo ao atual conceito de Biblioteca.

    As Bibliotecas deixaram de ser tesouros para se tornarem servios e os livros

    perderam o seu valor material para se tornarem material de consumo29. O conceito de

    conservao alargou-se, e a par da conservao fsica, surge a necessidade de

    conservao intelectual.

    A necessidade de organizar este conhecimento30, a partir de ento difundido

    industrialmente, paralelamente necessidade de controlar fisicamente as grandes

    massas documentais produzidas, leva ao aparecimento de grandes classificaes e

    catlogos31 e de grandes Bibliotecas enciclopdicas, como a Ambrosiana (Itlia)32,

    Mazarina (Frana)33 e a do Escorial (Espanha)34, todas elas veiculando a ordem social e

    religiosa vigente.

    Paralelamente ao aumento de exemplares disponveis, que embarateceu o custo

    dos livros, diversificou-se a oferta, no s em termos de assuntos versados, como

    27Ainda que, e de acordo com ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 69, esta viragem j se tivesse iniciado no tempo de Ptolomeo I (c. sculo III) e dos seus colaboradores e desenvolvido no tempo do seu filho e netos. 28 O desenvolvimento da imprensa, arte da gravao com carateres mveis, que segundo LERNER, Fred Op. cit., p. 117, no foi inventada por Johannes Gensfleiseh Zur Laden Zum Gutemberg, dado que j era utilizada na China desde o sculo IX para reproducir ediciones de los Clssicos Confucianos, fez-se sentir na Europa graas difuso macia do papel e dos caracteres tipogrficos mveis, primeiro em madeira e depois em metal. Estes primeiros livros impressos, designados por incunbulos, convivem durante algum tempo com os manuscritos, e tal como no mundo medieval, so essencialmente de natureza religiosa, sendo a Bblia, o primeiro livro impresso, cerca de 1455. De acordo com a informao disponvel em The Printing of the Bible [Em linha]. [Consult. 2012-08-19]. Disponvel em WWW:

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    33

    tambm em termos lngusticos, pois para alm das tradicionais obras em latim e grego,

    comearam a ser impressas obras nas diversas lnguas vernculas.

    A conjugao destes dois fatores, maior quantidade e maior qualidade da oferta,

    vai aumentar naturalmente o nmero de pessoas potencialmente interessadas na leitura

    de livros35, expandindo definitivamente a circulao de ideias para fora dos muros dos

    conventos36.

    A par desta diversidade da oferta, surge ento uma diversificao na procura de

    livros, ao que no so alheias as mudanas significativas que se operaram ao nvel da

    organizao medieval do ensino a abertura do ensino em geral e do ensino

    universitrio em particular a um novo grupo social, constitudo por uma burguesia

    enriquecida pela epopeia dos Descobrimentos37, para alm da sua tradicional clientela,

    constituda quase exclusivamente por elementos do clero e da nobreza.

    A reforma protestante, iniciada no sculo XVI por Martinho Lutero, parece ter

    marcado um retrocesso neste processo evolutivo, dado que em nome das ideias

    reformistas, foram destrudas muitas Bibliotecas que continham obras que veiculavam a

    doutrina e a f catlica e outras tantas foram confiscadas ou secularizadas, o que

    conduziu ao desaparecimento de muitas obras das colees existentes.

    Mas, e segundo ESCOLAR SOBRINO, este aparente retrocesso no

    correspondeu de todo realidade pois si se destruyeron muchos libros tambin se

    publicaron muchos ms y si desaparecieron bibliotecas aparecieron otras nuevas38.

    Esta afirmao parece-nos absolutamente pertinente dado sabermos que o Livro

    assume-se tambm nesta poca como un instrument de propagande dans la lutte entre

    chrtiens et protestants39 estabelecendo-se, pelo menos a partir da, uma forte

    associao entre a evangelizao e a difuso do livro e da leitura.

    Esta relao associativa ir estar na gnese do conceito de leitura pblica e da

    relao instituda desde cedo entre a educao e a leitura, pois para adquirir sabedoria

    era necessrio dominar a tcnica e Lutero sabia que o xito da Reforma Protestante40,

    35 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 254. 36 MILANESI, Luiz Op. cit., p. 21. 37 Sobretudo em Portugal, Frana, Inglaterra, Itlia, Holanda e Espanha. 38 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 255. 39 MOULIS, Anne Marie Op. cit., p. 9. Tambm SANTOS, Vanda Ferreira dos Op. cit., p. 28, afirma que con la Reforma Protestante se introdujo la idea de que cada miembro de la sociedad debera tener, por lo menos, educacin suficiente para leer la Biblia. 40 A Reforma levada a cabo por Lutero, em luta contra a Igreja catlica, encontrou na imprensa um meio de difundir as suas ideias, mesmo que clandestinamente. O livro tornou-se um instrumento de propaganda da luta entre cristos e protestantes. A Contra-Reforma catlica utiliza tambm o livro como meio de difuso das suas ideias, editando novos catecismos e fundando escolas e Bibliotecas de natureza religiosa.

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    34

    era indissocivel da descodificao dos signos, pelo que coloca como tnica a

    divulgao da Biblia, qual estava subjacente a aquisio das competncias da leitura41.

    Neste mbito evanglico, vamos assistir em Inglaterra e nas suas colnias

    americanas, ao aparecimento paulatino do grmen da Leitura Pblica, ainda que apenas

    no que se refere ao seu aspeto funcional, com as chamadas Parish libraries42,

    destinadas prioritariamente formao de religiosos, mas abertas a laicos43.

    Nos Estados Unidos da Amrica (EUA), o reverendo Thomas Bray (1658-

    1730)44, foi o grande impulsionador destas Bibliotecas, tendo fundado, em 1699, a

    Society for Promoting Christian Knowledge, que desempenhou um papel muito

    importante para a publicao e distribuio de literatura religiosa durante cerca de 300

    anos, e a Society for the Propagation of the Gospel in Foreign Parts, fundada em 1701,

    que proporcionou os meios para estabelecer Bibliotecas nas colnias britnicas da

    Amrica do Norte.

    Bray queria que as suas Bibliotecas45 formassem as conscincias dos colonos,

    atravs da disponibilizao de livros de natureza religiosa e de natureza mundana, os

    quais contribuiriam no s para a formao dos procos, mas tambm para a educao

    das comunidades paroquiais46.

    Mas, e apesar destas Bibliotecas paroquiais terem tido um papel determinante na

    liberalizao do conceito de Biblioteca, de acordo com Santos, La Biblioteca Pblica

    ms prxima del concepto que tenemos hoy, h sido la town library (biblioteca

    municipal), que apareci entre los siglos XV y XVII en Inglaterra, Escocia, Francia y

    Alemania47, e que anuncia o incio da leitura pblica, traduzida pelo fim da cultura

    41 Segundo a ASSOCIATION DES BIBLIOTHCAIRES FRANAIS Le mtier de bibliothcaire. Nouv. d. Paris : Electre, 1996. ISBN 2-7654-0606-5, p. 20 - la traduction du Nouveau Testament par Luther est tire, en 1522, 5000 exemplaires. Ceux-ci sont si rapidement vendus que trois mois plus tard il est ncessaire de faire un second tirage qui slve, cette fois, 20000 exemplaires. 42 As Bibliotecas Paroquiais 43 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 351. Tambm na Esccia, e a exemplo do sucedido em Inglaterra e nas suas colnias, o Reverendo James Kirkwood tentou criar uma rede de Bibliotecas, as quais se deparam com diversas dificuldades de subsistncia. 44 Comissrio da Igreja anglicana na colnia de Maryland. 45 Entre 1695 e 1704 estabeleceu nos Estados Unidos 6 Bibliotecas provinciais, 39 paroquiais e 25 Bibliotecas de emprstimo para laicos, a maioria na colnia de Maryland e outras nas Bermudas, nas Antilhas e na Terra Nova, conseguindo reunir c. de 35000 livros. Cf. ESCOLAR SOBRINO, Hiplito - Op. cit., p. 351-353. 46 De acordo com LERNER, Fred Op. cit., p.179, estas primeiras Bibliotecas, de influncia marcadamente europeia, tiveram algum sucesso, mas depois da revoluo foram totalmente destrudas, impondo-se a partir da o carter eminentemente utilitrio das Bibliotecas norte americanas, em detrimento do seu carter incialmente religioso. 47 SANTOS, Vanda Ferreira dos Op. cit., p. 28.

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    35

    religiosa em nome da cultura secular, assim como pelo triunfo das lnguas vernculas

    sobre o latim.

    Desde os incios do sculo XVII que a Gr-Bretanha, nomeadamente as cidades

    de Norwich, Leicester e Bristol, tinham Bibliotecas designadas por municipais48, mas s

    no sculo XVIII, que iremos assistir a uma mudana significativa no conceito de

    leitura e do seu objeto, a qual acompanha naturalmente a evoluo da ideologia

    dominante, como consequncia da revoluo cultural operada com a Revoluo

    Francesa de 1789, que tirou os livros das mos dos nobres e colocou-os disposio da

    maioria49, liberalizando assim o acesso s Bibliotecas50.

    Vamos ento assistir ao aparecimento de vrias Bibliotecas, com fins morais,

    filantrpicos e religiosos, designadas por Clubes del libro o sociedades de lectura51,

    promovidas por associaes e entidades privadas, e constitudas atravs de aquisies

    cooperativas de livros52 que se guardaban en un armario de una casa particular o de un

    lugar pblico, como taberna o caf53.

    O sentido escolstico de operador brutal de discriminao social deu lugar

    noo da leitura como uma ocupao de tempos livres, um prazer, um trabalho, um

    passatempo, etc.54, a qual j no tinha como palco as universidades de origem medieval,

    nem to pouco os mosteiros ou os conventos, mas unas y otros son desplazados por

    nuevos centros como las academias, los salones de las casas nobles, los cafs, donde se

    forman tertulias de amigos, y las bibliotecas55.

    Estas primeiras BP so, pois, o resultado dos ecos sentidos pelos ideais

    proclamados pela Revoluo Francesa, mas devem-se fundamentalmente ao esprito

    associativo muito forte que existia na sociedade anglo-saxnica.

    48 Muitas destas Bibliotecas, de iniciativa estatal e monstica eram designadas por BP, apenas porque permitiam o acesso do pblico, mas ainda valorizavam o aspecto aspeto fsico dos seus livros em detrimento do seu contedo. 49 MILANESI, Luiz Op. cit.,, p. 21. 50 Ver tambm sobre as consequncias da Revoluo Francesa para a evoluo das Bibliotecas, PALLIER, Denis Les bibliothques. 9me d. Paris : Presses Universitaires de France, 2000. (Que sais-je? ; 944). ISBN 2-13-050738-7. 51 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 353. 52 Aps a sua leitura por todos os membros do Clube, estes livros eram vendidos,. 53 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 354. 54 BARTHES, Roland ; COMPAGNON, Antoine Leitura. In Enciclopdia Einaudi. Lisboa : Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1987, Vol. 11, p. 185-186. 55 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 350.

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    36

    Paralelamente apareceram as denominadas Bibliotecas Sociais56, que

    introduziram uma nova modalidade de aquisio, para alm da tradicional compra a

    assinatura - atravs da qual os utilizadores no adquiriam a propriedade dos livros, mas

    tinham acesso ao seu uso, atravs do pagamento de uma quota57.

    A chamada responsabilidade social das pessoas ricas, que sustentavam a criao

    e desenvolvimento destas Bibliotecas, foi talvez a base do que entendemos hoje por

    mecenato, e que se imps como uma regra elementar de financiamento moderno das

    Bibliotecas inglesas e em particular norte-americanas58.

    Nos sculos XVIII e XIX surgem igualmente em Inglaterra e na Amrica do

    Norte, as chamadas Bibliotecas de Emprstimo, designadas por Circulating Library,

    criadas com fins comerciais pelos livreiros, as quais atravs do pagamento de uma taxa

    anual ou mensal, inauguraram o chamado servio de leitura presencial e/ou emprstimo

    domicilirio59.

    A partir do Antigo Regime as Bibliotecas comearam ento a evoluir a ritmos

    distintos, que variavam de pas para pas, de acordo com a sua histria e tradio

    cultural. Foram estas individualidades nacionais que se assumiram como determinantes

    para as posteriores acees do conceito de BP: um modelo anglo-saxnico e um modelo

    germnico ou francs60.

    56 De acordo com ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 354-356 a primeira Biblioteca de carter associativo surge na Amrica do Norte e fundou-se em 1731, por indicao de Benjamn Franklin Library Company of Philadelphia, tendo sobrevivido at aos nossos dias e de acordo com LERNER, Fred Op. cit., p.182, en 1780 haba cincuenta y una bibliotecas sociais slo en Nueva Inglaterra. ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 356, afirma que este tipo de Bibliotecas de assinatura s surge em Inglaterra no sculo XIX, y se las llam, adems, Bibliotecas Permanentes para distinguirlas de los Clubes, sendo uma das mais famosas a London Library, criada por indicao de Thomas Carlyle. 57 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 354. 58 A American Library Association (ALA), assinala 4 momentos no seu desenvolvimento Antes de 1876, de 1876 a 1919, de 1920 a 1949 e de 1972 a 1986. In Predecessors of the public library [Em linha]. [Consult. 2011-01-17]. Disponvel em WWW:

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    37

    Por toda a Europa vamos assistir, desde meados do sculo XVIII, ao surgimento

    paulatino do grmen da Leitura Pblica, particularmente nos pases do norte da Europa,

    mas, e como iremos verificar posteriormente, a mudana de titularidade das Bibliotecas

    no significou uma mudana ao nvel da sua orientao, dado que, e pese embora as

    alteraes de natureza institucional, elas mantinham-se funcionalmente semelhantes

    Biblioteca de Alexandria de c. 300 a.C.

    Deixaram de estar ao servio de uma elite de religiosos e membros da nobreza e

    passaram a estar ao servio de uma classe dirigente, constituda por elementos das

    vrias classes sociais, como por exemplo em Frana os revolucionrios e na Amrica do

    Norte os grandes colonos, que se vieram a assumir como grandes mecenas, e que

    tinham como objetivo veicular as ideias dos grupos dominantes, discriminando todo o

    tipo de mensagens de natureza contrria ao poder vigente e que o pudessem pr em

    causa.

    A manipulao das conscincias e o controle da comunicao da informao

    suscetvel de conduzir a tomadas de deciso contrrias aos interesses e estabilidade de

    uma minoria dirigente acabou por perdurar por mais alguns anos, qui mantendo-se at

    aos dias de hojecontinuando a porta de acesso informao aberta, apenas para uma

    minoria de cidados!

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    38

    1.2 O SCULO XIX

    As BP, tal como as entendemos atualmente, tanto do ponto de vista institucional

    como funcional, surgiram apenas em meados do sculo XIX no mundo anglo-saxnico,

    em particular nos pases de religio protestante - na Gr-Bretanha61 e nos EUA62.

    As BP inglesas tinham como objetivos principais a formao moral e

    profissional dos elementos das classes trabalhadoras63 e o combate pobreza, atravs do

    impulso dado leitura e educao64.

    As BP americanas surgiram no como uma forma de combater um proletariado

    ignorante, mas fruto de uma necessidade de ascenso social, particularmente sentida

    61De acordo com SANTOS, Vanda Ferreira dos Op. cit., p. 30, o primeiro passo para a criao de BP na Gr-Bretanha foi dado em 1845, com a aprovao da lei dos Museus e o segundo passo com a aprovao, em 1850, de uma Lei das bibliotecas pblicas - Public Libraries Act, estendida Irlanda em 1853, e que permitia s cidades com mais de 10000 habitantes lanarem um imposto, aceite por 2/3 dos habitantes, destinado constituio de BP. Esta lei era supostamente a resposta ao grande crescimento urbano, fruto da revoluo industrial, e a tentativa de acalmar as classes trabalhadoras, cujos ecos da Revoluo Francesa provocaram alguma agitao social. Mas e como refere ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 406 e 410, apesar do esforo desenvolvido por estas organizaes, era difcil al llegar a casa despus de diez horas de trabajo manual, estuvieran cansados y no sintieran ganas de leer o de estudiar, ou como refere LERNER, Fred Op. cit., p. 185, en una era en que el gin y la cerveza eran baratos, la literatura rivalizaba com los stios de expendio de bebidas. Apesar destes obstculos, isso no invalidou que em 1852, surgisse a primeira Biblioteca Pblica inglesa em Manchester, que abri su biblioteca con 21.300 volmenes e en 1855, se promulgo una nueva ley que autorizo la adquiscin de fondos para las bibliotecas pblicas, as como el pago de los gastos de mantenimiento com el dinero recaudado de las tasas. In: SANTOS, Vanda Ferreira dos Op. cit., p. 32. Em 1883 j existiam 125 BP em Inglaterra, pese embora a oposio de alguns estratos sociais, que viam na sua criao a ameaa ao stablishement e a semente da agitao social e dos maus costumes a que apelavam as suas publicaes. Como refere LERNER, Fred Op. cit., p. 182, os opositores da difuso da educao popular consideraban que las bibliotecas pblicas eran promotoras de agitacin poltica. 62 A histria recente dos Estados Unidos da Amrica, colnia inglesa at 4 de Julho de 1776, enfraqueceu o seu patrimnio bibliogrfico, nomeadamente no que diz respeito inexistncia das grandes colees da igreja, da nobreza ou das universidades existentes no velho continente europeu. Os dois tipos de bibliotecas surgidas no ps-independncia as Paroquiais e as de Associaes - tentaram colmatar esta lacuna e no sculo XIX so secundadas por novos tipos de bibliotecas as Comerciais e as dos Aprendizes - suportadas por grupos especficos e cujas colees eram constitudas para satisfazer as necessidades informativas dos seus criadores. De acordo com ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 412-413, a primeira verdadeira Biblioteca Pblica americana foi a de Boston, autorizada pela Corte Geral de Massachusetts em 1848 e aberta ao pblico em 1854 funcionando 12h e 30m por semana (9-21.30h), 7 dias por semana (2 a sbado), para maiores de 16 anos e com o emprstimo domicilirio de 1 livro, durante 14 dias, e corporizando a ideia fundamental da Leitura Pblica como uma fonte de informao para a cidadania. 63 Ver SANTOS, Vanda Ferreira dos Op. cit., p. 30. 64 LERNER, Fred Op. cit., p. 185, afirma que esse impulso consubstanciava-se em chamar Biblioteca os trabalhadores que no podan pagar luz y calefaccin - e os seus vcios, designadamente o alcoolismo, retirando os trabalhadores das tabernas e dando-lhes um lugar alternativo ou remetendo-as para suas casas.

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    39

    pela elevada comunidade de emigrantes, que via na educao e na cultura a

    possibilidade de satisfazer esta necessidade65.

    Estas primeiras BP inglesas e norteamericanas tinham as suas colees fechadas,

    a pesquisa era feita atravs de catlogos impressos, o espao era fundamentalmente

    atribudo para sala de leitura e em alguns casos, ainda que poucos, havia uma sala para

    senhoras66 e outra para crianas e eventualmente um espao especfico para consulta de

    peridicos67.

    65 Contrariamente ao que ocorria em Inglaterra, muitas destas bibliotecas norte-americanas, para alm dos capitais pblicos, eram financiadas por benfeitores, entre os quais se destaca Andrew Carnegie (1835-1919), emigrante escocs que fez fortuna na indstria do ao e que doou milhares de dlares para a construo de bibliotecas nos pases de lngua oficial inglesa, como os EUA, Canad, Reino Unido e frica do Sul, cujas cidades assegurariam o seu funcionamento posterior com capitais pblicos. Da a consensualidade ao nvel do seu financiamento e da gratuitidade dos seus servios, ainda que na opinio de HARRIS, Michael H.- The role of the public library in american life : a speculative essay. Occasional papers [Em linha]. Illinois : Graduate School of Library Science, n 117 Jan. 1975. [Consult. 2011-01-17]. Disponvel em WWW:

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    40

    A partir daqui, as BP expandiram-se inicialmente para os pases da Escandinvia

    e depois pelo restante mundo ocidental e por alguns pases da Europa comunista68 no

    sculo XX.

    O aparecimento do conceito moderno de BP pode ser atribudo a vrios fatores,

    entre os quais podemos destacar as necessidades das classes dominantes minimizarem

    os conflitos sociais decorrentes da ausncia de mo-de-obra qualificada, como

    consequncia direta da Revoluo industrial69, e o direito consagrado pela Revoluo

    Francesa de obrigatoriedade da instruo elementar, que conduziu necessidade de

    criao de Bibliotecas ao servio da educao escolar.

    A ligao estabelecida na Europa, como vimos pelo menos desde o sculo XV,

    entre a BP e a escola, como instrumento de combate analfabetizao e de difuso das

    ideologias dominantes, acentuada pelos ideais da Revoluo Francesa, encontra aps a

    revoluo industrial, o terreno frtil para se desenvolver, sobretudo acompanhando os

    ideais liberais da poca.

    A generalizao das BP pelos vrios pases europeus, deveu-se extenso do

    ensino a classes sociais at ento impossibilitadas de lhe aceder, ao embaratecimento da

    produo e ao aumento da riqueza... e tiveram a formao moral e profissional como as

    duas alavancas para a sua criao70.

    Em Frana aparecem-nos ainda antes da Revoluo71, notcias de cerca de 43

    Bibliotecas municipais, abertas ao pblico, gratuitas e com horrios de funcionamento

    pr-estabelecidos, das quais apenas 4 tinham sido criadas por iniciativa municipal72.

    68 Assistem ao desenvolvimento de muitas bibliotecas no sculo XIX ainda que s se desenvolvam efectivamente a partir de Vladimir Ilitch Lenin (1870-1942) o qual desempenhou um papel crucial na afirmao da capacidade educativa da biblioteca, talvez por influncia da sua mulher Nadezha Krupskaya que tinha sido bibliotecria, e consequentemente atribua ao livro o papel de instrumento privilegiado de transmisso dos ideais da revoluo socialista, consolidando o Partido Comunista no estado sovitico. Naturalmente que todos os recursos informativos eram controlados pelo Estado, no havendo espao para a divulgao de ideais contrrios ao regime comunista, ainda que pudessem existir em depsito fechado. Aps a 2 guerra mundial, outros pases socialistas como a Checoslovquia, Romnia, Alemanha democrtica, Jugoslvia, Polnia, Hungria, etc. seguiram esta linha leninista da biblioteca ao servio de uma ideologia. A Alemanha nazi considerava igualmente que a biblioteca pblica era um veculo de transmisso de uma ideologia poltica, da a proliferao de BP em cidades com mais de 500 habitantes, ainda que das suas colees tivessem sido retirados todos os livros de autores judeus, comunistas ou outros que no fossem apoiantes do regime. Ver LERNER, Fred Op. cit., p. 189-190. 69 Iniciada em Inglaterra em meados do sculo XVIII e que se expandiu por todo o mundo a partir do sculo XIX. 70 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 404-406. 71 Bibliotecas de Caen, criada em 1431 e Lyon, criada em 1530. 72 Bibliotecas de Montbliard, Niort, Langres et Lavaur, abertas entre 1765 e 1773 - RICHTER, Noe Histoire de la lecture publique en France. Bulletin des Bibliothques de France [Em linha]. Paris. Vol. 22, n 1 (1977), p. 1-24. [Consult. 2011-02-10]. Disponvel em WWW:

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    41

    Mas foi com a Revoluo Francesa que foram criadas as condies para o

    aparecimento e desenvolvimento das Bibliotecas locais, com a nacionalizao de

    livrarias do clero e de alguns particulares73.

    Estas Bibliotecas, ps revolucionrias, ainda mantinham um carter erudito e

    elitista pois continuaron cerradas para la mayoria de la poblacin y fueram ms

    monumentos histricos que instituciones vivas al servicio de la comunidad74. De acordo

    com RICHTER, a partir de 1860 comeam a notar-se alguns movimentos de iniciativa

    pblica e/ou privada, favorveis leitura popular, /mas s em 1874 que se assiste ao

    aparecimento de uma opinio pblica favorvel e a um crescente apoio dos poderes

    pblicos, o que no foi todavia suficiente para impedir o seu declnio75.

    O processo tardio de aparecimento das BP francesas76, em contraposio com o

    que se tinha passado nos EUA e na Inglaterra, poder-se-ia atribuir ao fraco grau de

    industrializao da Frana que reste un pays rural o le niveau de vie s'lve moins vite

    et o la dure du temps de travail reste plus longue77.

    Na Alemanha78, e sob influncia da Revoluo Francesa e das guerras

    napolenicas, assistimos ao aparecimento, a partir da 2 metade do sculo XVIII, das

    primeiras Bibliotecas de emprstimo, ainda que com colees muito reduzidas e alvo de

    73Segundo RICHTER, Noe Op. cit., Em 2 Novembro de 1789, os bens da igreja foram nacionalizados e postos disposio da nao. De acordo com MOULIS, Anne Marie Op. cit., p.28, datam de 1803 as primeiras bibliotecas municipais, data a partir da qual o estado transfere a gesto destes equipamentos para as communes. Mas s em 1945 que criada no Ministrio da Educao Nacional a Direo das Bibliotecas e da Leitura Pblica a qual leva ao aparecimento das primeiras bibliotecas com emprstimo e seces infantis. De acordo com ASSOCIATION DES BIBLIOTHCAIRES FRANAIS Op. cit., p. 25, nos princpios subjacentes criao desta Direo afirmava-se a importncia do role ducatif de la bibliothque et lgalit des citoyens en matire de lecture. Em 1967 ento definido um plano de desenvolvimento da Leitura Pblica em Frana o qual, de acordo com a ASSOCIATION DES BIBLIOTHCAIRES FRANAIS Op. cit., p. 25, nunca foi posto em prtica pela referida Direo devido falta de meios financeiros e s entre 1969 e 1975 que se verificou uma evoluo significativa neste domnio, com a construo de mais de 200 bibliotecas. 74 ESCOLAR SOBRINO, Hiplito Op. cit., p. 423. Como refere tambm a ASSOCIATION DES BIBLIOTHCAIRES FRANAIS Op. cit., p. 23 e 25, apesar de loges dans ds btiments majestueux mais san confort, elles prsentent une image austre et rudite de la lecture, sendo os dados revelados por um relatrio da Unesco de 1966 absolutamente desencorajadores em relao taxa frequncia das bibliotecas francesas, a qual se situava em 4,6%, comparativamente com os dados expressos no respetivo documento para os pases desenvolvidos como a Dinamarca, a URSS ou a Gr-Bretanha com cerca de 30% e o Canad que atingia os 40%. 75 RICHTER, Noe Op. cit. 76 RICHTER, Noe Op. cit., estabelece 5 perodos na histria da leitura pblica em Frana: a corrente conservadora; a corrente popular (1860-1914); a orientao para a biblioteca pblica(1908-1945); a confluncia das duas correntes (1945-1968) e a leitura pblica depois de 1968. 77 RICHTER, Noe Op. cit. 78 Podemos encontrar bibliotecas municipais desde os incios do sculo XV: Ratisbon, 1430; Ulm e Erfurt, 1440; Nuremberg, 1445; Hamburgo, 1529 e Lubeck, em 1530. O denominador comum entre elas era o reduzido nmero de volumes e temas (fundamentalmente teolgicos); instalaes de fraca qualidade, pouco reconhecimento estatal e uma utilizao muito escassa por parte do pblico.

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    42

    um forte controlo estatal. Mas, s nos finais do sculo XIX, mais propriamente a partir

    de 1850, vamos poder encontrar neste pas, verdadeiras BP, nomeadamente a de Berlim,

    e que surgem fundamentalmente sob um esprito filantrpico e moralizador - como uma

    forma de minimizar a misria social e moral que surgiu aps a revoluo industrial e de

    complementar a instruo elementar. No entanto, estas BP alems, no s no eram

    gratuitas, como tambm no eram financiadas pelo Estado79.

    Em Espanha, no se pode falar de Leitura Pblica at ao sculo XVIII, pois as

    Bibliotecas at ento existentes eram de natureza essencialmente privada e apenas

    acedidas por um pequeno grupo de privilegiados80.

    S a partir do sculo XIX, e tambm por influncia da Revoluo Francesa,

    que vamos assistir ao que GMEZ HERNNDEZ designa por processo de

    modernizao, que incorpora la idea del individuo como ciudadano y no subdito,

    esto es, sujeto de derechos, parte de la nacin, involucrado en la determinacin de su

    propio futuro. La idea de que la soberana reside en el pueblo interesar a ste por la

    alfabetizacin81.

    Neste mbito surgem as primeiras BP, ainda que de titularidade jurdica pblica

    e para uso colectivo das massas, designadas por Bibliotecas populares at Segunda

    Repblica82.

    Na sequncia da Guerra da Independncia e da destruio de que foram alvo

    cerca de 2000 Bibliotecas83, as Cortes de Cdis aprovam em 1813 a criao de uma BP

    em cada uma das provncias espanholas, muitas delas constitudas, a exemplo do que se

    ir passar tambm em Portugal, pelas colees das Bibliotecas das Ordens Religiosas,

    que entretanto tinham sido extintas.

    79 LERNER, Fred Op. cit., p. 190. 80 Como refere GMEZ HERNNDEZ, Jos Antnio La preocupacin por la lectura pblica en Espaa : las bibliotecas populares : De las Cortes de Cdiz al plan de bibliotecas de Mara Moliner [Em linha]. [Consult. 2011-01-17]. Disponvel em WWW:

  • Captulo I Evoluo e enquadramento histrico das Biblioteca Pblicas

    43

    Apesar da boa vontade desta medida legislativa, ela s vem a ser aplicada mais

    tarde, no s pela falta de recursos econmicos do Estado, mas tambm fruto do

    acidentado movimento liberal do pas nosso vizinho84 e s em 1857 que se podem

    encontrar 54 bibliotecas pblicas a funcionar em todo o territrio espanhol85.

    Contrariamente ao que ocorreu noutros pases, como em Inglaterra e nos EUA,

    estas primeiras BP espanholas no surgem como uma reao a uma presso social, mas

    como uma forma de combater o analfabetismo crescente, o qual atingia cerca del 80%

    de la poblacin en 186086.

    Estas primeiras BP que emergem por toda a Europa e Amrica do Norte, eram

    ainda muito incipientes, no s ao nvel da filosofia do servio, mas tambm no que

    concerne filosofia de acesso. No permitiam o livre acesso s estantes, no existiam

    salas de leitura e o seu local privilegiado era o balco de atendimento, onde se

    processava o emprstimo e a devoluo dos livros.

    O acesso era ainda muito limitado, normalmente exclusivo da populao adulta,

    e mesmo num dos pases de vanguarda no domnio das BP e no acesso informao

    os EUA -, continuavam a perpetuar-se as excees, sendo a populao branca

    privilegiada no domnio do acesso s Bibliotecas e ficando praticamente excludos deste

    direito democrtico de acesso informao, os afroamericanos, sobretudo os do sul do

    pas87.

    Apesar de tudo, e pelo exposto, podemos concluir que a funo social e cultural

    das BP remonta pois a este perodo da histria da humanidade88.

    84 Como refere GMEZ HERNNDEZ, Jos Antnio Op. cit., Loc. cit., La tensin entre absolutismo y liberalismo se retieja en la evolucin de la gestin de la lectura pblica, por lo que se tratar de un proceso discontinuo, no lineal, en correlacin con los regmenes polticos que se suceden, y sus respectivas visiones de la Educacin y su soporte, la biblioteca. 85 BARTOLOM MARTNEZ, Bernab Las bibliotecas pblicas y la lectura. In ESCOLANO, Agustn, dir. - Leer y escribir en Espaa : doscientos aos de alfabetizacin. Madrid : Fundacin Germn Snchez Ruiprez ; Pirmide, 1992. (Biblioteca del libro ; 59), p. 309-334. 86 GMEZ HERNNDEZ, Jos Antnio Op. cit., p. 56. 87 A este respeito importante assinalar que nos EUA a escravatura foi legal at 1865. 88 MIKSA, Francis The cultural legacy of the modern library for the future [Em linha]. [Consult. 2011-02-10]. Disponvel em WWW:

  • PARTE I QUADRO TERICO E CONCETUAL

    44

    1.3 O SCULO XX

    O desenvolvimento das BP continuou por todos os pases assinalados, em

    particular nos seus pases bero Inglaterra e EUA - 89 e, apesar de alguns

    condicionamentos provocados pela crise econmica dos anos 30 e pela instabilidade

    particularmente sentida no perodo entre as duas guerras90, o ambiente do ps segunda

    Guerra Mundial, foi-lhes altamente favorvel, nomeadamente ao nvel da viso das

    Bibliotecas - como uma fora viva para a paz e para a sustentao da democracia,

    passando a informao a ser encarada como um elemento estratgico para a segurana

    e o desenvolvimento91.

    Neste sentido, a Unesco92 vai-lhes atribuir um papel determinante na

    consolidao da justia e da paz entre os povos.

    1.3.1 O Manifesto da Unesco para a Biblioteca Pblica

    Aps a Primeira Guerra Mundial (1914-18), o conceito de Leitura Pblica passa

    a designar a leitura feita em Bibliotecas (de natureza institucional) Pblicas.

    Mas s depois da Segunda Guerra Mundial (1939-45), que se d o passo de

    gigante no domnio da criao e incremento de uma poltica de leitura pblica, atravs

    89 De acordo com HARRIS, Michael H. - The role of the public library in american life, p.17-18, s a partir de 1920-30, que as BP norteamericanas comearam a assumir uma nova direo no sentido da criao de uma outra filosofia de servio das BP americanas guardis do direito informao para todos e instituies com um papel vital na promoo e preservao da democracia na Amrica - the librarian must not force the patron to learn; he must allow him to learn o que faz delegar a responsabilidade do uso, ou no, das bibliotecas nos utilizadores, cabendo aos bibliotecrios o papel de guardies. Ao comemorar-se em 1939 nos EUA, o 150 aniversrio da Declarao de Direitos, a ALA promulgou uma Declarao de Direitos das Bibliotecas. Ver LERNER, Fred Op. cit., p. 186-187. 90 De acordo com a ASSOCIATION DES BIBLIOTHCAIRES FRANAIS Op. cit., p. 25, estas primeiras dcadas do sculo XX , c. 1908-1945, foram para as bibliotecas, pelo menos em Frana, une priode daustrit, voire de misre et de rgression. Mais cest aussi une poque de rflexionet il faudra attendre les annes 60 pour qumerge une nouvelle image de la lecture publique. RICHTER, Noe Op. cit. afirma que la contestation de mai 1968 a cependant amen beaucoup d'lus locaux prendre conscience de l'importance et des besoins de l'action culturelle locale et dcouvrir le rle des bibliothques dans cette action. Les incitations de la direction des bibliothques ont favoris cette volution de l'opinion politique locale et aid la cration de nombreuses bibliothques municipales nouvelles conduzindo a uma certa politizao da leitura pblica, expressa em 1975, pelo Partido Comunista Francs na publicao de um Manifeste pour le livre e pelo Partido Socialista Francs de um projeto de organizao das profisses do livro. 91 MILANESI, Luiz Op. cit. , p. 22. 92 Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, fundada em 16 de Novembro de 1945, graas aos esforos de 46 pases.

  • Captulo I