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Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391 1 A SEGURANÇA DOS PRODUTOS À LUZ DO DIREITO ECONÔMICO Silvia de Abreu Andrade Portilho 1 RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo o estudo da segurança dos produtos do ponto de vista do Direito Econômico. Traçado o conceito e objeto do Direito Econômico, será feita uma análise das políticas econômicas de proteção à segurança dos produtos, bem como dos fatores que influenciam a sua regulação econômica. A interação dos agentes do mercado é demonstrada ao longo deste trabalho, e para tal são trazidos alguns casos práticos que apontam a influência entre as ações dos produtores, dos consumidores, as decisões judiciais e a regulação econômica. Ao final do trabalho, pretende-se vislumbrar a necessidade da busca por um equilíbrio das medidas protetivas e das ações dos agentes, fazendo-se necessária a coordenação geral dos esforços de responsabilidade e segurança, para que então possa ser alcançado um alcance coletivo que traduza o bem-estar social. PALAVRAS-CHAVE: Direito Econômico; consumidor; produtos; segurança; regulação. 1. INTRODUÇÃO O Direito enquanto ciência se interessa pelas relações complexas existentes entre os indivíduos que convivem em sociedade, sob o enfoque normativo, para traçar limites a comportamentos individuais em busca de paz social. Assim, a sociedade se organiza visando alcançar fins maiores, que reflitam o interesse social e coletivo. 1 Advogada; Pós-Graduada em Direito Público (Newton Paiva) e Direito Processual Civil (UGF); Mestranda em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Professora de Direito Civil, Introdução ao Estudo do Direito e Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato.

A SEGURANÇA DOS PRODUTOS À LUZ DO DIREITO …revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a91.pdf · Uma das principais fontes do Direito Econômico é a regulação econômica,

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Rua José Dias Vieira, 46, Rio Branco. Belo Horizonte-MG. Telefone Geral: (31) 3408-2350 / Central do Aluno: (31) 3408-2382 / Fax: (31) 3408-2391

1

A SEGURANÇA DOS PRODUTOS À LUZ DO DIREITO ECONÔMICO

Silvia de Abreu Andrade Portilho1

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo o estudo da segurança dos produtos do

ponto de vista do Direito Econômico. Traçado o conceito e objeto do Direito Econômico,

será feita uma análise das políticas econômicas de proteção à segurança dos produtos,

bem como dos fatores que influenciam a sua regulação econômica. A interação dos

agentes do mercado é demonstrada ao longo deste trabalho, e para tal são trazidos

alguns casos práticos que apontam a influência entre as ações dos produtores, dos

consumidores, as decisões judiciais e a regulação econômica. Ao final do trabalho,

pretende-se vislumbrar a necessidade da busca por um equilíbrio das medidas

protetivas e das ações dos agentes, fazendo-se necessária a coordenação geral dos

esforços de responsabilidade e segurança, para que então possa ser alcançado um

alcance coletivo que traduza o bem-estar social.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Econômico; consumidor; produtos; segurança; regulação.

1. INTRODUÇÃO

O Direito enquanto ciência se interessa pelas relações complexas existentes

entre os indivíduos que convivem em sociedade, sob o enfoque normativo, para traçar

limites a comportamentos individuais em busca de paz social. Assim, a sociedade se

organiza visando alcançar fins maiores, que reflitam o interesse social e coletivo.

1 Advogada; Pós-Graduada em Direito Público (Newton Paiva) e Direito Processual Civil (UGF); Mestranda em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Professora de Direito Civil, Introdução ao Estudo do Direito e Hermenêutica Jurídica na Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato.

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Neste contexto, o Direito Econômico se insere como a área do Direito que

estuda e disciplina as relações jurídicas de mercado, especialmente após a intervenção

do Estado na economia. Busca-se, no Direito Econômico, intermediar o embate entre o

poder econômico privado e o poder econômico estatal, que ocorre mediante a adoção

pelo Estado de políticas, com vistas ao direcionamento dos vieses econômico e jurídico

por uma disciplina preponderantemente macroeconômica das relações.2

Uma das principais fontes do Direito Econômico é a regulação econômica,

onde o Estado assume importante papel na adoção de medidas que busquem o

equilíbrio entre o poder exercido pela iniciativa privada e o interesse coletivo.

Com o foco na regulação da segurança dos produtos e na defesa do

consumidor – um dos princípios da ordem econômica de acordo com a Constituição

Federal – cumpre destacar que são diversos os fatores que influenciam na adoção das

medidas reguladoras de segurança dos produtos.

O comportamento do consumidor é fundamental, pois do mesmo modo que

incentiva e impulsiona o surgimento de novas políticas econômicas de regulação,

também pode anular benefícios dos dispositivos de segurança; daí a necessidade da

informação ao consumidor para uma maior eficácia na segurança dos produtos.

Destacam-se, no decorrer do presente trabalho, alguns casos que

demonstram verdadeiras falhas das ações dos produtores, o que acaba por acarretar

uma maior necessidade de adoção de medidas político-econômicas de regulação, e

também uma atuação mais incisiva do Poder Judiciário.

Neste contexto, revela-se de grande importância estudar a questão da

segurança dos produtos à luz do Direito Econômico, levando-se em consideração que

tal questão deverá ser analisada de um ponto de vista mais complexo, face à interação

dos agentes do mercado, pois a regulação da segurança dos produtos afeta os

produtores e os consumidores, e o comportamento destes, por sua vez, impulsionam a

necessidade da regulação.

2 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 5 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 19.

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2. O FENÔMENO ECONÔMICO: PERSPECTIVAS

De maneira geral, a Economia pode ser descrita como uma ciência social

que estuda como o indivíduo e a sociedade escolhem empregar recursos produtivos

escassos na produção de bens e serviços, de forma a distribuí-los entre os indivíduos e

grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas da melhor maneira

possível.

A questão central do estudo da Economia consiste em como alocar recursos

produtivos, limitados para satisfazer todas as necessidades da população.

As questões o que e quanto produzir, surgem, assim, diretamente do

problema da escassez de recursos de produção. Segundo Márcio Bobik Braga e Marco

Antônio Sandoval de Vasconcellos,

O tratamento dessas questões depende da forma de organização econômica. Por exemplo, em uma economia de mercado, espera-se um maior papel das empresas privadas na solução dessas questões. Já em economias planificadas, o Estado assume toda a responsabilidade pela resolução delas. Neste sentido, torna-se fundamental algum conhecimento da organização do sistema econômico.3

Sabe-se que o sistema econômico compõe-se dos elementos representados

pelos fatores de produção (recursos humanos, capital, terra, reservas naturais e

tecnologia); pelas empresas (unidades de produção), e pelo conjunto de instituições

políticas, jurídicas, econômicas e sociais, que são a base da organização da sociedade.

Sem adentrar especificamente no estudo da Economia no presente trabalho,

faz-se importante salientar que a ciência econômica pode ser dividida e classificada de

várias formas, dentre elas sob as perspectivas da macroeconomia e da microeconomia.

3PINHO, Diva Benevides; VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval...[et al.]. Manual de Introdução à Economia. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 03.

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Enquanto a macroeconomia examina a economia como um todo, para

explicar agregados – como produto nacional bruto, taxa de desemprego, inflação,

efeitos da política monetária e fiscal - e suas interações, a microeconomia analisa o

comportamento econômico dos agentes (inclusive indivíduos e firmas) e suas

interações em mercados específicos, em uma perspectiva interindividual.

A perspectiva da macroeconomia muito interessa ao Direito Econômico, pois

suas relações ultrapassam um plano restrito para interessar a toda uma coletividade, no

intuito de se evitar abusos de posição dominante ou fixação arbitrária dos lucros,

visando o equilíbrio dos fatores de produção. E o Direito Econômico, por sua vez,

estuda as normas que traçam as diretrizes da política econômica pelo Estado, de modo

a captar um alcance coletivo destas medidas.

Feitas tais considerações preliminares, mister se faz traçar o conceito e os

princípios basilares do Direito Econômico, para que, então, se possa passar à análise

da segurança dos produtos sob este enfoque.

2.1. Conceito e Objeto do Direito Econômico

O Direito Econômico surge paralelamente à concentração capitalista, que fez

originar um poder econômico privado que rivalizava com o poder estatal.

O início do século XX trouxe um novo fato econômico, derivado das

subsequentes crises do pós-guerra, que levaram à convicção de que o Estado deveria

conduzir o fenômeno econômico com novos instrumentos. O Estado não poderia mais

simplesmente permitir a crença na ordem natural da economia, e uma intervenção na

economia fazia-se mais que necessária.

No Brasil, o surgimento do Direito Econômico foi marcado por profundas

mudanças na ordem constitucional, especialmente a partir da Constituição de 1934, que

trouxe à tona a questão social. Como uma tendência mundial às exigências de um novo

Direito, cada vez mais se impunha a necessidade de se estabelecer normas que

conduzam, que disciplinem o fenômeno econômico.

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Segundo o Professor João Bosco Leopoldino da Fonseca4, o Direito

Econômico se distingue dos demais ramos jurídicos por estudar as normas que tratam

da direção da política econômica pelo Estado, e não se confunde com o chamado

Direito da Economia, pois este possui um campo mais amplo.

É sempre fundamental, portanto, destacar o objeto do Direito Econômico

para que se possam compreender as relações jurídicas que decorrem do fenômeno

econômico, que a cada dia demanda mais estudos por sua complexidade, influenciada

pelo comportamento de seus agentes que a todo o tempo se interagem.

2.2. Os Princípios de Direito Econômico

São vários os princípios que orientam a produção e a aplicação das normas

de direito econômico. O Estado, ao dirigir ou promover a atividade econômica, possui

fins diversos daqueles objetivados pela ação do particular, que procura obter sempre o

maior lucro possível.

O Estado, ao contrário, deve primar pela vantagem coletiva, pela busca do

desenvolvimento, da segurança, do bem-estar coletivo e justiça social, valores estes já

consagrados desde o Preâmbulo da atual Constituição de 1988.

A maioria dos princípios atinentes ao Direito Econômico, certamente,

encontra-se explicitada no texto constitucional, muito embora princípios específicos

também possam ser fixados, especialmente pela jurisprudência.

Há que se destacar, aqui, alguns dos mais importantes.

Inerente à atividade econômica, o princípio da eficiência se mostra

fundamental.

4 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 11-12

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Expondo o pensamento de Richard Posner, João Bosco Leopoldino da

Fonseca assim o condensa:

Para Posner, a eficiência é a utilização dos recursos econômicos de modo que o valor, ou seja a satisfação humana, em confronto com a vontade de pagar por produtos ou serviços, alcance o nível máximo, através da maximização da diferença entre os custos e as vantagens.5

Sem eficiência, não há como se alcançar a justiça, por isto é fundamental

que a atividade das empresas, e também do Estado, estejam imbuídas da idéia da

eficiência.

Juntamente com a eficiência, as normas de Direito Econômico, ao regularem

a atividade econômica, devem utilizar-se do princípio da economicidade, de forma

que o resultado final da intervenção econômica seja sempre mais vantajoso que os

custos sociais envolvidos. Aqui, eficiência e economicidade caminham juntas, pois as

ações econômicas devem tender a uma melhor qualidade de vida. Nunca é demais

lembrar que o artigo 170 da Constituição Federal dispõe, expressamente, que a ordem

econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames

da justiça social.

Os princípios gerais da atividade econômica são dispostos no mesmo artigo

170 da Constituição Federal, incisos I a IX, e devem direcionar toda e qualquer

produção normativa que diga respeito à regulação econômica.

O princípio da proporcionalidade é de especial destaque, juntamente com

o princípio da razoabilidade, uma vez que a Constituição atual estabelece as funções

do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica (artigo 174),

exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este

determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. É fundamental,

portanto, estabelecer uma medida razoável para que os direitos fundamentais da

empresa possam receber restrições do Poder Público, em prol de um interesse maior,

coletivo. 5 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Op.cit., p. 37.

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No presente trabalho, especial destaque deve ser dado à defesa do

consumidor como princípio geral da atividade econômica. A ciência econômica há

muito já se ocupa do estudo da relação de consumo e o bem-estar dos consumidores

no contexto de mercado.

No Brasil, se comparado à experiência norte-americana, a preocupação em

tutelar o consumidor é bem recente, especialmente a partir da década de 90 – criação

do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, promulgação do Código de

Defesa do Consumidor.

Fato é que a defesa do consumidor deverá nortear as políticas de regulação

econômica; entretanto, como se verá, a regulamentação econômica por si só não é

suficiente para se garantir a efetividade dos direitos do consumidor.

Por fim, ao dispor sobre os princípios do Direito Econômico, João Bosco

Leopoldino da Fonseca, em obra já citada, destaca que as normas jurídicas devem:

garantir a segurança nas relações jurídicas; tomar como ponto de partida a realidade

econômica; procurar a reforma da realidade; buscar o desenvolvimento sustentável,

buscar o equilíbrio dinâmico; nortear-se pela eficiência e economicidade; garantir a

democracia econômica e social; eliminar atos economicamente lesivos; ser

pragmáticas; ser proporcionais, e, finalmente, respeitar a dignidade humana, que é

fundamento do Estado Democrático de Direito.

2.3. A regulação como fonte do Direito Econômico

A regulação da atividade econômica no Brasil, atualmente, assume os

contornos trazidos pelo artigo 174 da Constituição Federal, cabendo ao Estado não

intervir diretamente na atividade econômica, mas sim normatizar e regular esta

atividade.

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Faz-se importante distinguir, como ressalta João Bosco Leopoldino da

Fonseca, a regulação da regulamentação.

Vive-se, hoje, um período de regulação da economia, após passadas as

fases de regulamentação e de desregulamentação.

A fase da regulação, com suas várias acepções, “tem por natureza atuar

numa economia de mercado, justamente para preservar a concorrência sadia entre os

operadores econômicos.”6

Especificamente quanto à segurança do produto, sabe-se que a regulação foi

inspirada na experiência norte-americana para a elaboração das leis de defesa da

concorrência e do consumidor. Enquanto que a preocupação com a regulação da

segurança dos produtos no direito norte-americano ocorreu, de forma mais incisiva, no

início da década de 70, no Brasil a proteção e defesa do consumidor somente se efetiva

a partir da década de 90, portanto bem posterior à criação do CADE (Conselho

Administrativo de Defesa Econômica), que data de 1962.

A defesa ao consumidor, princípio geral da atividade econômica na

Constituição atual, trouxe a necessidade imperiosa de uma atuação mais efetiva do

Estado, no sentido de normatizar e de regular as atividades das empresas que se

encaixam no conceito de “fornecedores” de produtos e serviços, conceito este que hoje

é esclarecido no Código de Defesa do Consumidor. Portanto, o papel do Estado é

fundamental para a segurança do consumidor, como destinatário final de produtos e

serviços.

Neste aspecto, a regulação da segurança dos produtos afeta todos os

participantes do mercado, sejam consumidores ou produtores. E vice-versa, ou seja, o

comportamento do consumidor ou do produtor também afeta diretamente as decisões

de regulação.

No presente trabalho, serão citados alguns exemplos, tanto no Direito

brasileiro quanto no direito norte-americano, que demonstram que os agentes

6LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Op.cit., p. 80.

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econômicos interagem todo o tempo, daí a necessidade e mesmo a dificuldade pela

busca de um equilíbrio.

W. Kip Viscusi, John Vernon e Joseph E. Harrington, em sua obra Economics

of Regulation and Antitrust, ao tratarem da segurança dos produtos, afirmam que,

Do ponto de vista de políticas reguladoras, dois aspectos dessas relações são particularmente notáveis. Primeiro: regulações governamentais não são as únicas influências econômicas afetando os incentivos de segurança. O mercado e a responsabilidade civil também são influências. (...). O segundo elemento-chave é que a segurança é o resultado da união da influência de decisões sobre segurança de produto e ações dos usuários. A incumbência da política reguladora é verificar a melhor forma de influenciar ambos os elementos sem restringir o foco em soluções tecnológicas para segurança.7

Feitas estas primeiras considerações, cabe então adentrar no foco da

regulação econômica da segurança dos produtos.

3. A REGULAÇÃO ECONÔMICA DA SEGURANÇA DOS PRODUTOS

Sabe-se que a regulação econômica é uma fonte do direito econômico, um

comportamento do Estado com o objetivo de equilibrar um setor do direito econômico,

de garantir o bem-estar de todos os operadores envolvidos, ou seja, de equilibrar a

balança, e não apenas limitar ou intervir.

A limitação e a intervenção são modos do Estado de alcançar o objetivo, não

uma simples vontade, mas uma necessidade conforme a questão aclarada. Deve ser

realizada na forma de lei, consoante o artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, não a

qualquer modo ou maneira.

7 VISCUSI, W. Kip....[et al.]. Economics of Regulation and Antitrust. 4 ed, Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2005, p. 791, tradução nossa.

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O art. 174 da Constituição Federal elucida que “o Estado exercerá, na forma

da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante

para o setor público e indicativo para o setor privado”, o que torna ainda mais evidente

a limitação do Estado para sua atuação na ordem econômica, apenas em decorrência

de lei.

O bem-estar social “implica em verdade, um sentimento de ordem mais

profunda de “realização pessoal”, através de atividades construtivas e

recompensadoras em si mesmas”8.

No âmbito da segurança dos produtos, a regulação econômica pode ser

efetivada por variadas formas, seja através da intervenção do Estado ou não.

3.1. Aspectos que afetam os incentivos de segurança

A proteção à segurança dos produtos não advém tão somente da regulação

econômica, mas se traduz em um complexo fenômeno, que perpassa diversos aspectos

e influências.

Fato é que a regulação da segurança dos produtos afeta todos os agentes

do mercado, da mesma forma em que os agentes são influenciados pelas políticas

econômicas.

W. Kip Viscusi, John Vernon e Joseph E. Harrington (obra citada), destacam

que a segurança do produto é influenciada por três fatores: o comportamento do

consumidor, as regulações econômicas e a responsabilidade dos produtores com a

qualidade.9

8HOLTZ, Ludmila Passos. Bem-Estar do Consumidor – uma análise concorrencial sob a perspectiva brasileira. Revista do IBRAC – Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional. V. 13, n. 1, Jan 2006, p. 109. 9VISCUSI, W. Kip....[et al.]. Op. cit., p. 790, tradução nossa.

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As reclamações dos consumidores também são aspectos de extrema

importância até mesmo como um modo de informação, pois se as queixas sobre o

desempenho de um produto são constantes, pode-se assumir, em certos casos, que há

uma falha no mercado que justifique alguma forma de regulação.

O consumidor, ao tomar uma decisão, é influenciado por suas experiências

pessoais, pelas informações do produto, e também pelos regulamentos, impactos de

mercado e responsabilidade civil – esta direciona o comportamento do consumidor,

como ocorre no uso do álcool, por exemplo (motoristas embriagados sabem que

poderão ser condenados em casos de acidentes).

A política informacional ao consumidor, acerca da segurança dos produtos

expostos no mercado, é um importante aspecto. As ações dos produtores, cada vez

mais, devem ser focadas em oferecer novas informações aos consumidores, pois estes

são seres pensantes, e necessitam saber sobre a real qualidade dos produtos que

estão adquirindo, para que então possam pesar os riscos reais.

Também um aspecto que muito afeta a segurança dos produtos diz respeito

às decisões judiciais e ao papel dos Tribunais.

O litígio exerce importante papel na necessidade de mudança de regulação,

chamando a atenção sobre certas falhas dos produtos e também das ações

regulamentadoras, como ocorreu nos Estados Unidos em relação ao tabaco, no final

dos anos 90.

A segurança dos produtos torna-se, assim, o resultado da união da influência

de decisões sobre segurança - medidas político-econômicas, decisões dos Tribunais e

dos órgãos de defesa da concorrência, ações dos produtores, somado às ações dos

usuários/consumidores.

3.2. Medidas político-econômicas de proteção à segurança dos produtos

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As medidas político-econômicas de proteção à segurança dos produtos não

se restringem às ações estatais, mas a todos os operadores envolvidos, de diferentes

estilos e formas.

Podem ser implementados mecanismos no setor como a informação do

público, punição aos infratores, controle concorrencial, visando reduzir ou suprimir

falhas da segurança dos produtos.

O mecanismo que surge primeiramente, na analise da regulação da

segurança dos produtos, é a intervenção estatal, direta, através da criação de leis e

resoluções.

O Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, dispõe em seu artigo 12, inciso

I, que compete ao CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) “estabelecer as normas

regulamentares referidas neste Código e as diretrizes da Política Nacional de

Trânsito.”10 Por sua vez o CONTRAN, cumprindo este dispositivo, estabelece por meio

da resolução 14/98 quais os equipamentos obrigatórios nos veículos automotores

abrangidos pelo Código de Trânsito Brasileiro.

Este é um exemplo categórico da intervenção do Estado para reduzir as

falhas de segurança, pois o CONTRAN prevê a obrigatoriedade do cinto de segurança

em veículos, e a legislação prevê a obrigatoriedade do uso, sob pena de cometer

infração de trânsito.

O uso do cinto de segurança diminui consideravelmente o risco de morte de

quem o usa, e por outro lado aumenta o custo de um veículo e desconforto dos

integrantes deste veículo.

Vislumbrando tal questão e analisando os números e estudos de países que

obrigaram os usuários a utilizar o cinto de segurança, chega-se à conclusão de que o

ganho é de tamanha relevância, que se faz necessária a criação de uma norma

estipulando o uso, coibindo o desuso.

10 BRASIL. Código Nacional de Trânsito. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L9503.htm . Acesso em 24 jul.2010.

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Podem existir normas que vinculem os fabricantes, mas não vinculem os

usuários; contudo, em certos casos, vislumbrando a efetividade da melhora, obrigam-se

também os usuários.

No entendimento de W. Kip Viscusi, na obra já citada, o governo tem à sua

disposição dois mecanismos reguladores de segurança: as ações de consumidores e

produtores.

A informação aos consumidores também surge como forma de regulação

econômica, uma maneira de evitar o banimento repentino da atividade. Desta maneira,

evitam-se medidas precipitadas, e os consumidores são comunicados dos riscos

daquele produto:

[...] o papel da informação na elaboração das políticas contemporâneas não é somente instrumental, mas também constitutivo. Por outras palavras, a informação não é somente um insumo necessário ao processo político: sob certas condições, a informação constitui a política. Neste sentido é que falo de ‘regulação por meio de informação’, para indicar que a provisão de informação e de provas pode ser utilmente vista como uma forma de regulação – alternativa para outros modos mais coercitivos – antes que um mero pré-requisito para decisões reguladoras sólidas.11

Outro ponto que a regulamentação informacional permite, o que é um risco, é

a escolha ao livre arbítrio dos consumidores, para que, caso queiram, assumam o risco

dos produtos tendo conhecimento dos mesmos.

Um exemplo categórico neste caso é o cigarro. No Brasil, existe lei obrigando

os fabricantes a colocarem no verso da caixa mensagens sobre os efeitos colaterais do

cigarro. Alguns consumidores assumem o risco e começam ou continuam com o vício.

Por outro lado, tendo o conhecimento de tal vício, outros deixam de ser consumidores

daquele produto, pois não querem assumir o risco.

11 MAJONE, M. New Agencies in the EC: Regulation by Information. The New European Agencies: conference report. 1996, p. 5 apud GATTO, Ana Carolina dos Santos; BERTOLIN, Aline... [et al]; organização de Amanda Flávio de Oliveira. Direito Econômico: Evolução e Institutos. Obra em homenagem ao Prof. João Bosco Leopoldino da Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 316.

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O caso dos medicamentos genéricos é outro exemplo, apesar da política de

quebras de patentes adotada pelo Brasil. Os produtores de medicamento genéricos

poderiam ser omissos sobre sua igual formulação dos medicamentos convencionais.

Isso traria grandes prejuízos, pois a legislação não alcançaria seu objetivo,

que é o de dar acesso a todos aos medicamentos de grande importância, e ainda

reduzir os preços dos medicamentos de referência, trazendo ganhos aos consumidores.

A lei antitruste brasileira (lei 8.884/94), evidentemente, é outra forma de

regulação à proteção da segurança dos produtos, pois, ainda que não seja o objetivo

primordial desta legislação, o consumidor é beneficiado pela mesma, ainda que

indiretamente.

A intenção da lei antitruste é a “prevenção e repressão às infrações contra a

ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade, de iniciativa,

livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão

ao abuso do poder econômico.” (artigo 1º, lei 8.884/94)

Em regra, o que se busca é uma defesa e aperfeiçoamento do livre mercado,

com um mínimo de interferências, e estas somente quando necessário, conforme os

ditames constitucionais.

O consumidor se beneficia, pois os fabricantes irão buscar seu interesse,

para terem uma maior gleba do mercado. Ao mesmo tempo, tenta-se evitar que uma

única empresa tenha o domínio total daquele mercado.

Caso este domínio ocorra, também podem ocorrer prejuízos ao consumidor,

pois o fabricante pode parar de investir na segurança do produto para buscar apenas o

lucro.

Por estas razões que o consumidor irá se beneficiar indiretamente, pois ao

manter um mercado competitivo, a segurança, um item importante para o consumidor

na atualidade, passa a ter importância aos fabricantes. Coibir esses atos é uma defesa

do consumidor, e uma defesa da segurança do produto.

Uma ulterior medida político-econômicas de proteção à segurança dos

produtos é trazida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90).

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O Código de Defesa do Consumidor, no art. 10, §1º, estabelece que “o

fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de

consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o

fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante

anúncios publicitários.”

Esta medida é conhecida como recall12, “chamar de volta”, ou seja, uma

medida posterior à aferição de um problema pelo fabricante.

Após a constatação de um problema que demonstre ser o produto

periculoso, o fabricante tem a obrigação de comunicar aos entes acima citados e, entre

outros, a Secretaria de Direito Econômico, conforme portaria 789/01 do Ministério da

Justiça.

A informação do consumidor é o objetivo inicial do recall; após esta medida,

o fabricante deve tomar providências para cessar o risco ou retirar de mercado o

produto em caso de impossibilidade.

O recall visa, observado o defeito, que este não gere ou cesse os danos aos

consumidores, além de demonstrar a vontade da empresa em corrigir o problema,

protegendo o produto.

Diversamente do pensado por consumidores, este instituto não é aplicável

apenas a automóveis, mas a brinquedos, remédios a todos os produtos que

demonstrem ser periculosos aos consumidores. O objetivo principal dessa medida é

acabar com os riscos apresentados pelo produto.

Outra forma de proteção à segurança dos produtos é a regulação através de

litígios.

Os litígios podem ocorrer por iniciativa do consumidor, propondo ações

judiciais de indenização, do Ministério Público, buscando a esfera judicial ou

administrativa para a defesa do consumidor, ou do CADE (Conselho Administrativo de

12 RIZZOTTO, Rodolfo Alberto. Recall: 4 milhões de carros com defeito de fabricação. Disponível em http://idiarte.files.wordpress.com/2009/08/recall.pdf. Acesso em: 22 Jul 2010.

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Defesa Econômica) – autarquia vinculada ao Ministério da Justiça que tem por funções

orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico.

No Brasil, esta forma de regulação ainda há que atingir um equilíbrio, pois

muitas vezes é pouco respeitada, ocorrendo que os fabricantes conseguem reverter

condenações administrativas no Poder Judiciário, e o Judiciário muitas vezes não fixa

sanções expressivas.

Em outros países, como nos Estados Unidos, a indenizações são fixadas em

altíssimos valores, o que também traz conseqüências sérias, pois muitas vezes os

tribunais acabam por usurpar funções legítimas da legislação e das agências

reguladoras.

Sabe-se que as empresas, mesmo sabendo de certas falhas nos produtos,

calculam os valores das indenizações para analisarem se compensa retirar esse

produto do mercado ou não. Tendo conhecimento de tal fato, a jurisprudência norte-

americana tem arbitrado valores elevados de indenizações para punir as empresas

infratoras, não permitindo que elas consigam esse lucro calculado.

Em alguns casos, que serão citados no próximo capítulo, o consumidor tem

sua vida ameaçada, a proteção à segurança do produto é pormenorizada, tratada a

segundo plano.

Na contramão desta medida, os Tribunais brasileiros não majoram as

indenizações, pois o consumidor estaria enriquecendo sem causa; contudo, tantas

vezes o que se vê são empresas que não valorizaram adequadamente a segurança de

seus produtos, vindo a acarretar a morte e a tragédia de muitas famílias.

3.3. O comportamento do consumidor

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O comportamento do consumidor frente às medidas de proteção pode alterar

sua eficiência, amplitude, intensidade, ou seja, apesar de existirem excelentes medidas

de proteção, muitas vezes o consumidor pode minorá-la.

O que ocorre é que os consumidores avaliam, erroneamente, a medida de

proteção do produto, deixando de tomar outras cautelas, gerando novos problemas.

Na obra já citada de W. Kip Viscusi, cita-se o exemplo do cinto de segurança,

e também o chamado “efeito lulling”.

Quando o uso do cinto de segurança passou a ser obrigatório, o índice de

acidentes aumentou, ao invés de diminuir como previam os especialistas.

Esse fenômeno foi criado pelo próprio usuário (motorista), que ao utilizar o

cinto de segurança passou a sentir uma falsa segurança, transitando em velocidade

superior. Para explicar esse exemplo, fez-se a seguinte analogia:

A teoria básica é bastante sólida e é baseada no raciocínio dos benefícios e custos marginais, que são fundamentais a todos os economistas. Se alguém remodela a questão do cinto de segurança em um contexto diferente, a sociedade aceitaria da mesma forma. Suponhamos que, ao invés de tornarmos o carro mais seguro a partir do cinto de segurança, nós tornássemos dirigir mais perigoso ao congelar a cidade, forçando-os a dirigir sobre gelo. Poucas pessoas questionariam o fato de ter que dirigir com mais atenção e mais devagar do que em situações normais. Quando o gelo derreter e retornar ao normal, esperar-se-ia que as pessoas voltassem às velocidades normais, mais altas. Na verdade, o que o cinto de segurança faz é nos tirar da situação com gelo e nos passar para a situação seca, acarretando os mesmo fatores: diminuição da preocupação do motorista.13

O comportamento do consumidor influiu diretamente no aumento do índice

de acidentes e na minoração dos efeitos de segurança trazido pela medida de proteção.

A avaliação deturpada do consumidor gerou um novo problema de proteção.

Outro caso famoso advém dos medicamentos (“efeito lulling”). Tentando

dificultar o acesso de crianças a medicamentos foi criada uma nova tampa, que,

supostamente, crianças não conseguiriam abrir.

13 VISCUSI, W. Kip....[et al.].Op.cit., p. 801, tradução nossa.

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Com o conhecimento desta nova medida, adultos, que antes não deixavam

medicamentos ao alcance de crianças, passaram a não ter os cuidados necessários.

Anteriormente os medicamentos eram guardados longe do alcance de

crianças e neste momento os adultos passaram a guardar medicamentos ao alcance de

crianças. Por sua vez, as crianças, com o acesso ao medicamento passaram a tentar

abri-lo, conseguindo tal feito.

A medida, conforme dito anteriormente, não impossibilitaria a abertura, mas

apenas a dificultaria. Com o acesso fácil aos medicamentos os acidentes com crianças

aumentaram.

A desídia dos adultos com medicamentos ao alcance de crianças fez

aumentar o número de acidentes.

Nesses casos, a medida demonstrou não ser tão eficiente quanto

demonstrava ser porque veio isolada. Poder-se-ia ter adotado outra medida de proteção

ao consumidor, informação.

Conjuntamente com a obrigação de usar o cinto de segurança deveria ter

explicitado aos consumidores que caso passem a trafegar em alta velocidade essa

medida perde eficácia. Também deveria ter sido avisado em relação ao risco do

medicamento, evitando que adultos os deixassem ao alcance de crianças.

Com a informação o consumidor poderia ter feito escolha conscientemente,

assim poderia evitar acidentes e mortes. O comportamento do consumidor, portanto,

pode ser avassalador em relação às medidas de proteção adotadas.

4. CASOS PRÁTICOS ENVOLVENDO A QUESTÃO DE SEGURANÇA DOS

PRODUTOS

4.1. Ford Pinto

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Nos anos 60, as montadoras automobilísticas japonesas adentraram ao

mercado americano, criando grande estabilidade no mercado das montadoras

tradicionais.

Visando vencer a concorrência que se evidenciava, a Ford lançou o veículo

Ford Pinto, um carro projetado em apenas 23 (vinte e três) meses, período considerado

curto para as montadoras.

Pouco tempo após o lançamento do veículo, os engenheiros da Ford

diagnosticaram um problema, pois o tanque de gasolina na traseira do carro ocasionava

um risco de explosão ou incêndio no veículo. O problema foi facilmente resolvido pelos

engenheiros, mas a sua solução acarretaria um custo à empresa.

Tendo conhecimento deste problema e também de sua solução, os

engenheiros da Ford comunicaram aos executivos da empresam, que fizeram um

simples cálculo do custo para resolver o problema, comparado ao custo das

indenizações em decorrência dos acidentes que poderiam vir a surgir.

Analisando os custos, os empresários chegaram à conclusão de que seria

mais rentável pagar as indenizações médias da época a realizar o conserto de todos os

veículos. A questão neste momento era se a vida compensaria o lucro da empresa.

Não se preocupando com as vidas que poderiam ser desperdiçadas, os

empresários resolveram não realizar os reparos nos veículos, e pagar as indenizações

na justiça.

Com o acontecimento de diversos acidentes fatais ou que ocasionaram

queimaduras aos consumidores, descobriu-se que a Ford tinha conhecimento do

defeito nos veículos, mas preferiu nada fazer.

A notícia foi amplamente divulgada nos Estados Unidos e ocasionou uma

mudança de postura dos tribunais, que influenciou na fixação das indenizações em

altos valores.

Assim, um problema de segurança que poderia ser facilmente corrigido gerou

uma revolução nas indenizações americanas: um estudo de custos que inicialmente

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parecia simples e lucrativo, ao final se tornou complexo e deficitário à Ford e às famílias

que perderam seus entes.

4.2. Goodyear

Nos anos 90, um pneu fabricado pela empresa Goodyear demonstrou ter

uma grave falha, ocasionada pela soltura de sua banda de rodagem.

Diversamente do problema ocorrido com o Ford Pinto, este problema não

poderia ser facilmente resolvido, pois a empresa teria que recolher todos os modelos do

pneu e ressarcir aos consumidores.

Foram registradas 14.815 reclamações à Goodyear em decorrência de

problemas com o pneu. A empresa, por sua vez, omitiu tal fato das autoridades

competentes e de seus consumidores.

É certo que este problema acarretaria um grande prejuízo à empresa, mas

ao menos poderia salvar diversas vidas.

Novamente a opção adotada pela empresa demonstrou ser equivocada: foi

realizado um recall às escuras, sem aviso de nenhuma das partes interessadas,

resolvendo o problema dos novos consumidores.

Os antigos consumidores do produto, entretanto, continuaram a ser vítimas

dos problemas ocasionados pelas falhas. A empresa se preocupou em não ter novas

reclamações, mas ignorou os antigos consumidores.

Nos Estados Unidos, seguindo o entendimento do caso do Ford Pinto, as

indenizações foram imensas, a empresa teve um grande prejuízo nos tribunais.

No Brasil, houve relatos do mesmo defeito, e duas mortes foram ocasionadas

pela falha da Goodyear. Nestes relados, um dos maridos que perdeu sua esposa disse

que:

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A justiça brasileira diz que não posso enriquecer pedindo indenizações desse valor, mas a Goodyear pode enriquecer as custas da desgraça da minha família e de outras.14

Fica a reflexão de que, em muitos casos, os tribunais brasileiros devem rever

seu posicionamento quanto à fixação de indenizações, em casos em que fique

realmente comprovada a omissão, negligência da empresa, para que sirva realmente

como uma medida efetiva de proteção ao consumidor.

4.3. Toyota Corolla

Um caso mais atual que afeta diretamente a segurança dos produtos é o do

veículo Toyota Corolla.

No ano de 2009, após algumas reclamações, foram descobertos problemas

de aceleração contínua nos veículos, colocando em risco a vida de muitas pessoas.

Esse fato foi descoberto pelos executivos da empresa Toyota, que preferiram

ter uma atuação omissiva em relação ao problema, não resolvendo o problema, uma

simples troca do tapete do motorista.

Acidentes começaram a ocorrer, e, em grande parte, foi descoberto que os

motoristas reclamavam que o “acelerador travava”, que o carro apresentava uma

aceleração contínua.

Emergindo o problema através da imprensa, os executivos da empresa,

tentando demonstrar que se preocupavam com os consumidores, vieram a pedir

desculpas aos consumidores.

O presidente da Toyota veio ao mundo pedindo desculpas, afirmando que se

envergonhava desse fato, e que resolveria o problema imediatamente.

14 RIZZOTTO, Rodolfo Alberto. Op.cit., p. 20.

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O temor pela perda do mercado, o temor pelas fixações de indenizações a

que a empresa poderia ser condenada, fizeram com que seu presidente pedisse

desculpas.

No Brasil, o caso também ficou famoso, principalmente no estado de Minas

Gerais, em que o Procon, por meio da atuação do Promotor de Justiça Amauri Artimos

da Matta, proibiu a venda e emplacamento do veículo no estado de Minas Gerais.

A medida reflete uma defesa efetiva ao consumidor quanto à segurança do

produto, pois a empresa nada fez para resolver o problema no Brasil.

Foi uma medida de grande repercussão no Brasil, forçando a empresa a

reverter o problema da forma correta, solucionando-o, para garantir a segurança aos

consumidores.

5. CONCLUSÃO

Conforme demonstrado ao longo do trabalho, a regulação econômica na

área de segurança dos produtos é um fenômeno bem complexo.

Interagem as ações dos produtores, os avanços tecnológicos, a legislação e

as ações dos órgãos reguladores, o comportamento do consumidor, as informações

veiculadas ao produto, a responsabilidade civil do produtor e as decisões judiciais.

A segurança dos produtos consiste no resultado da união da influência de

decisões sobre segurança - medidas político-econômicas, decisões dos Tribunais e

dos órgãos de defesa da concorrência, ações dos produtores, somado às ações dos

usuários/consumidores.

A questão das decisões judiciais e do papel dos Tribunais é de grande

preocupação.

A experiência norte-americana tem demonstrado que, muitas vezes, os

tribunais usurpam as funções da legislação e das agências reguladoras, ao fixarem

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valores altíssimos de indenizações, que por vezes acabam por desestimular as ações

dos produtores, tamanho o custo da responsabilidade civil das empresas.

No Brasil, ao contrário, o papel dos Tribunais é ainda por demais tímido, e

muitas vezes acaba demonstrando uma defesa ineficiente do consumidor quanto à

segurança dos produtos.

Torna-se fundamental, portanto, atingir um equilíbrio entre o poder

econômico privado e os objetivos sociais de promoção à segurança dos consumidores.

A regulação econômica por parte do Estado, tão somente, não é suficiente. A

conscientização dos consumidores, a veiculação de informações precisas, são aspectos

fundamentais. Muitas vezes, a legislação não precisa ser modificada, como também a

intervenção do Estado na economia de modo a suprimir a iniciativa privada não é

desejada.

Ao contrário, conforme os ditames constitucionais, o Estado deverá

incentivar, fiscalizar e planejar, na forma da lei.

A política informacional aos consumidores torna-se, então, fundamental, pois

o comportamento dos usuários, como visto, influencia diretamente nas decisões de

segurança dos produtos.

É ainda fundamental repensar o papel do Poder Judiciário na garantia da

segurança dos consumidores. Não se deve privilegiar o comportamento do consumidor

de má-fé, mas, por outro lado, não se pode dar guarida a comportamentos de

produtores que não valorizam adequadamente a segurança de seus produtos.

REFERÊNCIAS

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