179
Eni de Faria Sena A SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES: DA PRESCRIÇÃO À AÇÃO DOCENTE Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Faculdade de Educação 2002

A SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES: DA …server05.pucminas.br/teses/Educacao_SenaEF_1.pdf · Dr.ª Ângela Imaculada de Freitas Loureiro Dalben . 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a todos

Embed Size (px)

Citation preview

Eni de Faria Sena A SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES:

DA PRESCRIÇÃO À AÇÃO DOCENTE

Belo Horizonte

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Faculdade de Educação

2002

1

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS ENI DE FARIA SENA A SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES:

DA PRESCRIÇÃO À AÇÃO DOCENTE

Dissertação apresentada ao curso de

Pós-graduação em Educação da

Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, como requisito para a

obtenção do título de mestre em

Educação.

Área de concentração: Sociologia e

História da Profissão Docente e da

Educação Escolar.

Orientadora: Profª. Dr.ª Maria Inêz

Salgado de Souza

Belo Horizonte

Fevereiro de 2002

2

Dissertação defendida e aprovada em 15 de Fevereiro de 2002, pela banca

examinadora constituídas pelas professoras:

Profª. Dr.ª Maria Inêz Salgado de Souza – Orientadora

Profª. Dr.ª Anna Maria Salgueiro Caldeira

Profª. Dr.ª Ângela Imaculada de Freitas Loureiro Dalben

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta

dissertação acontecesse e de forma especial:

À Maria Inêz Salgado que, além de orientadora, apoiou-me durante todo o

processo, contribuindo para o meu crescimento.

A Patrícia Lins que, durante minha trajetória profissional, tem me apontado

valiosas pistas.

A Roseli Silva uma importante auxiliar.

Aos meus alunos e alunas, professores e professoras, cujas vozes sempre me

trouxeram alertas e indicaram a busca de novas descobertas.

4 Para Remir, meu companheiro e Kátia Carolina, minha filha. Meus grandes amigos e cumplices

“[...] Penso que a liberdade, como gesto necessário, como impulso fundamental, como expressão de vida, como anseio quando castrada, como ódio quando explosão de busca, nos vem acompanhando ao longo da história. Sem ela, ou melhor, sem luta por ela, não é possível criação, invenção, risco, existência humana”

Paulo Freire

RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar as opções de que se servem os

docentes ao depararem com o currículo estabelecido oficialmente, verificando

ao mesmo tempo em quais fatores objetivos e subjetivos o professor e a

professora se sustentam, para fazer a seleção dos conteúdos escolares.

Para contemplar este objetivo tivemos que analisar a presença em uma escola

pública, do currículo prescrito, do currículo em ação, até chegar em sala de

aula e ser revestido de um novo significado tornando-se o currículo

operacional.

Para realização desse trabalho, elegemos o estudo do cotidiano de duas salas

de aula de uma escola da rede Estadual de Ensino de Belo Horizonte, onde

acompanhamos a ação de dois docentes de duas áreas do currículo prescrito:

História e Matemática.

Ficou evidenciado o desconhecimento dos educadores quanto aos Programas

Curriculares oficiais - os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Programa da

Escola Sagarana, e que o principal mapa curricular que os docentes utilizam é

o livro didático.

Constatou-se, também que existem vários fatores que interferem no caráter

seletivo do currículo escolar e que o livro didático, como recurso pedagógico

tem um papel de destaque nesta seleção, sem contudo obscurecer a ação dos

docentes, pois como mediadores do processo ensino/aprendizagem eles

também realizam esta seleção.

As conclusões dessa investigação indicam que mesmo havendo uma

obediência passiva a um currículo prescrito que chega a escola através de

diferentes mapas curriculares, o professor e a professora detêm a relativa

1

autonomia de interpretar, modificar e ressignificar os conteúdos na interação

com seus alunos e alunas em sala de aula.

Palavras chaves: Currículo Prescrito, Currículo Operacional, Seleção de

Conteúdos, Livro Didático.

8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CQT Controle de Qualidade Total

FCO Fundação Cristiano Ottoni

PAME Plano de Ação para melhoria da escola

PBQP Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade

PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PMDI Plano Mineiro de Desenvolvimento

PQTE Plano de Qualidade total em Educação

SIND-UTE Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação

SEE Secretaria do Estado de Educação.

SUMÁRIO

RESUMO ...............................................................................................005

LISTA DE ABREVIATURAS..................................................................007

INTRODUÇÃO .......................................................................................011

1 A PESQUISA E SEU SUPORTE METODOLÓGICO..........................014

1.1 Caracterização da escola................................................................021

1.2 A escola..........................................................................................021

1.3 A diretora ........................................................................................023

1.4 As funcionárias e funcionários auxiliares de serviço ......................025

1.5 As funcionárias e os funcionários administrativos ..........................026

1.6 A orientadora educacional e a supervisora pedagógica .................027

1.7 Os professores e as professoras....................................................032

1.8 A biblioteca e as bibliotecárias .......................................................033

1.9 Os sujeitos da pesquisa..................................................................034

1.9.1 A professora de Matemática .......................................................034

1.9.2 O professor de História ...............................................................036

1.9.3 Os alunos e alunas......................................................................037

2. A CONCEITUAÇÃO DE CURRÍCULO COMO PRESCRIÇÃO .........040

2.1 Origem...........................................................................................040

2.2 A tradição curricular, sua evolução e suas diferentes concepções no

Brasil................................................................................................042

2.3 A prescrição curricular no Sistema Educacional de Minas Gerais

....................................................................................................056

2.4 O papel do currículo oficial nas escolas investigada ....................070

10

3 A SALA DE AULA .............................................................................076

3.1 Perfil das turmas ..............................................................................077

3.2 Disciplina..........................................................................................079

3.3 Os docentes, sua formação e a interação com

os alunos e alunas ..........................................................................085

3.4 Organização do trabalho escolar e suas condições.........................091

3.5 Autonomia do professor e da professora.........................................093

3.6 A seleção e distribuição dos conteúdos escolares ..........................096

3.7 Avaliação .........................................................................................101

4 O LIVRO DIDÁTICO COMO MAPA CURRICULAR ...........................107

4.1 Protagonismo do livro didático na definição dos

conteúdos escolares .....................................................................109

4.2 Trajetória histórica do livro didático no Brasil................................114

4.3 Uma nova política .........................................................................118

4.4 O livro didático como recurso........................................................120

4.5 O livro didático de História ............................................................122

4.6 Interação do professor de História com o livro didático ................126

4.7 A relação dos alunos e alunas com o saber histórico....................134

4.8 O livro didático de Matemática.......................................................137

4.9 A ação da professora de matemática ............................................144

4.10 A relação dos alunos e alunas com o saber matemático..............147

4.11 A mediação dos docentes.............................................................151

11

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................153

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................163

ABSTRACT...........................................................................................170

ANEXO A...............................................................................................172

ANEXO B...............................................................................................173

ANEXO C...............................................................................................174

11

INTRODUÇÃO O presente estudo partiu das inquietações e questionamentos que

acumulamos ao longo de nossa trajetória profissional. Por trabalharmos na

área educacional e nos envolvermos com a prática educativa, essa trajetória

permitiu-nos construções e reflexões a respeito do cotidiano escolar, que nos

levaram à elaboração dessa dissertação.

Vivemos oportunidades de ampliar nosso processo de formação de diferentes

formas e, principalmente, através de uma militância constante nos movimentos

sociais. Neste processo, identificamos vários problemas referentes à escola

que freqüentemente passam despercebidos pelas autoridades educacionais.

Uma dessas questões tem sido a ampliação das discussões sobre o currículo e

a necessidade de reestruturação dos serviços educacionais que favoreçam

novas formas de entender e trabalhar as conseqüências das relações entre

sociedade e escola, entre poder e o currículo.

Este trabalho tem como objeto de estudo a seleção dos conteúdos escolares,

da prescrição à ação docente. A opção por realizar a pesquisa evidenciando o

cotidiano da ação docente, permitiu-nos analisar o percurso e o impacto do

currículo prescrito, na escola e na sala de aula e identificar o significado de um

novo currículo, o operacional, aquele que de fato expressa o que ocorre em

sala de aula.

12

Dessa forma, destacamos, também, alguns mapas curriculares e identificamos

que os docentes utilizam intensivamente o livro didático, como recurso auxiliar

para seleção dos conteúdos escolares.

Para a análise dos dados, inspiramo-nos, principalmente, nos construtos

teóricos da teoria crítica do currículo e, particularmente, nos autores Apple e

Freire; segundo os autores um currículo oficial, comumente, representa uma

forma autoritária e mecânica de organizar o ensino, e que os professores têm

uma longa história de mediar e transformar o material dos textos quando os

empregam em sala de aula.

No primeiro capítulo, apresentamos a pesquisa e o suporte teórico

metodológico da dissertação, elaborada a partir de observação de aulas de

dois professores de (História e Matemática) em duas turmas de 8ª série, de

uma escola da rede pública estadual.

No segundo capítulo, buscamos conceituar alguns temas utilizados no estudo

e contextualizar historicamente o campo do currículo e suas relações com a

escola. Identificamos também as principais concepções estrangeiras que têm

influenciado o currículo no Brasil e principalmente em Minas Gerais.

Ao problematizarmos alguns aspectos desses estudos, estaremos situando o

ponto de vista assumido nessa pesquisa: a concepção de que existe

determinação de um currículo oficial e, conseqüentemente, a imposição de um

conhecimento hegemônico.

No terceiro capítulo, analisamos a concretização na sala de aula do currículo

prescrito através das ações dos docentes, dos alunos e alunas e identificando

alguns fatores do cenário pedagógico que têm interferência no processo

ensino/aprendizagem.

13

No quarto capítulo, analisamos o significado que o livro didático assume na

prática docente e escolar, constituindo-se em um dos principais canais

curriculares com grandes influências na determinação da seleção dos

conteúdos escolares.

Queremos destacar que, dentro dos limites de nossa investigação, este estudo

de caso qualitativo não pretende generalizar os resultados encontrados, mas

sobretudo esperamos contribuir para o desvelamento dos conflitos produzidos

por uma prescrição e uma seleção de conteúdos escolares desvinculadas dos

principais sujeitos do cenário educacional: professores, professoras, alunos e

alunas.

Ao realizarmos esta pesquisa, verificamos a necessidade de se buscarem

novas pistas que indiquem a capacidade do docente, enquanto sujeito de seu

conhecimento, interferir no processo pedagógico de forma a ressignificar e

modificar as prescrições curriculares distanciadas da sala de aula.

14

1 A PESQUISA E SEU SUPORTE METODOLÓGICO

Neste capítulo, descreveremos o quadro teórico-metodológico utilizado nesta

pesquisa, bem como o universo de onde partiu nossa análise. Nossa atenção

se voltou para a investigação do currículo na sala de aula, para evidenciarmos

quais são os fatores objetivos e subjetivos sobre os quais o professor e a

professora se sustentam para fazer a seleção dos conteúdos escolares.

Tomamos como referência á concepção de que o currículo é toda ação

pedagógica refletida, que se realiza na escola e fora dela, para que se

concretize a aprendizagem.

A pesquisa empírica, vivenciada no interior da sala de aula, possibilitou

explicitar que, mesmo havendo uma sacralização de um currículo prescrito que

chega à escola através de diferentes mapas curriculares, o professor e a

professora detêm a autonomia de interpretar, modificar e ressiginificar os

conteúdos na interação com seus alunos e alunas em sala de aula.�

Sabe-se que o currículo prescrito, determinado por uma instituição normativa,

de que são exemplos os diferentes guias curriculares elaborados pelos estados

e municípios brasileiros, ao adentrar a escola confronta-se com o currículo em

ação - entendido e trabalhado como o conjunto de aprendizagens vivenciadas

pelos alunos ao longo de sua trajetória escolar, planejadas ou não pela escola,

dentro ou fora da aula e da escola, mas sob a responsabilidade desta

Geraldi,C. (1993).

O currículo em ação, por sua vez, ocorre no interior da sala de aula, através da

mediação dos docentes, e é permeado pelas influências de diferentes fatores

15

subjetivos e objetivos1 traduzindo desta forma o currículo prescrito em currículo

operacional entendido como:

“[.....] aquele que de fato representa o que ocorre nas aulas e nas atividades pedagógicas cotidianas, nas situações típicas e contraditórias vividas pelas escolas, com suas implicações e concepções subjacentes e não o que era desejável que ocorresse e/ou que era institucionalmente prescrito”. (Geraldi, 1993: 3-6)

Entendemos também, que a prática docente é construída através de múltiplas

experiências vivenciadas pelo professor e pela professora, que têm tanto seus

atributos pessoais como as determinações sociais. Entretanto, observamos que

os professores possuem autonomia para reestruturar as prescrições

curriculares.

Neste trabalho, adotamos um estudo de caso de cunho descritivo e analítico,

com uma abordagem qualitativa. Optamos por esta metodologia porque ela

possibilita a imersão do pesquisador em uma unidade social, estudada como

um todo, seja uma pessoa, uma família, um grupo, um programa, um evento,

ou uma instituição na qual se centra a sua observação. Merrian (1988) citado

por Bogdan (1994 p. 89), assim define esta metodologia:

“[...] o estudo de caso consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduos, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento específico”.(Bogadan, 1994: 89)

Apontamos, neste estudo, a importância de destacar o papel central que o

professor e a professora ocupam na ação pedagógica, pois, como mediadores

do processo ensino/aprendizagem, particularizam a seleção dos conteúdos

escolares em decorrência do que supõem ser legítimo, importante e de fácil

transmissão. Nesse sentido, Forquin (1993), analisa a relação dos docentes

com o conhecimento escolar destacando que:

1 Entendemos por aspectos objetivos as orientações emanadas pelo currículo prescrito traduzidas pelos diferentes mapas curriculares e subjetivos a formação inicial, os cursos, valores, relações e a bagagem pessoal do docente enquanto sujeito social.

16

[....] O problema da legitimidade dos conhecimentos escolares interpela diretamente a identidade dos professores, pois não há ensino sem o reconhecimento por parte dos atores sociais envolvidos, da legitimidade da coisa ensinada. (p.9)

Para a realização desse trabalho, elegemos o estudo do cotidiano de duas

salas de aula de uma escola da rede Estadual de Ensino de Belo Horizonte.

Esta escolha deu-se, em primeiro lugar, pelo fato da escola ser voltada para o

ensino fundamental (5ªa 8ª séries), ciclo para qual se volta meu interesse, e

também porque a escola é considerada “modelo” na percepção da

comunidade e dos profissionais das diferentes instâncias educacionais que

nela atuam.

O segundo motivo da escolha foi á constatação de que existem poucos estudos

sobre o trabalho dos professores e das professoras da rede pública estadual de

Minas Gerais.

Para a realização desse estudo, participamos do cotidiano de duas salas de

aula, durante 5 meses, no período matutino. Participamos de algumas

atividades como “reuniões”, conselhos de classe e também de alguns

momentos informais da escola como atividades extras classe. Procuramos,

sobretudo, conversar e ouvir os diferentes sujeitos da instituição.

Centralizamos, entretanto, a maior parte do tempo em sala de aula, pois o

nosso objetivo era analisar como o professor e a professora selecionam os

conteúdos alterando, desta forma, o currículo prescrito.

Entre os procedimentos utilizados nesta pesquisa, inclui-se a observação que

permitiu-nos captar uma variedade de dados. Para esse registro, utilizamos um

caderno de anotação.

Como os dados eram inúmeros, descrevemos tudo que foi possível captar do

cotidiano da sala de aula destacando os aspectos que nos parecia mais

17

significativos para a seguir analisarmos confrontando teoria e empiria,

encontradas no contexto.�

��

No princípio, centralizamos as análises em aspectos que se evidenciavam mais

críticos. Entretanto, à medida que fomos identificando nas leituras teóricas,

reflexões mais amplas do processo� educativo� passamos a relativizar esses

aspectos e a captar ações cotidianas que possibilitam tanto aos docentes

quanto aos discentes produzirem novos saberes.��

As entrevistas realizadas podem ser caracterizadas como semi-estruturadas e

semi-diretivas. Semi-estruturada porque foram utilizados temas- chave, que

orientaram a condução da mesma, oportunizando que os entrevistados e as

entrevistadas se expressassem livremente. No entanto, a entrevistadora pode

intervir para solicitar algum esclarecimento que justifica a técnica semi-diretiva.

A possibilidade da intervenção da entrevistadora é assim interpretada por

Goulart (1989):

[.....] a escolha de um instrumento com tais características assegura a vantagem no contexto da descoberta, pois o entrevistador pode ser estimulado pelas respostas do entrevistado a desenvolver novas idéias sobre o fenômeno pesquisado, indo além da formulação inicial do problema. Além disso pode ser mais flexível, adaptando a abordagem àquilo que pareça mais proveitoso para uma dada situação ou para certa pessoa. Por outro lado, uma certa diretividade na condução do trabalho e um pouco de estruturação da entrevista trazem vantagens no contexto da justificação, pois asseguram relativa uniformidade no comportamento do entrevistador e evitam digressões desnecessárias. (p. 26)

As entrevistas foram gravadas e não tivemos nenhum problema na utilização

do gravador. Em alguns casos foi solicitado pelo entrevistado que fossem

repassadas as perguntas antes do início da gravação.

18

Após as entrevistas, trabalhamos em sua transcrição, construímos categorias

articuladas as informações obtidas através das observações e dos fragmentos

com a teoria.

Outro procedimento utilizado foi á análise documental de diferentes mapas

curriculares: os livros didáticos utilizados pelo professor e pela professora, os

Programas adotados pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais

– Escola Sagarana e os Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como, o

antigo programa desta mesma secretaria (Programa para o Ensino

Fundamental de 1996).

Também foram analisados o manual do livro didático elaborado pelo MEC, os

diários de classes e os cadernos de aula dos alunos. A utilização desses

mapas tornou-se necessária para confrontar as determinações de um currículo

prescrito com as articulações docentes na ação do currículo operacional.

Na utilização do uso de documento, constatamos um fator de grande

importância, por serem estas fontes informações preciosas no entendimento da

natureza do contexto que nunca deve ser ignorado, mesmo que o pesquisador

faça uso de outros métodos.

Não temos a pretensão de generalizar os resultados deste estudo, pois as

análises aqui desenvolvidas se referem a sujeitos e a instituição que devem

ser entendidos em sua singularidade. Destacamos que as turmas pesquisadas

ainda que apresentassem as mesmas características do enquadramento

escolar, como série, idade entre outros, mantinham suas especificidades.

A partir do momento em que se passou a entender a escola como um espaço

de ação e de significados que reflete as contradições vividas pela sociedade,

19

intensificaram-se as discussões em torno do currículo ideal, aquele que busca

responder as necessidades contemporâneas.

Mediante complexidade desta questão, vários questionamentos ainda

permanecem sem respostas, tais como: que tipo de sociedade e de pessoas

queremos formar? O que o professor e a professora devem considerar na hora

de planejar as situações de ensino/aprendizagem? Como ensinar aos

diferentes sujeitos? Como e o que avaliar? O que ensinar? Quais os critérios

que devem ser utilizados na seleção dos conteúdos curriculares? Qual é a

proposta curricular adequada?

Estas questões, que mesclam as subjetividades e os conflitos produzidos na

sociedade e no interior da escola, constituem mediações entre o currículo e sua

tradução operacional, entre a teoria educacional e a prática pedagógica, entre

o planejamento e a ação, entre o que é prescrito e o que realmente sucede na

escola e na sala de aula.

Identificamos que, ao optar sobre o que trabalhar e como trabalhar a

distribuição do conhecimento escolar, o professor e a professora apoiam-se em

aspectos objetivos e subjetivos que serão definidores para esta seleção.

��

Estes aspectos, que traçam normas para o trabalho docente, impõem uma

nova relação com currículo prescrito, representado pelos diferentes mapas

curriculares (Programas de Ensino, Diretrizes Curriculares, Planejamento,

Livros Didáticos, Projeto Pedagógico e outros), conflitando com as

subjetividades que moldam as práticas (formação acadêmica, valores, relações

interpessoais, experiências resultantes da bagagem pessoal do sujeito social).

Nesta perspectiva esta investigação procura realçar a ação docente, e destacar

que as dificuldades e imposições que o professor e a professora enfrentam em

sua prática impulsionam a criação de mecanismos que são utilizados como

20

superação dos limites impostos, contribuindo, desta forma, para o

processamento de produção dos saberes escolares.

Tendo em vista o papel central que o currículo detém no campo pedagógico,

procuramos oferecer uma contribuição para se entender o processo de

interação estabelecido entre os docentes e o currículo, bem como suas

percepções e formas particulares para colocarem em ação as prescrições

curriculares mediante estratégias que os auxiliam na superação das

dificuldades. Para tanto, escolhemos duas disciplinas (História e Matemática)

trabalhadas por um professor e por uma professora respectivamente.�

A diversificação do gênero ocorreu por mero acaso. Entretanto, nossa

intencionalidade na seleção das diferentes áreas do conhecimento se deu em

decorrência dos seguintes objetivos:

discutir as ações pedagógicas produzidas pelos docentes em contraposição às

prescrições recomendadas ou advindas de suas respectivas áreas

acadêmicas.

analisar as práticas dos professores mediante os esteriótipos difundidos de que

os docentes titulados em História são “críticos e questionadores”. Ao contrário

os professores e professoras da área de Matemática “sustentam o trabalho

pedagógico através de um conhecimento pronto e formalizado, de verdades

definitivas, infalíveis e imutáveis cuja exigência determina um rigor metódico de

um ordenamento hierárquico.” ( Hoff et al 1996:76 )

21

1.1 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA

Caracterizaremos em seguida, o contexto da instituição pesquisada, bem como

as ações dos diferentes sujeitos que nela atuam, por apresentarem elementos

importantes que nos permitiram ter uma visão global da escola e da sala de

aula, bem como captar, a complexidade do desenvolvimento dos três

currículos: o prescrito, o em ação e o operacional.�

1.2 A ESCOLA

A escola, foco de nossa pesquisa, é do sistema público estadual mineiro, está

organizada em três turnos, oferece o ensino básico (5ª a 8ª) e o ensino médio.

Isso possibilita o atendimento de 1600 (um mil e seiscentos alunos). Ela está

localizada em um bairro de classe média e atende alunos e alunas de

diferentes regiões de Belo Horizonte, e sua clientela atinge diferentes níveis

sociais.

Existe, por parte da comunidade, uma percepção positiva da instituição,

reconhecida como “Escola Modelo”, ou como “melhor escola pública” da

região, reputação esta conquistada ao longo de sua história como uma

instituição que se destacava entre outras, por seu papel pioneiro. Hoje se

referem ao aspecto físico da instituição. Seu prédio é amplo, tem boa aparência

externa, seus jardins são bem cuidados, revelando um modelo de “boa

administração.”

Esta avaliação superficial construída e sustentada nos discursos da

comunidade escolar é confirmada pelos docentes e discentes pesquisados

que, no entanto, apontam um distanciamento dos pais e mães da realidade

22

escolar; característica que não reforça o título de “escola modelo”. Segundo o

professor pesquisado:

“[...] os pais não vêm a escola, isto se dá porque a vida é muito agitada, são muitos compromissos e existe a falta de receptividade da escola, a escola nem sempre está preparada para receber os pais. Há falta de mobilização, falta de interesse com a educação dos filhos. A partir do momento que os pais descobrirem que eles são responsáveis pela educação de seus filhos eles participarão mais da escola”. (Professora de Matemática)

Além de não contar com a participação da comunidade, os professores e

professoras também questionam que a escola não oferece um ambiente

agradável de trabalho. Falam também sobre a irreverência e o desprezo dos

alunos e alunas pela instituição e o total isolamento que são relegados.

Eles realçam, entretanto, que o nível social dos estudantes em se tratando do

ensino público é muito bom, o que diferencia na escola, classificando-a como

“modelo”. O professor de História faz sua crítica em relação a este rótulo

devido às novas características dos estudantes:

“[...] esta escola é rotulada como modelo, talvez ela já tenha sido modelo, mas o modelo ficou só no nome porque ela fica muito a desejar nesse ponto aí (a classe social), já que ela recebe muitos alunos de diversas realidades, o que é muito difícil de trabalhar. Pelo fato da escola ter alguns alunos de um meio social melhor, eles acham que podem manter o rótulo para se auto-protegerem”. (Professor de História)

Curiosamente, até mesmo para este professor, o que define o rótulo de escola

modelo é a classe social, a homogeneidade da clientela e a ausência de

problemas.

23

Também os alunos e as alunas fazem críticas em relação ao sistema escolar e

às condições de trabalho da escola principalmente na falta de diálogo com os

pais que interfere na aprendizagem.

“[...] eu acho que a escola deveria trabalhar inclusive com os pais, pois o que acontece é que muitas vezes os pais não entendem a linguagem da escola e os alunos acabam fracassando. (aluna da 8ª E )

A classificação da escola como “modelo” parece se limitar às características do

prédio. A recepção da escola encontra-se no prédio administrativo onde uma

sala de estar muito confortável é destinada ao recebimento de visitas. Há

também toda uma preocupação, por parte do porteiro ou da auxiliar de

serviços, de encaminhar as pessoas no momento certo e para as pessoas

“certas”.��

Esta seleção desloca as demandas da diretora, pois não existe possibilidade

de que ela atenda alguém da comunidade sem que haja agendamento prévio

de horário.

1.3 A DIRETORA:

Essa profissional, cujo cargo de origem é de professora da disciplina

Geografia, alterna a função de direção com o cargo de professora em um

conceituado colégio da rede particular. Ela “divide” suas tarefas com dois

vices (diretor e diretora). Cada um fica responsável por um turno e a diretora

alterna sua presença na escola e nos turnos. Ela vai muito pouco no turno da

manhã e se mostra muito distante dos docentes e dos discentes.

24

Esse distanciamento também é conseqüência do processo de disputa eleitoral

para o cargo no qual foi eleita. Ela recebe uma forte oposição de alguns

professores e professoras, inclusive foi afastada por um tempo da função para

apuração de uma sindicância administrativa. Como a Secretaria de Estado da

Educação detectou que não havia procedência nas denúncias a mesma foi

reconduzida à função.

No tocante às dificuldades estabelecidas por divergências que interferem

diretamente no processo de organização escolar, a professora de Matemática

faz a seguinte avaliação:�

“[...] a escola tem muita divisão muita disputa. Entendeu? É uma escola totalmente dividida em grupos. A diretora foi eleita, pelos pais alunos e professores. Se formos olhar a parte do direito, ela tem, mas com o processo de eleição, com a disputa política começou uma briga entre grupos. Quem sai prejudicados são os professores que não têm nada a ver com isto e os alunos também. Apesar da diretora não se colocar, eu acho que a responsabilidade não é só dela.” (Professora de Matemática) �

As ações da diretora são de caráter exclusivamente técnicas. Não se envolve

com as atividades pedagógicas e quando se dirige à comunidade escolar é

com o restrito objetivo de repassar as determinações advindas das instâncias

superiores. Observamos também que é muito rara sua presença nas salas de

aula e na sala dos professores.

Esta falta de diálogo se traduz em ações isoladas, que não são aceitas pelo

coletivo da escola. Um exemplo desta questão foi a apresentação de uma peça

de teatro, contratada exclusivamente pela diretora sem nenhuma discussão

com a comunidade escolar. A conseqüência desta iniciativa foi á rejeição dos

25

alunos e das alunas da escola que vaiaram o grupo teatral e não permitiram a

apresentação da peça.

Por comparecer raramente no turno da manhã e ter pouco envolvimento com

as questões pedagógicas, a autorização para a pesquisa empírica não passou

por ela e sim pela orientadora educacional e pela vice-diretora.

Não tentamos nenhuma aproximação com a diretora, pois avaliamos que

nessas condições teríamos maiores possibilidades de capturar as questões

mais concretas do cotidiano da escolar. Muitos espaços na escola, inclusive

sua sala, estavam sempre com a porta fechada.

�1. 4 AS FUNCIONÁRIAS E FUNCIONÁRIOS AUXILIARES DE SERVIÇO

Estes profissionais trabalham organizados pela distribuição de tarefas e são

padronizados pelo uniforme e distinguidos pelo status que ocupam na esfera

de poder.

No turno da manhã, existe uma disciplinaria que goza de prestígio, respeito e

admiração, principalmente, por parte dos alunos e das alunas. Eles a chamam

de tia. Percebi muita importância em seu papel, pois ela mantém uma relação

de escuta com os sujeitos. A queixa dos funcionários centra-se, principalmente,

no excesso de trabalho e no rigor de uma escala de turnos que não permite

alterações.

26

1. 5 AS FUNCIONÁRIAS E OS FUNCIONÁRIOS ADMINISTRATIVOS

Estes profissionais com funções variadas advêm de diferentes cargos:

professor, professora (afastados da regência de classe) ou auxiliares

administrativos. Geralmente, eles desenvolvem atividades como levantamento

de freqüência, verificação do livro de ponto e do diário de classe, leitura do

diário oficial, controle de merenda e outras questões burocráticas que acabam

por obsorver um número expressivo desses profissionais.

Não existe sobrecarga de tarefas para os mesmos, pois a distribuição das

atividades é bem delimitada, as condições de trabalho são confortáveis o que

muitas vezes confirma o rótulo de privilegiados. A relação desses funcionários

com a comunidade escolar é formal.

Observamos que os espaços ocupados por eles não são utilizados pelos

docentes, pelos discentes e pelos auxiliares de serviços. Um exemplo deste

aspecto que pudemos observar é a colocação de um aviso ao lado de uma

porta, cuja sala serve ao serviço administrativo estampando, os seguintes

dizeres: “Aqui não damos informações, favor não insistir.”

A hierarquia nessa escola é fundamental e mostra que cada um “reconhece” o

seu lugar nela. Esse fenômeno aliás foi notado em estudos sobre a

organização escolar:

[....] é histórica a organização do trabalho escolar que às vezes se assemelha ao modelo fabril. Estes funcionários tornam-se figuras imprescindíveis neste processo. Encontrei na escola características da organização taylorista, que no Brasil começou a ser implantado nos sistemas de ensino a partir da década de trinta (Cardoso,1991:270).

27

Por organização do trabalho escolar, entende-se o processo através do qual os

sujeitos (professores, técnicos, alunos, pessoal de apoio e pais) utilizam os

meios de trabalho (recursos materiais e didáticos, as instalações físicas,

recursos da comunidade), se relacionam entre si e com os órgãos gestores da

escola -Ministério da Educação, Secretaria Estadual de Educação. Cardoso, T.

(1991).

Entre fragmentações de um espaço escolar que deveria existir em função de

relações coletivas, também constatei os excessos de comunicações nos

quadros de avisos cujo teor é sempre proibitivo como: “É proibido.”

1. 6 A ORIENTADORA EDUCACIONAL E A SUPERVISORA PEDAGÓGICA

A escola tem como especialistas a Orientadora Educacional e a Supervisora

Pedagógica. No turno onde a pesquisa foi realizada existem duas profissionais.

Ambas mantêm atuações distintas em decorrência das funções e ações

políticas e pedagógicas desenvolvidas.

A Orientadora Educacional, em fase de aposentadoria, tem uma atuação mais

dinâmica junto a alunos e professores, embora a demanda de trabalho seja

intensa; pois de acordo com as determinações da Secretaria de Educação esta

profissional deve ter sua ação concentrada estritamente no ensino médio2.

2 Resolução da SEE 151/2000

28

Embora haja esta restrição ela atende a escola tanto no turno da manhã

quanto à noite. Essa abrangência de ação possibilita que ela tenha

conhecimento dos problemas da escola, dos alunos e das alunas.

A orientadora administra questões que passam por uma simples dor de

cabeça, até casos de indisciplina, uso de drogas, gravidez de alunas etc. Sua

sala, rigorosamente, está sempre cheia, seja de pais, de alunos, de alunas ou

de professores e professoras. Sua ação é mais técnica, existe uma relação de

confiança entre ela e os sujeitos da escola.

Ela coordena o Conselho de Classe, entretanto suas intervenções nas

discussões pedagógicas junto aos docentes é mais limitada, ao contrário do

trabalho que desenvolve junto aos mesmos quando se trata de ouvir os

docentes em suas questões pessoais.

O distanciamento das questões pedagógicas se concretiza no

desconhecimento das Propostas Pedagógicas implementadas pela Secretaria

Estadual de Educação. Constatamos que sua familiaridade com as políticas

curriculares é pouca: seja a Escola Sagarana3, sejam os Parâmetros

Curriculares Nacionais4 Esta realidade se concretiza através dos seguintes

trechos de sua entrevista quando foi indagada se a escola se orientava por

algum currículo oficial:

‘[....] professor tem que seguir o Programa porque ele é lei. Ele vai ter que adaptar a realidade do aluno. Eu discordo dos professores que dizem que não sabem sobre o que significa os Parâmetros; pois a secretaria mandou para todas as escolas e eles poderiam levar para suas casas. A metade deste livros está aqui no armário da supervisora (....). Quanto a Escola

3 Política educacional constituída por um conjunto de planos e atitudes implementada no Estado de Minas Gerais à partir de 1999. “Fonte Caderno nº 1 Escola Sagarana. 4 Referencial Curricular elaborado sob a coordenação do Ministério da Educação.

29

Sagarana todos acham lindo e maravilhoso, só que não é colocado em prática.” (Orientadora Educacional)

Os profissionais, no seu cotidiano, agem e sofrem as influências de um modelo

de educação fragmentada, que pode conduzi-los para objetivos conservadores.

Ainda, na avaliação da orientadora educacional, o conceito de currículo e

seleção de conteúdos é expresso da seguinte forma:

�“[....] a seleção dos conteúdos é feita pela supervisora. Eu participo com algumas opiniões, como por exemplo o livro de Português adotado este ano tem vários textos sobre a orientação sexual isto eu acho maravilhoso e por isto sugeri sua adoção.[...] o currículo já vem pronto do MEC, tem certos conteúdos que os alunos aprendem que não são necessários. Quando tivemos que fazer mudanças no currículo ouvimos os pais, e eles optaram pela introdução do espanhol, eu acho isto importante porque estamos vivendo o Mercosul. Nesta escola a comunidade insiste para que seja colocado o ensino profissionalizante.” (Orientadora Educacional)

�Ela também compartilha com a idéia de cursos profissionalizantes na escola, e

enumera os cursos que avalia que sejam importantes como: computação,

contabilidade, auxiliar de escritório e secretária.

Por solicitação de algumas empresas como: Instituto Evaldo Lodi ou o CIEE –

Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais a escola encaminha

alguns alunos e alunas para o trabalho Esta profissional, que se responsabiliza

por este encaminhamento, orienta os pretendentes a vaga seguindo os

princípios das empresas.

“[....] o Serviço de Orientação Educacional orienta como o aluno deve comparecer: bem vestido, sem piercing, roupa social, postura, maneira como se senta, como levanta, estar

30

sempre olhando para a pessoa que está entrevistando, não mentir, não ir de roupa transparente, não ir de esmalte e ir de roupa limpa.” (Orientadora Educacional)

�As questões acima colocadas e outras ações demonstram que a prática desta

profissional está vinculada à idéia de que este serviço tem por objetivo o

atendimento de todos os sujeitos que apresentam “problemas” ou precisam de

conselhos. Para ela, ao nosso ver, as questões que emergem das dificuldades

pedagógicas são resultados de questões familiares e o serviço de orientação

tem por objetivo “adaptar” os alunos e alunas a escola.

A supervisora Pedagógica desenvolve suas funções em duas redes públicas: a

estadual e municipal. Ela tem um trabalho burocrático, cuja ênfase é na

disciplina.

Suas orientações aos docentes limitam-se às solicitações organizativas e

burocráticas como: escrita dos diários, os dados estatísticos exigidos pela

secretaria, a organização do calendário de provas, a emissão de ocorrências

de documentos que registra as indisciplinas dos alunos e alunas.

Ela não tem envolvimento com as questões pedagógicas que resultam das

demandas dos sujeitos da escola. Sua ação, muitas vezes, é confundida com a

da disciplinaria.

Os docentes e os discentes sujeitos desta pesquisa chegaram inclusive a

afirmar que a escola não tinha supervisora e nem o serviço de supervisão,

embora a supervisora fosse assídua. Foi necessário lembrar-lhes o nome da

profissional desta área.

31

A inexistência na prática pedagógica desse serviço traduz-se em lacunas, que

são agravadas pela ausência de projetos e de discussões coletivas que

tornariam o trabalho do professor e da professora menos solitário. Em conversa

com os sujeitos assim eles expressaram descontentamento com este serviço:��

“[...] a escola se preocupa com as questões burocráticas e fica pouca atenta às questões pedagógicas. Existe muita picuinha. Eu já vi a supervisora pedagógica conversando com pai de aluno porque ele foi mandado embora da sala de aula em vez de ajudar incrementar o programa curricular”. (Professor de História)

No transcorrer da nossa observação, houve um fato de extrema gravidade

envolvendo a Supervisora, em decorrência disto ela “desapareceu” da escola,

o que impossibilitou que a entrevistássemos.

A situação a que nos referimos foi marcada de extrema violência e foi

manchete dos principais jornais da cidade. Tudo isso provocou burburinho

entre os docentes e gritos de revolta dos alunos e das alunas. Muitos deles

atribuíam o fato ao tratamento que ela dispensava aos alunos, o que teria

proporcionado o desejo de algum tipo de revanche na comunidade.

Entretanto, o problema não foi discutido pela escola realçando, mais uma vez,

que os grandes muros da escola a impedem de enxergar o mundo não dando

ao currículo a riqueza da realidade. Nesse sentido o professor de História fez a

seguinte observação:�

“[...] este caso e outros também poderiam ser explorados, mas terminaram um dia após o acontecido. Acho que a escola quer continuar mantendo o rótulo de modelo para se auto proteger, dentro de uma esfera que os coloque em um nível melhor e desta forma poderem galgar alguma coisa melhor.” (Professor de História)

32

1. 7 OS PROFESSORES E AS PROFESSORAS

A escola conta com um grande número de professores e professoras; por ser

bem localizada não tem o grave problema da falta desses profissionais. O

mesmo não se pode dizer quanto ao contrato de trabalho a que são

submetidos; uns são contratados e os outros efetivos o que resulta em

diferenças quanto ao tratamento dispensado aos mesmos.

O meu contato com os demais docentes, na maior parte do tempo, se deu na

sala dos professores em decorrência do processo de organização do trabalho.

Existe unanimidade no que se refere a insatisfação quanto ao salário, à

indisciplina dos alunos e das alunas, e à relação com as diferentes esferas do

poder da escola e das instâncias educacionais. É muito grande a falta de

comunicação entre eles.

Isso se agrava pela inexistência de um projeto pedagógico coletivo. Somente

os docentes da área de Biologia têm um projeto de Orientação Sexual

coordenado por uma professora muito dinâmica. Apesar do desenvolvimento

desse projeto o número de alunas que engravidam é muito grande.

Outro aspecto importante destacado na dinâmica escolar é um clima de

desconfiança, resultando em retraimento dos docentes com os outros sujeitos

que não são da “escola”. Nossa presença na escola foi notada. No dia que

chegamos informamos nosso propósito à aqueles que estavam presentes.

Depois, fomos conversando individualmente com os docentes que se

interessaram em conhecer os objetivos de nossa pesquisa.

33

���� A BIBLIOTECA E AS BIBLIOTECÁRIAS

As docentes que ocupam este espaço são professoras afastadas da sala de

aula em decorrência de diferentes situações tais como: laudo médico,

aposentadoria iminente e outros.

Elas também são percebidas como privilegiadas, pois trabalham em atividades

burocráticas, como empréstimos de livros tanto para os profissionais da escola,

alunos e alunas, quanto para a comunidade externa, pois essa biblioteca é

comunitária.

Com objetivo de analisar O Guia do Livro Didático, publicado pelo MEC e o

Programa da Escola Sagarana, da Secretaria Estadual de Educação,

recorremos à biblioteca. Torna-se importante descrever o lugar e as condições

deste espaço.

A biblioteca está no último bloco da escola, em frente às quadras de futebol. É

tão escondida que chegar lá só foi possível através das orientações de três

alunos. Em nossa primeira visita consideramos o espaço árido, frio e sem

nenhum encantamento.

Ao solicitar o Guia do Livro Didático, a professora mostrou desconhecer este

material. Após alguns minutos foi buscar algo. Voltou com os Parâmetros

Curriculares, pois era “aquilo” que alguns professores consultavam.

Perguntamos se a presença de alunos, alunas e docentes era constante na

biblioteca, ela respondeu-nos que pouquíssimas pessoas faziam uso daquele

espaço. Como não achamos o que procurávamos. Solicitamos o Programa da

34

Escola Sagarana. Também recebemos uma resposta negativa, pois a

bibliotecária informou-nos que, na biblioteca, não havia este material.

A bibliotecária sugeriu-nos procurar a orientadora, pois possivelmente este

material estaria com ela. Ao conversar com a mesma, ela informou não ter

nenhum dos dois manuais e que o “Guia do Livro Didático, aquele livro grosso,

ficava guardado na sala da diretora”.

Encontramos dificuldades para achar o Guia do Livro Didático, editado pelo

MEC até em outras escolas às quais recorri, pois as mesmas ou não tinham,

ou estava guardado no armário da diretora, muitos docentes afirmaram que

este material não chega às mãos dos mesmos.

Observamos, com esse episódio, a anulação da biblioteca no contexto da

escola, uma vez que ela fica muito “longe da sala de aula.” Procurei conversar

com as professoras e elas disseram que não participam de nenhum curso da

Secretaria de Educação que auxilie o trabalho da biblioteca.

1. 9 OS SUJEITOS DA PESQUISA

1.9.1 A PROFESSORA DE MATEMÁTICA

É jovem, dinâmica e muito agradável. Pudemos perceber muita disponibilidade,

de sua parte, para receber a pesquisadora. Nossa presença foi articulada pela

orientadora educacional que não fez os esclarecimentos necessários a respeito

de nosso objetivo e com isso esta professora achava que minha participação

seria no sentido de ajudá-la a resolver os problemas de (in) disciplina. Esclareci

35

os objetivos de nossa presença na escola tanto para ela, quanto para a turma e

todos se mostraram interessados.

A professora é formada em Ciências (licenciatura curta) e tem habilitação para

lecionar matemática e ciências na educação fundamental (5ªa 8ª). Formou-se

em uma cidade do interior. Fez, recentemente, a complementação dos estudos

cujo término se deu no primeiro semestre 2000, em uma faculdade de uma

cidade vizinha a Belo Horizonte.

Ela também é formada em Direito, exerce a advocacia em um escritório que

divide com um outro profissional da área. Confidenciou-me que não se mostra

disposta a fazer cursos de especialização. Esta grávida e mantém muita

disposição para o trabalho.

É efetiva no Estado e tem doze anos de profissão. Gosta da disciplina com que

trabalha e da turma na qual foi desenvolvida a pesquisa (8ª série). Conhece

muito bem os alunos e alunas pois foi professora deles na 7ª série. Esta

seqüência nas séries possibilitou-lhe uma melhor organização com os

conteúdos da disciplina. Esta questão não interfere em sua competência

técnica. Avalio que a pouca consistência de um discurso crítico, esteja

relacionado com a secundarização da teoria e a ênfase na prática à qual parte

dos docentes estão submetidos.

Queixa-se das inúmeras carências materiais e físicas da escola pública. Sua

relação com os alunos e as alunas se dá num clima de amizade e

solidariedade.

Observei, entretanto, que sua experiência docente aliada a competência do

domínio do conteúdo matemático, possibilita-lhe a construção de saberes que

36

têm facilitado sua prática e a compreensão dos alunos e alunas quanto ao

conhecimento desta disciplina escolar.

Percebi que ela está no grupo de matemáticos que compartilha com a

concepção do ordenamento hierárquico dos conteúdos de sua disciplina.

Entretanto, no desenvolvimento da aula não obedece o rigor determinado pelo

livro didático, pois ela seleciona, suprime, introduz, avança, altera e dá ênfase

a alguns conteúdos.

Apesar de algumas posturas que refletem uma prática tradicional em sala, o

seu dinamismo, a sua experiência e o conhecimento da disciplina contribuem

para um clima propício à produção de novos saberes.

1.9.2 O PROFESSOR DE HISTÓRIA

Formado, recentemente, por uma instituição de Belo Horizonte, ele vive o

conflito entre a necessidade de uma prática crítica e a pouca experiência no

magistério. Enfrenta, ainda, precárias condições de trabalho. Por ser jovem,

tem uma identidade de linguagem com os alunos e alunas o que facilita a

interação através do diálogo.

Queixa-se de um trabalho que é demarcado pelas ausências de discussões

coletivas, a inexistência de um projeto pedagógico, a precariedade de recursos

físicos e materiais. Essas carências proporcionam, segundo ele, a realização

de atividades isoladas em decorrência das características do processo de

organização da escola.

37

Ele alterna seu trabalho entre duas escolas públicas estaduais, atuando na 8ª

série e no ensino médio. Possui o regime de trabalho em contrato, e só

conseguiu ser contratado no mês de abril, em substituição a uma professora

que entrou de licença.

Por esta condição, vive com a incerteza da possibilidade ou não da

continuidade de seu trabalho nesta escola ou até mesmo em outra, pois este

caráter contratual reforça a perversidade da exploração do trabalhador em

nossa sociedade.

Ao contrário da professora de matemática, este professor pretende dar

continuidade aos seus estudos em nível de mestrado, embora não saiba qual

questão gostaria de investigar. Tem hábitos de leitura, possui uma página na

internet que tem por objetivo ampliar as relações com os profissionais da área

e o conhecimento histórico.

Admitiu ter dificuldades para trabalhar com a turma em decorrência da faixa

etária dos alunos e disse que gostaria de atuar no ensino médio por considera-

lo mais fácil. Também disse ter muita vontade de buscar uma escola particular

alternativa, pois avalia que as condições de trabalho são melhores.

1.9.3 OS ALUNOS E AS ALUNAS

A escola atende os alunos e alunas da educação básica, abrange turmas do

ensino fundamental(5ªa 8ª) e do ensino médio, embora o projeto previsto pela

Secretaria de Educação seja torná-la um pólo exclusivo do ensino médio.

38

As turmas estão divididas em três turnos, sendo que o diurno conta com um

número maior de alunos e alunas provenientes da classe média. Esta

proporção também se diferencia quando comparamos o turno da tarde com os

outros turnos.

Existe uma grande diferenciação no tratamento, por parte da comunidade, aos

alunos e alunas que estão no turno da tarde. A argumentação se sustenta no

seguinte discurso: “Este turno parece escola particular, isto porque o nível

social e a aprendizagem dos alunos e alunas, correspondem às expectativas

de uma proposta que atenda apenas os representantes de uma certa camada

social.”

A escola apresenta como trunfo alguns alunos e alunas em (média uns oito)

que foram aprovados na primeira etapa do vestibular da universidade federal

ou que passaram direto em instituição superior privada.

Alguns adolescentes vieram de escolas particulares, e procuraram esta

instituição por dois motivos: o alto valor da mensalidade das escolas em que

estudavam ou porque tiveram repetências sucessivas e os pais deram como

“castigo” a matrícula na escola pública. Porque, segundo os pais, a instituição

pública é lugar de quem não gosta de estudar.

Alguns alunos e alunas chegam a afirmar que a escola particular é melhor e

que inclusive muitos professores que são muito bons, não mereciam estar na

escola pública.

Eles fazem críticas ao trabalho de alguns docentes. Alegam que reclamar com

a direção da escola não adianta porque a resposta que recebem de volta se

resume na confirmação de que é impossível mandar um professor efetivo

embora.

39

Os alunos e alunas do ensino médio organizam festas durante todo o ano letivo

através do grêmio, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a formatura. Suas

características são semelhantes aos jovens desta idade de qualquer área

urbana de uma grande cidade.

O quadro acima descrito não é circunscrito apenas a esta escola, pois

podemos encontrar outras escolas públicas ou privadas com alunos e alunas

adolescentes que vivem o mesmo tipo de relação com a instituição,

professores, professoras e colegas.

No caso em análise, a escola é bem instalada, bem organizada e possui um

ambiente que seria propício à aprendizagem, embora as propostas curriculares

aí não tenham relevância aparente, como se dá a relação do currículo prescrito

com o currículo em ação na escola.

40

2 A CONCEITUAÇÃO DE CURRÍCULO COMO PRESCRIÇÃO

2.1 ORIGEM

Este capítulo busca conceituar e contextualizar, historicamente, o campo do

currículo e suas relações com a escola. O ponto central da análise é o

significado do currículo oficial. Segundo Sílvio Gallo (2000), este é “o currículo

produzido pelas autoridades educacionais, legitimamente constituídas” ou seja,

pelas autoridades governamentais.

As propostas curriculares oficiais se expressam por políticas do Estado, são

prescritas por uma instituição normativa e difundidas através dos guias

curriculares elaborados pelos estados ou municípios brasileiros. O currículo

oficial também se inscreve como um currículo ideal, aquele que um grupo de

especialistas propõe como desejável. Geraldi, C. (1993 ).

Sendo o currículo oficial explicitamente aquele que é estabelecido por

autoridades ou emanado delas, expilicitaremos o vínculo entre currículo e

prescrição ao longo da história.

Goodson (1999:31) citando Hamilton e Gibbons (1980) mostra que tanto as

noções de classe na escola como a de currículo, surgem com a escolarização

de massa. O ensino e aprendizagem passam a ser abertos ao escrutínio e ao

controle externo. A ordem estrutural absorvida no currículo, estabelece relação

entre conhecimento e controle. Essa ação política, se desenvolve tendo como

sustentação dois aspectos: a produção do conhecimento no contexto social e a

tradução deste conhecimento para o ambiente educacional.

41

Ainda se referenciando nos teóricos acima citados, Goodson (1999), conclui

que, na trajetória da escolarização, o currículo passa a determinar e a

diferenciar o que deveria ser processado em sala de aula. Há um

fortalecimento do seu vínculo prescritivo, emergindo daí os padrões

seqüenciais da aprendizagem. Pedagogia e currículo demarcam o período

moderno, definindo a transição do sistema de classe para a sala de aula,

transição esta forjada pelo trunfo do sistema industrial.

Pressupõe-se que, com a mudança na composição social na sala de aula,

instala-se uma pedagogia de grupos sociais ligada ao currículo e ele passa a

funcionar, como o principal identificador e mecanismo de diferenciação social.

Esse poder de determinar e aplicar a diferenciação conferiu ao currículo uma

posição definitiva na epistemologia da escolarização. Goodson, I. (1999:34).

No começo do século XX a combinação da trilogia currículo, pedagogia e

avaliação caracterizam a escolarização do Estado, originando, assim, uma

tríplice aliança entre matérias acadêmicas, exames acadêmicos e alunos aptos.

Nesta perspectiva identificamos o vínculo prescritivo do currículo, tendo como

eixo as matérias e realçando, desta forma, o controle do conhecimento e sua

fragmentação.

E ainda observamos que o currículo, nas diferentes épocas, sempre foi definido

através de uma estruturação seqüencial rígida do conhecimento legitimado.

Essa estruturação tem relação direta com as relações de poder entre as

diferentes classes sociais e destas com a elite que detém o saber legitimado.

Para se entender hoje, o papel da prescrição curricular no Brasil deve-se

analisar como essa idéia de currículo se disseminou no meio educacional

brasileiro. Entretanto, realçamos que não é objetivo desta dissertação efetuar

42

um estudo da evolução do currículo no Brasil, mas identificar, nos períodos

mais significativos desta evolução os modelos curriculares adotados e os,

aspectos sobre os quais se observam diferentes concepções.

2.2 A TRADIÇÃO CURRICULAR, SUA EVOLUÇÃO E SUAS DIFERENTES

CONCEPÇÕES NO BRASIL

�Após a Primeira Grande Guerra, no Brasil se prenunciam novos tempos: Com

a industrialização e a urbanização, forma-se uma a nova burguesia urbana;

novos estratos de uma pequena burguesia exigem o acesso à educação

respaldados nos valores da oligarquia, aspiram à educação acadêmica, elitista

e não técnica (considerada inferior).

Descrevendo o contexto brasileiro após a primeira guerra, um pesquisador

(Moreira et al, 1999), realça que o operariado começou a exigir um mínimo de

escolarização, e daí vieram pressões sobre o governo para a expansão da

oferta de ensino. O índice de analfabetismo então atingia a cifra de 85%.

Importantes transformações econômicas, sociais, culturais, políticas e

ideológicas são processadas a partir dos anos 20. No contexto pedagógico, a

literatura da época era inspirada nas idéias de autores americanos

pragmatistas ou nas teorias elaboradas por diversos autores europeus.

43

O pensamento educacional advindo da América do Norte fundamenta-se,

principalmente, na Teoria da Administração Científica5, mais conhecida como

Taylorismo, que tem estreitas relações com a organização fabril. Segundo Silva

(1997):

“[....] em conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização, houve um impulso por parte de pessoas ligadas sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento e testagem de currículos. As idéias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de Bobbit, The Curriculum.” (p.12)

Assim como Taylor, Bobbitt considerou como elemento central na teoria do

currículo a responsabilidade das escolas em determinar cientificamente os

aspectos biográficos, psicológicos e sociais dos seres humanos, a fim de

prepará-los para exercer funções muito específicas em nossa sociedade.

Taylor também considerava que no cerne do currículo escolar as disciplinas

passariam para a órbita da eficiência burocrática.

No modelo de currículo de Bobbitt, os estudantes devem ser processados

como um produto fabril e efetivamente aqueles princípios destacados acima

passam a ser adotados por um número considerável de escolas. Aquilo que

Bobbit definiu como currículo tornou-se uma realidade.

5 Administração Científica, ou Escola Clássica, pode ser definida como um modo de organização racional do trabalho, fruto da sistematização de engenheiros, tendo como expoentes FrederiK Winslow Taylor e Henri Fayol. O pensamento central dessa Escola pode ser resumido, conforme Prestes Motta (1992:3-4), “na afirmação de que alguém será bom administrador na medida que planejar cuidadosamente seus passos, que organizar e coordenar racionalmente as atividades de seus subordinados e que souber comandar e controlar tais atividades”. (SILVA, 1997).

44

A transposição dos princípios da administração científica para a área do

currículo transformou a criança no objeto de trabalho da engrenagem

burocrática da escola. Essa concepção, originária do mundo do trabalho, ainda

exerce influência pois é aceita até hoje, segundo Moreira (1999).

A partir da década de vinte, alguns estados brasileiros empreendem reformas

pedagógicas à partir das tradições curriculares fundamentadas em uma base

filosófica híbrida que combinava os princípios da pedagogia Herbartiana, de

Pestalozzi e ainda a dos jesuítas. Moreira, A. F. (1999, p. 85)

Torna-se forte a influência escolanovista, trazendo a esperança de

democratização e de transformação da sociedade por meio da escola. Os

Pioneiros da Escola Nova buscaram superar as limitações da antiga tradição

pedagógica Jesuítica e da tradição enciclopédica que teve origem com a

influência francesa na educação brasileira. Segundo Figueiredo(1981), citado

por Moreira (1999), o currículo brasileiro era caracterizado:

a) pela ênfase em disciplinas literárias e acadêmicas

b) pelo enciclopedismo

c) pela divisão entre o trabalho manual e intelectual

Assim como Dewey, Anísio Teixeira, influente reformador educacional, define

currículo como: “O conjunto de atividades nas quais as crianças se engajarão

em sua vida escolar. Currículo é um processo educativo que dura para toda a

vida”. (Moreira,1999, p. 93)

Em Minas Gerais, o pensamento da Escola Nova é sistematizado com clareza.

Pela primeira vez aparece a abordagem técnica de questões educacionais no

45

Brasil e isso resulta na utilização de princípios definidos de elaboração de

currículos e programas.

Com a reforma Francisco Campos, no plano federal o ensino secundário tem o

currículo rigidamente prescrito e todas as escolas são equiparadas ao Colégio

Pedro II até então considerado modelo.

O ideário escolanovista expande através da divulgação do pensamento de

Dewey e Durkheim que determinava “a consistência do caráter social da

educação e do dever do estado em instaurar uma escola para todos.”

Nessa perspectiva, a orientação para professores e especialistas era no

sentido de se voltarem para construção de programas que não tivessem

preocupação com quantidade, mas sim com a qualidade do conhecimento a

ser aprendido.

Com a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

(INEP) o enfoque curricular brasileiro é basicamente composto pelas idéias

progressivistas derivadas do pensamento de Dewey e Killpatrick e nas idéias

de autores europeus como Claparède, Decroly e Montessori. Segundo Saviani

(1983) estas idéias continuam influentes até o início dos anos sessenta.

O primeiro diretor do INEP foi Lourenço Filho. Ele publica um artigo intitulado

“Programa Mínimo”, cujo teor enfatiza a importância da elaboração de

currículos e programas, processo que deve incluir a definição de objetivos a

serem atingidos e das estratégias a serem adotadas. Esse modelo de

construção curricular foi assimilado pelos pioneiros.

Á partir de 1956, um acordo entre Brasil e Estados Unidos cria o Programa de

Assistência Brasileiro Americano ao Ensino Elementar (PABAEE) responsável

46

pela introdução do modelo tecnicista6 nas escolas brasileiras. Esse modelo terá

grande influência no país em decorrência da assessoria de técnicos

americanos que foram os primeiros a tratar desse assunto no Brasil.

Geraldi,C.(1993) citando Saul, (1991).

“[...] a tradição educacional brasileira, em torno de currículo, é presidida pela lógica do controle técnico. Currículo tem sido tratado, inspirado no paradigma técnico-linear de Ralph Tyler (1949 ), como uma questão estrita de decisão sobre objetivos a serem atingidos, “ grades curriculares “ que definem as disciplinas, tópicos de conteúdo, carga horária, métodos e técnicas de ensino e avaliação de objetivos pré estabelecidos. Desse entendimento, a construção e reformulação de currículo tem se reduzido a um conjunto de decisões técnicas supostamente “ neutras ” (...), Tais decisões passam a construir a “ Pedagogia dos diários oficiais.” (Saul, A. M,1991: 55)

Para Tyler, um dos primeiros teóricos a expor uma definição para o currículo

este é composto pela experiência de aprendizagens planejadas e dirigidas pela

escola, a fim de conseguir os objetivos educativos. Ele confirma esta postura

pragmática ao afirmar conforme apud Paixão (1981:18) que:

“[....] o desenvolvimento do currículo é uma tarefa prática, não um problema teórico, cuja pretensão é elaborar um sistema para conseguir uma finalidade educativa e não-dirigida para obter a explicação de um fenômeno existencial. O sistema deve ser elaborado para que opere de forma efetiva numa Sociedade onde existe numerosas demandas e com seres humanos que tem intenções, preferências (...). (p.18).

6 Por tecnicismo entendemos a organização e o planejamento racional do trabalho pedagógico, a operacionalização dos objetivos, o parcelamento do trabalho com a especialização das funções e a burocratização visando a eficiência e a produtividade.

47

Assim como Tyler, Hilda Taba foi extremamente importante no campo do

currículo no Brasil. Ela propõe um modelo de organização curricular que

envolve as seguintes questões:

a) objetivos a serem alcançados;

b) experiências curriculares;

c) centros de organização do currículo;

d) esquema de abrangência e seqüência.

Seu modelo, no qual se integrariam tanto o conteúdo como as experiências de

aprendizagem, pretende superar os problemas dos modelos de organização

curricular existentes, inclusive o currículo centrado na disciplina. Segundo

Moreira ( 1999 ):

“[....] não podemos dizer que o campo do currículo no Brasil emergiu do controle técnico, pois os teóricos americanos que representam intensas influências no pensamento curricular brasileiro, tinham como pressupostos a mesclagem do progressivismo e o tecnicismo”. ( p. 67)

Com o golpe militar de 1964 e as conseqüentes transformações sócio-políticas

e econômicas, apesar das resistências, tomam lugar novamente os enfoques

tecnicistas do pensamento pedagógico, ocasionados pelo aumento da

influência americana no ensino.

O tecnicismo acabou por se tornar dominante no pensamento brasileiro e muito

estreitamente no campo do currículo, pois a maioria dos autores dos anos

sessenta e setenta aceitam os princípios estabelecidos por Tyler.

De acordo com Silva (1992), citado por Geraldi (1993), esse paradigma

curricular sobrepõe-se ao movimento produzido pela Nova Sociologia da

48

Educação (NSE), cujas discussões produzem intensas reflexões na Europa e

nos Estados Unidos nos anos 70. �

��

“[...] durante anos absorvemos e consumimos de forma constrangedoramente acrítica, as formulações americanas sobre o currículo (representado pelo modelo de Tyler), mas presunçosamente ignoramos os desenvolvimentos posteriore.” (Silva,1992:75)

Com o objetivo de implementar uma reforma educacional no país, diversos

acordos foram selados entre o MEC e a USAID7 pelos quais o Brasil passou a

receber assistência técnica e cooperação financeira. O treinamento de nossos

técnicos tinha em vista a adaptação do ensino à concepção taylorista típica da

mentalidade empresarial tecnocrática.

Com a promulgação da lei 5692/71 e através de diversos pareceres o

currículo8 passou a ser articulado com uma parte da educação geral e outra de

formação especial. Esta última deveria ser programada conforme a região,

tendo sido sugeridas diversas habilitações correspondente às três áreas

econômicas: primária (agrícola), secundária (industrial) e terciária (serviços ).

Esse modelo curricular se sustentou até os anos 80, entretanto, o seu fracasso

foi reconhecido e com a promulgação da lei 7.044/82 as escolas são

7 Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for Internacional Development 8 Para o 2º grau havia uma lista de sugestões de 130 habilitações. Foram incluídas matérias obrigatórias como Educação Física, Moral e Cívica, Educação Artística, Programa de Saúde e Religião. Com essas alterações curriculares, algumas disciplinas desaparecem “ por falta de espaço”, como a Filosofia no 2º grau, ou são aglutinadas, como a História e Geografia, que passam a constituir os Estudos Sociais no 1º grau.

49

dispensadas da obrigatoriedade da “profissionalização”, voltando a ênfase para

a formação geral.

Tendo em curso o lento processo de democratização do país, a crise

econômica, o desgaste do governo, são organizados seminários e debates

sobre os principais problemas da educação brasileira. É intensificada a luta

pelo retorno da Filosofia, excluída do Currículo, e ela ressurge como matéria

optativa no ensino médio.

Educadores exilados pelos militares retornam ao Brasil possibilitando o

florescimento da literatura pedagógica crítica9. A partir de então o foco das

discussões pedagógicas sustenta-se em Marx e Gramsci. Entretanto, a prática

pedagógica bem como os discursos têm características liberais.

Com a difusão da Sociologia do Currículo no Brasil e partindo de reflexões

teóricas sobre a mesma, os educadores brasileiros voltam-se para duas

tendências: a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos10, que é absorvida no

currículo oficial e a Educação Popular11 que encontra ressonância entre os

educadores da linha crítica como Demerval Saviani, na primeira e Paulo Freire

e discípulos, na segunda. Segundo Moreira (2000:118), o caráter complexo e

9 Literatura que tem como base principal “A Nova Sociologia da Educação” (NSE) cujo movimento nasce, na Inglaterra, em 1971, sob a liderança de Michael Young, com a publicação do livro” Knowledge and Control. A tarefa dessa sociologia consiste em destacar o caráter socialmente construído das formas de consciência e de conhecimento, bem como suas estreitas relações com as estruturas sociais, institucionais e econômicas. 10 Pedagogia Crítica que enfatiza a necessidade do aluno da classe popular ter acesso aos conteúdos do saber da classe dominante como condição de sua emancipação. 11 Concepção Crítica que determina o caráter político da educação, tornando-a accessível às camadas populares dela excluída. Nesta educação o espaço da discussão e da problematização serão suportes para transformação da realidade social.

50

abstrato do discurso da tendência crítica dificulta a elaboração de propostas

que viabilizam ações mais concretas para novas práticas.

Esta crítica aliás vai acompanhar as tentativas de mudanças que ocorrem

durante a década de 80; até mesmo o discurso a favor das classes populares

é incorporado nos pronunciamentos oficiais das autoridades do ensino.

Destacamos aqui os princípios destas duas tendências pois ambas são

tomadas como referência para os educadores da linha crítica e exercem fortes

influências no contexto educacional.

O que temos observado é que toda prática escolar a partir dos anos 80 contém

implícita ou explicitamente os pressupostos teóricos dessas duas tendências.

Entretanto, as divergências se acentuam em decorrência de diversos fatores

que envolvem desde a formação dos sujeitos até as condições de trabalho que

são oferecidas aos mesmos.

Os vários aspectos que estão sendo objetos de nossa análise sustentam-se

na articulação entre a prática e os discursos destas tendências, analisadas

exaustivamente por vários autores, dentre os quais se destaca Antônio Flávio

Barbosa Moreira (2000). O referido autor explicita os princípios que

fundamentam essas duas escolas: Educação Popular e Pedagogia Crítico

Social dos Conteúdos que resumimos a seguir:

Educação Popular

• O eixo organizador dos currículos são as necessidades e as exigências

da vida social, não as disciplinas tradicionais.

51

• Os temas geradores trabalhados em sala de aula devem ser codificados

e decodificados por meio de diálogo entre professores e alunos.

• A organização criativa do currículo a partir de uma pedagogia que

considere os temas, as necessidades e a linguagem dos alunos.

• A reinvenção do conhecimento e sua utilização no desvelamento das

relações de poder na sociedade.

• Os Currículos devem ser definidos em cada local, ao invés de decididos

em instâncias centrais do sistema escolar.

Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos

• O Estado deve definir uma base comum de conhecimentos que organize

o sistema de ensino e favoreça a unificação nacional e o

desenvolvimento cultural da sociedade.

• Os Programas oficiais devem ser elaborados pelos professores

considerando-se as condições da escola, as experiências dos alunos,

bem como as situações didáticas específicas às diferentes séries e

matérias.

• Os conteúdos escolares são resgatados e devem ser ensinados

criticamente principalmente aos estudantes das classes populares.

• A função básica da escola é a transmissão do saber sistematizado.

Assim o conhecimento científico universal deve ser dominado por todos

os estudantes.

• Aceitação sem questionamento tanto da organização curricular quanto

os conteúdos das próprias disciplinas.

Esta Pedagogia ainda realça a importância da garantia de um bom ensino

através da apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham

ressonância na vida dos alunos e alunas. E que a mediação da educação se dá

pela intervenção do professor e pela participação ativa dos discentes.

52

Segundo a pesquisadora, Geraldi,C. (1993), os primeiros esforços no Brasil no

que se refere ao pensamento curricular propriamente brasileiro foram

produzidos a partir de 1988, através de Paulo Freire, que passa enfocar

Conhecimento e Currículo na perspectiva de emancipação, postulações estas

que têm semelhanças com o trabalho de Habermas12

Surge em algumas regiões do Brasil (sudeste e sul) o movimento de renovação

curricular13. Ele nasce de fatores prioritariamente educativos, das lutas de

oposição do regime militar e acenava para a construção de uma sociedade e

de uma escola democrática.

Segundo Alves (1984),citada por Moreira (1999), a tarefa dos curriculistas

críticos é superar o vocabulário curricular especializado importado dos Estados

Unidos. Os estados Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, empreendem

reformas educacionais que se articulam com os princípios da Pedagogia

Crítico-Social dos Conteúdos.

Em Minas Gerais, Neidson Rodrigues conclama os professores, alunos e pais a

participarem das mudanças pretendidas. É proposto um diagnóstico da

situação das escolas, o conhecimento dos projetos pedagógicos em

desenvolvimento e a sistematização das propostas para uma nova política de

12 Para Habermas, o saber é o resultado da atividade humana motivada por necessidades naturais e interesses. Com base nisso, sustenta que este saber se constitui em virtude de três interesses constitutivos: o técnico, o prático e o emancipatório. O interesse emancipador exige que se ultrapassem quaisquer interpretações estreitas e acríticas para com os significados subjetivos a fim de alcançar uma conhecimento emancipador que permite avaliar as condições/determinações sociais, culturais e políticas em que se produzem a comunicação e ação social. 13 Movimento ocorrido na década de 80, liderado por estados que elegeram governos de oposição ao regime militar.

53

educação. Foi também organizado o Congresso Mineiro de Educação com a

participação de 5 mil escolas estaduais

Guiomar Namo de Mello coordena a refomulação implementada em São Paulo.

A mudança curricular prevista não chegou a ser concretizada, mas extingue-se

a disciplina Estudos Sociais na 5ª e 6ª séries, voltando a se ensinar as

tradicionais História e Geografia.

Ainda neste estado e em Minas Gerais destaca-se o pressuposto de que a

escola deve transmitir a todos que a ela tivessem acesso, sem discriminação,

“O saber universal historicamente acumulado necessário à formação dos

cidadãos”. (Cunha,1999, p.174).

No entanto Minas, manteve a preservação das disciplinas tradicionais,

enfatizando a necessidade de renovação no ensino principalmente em

Ciências, História, Geografia e Educação para o Trabalho com os seguintes

enfoques:

a) o domínio da linguagem científica;

b) a compreensão da realidade cultural como produto histórico das ações

humanas;

c) a compreensão do espaço como realidade viva;

d) a compreensão das condições da vida do homem e da sociedade em suas

determinações fundamentais e representações culturais.

De acordo com Cunha (1991), citado por Moreira (2000), nesse período, muito

claramente a escola unitária14 de Gramsci também inspirou na busca de

14 Concepção educacional que determina uma “escola única” de cultura geral, humanística, formativa, capaz de equilibrar o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) com o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Esta concepção critica o fato de na sociedade atual, existir uma “escola clássica”, para a elite e uma “escola profissional” para o povo.

54

solução dos problemas que dificultavam o cumprimento da função da escola

pública.

Nessa conjuntura, renomados teóricos da educação passam a ocupar espaços

nos partidos políticos de oposição, criando possibilidades para alteração do

paradigma educacional vigente. As implantações de idéias pedagógicas mais

progressistas em diferentes estados e municípios neutralizam posições mais

conservadoras e avançam nas reflexões da questão do ensino básico.

Nos conteúdos discursivos ganha ênfase a avaliação emancipatória15e o

resgate da autonomia do professor e da professora. Verifica-se, ainda, a busca

de uma orientação mais autônoma e a desvalorização dos modelos

educacionais associados ao governo militar.

Na década de 90, assistimos reflexos de uma intensa teorização das

discussões sobre o currículo com o acréscimo de novas influências

protagonizadas pelos estudos culturais, pelos pós-modernismo e pelo pós-

estruturalismo. A Sociologia do Currículo preserva a preocupação com o

conhecimento escolar colocando como foco de reflexões o saber e o poder. A

importância social e política do currículo em sua implementação deve facilitar a

socialização do saber sistematizado. A Sociologia do conhecimento permeia

análises do cotidiano escolar e da história do currículo.

Os aspectos teóricos acima constituem eixos centrais da Sociologia do

Currículo cuja expansão aguça novas formas de entender as conseqüências

das relações entre sociedade e escola, entre poder e currículo.

15 Concepção de controle social enfocada por Giroux que consiste no compromisso com a emancipação do homem cujo enfoque aponta para condições nas quais aprendizagem e práticas críticas possam ocorrer.

55

Essas tendências, que possibilitam novas propostas de organização curricular,

não foram suficientes para encurtar o distanciamento entre a produção “teórica”

e a realidade vivida no cotidiano das escolas, segundo análise de Souza

(1993), citado por Moreira (1998, p. 19).

A influência da pedagogia crítica, o caráter diverso de grandes cidades e a

eleição da oposição em quatro capitais do país nos anos 90 determinaram a

organização de propostas curriculares a partir de princípios mais integradores,

visando a propiciar aos grupos subalternos da população uma aprendizagem

mais significativa e mais bem sucedida. Segundo Barreto (1998):

“[...] as propostas pautaram-se na “idéia” de integração do currículo como recurso facilitador da postura reflexiva em relação ao saber constituído, reiterando o propósito de inserção do aluno na sociedade como cidadão autônomo, consciente e crítico”. No entanto, as referidas propostas não ignoraram as determinações legais que prescrevem as disciplinas a serem ensinadas na escola.” ( p.27)

Em São Paulo (1989-1992), Porto Alegre a partir de (1994) definiram o

Currículo pelo viés da interdisciplinaridade, já Belo Horizonte (1996) optou

pelos eixos transversais e norteadores e o Rio de Janeiro optou pelos

princípios educativos e núcleos conceituais.

Essas propostas distanciaram-se da concepção de que uma proposta curricular

deve corresponder a uma lista detalhada de conteúdos, procedimentos e

avaliação para todas as escolas.

Para os defensores dessas propostas o Projeto Pedagógico de cada escola

deve nortear estas definições, sendo competência dos órgãos centrais o

estabelecimento de objetivos gerais norteadores dos projetos.

56

O foco destas orientações centra-se na integração dos conhecimentos

localmente escolhidos em contraponto ao saber universal sistematizado. Esse

pressuposto se contrapõe a postulações da pedagogia dos conteúdos. Temos

aqui uma significativa influência de Paulo Freire em quase todas as

reformulações.

Em diferentes cenários históricos, vamos constatar o poder de controle do

Estado através do currículo oficial. Moreira (1999) analisa que nem sempre o

controle social através do currículo tem o caráter conservador. Ele confirma

este aspecto através da seguinte constatação:�

“[...] o controle social não envolve, necessariamente, orientações conservadoras, coercitivas e de conformidade comportamental, pois no discurso curricular crítico, encontra-se uma noção de controle social orientado para emancipação.” (p.59)

Desse modo, o controle pode tomar um aspecto crítico, até mesmo

antecipatório de novas formas de pensamento curricular.

2.3 A PRESCRIÇÃO CURRICULAR NO SISTEMA EDUCACIONAL DE MINAS

GERAIS

Historicamente, a educação brasileira orienta-se pela tradição da prescrição do

currículo oficial, currículo esse, determinado por um ideário curricular que

permeia a sociedade e tem sido elaborado por instituições e grupos sociais

57

dominantes. Esse ideário curricular porém, às vezes, avança a interpretação

particular que fazem os segmentos no poder.

Cury, J. (1996), adverte que: Parâmetros Curriculares Nacionais, currículos

mínimos, currículos básicos, currículos unificados, conteúdos mínimos,

diretrizes comuns nacionais são denominações para propostas concretas da

política educacional que acabam sendo incorporadas nas políticas

governamentais para a educação.

Este teórico ainda complementa que, historicamente sabemos que os graves

problemas da educação básica brasileira por vezes servem de justificativa para

iniciativas governamentais isoladas que não têm continuidade e pouco impacto

provocam na realidade vivida nas escolas.

Essa realidade confirma-se com a implementação do “CQT”, Controle de

Qualidade Total16 na Educação, em 1992, em algumas escolas estaduais

mineiras. Apesar de Minas Gerais ser o primeiro estado a adotar este programa

é sabido que o Ministério da Educação tinha intenção de recomendar o seu

emprego quando formulou o “Plano de Qualidade Total em Educação”

(PQTE,1990), que é derivado do “Plano Brasileiro de Qualidade e

Produtividade (PBQP,1990).

A concepção destes planos nasceu com a participação do Brasil na

“Conferência de Educação para Todos” em Jomtien, Tailândia. Estavam

presentes nessa conferência países17 cujas populações estão entre as maiores

16 Segundo o Presidente da Fundação Cristiano Ottoni a Qualidade Total é uma estratégia que consegue levar as empresas, as instituições, os serviços e as escolas a obtenção de níveis crescentes de qualidade e produtividade. 17 Os países que tiraram posições consensuais foram: Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.

58

do mundo. Naquela oportunidade adotaram posições consensuais como: a

universalização da educação básica até o final do século e o estabelecimento

de programas que alcançassem maior produtividade escolar. Essas propostas

são sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos. O governo

brasileiro assumiu o compromisso de garantir a satisfação das necessidades

básicas de educação de seu povo, como signatários das resoluções então

propostas.

O governo brasileiro tendo como suporte as orientações da conferência,

elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos, cujo objetivo mais amplo

assegura, até o ano de 2003, a crianças, jovens e adultos, conteúdos

mínimos18 de aprendizagem que atendam às necessidades elementares da

vida contemporânea. Nessa perspectiva são formulados os Planos Decenais

de Educação cujas metas são semelhantes para todos os estados do país.

De acordo com Oliveira (1998), em Minas este plano define as seguintes

ações:�

[...] Universalização do ensino fundamental; para 100% das crianças e jovens do Estado, ensino para crianças de seis anos, garantido para 50% da população carente, ampliação do atendimento aos jovens e adultos, com o propósito de oferecer oportunidade de ensino fundamental a 80% do analfabetos e subescolarizados, priorizando a faixa etária compreendida entre 15 a 17 anos; aperfeiçoamento das condições materiais e

18 O Plano Decenal, à luz da Constituição de 1988, reafirma a necessidade e a obrigação do Estado de elaborar parâmetros claros no campo curricular, capazes de orientar o ensino fundamental de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras. A Lei Federal nº 9.394, de 20/12/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, também determina como competência da União estabelecer em colaboração com estados, distrito federal e municípios, diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum.

59

pedagógicas no nível de 100% dos docentes em exercício nas escolas normais; garantia de habilitação mínima para 100% dos professores do ensino fundamental; implantação de um modelo de avaliação sistêmica para 100% das escolas públicas estaduais e, pelo menos, para 80% das escolas municipais; redução em 20% dos atuais índices de repetência escolar para viabilizar, pelo menos, 80% de conclusão de ensino médio; garantia dos padrões necessários ao desenvolvimento do processo de ensino em pelo menos 80% das escolas municipais estaduais de ensino fundamental (Plano Decenal de Educação de Minas, 1993:15).

O então vice governador Walfrido Mares Guia,19 que também dirigia a política

educacional mineira20, com o objetivo de operacionalizar as diretrizes acima

descritas opta pela implementação do “CQT.”

A utilização desse modelo empresarial japonês serviu de estratégia para tentar

acabar com o fracasso escolar no sistema estadual de ensino de Minas Gerais,

numa iniciativa inédita em termos nacional e mundial.

O Projeto Piloto de implantação do “CQT” foi elaborado pela Secretaria do

Estado de Educação de Minas Gerais e seu assessoramento coube a

Fundação Cristiano Ottoni, da Escola de Engenharia de Minas Gerais. Para sua

viabilização também foram firmados convênios com a Secretaria Nacional de

Ensino Tecnológico, o Banco Mundial21 e o Governo de Minas22.

19 Vice-governador que também acumulou o cargo de secretário de educação de M.G. nesta época era empresário educacional proprietário do Sistema Pitágoras de Ensino, um dos maiores “conglomerados” de educação do país. 20 Esta decisão nasceu durante a realização do 1º Congresso do Pitágoras de Educação, quando este secretário entusiasmou-se com a fala do Presidente da FCO. 21 O Banco Mundial emprestou 2,5 milhões de dólares, e o governo de Minas entrou com idêntica quantia Oliveira (1998). Segundo Tommasi havia uma influência crescente deste organismo sobre a definição das políticas educativas nos países em desenvolvimento argumentando-se que a Educação é o instrumento fundamental para promover o crescimento econômico e a redução da pobreza.

60

Na implementação do referido projeto o governo argumenta que: “Os princípios

que fundamentam o Gerenciamento de Qualidade Total nos conduzem a um

plano de ação semelhante” (Oliveira,1998). Isso porque, na visão dos

defensores da Qualidade Total em Educação, essa metodologia gerencial

favorece os cinco pontos programáticos do governo.

Essas prioridades definidas pelo governo mineiro, em 1991, são incorporadas

ao “QTC” e se traduzem nas seguintes ações:��

1. autonomia escolar e gestão democrática;

2. avaliação das unidades escolares;

3. capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais;

4. integração com os municípios.

As escolas escolhidas para implementação do programa foram submetidas a

um diagnóstico que resultou na criação do Plano de Ação Para a Melhoria da

Escola (PAME, 1992). Os dados obtidos nos levantamentos detectaram as

seguintes questões:

a) Professores - Falta de treinamento, falta de tempo para dar mais atenção

aos alunos, desatualização da matéria, falta de cobrança por parte do

supervisor, falta de conhecimento dos métodos pedagógicos, desmotivação

pelos baixos salários;

b) Método - Ensino inadequado à realidade do aluno;

22 O governo de Minas Gerais, através da Secretaria de Educação, desenvolveu o referido Projeto, sem obedecer aos trâmites tradicionais e, embora tenha recebido incentivos principalmente de Cosete Ramos, responsável pelo “ Plano de Qualidade Total ” do MEC, não contou com o assessoramento deste órgão federal.

61

c) Alunos indisciplinados, falta de acompanhamento em casa, má formação

anterior, desmotivação e problemas psiconeurológicos;

d) Currículo e Programas inadequados;

e) Carência do coordenador de área.

A equipe da Secretaria Estadual da Educação também argumenta que a

identificação de tais falhas possibilitou a “construção de uma nova proposta,

em parte baseada na anterior, porém mais ampla e aliada a mecanismos

novos de implantação”.

As propostas acima mencionadas entretanto não se efetivaram em decorrência

de várias questões como: os supervisores não promoveram os treinamentos

docentes em virtude da falta de tempo, pois estavam�sobrecarregados com as

excessivas tarefas administrativas exigidas pela FCO em decorrência da falta

de professores; as trocas de experiências foram inviabilizadas e o treinamento

com os especialistas externos não aconteceu. De concreto só se efetivou a

construção da sala de aula.

O Projeto que a princípio teve adesão quase que total nas escolas em que foi

implantado passa a ter resistências da comunidade escolar em função das

condições estruturais de trabalho e da concepção pedagógica que o

acompanha. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação – SIND UTE teve

um papel decisivo nas discussões sobre a política transformada em rigoroso

programa a ser seguido pelas escolas. A orientação repassada definia que a

proposta curricular deveria uniformizar os conteúdos e a maneira certa de

trabalhar (lecionar) poderia ser conseguida através da padronização.

62

Essa orientação, se justificava porque, segundo os consultores da FCO, os

métodos, os processos, as ferramentas, as técnicas de treinamento, a

avaliação, o controle estatístico do processo, tudo é muito semelhante ao que é

feito nas empresas. Educação e treinamento são termos que se confundem no

TQC23.

A meta da “Qualidade” de educação para todos construída no discurso do

governo, a partir de 1991, sustentou a elaboração de um Programa de�Ensino

para a educação fundamental e o 2º grau colocado em prática, no ano� ���

������Essa proposta inclui, segundo os seus articuladores, os seguintes pontos

básicos:

1º) Avaliação das propostas curriculares anteriores e, mais especialmente, a

análise das dificuldades encontradas na proposta de 1986 e que foram:

• o fato de que nas escolas muitos professores não tiveram acesso ao texto

da proposta curricular;

• a falta de adequação da proposta curricular às condições regionais ou

locais.

• a ausência de um plano de capacitação docente, capaz de preparar os

professores para ensinar os conteúdos previstos;

• a não definição clara dos conteúdos básicos, já que em algumas disciplinas

a sugestão era metodológica;

• a falta de escolas equipadas com livros, laboratórios e outros recursos

didáticos destinados a viabilizar o modelo de ensino proposto.

23 Segundo o consultor da Fundação para o alcance dos resultados desejados necessita-se do envolvimento de todos, isto é que todos se sintam irmanados, em sintonia, buscando conjuntamente as mesmas metas.

63

2º) Garantia a todas as escolas públicas estaduais de padrões básicos de

funcionamento, quais sejam: os equipamentos de laboratórios, biblioteca e

salas de aula e os recursos humanos devidamente capacitados para ensinar o

que se propõe.

3º) Observância dos conteúdos básicos, apresentados no atual Programa e

que deverão ser ensinados a todos os alunos da escola pública estadual,

qualquer que seja seu nível sócio-econômico. A avaliação sistêmica, realizada

pela Secretaria de Estado da Educação, permitiu a avaliação da aprendizagem

desses conteúdos básicos e permitirá a correção, em processo, das

deficiências identificadas.

4º) Treinamento intensivo de professores e especialistas em educação para se

tornarem profissionais capazes de superar o fracasso escolar.

5º) Enriquecimento do currículo da escola com atividades e conteúdos

considerados pela comunidade e pelos educadores como relevantes para a

localidade ou para região,desde que respeitados os conteúdos básicos.

Conforme sustenta a Secretária Coordenadora da Subsecretaria de

Desenvolvimento Educacional Íris Barbosa Goulart (1995], são considerados

conteúdos básicos:

“[...] Os conhecimentos considerados indispensáveis ao convívio do sujeito com sua realidade, ao enfrentamento dos desafios que lhes são apresentados no cotidiano e à promoção de mudança em seu meio. O domínio desses conhecimentos é, pois, condição fundamental para a construção da cidadania. Os conteúdos básicos a serem aprendidos pertencem à realidade concreta; constituem o real significativo para os alunos e devem estar ligados a seus interesses. Por outro lado, esses conteúdos devem propiciar aos alunos meios de ultrapassar a sua própria experiência e até mesmo sua condição de vida.” (p. 16-17)

64

Podemos observar que no processamento das orientações desse projeto

resgatam-se assim elementos já disseminados pelo pensamento educacional

tecnicista dos anos 70, mas sobre eles, tenta-se erigir uma proposta

alimentada por novos princípios traduzidos por um projeto empresarial que

camufla as reais questões pedagógicas e que impossibilita a construção de

uma proposta curricular crítica.

Em 1996, o Ministério da Educação apresenta ao professorado brasileiro a

definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino

fundamental. A temática do Currículo tornou-se o centro das discussões e

rapidamente a proposta dos PCNs se transformou em polêmica nacional.

Algumas questões são colocadas como foco de contestações, como:

a) a concepção pedagógica inspiradora do documento;

b) as estratégias utilizadas em sua elaboração (alijamento dos professores e

professoras da escola pública brasileira de todo processo que culminou na

composição da versão atual);

c) contratação de um consultor espanhol na elaboração dos trabalhos,

deixando à margem a fecunda reflexão que pesquisadoras e pesquisadores

brasileiros vêm desenvolvendo nesta área.

A formulação da referida proposta curricular, inicialmente implantada nas

quatro primeiras séries da educação fundamental, conforme Moreira, está

fundamentada em três razões :

a) cumprimento o artigo 210 da Constituição de 1988, que determina a fixação

dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental, a fim de assegurar

65

formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais

e regionais;

b) promoção do aumento da qualidade do ensino fundamental, cuja

necessidade foi enfatizada no Plano Decenal de Educação para Todos

(1993-2003).

c) articulação dos diferentes esforços de reformulação curricular que vêm

sendo desenvolvidos nos diferentes estados e municípios.

Para o processo inicial de elaboração, ocorrido antes da posse do atual

Presidente da República, foram convidados 60 estudiosos da educação

brasileira e mais representantes da Argentina, Colômbia, Chile e Espanha,

países estes que tinham promovido reformas curriculares. Essa proposta

curricular teve como fonte inspiradora o pensamento pedagógico espanhol

através do professor César Coll, catedrático de Psicologia Educacional da

Universidade de Barcelona.

A Fundação Carlos Chagas trabalhou na análise das propostas curriculares

dos estados brasileiros bem como dos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro

e Belo Horizonte.

Professores e professoras ligados à Escola da Vila, situada em São Paulo,

responsabilizaram-se pela elaboração dos PCNs (nesse conjunto não se

incluíram professores universitários). No início de 1996, cerca de 400 docentes

de diferentes áreas do conhecimento e especialistas em educação receberam

essa versão para exame e parecer.

As discussões com professores e professoras de diferentes estados do país

ocorridas no primeiro semestre do referido ano, objetivaram oferecer subsídios

66

para reformulação e melhoria dos Parâmetros. A composição dos documentos

que serviram de análise para os PCNs de 1ª 4ª séries foram:

a) documento introdutório;

b) documento de apresentação das discussões das propostas curriculares de

estados e alguns municípios;

c) documento intitulado Convívio Social e Ética, que justificam a importância

do desenvolvimento na escola de temas que possam favorecer a vida

democrática (temas transversais);

d) documentos referentes a alguns desses temas (orientação sexual, ética,

saúde, meio ambiente);

e) documentos que abordam o tratamento a ser dado às diferentes disciplinas

curriculares.

No documento introdutório é realçado que os PCNs constituem instrumentos

promotores da qualidade do ensino, pois seu objetivo é a orientação e

aperfeiçoamento do trabalho pedagógico nas escolas. Os Parâmetros são

formulados também através de objetivos, conteúdos essenciais, critérios de

avaliação e de orientações didáticas.

O debate curricular sobre o que deve ser ensinado na escola, para que deve

ser ensinado, como deve ser ensinado, quem deve decidir o que ensinar não

envolve somente decisões técnicas e, rememorando Paulo Freire (1998),

confirmamos que: “Todo ato pedagógico é político e não neutro” Essa

perspectiva se contrapõe aos “ esforços ” empreendidos pelas diferentes

instâncias educacionais no sentido de consumar os PCNs como uma proposta

alternativa e não como uma ”imposição” oficial ao sistema escolar brasileiro.

67

Sílvio Gallo (2000) destaca que: “Mediante as conveniências que se contrapõe

entre as contradições do oficial e do alternativo24, existe uma preocupação

exarcebada do governo em apresentar os PCNs como mais uma “opção”, pois

desta forma é possível atenuar as resistências dos educadores que podem

inviabilizar sua adoção por considerá-lo de fato oficial.

Em 1998, no calor do processo de eleições para o governo do estado, é

realizado o Fórum Mineiro de Educação. Este evento sintetiza como resultado

a elaboração da Carta25 dos Educadores Mineiros (2.9.1998).

Após seis meses na Secretaria Estadual de Educação, o secretário Murílio de

Avellar Hingel apresenta uma primeira proposta de diretrizes e prioridades

elaboradas a partir dos eixos definidos na referida carta. As comissões

criadas, assim como os grupos de trabalho, estabeleceram parâmetros

básicos, fixaram objetivos e diretrizes operacionais que nortearam ações com

vistas a reestruturação do quadro administrativo, financeiro e pedagógico do

sistema público estadual.

Nessa perspectiva, segundo o secretário, esse passo inicial no campo da

Educação, estreitava-se com o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado -

(PMDI),em preparação pela Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral,

permitindo, desta forma, a construção coletiva do Plano Mineiro de Educação,

de caráter decenal, privilegiando o conceito de “Educação para todos durante

toda a vida.”

24 Por alternativo entende-se o currículo produzido como opção ao currículo oficial, às vezes, em franca oposição a esse (Gallo, 200:2). 25 Esta carta foi subscrita pelo então candidato ao governo de Minas, Itamar Franco. Fonte: (Caderno Escola Sagarana, volume II,p.5).

68

Ainda de acordo com o secretário de educação, o Governo de Minas Gerais se

mantém fiel aos compromissos assumidos pelo Brasil em 1990, durante a

Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na

Tailândia que definiu como objetivo primordial a universalização da educação e

a democratização pelo tratamento diferenciado aos desiguais. Assim, Hingel

(1999) justifica a construção de um Plano Estadual de Educação para a Vida :�

“[...] Um Sistema que promova a nucleação da ação pedagógica a partir da identidade regional, sempre assentada no Humanismo e voltada para o desenvolvimento harmônico do Estado. Que dê atenção à diversidade criadora de modo que, opondo-se à padronização técnica de viés autoritário, estimule as diferenças e as contribuições do rico universo cultural mineiro, que articule as atividades educacionais com o setor produtivo, envolvendo a participação das famílias, de instituições sociais e comunitárias, das empresas e de organizações não governamentais; que seja capaz de organizar conteúdos curriculares inteligentes e atraentes, voltados para : aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver e a conviver, aprender a ser.” (Fonte: Caderno Escola Sagarana, volume II, p. 8-9, 1999).

Com base nesses pressupostos, surge o programa Escola Sagarana25, que

vislumbra os seguintes objetivos:

��

1º) Promover a estruturação e a articulação entre os programas e projetos

setoriais da Secretaria da Educação e de outros órgãos do governo estadual

visando ações que possam refletir e viabilizar as estratégias, diretrizes e metas

da política educacional de Minas Gerais.

26 Termo utilizado para denominar a política educacional implantada em Minas Gerais. O termo é retirado do primeiro livro do escritor João Guimarães Rosa lançado em 1946, que resulta da união do radical germânico SAGA – que significa narrativa épica em prosa, ou acontecimentos marcantes ou heróicos – com o elemento RANA, que é de origem tupi e representa a idéia de “ à maneira de”, “típico ou próprio de”. Segundo o crítico Sami Sirihal, o escritor quis deixar a ”sugestão de histórias em que o elemento local, regionalista, se associa a uma dimensão maior de interesse universal”.

69

2º) Implantar e desenvolver a política de educação de qualidade para todos os

mineiros, contribuir para a formação do cidadão do próximo século com

educação integral voltada para o exercício da cidadania e o desenvolvimento

pessoal, profissional, da comunidade, do estado e da nação.

3º) Desenvolver, implementar e divulgar, por todos os meios possíveis, idéias,

propostas e ações que visam o fortalecimento da escola pública em Minas

Gerais, a valorização da cultura mineira, com o fortalecimento da mineiridade a

partir da atuação das escolas nos campos pedagógico, científico, cultural,

social e econômico.

4º) Implantar o Sistema Mineiro de Educação, implantar o Sistema Estadual de

Avaliação do Desempenho Escolar, implantar o Sistema Estadual de Controle e

Avaliação da Qualidade da Educação, implantar o Instituto Superior de

Educação.��

�Além destes objetivos e metas, a escola Sagarana contempla um programa de

Ação Permanente, que se desdobra em 27 programas. (Coleções de Minas –

volume II,1999).

No tocante às determinações das Políticas Públicas previstas para

consolidação deste programa, entre outros aspectos, são destacados os

seguintes objetivos para a determinação de Currículo e Cultura:

• redefinição do papel da escola como agência de promoção cultural;

• revisão dos currículos e projetos pedagógicos, à luz das tradições histórico-

culturais de Minas, atentando para as especificidades regionais;

70

• incentivo às universidades para que produzam materiais didáticos baseados

na cultura mineira;

• estabelecimento de parcerias entre escola museus, bibliotecas, arquivos e

outras instâncias de referências, visando à promoção conjunta de projetos

educativos e culturais��

2. 4 O PAPEL DO CURRÍCULO OFICIAL

Verificamos que a Escola Sagarana traz como proposta implícita de currículo a

mesma dos Parâmetros Curriculares Nacionais, cujas bases estão

determinadas pela Constituição de 1988, pelo Plano Decenal de Educação

para Todos que assegura a fixação dos conteúdos mínimos de aprendizagem.

O que detectamos, entretanto, é que os docentes desconhecem o currículo

oficial, apesar dos apelos, sugestões e determinações estabelecidas pelas

políticas públicas educacionais.

Percebemos, durante a pesquisa, um desconhecimento, alheamento e pouca

sustentação das práticas do professor e da professora nas propostas oficiais.

Através dos pressupostos teóricos da Educação Popular, defendida por Paulo

Freire, os setores populares atuantes no meio educacional têm encontrado

mais afinidade ideológica e sugestões para a prática, propondo sérias críticas

às reformas curriculares de caráter centralizador tais como as descritas na

seção anterior. Nesta perspectiva Freire e Shor (1987) destacam que:

71

“[...] um currículo oficial comum representa uma forma autoritária e mecânica de organizar o ensino, pois expressa desconfiança em relação à habilidade dos estudantes e à competência dos professores, assim como constitui uma tentativa de manipulação de suas atividades.” ( p. 7-8)

Entretanto, verificamos que, a partir das prescrições institucionais, há um longo

caminho a ser percorrido para as determinações dos programas elaborados no

âmbito das diferentes instâncias, chegam às escolas através dos diferentes

mapas curriculares definidos como política educacional pelos estados e

municípios brasileiros.

Apesar das determinações das políticas públicas no sentido de unificar uma

base mínima curricular e da tentativa de assegurar a distribuição dos

conteúdos da maneira uniforme, nada garante que isso vá ocorrer, pois nesse

processo detectamos um distanciamento entre o currículo prescrito, o currículo

em ação e o currículo operacional.

Sabemos que no espaço escolar o currículo ganha vida pois é ele que de fato

representa o cotidiano das escolas, traduzido pelas contradições e, muitas

vezes, marcado pela ruptura entre a teoria e a prática.

O que temos observado é que o professor e a professora, na busca de

soluções para os problemas cotidianos, escoram-se em aspectos subjetivos e

objetivos para a operacionalização de sua prática pedagógica.

Essa prática em sala de aula reflete as contradições, mescladas pelas

subjetividades e diferentes conflitos, traduzindo desta forma o currículo

72

operacional26 sendo este, aquele que representa o que de “fato” ocorre nas

aulas.

Se o currículo é sempre uma construção coletiva, na qual os professores

desempenham um papel fundamental, é possível uma proposta curricular, em

qualquer nível administrativo, em que a legitimidade da proposta não passe

pela subjetividade dos profissionais da educação?

Ao longo da história da educação brasileira, o currículo tem sido construído sob

influências de diferentes concepções, cujos pressupostos se balizam através

das seguintes concepções:

1. Ser um instrumento regulador do comportamento do professor e da

professora, definindo o que os mesmos podem ensinar em sala de aula.

2. Ser um mecanismo de controle da aprendizagem do aluno e da aluna,

determinando o que ele/ela pode e tem o direito de conhecer

Isso imprime ao seu conteúdo um caráter político e ideológico, cujas influências

estão impressas pelos contextos nacional e internacional, sendo esses

indicadores de aspirações e intenções de uma análise pública da

escolarização. �

27 Conceito elaborado por Goodlad, após a observação de centenas de salas de aula. Ele procurou descrever a compreensão de currículo para além do nível prescritivo, até então predominante nos estudos sobre currículo. Ele concluiu que existe um currículo ideal (o que um grupo de especialistas propõe como desejável); um currículo formal (prescrito por uma instituição normativa, de que são exemplos os diferentes guias curriculares elaborados pelos estados e municípios brasileiros); um currículo operacional, um currículo percebido (que explicita o que o professor diz estar fazendo, e o porquê de sua ação, segundo sua percepção) e um currículo experenciado ( que é a percepção e reação que os alunos têm do que está sendo oferecido pela escola). (Apud Messik et all,1980).

73

Nessa perspectiva, sua análise não envolve apenas a possibilidade de

entendimento conceitual, mas sobretudo a clareza de intenções sustentada

pelas experiências e reflexões teóricas.

Estamos longe de superarmos os conflitos em torno do currículo escrito, cujo

valor simbólico reflete-se na prática. As diferentes concepções, quer seja na

visão tradicional que não vê na relação cultura/educação/currículo um terreno

conflitivo ou quer seja na concepção crítica, que afirma que não existe uma

cultura de sociedade unitária, homogênea e universalmente aceita, mostram o

currículo tem um papel importante na orientação do ensino.

Em seu caráter de seletividade que obedece critérios bem definidos, pois estes

são impressos pelos valores momentâneos de uma sociedade, e no

reconhecimento de que o currículo é perpassado por relações de poder,

identificamos como sua fonte a cultura, mas sabendo que nem todo

conhecimento disponível em uma determinada cultura pode estar incluído

nele. Apple (1999), assim, analisa esta questão:�

“[....] a educação esta intimamente ligada à política da cultura. O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo. ( p.59)

É flagrante a preocupação dos governantes que assumem o poder em adotar

como uma de suas investidas políticas a reestruturação de programas ou

74

implementação de novos projetos que possibilitem a população ter acesso ou

ser informada dos conhecimentos que eles consideram importante.

Nesse aspecto, o que temos assistido à partir dos anos 90, é que com a

expansão do neoliberalismo, os currículos voltaram a ocupar lugar de destaque

como instrumentos de divulgação dos conhecimentos socialmente aprovados e

capazes de promover o desenvolvimento social. Apple (2000) analisa a

justificativa governamental para a exigência de um currículo nacional atrelada a

um processo “rigoroso” de avaliação:

“[...] mesmo com a suposta ênfase em avaliações abrangentes e outras formas mais flexíveis de avaliação defendida por algumas pessoas, nada há que justifique a esperança de que, o que será finalmente e permanentemente instalado- mesmo que somente em razão do tempo e dos custos – será algo diferente de um sistema massificado e padronizado de provas de lápis e papel.” (p.75)

Sua preocupação vem com a advertência de que, devido às desigualdades

sociais, o currículo nacional e as avaliações centralizadas não conduzirão à

coesão social, mas se prestarão para realçar as diferenças de classe social, de

gênero e de raça existentes numa sociedade heterogênea. Quanto à relação

entre o currículo oficial e o sistema de avaliação nacional, ele faz a seguinte

reflexão:

“[...] o currículo oficial, atrela-se a um sistema de avaliação nacional, e que por trás de algumas justificativas educacionais está uma perigosíssima investida ideológica; pois ele pode se configurar como um dispositivo de prestação de contas, que nos ajude a estabelecer marcos que permitam aos pais avaliar a escola. Mas também põe em movimento um sistema no qual as próprias crianças serão classificadas e ordenadas como nunca foram antes: um de seus papéis primeiro será o de agir como um mecanismo para diferenciar mais rigorosamente as crianças em relação a normas fixadas das quais os significados

75

e decorrências sociais não se encontram disponíveis para verificação”. (p.75)

Para esse teórico, o que na realidade se oculta é a imposição de uma cultura

comum que, na verdade, realça os interesses dos grupos hegemônicos,

deixando de levar em consideração a cultura e os interesses dos grupos

minoritários.

Com igual importância deve se constituir foco de análise a relação do currículo

com o Projeto Político Pedagógico da escola pois ambos devem expressar o

desenvolvimento das relações sociais de produção articulados por diferentes

sujeitos através da organização do trabalho de uma instituição educacional.

Consideramos que seja imperativo realçar a importância da gestão participativa

para garantir a autonomia e o fortalecimento do poder dos diferentes

segmentos da escola e da comunidade, bem como, dos diferentes sujeitos

envolvidos no processo de elaboração e implementação de um currículo.

76

3 A SALA DE AULA

O presente capítulo versa sobre a realização do currículo prescrito pela escola

na sala de aula, tal como foi observado pela autora no período de agosto a

dezembro de 2000 em que registrou o desenvolvimento de aulas de 2 turmas

de 8ª série a de História e de Matemática. A análise foi constituída a partir da

categorização das informações coletada durante o trabalho de campo que

considerou:

1º) perfil das turmas;

2º) disciplina da sala de aula;

3º) os docentes: sua formação e a interação com os alunos e alunas;

4º) organização do trabalho escolar e suas condições;

5º) autonomia do professor e da professora;

6º) seleção e distribuição dos conteúdos curriculares;

7º) avaliação.�

��

Como esse trabalho envolveu a análise do currículo em sala de aula, e por

entendermos que ele é mais do que a soma de atividades educacionais de

professores, professoras, alunos e alunas, procuramos fugir de uma

abordagem linear. Para tanto foi necessário que algumas categorias

trabalhadas neste capítulo também fossem discutidas no capítulo que trata do

livro didático e de sua função na escola.

77

3.1 PERFIL DAS TURMAS

As turmas pesquisadas são duas e pertencem às oitavas séries. Têm em

média 45 alunos e alunas, cujas idades variam entre 14 e 16 anos o que nos

permite observar que nestas classes registram-se histórias de repetências.

A escola preserva a cultura da organização das turmas utilizando os critérios

de idade, tempo de escolarização e aproveitamento, tendo como referência os

resultados quantitativos. Em conseqüência, as classificações das classes são

representadas por letras correspondendo à hierarquia do alfabeto.

Com base nessa mesma lógica, a instituição ainda faz uma outra divisão, que

permite ver diferenças nítidas de classes sociais. Trata-se da distribuição dos

alunos por turmas, concentrando no turno da tarde os alunos de nível social

econômico mais alto obedecendo à lógica da hierarquização social. Essa

organização reforça a idéia de que o turno da tarde é muito melhor, mais se

parecendo com um “Colégio Particular”. O foco desta pesquisa, entretanto,

centralizou-se no turno da manhã, nas turmas E e F. Percebemos semelhanças

nos perfis das duas turmas, embora existiam especificidades no desempenho

da cada uma.

Existe um clima de amizade entre os alunos e alunas, entretanto são

desorganizados, gritam, falam palavrões e não apresentam nenhuma

responsabilidade com a conservação do ambiente escolar. Escrevem nas

carteiras, picham as paredes externas e internas dos ambientes da escola,

fazem pontas de lápis no chão, jogam bolinhas e aviões de papel na sala de

aula.

78

O que mais nos chamou a atenção foi, de início, o grande poder de

argumentação dos alunos e alunas, principalmente no que se refere às

justificativas de ações que estão fora das “normas” escolares. Muitos

apresentam uma relação de desdém com o conhecimento escolar.

Coexistem nas mesmas turmas aqueles que foram aprovados por

apresentarem bom rendimento escolar e aqueles reprovados no ano anterior.

Estes últimos, por determinação da Política Educacional do Estado (aprovação

automática), implementada no governo Azeredo em 1997, foram promovidos

para a 8ª série.

Para resolver as “defasagens” que os professores e professoras julgam ser

provenientes da aprovação automática, a escola optou por estabelecer uma

recuperação paralela que consta de uma série de exercícios, elaborados pelos

professores e professoras de todas as disciplinas, a serem realizados pelo

alunos.

Existe uma data estipulada para desenvolver as atividades em casa, e devolvê-

las. Os alunos e alunas que encontram dificuldades, recorrem à família ou

contratam professores particulares. Detectamos que alguns desses alunos

sequer tomaram conhecimento do conteúdo que deveria ser trabalhado, pois

puderam contar com outras pessoas na solução dessa tarefa.

Tanto os docentes quanto os discentes queixam-se da ingerência do governo

na escola, e alegam que esse processo anulou a autoridade dos professores e

professoras, acentuou o descompromisso de alguns alunos e alunas que

chegaram a nova série sem domínio do conteúdo, agravando a qualidade do

ensino e da aprendizagem.

79

3.2 DISCIPLINA

A disciplina em sala de aula e fora dela aparece como a preocupação mais

mencionada pelos professores e professoras. É difícil conceituar o que seja

“disciplina”, pois as características dadas a ela dependem das exigências e dos

níveis de tolerância construídas por cada sujeito.

Neste trabalho estamos considerando como indisciplina, os comportamentos

que os docentes genericamente classificam como aqueles que não se

enquadram às exigências definidas pela instituição como a conduta

desordenada dos alunos e alunas, sendo traduzida como: bagunça, tumulto,

falta de limite, maus comportamentos, desrespeito às figuras de autoridade que

às vezes até incluem discordâncias de idéias. Segundo Aquino, J. (1996):

“[...] a indisciplina seria talvez, o inimigo número um do educador atual cujo manejo as correntes teóricas não conseguiram propor de imediato, uma vez que se trata de algo que ultrapassa o âmbito estritamente didático pedagógico, imprevisto ou até insuspeito no ideário das diferentes teorias pedagógicas”. (p.40)

Acreditamos ser necessário, ao invés de se enquadrar os sujeitos no acervo

das teorias é entendê-los em suas múltiplas dimensões e nesse intuito

recorremos a Dayrell , J. (2000):

[...] os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais, prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos”. (p.30)

80

Se avaliarmos o comportamento dos alunos e alunas somente pelo ângulo da

aparência física da escola, obviamente eles seriam rotulados como

indisciplinados, pois o espaço escolar tanto interno como externo é demarcado

pelas pixações. Nesse sentido, a professora de Matemática fez a seguinte

observação:

“[...] quando eu cheguei aqui a escola era limpa e organizada, somente de três anos para cá é que começou isto; em cada canto que você olha tem uma pixação por menor que seja o espaço; na porta, no rodapé em qualquer canto. Isto é reflexo de um grupo que está revoltado com o ambiente que ele está vivendo. O aluno que gosta da escola não pixa a escola”. (Professora de Matemática)

Constatamos que estas pixações que expressam os sentimentos dos

educandos em relação à instituição, não se constitui em objeto de reflexões

coletivas. Existe, sim, uma preocupação acentuada da direção em punir os

responsáveis pelos chamados atos de vandalismo. Entretanto, a escola não

percebe que a ausência de um projeto pedagógico que esteja articulado com

os projetos dos alunos e alunas seja um dos principais fatores que impulsionam

os jovens a desprezarem a sua escola. E nessa direção que Dayrell (2000:31)

propõe a questão que segue:

“[...] se partíssemos da idéia de que a experiência escolar é um espaço de formação humana ampla, e não apenas transmissão de conteúdos, não teríamos de fazer da escola um lugar de reflexão (re-fletir, ou seja, voltar sobre si mesmo, sobre sua própria experiência) e ampliação dos projetos dos alunos?” (p.31)

Existem indicadores de que a nossa cultura escolar entende a disciplina como

uma forma de disposição dos alunos e alunas na qual esses devem

permanecer obedecendo a um certo ordenamento que implica poucos

movimentos e, também, manifestações verbais reduzidas.

81

A própria distribuição dos lugares dentro da sala de aula induz a uma

concepção de disciplina: alunos enfileirados, uns atrás dos outros, sentados em

carteiras individuais, de frente para o quadro negro e para o espaço onde

melhor se posiciona o professor e a professora. Em sala de aula, a relação dos

docentes com as turmas se estabelecem num clima de “intimidade” muitas

vezes no mesmo patamar de igualdade. Na avaliação da escola e nas

referências construídas pelo professor de História e a professora de

Matemática, estas turmas são “difíceis” e uma de suas características

marcantes é a dificuldade de concentração de alguns alunos e alunas.

Não existe por parte dos docentes rigor quanto às determinações de limites,

embora a falta destes sempre apareça como justificativa das “dificuldades de

aprendizagem” apresentadas por alguns alunos . Observei diferenças de

posturas entre o professor e a professora que podem estar ligados aos

seguintes fatores:

1º) experiência na profissão e tempo de trabalho com suas turmas.

2º) representação que alunos e alunas têm das disciplinas e dos

docentes.

3º) representação dos docentes quanto à sua disciplina (área do

conhecimento).

4º) desenvolvimento das práticas e competência para ensinar.

O ritual das aulas destas disciplinas são bem semelhantes.É marcado tanto por

desorganização do espaço físico (sala suja, carteiras fora dos lugares, mesas e

quadros rabiscados) quanto pela ação dos alunos e alunas (gritos, correrias,

palavrões, chutes e pontapés). Geralmente, os docentes levam um bom tempo

nesta organização.

82

Entretanto, as orientações da professora de matemática são atendidas mais

rapidamente, principalmente, porque ela utiliza os exercícios como recurso

regulador da disciplina e da aprendizagem.�

��

Ao entrar em sala são repassadas tarefas que sempre vêm acompanhadas

das seguintes “advertência”: “Quem não entregar a atividade pronta até o final

não sairá de sala de aula”, ou “esta atividade vale pontos”, “já comecei a

anotar os nomes daqueles que não querem participar” ou, ainda, “vou dar uma

avaliação”.

�Já o professor de História, nem com estas ameaças, consegue a organização

dos alunos e alunas. Isso se explica porque ele tem uma certa dificuldade de

definir os limites, talvez por possuir pouca experiência no magistério, uma vez

que é recem-formado. Ele acha mais difícil trabalhar com o ensino fundamental

do que com o ensino mádio. Os alunos e alunas, por sua vez, alimentam a

concepção de que História é uma matéria que não precisa estudar, somente

decorar, ao contrário da Matemática.

As aulas de História são iniciadas entre 15 a 20 minutos após a entrada do

professor. Isto significa uma drástica redução no tempo de trabalho com esse

conteúdo. Esta demora reflete a desorganização tanto do docente quanto dos

discentes. Estes últimos gritam, falam palavrões, assobiam, cantam e correm,

enquanto o professor tenta controlar e acalmar o ambiente.

As atividades pedagógicas das duas áreas do conhecimento é afetado pelas

condições físicas e materiais do contexto escolar, cuja realidade compõe o

seguinte cenário: sala de aula muito cheia, ambiente sem nenhuma

organização estética, pouca conservação e ausência significativa de recursos

materiais.

83

Nas turmas observadas, a professora e o professor, na maior parte do tempo,

trabalhavam com a organização de grupos. Percebemos uma interação

afetuosa, amiga e embasada no diálogo entre os docentes e seus alunos e

alunas.

Algumas posturas dos docentes entretanto, reforçam contradições entre a

teoria e a prática, apontando relações autoritárias que os professores e

professoras são levados a estabelecer em decorrência das condições

estruturais da organização do trabalho escolar.

Os docentes consideram que os determinantes dessa relação autoritária são

elementos externos, alheios à sua vontade e competência e mencionam como

responsáveis os seguintes aspectos: as classes numerosas, os alunos e alunas

desinteressados e sem “base”, o programa extenso,a falta de apoio dos pais e

da própria escola, entre outros.

A estruturação das atividades escolares acentua a concepção de que a

autoridade docente relaciona-se com o poder que certas pessoas têm de

controlar comportamentos individuais e coletivos. Nesse sentido, podemos

observar já que não há negociação entre professores e alunos, não há

participação dos alunos nas decisões relativas ao seu processo de

aprendizagem, que os docentes se colocam diante dos estudantes, com o

propósito de conduzi-los em várias tarefas o que exige desses alunos, uma

concordância e aceitação para tal condução.

Tal comportamento dos professores pode ser compreendido pela influência de

seu próprio processo de formação reproduzida em sua prática, suas

experiências enquanto alunos. Para melhor compreendê-las, recorremos a

Martins (1997), que assim analisa os componentes das relações:

84

1º) Teoria da Escola Tradicional; essa relação é vertical e autoritária. O

professor transmite o conteúdo como verdade absoluta, tendo o aluno um

papel passivo-receptivo. “O princípio básico desta relação é que o professor

detém o saber e o aluno não. A disciplina é entendida como sinônimo de

silêncio e ordem na sala de aula, para facilitar a transmissão do saber.” (p. 141)

2º) Teoria da Escola Nova; “a relação é democrática. O professor assume o

papel de orientador das atividades do aluno e este tem um papel ativo,

participativo no processo de ensino” ( p. 141).

O pressuposto básico dessa relação é que os alunos têm necessidades e

interesses próprios, são diferentes uns dos outros cabendo ao professor o

atendimento das diferenças individuais. Assim, o aluno disciplinado é aquele

que é solidário, participante, ativo e conhecedor das regras de convívio com o

grupo.

3º) Teoria da Escola Tecnológica, “tanto o professor como os alunos

desempenham o papel de executores de tarefas programadas por um grupo de

especialistas” ( p. 141).

A relação é vertical e autoritária, com agravante de o professor não participar

da concepção de seu trabalho. O aluno disciplinado é aquele que faz todas as

tarefas conforme os objetivos operacionais. Evidenciamos que os docentes por

nós observados, com maior ou menor preponderância apresentam em suas

práticas elementos destas concepções.

Notamos que embora os docentes estabelecessem uma relação amiga e, às

vezes, até afetuosa com os alunos e alunas, a professora de matemática, às

85

vezes, deixava realçar atitudes como a ameaça de utilização de uma prova

quando a turma estava muito agitada ou com a anotação dos nomes (para tirar

pontos), daqueles ou daquelas que não queriam obedecer. Observamos que

esta postura faz parte do ritual escolar e não apenas desta professora.

3.3 OS DOCENTES, SUA FORMAÇÃO E A INTERAÇÃO COM ALUNOS E

ALUNAS

Analisaremos aqui aspectos mais evidentes da prática docente, pois sabemos

que essa questão exige análises mais aprofundadas constituindo-se em objeto

de pesquisas que vão abrir um leque para diferentes interpretações.

Têm sido intensas as queixas dos docentes em relação o seu declínio de poder

diante dos alunos, apesar de ser atribuídos aos mesmos um papel de

autoridade.

Este declínio pode ser entendido pela desvalorização do profissional da

educação em nossa sociedade, desvalorização reconhecida pelos docentes e

que acabam por influenciar na representação que os alunos e alunas

constroem de seus professores e professoras. A esse fator soma-se o grau de

maior ou menor importância que os professores e professoras, alunos e alunas

atribuem à determinada área do conhecimento.

Nesse aspecto observamos que, em muitas circunstâncias, alguns docentes

revelam através de suas posturas, diferentes concepções em relação às

disciplinas para os quais foram habilitados. Alguns professores reproduzem

status que a sociedade atribuiu a seu campo de conhecimento. É o que

acontece com a Matemática, por exemplo.

86

Ao conversarmos com os alunos e alunas de ambas as turmas, ouvimos dos

mesmos que os docentes são muito “ legais, pois não são caretas”. Procurando

entender o significado desses adjetivos obtivemos como resposta que são

considerados “legais” aqueles adultos que os entendem bem.

Eles destacaram também, que, embora a Matemática seja difícil, a professora é

diferente de outros docentes da mesma disciplina, pois ela é brincalhona e

ensina muito bem. Isto torna a compreensão dos conteúdos mais fácil.

Os alunos, no entanto, reforçam o esteriótipo de que Matemática é para

pessoas inteligentes e que só é aprovado os estudantes que são mais

“inteligentes”, ou aqueles que estudam muito. Uma aluna da turma observada

assim interpreta esta questão:�

“[...] eu considero que a professora de Matemática é uma das melhores, ela explica a matéria, muito bem de acordo com o nosso grau de aprendizagem, ela não deixou ninguém malandrar, mas às vezes temos alunos que não se interessam, eu acho que é porque eles não gostam de estudar mesmo.” (aluna 8ª E)

Já a professora reforça esta opinião, apresentando exemplos, mas ressalva�

���aqueles alunos ou alunas que apresentam muitas dificuldades, mas que

se esforçam estudando, de maneira lenta vão conseguindo ultrapassar as

dificuldades. Segundo D’Ambrósio (1999 ) :

“[...] na sociedade, a Matemática usufrui de um status privilegiado em relação a outras áreas do conhecimento, e isso traz como conseqüência o cultivo de crenças e preconceitos. Muitos acreditam que a Matemática é direcionada às pessoas mais talentosas e também que essa forma de conhecimento é produzida exclusivamente por grupos sociais ou sociedades mais desenvolvidas”. (p.6).

87

É ainda D’ Ambrósio que complementa que, embora equivocadas, essas idéias

geram preconceitos e discriminações, no âmbito mais geral da sociedade, e

também se refletem fortemente no convívio da escola, fazendo com que a

Matemática acabe atuando como filtro social: de um modo direto, porque é uma

das áreas com maiores índices de reprovação no ensino fundamental e,

indiretamente, porque seleciona os alunos que vão concluir esse segmento do

ensino e, de certa forma, indica aqueles que terão oportunidade de exercer

determinadas profissões.

Observamos que o trabalho educativo que ocorre na escola é sempre marcado,

por preconceitos concepções, valores e atitudes, mesmo que não-explicitados

e, muitas vezes, contraditórios.

Desse modo, é fundamental que os professores e professoras planejem não

apenas como as questões sociais vão ser abordadas nos diferentes contextos

de aprendizagens das várias áreas do conhecimento, mas também como elas

serão tratadas no convívio escolar.

Em relação ao professor de História, alguns alunos e alunas disseram que ele

é pouco exigente, não consegue “colocar moral” na turma. Eles e elas atribuem

esta dificuldade ao fato de considerarem esta matéria fácil, portanto não

precisam estudar. Uma aluna faz a seguinte observação:

“[...] eu acho que os alunos brincam muito, eles fazem muita bagunça, não querem prestar atenção. Eu acho que é por causa da matéria, ela não dá bomba mesmo, agora eu acho que ela tem muitas coisas importantes”. (Aluna da 8ª F)

88

Segundo Rocha (2001), no entendimento de um grande número de pessoas,

dar aula de História é algo muito simples de se fazer. Poucos se apercebem,

entretanto, das inúmeras questões teóricas e ideológicas presentes a cada

passo da narrativa da História.

O professor, entretanto, atribui suas dificuldades às limitadas condições

materiais e ao excesso de burocracia que tomou conta da escola. Ele assim

interpreta essa questão:

“[...] o excesso de burocracia atrapalha o avanço e dificulta para todo mundo. É muito chato trabalhar em um ambiente como este. Tem muitas coisas para serem discutidas em sala de aula: aspectos do cotidiano do aluno e de forma geral, mas a burocracia atrapalha. Eu, por exemplo, tenho que dar aulas expositivas porque não existem recursos pedagógicos. O estado não está nem aí, ele não se preocupa com a escola e muito menos com a formação do professor”. (Professor de História)

Rocha (1996) confirma que:

“[...] a ação do professor no espaço do estabelecimento de ensino é de importância fundamental, já que a produtividade da sala de aula está intimamente ligada à organização da escola.” (p.53)

Nas situações concretas de sala de aula, um aspecto que tem sido motivo das

queixas dos professores e das professoras, relaciona-se com o “direito” dos

docentes aprovarem ou reprovarem os seus alunos e alunas. Mas, o que

observamos, é que as políticas educacionais oriundas, dos programas e das

leis, não incorporam os sujeitos às discussões o que resulta em sentimentos de

exclusão dos profissionais que estão no interior da escola.�

���

89

Um aspecto que tem sido discutido exaustivamente no espaço escolar é a

resolução que instituiu a progressão continuada28, estabelecendo a passagem

de uma série para outra sem interrupção. Os docentes entenderam esta

determinação como uma “aprovação automática”, e, segundo os profissionais,

após estas orientações a escola não é mais a mesma.

Segundo o professor e a professora investigados, os alunos e alunas perderam

o respeito, o estímulo para estudar e a indisciplina aumentou. Isso porque a

ausência do instrumento de avaliação que valida ou não a aprovação ou

reprovação não existe mais. Essa argumentação encontra respaldo na

comunidade escolar que aponta que o declínio da escola pública está ligado a

esse aspecto.

De fato, o nó da questão hoje na escola pública consiste na busca de um

ensino capaz de dar conta das diferenças de aprendizagem dos alunos para

que eles passam avançar no processo de aprendizagem e isto tem tudo a ver

com a proposta curricular e com o trabalho do professor.

Mas outros problemas parecem também impossibilitar uma ação docente mais

eficaz, na visão dos professores. Eles avaliam que o aumento dos direitos dos

discentes assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente “invadiu” os

direitos dos professores e professoras uma vez que cabe a estes tomar todos

os cuidados para não infringir as normas que dão proteção ao aluno e à aluna.

Entretanto, Arroyo (2001:31) também analisando este conflito, pela perspectiva

da não redefinição da formação profissional, destaca que com a anuência dos

centros de formação e dos profissionais teimosamente “profissionais” de suas

áreas; ficou o vácuo de um saber profissional capaz de dar conta da educação

28 Resolução 80/86, editada em 1997, durante o governo de Azeredo que instituiu o ciclo básico

90

e da formação cognitiva, ética, estética, cultural etc. da adolescência e da

juventude. Este autor, aponta a defesa que entre a legislação em vigor, voltada

para os jovens e a formação precária:

“[...] nas últimas décadas, a adolescência e a juventude se afirmaram como tempos com traços mais presentes na mídia, na literatura, no cinema e na música. Se afirmaram nos diversos espaços sociais, embora estejamos celebrando uma década do Estatuto da criança e do adolescente, lamentavelmente, os avanços sociais e culturais havidos na configuração dessas temporalidades humanas não repercutiram no perfil dos profissionais da educação, nos seus saberes e na sua formação.” (p.31)

Segundo os docentes pesquisados, os recursos utilizados pelas autoridades

educacionais para diminuir os altos índices de evasão e repetência resultaram

em normas e regulamentos que vieram facilitar, em demasia, a vida escolar do

aluno e da aluna.

O que constatamos é que não existe, por parte da escola e nem das diferentes

instâncias educacionais, um projeto que de fato trabalhe o processo de

formação docente em serviço, que possa auxiliar os profissionais na

compreensão de análises mais críticas do processo ensino/aprendizagem. Os

pacotes educacionais produzidos nos gabinetes têm sido as respostas mais

concretas às inúmeras questões demandadas pelas escolas.

Doll (1997) confirma a dificuldade da escola e dos professores lidar com o que

foge do controle:�

��

“[...] provavelmente nenhuma questão é mais importante para os professores, especialmente os professores iniciantes, do que a questão de quem tem autoridade, de quem está com o

de formação, bem como a progressão automática.

91

controle. Embora um grupo, classe ou sociedade fora de controle seja uma coisa assustadora – como o presente século demonstra tão amplamente – também é verdade que nós adotamos uma visão particular em relação ao controle, uma visão que supõe que o controle deve ser definido em termos de imposição externa.” (p.83)

3.4 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR E SUAS CONDIÇÕES

A escola em questão não tem a cultura do trabalho coletivo, não existe reunião

pedagógica e os professores e professoras se encontram apenas no intervalo

de recreio que é de 15 minutos.

Não existe um projeto pedagógico explícito. As recomendações pedagógicas

limitam - se ao conteúdo definido pelo Programa da Secretaria Estadual de

Educação, cuja referência são os Parâmetros Curriculares Nacionais; mas

alguns docentes consultam o antigo Programa para o Ensino Fundamental,

formulado em (1996 ) pela S.E.E. Nenhum profissional fez qualquer menção à

Escola Sagarana.

Essa realidade agrava-se com a ausência de discussões pedagógicas mais

aprofundadas. As “reuniões” existentes utilizam o tempo do recreio e são, em

geral, a respeito do rigor administrativo de uma legislação que em nada

contribui para formação dos docentes e discentes.

O professor e a professora pesquisados queixam-se do abandono em um

trabalho solitário e reclamam da falta de “espaço” para discutir a situação

pedagógica concreta da escola, dos alunos e das alunas. As conseqüências

92

estruturais ocasionadas pela inexistência de um projeto explícito de trabalho, é

assim interpretada por Dalben (1992):��

“[...] a organização do trabalho escolar tem-se apresentado como um fator determinante nas relações estabelecidas entre professores X alunos X conteúdos escolares. Entendendo como organização do trabalho escolar as condições objetivas presentes no cotidiano da escola estas acabam determinando a forma de relação dos sujeitos com o seu objeto de trabalho. Nesta perspectiva pode-se afirmar que muitas vezes a organização do trabalho coloca-se acima dos sujeitos que nela vivem o seu cotidiano.” (p.31)

Durante o período de observação constatamos a precariedade de recursos

materiais e pedagógicos, questão que tem sido motivos de queixas por parte

tanto dos docentes quanto dos discentes.

As aulas são desenvolvidas em salas com paredes pouco conservadas e conta

basicamente com um quadro negro, giz e apagador. Essa precariedade “exige”

que o professor e a professora reafirmem a cultura do livro didático.

A escola oferece poucas opções de recursos pedagógicos. Existe uma sala de

vídeo onde os alunos são levados esporadicamente, os filmes são locados

pelos docentes e as cópias xerográficas têm que ser custeadas por eles.

Os docentes queixam-se das dificuldades no cotidiano, afirmam que é difícil

enfrentar, no dia-a-dia, a falta de recursos materiais. O salário baixo, recursos

humanos mal distribuídos ou espaços físicos mal adequados, além da falta de

assistência aos alunos e alunas que apresentam problemas, foram apontados

como dificultadores para um trabalho pedagógico de qualidade.

As condições físicas e materiais do trabalho do professor e da professora

apontam para uma prática transmissiva, onde os docentes são considerados�

comunicadores do saber.

��

93

O profissional do ensino, mais disposto a despertar seus alunos e alunas para

uma constante construção do conhecimento, muitas vezes se vê impedido de

acompanhar e estimular o uso de recursos tecnológicos mais avançados. Em

alguns casos sentem-se constrangidos ou pelo desinteresse dos alunos e

alunas ou pelo desestímulo recebido dos colegas.

3.5 AUTONOMIA DO PROFESSOR E DA PROFESSORA

Embora a escola pública tenha inúmeras questões a resolver, o professor e a

professora analisam que as lacunas estruturais não interferem na autonomia

docente. Estas argumentações foram constatadas na observação das práticas

e nas entrevistas formuladas. O professor de História assim define autonomia

em relação o trabalho pedagógico:

“[...] autonomia é a capacidade de você mesmo conseguir explorar a realidade da sala de aula em proveito da melhoria da educação, em proveito do aluno a nível, da inserção dele na sociedade”. (Professor de História)

Ele considera que a autonomia do professor vem preencher a lacuna da

inexistência de um trabalho coletivo. Ele atribui aos docentes a

responsabilidade pelo compromisso político de ser professor

:

��“[...] eu acho que o professor tem autonomia na sala de aula

para definir o conteúdo, apesar do plano político pedagógico

estar em cima dele, vindo do estado de cima para baixo, se

aquele professor não tem um grupo que discuta com ele, ele

tem autonomia para dar o que quiser. Ele pode dar História,

94

pode não dar História ele pode dar o conteúdo que quiser tem

esta autonomia que eu acho que deve estar ligada à

responsabilidade.” (Professor de História)

Temos, entretanto, que ter um olhar crítico para essa questão porque a

definição de autonomia aqui apresentada tem um enfoque negativo, a medida

que trata de uma estrutura escolar isolacionista e que tende a transformar

cada docente num solitário no sentido de planejar suas ações, analisar

situações pedagógicas, refletir sobre objetivos de ensino e até mesmo avançar

nas práticas reflexivas.

Fiorentini, et al (2000) destacam os dois extremos da ação dos docentes

quanto às inovações curriculares:

“[...] o papel atribuído ao professor do ensino fundamental e médio, nos processos de inovação curricular, tem oscilado, historicamente, entre dois extremos: num, o professor vê-se reduzido à condição de técnico que apenas toma conhecimento, por meio de cursos de atualização, do que foi produzido/pensado pelos especialistas; noutro, temos o professor que luta por autonomia intelectual/profissional que o habilite a atuar como agente ativo/reflexivo que participa das discussões/investigações e da produção/elaboração das inovações curriculares que atenda aos desafios socioculturais e político do seu tempo.” (Fiorentini p.310)

Para que a escola, através do currículo, possa ajudar na tarefa de desvendar

as manifestações ideológicas não explícitas que estão presentes em seu

interior e na sociedade, é importante que os profissionais avancem na

perspectiva da construção de um projeto pedagógico que permita aos sujeitos

usarem mecanismos que facilitem a visão crítica de suas mensagens.

95

A professora de matemática explica autonomia como algo auto sustentável, ou

seja, aquilo que não depende dos outros ou melhor, independência. Ela

confirma o caráter de independência com a seguinte reflexão:�

��

“[...] se o professor se acomoda, se ele não tem consciência de que ele é educador, que ele precisa fazer alguma coisa, que ele tem uma geração que está sendo formada, que ele precisa passar alguma coisa, ele não passa nada. Porque ele não é cobrado pela a escola, pelo estado ou por ninguém; o estado não cobra nada. O estado está cheio de profissionais péssimos, que não fazem nada, muitos são efetivos, não vão perder o cargo; outros são contratados.” (Professora de Matemática)

Embora faça essa análise, ela relativiza a amplitude de suas ações:

“[...] eu como professora tenho autonomia de fazer o planejamento e discutir o que eu quiser. Mas na verdade você tem que cumprir um cronograma de conteúdo, nem sempre você tem de cumprir obrigatoriamente este programa, pois na hora que você esta desenvolvendo o conteúdo você vê o que é necessário”. (Professora de Matemática )

Apesar de todos os limites de uma prática docente mais autônoma e a tentativa de controle dos professores e professoras pelas instituições, percebemos que esse controle não é total, esses profissionais mantêm margens de autonomia em relação à sua profissão.

Freire (1998) realça que a autonomia está intimamente relacionada com a

experiência dos sujeitos e que o respeito à autonomia e à dignidade é um

imperativo ético e não um favor que podemos conceder uns aos outros. Para

ele:

��

“[...] a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. Ninguém é autônomo primeiro, para depois decidir, a autonomia vai se

96

constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.” (p.66)

Acreditamos que são vários os fatores que permitem aos docentes, em suas

prática,s se apropriarem mais ou menos de sua autonomia. Acreditamos que

os diferentes tipos de atuação ocorram em virtude das diferentes condições

sócio históricas individuais a que foram sujeitos, ao longo de sua prática

docente. Parece-nos correto afirmar que essas formas de controle e autonomia

se modificam ao longo da trajetória e da prática profissional dos professores e

das professoras.

3.6 SELEÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES

Os programas “oficiais” adotados na escola investigada são estabelecidos

pelos governos do Estado e Federal através da Escola Sagarana29 e dos

Parâmetros Curriculares Nacionais respectivamente. Entretanto, no âmbito

dessa escola não se faz menção a ambos pois poucos profissionais os

conhecem e o professor e a professora pesquisados “só ouviram falar”. O que

constatei é que o programa oficial desenvolvido em sala de aula concretiza via

o livro didático, ao qual os docentes não se preocupam em manter fidelidade.

Apple (1999), referindo-se a esta veiculação de um currículo prescrito, via os

livros textos observa:

“[...] é fundamental percebermos que já temos um currículo nacional, com a diferença de que o nosso é determinado pela complicada inter-relação entre as políticas de adoção de livros didáticos do Estado e o mercado editorial que publica esses livros.” (p.63)

29 Política Educacional constituída por um conjunto de planos e atitudes implementada no Estado de Minas Gerais à partir de 1999. “ Caderno Nº 1 Escola Sagarana “

97

Encontramos na escola a forma mais tradicional de organização do conteúdo: o

modelo disciplinar. O conhecimento disciplinar, segundo Santomé (1998),

apresenta um conjunto de disciplinas justapostas, na maioria das vezes de

forma bastante arbitrária.

��

O referido autor complementa que nesse modelo os alunos e alunas costumam

considerar os conteúdos escolares como um elemento a mais a ser consumido.

Os alunos e alunas apontam a necessidade de um novo significado para os

conteúdos conforme depoimento de um aluno:

“[...] eu acho que a escola deveria aprofundar nos conteúdos mais práticos: isto é porque na 1ª a 4ª séries a gente passa muito rápido pelos conteúdos. Se eu pudesse manteria alguns conteúdos que são dados hoje, mas eu reforçaria as quatro operações, ou então aqueles que os alunos iriam de fato usar.” (Aluno 8ª E)

Nessa direção, entretanto Apple e King (1983), citados por Santomé (1998), advertem que:

“[...] os conhecimentos, tanto o manifesto como o encoberto, que se encontram nos ambientes escolares, bem como os princípios de seleção, organização e avaliação destes conhecimentos, constituem opções dirigidas por valores dentro de um universo muito mais extenso de possíveis conhecimentos e princípios de seleção.” (p.38-39)

O professor de História revelou que a seleção dos conteúdos com os quais

trabalha é feita através de diferentes livros e de questões cotidianas. Ele ainda

avalia que existem outros conteúdos que devem ser trabalhados pela escola,

98

que vão além daqueles que estão prescritos; e que o trabalho interdisciplinar

tem que estar presente nas práticas pedagógicas. Ele assim expressa o seu

pensamento:

“[...] eu não acho que é só o conteúdo que vale neste mundo globalizado. O conteúdo não interfere tanto, tem que se ter uma base do conteúdo, mas temos que estar mais preparados para lidarmos com várias situações diferentes. Não adianta o professor só pegar o livro e tentar cumpri-lo do início ao fim, passar o texto sem que os alunos consigam captar nem a metade disso”. (Professor de História)

�Santomé (1998), utilizando conceito do currículo oculto, aponta alguns

pressupostos que contemplam uma seleção embasada na teoria crítica de

currículo. Segundo ele é preciso analisar o conhecimento selecionado, ver a

que interesses ele serve, que linha científica representa. É preciso analisar,

também, as ausências temáticas, os temas ou parcelas da realidade que são

ocultados, pois também se ensina através daquilo que se oculta.

Nessa perspectiva a decisão sobre o que e como ensinar deveria levar em

conta o que a sociedade quer e demanda daquele sujeito, o que esse

conhecimento particular requer para ser ensinado e o que os alunos e alunas

estão em condições de aprender de acordo com seu desenvolvimento.

À concepção acadêmico–escolar tradicional é atribuída a responsabilidade de

ter depositado na lógica interna das disciplinas o peso fundamental na

organização do currículo. Em termos operativos, o problema central do

currículo se coloca em relação à seleção, organização, apresentação e

seqüência do conhecimento.

99

Na escola pesquisada a organização curricular é rigidamente estabelecida por

bimestres, com uma superficial distribuição eqüitativa pela “grade”. Os

docentes em sala de aula orientam-se de forma parcial pelos livros didáticos.

Apple apud et al (1989) recomenda que se examinem adequadamente as

contradições entre forma e conteúdo nos materiais curriculares de modo que se

possa descobrir o que está presente e o que se está ausente no conteúdo. Que

estruturas fornecem parâmetros para as possíveis leituras, que dissonâncias e

contradições existem em seu interior que podem proporcionar leituras

alternativas e as interações entre o conteúdo e a cultura vivida pelo aluno.

Os conteúdos curriculares, prescritos pelo livro didático, sofrem alterações em

sala de aula, em diferentes aspectos. Na escola em questão foi necessária

uma reorganização desses conteúdos em função da greve que se iniciou no dia

05 de maio e só terminou no dia 26 de junho. Em decorrência desse fato a

organização do tempo foi assim constituída:

1º) bimestre – fevereiro, março e abril

2º) bimestre maio, junho, julho agosto

3º) bimestre – setembro e outubro

4º) bimestre novembro e dezembro

Os meses de maio e junho aparecem nos dados da escrita escolar para o

cumprimento dos aspectos “legais “. O nosso trabalho de campo teve início no

mês de agosto, portanto no segundo bimestre. A “grade” curricular para a 8ª

série estava assim organizada:

Português: 5 aulas;

Matemática: 5 aulas;

100

História: 3 aulas;

Geografia: 3 aulas;

Inglês: 2 aulas;

Ciências: 3 aulas

Educação Física: 2 aulas;

Espanhol: 2 aulas.�

Segundo Arroyo (2001:212), nas mais diferentes esferas educacionais, existem

aqueles ou aquelas que resistem a toda inovação. Protegem-se como podem.

Para ele esse é um dos sentidos das “grades”, proteger os saberes escolares,

as disciplinas e os seus docentes da contaminação dos questionamentos sobre

os valores e saberes sociais.

Ele avalia que os PCNs, quando propõem a discussão dos temas da

atualidade, refletem essa função d preservação dos saberes escolares e que a

hierarquia de conteúdos e de docentes30 refletem valores que estão sendo

questionados pela sociedade.

Embora as instâncias educacionais não estejam sensíveis às dimensões

formadoras, alguns docentes sim, pois na verdade a seleção e a distribuição

dos conteúdos nas salas observadas, estão ligadas às questões de

organização estrutural do tempo escolar, disciplina ou indisciplina dos alunos e

alunas e às contínuas ausências e greves de professores e professoras, mas

sobretudo,a um olhar muito atento dos profissionais, às necessidades de seus

alunos e alunas.

30 A hierarquização de conteúdos e docentes expressa-se pelo teor valorativo que se atribuí as diciplinas. Esta concepção tem reflexos na organização da “grade” curricular influenciando na distribuição dos tempos e nas escolhas dos chamados horários nobres pelos docentes.

101

Através da interpretação das informações obtidas durante a permanência no

campo, onde detectamos a concretude do cotidiano e das práticas escolares,

nos remetemos a Ezepeleta & Rockwell citados por Dayrell (1986:58)�

“[...] o cotidiano das escolas vive uma lógica não percebida pelos burocratas e mesmo pela pesquisa acadêmica, na qual entre o prescrito e o realizado há um abismo que separa o documentado e o não documentado.” (p.58)

3.7 AVALIAÇÃO

Embora os docentes insistam em fazer sobressair, ao menos nos discursos,

práticas de concepção progressistas, os instrumentos de avaliação ainda

permanecem tradicionais ou seja, os recursos utilizados pelo professor e pela

professora são provas escritas, exercícios e pesquisas. Não existe nenhuma

discussão na escola, em relação à concepção crítica da avaliação31. A

professora de matemática faz críticas a proposta de avaliação da escola:

“[...] em relação a avaliação a única coisa que a escola fala é o seguinte: olhe, o bimestre vale tantos pontos, só isto. A escola, também baseada em seu regimento, diz que nenhuma prova pode valer a metade do bimestre. No final do ano tem uma prova valendo 100 o professor pode dar somente uma prova ou prova e trabalho. (Professora de Matemática)

31 Por concepção crítica de avaliação tomamos como referência o conceito desenvolvido no Programa da Escola Plural que traduz este processo como uma forma de atividade humana formadora, que tem a função básica de situar algo em um contexto amplo que permita tomadas de decisões ou criação de situações que vão levar ao desenvolvimento dos indivíduos. Nesta perspectiva ela deve ser contínua, pois tem que ser permanente no processo de aprendizagem do aluno, levantando seu desenvolvimento através de avanços, dificuldades e possibilidades; dinâmica, pois utiliza diferentes instrumentos na reflexão dos seus resultados e inclui a participação dos alunos, dos pais e de outros profissionais; investigativa, pois visa mapear dados para compreensão do processo de aprendizagem do aluno e oferece subsídios para os profissionais refletirem sobre a prática pedagógica que realizam. ( Fonte: Cadernos Escola Plural: nº 4, e 6, 1996)

102

Tanto o professor de História, quanto a professora de Matemática afirmaram ter

muita preocupação com a avaliação qualitativa. Entretanto ficou evidente que

no caso de Matemática. o peso dos aspectos quantitativos tem o mesmo valor

dos qualitativos. Ainda assim, pode-se perceber que a professora mostrou-se

muito preocupada com a linha de raciocínio dos alunos e alunas e sempre

fazia questão de explicar aquilo que eles ou elas não tinham entendido.

Segundo ela:

“[...] eu opto por provas, trabalhos e exercícios de casa. Eu só posso falar no meu caso. Eu avalio meus alunos continuamente. Faço trabalho todos os dias, neste bimestre eu dei duas provas uma valendo 7 e outra valendo 10, dei 10 pontos para os trabalhos diários; os alunos reuniam em grupo e eu os avaliava diariamente. Isto faz com que a presença seja muito boa, pois os alunos sabem que aqueles que faltam acabam perdendo notas nos trabalhos.” (Professora de Matemática)

O professor de História faz muitas críticas ao sistema de avaliação, dizendo

que ele representa só um registro para entregar à secretaria. Apesar disso

processava suas avaliações com pouco rigor pedagógico, o que muitas vezes

despertava críticas da turma. Pelo que observamos, a formação bem como ás

práticas destes docentes não são sustentadas por reflexões consistentes

relativas a um conceito crítico de avaliação.

Esta lacuna na formação dos docentes interfere na concepção mais

abrangente do ato de avaliar. Consideramos que atualmente os modelos de

avaliação são vários mas, independentemente da teoria avaliativa, eles devem

ser consistentes com o processo de ensino e aprendizagem. Reafirmamos que

a avaliação deve ser um dos aspectos da prática pedagógica fundamental no

processo de ensino e aprendizagem, tanto para os docentes quanto para os

discentes e seus pais, uma vez que ela deve estar intrinsecamente coerente

com a definição da proposta político-pedagógica da instituição.

103

É importante que o professor perceba que o ato de avaliar não deve

contemplar somente os aspectos quantitativos e qualitativos da aprendizagem

dos alunos, mas incorporar a contribuição de Freire (1983), quando reitera que

avaliar a prática é analisar o que se faz, comparando resultados obtidos com a

finalidade que procuramos alcançar com a prática. Nesse sentido a avaliação

da prática revela acertos, erros e imprecisões e a avaliação de aprendizagem

não envolve apenas o aluno, mas também o professor.

Segundo Luckesi (2000:95), é de grande necessidade que o professor entenda

que “não há como tomar decisões sem clareza de diagnóstico. Para se agir

com objetividade é preciso ter ciência da situação como ela é”.

Existe por parte dos docentes a convicção de que dentro dos limites

estabelecidos eles fazem o melhor, mas observamos que eles fazem muitos

esforços para evidenciar os discursos de um conteúdo crítico com suas

práticas pedagógicas.

A idéia de que o fracasso escolar é advindo, sobretudo, das questões

exteriores à escola como desinteresse, dificuldades familiares, de

aprendizagem e outros, é muito presente na fala dos professores . Na análise

dessa questão recorremos a Martins (1997) quando afirma que:�

“[...] existe em nossas escolas uma certa penetração da proposta pedagógica de Paulo Freire, enfatizando a relação professor-aluno como vínculo libertador e criticando a transmissão do conhecimento por ele denominada “educação bancária”. Nesta proposta, a relação professor-aluno se baseia no diálogo, em que ambos se posicionam como sujeitos do ato de conhecer. O que vem ocorrendo, no entanto, é uma mudança de discurso, sem alterar a relação pedagógica prática em que esse discurso se dá.” (p.50)

104

Existe uma diferença substancial no tempo de trabalho do professor e da

professora. Este aspecto tem grande influência nas práticas pedagógicas. O

professor conta com 2 anos de profissão, enquanto a professora trabalha

desde que formou, isto é, há 15 anos.

Parece que tempo de experiência resultante da prática adquirida no exercício

da profissão é de grande importância na autonomia dos docentes, conforme

afirma Morais (1991), citado por Giestas:

“[...] é através da prática docente que esse se molda como professor. A profissionalização, através da prática no magistério, constitui o terceiro estágio qualitativo na formação e profissionalização do professor, quando este tem condições de sintetizar e globalizar as influências anteriores sobre sua educação derivando daí, gradualmente uma forma característica de agir.” (Giesta 2000:102)

Observamos que as opções adotadas pelos docentes em sala de aula,

estavam relacionadas ao tempo de experiência, que moldam o perfil do

profissional.

Contribui para essa compreensão um estudo desenvolvido por Hubermam

(1992), que analisa o desenvolvimento da carreira docente, faz uma divisão

desta em ciclos de vida, estruturado pelo tempo, classifica os profissionais com

1 a 3 anos de profissão, como aqueles que estão entrando na carreira e que,

muitas vezes, esta entrada é marcada pelo choque do real, determinado pela

complexidade da situação profissional e pelas dificuldades em dar respostas

aos alunos.

Para os docentes que estão entre 7 e 25 anos, esse tempo, segundo este

teórico, é caracterizado por alguns pelo ativismo e experimentação. Pois, nesse

105

estágio esses profissionais tomam mais consciência dos condicionantes

institucionais, empenham-se mais efetivamente na inovação, contestam as

deficiências do sistema, procuram novos desafios e aspiram cargos que lhes

permitam assumir maior autoridade e responsabilidade. Esse mesmo ciclo

pode ser o reverso das características acima apontadas, ou seja, pode-se viver

crises existenciais ou profissionais, ou estabelecer a monotonia, o

conservadorismo como modo de ação.

Destacamos, entretanto, que tanto a competência técnica na área de formação

do docente (que não significa só conhecer bem os conteúdos), como também o

domínio de diferentes metodologias, (para que se possa escolher a mais

adequada ) são necessários a um ensino de qualidade. No entanto, não

podemos esquecer dos outros fatores limitativos, por parte das políticas

governamentais, que muitas vezes excluem a participação dos docentes e da

organização da escola que deveriam assegurar o trabalho pedagógico coletivo

e as condições físicas e materiais para o desenvolvimento dessas atividades.

Detectamos que a professora de matemática tem um perfil mais dinâmico, faz

duras críticas ao sistema educacional, muitas vezes sob um discurso frágil no

tocante ao aspecto político. Entretanto, secundariza as dificuldades internas e

externas, apoiada pela sua maturidade e experiência o que dá segurança tanto

à turma quanto à escola.

A postura do professor de História não só se enquadra no tempo daqueles

profissionais que estão entrando na carreira (pois só tem um ano de formado

e dois na profissão), como o seu perfil também. Observamos que embora ele

tenha uma formação que o instrumentaliza para uma leitura mais eficaz da

realidade social, ele, muitas vezes, ficava inseguro diante das questões mais

corriqueiras que exigem sua intervenção.

106

Reconhecemos que o tempo de serviço e a experiência constituem aspectos

essenciais nas práticas escolares, entretanto, realçamos a necessidade de

uma revisão profunda na análise não somente dos conteúdos e métodos

utilizados mas também das atitudes que tanto os docentes quanto os

estudantes têm perante as disciplinas, com a finalidade de desenvolver o gosto

e o prazer por sua aprendizagem e aplicação.

��

��

107

4 O LIVRO DIDÁTICO COMO MAPA CURRICULAR

Neste capítulo analisaremos o significado que o livro didático assume na

prática docente escolar, constituindo-se em um dos principais canais

curriculares com grande influência na determinação da seleção dos conteúdos

escolares.

Pretendemos, ainda, discutir a relação dos sujeitos na produção do saber

escolar através deste “recurso didático”, pois, historicamente, o uso do livro

didático tem sido efetivo no currículo em ação apesar das inúmeras críticas

registradas sobre o mesmo.

Não podemos compreender o ritual das aulas sem analisarmos a centralidade

que o livro didático assume no trabalho docente. Sabemos que esse recurso

passa a cumprir uma parte do trabalho do professor e da professora no

processo pedagógico, quanto à organização ao planejamento do ensino.

É pública a constatação de que o conteúdo escolar, determinado no currículo

prescrito, alcança a escola através do livro didático. Esse conteúdo que

obviamente foi selecionado por alguém, ao ser transportado para sala de aula,

pode estabelecer conflitos pois muitas vezes, esta seleção desconsidera os

saberes de seus usuários.

Segundo Geraldi, C. (1993), é possível a “adoção” do professor pelo livro

didático, e isso retiraria das mãos do docente, o controle do processo

108

pedagógico, evidenciando, desta forma, a tradução de um currículo, cuja

expressão teórica representa o paradigma técnico linear.32

Essas reflexões também analisadas por Mazzotti (1986) e citadas por Geraldi

(1993), evidenciaram através de um estudo sobre o livro didático, que o uso

desse recurso não só determina a direção do processo pedagógico, como

também define o seu significado político:

[...] o livro didático representa para o magistério, a passagem do trabalho artesanal para o trabalho fabril, na medida em que constrói uma expropriação peculiar do professor na condução e controle do processo de produção escolar.” ( p. 10)

Nas observações da escola e da sala de aula, encontramos um cenário

propício para confirmar essa dependência, isto porque o esquema organização

estruturado para que as atividades escolares rotineiras pudessem ser

realizadas, se baseia em um sistema de leis, normas e regulamentos que

controlam as ações de todos os sujeitos que atuam no espaço escolar.

Ao observarmos a ação do professor e da professora, constatamos que, ao

assumirem suas atividades escolares, encontram uma série de formalidades

burocráticas para serem cumpridas. Essas responsabilidades vão desde a

elaboração de um documento no qual deve ser registrado o planejamento da

disciplina, até as rotinas formais diárias como, por exemplo, o preenchimento

do diário, a assinatura do livro de ponto e de todas as demandas que

perpassam a relação professores e professoras, alunos e alunas.

32 Paradigma de uma teoria curricular que tem como pressupostos o controle técnico da aprendizagem através da ênfase nos objetivos, estratégias e controle da avaliação.

109

Como as situações referentes à prática diária dos docentes não são recortadas

em segmentos, pois as demandas acontecem simultaneamente às suas

precárias condições de trabalho / salário elas exigindo dos mesmos uma

racionalização das atividades pedagógicas que pode se concretizar através da

utilização do livro didático.

No entanto, constatamos que a subordinação do professor e da professora ao

livro didático é parcial, porque em sala de aula os sujeitos se fazem singulares

e a utilização desse recurso pedagógico é submetida à mediação docente.

Em nossas observações, constatamos que existem construções próprias e

peculiares, que autorizam o professor e a professora a fazerem uma nova

seleção, organização, inclusão ou exclusão dos conteúdos, caracterizando uma

nova escolha, interferindo, dessa forma, na absorção de uma proposta

curricular homogeneizadora.

4.1 PROTAGONISMO DO LIVRO DIDÁTICO NA DEFINIÇÃO DOS CONTEÚDOS

ESCOLARES

Enquanto recurso didático, recurso de apoio da ação docente, o livro didático

não se constitui em um fenômeno recente, que existe para oprimir professor e

aluno impedindo-os de realizarem a construção do conhecimento.

Na Grécia, Platão aconselhava o uso de livros de leitura que auxiliassem na

seleção dos conhecimentos que um indivíduo deveria saber segundo Magda

Becker Soares (1996). Mas é importante ressaltar que a essência e o

significado, bem como a utilização desse recurso didático naquele período da

história não tinha a mesma representação que tem nos dias atuais.

110

Um dos primeiros livros-texto escrito em 1658, foi de autoria de Juan Amós

Comenio. Ele era ilustrado e conforme argumentava o autor, além das

recomendações didáticas deveria facilitar a compreensão das informações

escritas e sua aprendizagem para os leitores. Destacava-se também como

objetivo desse livro um ensino sem esforço e sem tédio cuja obra deveria

abordar o mundo real. Essa obra foi utilizada por dois séculos como recurso

didático. Santomé, (1998:153).

Historicamente, não podemos ignorar a influência das igrejas católica e

protestante (a partir do século XVI), como uma das principais instituições

responsáveis pelo aparecimento dos livros-texto. Com a difusão dos

catecismos, as duas doutrinas, no afã do proselitismo e do controle, editavam

cartilhas de seus conteúdos doutrinários, imprimindo na educação uma

perspectiva instrumentalizadora da evangelização e do cristianismo.

Nas análises que têm sido produzidas sobre o livro didático são evidenciados

ângulos diferenciados. Isto se explica porque os questionamentos, as

interpretações e as avaliações sobre esse recurso pedagógico têm apontado

os seguintes aspectos:

1º) a questão pedagógica (que avalia a qualidade, a correção e que discute e

orienta a escolha e o seu uso).

2º) a questão política (que formula e direciona processos decisórios de

seleção, distribuição e controle).

3º) a questão econômica (que fixa normas e parâmetros de produção, de

comercialização e de distribuição).

111

Também podemos ampliar essa visão, recorrendo à análise da concepção

tradicional que distingue os livros-texto através dos seguintes objetivos:

1º) como recurso escrito editado para o uso exclusivo de alunos e alunas.

2º) com a finalidade de serem utilizados nas escolas e dirigidos ao corpo

docente.

Avaliamos que esses objetivos têm que ser reexaminados através de novas

reflexões, pois na realidade o que temos observado é que os docentes são os

primeiros a terem acesso a esse recurso didático no interior das escolas, e é

atribuída a eles a competência de definir qual o livro-texto e qual a editora com

os quais pretendem trabalhar, excluindo dessa a participação dos alunos e

alunas.

Por outro lado, não existe por parte das editoras, dos autores e das autoras

nenhum cuidado com a criação de suas obras, pois as mesmas cumprem

uma exigência mercadológica que determina a confecção de um produto que

possa ser vendido ao maior número possível de professores e alunos.

Nessa perspectiva, os textos selecionados para um livro-texto, acabam por

contribuir de forma parcial ou não, com a missão de tornar realidade ás funções

que professores e professoras acreditam que a escolarização deve

desempenhar, distanciando-os, dessa forma, dos lugares concretos no trabalho

com os alunos e alunas.

Durante o período de observação, presenciamos uma relativa autonomia do

professor e da professora quanto à necessidade de ensinar determinados

conteúdos/conhecimentos para seus alunos e alunas.

112

Como neste trabalho discutimos a “Seleção dos Conteúdos Escolares da

Prescrição à Ação Docente”, concentramos nossa análise nos aspectos

políticos e nas reflexões de como esse recurso didático é visto e utilizado em

sala de aula pelo professor e pela professora. Procuramos focalizar pois as

seguintes questões:

1º) Se o sentido e o significado do livro didático foi alterado no decorrer das

aulas, em que medida essas alterações influenciam na relação dos sujeitos

com a produção do saber escolar?

2º) Qual a importância do sentido e do significado construído pelo professor e

pela professora a partir da seleção e reconstrução dos conteúdos das

disciplinas investigadas?

Para discutirmos essas questões precisamos resgatar as discussões sobre o

controle exercido pelo estado em relação à política do livro didático e aos

problemas pedagógicos que cercam sua elaboração.

Em termos políticos constata-se que, no Brasil, é histórica a pouca participação

de instituições fora do Estado que tenham influenciado a formulação, e o

redirecionamento do processo de escolha do livro didático.

Em decorrência disso, podemos dizer que essa é uma política estatal, que tem

se sobreposto às instituições influentes como a igreja, as editoras, as

associações científicas, os sindicatos, o mercado livreiro e as organizações de

pais e alunos.

Esse dado se confirma também com a verificação, de que nem as editoras,

que concentram o poder econômico deste mercado tem controle desta política,

113

ao contrário, elas se mostram tímidas em suas intervenções não tendo

influência quanto à seleção de conteúdo e, até mesmo, quanto à distribuição

desse recurso didático Freitag et al,(1989).

Essa seleção definida pelo Estado tem camuflado o “caráter de

obrigatoriedade” de certos conteúdos culturais que devem ser desenvolvidos

nos diversos cursos, ciclos e níveis do sistema educacional.

Essa função é remetida para os autores, para as autoras ou para as editoras,

que acabam por oferecer os seus livros-texto como um produto que não pode

ser alterado.

Segundo Sacristan (1994), citado por Santomé (1998), essa crença tem o

reforço das campanhas publicitárias, que visam convencer os docentes, de que

os temas contidos nas publicações seguem o programa oficial aprovado pelo

governo de plantão. Tornou-se elemento comum nos registros deste recurso

didático encontrarmos a seguinte observação: “Este livro está de acordo com

o programa oficial”. Situação idêntica é presenciada no Brasil com o

atrelamento do livro didático aos PCNs.

Esse teórico, ainda confirma a relação intrínseca entre poder e saber:

“[...] os livros-texto são, portanto, o meio de produzir aquilo que é considerado cultura valiosa, o “capital cultural” possuído pelas classes e grupos sociais que controlam esferas de poder, porém também significam uma grande fonte de riqueza em termos econômicos.” (p.162)

Essa situação difere da de outros países que na prática utilizam instâncias

mistas como comissões de cientistas, pedagogos, técnicos de editoração,

114

associação de pais e mestres, organizações de alunos, na formulação da

política decisória do livro didático e isto abrange desde a definição do conteúdo

até a forma de organização da distribuição.

Também nesses países é explícito o atrelamento das políticas curriculares

definidas pelos Ministérios da Educação, aos livros didáticos, o que equivale a

dizer que os governantes assumem explicitamente a defesa de suas propostas.

SACRISTAN (1994) argumenta que os materiais curriculares são os meios

pelos quais o Estado recorre para garantir o seu controle e vigilância das salas

de aula e das instituições de ensino e que a mediação relação realça a

dependência aos sistemas hegemônicos em cada sociedade.

4.2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL

Durante a ditadura Vargas, no período do Estado Novo, em 1938, é criada a

Comissão do Livro Didático. Ela surge no rol de medidas de controle ideológico

da política do Estado Novo. Freitag et al (1989).

O então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, assim justificava essa

decisão político ideológica que permeava o sistema educacional:

“[...] a educação, longe de ser neutra, precisa tomar partido melhor, partir de uma filosofia e seguir uma escala de valores, ela precisa ser conduzida pelas diretivas morais, políticas e econômicas do sistema que representa as bases de nossa nação e que por isso mesmo está sob a proteção, o controle e a defesa do Estado”. (Ministério da Educação e Saúde, 1937:9).

115

Nesse cenário fica caracterizada a política ideológica do livro didático

estabelecida na Era Vargas. Semelhante concepção é empregada no período

em que o Brasil esteve sob o regime militar.

Nessa perspectiva, destacamos os acordos entre o MEC/USAID que

autorizaram a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático-(COLTED) a

elaboração de cartilhas e livros didáticos, cujos conteúdos, forma e

fundamentação psicopedagógica eram emanadas das orientações de

assessores educacionais americanos. Essas orientações reforçavam o

controle ideológico dos materiais de ensino, definindo, dessa forma, os

conteúdos curriculares dos livros didáticos.

É indiscutível a influência dos livros didáticos no processo de formação dos

sujeitos. Uma expressão dessa influência é representada pelas cartilhas, que

ao longo da história da educação, vêm tendo um papel de destaque tanto no

aspecto pedagógico quanto em relação ao seu tempo de utilização.

Por exemplo, algumas cartilhas publicadas nos anos 20 persistiram por três a

quatro décadas. A “Cartilha do Povo”, de Lourenço Filho, publicada em 1928,

teve 1716 edições persistindo até o ano de 1961. A Nova Cartilha de Mariano

de Oliveira contabilizou 2228 edições e mais de 6 milhões de exemplares.

A evidente importância desse recurso didático tem sido foco de análise de

alguns trabalhos em distintas abordagens. Sem entrarmos no mérito das

valiosas contribuições desses estudos, destacaria apenas uma das muitas

reflexões elaboradas por Paulo Freire quanto ao conteúdo das diferentes

cartilhas que “alfabetizaram” várias gerações.

116

Em relação ao processo de alfabetização, este teórico afirmava ser contra

alguns elementos desse material didático, porque eles não levavam em conta a

realidade dos alunos, abordando somente o aspecto fonético da língua e não

os seus usos.

Ele ainda argumentava que o conhecimento é organizado pelo autor, alguém

de fora e seus exercícios são de memorização, o que impede o aluno de ir ao

encontro do conhecimento e sua proposição metodológica traz um modelo

único de ensino, no qual todos têm que aprender tudo ao mesmo tempo e do

mesmo jeito.

Para esse teórico, ensinar não é transferir conhecimento, pois essa ação deve

expressar interação entre professor e aluno, pois “o ato de ensinar deve deixar

de ser um ato de ensinar alguma coisa para alguém e se transformar em um

ato de conhecer alguma coisa com alguém.” (Freire 1998:52)

Nessa perspectiva, reafirmamos a centralidade dos sujeitos no processo

ensino/aprendizagem e, conseqüentemente, relativizamos o papel que o livro

didático deve ter nesse processo.

Só a partir dos anos 60, verifica-se a redução do tempo de permanência dos

livros didáticos no mercado escolar, multiplicam-se os autores e as obras,

diminuem o número de exemplares vendidos.

O contexto de reformulação do programa e do conteúdo do livro didático no

período da ditadura, está entre o conjunto de alterações propostas pelo

governo militar, que entre outras medidas, edita o texto constitucional de 1967.

117

A política educacional que seria implantada nessa época, ampliava a

obrigatoriedade escolar de quatro para oito anos e a edição de vários decretos-

lei reformula o sistema educacional brasileiro.

A reformulação proposta baseada no modelo norte americano era defendida

pelos dirigentes militares brasileiros com o argumento de que o modelo francês

de educação desenvolvido no país, tinha politizado excessivamente os alunos.

Constatamos que, a política do Livro Didático sempre esteve voltada para

população de baixa renda. Durante o governo militar é colocada ênfase no

caráter assistencialista desse programa. Esse mesmo caráter político é

retomado no período da Nova República e atualmente.

De acordo com diferentes estudos, durante os últimos vinte anos, o setor

livreiro lançou grande quantidade de livros descartáveis e de má qualidade,

prejudicando especialmente os alunos “carentes” para os quais esse recurso

didático é o único instrumento a que têm acesso.

Vários órgãos estatais, com diferentes nomes, foram criados com o objetivo de

centralizar a política do livro didático. O governo argumenta que essa

centralização tem a vantagem de racionalizar o processo de escolha, o

financiamento e a distribuição. Entretanto, estudos promovidos por Oliveira,

citada por Freitag et al (1989), detectaram problemas de todas as ordens que

burocratizam e atrasam a chegada dos livros à escola, resultando em grandes

problemas para os professores e alunos.

Segundo os citados pesquisadores, essas questões se agravam com a

possibilidade de corrupção em todo processo de organização e gestão

administrativa de um livro. Argumenta-se, ainda, que a centralização impede o

conflito ideológico.

118

Segundo Freitag, Costa e Motta (1989), a discussão sobre a política do livro

didático no Brasil pode ser analisada em dois aspectos:

1º) a regulamentação através dos decretos das leis e justificativas divulgadas

pelo governo central para regulamentar o livro didático e assegurar sua

produção e distribuição pelo Brasil.

2º) as críticas produzidas por intelectuais, políticos e cientistas a essa política

do governo. Nesse grupo está incluída a opinião dos parlamentares (deputados

e senadores) cujas discussões sobre essa questão estão registradas em atas

no congresso.

Magda Becker Soares (1996), com base em diferentes estudos, amplia esse

quadro ressaltando que os vários e não muitos olhares investigativos e

descritivos sobre conteúdos programáticos, aspectos psicopedagógicos e

metodológicos, conteúdo ideológico, que têm sido objeto das análises do livro

didático devem ser complementados por uma perspectiva sócio-histórica deste

instrumento pedagógico.

4.3 UMA NOVA POLÍTICA

Outro aspecto de valiosa importância e que merece análise aprofundada é a

introdução de uma sistemática de avaliação do livro didático, implementada

pelo MEC no ano de 1995. É somente nos anos 90, que este órgão vem

119

participar diretamente das discussões sobre a qualidade do livro escolar,

designando, em 1993, uma comissão de especialistas que deveriam responder

por 2 (duas) tarefas:

1º) avaliar a qualidade dos livros mais solicitados ao MEC.

2º) estabelecer critérios gerais para avaliação das novas aquisições.

Todos os livros inscritos no Programa Nacional do Livro Didático ( PNLD) foram

submetidos a esse processo de avaliação. Esse processo teve início em 1996.

Como resultado desse processo de avaliação a escola brasileira passa a contar

com um instrumento para escolha e adoção do livro didático: O Guia de Livros

Didáticos, que inicialmente foi implementado somente nas séries iniciais do

ensino fundamental, mas que, posteriormente, foi ampliado para todo esse

ensino.

Este manual elaborado pelo MEC, através Secretaria de Educação

Fundamental - SEF e da Fundação de Assistência ao Estudante - FAE e do

Centro de Pesquisa para Educação e Cultura - CENPEC, foi distribuído para

todas escolas públicas do país.

O Ministério de Educação e do Desporto assim justifica a elaboração deste

guia:

“[...] este Guia foi elaborado com a intenção de subsidiá-lo na escolha do livro didático, tarefa que, sem dúvida, implica grande responsabilidade. Ele é resultado de um árduo trabalho de análise e avaliação pedagógica a que foram submetidos os livros inscritos para o Programa Nacional do Livro Didático. Assim, além de orientar sua escolha, o Guia tem-se revelado um instrumento norteador para a produção de materiais didáticos, trazendo informações sobre os livros inscritos no programa e contribuindo para o processo de melhoria e qualidade do livro didático” (PNLD, 1999,p.3).

120

Este Guia evidencia um conjunto de medidas que permite aos educadores e às

educadoras avaliar o livro didático brasileiro, quanto às suas características,

funções e qualidade. Essa política de avaliação vem atender as expectativas

de estudos e investigações que desde o ano de 1970, tem denunciado a

qualidade dos livros recomendados pelos docentes e adquiridos pelo MEC.

Observamos que esse processo de avaliação, tem relações íntimas com a

elaboração e a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

Portanto, discutir essa questão é de fundamental importância porque esse

vínculo confere ao livro didático um papel de destaque no desenho da proposta

curricular da escola.

4.4 O LIVRO DIDÁTICO COMO RECURSO

Esse recurso didático representa e traduz teoricamente a visão oficial, a

interpretação autorizada dos requisitos para considerar um cidadão e uma

cidadã educados. Essa ação realça o perigo da imposição de determinados

conhecimentos, conceitos, procedimentos, valores e concepções da realidade

de forma hegemônica.

Por meio do livro-texto, as editoras buscam interpretar os conteúdos

considerados “legítimos”, transferindo-os para sala de aula, conferindo a esse

recurso didático a importância de um instrumento decisivo na legitimação de

uma determinada visão de sociedade, de sua história e de sua cultura.

121

Neste foco, talvez possamos entender as polêmicas que giram em torno de

algumas questões, tais como: manter ou rejeitar o livro didático? Defendê-lo ou

condená-lo? Qual o livro que de fato expressa a realidade e a qualidade?

Essa análise é ampla e complexa e nos exige uma reflexão que ultrapasse a

determinação de que um livro seja bom ou ruim. Sendo o livro didático um

material de apoio que o professor e a professora utilizam para exercer o

trabalho docente, poderíamos tratá-lo como recurso pedagógico. Nesta

perspectiva torna-se difícil discutir um recurso excluindo quem usufrui dele,

pois é exatamente a relação que se estabelece entre o sujeito e o recurso que

é objeto de nossa análise.

É preciso pensar como os sujeitos interagem com esse recurso didático, que

não é neutro e nem isolado da ação docente, dando ênfase à importância de

seu aspecto político e cultural, na medida em que reproduz e representa os

valores da sociedade em relação à sua visão de ciência, da história, da

interpretação dos fatos e do próprio processo de transmissão do conhecimento.

Nas discussões relativas à descentralização do livro didático encontramos

grupos cujas opiniões divergem. Esses grupos se dividem entre os que são

favoráveis ao processo de regionalização do livro didático, opinando que nesse

processo de decisão e escolha devem participar todos os profissionais

envolvidos na escola.

Existe um outro grupo que propõe que se transfira para o professor e para a

professora em sala de aula a confecção do seu próprio material didático. Nas

precárias condições de trabalho impostas aos docentes, avaliamos que temos

muitos complicadores para a consecução desse objetivo.

122

Na escola por nós observada, ficou evidenciado o uso quase constante do livro

didático pela professora de matemática em suas atividades diárias; ao

contrário, o Professor de História somente utilizava o livro de sua área de forma

esporádica. Entretanto, detectamos a autonomia de ambos quanto a utilização

desse recurso, pois os mesmos alteram, excluem, incluem e atribuem novos

significados aos conteúdos por eles selecionados.

4.5 O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA

O professor de História utiliza como roteiro de sua programação o livro didático

“História e Vida” de Nelson Pilleti. Entretanto, este livro não faz parte do Guia

do MEC. A escolha foi determinada em anos anteriores, quando a Secretaria

Estadual de Educação de Minas Gerais responsabilizava-se pelo processo de

seleção.

Esse manual didático estava em consonância com o Programa de História do

Ensino Fundamental versão 1996 proposto pela referida secretaria que ao

explicitar os seus objetivos definia:

“[...] pensou-se o ensino de História tendo por objetivo a compreensão da realidade, a partir de uma postura questionadora (...) Temas e conteúdos foram escolhidos de forma a permitir a apreensão do que no presente se dá de mais significativo no passado. Assim, o estudo de História do Brasil deve conter essa relação de mão dupla entre presente e passado. Entre várias possibilidades de percorrer esse caminho, optou-se pela trilha tensões sociais, liberdade e poder na formação da sociedade brasileira, na sua inserção na história internacional e na sua relação com outros povos e culturas.” (Fonte: Programa de História, Volume I, p.29 SEE,1996)

123

Apesar do que se proclamava no Programa de História da SEE, existem

obstáculos a vencer para se conseguir o objetivo proposto, entre eles a

transposição didática33. Essa transposição não é tarefa simples e mecânica,

pois esse processo não esta relacionado somente com o trabalho seletivo dos

conteúdos com a também na definição de valores, objetivos e métodos, que

conduzem o processo de ensino.

O professor observado por nós classifica o livro didático utilizado por ele como

factual, sintético, pouco reflexivo e que dá ênfase às datas históricas e aos

personagens.

Em um estudo desenvolvido por Souza (1997), na análise do referido livro

didático adotado pelo professor, constatou se discrepância quanto às

denominações utilizadas para apresentação dos capítulos e tópicos e as

ditadas pelo currículo oficial , fato este que é atribuído às características

resultantes de sua formação, que os autores de livros didáticos preservam,

mesmo tentando seguir de perto as sugestões do currículo oficial.

Esta advertência nos permite concluir que os livros-texto não se limitam a fazer

referências aos conteúdos obrigatórios legislados pelo governo, mas também

os interpretam e adequam até compatibilizá-los com os interesses pessoais e

às modas pedagógicas do momento. O livro, cujo conteúdo é muito extenso,

não foi esgotado. Entretanto o professor selecionou os temas considerados

essenciais para trabalhá-los com a turma. O desdobramento dos capítulos

temáticos dos conteúdos proposto no livro da 8ª série, apresenta os seguintes

tópicos:

124

• Capítulo 1 Vencida a ditadura do Estado Novo, voltam as eleições e o povo

conquista alguns avanços

• Capítulo 2 Os militares impõem nova ditadura, anulam as reformas e

submetem o país à mais violenta repressão.

1. O golpe de 1964

2. Castelo Branco, primeiro ditador militar, abre o jogo

3. Com Costa e Silva o jogo endurece

4. Mas é no governo de Médici que a violência chega ao máximo

5. No governo Geisel tem início a abertura política

6. E com o general Figueiredo a ditadura militar chega ao fim

• Capítulo 3 Finalmente, o povo reconquista a liberdade e caminha para a

democracia

• Capítulo 4 Enquanto isso, a riqueza de poucos continua provocando a

miséria de muitos.

• Capítulo 5 No campo, os trabalhadores lutam pela terra

• Capítulo 6 Na cidade grande, o povo procura trabalho, salário justo e

melhores condições de vida

• Capítulo 7 No campo e na cidade, a cultura apresenta várias visões do

Brasil

• Capítulo 8 Nosso país se relaciona com outros países

• Capítulo 9 Muitos brasileiros tentam mudar nosso país por meio da

participação democrática

Outro dado relevante se refere ao fato de que o professor de História não

participou da escolha do livro utilizado, isso porque, na condição de contratado,

33 Conjunto de transformações adaptativas pelas quais um conteúdo do conhecimento passa e que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os objetos de ensino. Pais (2001, p.19)

125

só chegou à escola depois que essa decisão havia sido tomada. Essa questão

foi assim explicada por ele:

“[...] eu sou contratado, cheguei na escola depois, portanto os professores já haviam escolhido o livro de História. Eu não gosto dele, mas tenho que usá-lo porque alguns professores acham que ele é bom pois foi usado o ano passado. Se eu pudesse escolheria outro livro, como não posso eu o utilizo menos e tenho outros materiais.” ( Professor de História)

Esse fato com certeza traz sérias implicações pedagógicas, pois na relação

alunos-conhecimento-professor, este último atua como mediador da produção

dos saberes escolares. Assim, é muito importante a avaliação que os docentes

fazem sobre o recurso didático que vão utilizar, relacionando-o com os seus

objetivos. Esta avaliação do professor, por certo não é captada pelas

instâncias que propagam os diferentes mapas curriculares é assim analisada

por Santomé (1998):

“[...] os livros-textos, assim como qualquer outro recurso didático, são produtos políticos, como ressaltam as numerosas pesquisas realizadas tanto neste como em outros países (Torres Santomé,J.,1991; Apple,M.W., 1989; Johnsen, E.B.,1993). Estes recursos pretendem estipular atitudes com relação ao mundo no qual estamos inseridos, e apoiam e defendem determinadas concepções e teorias sobre como e por que a realidade é como é, sobre de que maneira, quem, quando e onde podemos intervir.” (p.169)

Entretanto, as instâncias responsáveis pela política desse recurso, sustentam

que um dos objetivos básicos na escolha do livro didático pelas escolas é o de

melhorar e adequar os recursos que dão sustentação à aprendizagem escolar.

126

4.6 INTERAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA COM O LIVRO DIDÁTICO

Observamos que o professor ao utilizar o livro, altera a seqüência do conteúdo,

para inserir algumas questões da atualidade. Ele determina como atividade

complementar extra-classe a pesquisa. Percebemos nesse processo uma

fragilidade metodológica nas orientações. O que propicia aos alunos e alunas a

oportunidade de recorrerem aos computadores para cópias dos temas

pesquisados.

Em sala de aula, presenciamos o desenvolvimento de diferentes conteúdos,

entretanto selecionamos o tema “Nova Ditadura no Brasil” porque sua

introdução coincidiu com o início do trabalho empírico.

O conteúdo desse bloco relata o período da ditadura militar, em um texto que

destaca diferentes fatos da história brasileira após o golpe. A linguagem

utilizada é muito clara e com várias ilustrações de gravuras ou fotos que

identificam o movimento desse período.

Os autores do livro (Pilleti & Pilleti ) utilizam narrativas diversificadas e isto

resulta em excesso de informações que são bem elementares. Nas atividades

sugeridas estão letras de músicas, sugestões de filmes, leitura do texto em

pequenos grupos, pesquisas diversas, elaboração de slogan, interpretações de

frases, debate, reflexão, expressão plástica e “questões de estudos” que,

apesar desse nome, se reduz ao tradicional questionário.

127

Souza (1998)34, ao analisar este livro didático de História lembra que:

“[...] Ao enfatizar e caracterizar o processo histórico brasileiro, por meio de recursos jornalísticos, tentando talvez uma história presencial, os autores propiciaram a tomada do viés ideológico como pano de fundo que ocultaria outro problema mais sério: a precariedade e dificuldade da transposição didática no ensino de História afinado com a produção historiográfica corrente.”(p.302)

Essa educadora complementa suas reflexões teóricas argumentando que a

produção historiográfica, as propostas curriculares que se pretendem

inovadoras e o livro didático que viabiliza a transposição do conteúdo produzido

nos circuitos de pesquisa para o cotidiano da sala de aula, podem trazer sérios

problemas não só de ordem didático-metodológica, como também de natureza

político-ideológica.

Nesse sentido,o ela ressalta que: “É preciso se apossar de novos códigos

lingüísticos, novos códigos de pensamento e de uma nova filosofia da História”.

Á partir dessa reflexão torna-se importante discutirmos sobre os processos de

constituição do conhecimento escolar, analisando as formas por meio das

quais a escola se apropria de diferentes saberes, transformando-os em

saberes escolares.

Tomamos como referência ás reflexões produzidas por Lopes (1997), que

analisa o conhecimento escolar como sendo um conhecimento imerso na

contradição e que tem como objetivo a socialização do conhecimento científico

e/ou erudito, ao mesmo tempo em que constrói o conhecimento hegemônico.

34 A educadora Maria Inêz Salgado de Souza realizou uma avaliação do livro didático de história em questão por solicitação da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, no ano de 1996.

128

Ela realça que o conhecimento hegemônico tem relação intrínseca com os

interesses da classe dominante e sua seleção está intimamente ligada à

cultura que esta classe considera como válida.

Isso sugere que temos que ir ao encontro de investigação mais aprofundada

sobre a natureza desse tipo de conhecimento, através do estabelecimento de

relações e de diferenças entre o senso comum e o conhecimento científico, a

cultura popular e a cultura erudita. Nessa perspectiva, Forquin (1993:9)

argumenta em relação o conhecimento escolar que:

“[...] a legitimidade deste conhecimento interpela diretamente a identidade dos professores, pois não há ensino sem o reconhecimento por parte dos atores sociais envolvidos, da legitimidade da coisa ensinada”.

Não podemos nos esquecer, todavia, de que uma sociedade dividida em

classes como a nossa, também usa a lógica de estratificação de culturas, esta

lógica é definidora da divisão social do saber e da cultura, constituindo desta

forma rótulos culturais, estabelecendo diferenças entre os que não têm cultura

e os que a têm.

As classes dominantes constroem a idéia de que sua cultura é erudita, com

isso, permitem mais facilmente a desvalorização de outras culturas,

notadamente as das classes dominadas. Para se contrapor a esta concepção

excludente, Freire (1998:140) argumenta que:

“[...] uma das tarefas essenciais da escola, como centros de produção sistemática do conhecimento, é trabalhar criticamente a integibilidade das coisas e dos fatos e sua comunicabilidade.” (p.140)

129

Ele ainda complementa que a escola e o professor têm o dever de não só

respeitar os saberes que os educandos, sobretudo os das classes populares

trazem para ela, mas também discutir com os alunos a relação de alguns

desses saberes com os conteúdos curriculares possibilitando desta forma,

tornar o senso comum como ponto de partida em busca da necessária

superação.

Assim sendo, cabe explicitar quais são os interesses dos saberes dominantes

e não considerá-los como os únicos saberes válidos. A conceituação de saber

assumida nesse trabalho se refere, como aquele que está no plano histórico de

uma produção da área das disciplinas e cuja validação não está na

dependência de uma visão pessoal e subjetiva, mas sim associado ao contexto

histórico e cultural.

Nesse sentido, entendemos que estas reflexões nos permitem reafirmar que

a escola não apenas transmite saberes, mas também os produz. Isto posto,

avaliamos que é importante analisar a mediação didática como um dos

aspectos de grande relevância no processo ensino/ aprendizagem.

Na ação docente observada detectamos alguns aspectos que favoreciam a

produção do saber escolar, embora algumas ações evidenciassem rotinas que

aparentemente são óbvias.

O professor de História explicava o conteúdo em uma linguagem muito clara,

dava ênfase a alguns aspectos que só eram mencionados no texto e procurava

ordenar os fatos históricos, insistia na análise e na relação dos fatos históricos

do passado com o presente.

130

Ele não utilizava todas as orientações e sugestões produzidas pelos autores do

livro didático. Suas ênfases eram dadas aos aspectos que ele considerava

importante. Isto possibilita novas interpretações e questionamentos, com

possibilidades de mudança de focos e interpretações. As prioridades definidas

pelo professor eram originadas através do livro didático, embora com pouca

ênfase na utilização deste recurso adotado pela escola. Ao que parece o

próprio livro escolhido pela escola, não é um instrumento eficiente:

[...] eu não tive nenhuma orientação da escola para fazer meu plano de curso, eles apenas passaram para mim o livro de cada série e a única exigência que fizeram é que eu deveria entregar os meus planos. Quando olhei o conteúdo do livro vi que não dava, daí eu peguei outros recursos que eu tinha em minha casa e fiz meus planos de curso”. (Professor de História)

O professor utiliza para preparar suas aulas um outro livro: “História do Brasil”,

de Boris Fausto. Ele argumenta que este acréscimo compensa as dificuldades

do livro adotado no tocante ao conteúdo proposto, e os parcos recursos físicos

e materiais da escola.

Existe um esmero nas atividades que ele considera que sejam significativas. As

mesmas são mais detalhadas, exemplificadas e ilustradas. Essa relação dos

docentes com os recursos didáticos é assim interpretada por Apple citado por

Souza (1997), realçando a relativização do suposto poder do livro didático:

“[...] não podemos afirmar que, o que está nos textos, é realmente ensinado. Nem podemos achar que o que é ensinado é realmente aprendido. Como mostro, na descrição que faço de algumas salas de aula,[...] os professores/as têm uma longa história de mediar e transformar o material dos textos quando os empregam na sala de aula.” ( p. 7)

131

Na exposição do tema pelo professor ele transmitia informações, opiniões ou

idéias. Isto proporcionava atitudes reflexivas por parte dos alunos e das alunas

que estavam envolvidos com a aula.

Numa aula por nós assistida, o professor ilustrava a discussão com exemplos

concretos (fatos atuais) ou utilizava algum recurso didático, como a projeção de

um filme sobre a vida de Lamarca. Isso suscitava o interesse de alguns alunos

e alunas dando margem para várias atividades como: debate, dramatizações,

pesquisa, entrevistas e a busca de informações mais detalhadas destes fatos

históricos. A narrativa dos autores do livro didático torna-se fria diante do

movimento articulado pela ação do professor.

O professor procurava estabelecer a organização do trabalho na sala de aula

através dos grupos, que eram definidos de acordo com a proposta dos próprios

alunos e alunas. Nem todos se envolviam com o trabalho, pois uma

característica da turma é a dispersão. Ao final do processo, eles apresentavam

um produto como resultado da síntese do tema elaborada pela turma.

A interação desordenada entre os alunos e alunas no espaço escolar era

perceptível. Mas, a mediação pedagógica também estabelecida pelo professor

através do diálogo se constituía como eixo norteador da aprendizagem. As

perguntas ao professor e aos colegas eram constantes, muitas vezes

produzidas por reflexões que alteravam o curso da aula apontando que o

conhecimento não é linear.

Esse diálogo permanente e necessário no trabalho pedagógico permite uma

maior participação nos trabalhos da sala de aula o que fica, às vezes, confuso.

A ação do professor era questionada pela equipe pedagógica, que avalia que

faltava ao docente “postura” para o trabalho pedagógico.

132

Essa análise da escola, não levava em consideração a precariedade das

condições físicas e materiais, às quais o professor quanto a turma eram

submetidos. Como exemplo, podemos citar o fato de que qualquer reprodução

de material pedagógico xerografado tinha que ser custeada pelo professor. Em

decorrência disso, em uma parte do tempo, sua metodologia concentrava-se na

exposição oral do conteúdo e nas atividades que exigiam debates.

O professor propôs uma excursão, ao perguntar-lhe sobre o objetivo desse

trabalho de campo disse que gostaria que a excursão pudesse possibilitar a

turma o conhecimento do patrimônio histórico, mas que achava muito difícil

conseguir que alunos e alunas aceitassem visitar museus ou igrejas.

Para convencer os alunos e alunas, o professor argumentou, que esta visita

seria uma atividade de confraternização pela finalização do ensino

fundamental. Esperava, entretanto que, ao chegar a cidade, iria “convencê-los”

da importância de conhecerem algum patrimônio histórico. Essa atividade não

estava prevista no livro, foi uma proposta surgida espontaneamente.

Outras dificuldades que se somam à ação docente está ligada à burocracia

institucional, isto porque autorizar a turma a ir a excursão, passava pela

decisão exclusiva da Diretora da escola. Ela, contudo, não tinha conhecimento

de qualquer intenção pedagógica dos docentes. Várias são as questões que

interferem no processo ensino/aprendizagem, principalmente aquelas que

estão ligadas aos interesses dos sujeitos. O conhecimento não pode ser

imposto e muito menos apenas ser transmitido em obediência a um programa.

Nesta perspectiva, MacLaren citado por Moreira (1995), assim interpreta esta

questão:

133

“[...] julgo em afirmar que o conhecimento é construído socialmente é dizer, em primeiro lugar, que o conhecimento é o produto da concordância e do consentimento de indivíduos que vivem determinados tipos de relações sociais como de (classe social, raça e gênero por exemplo).” ( p. 2)

O professor de História tem uma concepção de currículo como sendo

conteúdos, conceitos, e dados relevantes que devem ser transmitidos de forma

minimamente compreensível para os alunos e alunas. Ele acha que nem o

currículo nem o conteúdo do livro têm que ser cumprido à risca. E ainda

complementa: o currículo tem que ser flexível. Ele assim se expressa:

“ [...] não adianta você pegar um livro e tentar cumpri-lo do início ao fim, isto para mim significa somente passar um texto sem que o aluno consiga captar nem a metade disto. Neste mundo globalizado, não é só o conteúdo que interfere, nós temos que ajudar o aluno a saber lidar melhor com várias situações diferentes.” (Professor de História)

Ele aponta que um trabalho pedagógico bem estruturado seria assegurado pela

ação interdisciplinar o que possibilitaria um diálogo entre as áreas e o aluno

teria uma formação mais global.

Esse aspecto nos remete a um estudo de Amorim (2000), cujos resultados

indicam que “As atividades organizadas em sala de aula, pelo professor e pela

professora, têm marcas que se relacionam à forma como os docentes vêm a

disciplina”. Nesse sentido o professor de História sempre incentivava o debate

em sala de aula, argumentando que esta ação metodológica favorecia uma

visão mais crítica dos alunos e alunas.

A escola como um todo camuflava qualquer situação que destacasse o conflito

ou que pudesse desmistificar o seu rótulo de “Escola Modelo”. Mas, o professor

sempre recortava o tema com alguns fatos do cotidiano, ou questões pontuais

tendo clareza de que o docente tem que ir além das prescrições:

134

“[...] eu sei que tem muitas questões que podem e devem ser discutidas em sala de aula, aspectos do cotidiano do aluno e de uma forma geral. Por isto não dá para utilizar só o livro didático. E tem mais, os livros didáticos são impostos pelo governo.” (Professor de História)

Nesta perspectiva nos remetemos a Nikitiuk (1996) que afirma:

“[...] o poder socializador da escola não deve ser buscado tão-somente naquilo que é oficialmente proclamado como sendo seu currículo explícito, mas também no currículo oculto expresso pelas práticas e experiência que ela propicia. ( p.17)

Vemos assim, o exemplo de uma atuação do docente que não se limita

apenas à sala de aula, pois sua ação política é de importância fundamental

para mudanças sociais.

4.7 A RELAÇÃO DOS ALUNOS E ALUNAS COM O SABER HISTÓRICO

A participação dos alunos e das alunas nessa disciplina expressa o vínculo

estabelecido pela interação com o professor e pela concepção de História

construída no espaço escolar.

Quando os indagava sobre qual a importância dessa matéria em suas vidas

eles afirmavam que era importante porque este conteúdo contribuiria para

analisar a situação do país. Os alunos e alunas alimentavam a idéia de que é

nessa disciplina que se forma o aluno crítico.

Nessa perspectiva, constatamos entre eles que o sentimento de descrédito

com a classe política é muito intenso, alguns destacam a opinião de que os

políticos são corruptos e que à nossa realidade atual atrela-se também a

135

nossa história no passado. Devido as crítica aos políticos, os discentes são

unânimes em afirmar a necessidade do exercício do voto consciente, conforme

depoimento de um aluno:

“[...] eu acho que o conteúdo de História ajuda você a ficar sabendo das coisas de seu país e de outros países, isto dá uma base melhor para a gente viver. Eu gosto principalmente quando discutimos política, pois podemos ver o quanto estes políticos são sem vergonhas; eu posso dizer lá em casa para os meus pais que devem tomar cuidado em quem eles vão votar.” (Aluno da turma F)

Os alunos e as alunas concretizam o conceito de que História, Geografia e

Ciências são matérias que não precisam ser estudadas; o aluno tem que

apenas decorar. Os alunos e alunas acham dispensável a utilização constante

do livro didático:

“[...] em História não precisa de livros, é só você ver as anotações de seu caderno, aquilo que você escreveu. Eu utilizo o meu livro somente na escola”. (aluna turma F)

Nas aulas de História as perguntas dos alunos apareciam em momentos

pontuais, principalmente nas questões a que o professor deu ênfase, as

“questões de estudos” são respondidas em grupo por alguns alunos e alunas.

As respostas escritas não expressavam a riqueza de detalhes da formulação

oral.

Existia interesse por parte dos alunos e alunas no detalhamento de alguns

fatos históricos, principalmente aqueles que serviam de base comparativa para

análise de questões referentes a escola ou a aspectos políticos atuais.

Constatamos que as interpretações elaboradas pelos autores do livro

desempenham exclusivamente o papel de informar, isto porque as análises

136

críticas dos alunos e das alunas eram construídas com base nas interpretações

do professor, sendo que alguns alunos ou alunas apenas repetiam o seu

discurso, mas aqueles mais identificados com a disciplina faziam reflexões

mais aprofundadas. Esta influência do professor ou da professora como

mediadores e orientadores da aprendizagem é assim analisada por Sánchez

Miguel (1993), citado por Libedinsky (1997) :

“[...] um texto escolar é uma comunicação a distância, às vezes muito distante, e é dirigida a um interlocutor impreciso; necessita da mediação de alguém que se interponha mais globalmente entre o texto e o leitor, para que este complete as informações e apele para as coisas que o aluno sabe.” ( p.136)

Esse teórico confirma o resgate do papel fundamental que cumpre o docente

em favorecer os processos de compreensão genuína do estudante tanto na

ampliação dos temas tratados como na recuperação do conhecimento prévio

do aluno sobre o tema em questão. Um aluno assim define o seu interesse pela

disciplina:

“[...] eu passei a gostar de História este ano, depois que chegou professor novo. A aula de História é boa, a gente conhece um pouco do passado, coisa que a gente nunca viu. Mas o que eu acho mais importante é saber do presente as coisas que a gente está vivendo.” (Aluno da turma F)

Uma questão identificada pelo professor como dificultadora do trabalho

pedagógico é o fato da clientela desta escola ser oriunda de vários bairros da

região metropolitana de Belo Horizonte e da grande BH. Esse dado para o

docente vem se constituindo como empecilho para a aproximação da escola

com a comunidade, impedindo, dessa forma, projetos de intervenção na

realidade dos sujeitos. Essa diversidade dos estudantes que, na percepção do

137

professor compromete um trabalho de relação com a comunidade, é assim

interpretada por Apple (2000):

“[...] um currículo e uma pedagogia democráticos devem começar com o reconhecimento dos “diferentes posicionamentos sociais e repertórios culturais nas salas de aula, e das relações de poder entre eles.” Se estivermos, então preocupados com “um tratamento realmente igual” – como acho que devemos estar – é preciso basear um currículo no reconhecimento daquelas diferenças que dão ou tiram poder de nossos alunos de modos identificáveis.” ( p.68)

Alguns conteúdos trabalhados pelo professor eram sintetizados em atividades

que nem sempre tinham o caráter avaliativo. Essa ação que não caracterizava

“controle” muitas vezes fazia com que alguns alunos e alunas apresentassem

um certo descompromisso em relação à tarefa determinada.

Não havia nenhum tipo de sanção do professor em relação a estes alunos ou

alunas. Um dado importante é que muitos desempenhavam a tarefa solicitada

e tinham a preocupação de discutir com o docente a qualidade dos trabalhos

elaborados.

Partindo do pressuposto de que o que é definido como saber ou conhecimento

escolar, na verdade, constitui uma seleção particular e arbitrária de um

universo muito mais amplo de possibilidades, que merece ser analisada.

4.8 O LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA

A professora de matemática tinha como roteiro o livro didático “Matemática”

dos autores Imenes & Lellis. Esse livro está incluído na relação do Guia do

138

Programa Nacional do Livro Didático - PNLD (1999). Era recomendado com

“distinção” conforme a classificação de três estrelas, referência máxima deste

programa.

Esta categorização é assim definida pelo MEC: “recomendados com distinção

são os livros que se destacam pelo esforço em aproximar-se o mais possível

do ideal representado pelos princípios e critérios”. Estes estão pautados

através de princípios que são norteados pelos seguintes questionamentos:

• Que concepções de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e

História os livros manifestam?

• Quais os conteúdos privilegiados?

• Com que rigor e acerto tais conteúdos são tratados?

• Que metodologia é empregada e preconizada?

• Como todos estes aspectos se articulam numa proposta global?

• Há coerência entre essas propostas e o projeto gráfico?

• O livro didático contempla diferentes linguagens e códigos existentes na

sociedade?

• As ilustrações, diagramas, tabelas, mapas, contribuem para a construção

dos significados dos textos?

• Que valores e atitudes são preconizados?

• Existe preocupação em relacionar o saber que os alunos trazem do mundo

e o saber sistematizado pelas pesquisas científicas?

• O Manual do Professor orienta o processo de ensino?

A partir desses princípios foram estabelecidos três grupos de critérios que

representam um padrão consensual mínimo de qualidade para o ensino

escolar, determinando que o não cumprimento dos mesmos significa

eliminação do livro didático ou uma avaliação pouco satisfatória:

139

1º) Critérios Comuns:

• correção dos conceitos e informações básicas;

• correção e pertinência metodológicas;

• contribuição para a construção da cidadania;

• critérios de classificação comuns;

• estrutura editorial – aspectos gráfico-editoriais;

• aspectos visuais;

• ilustrações;

• manual do professor.

2º) Critérios para análise:

• correção dos conteúdos e informações básicas;

• correção e pertinência metodológicas;

• formação para a cidadania.

3º) Critérios classificatórios:

• adequação dos conteúdos;

• atividades propostas;

• integração entre temas nos capítulos;

• valorização da experiência de vida do aluno;

• aspectos visuais;

• manual do professor.

Com base nesses critérios, o livro utilizado pela professora de matemática, foi

recomendado pela comissão autorizada pelo MEC, que trabalhou em sua

análise nos seguintes termos:

140

“[...] sua proposta metodológica é inovadora, coerente com o posicionamento apresentado no manual do professor: os alunos precisam compreender aquilo que aprendem e essa compreensão é garantida quando eles participam da construção das idéias matemáticas e são engajados em atividades que estimulam atitudes críticas e a autonomia de pensamento. Concluindo, a proposta do livro é excelente, podendo subsidiar um trabalho didático profícuo e criativo com a Matemática”. (Comissão analisadora MEC, 1999)

Apesar dessas recomendações verifiquei rejeição por parte do coletivo dos

professores e professoras da escola em relação à adoção desse livro didático.

Sua escolha foi definida pelos docentes dessa área, entretanto, todos (com

exceção da professora pesquisada), sem uma discussão com seus pares, o

abandonaram e passaram a fazer uso do livro utilizado nos anos anteriores, por

considerá-lo “mais fácil” e por exigir dos alunos e alunas apenas

“memorização.”

O livro selecionado é utilizado somente pela professora observada e chegou à

escola sem o manual do professor. Isto causou muita insegurança nos

educadores.

Outro aspecto de fundamental importância, é que o livro faz parte de uma

coleção e supõe uma organização de conteúdos, que implica numa

continuidade ao longo das quatro últimas séries conforme avaliação da

Comissão Avaliadora. Esta orientação não se viabilizou em decorrência

daquele ser o primeiro ano da implementação do programa pelo MEC na

educação fundamental (5ª a 8ª) coincidindo com a seleção do livro. Assim, a

equipe do Programa do Livro Didático realça a importância da adoção dessa

coleção:

“[...] o livro faz parte de uma coleção destinada às quatro últimas séries do Ensino Fundamental, cuja principal

141

característica está na abordagem de um currículo em espiral. Isto significa que um mesmo assunto é tratado numa determinada série e revisto ao longo das séries seguintes, o que permite em cada retomada, um aprofundamento natural do tópico estudado, bem como novas descobertas.” (Comissão avaliadora do MEC, 1999)

Essa análise pode ou não ter se constituído em fator de sua aceitação ou

rejeição por parte dos docentes, ainda que, como mostra LIBEDINSKY (1997),

citando VENEZKY (1992) contribui com a seguinte reflexão:

“[...] o livro é um currículo, sub-arrogante ou substituto isto é, uma reflexão possível sobre o currículo prescrito, às vezes não documentado”. (p.137)

A professora observada avalia que o livro atual é “muito bom”, é completo em

termos de conteúdo. Entretanto, segundo ela, esse livro exige uma preparação

prévia do professor e da professora, pois muitas atividades propostas requerem

o domínio por parte dos docentes dos conteúdos propostos. Ela tem uma

interpretação para explicar a resistência de alguns docentes em relação ao

livro:

“[...] eu acho, que às vezes, o professor não está preparado para trabalhar com o conteúdo, isto porque ele tem problemas de formação, eu já vi aluno ensinando o conteúdo para o professor”. (Professora de Matemática)

Shulman, citado por Fiorentini et al (2000), chama atenção para “a importância

da reflexão teórica e epistemológica do professor sobre as matérias de ensino”.

Ele defende que o domínio deste tipo de conhecimento não seja apenas

sintático (regras e processo relativos) do conteúdo, mas, sobretudo substantivo

e epistemológico (relativo à natureza e aos significados dos conhecimentos, ao

desenvolvimento histórico das idéias). Ele ainda acrescenta que este domínio

profundo do conhecimento é fundamental para que o professor tenha

142

autonomia intelectual para produzir o seu próprio currículo. Fiorentini et al,

(2003)..

Fiorentini ainda destaca que:

“[...] a forma como conhecemos e concebemos os conteúdos de ensino tem fortes implicações no modo como selecionamos e os reelaboramos didaticamente em saber escolar, especialmente no modo como os exploramos, problematizamos em nossas aulas.” (p.317)

Observamos que o tempo de experiência e a identificação da professora de

matemática com sua disciplina potencializavam sua competência no

desenvolvimento do trabalho pedagógico.

Em uma aula observada por nós, ela introduziu o conteúdo de ”Equações e

Sistemas de Equações” da seguinte forma:

1. Equações e sistemas de equações

• Idéias básicas

• Equações resolvidas por fatoração

• Mais resoluções por fatoração

• A fórmula Bhaskara

Os autores do livro “Matemática”, adotado pela professora observada,

elaboraram a apresentação desse conteúdo através de uma linguagem

simples e bem didática que não se resume apenas aos inúmeros exercícios de

fixação, mas incluem também questões que exigem respostas elaboradas por

textos escritos ou invertem a ordem quando elaboram o texto e solicitam que

os alunos criem os exercícios. Existe proposta de aplicação do conteúdo em

143

diferentes situações e alguns exemplos apresentados relacionavam-se com as

atividades do cotidiano dos alunos.

Para a professora as resistências dos colegas ao livro referem-se às

orientações metodológicas determinadas por ele, que exigem alteração na

organização da sala de aula para trabalhar em grupo, o que dificulta mais a

ação dos docentes no “controle” da disciplina.

Detectamos que a resistência em relação ao livro selecionado (e não utilizado)

não ocorre somente nessa escola, pois em debate com professores e alunos

do curso de matemática, por ocasião do encontro da Sociedade Brasileira de

Educação Matemática, observamos que os profissionais que lá se encontravam

reafirmaram a avaliação de que este livro é muito “difícil” de ser trabalhado com

alunos “fracos”. As turmas por nós observadas eram assim classificadas.

Mesmo com uma avaliação positiva sobre o livro, observei que pelo fato da

professora ser mais experiente e estar relacionando com esta turma há dois

anos, ela estabelecia critérios de seleção de conteúdos de uma forma muito

mais segura.

“[...] quando eu vou iniciar uma matéria nova, eu faço uma avaliação para saber aquilo que o aluno aprendeu, às vezes eu faço isto jogando uma situação prática isto ajuda o aluno raciocinar. Eu seleciono o conteúdo de acordo com a turma e isto é fácil pois eu já trabalho com esta turma há dois anos”. (Professora de Matemática)

Ela selecionava, alterava a seqüência dos conteúdos, fazia graduação das

atividades tendo como referencial, diferentes fatores, como por exemplo: o

levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos e alunas, a verificação

dos pré-requisitos defendidos por alguns profissionais e pelas exigências

144

determinadas pelo processo de seleção em outras instituições a que alguns

discentes deveriam se submeter ao final do ano entre outros.

A professora não usava nenhum recurso físico ou material, com exceção do

livro didático, cujo uso era constante. Entretanto, ela desdobrava as atividades

propostas, possibilitando o deslocamento de algumas orientações propostas

pelos autores dos autores do livro. Essas constatações coincidem com

reflexões produzidas por Willis (1982), citado por Silva (1997:68) confirmam:

“[...] as pessoas não recebem simplesmente os materiais simbólicos e culturais tais como são transmitidos. Existe um espaço cultural na qual elementos e materiais simbólicos são transformados, reelaborados e traduzidos de acordo com parâmetros que pertencem ao próprio nível cultural das pessoas envolvidas. Não existe reprodução pura.” ( p.68)

Outro aspecto que ilustra a busca diversificação das atividades era constituído

por exercícios mimeografados ou de pequenas avaliações. Existe consenso por

parte dos educadores e educadoras desta área de que é muito importante a

prática exaustiva da resolução de exercícios escritos, pois isso assegura o

desenvolvimento do raciocínio. Essa metodologia centra-se no paradigma da

concepção tecnicista cuja ênfase sustenta-se no saber fazer.

4.9 A AÇÃO DA PROFESSORA DE MATEMÁTICA

A professora dessa disciplina chega pontualmente na sala de aula no horário,

cumprimenta a turma e é recebida de forma agitada. Os alunos gritam, correm,

145

provocam uns aos outros, mas pudemos perceber que eram carinhosos e

gostavam muito dela.

A professora explicava o conteúdo antes de os alunos e alunas lerem o livro.

Geralmente ela o relacionava a um outro tema estudado naquele ano ou no

ano anterior. Eram utilizados alguns exemplos do cotidiano dos alunos. A

seguir, a professora solicitava aos alunos que se organizassem em grupo e

resolvessem alguns “problemas práticos”. Essa metodologia, utilizada por ela é

explicada como uma forma de tornar acessível o saber matemático, através da

situação problema:

“[...] eu sempre jogo um problema prático para o aluno, geralmente eu faço isto com uma historinha, eu deixo que ele tente tente, aí eu jogo a teoria eu mostro que a matemática é uma coisa prática”. (Professora de Matemática).

Ela prestava atendimentos individualizados nas carteiras ou em sua mesa,

solicitava àqueles alunos ou alunas que tinham domínio do conteúdo para

auxiliarem os colegas que apresentassem dificuldades.

Dois ou três discentes, numa turma de 45, não participavam das atividades,

geralmente aqueles que foram “aprovados” pela política da progressão

continuada.

A professora de matemática nos confidenciou que, desde o início do ano,

vinha insistindo em fazer um conselho de classe para discutir as dificuldades

dos alunos e das alunas e que não foi atendida.

“[...] era preciso que todos os professores da área se encontrassem, entretanto a escola não acha tempo para nada.

146

Há muito tempo eu venho pedindo um conselho de classe para discutirmos os alunos que estão defasados e eu não sou atendida.” ( Professora de Matemática).

Para compensar as dificuldades, ela utilizava várias alternativas, entre elas as

atividades extra-classe que eram cobradas, analisadas e corrigidas.

Rigorosamente aplicava as avaliações parciais e todas as atividades de sala de

aula eram valorizados através de notas.

Os problemas disciplinares desta turma eram atenuados através de diferentes

estratégias que a professora lançava mão e também das representações que

tanto ela, como os alunos possuíam da sua interação.

1º) A professora mantinha a turma, o tempo todo envolvida, na resolução dos exercícios. 2º) A professora já tinha experiência com a turma, pois já trabalhava com eles há dois anos. 3º) A turma tem uma imagem positiva de sua competência profissional. 4º) Os alunos e alunas tinham a representação de que essa disciplina é muito difícil, portanto exigia deles prestar muita atenção.

Embora, a professora se esforçasse, a relação teoria e prática se limitava a

alguns exemplos restritos. Existia pouca ênfase nas atividades desenvolvidas

com os fatos concretos do cotidiano.

Suas análises relativas ao currículo se limitavam à concepção de que seja “um

conjunto de disciplinas ou conteúdos desenvolvidos em sala de aula”. No

tocante à seleção dos conteúdos escolares, ela apoiava-se em sua

experiência, na seleção definida pelo livro didático adotado, no tempo que

tinha para o desenvolvimento do trabalho pedagógico e, principalmente, na

147

percepção que tinha sobre a aprendizagem dos alunos e alunas. Ela

secundarizava qualquer outra proposta advinda de outros mapas curriculares.

Em relação a este aspecto, ela assim se manifesta:

“[...] eu faço a seleção de acordo com a turma, eu observo as condições dos alunos, às vezes, eu tenho que cortar muitas coisas, pois tem alunos que têm muitas dificuldades. Em sala de aula e para casa eu dou até exercícios diferenciados”. ( Professora de Matemática).

Mesmo reconhecendo que a professora detém um conhecimento de seus

alunos e alunas e também do conteúdo disciplinar, avaliamos que o processo

de seleção desse conteúdo é sempre arbitrário pois, muitas vezes, este critério

parte sempre de alguém com uma visão particularizada do conhecimento. Em

relação a este aspecto assim se expressa um aluno:

“[...] a maioria das vezes os professores não discutem com a gente aquilo que eles vão dar. A programação não tem nossa participação, são raros os professores que permitem que gente participe desta programação”. (Aluno turma E)

Acreditamos que o desenvolvimento de um currículo e uma pedagogia democrática têm sua matriz no reconhecimento dos diferentes posicionamentos sociais.

4.10 A RELAÇÃO DOS ALUNOS E ALUNAS COM O SABER MATEMÁTICO

Os alunos e alunas dessa disciplina, em sua maioria, acompanhavam com

atenção a explicação da professora, alguns faziam perguntas e muitos iam ao

148

quadro resolver um exercício (geralmente aqueles que apresentavam domínio

do conteúdo). O livro didático é muito utilizado pelos alunos, conforme

depoimentos a seguir:

”[...] eu utilizo o livro de matemática porque muitos exercícios foram tirados dele. Eu tenho que levá-lo para casa, porque de repente pode pintar uma dúvida aí a gente tem que pegá-lo. Também quando não conseguimos terminar um exercício em sala de aula nós temos que terminá-lo em casa.”(aluna turma F).

Em sala de aula, a turma era organizada em grupos ou em duplas, a dois

critérios: afinidade entre os alunos ou de acordo com a orientação da

professora. Sua lógica centrava-se no desempenho dos alunos. Os alunos ou

alunas que demonstravam domínio do conteúdo auxiliavam seus colegas que

apresentavam dificuldades. Sua atenção se concentrava em todos.

Ao final de cada aula eram repassadas tarefas realizadas extra-classe, que

eram cumpridas por todos, pois sabiam que elas seriam valorizadas. Notava-se

um interesse muito intenso dos alunos e das alunas pela disciplina. A

freqüência era quase total e a ênfase dada aos excessos de exercícios era um

fator de contenção da (in) disciplina.

Pudemos observar que, muitas vezes, os alunos e alunas de ambos os

docentes e até mesmos os próprios não vislumbravam as necessidades

práticas dos conteúdos desenvolvidos. Quando percorria a classe, perguntava

tanto para a turma quanto para os docentes onde que eles aplicariam aquele

conteúdo em sua vida prática ? A reposta da professora foi:

“[...] se o aluno optar por um curso superior da área de ciências exatas, como (engenharia, administração) ou se tiver que utilizar uma operação bancária vai precisar deste conteúdo”. (Professora de Matemática)

149

As respostas de alguns alunos e alunas dessa disciplina, coincidiam com a

afirmativa da professora quanto à importância do domínio de conteúdos

necessários a área de Ciências Exatas, e algumas vezes desqualificavam o

conhecimento escolar como por exemplo: “Este conteúdo serve para ganhar

nota”; “não tenho o menor interesse no mesmo”; ou “não vejo nenhuma

necessidade prática”. Um aluno que apresentava um bom desempenho nessa

disciplina confirma esta visão:

“[...] pode ser que mais tarde eu venha descobrir a importância de alguns conteúdos, a equação, por exemplo, eu acho que não influi em nada. No futuro eu pretendo fazer medicina ou turismo e eu não acho que este conteúdo para estes cursos tenha algum significado”. (Aluno da turma F).

Observamos também, que o mito de que a matemática é para alunos muito

inteligentes, pois é uma matéria muito difícil, também permeia estas

concepções. Para esse contexto, Moreno (2000) faz a seguinte reflexão:

“[...] é preciso retirar as disciplinas científicas de suas torres de marfim e deixá-las impregnar- se de vida cotidiana, sem que isso pressuponha, de forma alguma, renunciar às elaborações teóricas imprescindíveis para o avanço da ciência.” ( p. 63)

Detectamos desinteresse e apatia de alguns educandos em relação à escola.

Na turma existiam alunos ou alunas que explicavam a função da escola

baseando-se no senso comum, ou seja, a escola é importante porque garante

o futuro.

Quando indagávamos, sobre quais as disciplinas que eles ou elas

consideravam mais importantes, priorizavam a matemática por avaliarem que

esta é uma matéria cujo valor hierárquico difere das outras, só estando no

mesmo patamar da Língua Portuguesa. A forma como a escola concebe o

150

conhecimento e o organiza só vem reforçar o conceito expresso por seus

sujeitos. Gallo (2000) avalia a fragmentação do conhecimento determinado

pela organização disciplinar.

Acredito que, a ausência de práticas concretas na articulação da produção do

conhecimento causam tédio e rejeição dos sujeitos. Isto se extrapola para a

instituição escola e como respostas os alunos e alunas nos mandam

mensagens de resistência na (in)disciplina. Gallo acrescenta:

”[...] penso ser apropriado afirmar que os alunos aprendem disciplinarmente porque a escola impõe, e não por alguma outra razão. A escola moderna tem sido uma poderosa máquina de disciplinamento, nos vários aspectos e sentido do termo. Um deles é exatamente o epistemológico, através do qual a escola ensina a ver o mundo disciplinar e disciplinadamente, a pensar disciplinar ou disciplinadamente.” (p.7)

Durante o período da pesquisa os conteúdos35 desenvolvidos pela professora

de Matemática foram:

35 Equações e sistemas de equações, idéias básicas, Equações resolvidas por fatoração, fórmula Bhaskara, resolução de equações, sistemas de equações, problemas, Matemática, comércio e indústria, Produção e proporcionalidade, Problemas variados, Juros, Técnica algébrica, Produtos notáveis e fatoração, Equações fracionárias, Funções, Funções, tabelas, fórmulas,Funções e seus gráficos;

151

4.11 A MEDIAÇÃO DOS DOCENTES

Oficialmente a Secretaria Estadual de Educação divulga que vem utilizando

dois programas oficiais – os Parâmetros Curriculares do MEC e ainda a Escola

Sagarana, mas ao perguntar ao professor e à professora se eles faziam uso

dessa proposta curricular, responderam “conhecer” os Parâmetros porque

tomaram conhecimento desse programa nas faculdades, mas que não faziam

uso do mesmo. Quanto à Escola Sagarana somente tinham ouvido falar, pois

sequer tiveram acesso ao livro.

Nas observações desenvolvidas em sala de aula, detectamos uma utilização

diferenciada dos livros didáticos pelos docentes. A professora de Matemática

usava esse recurso em uma boa parte do tempo de suas atividades,

adequando-o segundo as condições de aprendizagem de sua turma.

Por ter mais experiência, competência técnica e uma ótima relação com a

turma, ela conseguia transformar a linguagem matemática bem como os seus

conteúdos em saberes acessíveis aos seus alunos e alunas. Introduzia novos

elementos para garantir esta compreensão, diversificando suas atividades com

base nas suas referências práticas.

Contrariando essa prática, percebemos a fragilidade de sua formação em

termos políticos, o que lhe impedia de desmistificar alguns pressupostos e

preconceitos que foram incutidos na sociedade relativos a representação

dominante a essa disciplina, bem como, aos seus objetivos.

Percebemos que o professor de História tem um comportamento oposto. Ele

utiliza pouco o livro didático, mais como um recurso de leitura, e procura

152

enriquecer o conteúdo com a utilização de outros materiais informativos, como:

jornais, revistas, folhetos, panfletos e outros.

Essa diversificação de recursos instiga a turma no exercício de muitas

reflexões. Entretanto, percebemos que, alguns sentimentos presentes em

nossa sociedade como desdém, desconhecimento em relação à nossa História,

se repete entre os alunos e alunas dessa turma, como presenciamos algumas

vezes.

Percebemos que o excesso de aulas discursivas e algumas posturas do

professor, talvez justificada por sua pouca experiência no exercício da

profissão e com adolescentes tornam as aulas dispersivas, contribuindo para

conclusões apressadas da coordenação pedagógica de que os alunos e alunas

não estão interessados ou não estão aprendendo.

Embora não possamos discutir aqui todos os elementos de análise do

cotidiano escolar, temos que realçar que o processo ensino/aprendizagem

extrapola muitas vezes nossas representações. Pois, mesmo mediante os

inúmeros problemas pelas quais os docentes das escolas públicas passam,

este professor e esta professora, bravamente, têm desafiado as dificuldades, e

possibilitado aos seus alunos e alunas se apropriarem de forma mais acessível

do conteúdo escolar.

Nos aspectos analisados, neste trabalho, no que concerne à seleção dos

conteúdos escolares e à ação docente, a relevância das práticas são

destacadas pela mediação didática. Tanto o professor quanto a professora ao

se utilizarem diferentes mecanismos em suas ações, como por exemplo:

relacionar duas ou mais coisas, servir como intermediários, agem como

“ponte”, aquela que permite a travessia dos sujeitos para a construção do

saber.����

153

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, analisamos em que fatores objetivos e subjetivos o professor e

a professora se sustentam para fazer a seleção dos conteúdos escolares.

Tomamos como inspiração os construtos teóricos de Apple e Freire, que nos

possibilitaram interpretar que, mesmo havendo a sacralização de um currículo

prescrito que chega à escola através de diferentes mapas curriculares, os

docentes, em suas práticas, detêm a autonomia de interpretar, modificar e

ressignificar os conteúdos escolares, realçando o autêntico significado do

currículo operacional, aquele que de fato expressa o que ocorre em sala de

aula.

Constatamos que existem diferentes fatores que interferem e possibilitam uma

nova seleção de conteúdos. Esses fatores são traduzidos também pelas

condições externas ou internas à escola e são representados pelos aspectos

políticos, pedagógicos e administrativos.

Para verificarmos como se dá a apropriação do currículo prescrito até chegar

à sala de aula, utilizamos o estudo de caso de uma escola do sistema estadual

onde focalizamos a ação de dois docentes de duas diferentes áreas do

conhecimento: Matemática e História em duas classes de 8ª série.

Acompanhamos o desenvolvimento de suas práticas pedagógicas cotidianas,

fizemos observações e entrevistas, o que nos permitiu desvendar como as

determinações prescritas interferem ou não nos discursos pedagógicos e em

suas práticas.

154

Constatamos que as condições de trabalho às quais os docentes são

submetidos os impelem a irem busca do livro didático como suporte. Ao

verificarmos que esse recurso também é um referencial para seleção dos

conteúdos, tornou-se imperativo analisarmos a sua importância, o seu

significado e sua utilização no processo pedagógico.

Evidenciamos que, apesar de na escola observada, os docentes utilizarem o

livro didático como um referencial de critérios para a seleção dos conteúdos

escolares, tal fator não obscurece a ação dos docentes, porque os mesmos,

em suas práticas, constroem significados que permitem uma nova seleção e

ressignificam esses conteúdos na ação pela mediação pedagógica.

Gostaríamos de finalizar este trabalho, retomando e sintetizando as questões

que consideramos significativas e que discutimos no processo de

desenvolvimento da pesquisa, não como conclusões fechadas, mas como

pistas que nos possibilitam compreender em quais fatores objetivos e

subjetivos o professor e a professora se sustentam para fazer a seleção dos

conteúdos escolares.

As questões aqui discutidas estão contidas em um contexto mais amplo, que

determinaram uma revisão histórica e conceitual do currículo, analisado na

perspectiva da teoria curricular crítica, que confrontou o desenvolvimento dos 3

(três) currículos: o prescrito, o currículo em ação e o currículo operacional,

aquele que de fato é desenvolvido em sala de aula também conhecido como o

currículo real.

Evidenciamos que, ao longo da história da educação, o currículo no Brasil é

demarcado pelas influências de outras culturas e pela prescrição. Esse cunho

prescritivo tem se destacado por meio de uma estruturação rígida, seqüencial,

155

cuja concepção é herdeira dos princípios de uma base filosófica híbrida

(positivismo de Herbart, Pestalozzi e da racionalidade dos Jesuítas) ou do

enciclopedismo da cultura francesa, caracterizado pela divisão do trabalho

manual e intelectual.

Identificamos que outras tendências também influenciam o debate sobre o

currículo no Brasil, entre elas apontamos as idéias progressivistas derivadas

dos pensamentos de Dewey, Kilpatrick e outros autores europeus que

concebiam o currículo como um processo educativo que deveria durar toda a

vida. Essa concepção curricular tem seu auge nos anos setenta.

Entretanto, ainda é muito forte a influência no contexto educacional, da

concepção tradicional que define o currículo como uma tarefa prática e não

como um problema teórico, sendo expresso pelas “grades” curriculares, pelos

tópicos de conteúdos, pela carga horária, pelos métodos, pelas técnicas de

ensino, pela avaliação quantitativa e pelos objetivos pré estabelecidos

conforme constatamos na escola e nas salas de aulas observadas. Esses

pilares que expressam o caráter de racionalidade técnica, presentes no

modelo curricular proposto por Tyler, colocam as disciplinas como definidoras

do conteúdo.

Outro paradigma curricular também presente no cenário educacional brasileiro,

elaborado por Hilda Taba, tem concepção bem próxima a de Tyler. Traduzido

em um formato curricular que vincula a integração dos conteúdos com as

experiências de aprendizagem, resultam, dessa forma, em uma aproximação

do progressivismo e do tecnicismo.

Identificamos que a dominância do paradigma curricular tecnicista, cujo apogeu

se deu nos anos sessenta e setenta, é revigorada nos anos noventa com a

156

implementação, em algumas escolas de Minas Gerais, do Programa de

Qualidade Total em Educação. Esse rigoroso programa que expropria o

docente da função de educar, também enfatiza a uniformização do trabalho

pedagógico e a padronização dos conteúdos.

Com o declínio do modelo político, econômico e educacional implementado

pelo governo militar, à partir dos anos oitenta, torna-se forte o discurso da

“autonomia” no pensamento pedagógico. Através das produções de Paulo

Freire ganha destaque a relação entre conhecimento e currículo na perspectiva

emancipatória, sendo esse movimento identificado por alguns teóricos como o

primeiro esforço de um pensamento curricular propriamente brasileiro.

O processo de abertura democrática, com seus efeitos políticos, têm

ressonância no campo educacional. Surge, assim, o movimento de renovação

curricular com ênfase em alguns estados brasileiros, entre eles, Minas Gerais,

que condensou suas propostas através do Congresso Mineiro de Educação.

Nesse movimento, alguns teóricos renomados fazem opção pelos princípios da

Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos.

O currículo oficial que “responde” à constituição de 1988 e que vem atender as

exigências da fixação dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental

também tem por objetivo assegurar a formação básica comum.

Essa pedagogia referendada nas políticas educacionais implementadas pelo

governo, seja através dos conteúdos mínimos previstos na legislação ou da

vinculação de diferentes programas educacionais, se concretiza nos

Parâmetros Curriculares Nacionais. Essa política curricular teve como fonte

inspiradora o pensamento pedagógico espanhol, deixando à margem dos

educadores brasileiros renomados bem como as férteis produções teóricas

desse campo pedagógico.

157

O que observamos, todavia, é que estas propostas que chegam à escola

através do currículo prescrito, muitas vezes não são incorporadas, pois causam

estranheza no espaço escolar por não serem consideradas legítimas pelos

docentes, alunos, alunas, pais e mães.

Tornou-se perceptível à indiferença e o desconhecimento das instâncias

governamentais desta realidade. O que presenciamos, são repasses de

medidas burocráticas que, muitas vezes, ignoram os sujeitos e suas

condições concretas de produção, atropelando também a autonomia da escola.

Evidenciamos que é falsa a ingenuidade dos poderes instituídos acreditarem

que seja possível “dialogar” com as escolas, apenas por meio de leis, decretos

ou resoluções, pois esses mecanismos não captam as subjetividades daqueles

que são os principais sujeitos do processo ensino/aprendizagem.

Detectamos que são muitas as questões que levam os docentes a se

adequarem na perspectiva de equacionar as diferentes exigências de uma

prática pedagógica.

Esses fatores objetivos, relacionados aos aspectos externos, internos e

pessoais, se confrontam com as políticas educacionais, com as condições de

trabalho, com a cultura escolar, com os valores, as ações, as intenções e as

opções dos sujeitos que perpassam a sala de aula e que dão uma nova

configuração ao trabalho pedagógico.

Várias questões nos apontaram que são muitas as interferências do sistema no

ritmo de trabalho da escola. Detectamos que a instituição observada também

se organiza de uma forma peculiar para responder às exigências burocráticas

advindas das instâncias governamentais, procurando preservar, de toda a

forma, o rótulo de escola “Modelo” que lhe é atribuído pela opinião pública da

área que atende.

158

Ao mobilizar esforços para o atendimento de diferentes demandas externas e

internas, a escola acaba por dar ênfase somente aos aspectos burocráticos,

secundarizando as questões pedagógicas e estabelecendo uma relação menos

profissional e solidária com todos os sujeitos que fazem parte da mesma.

Encontramos evidências dessa constatação ao depararmos com a nítida

divisão entre aqueles que exerciam tarefas burocráticas e os docentes. A

relação entre esses profissionais se dá em um nível superficial e as poucas

vezes que se aproximam é quando os primeiros devem baixar determinações

que resultam em atividades formais como organização de diário de classe,

preenchimento de fichas, lançamento de reposição de aula e outros, que

sobrecarregam os professores e professoras.

Identificamos que várias iniciativas que poderiam ou deveriam ser

desenvolvidas pela escola não passavam das intenções. Entretanto,

acreditamos que, mesmo que a escola seja “atropelada” por muitas tarefas,

isso não deveria se constituir em impedimento, aos profissionais que lá atuam

por implementações de políticas pedagógicas, que vão fornecer características

curriculares próprias à instituição. Nessa perspectiva, apontamos a importância

da elaboração indissociável entre currículo e Projeto Pedagógico, que devem

ser constituídos pelo coletivo da escola, a partir da explicitação do tipo de

cidadão que se pretende formar.

Evidenciamos que a inexistência de um trabalho coletivo fragmenta as práticas

e impede a relevância do planejamento pedagógico, na medida em que os

problemas educacionais da escola não são objeto de reflexão ou, muitas

vezes, não são sequer detectados. Percebemos, também, que nesse cenário,

sem nenhuma articulação entre o administrativo e o pedagógico, sem

condições físicas e materiais, com o excesso de atividades burocráticas os

docentes se vêem obrigados a criarem mecanismos pautados na racionalidade

para facilitar suas atividades pedagógicas.

159

Esses mecanismos, que se evidenciam por práticas mais corriqueiras, são

incorporados à cultura escolar, expressados por aulas expositivas ou exercícios

de fixação que muitas vezes causam tédio nos alunos e alunas, contribuindo,

dessa forma, para a indisciplina.

As condições de trabalho descritas nesta pesquisa demonstraram que as

mesmas têm uma grande influência nas práticas. Mas sabemos também que a

formação do sujeito contribui, e muito, para suas opções políticas. Entretanto, o

que observamos é que embora o professor e a professora fossem de diferentes

áreas do conhecimento; os dois utilizavam o mesmo enfoque curricular.

Identificamos esse enfoque como uma junção dos pressupostos da pedagogia

dos conteúdos e da pedagogia tradicional, embora tenhamos percebido que os

docentes acreditavam que suas práticas alcançassem plenamente a

concepção crítica. Nesse caso, ficou muito evidente o distanciamento entre o

discurso dos professores e sua prática.

Esse discurso construído de forma fragmentada por ambos os docentes, e com

pouca sustentação teórica por parte da professora de Matemática ao contrário

do professor de História, é calcado em uma prática curricular na qual a ênfase

recai, a maior parte do tempo, na transmissão do conhecimento tanto por parte

do professor quanto da professora.

No tocante aos fatores subjetivos, a observação das aulas do professor e da

professora das disciplinas de História e de Matemática nos levou a confirmar,

parcialmente, a crença pedagógica na diferente relação com o conhecimento

tanto por parte do professor quanto da professora.

160

Tanto o professor de História como a professora de Matemática possuem uma

boa formação conteudista. Já suas qualificações pedagógicas diferem em

decorrência de que, cada docente possui uma maneira própria de ensinar a

qual tem profunda relação com a sua maneira de ser, com o seu eu, com sua

experiência e com sua formação.

No tocante a interação com os alunos e alunas em sala de aula, ambos os

docentes mostraram-se muito abertos e flexíveis. Entretanto, no que se refere

ao professor de História, não se evidenciou que o “rótulo” de questionador ou

de crítico, de fato tenha influência na prática.

Nesse sentido muitas situações que poderiam ser capitalizadas por ele, no

cotidiano da escola, passavam despercebidas ou eram pouco aprofundadas

em suas reflexões. É muito forte o discurso predominante na turma de que

História seja uma disciplina que sustenta posturas questionadoras críticas; mas

detectamos dificuldades dos educandos em questionarem suas próprias

realidades e, por isso, muitas vezes não se colocavam como sujeitos de suas

elaborações.

A professora de Matemática, embora apresentasse pouca consistência política

em seu discurso, tinha uma prática que se preocupava com a

recontextualização do conteúdo, pois tentava relacioná-lo a uma situação que

fosse compreensível para os alunos e alunas Não obedecia o aparente rigor

metódico que faz parte do ordenamento hierárquico dos conteúdos, que é

sustentado por muitos docentes dessa disciplina.

Ela, entretanto, preservava e enfatizava o conceito de que a Matemática é uma

disciplina diferente das outras, por isso os alunos e alunas têm que estudar

161

muito e que os conteúdos dessa disciplina são importantes principalmente para

aqueles que querem ingressar em um curso da área de Ciências Exatas.

Com relação aos mapas curriculares, ambos os professores têm o livro didático

como um importante recurso de referência para seleção dos conteúdos,

embora a professora de Matemática o utilize com maior freqüência. Nota-se

uma diferenciação em relação a diversificação dos suportes de ensino, por

parte do professor de História, o que dá uma abrangência maior às atividades

por ele desenvolvidas em sala de aula, isso confirma a importância do currículo

operacional nas discussões pedagógicas.

Esta argumentação evidencia que, tacitamente, os docentes sabem o que

devem ensinar, seguindo a tradição, o costume e a cultura da escola. Por isso,

eles nem precisam conhecer o currículo oficial. Talvez, se o conhecessem mais

intimamente, poderiam até começar a questionar os porquês de tais recortes.

O que observamos é que o professor e a professora saem “bricolando” e

estabelecendo um currículo por sua conta, que não difere, conceitualmente, do

currículo prescrito oficialmente, e que pode até ser operacionalizado com

alguma originalidade, mas que dá pouca margem para a contestação. Também

detectamos que esse fator pode se constituir em impedimentos para

apropriação de novos paradigmas curriculares.

Apesar das árduas condições de trabalho dos docentes, que nos levam a dar

um destaque ao livro didático como um referencial de apoio (tanto para os

educadores quanto para os educandos ) percebemos que o currículo prescrito,

ao adentrar na sala de aula, é ressignificado em sua operacionalização com

interferência dos principais sujeitos ( professores, professoras, alunos e alunas)

que produzem e constroem novos saberes em suas práticas diárias.

162

Constatamos, por outro lado, o desconhecimento, por parte da escola e dos

docentes observados, das diretrizes traçadas pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais e pelo o Programa da Escola Sagarana, concluindo que a seleção

dos conteúdos escolares não termina nas decisões governamentais, mesmo

porque nem sempre ela é conhecida ou porque ela acaba acontecendo dentro

do cotidiano da sala de aula, onde o currículo realmente toma existência.

163

��

��

163

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, Antônio Carlos. Mapas desmontáveis: professores e alunos na produção do conhecimento escolar. Anais da 24ª Reunião Anual da Anped (Caxambú, de 24 a 28 de setembro de 2000).

APPLE, W. M. Política Cultural e Educação. São Paulo: Cortez. 2.000

________. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense. 1990

________. Currículo e poder. Revista Educação & Realidade. Porto Alegre , 14 (2):46-57, Jul/dez. 1989.

________.. A reconstrução cotidiana da cultura. Presença Pedagógica. V.2, n 11, set/out.1996.

AQUINO, Júlio Groppa. (org). A desordem na relação professor-aluno: Indisciplina, moralidade e conhecimento. In.: AQUINO, Júlio Groppa (org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus 1996.

ALVES, Alda Judith. O planejamento de pesquisa qualitativas em educação. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, 77, 53-61, maio 1991.

ARROYO, Miguel. G. Ofício de mestre: imagens e auto imagens. Petropólis: Vozes, 2001. 3ª edição.

BARRETO, Elba S. (org.) Os currículos do ensino fundamental para as escolas brasileiras. São Paulo: Autores Associados. 1998.

BATISTA, Antônio G. (1997) A avaliação do livro didático na escola fundamental. Presença Pedagógica v.3 n.15 maio/jun. 1997.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Brasília: MEC/ SEF, 1998.

BOGDAN, R.; BiklenS. Investigação qualitativa em educação: uma introdução a teoria e aos métodos. Porto Editora, 1994.

164

CARDOSO, Terezinha Maria. O potencial educativo da organização do trabalho escolar na formação do professor das séries iniciais do primeiro grau. Dissertação (Mestrado em Educação) Fae, UFMG, Belo Horizonte, 1991.

CARVALHO, João P. Observações sobre os currículos de Matemática. Presença Pedagógica v.2, n 7, jan/fev.1996.

CORTELLA, Mário Sérgio. A Escola e o conhecimento: Fundamentos epistemológicos e Políticos. São Paulo: Cortez. Instituto Paulo Freire, 2000.

CUNHA, Luiz Antônio. Educação, Estado e Democracia no Brasil. Niterói, RJ: Cortez, 1999.

CURY Carlos R, J. Os Parâmetros Curriculares Nacionais e o ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação, n 2, mai/jun/jul/ago. 1996.

DALBEN, Ângela Imaculada, L. F. O currículo escolar e a realidade do cotidiano. Educação em Revista (15):30-33.jun.1992.

DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sociocultural. n.4, p. 26-39. Ciclo de Conferências da Constituinte Escolar. Caderno Temático n.4. Projeto Político-Pedagógico.

D’AMBRÒSIO, Ubiratan. Entrevista. Educação Matemática em Revista, n7, v6. abril de 1999.

DOLL JR., William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre; Artes Médicas, 1997.

FIORENTINI, Dario, Corinta Maria Grisólia Geraldi, Elizabete Monteiro de A. Pereira (orgs.) Cartografias do trabalho docente. Professor(a) Pesquisador (a) Campinas, S.P : Mercado de Letras 1ª reimpressão 2000.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

165

________. As abordagens sociológicas do currículo: orientações teóricas e perspectivas de pesquisa. Educação & Realidade. Porto Alegre, 21(1):187-198, jan/jun 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998. 3ª edição.

_________, Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

_________; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio Janeiro: Paz e Terra, 1986.

FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria R; COSTA, Wanderley F. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1989.

GALLO, Sílvio. Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental: entre o oficial e o alternativo. Reunião Anual da Anped ( Caxambú, de 24 a 28 de setembro de 2000).

GERALDI, Corinta M. G. A produção do ensino e pesquisa na educação: estudo sobre o trabalho docente no curso de Pedagogia – Faculdade de Educação - Unicamp. Campinas. Tese de Doutorado em Metodologia de Ensino.

GIESTA, C. Nágila. Cotidiano escolar e formação reflexiva do professor: Moda ou valorização do saber docente?. Araraquara, SP: JM Editora Ltada. 2001.

GOODSON, Ivor. Currículo, teoria e história. Petrópolis: Vozes. 3ª edição 1999. Capítulo 2 Etimologias, Epistemologias e o emergir do currículo.

GOULART, Iris. B. O espaço não docente no fazer pedagógico. Relatório de Pesquisa. B.H: FAE/UFMG/ CNPQ. 1989.

166

HAMILTON, David. Sobre as origens dos termos classe e curriculum. Teoria e Educação, 6, 1992.

HERNANDEZ, F. Transgressão e Mudança na Educação. Porto Alegre: Artmed,1998.

HOFF, Míriam Schifferli. A Matemática na escola nos anos 80-90: críticas e tendências renovadoras. Cadernos de Pesquisa, n 98, p.72-84, ago,1996.

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A (org.). Vida de professores. Porto: Editora Porto, 1992.

IMENES, Márcio Luiz: LELLIS, Marcelo. A avaliação do livro didático: o caso da Matemática. Pátio, n 9, mai/jul, 1999.

JONHSON. Jr. M. Definições e modelos na teoria do currículo In: Currículo, Análise e debate. RJ: Zahar,1980.

LIBEDINSKY. Marta. Para uma leitura compreensiva dos livros escolares. In. LITWIN, Edith (org). Tecnologia educacional: política histórias e propostas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

LUCKESSI, Carlos Cipriano. O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem? Ciclo de Conferências da Constituinte Escolar p. 94-98. Caderno Temático n.3. Relação com o Conhecimento, maio de 2000.

LOPES, Alice C.R. Conhecimento escolar: processos de seleção cultural e de mediação didática. Educação & Realidade 21(1) 9:22 jan/jun.1996.

Kliebard M. H. Os princípios de Tyler. in. Currículo, Análise e Debate. RJ: Zahar. 1980.

MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A didática e as contradições da prática. Campinas, SP: Papirus, 1998.

________. Didática Teórica e Didática Prática para além do confronto. SP: Edições Loyola,1997.

167

MINAS GERAIS. Secretaria do Estado da Educação. Escola Sagarana. Coleções de Minas 1999 e 2000.

MINAS GERAIS. Secretaria do Estado da Educação. Programa para o Ensino Fundamental, (5ª a 8ª série) vol. V e II. 1995.

MINISTÉRIO da Educação e do Desporto – MEC. Guia de Livros Didáticos 5ª a 8ª séries PNLD 1999.

MONTEIRO, ANA, Maria. F. C. Professores: entre saberes e práticas. Revista Educação & Sociedade. Campinas, SP: CEDES (73) dez. 2000.

MOREIRA, Antônio F (org.). Currículo: Políticas e práticas. Campinas. SP: Papirus.1999.

MOREIRA, Antônio F. e SILVA, Tomaz T.(orgs.). Territórios contestados – O currículo e os novos mapas políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. ________,Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Papirus,1997.

________, Escola, Currículo e Construção do conhecimento – REVISTA TECNOLOGIA EDUCACIONAL. V 22 (118) mai/jun.1994.

________, Currículo: questões atuais. São Paulo: Papirus,1990.

________. Currículos e programas no Brasil, São Paulo: Papirus,1999 5ª edição.

________, Propostas curriculares alternativas: Limites e Avanços. Educação e Sociedade, ano XXI, n.73 dezembro de 2000.

________. A crise da teoria curricular crítica. In: COSTA, M. (org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Editora DP&A Rio de Janeiro, 1998.

________, Os parâmetros curriculares nacionais em questão. REVISTA EDUCAÇÃO & REALIDADE 21(1) 9:22 jan/jun.1996.

168

MORENO, Montsserat. Os temas transvessais e as matérias curriculares. Ciclo de Conferências da Coonstituinte Escolar. Caderno Temático n.3. Relação com o Conhecimento, p. 60-63 ano 2000.

NIKITIUK, L. Sônia (org). Repensando o ensino de História. São Paulo: Cortez, 2001.

OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro. Escola ou Empresa? Petrópolis: Vozes, 1998.

PAIS, Luiz Carlos. Didática da Matemática: uma análise da influência francesa. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.

Parecer da ANPEd sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais. Revista Brasileira de Educação, n 2, mai/jun/jul/ago. 1996.

PENIN, Sonia T. de Souza. A aula: espaço de conhecimento e lugar de cultura. Campinas, SP: Papirus, 1994.

ROCHA, Ubiratan. Repensando o ensino de História. In. Reconstruindo a História a partir do imaginário do aluno. Sônia M. Leite. Nitiuk (org.). 3ª edição São Paulo, Cortez 2001.

SANTOMÉ, T. Jurjo. Globalização e interdisciplinariedade: O currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

SELVA, Fonseca .G. A nova LDB e o ensino de História. Revista Presença Pedagógica. V.4.n. 20. mar/abr. 1998.

________. A nova LDB e o ensino de História. Revista Presença Pedagógica. V.4.n. 20. mar/abr. 1998.

SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo conhecimento e democracia: as lições e as dúvidas de duas décadas. Cadernos de Pesquisa. São Paulo (73): 59-66, maio 1990.

________. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1997.

________, Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1997.

169

SILVA, Tomaz Tadeu: MOREIRA, A. F (orgs). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis, R.J: Vozes, 1995.

SOARES, Magda B. Um olhar sobre o livro didático. Presença Pedagógica v.2, n 12 nov/dez. 1996.

SOBRINHO, José A. Plano decenal de educação para todos: perspectivas. Em Aberto, n 59, jul/set. 1993.

SOUZA, Maria Inez, S. Desencontros entre a produção historiográfica e livro didático. In Anais III Encontro Nacional: Perspectivas do Ensino de História. Curitiba, Universidade Federal do Paraná, p.301-313. 1998.

STEPHNOU, Maria. Currículos de História: Instaurando maneiras de ser, conhecer e interpretar. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de História, v. 18, n.36, p. 15-38.1998.

TARDIF, MAURICE et al. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, n.4 1991.

TERIGI, Flávia. Notas para uma genealogia do currículo escolar. Revista Educação & Realidade 21 (1) 9:22 jan/jun.1966.

TORRES, Rosa M. (org.). Que ( e como ) é necessário aprender?: necessidades básicas de aprendizagem e conteúdos curriculares. São Paulo: Papirus,1994.

VASCONCELOS, Renata N. Livro didático: o sentido e o significado na prática docente. Caderno de Educação n 13 nov. 1998.

YOUNG, Michael. Currículo e democracia: lições de uma crítica á “nova sociologia da educação” Educação & Realidade, Porto Alegre, 14 (2): 46-57,jul/dez 1989.

170

170

ABSTRACT

The aim of the current study was to investigate the options teachers have to

face when they have to deal with a curriculum offcially established. At the same

time it checks which objective or subjective factors the teachers base

themselves on when working with a selection of the school contents.

In order to contemplate this aim, I had to analyze the official curriculum in a

public school, and the curriculum in action until it gets in the classroom gaining

a new meaning and then becoming a working curriculum.

For the accomplishment of this study, I have selected the observation of two

classrooms of public school in Belo Horizonte, where I accompanied the action

of two teachers from two areas of the official curriculum: History and

Mathematics.

It was evident that the educators did not know about the official programs – the

National Curriculum Guidelines and Sagarana School Program – and that the

most common curricular map used by the teachers is the text book.

There are also several factors that interfere in the selective character of school

curriculum: the textbook as a pedagogical resource has a prominent role in this

selection. However this does not obscure the teacher’s actions, for, as they are

mediators in the learning teaching process, they can also operate this

selection.

171

The conclusion of this investigation indicates that even when the teachers have

a passive obedience to the official curriculum which gets to school through

different curricular maps, the teachers hold the autonomy of interfering,

modifying and giving another meaning to the contents during the interactive

process with their students in classroom.

172

ANEXO A

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PROFESSOR E PARA A PROFESSORA 1º) Esta escola tem Projeto Pedagógico?

2º) Qual a relação do seu trabalho com o Projeto Pedagógico?

3º) Não conhecer um projeto tem interferência em seu trabalho?

4º) Quais os conteúdos, atividades e objetivos você considera que sejam

importantes a escola trabalhar?

5º) Esta escola segue algum programa curricular oficial?

6º) O que você considera no momento que você vai elaborar suas atividades

pedagógicas diárias?

7º) Para você o que significa autonomia?

8º) Para você o que é o currículo?

9º) Como você seleciona os conteúdos com os quais você vai trabalhar?

10º) Você acha que o currículo desenvolvido nesta escola atende às

necessidades dos alunos e alunas?

11º) Como se dá o processo de avaliação nesta escola?

173

ANEXO B

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA ALUNOS E ALUNAS 1º) Esta escola tem um Projeto Pedagógico?

2º) Fale sobre os conteúdos que você estudou este ano na escola.

3º) Os professores e professoras discutem com vocês os conteúdos que vão

ser trabalhados?

4º) Você acha que os conteúdos trabalhados na escola se aplicam em sua vida

prática?

5º) Para você o que é o currículo?

6º) Você utiliza os livros didáticos adotados pela escola em sua casa?

7º) Fale um pouco sobre a disciplina Matemática.

8º) Como você avalia os conteúdos desta disciplina trabalhados este ano pela

professora?

9º) Fale um pouco sobre a disciplina História.

10º) Como você avalia os conteúdos desta disciplina trabalhados este ano pelo

professor?

11º) Como você analisa o processo de avaliação desta escola?

174

174

ANEXO C

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A ORIENTADORA EDUCACIONAL

1º) Esta escola tem um Projeto Pedagógico?

2º) Como se deu a sua elaboração?

3º) Em sua avaliação este projeto atende às demandas desta escola?

4º) É de conhecimento dos profissionais desta escola o Projeto Pedagógico?

5º) O serviço de Orientação Educacional tem um projeto específico?

6º) Para você o que é currículo?

7º) Esta escola segue algum programa oficial?

8º) Quais os conteúdos que você acha que a escola deve trabalhar?

9º) Você acha que o currículo desenvolvido nesta escola atende sua clientela?

10º) Como se dá o processo de avaliação desta escola?