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Rosa Maria Gonçalves 1,3 , Maria Helena Farinha 2,3 1 Médica 2 Médica Pediatra 3 Associação de Doentes com Lupus A SOCIEDADE CIVIL E O DOENTE REUMÁTICO

A sociedade civil e o doente reumático

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Este texto vai integrar o livro 'Doenças Reumáticas em Portugal: da Investigação às Políticas de Saúde' que será publicado pelo Observatório Nacional das Doenças Reumáticas – ONDOR.

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Rosa Maria Gonçalves1,3, Maria Helena Farinha2,3

1 Médica

2 Médica Pediatra

3 Associação de Doentes com Lupus

A SOCIEDADE CIVILE O DOENTE REUMÁTICO

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A SOCIEDADE CIVILE O DOENTE REUMÁTICO

Rosa Maria Gonçalves1,3, Maria Helena Farinha2,3

1 Médica

2 Médica Pediatra

3 Associação de Doentes com Lupus

No dia 14 de Janeiro de 2014 faleceu a Dra. Rosa Maria Gonçalves.Foi uma Vida dedicada ao Bem-estar dos Doentes com Lupus, e à Associação de

Doentes com Lupus, onde desde o início (há mais de 20 anos) trabalhou afincadamente contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da mesma, divulgando a doença e lutando pela defesa dos Direitos dos Doentes com Lupus.

Apesar das suas limitações físicas, graças à sua tenacidade, força de vontade e espi-rito de sacrifício, esteve sempre disponível para representar a Associação em múltiplos acontecimentos, contribuindo para o reconhecimento e prestígio da Associação a nível Nacional e Internacional.

Para com os Doentes com Lupus, que a qualquer hora e frequentemente contactavam a Dra. Rosa, solicitando a sua ajuda, havia sempre uma palavra amiga de conforto e esperança, dando-lhes apoio e orientando-os, de modo a resolver as suas dificuldades e minimizar o seu sofrimento.

A Associação sente profundamente a falta da Dra. Rosa Gonçalves. Com base nos va-lores que nos transmitiu, de perseverança, disponibilidade e dedicação, temos obrigação de, em conjunto, continuar o seu trabalho, contribuindo para um melhor conhecimento e divulgação da doença e seu controlo, e melhorar as condições de vida dos Doentes com Lupus, quebrando barreiras para defender os seus direitos.

Obrigada Dra. Rosa.

Helena Farinha(Associação de Doentes com Lupus)

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Uma sociedade justa é aquela que reconhece e aceita cidadãos diferen-tes, portadores de doenças crónicas, com algumas dificuldades e incapa-cidades, e procura melhorar a sua integração social, criando e alterando condições a vários níveis: facilitando a sua mobilidade, criando apoios na família, na educação, na saúde, no trabalho e na comunidade, de forma a facilitar a sua adaptação, contribuindo para que todos sejam cidadãos produtivos numa sociedade feliz e solidária.

Na sociedade atual o indivíduo está muito egocêntrico e muito ausen-te de “valores” essenciais como a integridade moral, respeito para com os indivíduos que apresentam mais dificuldades ou incapacidades, a solidariedade e o voluntariado, entre outros. Modificar este indivíduo, transmitindo-lhe estes valores, é um dever de todos, que deve começar desde cedo no seio da família e nas escolas, de modo a contribuir para uma sociedade mais equilibrada e dependente do trabalho e felicidade de todos, mesmo daqueles que necessitam de mais apoios.

É fundamental que todos se sintam úteis para o bem-estar geral, assim é necessário dar condições e apoios aos que precisam.

O doente crónico, apesar das suas limitações, pretende ser um cidadão participativo e ativo na sociedade.

O governo deve estar sensibilizado para as dificuldades sentidas pelos doentes crónicos, neste caso para o doente crónico reumático, de modo a poder contribuir através de apoios necessários a nível da família, insti-tuições de educação, saúde, trabalho e solidariedade social.

Família

As dificuldades sentidas pelas famílias são de vários níveis dependendo das dificuldades ou incapacidades do doente e também do seu grupo etário: criança, jovem, adulto, idoso.

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As dificuldades económicas são atualmente um problema de grande preocupação dos doentes crónicos. A necessidade de medicação, múl-tiplas deslocações a consultas e terapias várias, indispensáveis para o controle da doença e consequente diminuição das agudizações, tornam a vida destes doentes difícil e dispendiosa.

A nível das condições de habitação da família, dependendo do grau de incapacidade do doente, são por vezes necessárias obras de alteração para permitir melhor mobilidade e acessibilidade, para as quais a famí-lia não tem muitas vezes condições económicas.

A necessidade de acompanhamento dos doentes por elementos do agre-gado familiar nas suas várias deslocações traz também, para a família, vários constrangimentos pelas dificuldades a nível laboral do acompa-nhante.

O doente crónico, devido à sua doença, está sujeito a múltiplos interna-mentos, por vezes com alta precoce que exige continuação de tratamen-tos no domicílio e acompanhamento familiar por períodos prolongados.

A falta de flexibilidade de horários de trabalho, dos direitos dos acom-panhantes e dos apoios sociais e a incompreensão das entidades patro-nais coloca muitas vezes em risco o vínculo laboral, com consequente agravamento da situação económica de toda a família.

A família sofre um grande desgaste físico e emocional com o diagnóstico de uma doença crónica. Devido à difícil aceitação em todas as fases da vida, e muito particularmente nas idades mais jovens pela incapacidade a que conduz, é muito necessário o apoio psicológico ao agregado familiar.

Também na idade adulta ativa ou sénior, as dificuldades sentidas pelos doentes causam grande sofrimento para todos.

A falta de apoios no domicílio e de vagas em residências temporárias adaptadas às situações e a preços acessíveis, torna a vida deste doente

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muito difícil, conduzindo ao seu isolamento no domicílio, ao sedenta-rismo, à depressão e ao agravamento da doença que, por ser crónica, não tem esperança de cura e vai conduzindo lentamente a um fim muito doloroso para todos.

O apoio económico e social a cada doente e sua família, efetuado por técnicos especializados, é fundamental para identificar os problemas e dificuldades, e apoiar e orientar nas áreas mais necessitadas, de modo a manter o doente e familiares ativos e felizes no seu ambiente.

Escola e formação profissional

O início da escolaridade para uma criança com doença crónica pode ser um “trauma” se não houver o cuidado de preparar os outros alunos para uma melhor aceitação e integração das crianças com dificuldades ou incapacidades. Neste aspeto muito contribui positivamente a sensi-bilização e formação dos professores e outros agentes de educação para uma melhor compreensão das necessidades destas crianças.

A criança e o jovem com doença crónica reumática podem encontrar na sua aprendizagem escolar múltiplos obstáculos, que necessitam ser contornados de modo a poder atingir um bom resultado final.

Os pais devem poder escolher a escola para os seus filhos tendo em conta a importância da proximidade da residência, as condições físicas de fácil acessibilidade e mobilidade e a existência de aulas de apoio edu-cativo e de materiais adaptados.

Os pais devem também ter a possibilidade de preferência na escolha dos horários para os seus filhos, para que a criança possa manter as diferen-tes terapias em horário extra escolar, a fim de permitir uma melhor a gestão diária da família.

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Os vários períodos de ausência escolar por motivo de agudização da doença, por vezes com necessidade de internamentos hospitalares de longa duração, prejudicam uma aprendizagem regular. Assim é funda-mental a possibilidade de frequência de aulas de apoio em períodos de compensação.

As escolas devem dispor de apoios educativos, administrados por pro-fessores especializados, tendo em conta as capacidades e o ritmo de aprendizagem dos alunos, de modo a colmatar as suas dificuldades.

No fim da escolaridade obrigatória, o acesso ao ensino superior está tam-bém por vezes dificultado devido à necessidade de médias de elevadas que são dificilmente atingidas por estas crianças. Assim, considera-se neces-sário facilitar este acesso através de um contingente especial de ingresso à universidade de modo a não prejudicar o futuro profissional destes alunos.

Cuidados de saúde

Um doente crónico reumático é geralmente um doente difícil pela mul-tiplicidade de cuidados de saúde que necessita. Os doentes sentem-se por vezes “perdidos” por necessitarem de múltiplas consultas, exames complementares e medicação e várias terapias. Para contrariar este sen-timento é importante que o doente seja seguido medicamente por um clínico com disponibilidade, facilidade de contato, tempo para o apoiar e ouvir as suas queixas, dificuldades e preocupações, e que o saiba orien-tar para os cuidados mais especializados de que necessita.

O doente tem que se sentir apoiado por profissionais de saúde compe-tentes em quem confie e que lhe saibam transmitir a importância do controle da doença, para a qual é fundamental a adesão à múltipla me-dicação. Esta terapêutica pode implicar drogas potentes, como os imu-nossupressores, às quais se associam efeitos secundários complicados

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que podem contribuir para o abandono irrefletido da medicação por parte do doente ou da família, conduzindo ao aparecimento das fases de agudização e descontrole da doença.

Atualmente, a falta de médicos e de outros profissionais de saúde nos cui-dados de saúde primários, conduz a uma resposta de saúde desarticulada e com frequência a um difícil controlo da doença crónica. A dificuldade sentida no acesso às consultas de especialidade, motivada por longas listas de espera, assim como a difícil acessibilidade aos cuidados imprescindí-veis de fisioterapia, é frequentemente referida pelos doentes.

O doente crónico reumático tem que ter direito a uma vigilância regular e continuada da sua doença. Para tal é necessário criar uma resposta global e articulada, em tempo útil, das várias estruturas de saúde e so-ciais a nível primário e hospitalar e a nível da comunidade de modo a manter a doença perfeitamente controlada, evitando agudizações que são muito incapacitantes para os doentes e muito dispendiosas para a sociedade em geral.

Atividade laboral

O acesso ao mercado de trabalho por parte do doente crónico reumático apresenta com frequência algumas dificuldades. O diagnóstico de uma doença crónica é por si só limitador para a entidade patronal, provavel-mente relacionada com a ideia da necessidade de frequentes períodos de ausência ao trabalho.

Há que sensibilizar as empresas para uma melhor adaptação do trabalho ao trabalhador que revela algumas dificuldades.As alterações das condi-ções de acesso ao trabalho podem passar por:

— Criar “quotas” para profissionais com algumas incapacidades a nível do número total de trabalhadores;

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— Flexibilizar horários de trabalho;

— Possibilitar o trabalho em part-time;

— Possibilitar o desenvolvimento de trabalho a partir de casa nos perío-dos de agudização da doença;

— Possibilitar a existência de períodos de repouso ao longo do dia de trabalho, que podem por vezes ser necessários.

Comunidade

Várias instituições comunitárias como autarquias, juntas de freguesia, paróquias, centros sociais de convívio, associações de doentes, entre outras, devem colaborar para facilitar a vida dos doentes crónicos parti-cipando de várias maneiras como:

— Procurando eliminar barreiras físicas, melhorando a mobilidade dos doentes;

— Criando condições de transportes acessíveis;

— Resolvendo pequenas remodelações no domicílio dos doentes com piores condições económicas, de modo a permitir uma melhor mobili-dade;

— Fornecendo refeições confecionadas e prestação de algumas tarefas domésticas;

— Fornecendo apoio domiciliário para os cuidados de higiene aos doentes com mais incapacidades.

Os centros de dia, proporcionando atividades de convívio e lazer e

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dispondo de pessoal sensibilizado e treinado para trabalhar com pes-soas com algumas dificuldades, são uma mais-valia para criar momen-tos de prazer e socialização fundamentais e para evitar o isolamento e aumentar o bem-estar dos doentes.

A existência na comunidade de residências assistidas, de fácil acesso em termos económicos, é muito importante e necessária para fornecer apoio temporário, não só à pessoa com incapacidade mas também aos cuidadores, que são muitas vezes esquecidos e cujas necessidades são desvalorizadas. Um indivíduo tem que se sentir bem para poder cuidar regularmente de quem dele precisa.

Associações de doentes

As associações de doentes são instituições de solidariedade social que têm por principal objetivo ajudar o doente a aceitar melhor a sua defi-ciência, contribuindo para desenvolver a sua autonomia, defendendo os seus direitos de modo a minimizar o seu sofrimento e melhorar as suas condições de vida.

As associações de doentes trabalham na divulgação da doença e na promoção da saúde, apoiando os doentes crónicos, desenvolvendo projetos e programas científicos através de ações articuladas, ou não, com instituições várias ligadas à saúde, educação e solidariedade social. Desenvolvem também ações com entidades governamentais de modo a ajudar a ultrapassar as dificuldades dos doentes, para que estes não se sintam excluídos de uma sociedade que parece só valorizar o belo, o perfeito e o eficiente mas, pelo contrário, se sintam ativos e colaborantes na construção de uma sociedade mais humana e solidária onde todos são necessários para o bem comum.

As associações de doentes devem preocupar-se também com a verten-te social e de bem-estar do doente com dificuldades, evitando o seu

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isolamento e promovendo a sua integração em atividades formativas e lúdicas de modo a adquirir mais competências.

Os Doentes devem sentir que as Associações de Doentes são como que um “porto de abrigo” -um espaço de encontro para doentes, famílias e cuidadores que sofrem as mesmas dificuldades mas procuram ultrapas-sá-las e aprendendo com as experiências e vivências de outros doentes.

A participação das associações de doentes em trabalhos de investigação com instituições de saúde ou outras promovem o real conhecimento do indivíduo com doença crónica e as suas limitações.

A ação conjunta das várias associações de doentes com doenças reumá-ticas a nível nacional e internacional proporciona troca de experiências e enriquecimento de conhecimentos de todos, com benefícios princi-palmente para doentes e família.

As associações de doentes devem procurar estabelecer “pontes de liga-ção” entre os doentes e os vários universos que os rodeiam e que muito podem contribuir para o seu bem-estar: família, amigos, médicos e ou-tros técnicos de saúde, técnicos de educação e também os políticos e a sociedade em geral.