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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS
A TRADUÇÃO DE MARCAS IDENTITÁRIAS
NAS LEGENDAS DO FILME UMA ONDA NO AR
Mariana Ferreira Ruas
RIO DE JANEIRO
2012/1
1
A TRADUÇÃO DE MARCAS IDENTITÁRIAS NAS LEGENDAS
DO FILME UMA ONDA NO AR
Mariana Ferreira Ruas
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós- Graduação em Letras Neolatinas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
como quesito para a obtenção do Título de
Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua
Espanhola).
Orientadora: Profa. Dra. Ma. Mercedes
Riveiro Quintans Sebold.
Rio de Janeiro
Março de 2012
2
Ruas, Mariana Ferreira.
A tradução de marcas identitárias nas legendas do filme Uma onda no ar / Mariana
Ferreira Ruas – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2012.
xii, 87 f.: Il.; 29,7 cm.
Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Língua Espanhola), 2012.
Referências Bibliográficas: f. 99-104.
1. Tradução para legenda. 2. Marcas identitárias. 3. Estudos descritivos. I. Sebold,
Maria Mercedes Riveiro Quintans. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade
de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. III. Título.
3
A tradução de marcas identitárias nas legendas do filme Uma onda no ar
Mariana Ferreira Ruas
Orientadora: Professora Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas (opção língua espanhola) da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em
Letras Neolatinas.
Aprovada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold - UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Márcia Atálla Pietroluongo - UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Aurora Maria Soares Neiva - UFRJ
________________________________________________
Profa. Doutora Angela Maria da Silva Corrêa – UFRJ, Suplente
________________________________________________
Profa. Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Março de 2012
4
Se aprende en la cuna,
se aprende en la cama,
se aprende en la puerta de un hospital.
Se aprende de golpe,
se aprende de a poco
y a veces se aprende recién al final
Jorge Drexler
Dedico esta dissertação àqueles que não puderam chegar até aqui, na esperança de que
o meu trabalho possa levar-me ao encontro deles.
5
AGRADECIMENTOS
À força maior que comanda o Universo, por colocar em meu caminho pessoas que me
ajudaram a chegar até aqui.
À minha família, porque se hoje sou Mestre eles já são Doutores em embarcar comigo
nas minhas empreitadas, por mais impossíveis que elas possam parecer. À Elena e
Paulo, meus pais, pelo apoio incondicional, à Thais e Cibele, pelos mimos de irmãs
mais velhas, ao Denis e Rogério, pela segunda família.
À Professora Mercedes Sebold, por ter me acolhido, pela paciência, pelas oportunidades
que de outra forma eu não teria e por ter sido sempre tão generosa. Obrigada pelo
privilégio da convivência acadêmica e pessoal.
Aos Professores Elzimar Goettenauer e Cristiano Barros, por todos os anos de conselhos
durante a graduação e por me receberem com palavras sinceras e encorajadoras quando
as minhas forças pareciam esvair-se.
Aos excelentes Professores do setor de Espanhol da FALE/UFMG, por alimentarem
com maestria minha vontade de conhecer o universo hispânico.
Às Professoras Márcia Pietroluongo e Consuelo Alfaro, pelos conselhos durante aulas e
Colóquios. Apesar de breves, sempre foram certeiros e fizeram com que eu
aperfeiçoasse minhas ideias.
À Professora Aurora Neiva, pela disponibilidade em ler meu trabalho e participar da
banca.
Ao Lucas, por ser meu grande companheiro, por saber entender minhas ausências, por
estar ao meu lado e comigo desde o começo das tristezas e das alegrias e,
principalmente por me dar motivos para acreditar.
À Racchel, pela amizade e por me dar a oportunidade de ter uma “irmã” caçula.
À família Silva, pelo aconchego e pelas portas abertas.
À minha madrinha Ilva, pela torcida constante e por me deixar de herança (ou praga) o
desejo de aprender.
Aos mais novos mestres Sara e Victor, pela angústia compartilhada, pelas descobertas
divididas e pelo privilégio de tê-los como ouvintes.
Aos amigos Talita, Wander, Igor, Bruna, Ana Paula, Bruno Alberto e Estevão por
apostarem em mim mais do que eu e por serem como são.
Aos cariocas da gema Rachel, Flávia, Carolina e Diego por tornarem mais leves os
momentos de tensão durante o mestrado e por acompanharem de perto cada passo dado.
À Rayana por ter dividido comigo os puxões de orelha e o trabalho pesado.
6
Aos companheiros e coordenadores do CACS e do CENEX, por conviverem com as
muitas idas e vindas.
A todos os meus alunos, por me ensinarem muito mais do que eu os ensinei. As
perguntas de vocês incentivam minha busca por respostas.
Ao tradutor do filme que, gentilmente, concedeu-me a entrevista que compõe o corpus
desta dissertação e à Simone Matos, da Quimera, que disponibilizou as listas de
diálogos do filme em português e espanhol.
7
“Un traductor alemán tradujo un cuento mío que en
algún lugar decía "llega un oscuro". Él, sin darse
cuenta de que se trataba del pelaje de un caballo,
tradujo "llegaba el crepúsculo". Claro, traducía por
el diccionario. Pero es el diccionario mismo el que
induce a error. De acuerdo a los diccionarios, los
idiomas son repertorios de sinónimos, pero no lo
son. Los diccionarios bilingües, por otra parte,
hacen creer que cada palabra de un idioma puede
ser remplazada por otra de otro idioma. El error
consiste en que no se tiene en cuenta que cada
idioma es un modo de sentir el universo o de
percibir el universo.”
(BORGES, 1976.)
8
RESUMO
A TRADUÇÃO DE MARCAS IDENTITÁRIAS NAS LEGENDAS
DO FILME UMA ONDA NO AR
Mariana Ferreira Ruas
Orientadora: Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).
O objetivo da dissertação é verificar as estratégias utilizadas pelo tradutor ao validar
suas escolhas linguísticas e a motivação que o levou a fazer tais escolhas. O corpus que
constitui esta dissertação está formado pelas legendas traduzidas para o espanhol da
produção brasileira Uma onda no ar (2002). Para alcançar esse objetivo, foram
selecionadas as marcas identitárias que caracterizavam o grupo social representado no
filme, moradores de uma favela de Belo Horizonte e, posteriormente, verificou-se como
tais marcas foram traduzidas para o espanhol. As análises evidenciaram uma
normatização do texto original corroborando a hipótese inicial de que o tradutor tentaria
omitir as marcas de oralidade de um registro informal. Considerando-se a noção de
tradução adotada que a vê como um fato da cultura que a recebe (Toury, 2004), conclui-
se que nas legendas para o espanhol a identidade social do grupo representado não
encontra um equivalente na tradução proposta. Além dos diálogos, foi feita uma
entrevista com o tradutor que reforçou a caracterização de suas ações como intuitivas e
desprovidas de reflexão linguística e teórica acerca do processo tradutório.
Palavras-chave: tradução, legenda, marcas identitárias.
9
RESUMEN
LA TRADUCCIÓN DE MARCAS DE IDENTIDAD EN LOS SUBTÍTULOS
DE LA PELÍCULA UMA ONDA NO AR
Mariana Ferreira Ruas
Orientadora: Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).
El objetivo de este trabajo de investigación es verificar las estrategias utilizadas por el
traductor en el momento de validar sus elecciones lingüísticas y la motivación que lo
condujo a hacer dichas elecciones. El corpus que constituye este trabajo está formado
por los subtítulos traducidos al español de la producción brasileña Uma onda no ar
(2002). Para tanto, se han seleccionado las marcas de identidad que caracterizaban el
grupo social representado en la película, moradores de una favela de la ciudad de Belo
Horizonte y, posteriormente, se verificó cómo tales marcas han sido traducidas al
español. Los análisis evidenciaron una normalización lingüística del texto original
corroborando la hipótesis inicial de que el traductor intentaría omitir las marcas de
oralidad de un registro informal. Considerando la noción de traducción adoptada que la
ve como un hecho de la cultura que la recibe (Toury, 2004), se concluye que en los
subtítulos al español la identidad social del grupo representado no encuentra un
equivalente en la traducción propuesta. Además de los diálogos, se ha hecho una
entrevista con el traductor que reforzó la caracterización de sus acciones como intuitivas
y desprovistas de reflexión lingüística y teórica sobre el proceso de traducción.
Palavras clave: traducción, subtítulo, marcas de identidad.
10
ABSTRACT
THE TRANSLATION OF IDENTITARY TRAITS IN SUBTITLES
FROM THE MOVIE UMA ONDA NO AR
Mariana Ferreira Ruas
Orientadora: Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold
Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).
The aim of this Master’s thesis is to look into the strategies used by the translator to
validate his linguistic choices and his motivation for making such choices. The corpus
in this research is constituted by the Spanish subtitles for the Brazilian film Uma onda
no ar (2002). In order to achieve my goal, I selected identitary traits that characterize
the social group portrayed in the movie, inhabitants of one of the slums in Belo
Horizonte, to later check how these traits have been translated into Spanish. My analysis
has shown a normalization of the original text proving right the initial hypothesis that
the translator would omit the traits of orality from an informal register. Considering that
translations are “facts of target cultures” (Toury 2004), I could come to the conclusion
that the Spanish subtitles lack social identity from the group represented.
Besides the dialogues from the movie, I interviewed the translator who reinforced his
actions as intuitive and bearing no theoretical and linguistic thinking about the
translation process.
Keywords: translation, subtitles, identitary traits
11
SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................................... 12
1. Sobre identidade ........................................................................................................ 16
1.1. As línguas do tradutor .......................................................................................... 21
2. Sobre tradução ........................................................................................................... 25
2.1. Os Estudos Descritivos da Tradução ................................................................... 26
2.2. Tradução para legendas ........................................................................................ 29
2.3. Procedimentos técnicos da tradução .................................................................... 33
3. Metodologia ............................................................................................................... 38
3.1. Análise das listas de diálogos .............................................................................. 38
3.2. Entrevista ............................................................................................................. 39
4. Análise ........................................................................................................................ 42
4.1. Listas de diálogos ................................................................................................. 42
4.2. Entrevista ............................................................................................................. 75
4.3. Uma leitura conjunta dos dados ........................................................................... 92
5. Considerações finais .................................................................................................. 96
Referências bibliográficas ............................................................................................. 99
Anexos ........................................................................................................................... 105
I. Roteiro de entrevista .............................................................................................. 105
II. Convenção para transcrição de dados .................................................................. 108
III. Transcrição da entrevista .................................................................................... 109
IV. Tabela de categorização das legendas ................................................................ 117
V. Listas de diálogos em espanhol e português .................................................. em CD
12
INTRODUÇÃO
A tradução é uma prática existente desde a antiguidade. Há registros de que a
primeira grande tradução realizada em nossa cultura, do hebraico para o grego, tenha
ocorrido entre os séculos III a.C. e I a.C. A primeira tradução literária de uma língua à
outra foi realizada por volta do ano 250 a.C.; tratava-se da tradução ao latim da Odisséia
de Homero por Lívio Andrônico (FURLAN, 2008). Entretanto, pode-se dizer que a
partir do século passado é que emergiu o termo Estudos da Tradução, cunhado por
Holmes em 1972.
Como atividade, a tradução se subdivide em vários campos, porém, em termos
numéricos, a tradução audiovisual, tema desta dissertação, configura-se como a
atividade mais importante do nosso tempo, como afirma o teórico Jorge Díaz Cintas
(2001). Sua importância advém do fato de que através principalmente do cinema, da TV
e do DVD, a tradução audiovisual atinge um público bastante superior àquele de
qualquer outro tipo de tradução.
Dentro das modalidades de tradução audiovisual (TAV), encontramos a
legendagem aberta (ou interlingual), caracterizada pela inserção do texto traduzido em
formato de legendas na tela de exibição (MARTINEZ, 2007). Tal modalidade possui
particularidades quanto aos aspectos lingüísticos envolvidos, como o fato de estabelecer
um contato entre dois códigos distintos - oral e escrito – e as barreiras que o tradutor
encontrará devido à censura das produtoras, às constantes críticas – de leigos e
especialistas e à quantidade exígua de caracteres disponíveis para a elaboração da
legenda. Gottlieb (1998) sinaliza que as limitações de caracteres e tempo de exposição
13
da legenda obrigam o legendador a fazer uma redução nos diálogos que pode chegar a
um terço do volume total do texto original.
O corpus que constitui esta dissertação está formado pelas legendas traduzidas
para o espanhol do filme Uma onda no ar, de Helvécio Ratton. A partir da análise das
listas de diálogos em ambas as línguas, busco selecionar as marcas identitárias que
caracterizam um grupo social específico e observar como as mesmas são expressas nas
legendas em espanhol.
Considerando-se a variação das línguas e seus possíveis registros de uso
(variação social), minhas questões de pesquisa foram: Como um tradutor experiente lida
com essas questões no processo do seu trabalho? Se a tradução está condicionada à
cultura alvo, já que ela impulsiona o processo tradutório (TOURY, 2004) quais são as
escolhas linguísticas de um tradutor no momento de reconstruir as marcas identitárias
no texto traduzido, tendo como ponto de referência o texto original?
Mais que observar a correspondência ou não da tradução nas duas línguas,
minha proposta é a de verificar as estratégias utilizadas pelo tradutor ao validar suas
escolhas linguísticas e a motivação que o levou a fazer tais escolhas.
Considerando-se que o filme legendado terá como público uma grande
diversidade de comunidades que falam o espanhol e se caracterizam por apresentar
variações linguísticas internas, levanto as hipóteses de que (1) o tradutor tentará omitir
marcas de oralidade de um registro informal que caracterizam fortemente o grupo social
representado, preferindo formas da norma culta e do registro escrito e (2) buscará
utilizar um espanhol mais homogêneo e sem marcas específicas, adequando-se melhor
às necessidades comunicativas mais diversas e, consequentemente, distanciando o
discurso de seu lugar de origem.
14
Para os estudos descritivistas, a tradução se define como uma atividade que
relaciona pelo menos duas línguas e duas tradições culturais (TOURY, 2004). Devido
às limitações impostas pela legendagem, como a impossibilidade de inclusão de notas
de rodapé ou explicações mais extensas sobre um determinado item lexical ou expressão
cultural, cabe ao legendador a difícil tarefa de reconstruir, na língua alvo, aquelas
relações entre a língua e a cultura que se estabeleceram no texto original.
Para alcançar os objetivos propostos e discutir as questões suscitadas pela
tradução de marcas identitárias, esta dissertação está organizada em quatro capítulos,
além desta Introdução e da seção de Considerações Finais e dos Anexos.
O primeiro capítulo está dividido em duas partes. A primeira delas é destinada
ao exame de conceitos e noções relativos à formação de identidade, mostrando como
diferentes autores entendem a questão identitária e de que forma a identidade é um
ponto fundamental para as reflexões que serão empreendidas ao longo deste trabalho.
Em seguida, discuto e defino a noção de língua adotada em minha análise.
A segunda parte está dedicada ao exame do contato estabelecido entre o tradutor
e as duas línguas em jogo durante a tradução. Para isso, apresento algumas teorias que
dão conta da entrada na língua estrangeira como um fator desestabilizador da identidade
do indivíduo.
No segundo capítulo, além de apresentar os conceitos fundadores do Modelo
Descritivo da Tradução (EDT) propagados pelo teórico Toury, são expostas as
particularidades da tradução para legendas e estudos recentes que abordam o tema no
Brasil. Também nesse capítulo, defino os procedimentos técnicos que serão utilizados
posteriormente na análise das listas de diálogos do filme, tomando inicialmente como
base a proposta de Barbosa (1990).
15
É no terceiro capítulo que apresento os procedimentos metodológicos da
pesquisa, descrevendo os instrumentos utilizados para a composição do corpus e para a
coleta de dados.
O quarto capítulo está reservado à análise dos dados, dividindo-se em três
seções. Na primeira seção, serão apresentados os dados colhidos nas listas de diálogos,
mediante exemplos que serão cotejados a partir dos procedimentos propostos por
Barbosa (1990) além de outros. Na segunda seção, serão analisados excertos da
transcrição da entrevista concedida pelo tradutor. Durante as análises são identificadas
as estratégias discursivas do tradutor ao demonstrar sua definição de alguns conceitos
como tradução, formação, língua e variação linguística.
Na terceira e última seção pretendo estabelecer um ponto de contato entre os
dados das duas seções anteriores, buscando compreender melhor as escolhas realizadas
pelo tradutor e esboçando um encaminhamento às conclusões deste trabalho.
Passo ao texto.
16
1. SOBRE IDENTIDADE
O objetivo principal do estudo que se busca empreender é o de entender como
são tratadas, na legenda ao espanhol, as marcas identitárias representativas de um grupo
social específico. Para tal, pauto-me na ideia defendida por Toury (2004, p.97) de que a
tradução é uma atividade que coloca em contato ao menos duas línguas e duas tradições
culturais. Além disso, a teoria descritivista da tradução, defendida pelo teórico citado,
propõe uma abordagem orientada ao polo meta1, por considerar que a cultura de
chegada determina as características da tradução e influencia os procedimentos e
escolhas do tradutor.
Considerando-se que o tradutor é receptor de pelo menos duas línguas e culturas,
e que sua inserção no processo tradutório ocorre de maneira ativa, através de suas
escolhas, entendo que a imagem defendida pelos estudos tradicionais (Catford, 1980;
Mounin, 1963) de que a tradução seja um veículo neutro entre a obra “original” e suas
“versões” e o tradutor uma ponte entre dois sistemas linguísticos, não dá conta de
explicar as complexas relações que se estabelecem entre texto fonte e meta. A
concepção de Coracini (2007), de que o tradutor é “um sujeito entre-línguas-culturas” e
que transita entre a “sua” língua e a língua do outro, parece oferecer mais subsídios para
tratar o lugar ocupado pelo tradutor.
Optar por uma definição de um termo como o de “língua” torna-se fundamental,
então, para construir todos os outros tópicos que dependem desse entendimento. É
frequente a associação entre língua e instrumento de comunicação ou como sistema de
1 A postura de Toury consiste em estudar a tradução a partir do texto meta, ou seja, o texto traduzido,
diferentemente do que se fazia até a década de 1970, quando o foco ainda recaía sob o texto original.
Para o teórico, a cultura-meta (ou alvo) determina a necessidade da tradução, pois a mesma é produzida
para suprir um vazio desse sistema.
17
sons (REVUZ, 1998, p.218), porém, atualmente muitos estudiosos, principalmente da
área da sociolinguística e da linguística aplicada, têm ressaltado sua função enquanto
elemento construtor da identidade de um indivíduo e da sua comunidade.
Antes mesmo de nascer estamos, como afirma Revuz (1998), ligados a um
ambiente que nos oferece palavras. Mesmo que, num primeiro momento, a criança não
possa reproduzir ou produzir outras palavras a partir das que recebe já se vê inserida em
um ambiente de significação. Da mesma forma, os sentidos não existem por si mesmos,
mas se dão junto ao sujeito, pois “ao significar, nos significamos” (ORLANDI, 2002,
p.205), sendo os mecanismos de produção de sentidos os mesmos de produção dos
sujeitos. De forma complementar, concebe-se a relação entre sujeito-língua como de
interdependência, pois se as línguas (enquanto estrutura) preexistem aos sujeitos, é só
nesse sujeito que os sentidos se atualizam (FROTA, 2000).
Mello (1999) faz coro à intrínseca relação entre língua e identidade, agregando-
lhe a noção de comportamento social ligada à cultura e história de um povo. Entretanto,
a autora ressalta a impossibilidade de conceber que “cada país possui uma língua falada
de forma uniforme por todos aqueles que vivem dentro dos limites de suas fronteiras”
(MELLO, 1999, p.23), afirmando que não existem dois grupos sociais idênticos,
inclusive no que diz respeito ao âmbito linguístico.
A noção de que um país é uma nação monolíngue (BORTONE, 2007; MELLO,
1999) exclui as variações existentes e as minorias linguísticas e socioculturais. A
diversidade linguística que caracteriza todas as línguas naturais não pode, segundo
Mello (idem), ser discutida apenas em aspectos puramente espaciais, pois entram em
jogo também a dimensão social de grupos de indivíduos e o contexto situacional. Desse
18
complexo emaranhado de constituintes, emergem os estereótipos, quase sempre
preconceituosos, a partir do significado social atribuído à variação linguística.
O fato de que países possuam variedades de língua legitimadas como nacionais,
instala o prestígio de determinada norma em detrimento de outras, consideradas menos
adequadas e corretas. Ainda que exista uma variedade que é imposta como norma
padrão, as necessidades de uso ativam “normas” diferentes da língua, sendo possível
afirmar que nenhum indivíduo, mesmo aquele pertencente à elite representativa do
padrão prestigioso, fala uma única variedade linguística, “mas várias, dispostas em um
continuum” (MELLO, 1999, p.27).
Concebendo a língua como construtora da identidade dos sujeitos e como
comportamento social, esbarrei em uma pergunta inicial, pois afinal o que é identidade?
Como discutido por Silva (2000, p.74), em um primeiro momento identidade é “aquilo
que se é: ‘sou brasileiro’, ‘sou negro’, ‘sou heterossexual’, ‘sou jovem’, ‘sou homem’”.
Dessa forma, a identidade passa a ser algo auto-suficiente, uma entidade
independente. Porém, a diferença se estabelece pelo mesmo caminho, em oposição à
identidade. Assim, a diferença “é aquilo que o outro é: ‘ela é italiana’, ‘ela é branca’,
‘ela é homossexual’” (SILVA, 2000, p.74). Portanto, podemos compreender que
identidade e diferença estão em uma relação de interdependência, uma vez que só faz
sentido afirmar “sou brasileiro” quando pensamos que existem outros humanos que não
são brasileiros, outros que são diferentes.
Alguns estudiosos das teorias do discurso e da psicanálise entendem a identidade
como
algo instável, sempre em movimento, heterogênea e conflituosa, ou melhor,
[ela se constitui] como ilusão ou “sentimento” de totalidade que torna
presente o que está ausente ou temporalmente adiado. (CORACINI, 2007,
p.198)
19
Stuart Hall (2006) afirma que as novas identidades caracterizam-se por sua
instabilidade, e que o indivíduo pós-moderno é um sujeito fragmentado e mutável. Para
o teórico das ciências sociais, estamos vivendo um processo de mudança no qual a
identidade é uma “celebração do móvel”, pois passa constantemente por
transformações. Em suas palavras
Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas. (...) A identidade plenamente unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de
significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por
uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.
(HALL, 2006, p.13)
Hall argumenta que os limites geográficos entre os países já não separam os
indivíduos que os constituem. Segundo o autor, as identidades nacionais percorrem dois
caminhos em sentidos distintos: paralelamente à desintegração das identidades, ocorrem
movimentos de resistência e reforço dessas mesmas identidades. Desse embate, surgem
novas subjetividades; identidades misturadas, híbridas. O contato com o outro nunca foi
uma novidade, porém na pós-modernidade temos contato, de forma contínua, com
vários outros, com vários modelos de identidades e culturas, o que dificulta nosso
pertencimento a um modelo de identidade fixa.
Identidade e diferença são relações sociais e sua definição, como afirma Silva
(2000), “está sujeita a vetores de força, a relações de poder”. No discurso, as marcas de
poder podem ser visualizadas como inclusão ou exclusão (estes x aqueles), demarcação
de fronteiras (nós x eles), classificação (bons x maus), normalização (normais x
anormais). Para o autor, classificar o mundo entre ‘nós’ e ‘eles’ é fazê-lo
hierarquicamente e tal mecanismo sempre é feito desde o ponto de vista da identidade.
20
Dividir e classificar, amplamente, significa hierarquizar, organizando as relações
sociais em operações de poder. E, como identidade e diferença são estreitamente
dependentes, afirmar a homogeneidade da identidade é impossível, uma vez que é
assombrada pelo Outro, “sem cuja existência ela não faria sentido” (SILVA, 2000,
p.84).
A noção de identidade permitirá discutir o lugar em que se encontra o sujeito
tradutor, retomando a definição de tradução como uma atividade de contato entre duas
línguas e suas culturas. Também me apoiarei no conceito ao estabelecer as marcas
discursivas que comporão o corpus de análise, tarefa que será empreendida como parte
dos objetivos gerais desta pesquisa.
Afinando a noção de identidade à intenção supracitada, tomarei como referencial
os estudos de Maffesoli (2010) sobre as tribos. O autor desenvolve a concepção de que
a pós-modernidade, tendo em vista os resultados desagregadores produzidos pelo
estímulo ao consumo de bens materiais como forma de estabelecimento de uma
identidade, possibilitou o retorno do sentido de comunidade à tribo, no intuito de
promover a identificação do indivíduo a um conjunto de pessoas com gostos e costumes
similares.
Para os propósitos deste estudo, assumo a identidade a partir das teorias
supracitadas e entendo que o sujeito pós-moderno constitui-se como heterogêneo e que
dentro dele há identidades contraditórias, que estão sendo continuamente deslocadas. O
tradutor, como sujeito da pós-modernidade, se insere nesse contexto mutável. Além
disso, a tradução propicia um contexto ainda mais complexo, uma vez que “língua
materna” e “língua estrangeira” se interpenetram na constituição da identidade de um
21
mesmo indivíduo, estabelecendo-se, portanto, um lugar onde se confundem, apagam ou
se embaraçam os limites de uma e outra (CORACINI, 2007, p.198).
1.1 – AS LÍNGUAS DO TRADUTOR
Além de asseverar que a tradução se define como uma atividade que relaciona pelo
menos duas línguas e duas tradições culturais (TOURY, 2004), os estudos descritivistas
consideram que a atividade tradutória está condicionada à cultura alvo e é regulada por
normas, estratégias que embora não sejam de uso obrigatório estão convencionadas pelo
uso e pela aceitabilidade que gozam entre o público receptor.
Embora Jakobson (1999, p.65) afirme que a tradução envolve duas mensagens
equivalentes em dois códigos diferentes, concordo com Baker (1992 apud AGRA,
2011; MAGALHÃES, 2006) no sentido de que a equivalência em tradução é relativa,
sendo influenciada por diversos fatores linguísticos e culturais. Toury (2004) considera
que é impossível chegar à equivalência total na tradução, já que sua própria natureza
implica que a diferença entre as duas línguas deverá ser mantida nesse processo
interlinguístico.
Como já foi definido anteriormente, entendo a tradução como uma atividade
complexa de produção de sentidos, que coloca em contato pelo menos duas línguas e
duas culturas. O tradutor, então, não é considerado como uma ponte ou um veículo
neutro à disposição do autor (CORACINI, 2007, p.198), mas sim um sujeito que se
encontra “entre-línguas-culturas” e que se constitui também do Outro, representado pela
língua estrangeira. Entretanto, uma vez que parto da noção de que a língua é construtora
da identidade, o contato com a outra língua, que não é a “sua”, traz consigo uma série de
22
implicações na configuração do sujeito, como defende Revuz (1998, p.227) “aprender
uma língua é sempre, um pouco, tornar-se um outro”.
A prática da tradução põe em contato duas línguas diferentes, duas maneiras de
construir o mundo dos sentidos (REVUZ, 1998). Essa “entrada” na língua estrangeira,
na língua do “outro”, rompe a ideia da possibilidade de equivalência total entre línguas
e descola o “real” do “linguístico”, revelando a arbitrariedade de todos os sistemas de
significação linguística.
Outro ponto que deve ser esclarecido é o entendimento do que chamo “original”
em oposição à tradução. Compartilho a visão pós-estruturalista no que diz respeito à
impossibilidade de significados estáveis em um texto (BRITTO, 2006), unida à ideia de
que ler não é descobrir os significados “originais” do texto (ARROJO, 1993), mas sim
criar significado. Arrojo (1992) alega que é impossível conceber um nível de apreensão
neutra de significados, pois não se pode vislumbrar um sujeito que teorize fora de um
contexto sócio-histórico-cultural e que pudesse desfazer-se de suas crenças, emoções e
desejos no momento de sua atividade teórica, da mesma forma não “podemos ler um
texto sem que projetemos nessa leitura as circunstâncias e os padrões que nos
constituem enquanto leitores e membros de uma determinada sociedade” (ARROJO,
1993, p.19).
Aplicadas à tradução, essas conclusões reformulam o conceito de texto
“original”, pois por um lado não existe o “original” como objeto estável e, por outro, a
própria atividade tradutória implica duas línguas que são diferentes e variáveis. A
tradução, por si só, envolve diferença de uma cultura à outra, variação dentro de uma
cultura e mudança através do tempo (TOURY, 2004, p.72).
23
É certo que encaro a tradução como forma de contato entre duas línguas
diferentes e, nesse caso, o português brasileiro (PB) e o espanhol. Contudo, nego a visão
de língua uniforme, estanque e invariável para afirmar que os falantes de uma
determinada língua, apesar de fazerem uso do mesmo sistema linguístico, apresentam
variações distintas deste sistema.
Mello (1999, p.25) lista três dimensões que entram em jogo na diversidade
linguística: espacial, social e de domínios situacionais. A primeira dimensão relaciona-
se a uma área geográfica, por exemplo, um país, uma cidade, um bairro; a segunda é
determinada pelo uso da língua em diferentes segmentos da sociedade; por último
também é fundamental pensar que contextos de fala diferentes requerem estilos ou
registros diferentes.
E, da mesma forma em que “não há dois grupos sociais idênticos em todos os
seus aspectos, inclusive o linguístico” (MELLO, 1999, p.23) também não existem dois
falantes que compartilham exatamente a mesma língua. Todas essas considerações
apoiam a defesa da complexidade da tradução e também da identidade do tradutor,
sujeito perpassado por duas línguas e modificado por elas.
O tradutor, modificado pelo “outro” (sua língua e cultura), é confrontado todo o
tempo com outro “recorte do real” (REVUZ, 1998, p.223), diferente daquele operado
pela língua materna. Isso ocorre porque o signo linguístico é arbitrário, de acordo com
Saussure (SILVA, 2000, p.77), fazendo com que as palavras da língua estrangeira
evoquem e produzam outras significações.
Nesse panorama, a língua materna nunca pode ser desconsiderada, pois como
afirma Hurtado Albir (1988 apud FIGUEIREDO, 2007, p.102) ela é a referência de
qualquer falante com o mundo da linguagem. Qualquer outra representação linguística
24
que venha a constituir a identidade do sujeito passará primeiro pela sua chegada à
linguagem propiciada pela língua materna. O tradutor, como qualquer outro sujeito,
carrega, na sua tarefa de construção de significados, traços do seu contexto sócio
histórico, da sua cultura e de sua subjetividade (CORACINI, 2007).
25
2. SOBRE TRADUÇÃO
No intuito de descrever as estratégias2 de escolha do tradutor das legendas do
filme Uma onda no ar é que se propõe um estudo baseado no modelo descritivo da
tradução proposto por Toury (2004), orientado ao texto alvo para justificar e descrever
os procedimentos do tradutor. Nessa abordagem, o ponto de partida são os fatos
observáveis, ou seja, o produto, e só depois é feita a reconstrução dos fatos não
observáveis, as tomadas de decisões do tradutor. Com a finalidade de analisar
detalhadamente o modo como foram elaboradas as traduções dos trechos selecionados
do corpus escolhido, especificamente, as marcas identitárias neles contidas, utilizo parte
da categorização dos procedimentos técnicos da tradução proposta por Barbosa (1990).
Tal categorização, entretanto, precisou ser ampliada e foram incluídas categorias mais
amplas além de outras subdivisões que surgiram durante a análise.
Cabe mencionar que as duas abordagens que apoiam minha análise são
divergentes e, em certo ponto, poderiam até ser excludentes. Entretanto, durante o
trabalho com as modificações ocorridas na legenda surgiu a necessidade de voltar o
olhar para o texto original, buscando entender quais seriam as consequências das opções
do tradutor na constituição dos sentidos dentro da perspectiva da identidade dos
personagens. Assumo, portanto, que utilizarei uma abordagem heterodoxa, no que diz
respeito aos Estudos Descritivos da Tradução, pois pretendo observar o fenômeno
através de dois aspectos.
2 Utilizo os termos procedimento e estratégia como sinônimos, embora dentro dos Estudos da Tradução
os mesmos não sejam vistos como equivalentes. De forma geral, o procedimento está mais relacionado ao
que se observa do produto final de uma tradução, quando comparado ao texto original. Por outro lado, a
estratégia relaciona-se ao processo cognitivo em si.
26
2.1. OS ESTUDOS DESCRITIVOS DA TRADUÇÃO
Apesar de a tradução ser recente como campo de estudos, há uma variedade de
definições dependendo da perspectiva adotada. Segundo traçado em Koglin (2008), a
perspectiva lingüística centra-se na noção de equivalência, ou seja, de substituir o
material textual de uma língua por outra. A visão funcionalista de Katharina Reiss e
Hans J. Vermeer (1984 apud KOGLIN, 2008) mudou “os paradigmas do conceito de
equivalência e, consequentemente, o conceito de tradução” (KOGLIN, 2008). Nessa
abordagem, a tradução passa a ser, além de um processo linguístico, também cultural.
Os estudos descritivos da tradução (EDT) apresentam-se como uma tentativa de
desenvolver uma teoria menos prescritiva para a área. Grande parte dos teóricos dos
estudos descritivistas veio da literatura comparada. Esses pesquisadores, por estarem
envolvidos em obras traduzidas, buscaram “estabelecer um novo paradigma para o
estudo da tradução literária, com base numa teoria abrangente e uma pesquisa prática
contínua” (NIELSEN, 2007, p.26).
Os EDT, proposto na década de 1970, tinham como base a Teoria dos
Polissistemas desenvolvida por Itamar Even-Zohar. Em linhas gerais, esta teoria assume
que uma determinada cultura compõe-se como um grande sistema que, por sua vez, é
constituído internamente por outros sistemas e que se relaciona com outros sistemas
paralelos. O sistema literário figura dentro do polissistema de uma cultura e abriga o
sistema da literatura traduzida.
O termo sistema é definido por Even-Zohar como “a rede de relações que pode ser
tomada como hipótese para um determinado conjunto de supostos observáveis
(‘ocorrências’/’fenômenos’)” (CARVALHO, 2005, p.30) e polissistema como um
27
sistema dinâmico e heterogêneo, no qual se entrecruzam vários sistemas que, apesar de
empregarem opções diferentes funcionam como um todo complexo e estruturado.
(EVEN-ZOHAR, 1990, p.12).
A teoria dos polissistemas defende a ideia de que vários elementos estão em
interação para determinar o que é aceito em cada cultura, descartando outras opções
que, embora sejam adequadas, são improdutivas naquele contexto. Em seu trabalho,
Even-Zohar deu lugar a uma discussão sobre o papel e a importância da literatura
traduzida num dado polissistema.
Para os estudos descritivos, a tradução está inserida no sistema de determinada
cultura e se define como uma atividade que relaciona pelo menos duas línguas e duas
tradições culturais. Even-Zohar (1990, p.51) defendia que “a tradução não é mais um
fenômeno cuja natureza e cujas fronteiras são dadas de uma vez por todas, mas uma
atividade que depende das relações dentro de um determinado sistema cultural”.
A partir de seus estudos a noção de tradução foi ampliada, ajudando a mostrar que
os parâmetros utilizados pela prática tradutória numa cultura são determinados pelos
modelos da língua meta. Segundo Nielsen (2007, p.30)
(...) a partir daí, estudiosos viram que, em vez de restringir as discussões a
uma noção subjetiva sobre a equivalência que existe entre o texto-fonte e o
texto-alvo, poderiam concentrar seus estudos no texto traduzido por
considerá-lo um legítimo integrante do polissistema-alvo.
Dentre os nomes relacionados aos Estudos Descritivos da Tradução, talvez o do
teórico israelense Gideon Toury seja o mais conhecido. Toury começou a construir seu
programa em cooperação com Even-Zohar, orientador de sua tese de doutorado, em
28
1980. O modelo de Toury, inicialmente pensado para a literatura, ganhou novas
aplicações, como o campo audiovisual (DUTRA, 2008).
Sua teoria teve como base a premissa de que a atividade tradutória está
condicionada à cultura alvo, pois a necessidade de tradução é geralmente determinada
pela cultura receptora, numa demanda por preencher os vazios de algo que falta na
cultura meta, mas que existe em outra cultura (TOURY, 2004, p.68).
Além disso, os descritivistas estabelecem o foco de suas pesquisas na explicação
das possíveis razões que levaram o tradutor a tomar certas decisões, considerando o
contexto sócio histórico para obter uma melhor compreensão dos mecanismos que
permitem às traduções funcionarem na cultura de recepção. Para esses estudiosos, o
objetivo passa a ser o de “determinar o lugar que uma tradução ocupa dentro do sistema
literário da língua meta, e não mais verificar até que ponto o texto traduzido conseguiu
refletir o chamado original” (MARTINS, 1999, p.31)
Os principais fundamentos desse modelo de análise são (DUTRA, 2008, p.85):
1. A literatura é vista como um sistema dinâmico e complexo.
2. A abordagem tem caráter descritivo (e não prescritivo) e é voltada para o
texto alvo (o original deixa de ser o foco e o ponto de início da análise é a
tradução).
3. São analisadas as traduções que são de fato tidas como traduções no pólo
receptor.
4. A análise não visa julgar as traduções que tem êxito ou que falham, e sim
suas regularidades que governam a produção e a recepção das traduções e
que poderão ou não ser usadas como referência em futuras traduções.
29
Para Toury, a tradução é sempre um fato da cultura alvo, pois é ela quem
impulsiona o processo tradutório. Desconsiderar essa premissa dificultará a tarefa a ser
executada, pois a recepção do texto traduzido será determinada pela cultura de quem o
recebe.
O foco é o sistema meta, porém o trabalho não deve se esgotar nele, pois o
teórico acredita que definições a priori sobre tradução supõe certa pretensão em
estabelecer de uma vez por todas os limites de um objeto caracterizado por sua própria
variabilidade: a diferença de uma cultura à outra, a variação dentro de uma cultura e a
transformação ao longo do tempo (TOURY, 2004, p.72, grifos do autor).
Tal visão de tradução dialoga diretamente com o tema do presente trabalho, uma
vez que pretendo investigar as escolhas do tradutor ao traduzir marcas identitárias de
um determinado grupo social a outro idioma.
Como o tradutor é o receptor de pelo menos duas culturas, ele se insere no
processo de forma ativa, através de suas escolhas e não é uma simples ponte entre dois
sistemas linguísticos, como pressuposto nos estudos tradicionais da tradução. Coracini
(2007) defende que o tradutor é “um sujeito entre-línguas-culturas” e que transita entre
a “sua” língua e a língua do outro.
2.2. TRADUÇÃO PARA LEGENDAS
A tradução audiovisual (TAV) vem experimentando, conforme exposto pelo
teórico Díaz Cintas (2001, p.19) uma revolução, devido à crescente oferta e demanda de
produtos audiovisuais, como programas de televisão fechada, os avanços tecnológicos
como o DVD e as mídias de reprodução de conteúdos, além do incremento da produção
30
cinematográfica no mundo. Carvalho (2005) aponta que, entre as diferentes técnicas de
TAV, a legendagem é uma das mais difundidas atualmente, talvez por ser mais barata e
sua produção ser mais ágil.
Na legendagem se estabelece uma situação especial no âmbito das diferentes
técnicas de tradução, pois, além de traduzir de uma língua para outra traduz-se do
registro oral, mais livre, para o registro3 escrito, mais rígido. (GOTTLIEB, 1994). Essa
técnica, para Gottlieb (1994), é denominada como tradução diagonal, pois existe a
necessidade de adaptar um código oral a um produto em código escrito.
O tradutor para legendas precisa ser capaz de lidar com os vários conjuntos de
normas que existem nessa atividade. Para Carvalho (2005, p.85), em termos gerais as
principais regras que o tradutor de materiais audiovisuais deve saber manipular são:
1) as normas referentes à modalidade de tradução realizada,
2) os parâmetros próprios do meio no qual o produto será distribuído ou transmitido, e
3) as regras impostas por seus clientes diretos e indiretos.
Além dessas, a legendagem ainda impõe uma regra específica em função do
espaço disponível e, principalmente, sua natureza polissemiótica – pois há outros canais
envolvidos, além do verbal – gera alguns problemas para o tradutor, como a necessidade
de concisão do texto e a de adaptar os enunciados para diminuir as perdas em relação ao
discurso original. Em efeito, a mensagem da legenda já é predeterminada pela largura
disponível na tela e que, normalmente, não permite mais que 32 a 35 toques por linha
em, no máximo, duas linhas. (DÍAZ CINTAS, 2001, p.24).
3 Gottlieb (1994) utiliza o termo código em sua obra para referir-se ao registro.
31
Martinez (2007) lista alguns parâmetros técnicos que devem ser seguidos por um
legendador, especificamente no contexto de produção de legendas para a televisão. A
autora estabelece que os principais seriam o número de caracteres por linha e o tempo
de exposição de uma legenda na tela, que, no mercado brasileiro atual é de no mínimo 4
e no máximo 6 segundos.
À parte dos fatores extralinguísticos, o tradutor para legendas ainda precisa lidar
com os fatores linguísticos e culturais que muitas vezes representam um desafio para a
atividade tradutória. As questões culturais e identitárias refletem-se nos textos e, como
já foi citado, o discurso é uma prática social que caracteriza um determinado grupo e a
tradução de aspectos culturais específicos – como referências a costumes, gírias,
expressões idiomáticas – pode representar uma dificuldade.
Martinez (2007, p.52) destaca que o legendador deve ser capaz de se expressar
nos diferentes registros da língua de tradução, qualidade que ela inclui como
pertencente à competência cultural, defendendo que o legendador precisa interpretar as
mensagens culturais que aparecem no texto original e conseguir transpô-las ao texto
traduzido.
Outro fator que é abordado por Martinez (2007, pg.54) diz respeito ao registro
linguístico que deve ser priorizado nas legendas. Ela conclui que a norma linguística
mais amplamente adotada no mercado de legendagem brasileiro é o uso do discurso
semiformal, ou seja, de um registro que incorpora algumas marcas de oralidade sem no
entanto desrespeitar as regras do português padrão. Porém, a tradutora chama a atenção
para o fato de que em filmes e programas mais populares a linguagem mais usual é
preferível frente ao uso de formas mais rebuscadas.
32
Cumpre mencionar que passamos, no Brasil, por um crescimento nos estudos na
área da legendagem. Um dos primeiros estudos do gênero realizado no país é de Souza
(1999), no qual o autor foca sua pesquisa em dois casos de tradução para preparação de
legendas de programas televisivos de língua inglesa. Outras dissertações de mestrado
publicadas recentemente são as de Martinez (2007) cujo foco é a formação de
profissionais para a tradução de legendas; Carvalho (2005) que trata o tema da prática
da tradução para legendas, enfocando os profissionais e os procedimentos envolvidos na
legendagem; Costa (2008) que aborda a tradução de palavras-tabu contidas em falas de
personagens de quatro filmes em língua inglesa para o português; Koglin (2008)
tratando o tema da tradução de metáforas geradoras de humor no contexto da
legendação de um seriado televisivo norte-americano ao português e Dutra (2008) que
também aborda o humor nas legendas de um filme do inglês ao português.
Em uma primeira investigação junto aos bancos de teses e à internet, foi
encontrada somente uma dissertação que se dedica a investigar as estratégias de
tradução para legendagem envolvendo o par linguístico português-espanhol. Trata-se do
estudo de Oliveira (2008), no qual a pesquisadora investigou a legendação de algumas
expressões metafóricas no filme La lengua de las mariposas e a interferência de
diferentes estímulos no produto da tradução.
Entretanto, não foram encontrados estudos que tratassem a legendação de filme
brasileiro para o espanhol. Portanto, acredito que a presente pesquisa poderá contribuir
significativamente para as discussões nesse tema e para a ampliação dos estudos acerca
dos fundamentos teóricos e metodológicos no campo da tradução audiovisual.
33
2.3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
Os procedimentos utilizados em Barbosa (1990) são uma proposta de
recategorização apresentada pela autora, que parte de um agrupamento de técnicas de
tradução de outros autores como Vinay e Darbelnet, Nida, Catford, Vázquez-Ayora e
Newmark (BARBOSA, 1990, p.63).
Na obra, Barbosa (1990) apresenta vários procedimentos para traduzir textos,
como uma ferramenta auxiliar no trabalho do tradutor. Segundo a autora, essa obra
constitui uma forma de tentar responder a questão “como traduzir?”.
Em seu modelo, a autora elenca treze procedimentos técnicos: a tradução
palavra-por-palavra, a tradução literal, a transposição, a modulação, a equivalência, a
omissão vs. a explicitação, a compensação, a reconstrução de períodos, as melhorias, a
transferência (que abrange o estrangeirismo, a transliteração, a aclimatação e a
transferência com explicação), a explicação, o decalque e a adaptação. Passo a uma
descrição sintética de cada um, reservando para o capítulo de análise um
aprofundamento maior conforme os exemplos que serão oferecidos.
2.3.1 – Tradução palavra-por-palavra
Acontece quando a tradução de um determinado segmento textual (palavra,
frase, oração) da língua original para a língua de tradução mantem a mesma categoria
gramatical e uma mesma ordem sintática, utilizando vocábulos cujo semantismo seja
(aproximadamente) idêntico ao dos vocábulos correspondentes no texto da língua de
origem.
34
2.3.2 – Tradução literal
Barbosa apoia-se na definição de Aubert (1987 apud BARBOSA, 1990) e
considera que a tradução é literal quando “mantem uma fidelidade semântica estrita,
adequando, porém, a morfossintaxe às normas gramaticais da língua da tradução”.
2.3.3 – Transposição
Caracteriza-se pela alteração da categoria gramatical de alguns dos elementos do
segmento traduzido. Segundo a autora, a transposição não é um procedimento
obrigatório, devendo, portanto observar-se as normas da língua de tradução e o estilo do
texto para fazer uso desse método.
2.3.4 – Modulação
Segundo a autora, “consiste em reproduzir a mensagem do texto da língua
original no texto da língua de tradução, mas sob um ponto de vista diverso”. Esse
procedimento reflete uma diferença no modo como as línguas interpretam o real.
2.3.5 – Equivalência
Este procedimento define-se pela substituição de uma palavra, frase ou oração
da língua original para a que é alvo da tradução não por um par literal, mas que lhe é
equivalente em função. É muito utilizado, nas palavras da autora, para a tradução de
35
clichês, expressões idiomáticas, provérbios, ditos populares e outros elementos
cristalizados da língua.
2.3.4 – Omissão vs. Explicitação
O primeiro consiste em omitir elementos da língua original que, ao serem
traduzidos, são desnecessários ou repetitivos. A explicitação é o inverso, que seria um
tipo de inserção de termos obrigatórios na língua de tradução.
2.3.5 – Compensação
Barbosa (1990, p.69) define esse procedimento da seguinte forma:
(...) consiste em deslocar um recurso estilístico, ou seja, quando
não é possível reproduzir no mesmo ponto, no TLT, um
recurso estilístico usado no TLO, o tradutor pode usar um outro
recurso de efeito equivalente em outro ponto do texto. Os
trocadilhos, por exemplo, muito freqüente nos filmes, quando
não podem ser efetuados com um mesmo grupo de palavras,
podem ser feitos em outro ponto do texto onde sejam possíveis
para equilibrar o texto estilisticamente.
2.3.6 – Reconstrução de períodos
O nono procedimento é caracterizado pela reagrupação de períodos do texto
original quando passados à língua de tradução. Barbosa afirma que isso acontece com
frequência entre o par inglês-português, devido à característica de períodos curtos na
primeira língua frente ao PB.
36
2.3.7 – Melhorias
Consistem em não se repetirem na tradução os erros presentes no texto da língua
original. Por erros a autora entende desvios à norma padrão escrita.
2.3.8 – Transferência
Introdução de termos da língua original na tradução. Este procedimento foi
dividido em quatro grupos pela autora:
1) Estrangeirismo: transferência de um conceito, técnica ou objeto que seja
desconhecido para os falantes da língua da tradução.
2) Transliteração: substituição de uma convenção gráfica por outra. Ocorre em
casos de línguas que nem sequer compartilham o mesmo alfabeto.
3) Aclimatação: adaptação à língua de tradução dos empréstimos.
4) Transferência com explicação por meio de nota de rodapé ou diluição do termo
transferido no próprio texto.
2.3.9 – Explicação
Ocorre uma troca do estrangeirismo pela sua explicação. Pode acontecer, por
exemplo, em peças de teatro, em que é preciso que o espectador tenha uma
compreensão imediata da situação.
37
2.3.10 – Decalque
Conforme descrito pela autora (1990, p.76), “consiste em traduzir literalmente
sintagmas ou tipos frasais da língua original no texto da língua de tradução”. O decalque
só pode ser detectado em uma tradução se é realizada uma análise diacrônica que
determine se já havia sido usado anteriormente.
2.3.11 – Adaptação
O procedimento de adaptação é considerado, pela autora, o “limite extremo da
tradução”, pois equivale a recriar uma realidade extralinguística dos falantes da língua
original que não existe na língua de tradução. Para tanto, esta situação pode ser recriada
por outra equivalente na língua meta.
38
3. METODOLOGIA
A constituição do corpus dessa pesquisa, num primeiro momento, se restringiria
às listas de diálogos do filme em PB e espanhol, cedidas pela produtora, como já foi
mencionado anteriormente. Pretendia cotejar os dois textos e, com o auxílio dos
procedimentos técnicos descritos e definidos por Barbosa (1990) categorizar as opções
apresentadas pelo tradutor.
Entretanto, após o início da aproximação ao texto das legendas e das leituras
realizadas da teoria de Toury, entendi que o processo tradutório deveria ser enfocado,
pois permitiria que minha análise considerasse o tradutor como um sujeito ativo,
estando seu contexto sócio-histórico-cultural presente no texto produzido em língua
meta (ARROJO, 1992).
Neste capítulo, apresento os encaminhamentos metodológicos da pesquisa,
tratando dos dois instrumentos de coleta de dados.
3.1. ANÁLISE DAS LISTAS DE DIÁLOGOS
As legendas aqui utilizadas estão compiladas em duas listas de diálogos (cf.
Anexo V), uma em português e a outra em espanhol4. As listas consistem em uma
apresentação de todos os diálogos do filme, já comprimidos no idioma original.
Conforme classificação proposta por Díaz Cintas (2001, p.106), as listas que me
serviram de base contêm, além dos diálogos, a localização baseada no código de tempo
que sinaliza quando cada fala deve entrar e sair da tela e a marcação do personagem que
4 As listas de cada língua foram cedidas pela produtora do filme e estão subdivididas em cinco rolos,
totalizando 92 minutos de filme.
39
diz cada uma das falas. Cabe ressaltar que o texto tido como original para o tradutor que
se encarregou da tradução é a lista de diálogos em português, não o texto oral do filme.
A análise empreendida a partir dos textos escritos demandou, primeiro, uma
seleção das marcas traduzidas que seriam categorizadas conforme a classificação
proposta por Barbosa (1990). Para tanto, foi necessário parear e comparar os textos, de
forma em que fosse possível ter uma visão conjunta tanto do texto de origem como do
texto traduzido. Posteriormente, foram selecionadas aquelas marcas, palavras ou
expressões próprias da oralidade de um registro informal que permitissem caracterizar
os personagens do filme.
Esse levantamento resultou em 478 ocorrências que foram reagrupadas em três
categorias de tipo de ocorrência, que serão apresentadas no capítulo 4. A proposta de
Barbosa (1990), entretanto, não foi suficiente para descrever todos os casos
encontrados5 e foi necessário estabelecer outras categorias para tentar descrever o que
ocorreu na tradução do filme em questão.
Entre as três categorias de tipo de ocorrência fixadas, a primeira delas,
denominada “Escolhas referentes ao Sistema Linguístico”, subdividiu-se em dez
campos que agrupam exemplos da mesma característica linguística.
3.2. ENTREVISTA
Para complementar e enriquecer as contribuições que pretendo dar aos estudos
da tradução, foi conduzida uma entrevista com o tradutor do filme em questão,
5 Acredito que isso se deva ao fato de que o trabalho dessa pesquisadora não esteja voltado para as
traduções audiovisuais.
40
buscando entender suas tomadas de decisões e contrastar possíveis discrepâncias entre o
que é falado e o que foi feito, tentando descobrir se houve ingerência de outros agentes
no processo da construção da legenda. A escolha da entrevista como técnica de pesquisa
se deve, principalmente, porque a entrevista permite a captação imediata e corrente da
informação desejada (LÜDKE E ANDRÉ, 1986), há mais espaço para esclarecimentos
e aprofundamento de certas questões e a entrevista configura-se como importante
instrumento de acesso ao saber de determinado grupo (DAHER, 1998).
Opto pelo modelo de entrevista elaborado por Daher (1998), pelo fato de que sua
organização em blocos temáticos possibilita maior liberdade tanto para o entrevistado
como para o entrevistador, evitando as perguntas fechadas que podem limitar a
expressão das ideias. Esse modelo também favorece o levantamento de coincidências
entre as hipóteses pré-estabelecidas e as respostas obtidas.
Para a realização da entrevista, preparei um roteiro organizado em quatro blocos
temáticos: (a) o tradutor e seu caminho no português como L2; (b) o tradutor e sua
formação na área; (c) o tradutor e seu fazer; (d) o tradutor e as identidades culturais em
jogo (cf. Anexo I). Os blocos temáticos foram definidos a partir das leituras que vinha
fazendo sobre o lugar do tradutor no processo tradutório.
A gravação foi realizada em abril de 2011, no escritório de tradução do
entrevistado, mantido em um bairro da zona sul do Rio de Janeiro. A entrevista durou
aproximadamente 25 minutos.
O número de sequências analisadas em 4.2. tem como parâmetro o alcance dos
objetivos propostos por este trabalho. Para tal algumas perguntas (cf. Anexo 3) foram
excluídas da análise. Tomei essa decisão levando em conta a necessidade de organizar
as informações obtidas e de recortar o foco da análise da entrevista, o de verificar qual a
41
motivação e quais foram as estratégias utilizadas pelo tradutor ao validar suas escolhas
referentes à tradução das marcas identitárias dos personagens do filme. A transcrição
completa da entrevista pode ser consultada no Anexo III.
42
4. ANÁLISE
Neste capítulo apresento as análises das listas de diálogos em PB e espanhol e
dos excertos da entrevista cedida pelo tradutor. Organizei-o em três partes: a primeira
referente às listas de diálogos, na qual busco uma categorização das opções do tradutor
para a tradução das marcas identitárias; na segunda detenho-me a discutir os dados
surgidos durante a entrevista; e a última a estabelecer uma conversa entre os dados das
duas primeiras partes, buscando encontrar pontos de contato entre o que o tradutor faz e
o que diz fazer.
4.1 – LISTA DE DIÁLOGOS
4.1.1 - CATEGORIZAÇÃO DAS OPÇÕES LINGUÍSTICAS DO TRADUTOR
As escolhas linguísticas realizadas pelo tradutor na legenda do filme Uma onda
no ar seguem diferentes tipos de critérios. Portanto, proponho três categorias básicas
para o empreendimento da análise dos procedimentos técnicos colocados em prática
durante o processo de construção do texto traduzido.
Tais categorias foram assim denominadas: (a) escolhas referentes ao sistema
linguístico, (b) transferência da língua estrangeira (português) na língua materna
(espanhol) do tradutor e (c) escolhas lexicais.
A primeira categoria engloba todos os tipos de omissões (BARBOSA, 1990,
p.68) de elementos que, em um primeiro momento, seriam desnecessários ou repetitivos
em espanhol. Considero importante destacar, por meio desta categoria, o fato de que
43
mesmo tratando-se de duas línguas tão próximas como espanhol e PB, tais línguas
diferem em aspectos pontuais do sistema linguístico6.
Entretanto, após uma análise mais detalhada das omissões linguísticas, fez-se
necessário definir também como pertencente a essa categoria aquelas modificações que
se relacionam às características linguísticas, e que não podem ser consideradas
desnecessárias, uma vez que modificam diferenças culturais, marcas sociolinguísticas e
o lugar dos personagens dentro da história que está sendo contada pela narrativa do
filme.
Por transferência (b) denomino, ampliando um pouco o conceito apresentado por
Barbosa (1990, p.71), a introdução de material textual ou estrutural do português no
espanhol. Inicialmente não prevista, a transferência de elementos da língua estrangeira
do tradutor para a sua língua materna expõe a fragilidade do lugar de autoridade que lhe
foi conferido, uma vez que ele já não reconhece as barreiras linguísticas existentes entre
as duas línguas.
A análise das escolhas lexicais (c) demandou um trabalho contínuo, ou em
espiral como defende Toury, no volume geral da legenda. Isso porque pretendia-se
verificar se as escolhas feitas pelo tradutor atendiam a critérios relativos às variedades
do espanhol ou se, pelo contrário, diferentes variedades se faziam presentes na
construção do texto na língua de chegada, revelando uma incoerência na escolha de
itens lexicais que dialogassem com outros elementos textuais da legenda e com as
demais opções de vocábulos.
6 O espanhol, diferentemente do que ocorre em PB, é uma língua em que o preenchimento da posição de
sujeito não é majoritário. Essa característica será tratada com mais detalhe no tópico 4.1.3.1 do presente
trabalho.
44
4.1.2 - DESCRIÇÃO DO FILME
O filme usado como corpus para essa análise, Uma onda no ar, relata a história da
criação de uma rádio, dentro de uma favela em Belo Horizonte (Minas Gerais), por um
grupo de três amigos (Jorge, Zequiel e Brau), todos moradores da favela em questão.
Uma vez que toda a história se passa em uma favela de Belo Horizonte, o português
usado em praticamente todas as cenas é permeado pelo discurso coloquial, vulgar e/ou
regional.
A autora Shuttlesworth (2006 apud Hanes, 2011), ao falar sobre o inglês sulista
dos Estados Unidos em filmes, afirma que em alguns casos as referências idiomáticas
numa tradução podem nem mesmo caracterizar fielmente o regionalismo, mas acabam
moldando a linguagem de todo o texto, passando para o filme a atmosfera regionalista.
Acredito que um fenômeno parecido ocorra no filme que serve de objeto para este
estudo, pois não é possível afirmar que todas as expressões idiomáticas e gírias
utilizadas sejam específicas de Belo Horizonte, porém o discurso no contexto geral
ganha um tom local e socialmente marcado, acrescido de expressões coloquiais
presentes no modo de falar dos personagens que retratam pessoas com nível de
escolarização mais baixo.
4.1.3 - ANÁLISE DAS LEGENDAS
As análises descritivas priorizam a consideração do texto-alvo e, uma vez que esse
referencial teórico foi adotado como norteador, no decorrer da análise apresentada o
foco será a tradução em espanhol, embora o texto-fonte permeie toda a discussão
45
desenvolvida. Recorrerei ao texto em português no intuito de estabelecer comparações
entre os efeitos de sentido que estão em jogo e as estratégias utilizadas para anunciá-los.
Uma vez que não seria produtivo citar todos os casos analisados na legenda,
valho-me dos dados numéricos das ocorrências de cada uma das três categorias básicas
de análise apresentadas anteriormente.
Escolhas referentes ao Sistema Linguístico 427
Transferência da língua estrangeira para língua materna 28
Escolhas lexicais 23 Tabela 1 – Número total de ocorrências por categoria
Em um primeiro momento, fica evidente que as escolhas do tradutor motivadas
por razões relacionadas ao sistema linguístico são as mais recorrentes. O alto número de
ocorrências pode demonstrar que o tradutor esteve mais centrado no texto de origem,
tentando que suas modificações fossem menos arriscadas e imprimissem ao seu texto
um tom menos marcado. Essa preocupação poderia explicar a tradução literal
(BARBOSA, 1990) de expressões idiomáticas no texto de origem, nas quais o tradutor
não buscou alguma expressão no espanhol que fosse semanticamente equivalente para
compor a legenda.
Essa categoria é, além do mais, a que permite visualizar, de fato, as estratégias
utilizadas pelo tradutor desta legenda, já que oferece elementos que corroboram uma
das hipóteses traçada inicialmente7.
7 As hipóteses que guiam a análise são as de que (1) o tradutor tentará omitir as marcas de oralidade de
um registro informal, preferindo formas da norma culta e do registro escrito e (2) buscará utilizar um
espanhol sem marcas específicas, distanciando o discurso de seu lugar de origem.
46
Outra informação interessante evidenciada pela tabela de ocorrências é que,
embora os casos de transferência sejam baixos, quando se leva em consideração que o
tradutor em questão é experiente8, não se esperaria nenhum tipo de transferência
9.
As mudanças ocasionadas por alguma característica do sistema linguístico podem
ser reagrupadas em novos subitens, uma vez que diferentes fenômenos ocorrem. No
intuito de empreender uma análise que possa refletir com mais consistência as
considerações que serão feitas através dos dados e que organize melhor o volume de
exemplos, apresento o detalhamento feito do número de ocorrências de cada subitem.
As escolhas do tradutor para essa categoria (escolhas referentes ao sistema
linguístico) implicam em apagar características da variedade não padrão oral, presentes
nos diálogos e falas dos personagens do filme. Esse fato pode indicar uma preferência,
por parte dele, pela variedade padrão escrita, conforme observamos na tabela que segue:
Tabela 2 – Número total de ocorrências por subcategoria
8 A partir de uma entrevista com o tradutor, averiguei que o mesmo faz traduções de filmes
sistematicamente há pelo menos 40 anos.
9 Por transferência entendo o uso de elementos de uma língua ao expressar-se em outra (CINTRAO,
2006). No caso específico deste trabalho considero, ampliando o conceito apresentado por BARBOSA
(1990), que a transferência ocorre quando há introdução de material linguístico da língua de origem
(português) no texto da língua de tradução (espanhol).
Escolhas referentes ao Sistema Linguístico
Pronome sujeito 274
Marcação de plural 36
Expressão-palavra corrente 34
Verbo pleno 25
Dupla negativa 18
Expressão-expressão 12
Artigo + nome 11
Referência de lugar 7
Duplicação de lugar 7
Forma de tratamento 3
47
Os dados expostos podem vir a corroborar a tese de que o tradutor opta pela
utilização de linguagem padrão em seu texto, apagando, consequentemente, os dados de
língua oral que tinham lugar no texto original.
Analisando os apagamentos motivados pelo sistema linguístico nota-se que, como
já previsto, a omissão do pronome pessoal em posição de sujeito tem um alto número de
ocorrências. Isso se dá, pois, embora tanto o PB quanto o espanhol sejam línguas que
deixam claro na desinência a que pessoa se refere o verbo, diferentemente da primeira, a
segunda língua opta pelo não preenchimento da posição de sujeito mesmo quando o
contexto é ambíguo.
Embora a omissão do sujeito seja responsável pelo maior número de casos, não há
nessa constatação nenhuma relação com o tipo de registro linguístico que prevaleça.
Isso se deve por não existir uma divisão definida para registros de ocorrência do
fenômeno.
As subcategorias que podem evidenciar de maneira mais direta a manutenção da
variedade padrão escrita são (a) marcação de plural, (b) verbo pleno e (c) expressão-
palavra corrente. Os exemplos encontrados nos três casos apresentam sempre o mesmo
movimento para as mudanças: fenômenos da variedade não padrão oral no texto original
passando a expressões da variedade padrão escrita no texto traduzido.
No intuito de definir cada categoria proposta e de recuperar os procedimentos
técnicos da tradução (BARBOSA, 1990) identificados nos diálogos da legenda do filme,
passarei agora à análise dos dados de maneira mais detalhada. Em busca de uma
apreciação mais consistente, exemplificarei todas as subcategorias apresentadas na
tabela 2.
48
4.1.3.1. APAGAMENTOS REFERENTES AO SISTEMA LINGUÍSTICO
1. Pronome sujeito
a) Português Espanhol
(221.8) Jorge: Eu queria que esses
menino visse o que aconteceu com a
gente (225.8)
(221.8) Jorge: Yo quería que esos
chicos viesen lo que me ocurrió
(225.8)
(226) pra não fazer tudo igual, porque
eu acreditei que podia ganhar tudo
rápido. (232.8)
(226) para que no hagan lo mismo.
Creí que podía ganar todo rápido.
(232.8)
O apagamento mais frequente, quando relacionado a uma característica própria
do sistema linguístico do espanhol, é a omissão do pronome pessoal de sujeito. Este
procedimento consiste em omitir elementos do texto da língua de origem que, do ponto
de vista da língua de tradução, são desnecessários ou repetitivos (BARBOSA, 1990,
p.68).
O espanhol, diferentemente do português brasileiro, é uma língua que não
preenche a posição de sujeito em todos os casos, como pode ser observado no exemplo
acima. Estudos demonstram que tanto o PB quanto o espanhol são línguas que admitem
sujeito nulo (SOARES DA SILVA, 2006), porém a variedade brasileira do português
apresenta índices de preenchimento de sujeito pronominal superiores aos apresentados
por outras línguas românicas, como o italiano, o espanhol e o português de Portugal
(CASTILHO, 1996; DUARTE, 2003; ILARI et alii, 1996).
A hipótese com a qual se trabalha é de que o PB vem simplificando seu
paradigma flexional verbal, a exemplo do que já aconteceu em outras línguas como o
francês e o inglês. Por outro lado, o espanhol preenche o lugar do sujeito pronominal em
ocasiões mais específicas, quando há ambiguidade de pessoas ou quando se cumpre
uma função enfática através do uso do pronome pessoal.
49
No exemplo acima (a), a primeira ocorrência do pronome pessoal “eu” em
português é mantida em espanhol, “yo”; entretanto a segunda aparição do pronome é
omitida em espanhol. O que poderia explicar cada escolha, neste exemplo, é o fato de
que, no primeiro caso, o tempo verbal empregado em espanhol (pretérito imperfeito do
indicativo) não diferencia a 1ª da 3ª pessoa do singular em sua forma, sendo, portanto,
pertinente marcar quem está falando. Contudo, no segundo exemplo o verbo em
espanhol está no pretérito indefinido del indicativo, marcado pela desinência verbal de
1ª pessoa do singular, o que torna desnecessário o uso do pronome pessoal “yo”.
b) Português Espanhol
Jorge: É, a polícia agora entende de
eletrônica...
Jorge: ¿La policía ahora entiende de
electrónica?
Técnico: Eu não sou da polícia. Eu sou
técnico em comunicações e trabalho
para o Ministério.
Técnico: No soy policía, soy técnico
en comunicaciones del Ministerio.
c) Português Espanhol
Neusa: Atrasou por quê? Eu deixei tudo
pronto.
Neusa: ¿Por qué te atrasaste? Yo
dejé todo listo.
Jorge: Depois eu te explico, mãe! Jorge: Después te explico, mamá.
Comparando os exemplos b e c é possível notar, entretanto, que não existe por
parte do tradutor um parâmetro definido para a omissão ou explicitação do pronome
sujeito. Se o uso de pronomes pessoais na posição de sujeito em espanhol se justifica
quando há ambiguidade de pessoas (como aquela causada em a) ou para tornar o
discurso de quem fala mais enfático, a fala da personagem Neusa em c não cumpre
nenhuma das condições necessárias para a manutenção de yo.
Por se tratar de uma obra de ficção da qual não podemos extrair as intenções dos
falantes, a única pista do uso de falas enfáticas seria o tom de voz ou expressão dos
personagens. Na cena da fala c, Neusa, que é empregada de serviços gerais da escola na
50
qual seu filho, Jorge, estuda como bolsista, está limpando a entrada do pátio quando
alguns alunos chegam para a aula, entre eles Jorge. Em sua fala não há nenhum sinal de
alteração enfática, muito menos em seus gestos, o que invalida o uso do pronome yo na
legenda, sendo que o mesmo não se justifica pelo sistema linguístico do espanhol.
2. Marcação de plural
d) Português Espanhol
(166) Jorge: Aí, seguinte hem, a maior
parte dos moleque aqui do morro (173)
(166) Jorge: La mayor parte de los
muchachos de la favela (173)
(173.8) larga a escola porque o que eles
aprendem lá (177.8)
(173.8) abandonan la escuela
porque lo que ellos aprenden allí no
(177.8)
(178) não tem nada a ver com a
realidade deles, com o que eles querem
saber da vida. (183.8)
(178) tiene nada que ver con su
realidad, con lo que quieren en la
vida. (183.8)
Jorge: Aí os moleque perde o interesse
de estudar e a gente sabe o que
acontece.
Jorge: Ahí los chicos pierden interés
por el estudio y ya sabemos que pasa.
O trecho selecionado acima representa um tipo de omissão muito frequente na
legenda, caracterizado pela marcação de plural redundante. Característico da variedade
não padrão oral do português, o uso da marcação de plural pode recair em apenas um
dos elementos da oração, grande parte das vezes no primeiro constituinte do sintagma10
,
como em “dos moleque” e “os moleque perde o interesse”.
Foi possível constatar que todos os casos como o citado acima passaram por um
procedimento de neutralização, entendido como uma normatização de termos
provenientes da variedade não padrão oral de modo a que passem a ser expressões
próprias da variedade padrão escrita.
10
CAMPOS, O.G.L.A.S; RODRIGUES, A.C.S. (1996)
51
Ao ser traduzida, essa marca de registro oral foi substituída por “los muchachos” e
“los chicos pierden interés”, desconsiderando-se a maneira de falar de uma parte dos
personagens do filme.
De fato, todos os casos em que, na língua de partida, a marcação de plural recai
apenas sobre um dos elementos, foram traduzidos de maneira a seguir o que prescreve a
gramática normativa. Entretanto, em espanhol também ocorre o uso do plural
delimitado a um só termo, normalmente o primeiro constituinte do sintagma nominal
(CEPEDA, 2001; POPLACK, 1979; 1986).
Alguns estudos apontam que a elisão no espanhol do –s (indicador de plural
nominal) e do –n final (indicador de plural verbal) apresenta “um padrão de
estratificação regular: mais elisão no estrato mais baixo, menos no nível médio e menos
ainda no estrato alto.” (CEPEDA, 2001, p.4). A idade dos falantes também é
significativa, pois o fenômeno é mais recorrente entre a população jovem.
3. Verbo pleno
e) Português Espanhol
Mãe: Eu devia era te dar um couro
quiném eu te dava quando tu era
moleque.
Mãe: Debería darte con una tunda,
como cuando eras un chiquillo.
Jorge: Então dá mãe. Dá! Ai mãe.
Tchau mãe, to indo.
Jorge: Entonces, dámela, mamita...
¡Ay! ¡Mamá! Chao, mamá. Estoy
saliendo.
f) Português Espanhol
Brau: Vai sô, joga aí... Brau: Vamos, juega ahí…
Jorge: Calma aí, tou pegando
inspiração aqui pra minha tacada sô.
Jorge: Calma, me estoy inspirando
para dar mi tacada…
Outra subcategoria que passa pelo mesmo procedimento de neutralização é a
reconstituição da forma plena dos verbos. As duas falas são do personagem Jorge em
52
cenas diferentes, primeiro em uma conversa com sua mãe e a segunda durante uma
partida de sinuca com seus amigos em um bar. Nos dois exemplos, há ocorrências do
uso característico da fala das formas reduzidas do verbo “estar” no Presente do
Indicativo. Estudos demonstram (BORTONI-RICARDO, 2004; REIS, 2010) que a
perda da sílaba inicial do verbo “estar” é um traço generalizado do PB, especialmente
em estilos não monitorados, como a fala ou a escrita informal.
Da mesma forma, esse fenômeno também pode ser observado na língua
coloquial em espanhol, principalmente em registros orais. Flórez (1978), em estudo
realizado sobre o espanhol da Colômbia, afirma que, nessa variante, ocorre a perda tanto
da letra “e” quanto da sílaba “es” do verbo “estar”. O autor destaca que as formas sem a
sílaba inicial são vulgares, enquanto aquelas em que só se perde a letra “e” podem ser
ouvidas inclusive na fala culta.
Outro estudo (LLISTERRÍ, 2002), dessa vez sobre o espanhol Peninsular,
relaciona as marcas fonéticas da oralidade à linguagem utilizada em chats da Internet. O
autor, apoiado em outras pesquisas sobre o tema, defende que as formas escritas
empregadas nos chats refletem fenômenos próprios da língua oral, sendo um deles a
supressão da “e” inicial o da primeira sílaba no verbo “estar”.
Embora essa forma de expressão esteja disponível no sistema linguístico
coloquial do espanhol, o tradutor desconsidera essa característica do português,
preferindo utilizar o verbo de forma plena, aproximando-se da grafia canonizada pela
norma culta.
Considerando-se os dois últimos casos de omissão mostrados (marcação de
plural e reconstituição do verbo), é possível dizer que uma das hipóteses iniciais foi
corroborada, uma vez que existe uma predileção, por parte do tradutor, pela variedade
53
padrão escrita do espanhol, frente à variedade não padrão oral. Durante a entrevista que
me foi concedida pelo mesmo, e conforme poderá ser observado no capítulo destinado à
discussão dos dados da entrevista, fica muito clara a posição que o tradutor toma ante o
uso da variedade de língua falada. Reproduzo o trecho ao qual me refiro e que está
diretamente relacionado aos dois casos discutidos acima:
T: (...) a fala das pessoas, normalmente / do, o suburbano não fala o
português correto / mas, se fosse traduzido num livro, você tem possibilidade
de manter esse tipo de fala / por que tem muitos recursos / (...) (você pode)
esclarecer que o cara ESTÁ falando assim / (...) porque senão parece que o
tradutor está escribindo qualquer besteira / não dá impressão que o
personagem que fala assim, parece que o tradutor que não sabe escrever (...)
Apesar de apresentar em sua defesa o argumento de que não manter o falar,
segundo ele, errado das pessoas é uma forma de eliminar qualquer dúvida quanto ao seu
trabalho como escritor do novo texto que é a legenda, o tradutor não questiona o fato de
que as modificações feitas por ele na “maneira de falar” dos personagens apagam as
diferenças de registro e as posições sociais de cada grupo.
Quando ele reconstrói as marcas de plural e o uso do verbo “estar” ele
descontrói uma marca sociocultural muito importante para a identidade dos personagens
do filme. Visto que há cenas em que personagens de registros e de posições sociais
diferentes se relacionam, a legenda neutraliza as possibilidades e, além de mostrar todos
os personagens como iguais, estabelece a superioridade da língua culta.
4. Expressão-palavra corrente / expressão-expressão
g) Português Espanhol
Policial: Todo dia tem reclamação das
rádios grandes que vocês atrapalham.
Policial: Las grandes radios
reclaman todos los días por Uds. se
entremeten.
54
Jorge: Isso é um sete um puro. As rádio
que tem concessões (...)
Jorge: Eso es pura desculpa11
. Las
radios que tienen concesiones...
h) Português Espanhol
Jorge: Não vai dar nenhum problema se
ninguém souber que é a gente. (...)
Jorge: Si no saben que somos
nosotros, no habrá ningún problema.
Jorge: Ô. Promete que não vai bater
nada pra ninguém mãe?
Jorge: Promete que no le contarás a
nadie.
Mãe: Mas será que ninguém vai ficar
sabendo disso?
Mãe: ¿Será que alguien acabará
sabiendo?
i) Português Espanhol
Roque: Cê tá com a cabeça quente, meu
camarada.
Roque: Estás con la cabeza
hirviendo, mi camarada.
Jorge: Tem uma pá de tempo que ocê
sumiu, colé veado!
Jorge: ¡Hace un montón de tiempo
que desapareciste, maricón!
As escolhas do tradutor, até o momento comentadas, não parecem levar em
consideração as implicações identitárias que o discurso dos personagens carrega.
Sabendo que ele não possui formação profissional ou linguística, tanto em espanhol
quanto em PB, acredito que suas decisões se baseiam em suas intuições como falante
nativo de espanhol e em teorias implícitas advindas de sua experiência como tradutor.
Os três últimos exemplos oferecidos, da subcategoria Expressão-palavra
corrente, enquadram-se no que Barbosa (1990, p.67) chama de equivalência e ilustram
o uso de diferentes parâmetros. Esse procedimento consiste em não traduzir literalmente
um segmento de texto da língua de origem, mas em “substituir por um segmento que
seja funcionalmente equivalente”, sendo, portanto o método aplicado à tradução de
expressões idiomáticas, ditos populares e outros elementos cristalizados da língua.
Entre todas as ocorrências de expressões, frases feitas, ditados populares ou usos
cristalizados da língua, 34 foram traduzidas como os exemplos acima, recebendo um
11
Em espanhol a grafia correta para esta palavra é disculpa.
55
equivalente em palavras ou expressões correntes na língua e não marcadas. Dessa
forma, observamos que o sentido de um sete um puro, bater nada e uma pá de tempo
foram mantidos na tradução, porém sendo substituídos por verbos ou substantivos em
seus usos denotativos.
Por outro lado, outras 22 ocorrências receberam uma solução diferente,
evidenciando a falta de critérios definidos de forma mais sólida e coerente com a
totalidade da legenda. A subcategoria Expressão-expressão abriga aqueles termos
marcados da língua em PB que foram substituídos por outras expressões em espanhol,
tendo como exemplo os dois próximos trechos:
j) Português Espanhol
Zequiel: Isso aqui é um transmissor,
seus boco moco.
Zequiel: Esto es un transmisor, sus
cabeza de chorlito.
Zequiel: Quer dizer, o plano técnico de
um transmissor profissional.
Zequiel: Es el diagrama técnico de
un transmisor.
k) Português Espanhol
Jorge: vamo passar uma parafina na
sola do pisante e vamo treinar.
Jorge: Vamos a pasar parafina en la
suela del pisador. ¡Vamos! A
practicar…
DJ: É neguinho, cê leva jeito, hem! DJ: ¡Epa! Tienes cancha manito.
As duas falas de Zequiel ocorrem durante uma cena em que estão todos os
amigos reunidos e o jovem apresenta o projeto para construção do transmissor que vai
possibilitar a criação da Rádio Favela. Os amigos não entendem o desenho apresentado
por ele e, por isso, ao explicar-lhes, Zequiel utiliza o adjetivo boco moco.
O termo boco moco (ou bocomoco) foi uma gíria utilizada nos anos 70 e 80 para
definir algo ou alguém que fosse brega, cafona, ultrapassado. No exemplo extraído da
56
legenda, o adjetivo foi usado com o significado de alguém que é lento de raciocínio,
“mané”12
.
O equivalente utilizado em espanhol, cabeza de chorlito, também é uma
expressão coloquial de uso amplo e, segundo o dicionário online da RAE (2011)13
significaria uma pessoa inconstante e de pouco juízo. No dicionário online
Wordreference (2011)14
, a expressão em espanhol é traduzida como “cabeça oca” ou
“cabeça de vento”. Entretanto, acredito que a definição que melhor traduz o significado
de cabeza de chorlito no exemplo supracitado seja a de uma pessoa sem inteligência ou
distraída, conforme foi encontrado no site De Chile (2011)15
.
A cena ilustrativa do segundo exemplo acontece em uma festa, na qual Jorge
está comandando a mesa de som enquanto o DJ está ausente. Ao retornar, o profissional
elogia o jovem aspirante a radialista, dizendo que ele leva jeito para o ofício. A opção
do tradutor, neste caso, foi buscar uma expressão coloquial como equivalente, como é o
caso de tienes cancha. Essa locução é considerada um americanismo, ou seja, circula no
espanhol da América e seu significado é o de ter habilidade, adquirida pela experiência,
para realizar determinada função.
O tradutor parece agir de forma intuitiva, pois ora escolhe neutralizar a fala
coloquial, utilizando significados equivalentes às expressões do PB, ora se vale de
12
A definição que proporcionou explicar de forma mais satisfatória o emprego do termo boco moco foi
encontrada no site Dicionário inFormal, disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/bocomoco/
Acesso em 10 de novembro de 2011.
13 Disponível em: http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=chorlito. Acesso em
10 de outubro de 2011.
14 Disponível em: http://www.wordreference.com/espt/cabeza.( Entrada 4 do item II). Acesso em 09 de
novembro de 2011.
15 Disponível em: http://etimologias.dechile.net/?chorlito. Acesso em 10 de novembro de 2011.
57
expressões em espanhol que carregam a marca do discurso não padrão oral. Creio ser
possível afirmar que seu percurso, de falante de PB e tradutor sem formação
institucional, leva-o a fazer escolhas que refletem sua posição fragmentada e perpassada
por mais de uma língua e mais de um lugar de autoridade (ora escritor, ora tradutor).
Se o tradutor, como será melhor discutido durante a análise da entrevista,
considera a tarefa de traduzir como uma tarefa de escritor pode estar, dessa forma,
autorizando-se a ser o único produtor do texto. Entretanto, a tradução, além de envolver
duas culturas, envolve pelo menos duas línguas e pelo menos dois sujeitos produtores:
por um lado está o escritor do texto de origem e do outro o tradutor, que será o escritor
do texto de chegada.
5. Dupla negativa
l) Português Espanhol
Lídia: Pô gente, não desconfia de mim,
não. Eu sou jornalista. Já falei (...)
Lídia: No desconfíen de mí, ya les
dije que soy periodista.
Meninas: Mas a gente não sabe onde
fica a rádio não!
Meninas: No sé dónde queda la
radio.
No diálogo acima, o texto em espanhol recorre à omissão da dupla negativa, que
aparece em português, por meio do advérbio “não”. Na legenda, o tradutor optou por
desfazer sua reiteração. Tal uso, em PB, é considerado como da língua falada
(CASTILHO, 1996), na linguagem culta escrita a dupla negação acontece por meio do
uso combinado aos advérbios “nunca”, “jamais”, “tampouco” e dos indefinidos
“ninguém”, “nada” e “nenhum”.
Em espanhol é possível negar duas vezes, porém “por meio de um esquema
particular de negação, que permite combinar o advérbio não com a presença de outros
58
elementos que também tem sentido negativo” 16
(DPD, 2011). Esses elementos são os
mesmos que se utilizam na língua padrão escrita do português.
No registro oral do espanhol, a característica presente nos diálogos apresentados
como exemplo também acontece. O advérbio “no” reiterado pode vir imediatamente
após o primeiro uso ou intercalado por outros elementos (CASCÓN MARTÍN, 2000, p.
95).
Cruzando as informações das duas línguas e as regras de funcionamento da
negativa nas variedades oral e escrita, acredito que podemos considerar a opção do
tradutor como uma tendência a apagar do seu texto características orais das falas dos
personagens, ou então, uma certa resistência por parte dele à variedade não padrão oral.
6. Nome próprio precedido de artigo
m) Português Espanhol
Brau: Pô Fatinha, cê nem me apresenta. Brau: Pucha Fátima, tú ni me
presentas…
Ana: Eu sou a Fátima. Ana: Yo soy Anita.
Brau: Eu sou o Brau. Brau: Yo soy Brau.
Em m há outro tipo de omissão recorrente durante a tradução para o espanhol,
que consiste em não usar artigo definido antes de nome de pessoas. O uso de artigos, em
português, não se caracteriza como de variedade oral ou escrita, tampouco é um traço de
fala vulgar ou coloquial.
Por outro lado, a norma da variedade padrão escrita do espanhol não aconselha o
uso de artigo nesses casos. Para a Real Academia de la Lengua Española (RAE), “a
anteposição do artigo, nesses casos, costuma ser própria da fala popular” (RAE, 2011).
16
“En español existe un esquema particular de negación, que permite combinar el adverbio no con la
presencia de otros elementos que tienen también sentido negativo”. (Diccionario Panhispánico de Dudas,
RAE, 2011).
59
Em alguns países, tal uso é considerado vulgar e próprio de comunidades rurais e
povoados, porém também há registros de que o emprego de artigo é uma forma de
garantir maior proximidade, por isso dá-se correntemente nome de pessoas da família
ou amigos muito íntimos. 17
7. Duplicação de lugar
n) Português Espanhol
Zequiel: Cês tão vendo aquilo ali? Zequiel: ¿Ven Uds. aquello?
Zequiel: O que é aquilo ali procês? Zequiel: ¿Qué es aquello para Uds.?
As duas falas do personagem Zequiel acontecem durante uma cena em que os
protagonistas estão no alto de um morro, olhando para uma antena de rádio. Ao mesmo
tempo em que fala, ele aponta para a antena, chamando a atenção dos amigos.
O termo omitido pelo tradutor, nos dois casos, é o advérbio de lugar “ali”, que é
utilizado muito frequentemente no discurso oral do PB, para indicar proximidade
espacial do falante (NEVES, 2000, p.499) 18
. A variedade não padrão do espanhol
oferece a mesma possibilidade; segundo Cascón Martín (2000, p.174) seu uso serve
para determinar o que é assinalado pelo demonstrativo.
A estrutura é um pouco diferente, se comparada ao PB, pois o advérbio de lugar
deve ser precedido da preposição “de” (EGUREN, 1999), originando uma estrutura
como “aquello de allí”. Muito embora o uso da duplicação da referência locativa esteja
17
A esse respeito ver: http://cvc.cervantes.es/foros/leer_asunto1.asp?vCodigo=35765. Acesso em 10 de
novembro de 2011.
18 Embora o corpus utilizado em NEVES (2000) seja composto por textos escritos, a autora destaca, na
Apresentação, o fato de que é notável a representatividade da língua falada, pois a mesma é encontrada na
simulação feita nas peças teatrais e textos jornalísticos que formam o corpus.
60
disponível nos dois sistemas linguísticos, Stradioto (ms)19
, em levantamentos realizados
no espanhol falado da Cidade do México, demonstra que o uso de demonstrativos
combinados a um locativo é pouco frequente20
.
8. Referência de lugar
o) Português Espanhol
(166) Jorge: Aí, seguinte hem, a maior
parte dos moleque aqui do morro (173)
(166) Jorge: La mayor parte de los
muchachos de la favela (173)
Jorge: Eles tão sendo instruído pelas
madame que mora no asfalto
Jorge: Son instruidos por las
‘madame’ que viven en las calles
asfaltadas.
Jorge: e que vem dar aula pros filhos
dos empregados aqui do morro.
Jorge: Vienen a dar clases a los hijos
de los trabajadores de la favela.
Na primeira e terceira falas de Jorge ocorre uma transposição, que é a mudança de
categoria gramatical de elementos no segmento traduzido (BARBOSA, 1990, p.66). Os
trechos “moleque aqui do morro” e “empregados aqui do morro”, traduzidos
respectivamente como “muchachos de la favela” e “trabajadores de la favela” se
constroem a partir da mudança do advérbio de lugar (aqui) por preposição mais artigo
(de la). A transposição que acontece na segunda fala é a passagem de um substantivo
(asfalto) para um adjetivo (asfaltadas).
À primeira vista essa mudança pode parecer insignificante; entretanto, utilizada
sistematicamente em outros trechos dos diálogos do filme, distancia o discurso de quem
fala, afastando a pessoa do local de origem. O distanciamento ocorre pela omissão de
um advérbio que implica proximidade ao falante (aqui) e, por isso, indica o lugar de
19
A abreviatura ms utilizada refere-se a trabalho consultado em manuscrito.
20 Até o presente momento, não foi possível encontrar ocorrências que indicassem que o uso de
demonstrativo e locativo seja frequente no espanhol falado. Foram realizadas várias buscas na Internet,
porém, por tratar-se de um fenômeno da fala, não obtive resultados satisfatórios.
61
origem de seu discurso, que vem a ser o seu lugar naquela sociedade. A combinação de
preposição e artigo (de la) sugere que o personagem se refere a uma favela, porém que
não é a “sua” favela.
No capítulo dedicado à análise da entrevista, utilizarei o conceito de adaptador,
tomado de Amorim (2005), para caracterizar o posicionamento do tradutor frente ao seu
trabalho para legendas. Sendo um tradutor adaptador, ele se posicionaria como um
“contador de histórias” e estaria “presente” no seu texto, em oposição ao tradutor que,
espelhando aquilo que lê estaria “ausente”.
Contudo, ao mostrar-se presente no texto e assumi-lo como seu, ele passa a narrar a
história como alguém que está fora dela, descaracterizando a legenda como a
manutenção dos diálogos do filme. Nesse sentido, as legendas se aproximariam muito
ao que Díaz Cintas (2001) caracteriza como narração, uma das modalidades de
tradução audiovisual.
Para o autor, essa modalidade permite um maior grau de distanciamento do produto
original tanto em conteúdo quanto em estilo. A narração é realizada por um ator ou
jornalista que lê o texto a ser reproduzido em outra língua (DÍAZ CINTAS, 2001, p.40).
No exemplo citado de Uma onda no ar, a voz do personagem é silenciada pela do
tradutor que, em lugar de colocar-se como alguém que vive a história, passa a ser um
narrador externo das ações.
A transposição que acontece na segunda frase não modifica o lugar de enunciação
do personagem, porém utiliza uma expressão que não marca a oposição de planos que
existe entre “morro” e “asfalto”. O termo empregado pelo tradutor desconsidera a
diferença social existente entre alguém que mora no morro – e que pode ter ruas
62
asfaltadas – e um morador do asfalto, uma vez que este disfruta de facilidades e
benefícios que vão além da pavimentação das ruas.
Quando escolhe o termo “favela” o tradutor faz uso de uma palavra que, apesar de
figurar em dicionários de espanhol 21
é considerada como “voz portuguesa”, ou seja,
uma palavra usada em espanhol, mas de origem do português. No entanto, não
incorpora outra palavra que circula no âmbito do espanhol e se associa à ideia da
“favela”, ou seja, o termo “asfalto” 22
, mantendo assim o conceito idealizado na
diferença espacial que marca o morro, no alto e o asfalto, no baixo.
9. Forma de tratamento
p) Português Espanhol
Dentista: É o Jorge? Olha, eu sou
dentista.
Dentista: Hola Jorge. Oye, soy
dentista.
Dentista: Meu nome é Élcio Dutra,
manda esse homem pro meu consultório
que eu atendo ele.
Dentista: Me llamo Élcio Dutra.
Manda ese hombre a mi consultorio.
Yo lo atenderé.
Jorge: Pô, obrigado, Dr. Élcio, depois a
gente acerta os anúncios.
Jorge: Gracias Dr. Dutra. Después
combinamos sus anuncios.
No diálogo acima, o personagem Jorge trata o dentista que liga para a rádio de Dr.
Élcio, mantendo o tratamento de respeito – devido à profissão da pessoa – na palavra
“doutor”. Em espanhol, a forma de tratamento “Dr.” implica também o uso de seu
21
Disponível em: http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=favela. Acesso em 15
de novembro de 2011.
22 Na página oficial da Cidade Olímpica do Rio de Janeiro em sua versão ao espanhol há utilização do
termo “asfalto” em oposição à favela. Disponível em: http://www.cidadeolimpica.com/es/urbanizacion-
que-integra-las-favelas-al-%E2%80%9Casfalto%E2%80%9D/. Da mesma forma o site de notícias IPS,
mantido por uruguaios, ao tratar o tema das desigualdades sociais emprega o termo, esclarecendo, na
primeira menção, que há “zonas de ‘asfalto’ de la ciudad”. Disponível em:
http://ipsnoticias.net/print.asp?idnews=96333. Acesso em 15 de novembro de 2011.
63
sobrenome, como fica claro na tradução. Isso também ocorre com as fórmulas de
cortesia “señor/a”.
Observa-se então a modificação da forma de tratamento empregada nas duas
línguas em questão, sem que essa intervenção do tradutor, ao contrário dos exemplos
comentados até o momento, intervenha na construção da identificação cultural dos
personagens do filme ou demonstre alguma predileção de variedade linguística.
Além disso, todos os casos supracitados tornam possível mostrar que o tradutor,
segundo uma das hipóteses traçadas, distancia seu texto do discurso coloquial para o
qual é originalmente concebido e que, diferentemente do que é discutido por Toury
(2004), sua tradução não se direciona à cultura de chegada, tampouco se atém à cultura
de partida.
4.1.3.2. TRANSFERÊNCIA DA LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA LÍNGUA
MATERNA
Os casos de transferência que ocorrem na legenda são sempre no sentido PB –
espanhol. Durante a primeira análise empreendida para esta pesquisa e ainda
desconhecendo o responsável pela tradução, fui surpreendida pela ocorrência de
construções anómalas ao espanhol – e que se aproximavam muito mais a estruturas
frasais do PB – e palavras usadas em espanhol com o significado que expressam em PB.
Após coletar informações sobre o processo percorrido pelo tradutor tanto para
essa legenda quanto em sua incursão no campo da tradução audiovisual, foi possível
entender a razão da utilização do PB no texto em espanhol e apontar com mais clareza
os casos que se configuravam como transferência. Se, em um primeiro momento,
64
esperava que a tradução não pudesse apresentar esse tipo de problemas, uma vez que o
tradutor é nativo de língua espanhola23
, saber que ele vive no Brasil há muitos anos e
tem o PB como a língua do dia-a-dia permitiu entender o motivo das transferências.
q) Português Espanhol
Preso: (1338.12) Ninguém sobe o morro
pra me dar nada, (1341).
(1338.12) Nadie va a la favela a
darme nada. (1341)
Preso: (1341.6) então eu tenho que
pegar o que é meu, de qualquer
jeito!(1344.8)
(1341.6) Entonces tengo que pegar
de cualquier manera lo que es
mío.(1344.8)
r) Português Espanhol
Homem: Zequiel, atende o telefone e
anota os recados.
Homem: Zequiel, atiende el teléfono
y anota los recados.
Zequiel: De tarde eu tô de volta. Zequiel: Regreso a la tarde.
s) Português Espanhol
Brau: Aquele bosta não ofendeu a gente
Jorge, a bosta não pode ofender uma
pessoa.
Brau: Jorge, esa bosta no nos
ofendió. La bosta no puede ofender a
una persona.
Brau: Com a bosta o que tem que fazer
bicho é puxar a descarga e esquecer
brother.
Brau: La bosta se limpia dando
descarga. Olvídalo, manito.
Nestes exemplos, ocorre uma transferência que se dá pela introdução de
verbo/substantivo que existe nas duas línguas, porém com significados distintos e, neste
caso, não coincidentes.
O primeiro exemplo relaciona-se ao uso do verbo pegar que, na legenda
traduzida, mantém o significado do português, podendo, nessa língua, ser substituído
por buscar. O mesmo verbo, em espanhol, possui várias acepções, sendo que nenhuma
23
O tipo de problemas com os quais esperava deparar-me eram aqueles relativos à falta de formação e
preparo na área da tradução e, especificamente, na área da tradução audiovisual.
65
delas corresponde ao uso que se quer fazer neste contexto. Opções de tradução do termo
que respeitassem os significados da LM do tradutor seriam: tomar, agarrar, coger.
Da mesma forma, o uso do verbo atender no segundo exemplo origina em
espanhol uma combinação entre verbo e substantivo que não transmite nenhum
significado. No Dicionário da RAE (2011), constam sete acepções para atender: esperar
ou aguardar; satisfazer um desejo ou ordem; aplicar voluntariamente o entendimento a
um objeto espiritual ou sensível; levar algo em consideração; olhar por alguém ou
cuidar dele; dito de um animal: chamar-se; ler para si mesmo o original de um escrito,
com o propósito de ver se está de acordo com a prova que o corretor lê em voz alta.
Como é possível perceber, nenhum dos significados atende ao que se diz em PB,
tampouco ao que pode ser expresso em espanhol com o verbo em questão. Os verbos
que se utilizam em espanhol para atender ao telefone são: contestar, responder ou
coger, sendo o último mais utilizado na Espanha, em comparação com o espanhol
americano.
Já o terceiro exemplo, dando descarga, em espanhol significaria que há um
objeto com perda de carga elétrica. Dos sete significados listados no dicionário online
da RAE (2011) nenhum é compatível com o ato de puxar a descarga do banheiro,
exatamente ao que o personagem Brau se refere em sua fala.
Através de buscas ao fórum de discussão da página WordReference (2011)
também não foi possível encontrar o uso de descarga coincidente com a expressão do
PB. Tanto no fórum quanto em dicionários, as expressões listadas são tirar de la
cadena, tirar la cadena ou, considerando que os banheiros em sua maioria não possuem
mais uma corda para a descarga, apretar el botón.
66
Além dos usos de vocábulos, a transferência também acontece em estruturas
mais complexas, levando para o texto em espanhol características do PB. Os exemplos
seguintes ilustram como o uso do espanhol por parte do tradutor pode estar contaminado
pela proximidade com o PB, fazendo com que ele não reconheça a barreira que separa
um idioma do outro.
t) Português Espanhol
Jorge: Ô gente. Num dá nem pra
acreditar hem,
Jorge: Señores, no da ni para creer
en algo así, ¿no?...
Jorge: Olha tô aqui na minha frente com
um vizinho que tá pondo creolina no
dente.
Jorge: Tengo ante mí un vecino que
usó creolina en los dientes.
O verbo dar empregado na expressão usada por Jorge, em PB, ganha o
significado de ser possível quando usado junto ao verbo acreditar. Como não encontrei
nenhuma ocorrência dessa locução “dar + acreditar” em dicionários de espanhol, recorri
à pesquisa na ferramenta Google.
Em todas as tentativas, a opção “somente páginas em espanhol” foi selecionada,
porém não houve nenhum retorno que correspondesse à forma selecionada pelo
tradutor. Algumas opções que poderiam aproximar-se mais da língua espanhola seriam
as expressões no lo puedo ni crer, se me hace difícil crer en eso ou talvez no es posible
creerlo, todas com o uso do verbo creer que, em espanhol, pode ter a acepção de
“considerar algo verossímil ou provável” (DRAE, 2011)24
24
Disponível em http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=creer. Acesso em 01
de dezembro de 2011.
67
u) Português Espanhol
Preso: Aí, agora a gente vai trocar
uma idéia com cê.
Preso: Ahora nosotros vamos a
cambiar ideas contigo.
Preso: Conta pra gente, como é que
cês fizeram essa tal rádio?
Preso: Cuéntanos, ¿cómo hicieron
Uds. esa tal radio, eh?
No caso acima, a expressão trocar uma idéia é utilizada na língua original do
filme com o significado de conversar ou de bater papo e pode ser escutada no Brasil
com certa frequência em diálogos informais, principalmente entre jovens. Quando
pesquisada na ferramenta Google a entrada “trocar uma ideia” obteve aproximadamente
10.400.000 resultados e no site Dicionário Informal25
é definida como “conversar,
discutir pacificamente”.
Em espanhol, a combinação que é encontrada nos dicionários entre “cambiar” e
“idea” é a de cambiar de idea, significando o equivalente a mudar de ideia. Porém,
realizando algumas buscas na internet 26
, encontrei a possibilidade utilizada pelo
tradutor, ou seja, cambiar ideas, com o sentido muito semelhante ao do PB. Cabe
ressaltar que todos os sites que apresentavam essa expressão eram da temática
“encontros”, com perfil de usuários jovens e nos quais a língua usada se aproximava
muito à oralidade, como é possível encontrar em chats de internet.
Avaliando todas as opções de tradução realizadas e analisadas até este ponto,
considero que seria possível afirmar que ao escolher a expressão cambiar ideas o
tradutor não estava procurando dar ao seu texto um tom mais coloquial ou informal,
uma vez que muitos dos fenômenos da variedade não padrão oral presentes no texto em
25
As definições encontradas no site Dicionário informal são elaboradas por usuários da internet de
diferentes Estados do Brasil. Acredito que tais definições sejam, portanto, retratos mais próximos ao PB
falado. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/trocar%20uma%20id%C3%A9ia/ Acesso:
15 de novembro de 2011.
26 Os sites em questão são http://www.agregame.com/selenabatman, acesso 25 de novembro de 2011 e
http://www.amistarium.com/user-view_user-1130723.html, acesso 25 de novembro de 2011.
68
PB foram apagados por ele ou substituídos por formas da variedade padrão escrita.
Deste modo, vejo que o exemplo u constitui outra ocorrência de transferência de um
padrão de estrutura do PB para o espanhol.
4.1.3.3. ESCOLHAS LEXICAIS
Como dito anteriormente, a análise das escolhas lexicais feitas pelo tradutor
demandaram um trabalho de comparação entre diferentes palavras utilizadas ao longo
do texto em espanhol e que tinham alguma marca de coloquialidade. O fato de que
sejam consideradas coloquiais faz com que circulem em alguns países de fala espanhola
e, por esse motivo, podem não possuir significados semelhantes ou compreensíveis em
todos os lugares ou registros linguísticos.
Comentar todas as ocorrências lexicais seria inviável para o trabalho que vem
sendo empreendido, dessa forma, achei interessante selecionar dois termos muito
recorrentes e que, consequentemente, variaram bastante ao longo da tradução. Pretendo
demonstrar, através dos exemplos que de fato o texto da língua de chegada se constrói
por meio de diferentes variedades do espanhol.
v) Português Espanhol
Jorge: (208.8) O cara jogava bola com a
gente e hoje tá lá ó, garrado no
cadeião,(214.8)
Jorge: (208.8) El ñato jugaba pelota
con nosotros y hoy está atrás de las
rejas. (214.8)
Jorge: (215) dormindo no fundo da cela
com a cara no boi.(218.4)
Jorge: (215) durmiendo en la celda
de cara a la letrina. (218.4)
x) Português Espanhol
Preso 1: Pô cara, maior sacanagem te
prender aí...
Preso 1: ¡Qué joda encanarte así,
cumpa!
69
Preso 2: A gente fica aqui do outro lado
ouvindo suas mensagens, pra passar o
tempo.
Preso 2: Aquí, ‘del otro lado’, oímos
tus mensajes para pasar el tiempo.
z) Português Espanhol
Jorge: Ô seu Doriva, deixa eu dar uma
olhadinha aí, só uma olhadinha.
Jorge: Don Doriva, déjeme dar una
miradita, apenas una miradita.
Dorival: Se quebrar um vidro, o pau vai
comer.
Dorival: Si quebras un vidrio, te
muelo a palos.
Jorge: Pô seu Doriva deixa pelo menos
um dia eu ver como é que esse cara
opera essa mesa...
Jorge: Déjeme ver por lo menos una
vez como ese tipo opera los
controles.
Dorival: Vai saindo. Dorival: ¡Ve saliendo rapidito!
a') Português Espanhol
Roque: Trouxe? Roque: ¿Lo trajiste?
Zequiel: Trouxe o quê? Zequiel: ¿Qué cosa?...
Roque: Ah! Falei, não falei? Esse cara
só tem papo cara.
Roque: ¿No te dije? Este ñato es
puro bla-bla-bla.
b') Português Espanhol
Jorge: Cê viu o fiodumaégua? Que cara
cuzão sô!
Jorge: ¿Viste al hijo de puta? ¡Qué
tipo jodido!
Brau: Esquece cara. Brau: Olvídalo, manito.
Os cinco exemplos apresentados giram em torno da mesma palavra, cara,
utilizada para referir-se a uma pessoa, geralmente do sexo masculino. Embora possuam
um significado geral comum, é possível distinguir diferentes nuances na forma como é
empregada, podendo conferir ao sujeito que é designado pela palavra um aspecto
positivo ou negativo.
Quando usada em sentido positivo, refere-se a amigos ou pessoas com as quais
os personagens têm algum tipo de intimidade e confiança. Em v, Jorge está lendo uma
carta na rádio, na qual um ouvinte relata o que aconteceu a um colega que se envolveu
70
no crime e acabou sendo preso. O termo escolhido em espanhol foi ñato que também
aparece na fala de Roque em a’ para referir-se ao seu amigo Zequiel.
Outras duas palavras utilizadas em sentido positivo para traduzir cara são cumpa
e manito: a primeira empregada por um preso durante um conversa com Jorge e, a
segunda, em b’ caracterizando um tratamento de confiança entre os amigos Brau e
Jorge.
Quando a palavra cara atribuía um sentido negativo ou neutro, o tradutor
escolheu o equivalente tipo em espanhol, como ocorre em z e b’. Na primeira das duas
cenas, Jorge está tentando entrar na rádio que existe perto da casa dele, porém o
segurança o impede. O que o protagonista deseja é ver como o radialista opera a mesa
de som, tratando-o por cara, sem com isso atribuir-lhe sentido depreciativo. O termo,
aqui, ganha um tom neutro.
Já b’, a forma em espanhol aparece durante uma cena em que Jorge e Brau são
revistados e insultados por dois policiais em um parque porque estavam beijando duas
garotas. Jorge está muito revoltado com a situação e chama um dos policiais de cara
cuzão, passado ao espanhol como tipo jodido. As definições do DRAE (2011)
correspondem aos dois usos visualizados nessas cenas, um deles como sinônimo de
homem, indivíduo e o outro “utilizado em sentido depreciativo”.
As escolhas do tradutor nas cinco cenas envolvidas, portanto, parecem seguir
uma direção consciente, pois poderia argumentar que como a palavra cara ganha
diferentes contornos no emprego nos diálogos, suas decisões também deveriam ser
diferentes. Contudo, ao optar por temos variados o tradutor acaba misturando palavras
que circulam em variedades específicas do espanhol e que, muitas vezes, não coexistem
na mesma região.
71
A palavra “ñato”, por exemplo, é uma gíria utilizada na Bolívia e no Uruguai
para referir-se a jovens e garotos de maneira informal (DRAE, 2011; JHH, 2011). Por
tratar-se de uma palavra muito específica de alguns países, sua escolha não seria
compatível com tom geral da tradução, uma tentativa de linguagem desprovida de
marcas regionais.
Em relação ao termo tipo não há maiores implicações em sua escolha, pois seu
uso com o significado adotado nas cenas anteriores não é uma gíria ou expressão
coloquial, podendo circular em diferentes países que falam espanhol. No entanto,
cumpa, que é uma abreviação de compadre, quando referido a um amigo de confiança
está mais restrita como termo coloquial na Argentina, Bolívia e Chile (DRAE, 2011;
JHH, 2011).
Ainda que tanto ñato quanto cumpa façam parte, concomitantemente, dos termos
coloquiais da Bolívia, não são compartilhados pelos outros países que as selecionam
como opções de gírias (Argentina, Chile e Uruguai) e, tampouco, pelos outros países
onde se fala espanhol. Essa situação poderia gerar falta de compreensão por parte dos
espectadores, já que essas palavras ganham novos significados dependendo da
comunidade que a utiliza.
Não pretendo desconsiderar o fato de que hoje as fronteiras entre os países estão
bem menores e que a expansão da internet e da televisão favorece que ocorram trocas
linguísticas e que expressões de um país comecem a ser usadas em outros lugares.
Porém, acredito que combinar variedades que não convivem no mesmo espaço pode
gerar uma sensação de que há sinônimos equivalentes para todas as palavras das línguas
e que usar um ou outro é uma mera questão de gosto particular.
72
A falta de um mesmo parâmetro nas escolhas faz com que, no caso dessa
tradução específica, um termo circulante na Argentina conviva com outro que está
limitado a países localizados no outro extremo da América Latina, como ocorre com o
termo mano, utilizada na legenda em sua forma diminutiva. Nos dicionários Salamanca
(1996) e da RAE (2011), esse substantivo está categorizado como um “tratamento de
confiança que se aplica aos amigos”, também é possível encontrar que se trata de uma
diminução de hermano e que é utilizada no México. Fitch (2006, p. 439) possui um
trabalho mais amplo com as gírias e expressões coloquiais de diferentes países e na
primeira versão do seu Diccionario de Jergas de Habla Hispana, o termo mano é
caracterizado como uma palavra compartilhada também pela Colombia, Guatemala e
Porto Rico.
Outro termo que recebeu mais de um equivalente foi grana, palavra considerada
gíria em PB (Michaelis online, 2011; DPLP, 2011). Todas as opções do tradutor para o
termo estão expostas nos quatro exemplos que seguem:
c') Português Espanhol
Jorge: Ao invés de comprar arma, o
estado devia era usar essa grana
Jorge: En vez de comprar armas, el
Estado debería usar la plata...
Jorge: pra melhorar as escolas e criar
emprego.
para mejorar las escuelas y para
crear empleos
d') Português Espanhol
Fátima: Não dá mais pra ficar sem
geladeira.
Fátima: No puedo estar sin nevera.
Fátima: Você sabe que o conserto da
velha vai custar mais caro que uma
nova.
Fátima: Arreglar la vieja es más caro
que comprar una nueva.
Fátima: O dinheiro que eu juntei não dá,
você tem que completar.
Fátima: El dinero que junté no
alcanza. Tienes que completar...
Jorge: Eu não sei com que grana...só se
eu roubar.
Jorge: No sé con que ‘guita’. Sólo si
salgo a robar...
73
e') Português Espanhol
Roque: Larga essa porra, vem trabalhar
comigo. É grana fácil e rápido.
Roque: Deja esa joda y ven a
trabajar conmigo. Es ‘lana’ fácil y
rápida.
Jorge: Fica na sua, que eu fico na
minha, tá? Cada um, cada um…
Jorge: Cuida de tus cosas que yo
cuido las mías. Cada uno en lo suyo.
f') Português Espanhol
Jorge: Mãe aqui tem mil e novecentos.
E eu preciso desse dinheiro.
Jorge: Mamá, aquí hay 1.900... Y yo
necesito ese dinero.
Neusa: Não. Essa poupança é pra
quando você for pra faculdade.
Neusa: ¡No! Esos ahorros son para
cuando vayas a la universidad.
Jorge: Eu não vou pra faculdade, não
vou pra lugar nenhum. Vou ficar aqui,
essa grana é minha.
Jorge: ¡No iré a la Facultad! Me
quedaré aquí. El dinero es mío.
Entre os quatro trechos de diálogos, somente em f’ o termo proposto é uma
palavra que não é gíria, sendo, portanto, de uso geral em todos os países no quais se fala
espanhol. É interessante notar que a palavra dinero aparece no mesmo trecho
selecionado como equivalente a dinheiro. Ao escolher dinero como equivalente de
grana o tradutor apaga uma marca de coloquialidade presente no diálogo entre Jorge e
sua mãe, além de igualar o uso de uma palavra que possui um domínio mais amplo a
uma gíria.
As três outras ocorrências de grana são traduzidas por termos também
coloquiais em espanhol, respectivamente plata, guita e lana. O primeiro deles aparece
como coloquial da América no Diccionario de Salamanca (1996, p.1228) e em Fitch
(2006, p. 444) é apresentado como comum a vários países: México, Costa Rica,
Paraguai, Chile, Peru, Estados Unidos, Colômbia, Venezuela, Argentina, Uruguai,
Nicarágua, Honduras e Equador.
74
Embora seja uma palavra categorizada como coloquial nos dicionários
consultados, pode-se dizer que está bastante difundida em espanhol, sendo encontrada
em várias páginas de internet de países que não constam na relação apresentada por
Fitch (2006). Creio que a palavra plata, devido ao grande número de países que a
adotam como opção de gíria para dinheiro, possa ser considerada de uso geral, embora
mais restrita a contextos informais.
A gíria em d’, guita, é também um equivalente coloquial de dinheiro, e junto à
palavra plata, dominam quase todas as aparições de grana do texto original. Fitch
(2006, p.436) lista sua ocorrência na Argentina, Espanha, Peru, Uruguai, Paraguai e
Bolívia. Por fim, no diálogo entre Roque e Jorge, reproduzido em e’, o termo
selecionado é lana, sendo entre as quatro possibilidades apontadas a que possui menor
abrangência, fazendo parte do repertório de falantes peruanos, mexicanos, panamenhos
e estadunidenses que têm o espanhol como primeira língua.
Em posse dos dados oferecidos sobre as variedades de espanhol que coexistem
na legenda, acredito que visualizar o que é feito pelo tradutor por meio de um quadro
seja mais eficiente, pois permite uma ideia mais geral da mistura que acontece nessa
legenda27
. A decisão do tradutor de usar “um pouco de cada coisa” de cada lugar
proporciona um resultado final anômalo, colocando em contato formas que não
pertencem aos mesmos domínios geográficos ou sociais. Além disso, a mistura dessas
formas apaga as variedades, homogeneizando os discursos que pertencem a diferentes
variedades do espanhol.
27
Na primeira linha de cada tabela constam as abreviaturas dos seguintes países: Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Espanha, Guatemala, Honduras, México,
Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
75
A B CH CO CR EQ EUA ES G H M N PA PE PR PI U V
Cara
ñato
cumpa
tipo --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- ---
manito
Tabela 3 – Equivalentes do termo cara e países de origem
A B CH CO CR EQ EUA ES G H M N PA PE PR PI U V
Grana plata
guita
lana
dinero --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- ---
Tabela 4 – Equivalentes do termo grana e países de origem
No próximo item, quando o foco de análise passa a ser o discurso do tradutor,
alguns dos conceitos apresentados até o presente momento serão retomados, no intuito
de estabelecer relações entre o produto (a tradução) e o processo de chegada a ele,
julgando como partes de tal processo a incursão do tradutor no PB e as implicações
ocasionadas em sua identidade e em sua produção linguística em LM.
4.2. ENTREVISTA
Passarei a expor os dados surgidos através de uma entrevista realizada com o
tradutor do filme Uma onda no ar, objeto desse estudo. Pretendo discutir de que forma
as noções de identidade, tradução e lugar do tradutor, previamente apresentadas, estão
relacionadas na conformação desse sujeito para, posteriormente, estabelecer uma
ligação com os dados levantados na análise da tradução para legenda.
76
4.2.1 - PERFIL DO ENTREVISTADO
O entrevistado, aqui denominado simplesmente T em interação com a
pesquisadora P, realiza trabalhos como tradutor de filmes há pelo menos trinta anos e
conta com quase três mil filmes em seu currículo, segundo dados oferecidos por ele
mesmo durante entrevista. Afirma ser experiente no seu ramo de atuação, embora sua
formação acadêmica seja em jornalismo e nunca tenha realizado nenhum curso na área
de tradução.
Além de atuar como tradutor, também é editor de uma revista de Ecologia,
publicada no Brasil, e também passou pela profissão de cineasta por duas vezes. Tem
uma extensa história como escritor de jornais, revistas e enciclopédias especializadas
em cinema.
Apesar de não possuir formação específica na área de Letras ou qualquer curso
sobre tradução, o entrevistado é ativo no ramo e realiza muitos trabalhos com o par de
línguas português-espanhol. Segundo Martinez (2007), somente a partir da década de
1990 houve uma demanda por profissionais de legendagem, com a chegada da televisão
por assinatura no Brasil. Antes disso, e até os dias atuais, a atividade estava restrita ao
cinema, meio no qual atuam poucos profissionais.
Considero oportuna a colocação acima, pois estamos lidando exatamente com
um desses casos: um tradutor que constitui um dos “poucos profissionais” do mercado
de tradução para o cinema. Mesmo não tendo tido uma formação “profissional” ou
institucional, por não ter nenhuma formação para a atividade, ingressou no circuito de
tradutores por ser nativo de língua espanhola de nacionalidade boliviana.
77
Vivendo há quarenta anos no Brasil, apresenta durante seu discurso alternância
entre as duas línguas das quais faz uso regularmente, português e espanhol. Grosjean
(1999) considera que pessoas que usam duas ou mais línguas (ou dialetos) diariamente
são bilíngues, estando expostos por razões diversas (como as migrações) a uma língua
diferente daquela considerada sua língua materna.
Ainda segundo Grosjean, os bilíngues utilizam suas línguas para diferentes
finalidades e com diferentes pessoas, porém a desativação total de uma das línguas
(quando em contato com um interlocutor monolíngue) raramente acontece. Tal fato
explicaria o surgimento das interferências, desvio que ocorre na língua que está sendo
falada devido à influência da outra língua. As interferências podem ocorrer em todos os
níveis: fonológico, lexical, sintático, semântico e pragmático.
Creio que poderia ser possível classificar o entrevistado como falante bilíngue de
espanhol e português, uma vez que as duas línguas fazem parte do seu cotidiano. Além
disso, entender o tradutor como um falante bilíngue permitirá entender melhor as
interferências observadas tanto na entrevista como, posteriormente, na tradução para
legenda.
Passo a apresentar os temas relevantes para a análise que pretendo empreender,
agrupando as respostas do tradutor em temas centrais. Ressalto que, nem sempre, cada
um dos temas apresentados a seguir é fruto de respostas de um único bloco temático
proposto para a entrevista (cf. Anexo I), uma vez que o modelo utilizado permite essa
liberdade de retomada de temas por parte do entrevistador e do entrevistado. Entretanto,
indicarei as hipóteses que foram levantadas a respeito dos temas tratados.
Concepção sobre aprendizado – a incursão em outra língua através da tradução
78
P: ((nome do tradutor)) onde e como que você aprendeu português? E/ como
que você se interessou pelo português assim/ por português, pelo Brasil?
T: Pra dizer assim / eu nunca estudei. Eu aprendi / falando, escrevendo.
Agora isso já tem o que? Quarenta anos / por que... eu vim, eu era jornalista
na Argentina, então / vim para fazer cobertura dum festival de cinema/ aí não
falava português, não falava nada. (...) Aí eu trabalhei um pouco na produção
/ e ao mesmo tempo fuí aprendiendo /.../ nesse / momento na Cinemateca /
que eu dirigia a parte de pesquisa de de, da Cinemateca era o Alex Viani, que
já morreu, e o Alex por ser (inint) da enciclopédia Mirador / para dirigir toda
a parte de cinema da enciclopédia / a enciclopédia foi dirigida por Otto
(inint), que era o diretor geral, o segundo era Antonio Wais / e aí em cinema
o Alex Viani e o Alex me convidou para / escrever os verbetes de cinema da
América Latina / Aí eu tive que / começar a escrever /e aí comecei a escrever
português, portunhol, meio misturado né? / aí fuí aprendiendo / quando eu
não sabia faziam revisão / aí fuí aprendiendo /
P: E/ quando você tem alguma dúvida nessas traduções, ou mesmo quando
você está escrevendo textos em português, como é que você resolve isso?
T: Isso eu tenho siempre / não é? / siempre / porque você tem um filme feito
em Pernambuco, falado em pernambuquês / aí tem que saber de QUE se trata
/ (inint) hoje é mais fácil porque você pesquisa na internet, tem dicionário,
tem frase, tem explicação, tem / é muito fácil, antes era sumamente difícil
mas / é, nesses casos tinha que / falar com o diretor, o roteirista até entender
do que se tratava, né? / então era o contato direto com a pessoa que fez o
roteiro ou, no caso o diretor ou a pessoa responsável pela produção, né? /
para esclarecer / (...)
As duas falas apresentadas faziam parte do bloco temático “O tradutor e seu
caminho no português como língua estrangeira”, que tinha como hipóteses o fato de que
seu aprendizado de PB havia se dado de maneira informal e de que em caso de dúvidas
o tradutor recorreria a falantes nativos do idioma em busca de uma resposta. As duas
hipóteses foram corroboradas a partir das respostas anteriores que ocorreram logo ao
início da situação discursiva
Extrapolando o que havia sido proposto para esse bloco, emerge uma visão
inconsciente por parte do entrevistado sobre o processo de entrada em uma nova língua.
Seu discurso parece definir o processo de significação na língua estrangeira como algo
inevitável ou quase natural, que exigiria o mínimo de esforço por parte de um falante
adulto.
79
Considero essa fala de extrema relevância para os próximos tópicos que serão
abordados nessa pesquisa, pois permite retomar aqui as ideias de Revuz (1998) de que
quando um sujeito aprende uma língua estrangeira ele se depara com outra maneira de
construir o mundo dos sentidos, diferente daquela que se dá na língua materna (LM).
Dessa forma, “falar” e “escrever” em português brasileiro (PB) implicam estabelecer
novos significados para as coisas que nos cercam.
Quando o tradutor “naturaliza” seu aprendizado do PB, aproxima-se ao que
Jakobson (1999) define como tradução, a possibilidade de existência de duas mensagens
equivalentes em dois códigos diferentes, uma vez que demonstra em sua resposta que
no Brasil continuou fazendo o que já fazia em língua espanhola. A nova realidade
linguística é encarada com muita tranquilidade, como se realmente se tratasse de
realizar uma “tradução”, no sentido tradicional, do que ele precisava escrever e falar.
O entrevistado também admite que, no início, escrevia “portunhol, meio
misturado”, em alusão à presença de interferência do espanhol na sua produção
linguística em PB. Nesse início da produção em outra língua, o que se estabelece é uma
língua de contato, carregada de características da LM e que tenta se aproximar à língua
estrangeira (LE).
É interessante notar também que, nesse momento, começa a se delinear a
legitimidade do nativo, aquele que está capacitado a adequar, “corrigir”, a produção de
um estrangeiro. O discurso do tradutor é autorizado por um nativo que faz a revisão,
porém não sabemos quem é esse revisor, se é uma pessoa com conhecimentos
linguísticos do português ou apenas um usuário da língua.
O “mito do nativo”, apresentado em Coracini (2007), oferece uma imagem desse
“poder legitimador” conferido ao outro, ao falante daquela língua que não é a nossa.
80
Esse outro é aquele que fala “corretamente” (nos termos da autora) a língua da qual
queremos aproximar-nos. Da mesma forma, o mito parece legitimar o trabalho do
tradutor em questão, pois podemos supor que sua nacionalidade de falante de espanhol
tenha possibilitado os convites para que ele primeiro redigisse e, posteriormente, fosse
convidado a traduzir.
T: (...) tinha alguns amigos jornalistas que escreviam crítica / nos jornais / na
época que existia o Correio da Manhã me convidaram para escrever algunas
críticas e aí comecei a escribir / o pessoal do Jornal de Letras también
começou a me pedir matérias / aí / de aí comecei a escribir / em algum
momento / eu não lembro exatamente em que momento foi / me pediram para
fazer, traduzir um, um filme né? / as legendas, não sei qual foi o primeiro que
fiz / não me lembro, mas era algum filme do cinema novo (...)e aí começaram
a encomendar eu comecei a traduzir, a traduzir e não parei mais até hoje / eu
traduzi sei lá, três mil filmes / não sei quanto.
P: Você fez algum tipo de curso de tradução / ou você começou a traduzir
porque você já escrevia em português?
T: não, não /não / porque eu siempre escribí, não, nunca fiz.
P: Quando você está traduzindo/ e no caso mesmo de tradução de filmes / que
você já fez vários /.../ e você também têm outras atividades profissionais,
também já trabalhou como jornalista, como escritor / tem algum tipo de
habilidade dessas outras atividades profissionais que você também usa para a
tradução?
T: bom / eu vejo o fato de traduzir como uma disciplina de / escritor /.../ tanto
faz, traduzir é uma / como se estivesse escrevendo um texto / é a tradução
seria digamos uma consequência, só isso.
Nesses trechos, dois blocos temáticos se fundem, sendo eles “O tradutor e sua
formação na área” e “O tradutor e seu fazer”, representado pelo último excerto. As
hipóteses centrais aqui são a de que alguns nativos, ao ingressarem no mercado de
trabalho da tradução, buscam algum tipo de formação complementar na área; e a
segunda é a de que o tradutor se mostra mais espectador que personagem do filme,
distanciando o discurso que será traduzido, hipótese que só poderá ser testada
posteriormente, através de outra pergunta.
81
Ao falar especificamente sobre a atividade de traduzir, é possível notar que o
entrevistado verbaliza sua visão do que seja uma tradução. Para ele, traduzir é escrever
em outra língua, corroborando a visão das pessoas que a consideram uma atividade
menor (PAGANO, 2006). Esta afirmação desconsidera as habilidades e estratégias
necessárias para a formação de um bom tradutor, transcendendo o conhecimento
meramente linguístico. Somada a tal concepção, faz-se necessário reconsiderar a
proposta de Toury (2004) de que a tradução estabelece relação não só entre duas
línguas, mas entre duas culturas e que, portanto, sua prática requer a busca de subsídios
externos ao linguístico, como defende Pagano (2006, p.13).
No que diz respeito ao próprio sujeito enquanto tradutor de espanhol, o
entrevistado, em seu discurso, faz uma clara relação entre língua legitimadora e
naturalização do ofício. Além de falar o espanhol “corretamente” (CORACINI, 2007),
uma vez que é nativo do idioma, o entrevistado também se autoriza a traduzir por ser
escritor de textos, refutando a primeira das hipóteses levantadas.
Entretanto, conforme Carvalho (2005) a tradução para legendas impõe
numerosas restrições em função do espaço disponível, dos diferentes parâmetros
temporais e de objetivos específicos, entre outros, relacionados ao público-alvo.
Portanto, ser escritor em uma determinada língua não habilitaria alguém a realizar
traduções para legendas, uma vez que essa modalidade é caracterizada por
especificidades próprias do gênero, além daquelas próprias da atividade tradutória e já
comentadas.
A falta de formação para a área é discutida por Barbosa (2005), ao afirmar que a
parte mais organizada desse mercado é o das chamadas “traduções juramentadas”, pois
estão amparadas por um sindicato e para exercê-la é necessário ser aprovado em um
82
concurso. As demais atividades de tradução ainda são realizadas de maneira autônoma
e, muitas vezes, de forma amadora.
Universal, variável, regional – a visão de língua para o tradutor
O bloco temático que serve de fonte para as próximas falas do tradutor foi
denominado de “O tradutor e as identidades culturais em jogo” e tinha como hipóteses
principais: a exclusão da variedade não padrão oral em detrimento da variedade padrão
escrita; o tradutor conhecia o lugar de distribuição do filme e, assim, procuraria adequar
seu texto a uma comunidade específica.
P: Quando você / igual você estava falando do filme “Salve geral” / quando
você recebe esses filmes que são muito carregados de regionalismos /.../ ou
talvez até de fala própria de algum tipo de comunidade / como foi o caso dos
presidiários / como também é um pouco o caso do “Uma onda no ar” que tem
um pouco de falar particular / e você / na hora de traduzir para o espanhol /
que tipo de tática que você usa? / Qual é a estratégia que você usa para tentar
passar isso para o espanhol, para manter o mesmo registro?
T: o espanhol tem um / uma / problema que mais ou menos acontece também
com o português / se o filme / um filme francês é traduzido para português / o
português do Brasil é diferente do português do / de Portugal / as gírias né? /
tudo são diferente, então você tem que optar por um ou outro / ou que você
está direcionado para o mercado brasileiro ou não /.../ mas muitas produtoras
não tem condição de fazer duas traduções, duas legendagens de / da mesma
cópia que vai pra... então o que eu faço, eu faço espécie de / linguagem mais
ou menos universal que se possa entender as gírias tanto na Argentina /
quanto na Espanha, quanto no México, então fica é... uso um pouco gírias de
todos os países / pra que possa ser compreendida rapidamente porque / se tem
dois segundos para compreender a frase né? então eu faço uma mistura de
isso / (...)
Nesse trecho, algumas concepções sobre língua que vão influenciar diretamente
o trabalho que o tradutor realiza nas legendas podem ser notadas. Embora seja
consciente de que as línguas variam, pelo menos geograficamente, considera que apenas
o português e o espanhol apresentam tal “problema”, talvez porque cada uma dessas
línguas seja oficial de pelo menos dois países. Essa posição fica muito evidente para ele
quando, comparado ao francês, o português oferece duas opções: Brasil e Portugal.
83
Assim, por um lado, o entrevistado exterioriza sua crença na uniformidade
linguística dentro de uma área, no caso dentro de um país (MELLO, 1999). O trecho é
bastante controverso, pois ao mesmo tempo em que defende a língua como algo fixo
geograficamente, “tudo são diferente, então você tem que optar por um ou outro”,
defende a ideia da língua universal.
Preti (1974), citado por Mello (1999), afirma que em países de grande extensão
geográfica como o Brasil, estruturas lexicais típicas chegam, às vezes, a ser
incompreensíveis em outras regiões. Podemos ampliar essa constatação e supor que no
domínio do espanhol, língua falada em mais de vinte países como língua oficial, o
mesmo possa ser afirmado. Como seria então, essa “linguagem mais ou menos
universal”?
Oliveira (2006), ao falar da visão do inglês, discute o discurso ingênuo daqueles
que a veem como língua universal. Para a autora, essa visão desvincula a língua de
questões políticas e de poder, além de trazer em si a ideia de que por ser universal é
neutra, desprovida de identidade cultural ou como língua “desenraizada”28
.
No entanto, quando fala de uma “linguagem universal” o tradutor não alude a
uma visão de língua “franca”, utilizada de maneira mais geral e desenraizada. O que ele
promove, em suas palavras, é uma mistura, das “gírias de todos os países”, numa
tentativa de utilizar uma linguagem desprovida de singularidade. Entretanto, o que
acontece é que a linguagem empregada por ele é marcada, através de gírias e expressões
típicas do falar de alguns lugares e de alguns segmentos da sociedade.
28
Segundo Oliveira (2006, p.103), existe entre os estudantes a representação do inglês como a língua que
permite a comunicação entre povos de diferentes línguas e que, por isso, é vista como uma língua útil.
Essa visão, para a autora, favorece a noção de que o inglês seria uma língua “desenraizada de sua
identidade cultural”, pois ao ser “universal” e ocupar o lugar de “língua da globalização” não estaria
promovendo aculturação de outros povos que a utilizam, servindo como um meio neutro de comunicação.
84
Em outro momento, ao falar sobre um filme para o qual produziu legendas com
o espanhol “específico” da Argentina, o tradutor contradiz sua concepção de linguagem
universal:
T: porque um palavrão na Argentina na Espanha não significa nada / então,
se pierde / aí, houve / a televisão mais ou menos unificou nos últimos anos /
o linguajar / é divulgou formas de falar de outros lugares / você vê o Chaves,
vamos supor / que passa em toda América Latina /.../ o Chaves ((programa de
televisão)) fala uma linguagem específica das favelas do México (...)
Anteriormente o tradutor, além de defender a possibilidade de existência de uma
linguagem “mais ou menos universal” e, portanto, não marcada, admitiu utilizar
palavras e expressões de diferentes lugares, “uma mistura” com o objetivo de fazer-se
entender em todos os lugares onde se fala espanhol. Nesse trecho, porém, ele se coloca
em outro extremo, atentando para o fato de que palavras coloquiais específicas de um
determinado lugar (e também de um certo “falar”) podem não ser compreendidas em
outra parte, remetendo à ideia proposta por Preti (1974) para o PB.
O que se pode observar é que o discurso do tradutor é conflituoso e se constrói
através de contradições. Considerando que, ao significar, significamos (ORLANDI,
2002), a própria identidade do entrevistado perpassa por mudanças constantes,
fragmentações (HALL, 2006), sendo a língua um dos fatores dessa constituição
mutante.
As questões de variação linguística (regional, social e situacional) entram em
jogo ativamente durante a tradução, entendendo essa prática como uma atividade da
cultura meta, portanto visando responder às normas de adequação da comunidade
receptora, como define Toury (2004). Conhecer o público que receberia um filme
85
traduzido poderia possibilitar um tratamento mais adequado das variantes linguísticas,
gerando um maior entendimento por parte dos receptores.
Esse questionamento fez parte de um dos blocos temáticos da entrevista,
denominado “O tradutor e as identidades culturais em jogo”, o qual tinha como objetivo
central observar como o tradutor lida com a variação linguística durante o seu trabalho.
Quando questionado sobre o conhecimento do país de distribuição dos filmes que
traduz, o entrevistado disse não ter essa informação.
T: normalmente no, por que... / pra mim não tem assim, nenhum interesse em
saber se vai pro festival na Espanha, na Argentina / no México / ou em Cuba
/ às vezes / os produtores ou a pessoa que está encarregada do filme / na
produtora entra em contato comigo e dice / “pô, vou mandar o festival / para
o festival de Havana / o filme pro festival de Havana daqui uma semana,
você tem que entregar isso amanhã” / então / aí eu sei que o filme vai para
Havana / mas normalmente / não sei / às vezes me comenta /.../ mas não
tem... isso não é determinante / não es um fator assim muito importante / né?
/ às vezes sim, mas normalmente eu não sei para donde va.
Aqui, observo que mesmo em conflito durante algumas respostas, o tradutor é
coerente, pois se utiliza uma “linguagem universal”, se faz uma mescla lexical durante
suas traduções; portanto, saber o lugar de circulação do filme pouco importa. Cabe
ressaltar que não entendo a língua em uma relação imutável com um país, mas como um
sistema complexo e variável, constituída por várias comunidades linguísticas dentro de
um mesmo território. Todavia, uma vez que na língua há diferentes variedades em
competição e, por isso não seja possível encontrar dois falantes idênticos (MELLO,
1999), é plausível crer que dois falantes de um mesmo idioma compartilhem alguns
traços ou variedades.
Ainda no que tange ao trabalho com a língua, pude constatar que o tradutor, um
sujeito que não reflete de maneira consciente sobre a questão da variação linguística,
deixa transparecer estereótipos preconceituosos em relação ao “falar do suburbano”.
86
Bortone (2007, p.124) afirma que em sociedades monolíngues a estratificação em
classes separa e hierarquiza o dialeto padrão dos dialetos não padrão. Essas formas
utilizadas pelas camadas marginalizadas da sociedade são vistas como inadequadas, mal
estruturadas e até ilógicas. Mello (1999, p.29) também aponta nessa direção e mostra
que o lugar de desprestígio das variedades não padrão é motivado por estereótipos que
“surgem a partir do significado social atribuído às diferentes variações linguísticas”,
sendo, portanto, adequado e igualmente válido como instrumento de comunicação
dentro da classe social a que pertence o falante.
P: E agora / eu elaborei algumas perguntas sobre o filme mesmo / Sei que
tem muito tempo / que você traduziu /.../ às vezes você não lembra bem, mas
vamos ver o que dá pra sair daqui / Na tradução do Uma onda no ar você
privilegiou algum tipo de registro na linguagem? / registro culto, registro
informal / na hora de passar para o espanhol?
T: Como / como, o que você quer dizer registro culto...
P: A maneira de falar mesmo, na hora de fazer as legendas no espanhol / é
/.../ de traduzir, o tipo de palavras que você selecionou...
T: Tem, tem um detalhe /.../ que, salvo muita / raríssimas, raríssimas
exceções / a fala das pessoas, normalmente / do, o suburbano não fala o
português correto / mas, se fosse traduzido num livro, você tem possibilidade
de manter esse tipo de fala / porque têm muitos recursos, você pode botar
aspas, pode botar itálico, pode botar negrito, pode dar um / esse / esticar mais
um pouco, enfim /.../ esclarecer de que o cara ESTÁ falando assim / né? que
onde a frase / tem / que não concorda o verbo / que onde é plural o cara fala
em singular, enfim /.../ de uma forma geral eu elimino isso / salvo que seja
muito marcante, muito marcante / porque senão parece que o tradutor está
escribindo qualquer besteira / não dá a impressão que o personagem que fala
assim, parece que o tradutor que não sabe escrever / então há esse problema /
se for por exemplo, num diálogo entre um índio e / vão para um lugar que
tem índio /.../ o índio, você já sabe que o índio fala assim, então não tem que
esclarecer que o índio fala assim / muito mais simples.
Nesse trecho, o tradutor hierarquiza duas “línguas”: o português correto e o
português, segundo ele incorreto, típico dos “suburbanos”. A relação que se estabelece é
de concorrência (MELLO, 1999), pois de um lado estão “as pessoas” da classe
marginalizada e que não falam a língua com precisão e, do outro, o “você” que inclui o
falante que sabe usar a língua segundo a norma culta.
87
Quando o tradutor justifica sua maneira de lidar com esse registro da língua
menciona o fato de que em um “livro você tem possibilidade de manter esse tipo de
fala”, devido aos recursos para chamar a atenção do leitor para a variante que está sendo
retratada. Outro artifício usado para sustentar sua colocação é apoiar-se no estereótipo
do índio que “você já sabe que fala assim”, subentende-se, “errado”, que não domina a
norma da variedade padrão escrita do português. É interessante notar que ao construir as
duas imagens de língua inadequada, o tradutor utiliza o pronome pessoal “você” que,
embora englobe o falante, no caso ele mesmo, modaliza as opiniões, conferindo-lhes
tom de verdade compartilhada por uma comunidade e não como algo individual.
Essa hierarquização do discurso entre “os suburbanos” e o “tradutor” (que
precisa escrever dentro das normas linguísticas do padrão culto para não parecer que “o
tradutor que não sabe escrever”) remonta ao que Silva (2000, p.81) discute ao defender
que a definição da identidade está sujeita a relações de poder.
A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com relações de
poder. O poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser
separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não
são, nunca, inocentes. (...) A diferenciação é o processo central pelo qual a
identidade e a diferença são produzidas.
No discurso do entrevistado, as marcas de poder podem ser visualizadas através
da classificação do que é certo em oposição ao que é errado. Para Silva, dividir o mundo
entre ‘nós’ e ‘eles’ é classificar e tal mecanismo sempre é feito desde o ponto de vista
da identidade. Quando se ordena o mundo social, estabelece-se uma hierarquização,
estando as relações sociais organizadas em operações de poder. E, como identidade e
diferença são estreitamente dependentes, afirmar a homogeneidade da identidade é
88
impossível, uma vez que é assombrada pelo Outro, “sem cuja existência ela não faria
sentido” (Silva 2000, p.84).
A questão da identidade e da diferença pode, pois, ser pensada no que diz
respeito ao uso da língua, já que a ideia de língua padrão é uma abstração (MELLO,
1999) tanto por pressupor uma língua ideal “em termos de estrutura gramatical e uso
correto”, quanto por aceitar que seja falada por uma elite educada e dominante,
desconsiderando que esses falantes também fazem uso de variedades não padrão.
No momento em que o tradutor empenha-se por divulgar uma imagem de si
como usuário da língua “correta”, diferente dos personagens suburbanos dos filmes que
traduz, afirma sua diferença em relação ao “outro”. O que se dá é um desejo de
diferenciar-se, de ser o “tradutor” que controla a língua com a qual trabalha e não poder
ser confundido com as pessoas que falam, ou escrevem “qualquer besteira”.
Tradutor, adaptador – a voz do sujeito que traduz
Os próximos trechos tem como hipóteses a possibilidade do tradutor distanciar o
discurso a ser traduzido, colocando-se fora do que diz seu texto, como se não fossem
mais as falas dos personagens e sua liberdade limitada para escolher como traduzir
termos marcados.
T: Por exemplo no caso dos filhos no início de ... do Glauber / um caso típico
/ a primeira versão do “Deus e o diabo” não fui eu que fiz / mas a versão
atual que está circulando es minha / só que na primeira versão quem traduziu
“o coronel fulano de tal” / que está um coronel com o empregado dele que,
que mata um boi e depois vem pedir /.../ um marginal e / é perseguido pelo
Antônio das Mortes / para fazer morte / é... foi traduzido direto como coronel
/ só que em espanhol jamais ninguém vai entender coronel como o / dono da
terra / o patrão, o dono da fazenda / isso não existe essa possibilidade,
coronel é coronel do exército / não tem outra interpretação. Então na versão
que / foi feita há uns três anos, três, quatro anos, que se fez / toda a revisão da
obra do Glauber, eu fiz quase todo, aí eu mudei /.../ mudei para o /
terrateniente o ranchero / tem diversas formas de dizer o coronel /que quer
dizer o dono da terra, o proprietário da fazenda, nesses casos, por exemplo,
há esse tipo de mudança / tem outras, outros detalhes / esses eu tomo a
89
liberdade de fazer porque /.../ porque acho que contribui um pouco para
esclarecer as ações como son / vamos supor o... vamos falar aí, o filme do
Barreto, a ação acontece no Leblon / mas na tradução eu não botei Leblon,
botei Ipanema / porque Leblon ninguém sabe, fora do Rio e alguma cidade do
Brasil, ninguém sabe onde fica Leblon / agora Ipanema todo mundo sabe
onde es / e, mesmo que não saiba Ipanema es um bairro, do lado do mar, de
classe média alta, classe média, classe média alta / quer dizer a pessoa já tem
a... já se ubica rapidamente como es, donde es (...)
T: ou, muitas vezes assim / personagens históricos né? / que são amplamente
conhecidos aqui / Antônio Conselheiro, fora do Brasil ninguém sabe quem é
Antônio Conselheiro / então eu tenho que colocar ou talvez ni bote o nome,
boto alguma coisa que identifica o personagem, quem es, de que se trata
assim / então quem sabe português e vê a tradução diz “pô, esse cara é
maluco, ele não falou isso” / né? / mas é um tipo de liberdade que eu tomo
pensando nas pessoas que vão assistir lá / no México o cara vai ver o filme,
rapidamente para saber / se orienta, mais ou menos como, de que se trata essa
ação ... nesse sentido assim / tenho essa liberdade (...) então, é... tem que
mostrar / aí tive que fazer um trabalho de explicação / quase didático para
que as pessoas entendam.
Por meio desses trechos de fala, o tradutor se posiciona como responsável pelas
mudanças ocorridas entre o texto fonte e o texto alvo, alterações consideradas positivas
não só por ele, mas também pelos reguladores de seu trabalho (diretores, roteiristas,
pessoas da produção). Conforme afirma Levy, ao ser citado por Hanes (2011), a
tradução é um processo de tomada de decisões, pois em vários momentos o tradutor
opta por uma escolha em detrimento de outra que seria lexicalmente e gramaticalmente
possível, mas que não é utilizada por várias determinantes de cunho social, cultural e/ou
econômico.
Concordo com o posicionamento de Levy, que dialoga com a visão de Coracini
(2007), de que o tradutor não é um veículo de transmissão de significados entre o autor
do texto fonte e o texto meta, ele é um produtor de novos significados e atua como
mediador entre duas culturas. Nesse ponto, também considero oportuno servir-me da
definição traçada por Amorim (2005, p.22) para tradutor e adaptador.
Para esse pesquisador, o termo tradutor se inscreveria numa rede que regula seu
papel como aquele que apenas “espelharia” (nos termos do autor) o que lê,
90
desconsiderando fatores “da ordem da recepção”. Por outra parte, o adaptador se
assemelharia mais a um “contador de histórias”, levando em consideração o “perfil dos
seus ouvintes/leitores”. Nesses termos, enquanto o tradutor estaria “ausente” o
adaptador se faria “presente”.
A noção de adaptador apresentada por Amorim abrange, em termos, a noção de
tradução proposta em Toury (2004), pois para o teórico israelense as traduções são fatos
da cultura meta, sendo reguladas por normas impostas pelos falantes que recebem a
tradução. Portanto, o individuo responsável por traduzir um texto deveria levar em
consideração seus leitores/ouvintes, da mesma maneira proposta para o adaptador.
Quando fala sobre as transformações engendradas durante seus trabalhos de
tradução para legenda, o entrevistado evidencia sua “preocupação” em fazer com que a
história a ser narrada seja compreensível ao público “lá no México” ou em qualquer
outra região hispanofalante. Outro ponto em que insiste bastante é a necessidade de ser
breve, uma vez que a legenda impõe uma série de restrições quanto ao número de
caracteres e o tempo de exposição na tela.
Caracterizar o entrevistado como adaptador será muito produtivo para,
posteriormente, cotejar de forma mais objetiva o tratamento dado aos aspectos regionais
e coloquiais das falas dos personagens que foram levantados nos dados da legenda. O
objetivo central deste trabalho é descrever as transformações ocorridas e, guiando-me
pelos papéis atribuídos ao adaptador (AMORIM, 2005), poderei analisar e discutir qual
é o parâmetro utilizado pelo tradutor de Uma onda no ar ao traduzir para legenda.
Duas línguas e um falante – alternância linguística
91
Os seguintes excertos, bem como a análise que se faz deles, não estavam
propostos como um bloco temático da entrevista. São recortes de várias partes que
visam apontar as interferências linguísticas no discurso do tradutor em língua
portuguesa. Talvez o fato de não haver proposto um bloco para discutir esse assunto
possa indicar que minha hipótese inicial era a de que, por morar há tantos anos no Brasil
e fazer uso diário do PB, o tradutor não apresentaria um nível tão perceptível de
interferências, o que não foi confirmado.
T: trinta e cinco / é o limite / de trinta e cinco toques / é o limite que se tem,
porque ai não entra mais ni uma linha, ni uma / trinta e cinco entre letras e
espaço, não / não (inint) /.../vou ver se tem alguma... /.../ quero ver... /.../
macumba é / uma palavra que não tem tradução mas todo mundo sabe que es
macumba (...)
T: o Ministério da Cultura tem / o setor de cinema que é... ANCINE, agência
nacional de cinema / então a agência que programa / as participaciones do
Brasil nos festivais / geralmente eles selecionam os filmes e / bom, vão cinco
filmes para / o festival de Guadalajara, vamos supor / aí, é / podem mandar os
cinco pra mim ou / três / dependendo aí do, do / do tempo que eles tiverem e /
isso é feito através do setor que / da parte técnica do audiovisual, né, do / da
Ancine / do Ministério / então o CTAv29
e a Ancine son los que encomiendan
/ às vezes o produtor encomenda /.../ esse, pelo tipo de filme / deve ter sido a
Ancine / eles é... / já tem aí a (inint), a forma de trabalho / e eles mandam o
filme / “vou te mandar daqui uma semana três filmes”.
T: quando você fala, por exemplo, “mineiros” / es muito difícil traducir
“mineiros” / né? por que? /.../ se eu boto “él es mineiro” / ninguém vai vir a
pensar que ele é de Minas Gerais / ((risos)) vai pensar que é um cara que
trabalha numa mina / não tem outra forma de entender / então é muito difícil /
decir baiano, todo mundo sabe, carioca todo mundo sabe / né? / amazonense
todo mundo sabe, mas mineiro / gaúcho também tem esse problema (...)
Tomei os trechos acima para exemplificar a alternância de código linguístico que
ocorre durante toda entrevista com o tradutor. Do mesmo modo, os demais excertos já
apresentados até aqui com outros propósitos também apresentam ocorrências válidas e
passíveis de comentário.
Parto do pressuposto de que falantes que usam regularmente duas línguas são
bilíngues e que teriam dificuldades em desativar completamente uma das línguas,
29
Centro Técnico Audiovisual do Ministério da Cultura.
92
quando em contato com falantes ditos monolíngues (GROSJEAN, 1999). A ocorrência
de uma língua diferente da língua do discurso faz com que emerjam interferências em
distintos níveis: fonológico, lexical, sintático, semântico e pragmático.
Nas falas selecionadas acima, e em outras partes da entrevista, podemos notar
que existem dois padrões diferentes de alternância: intra-sentencial unitária e intra-
sentencial segmental (DABÈNE & MOORE, 1995).
A alternância é intra-sentencial, pois, dentro de uma mesma sentença, ocorrem
inserções de um dos sistemas no sistema base da comunicação. A forma unitária
acarreta a modificação de apenas um elemento da frase, enquanto na forma segmental
partes, segmentos, da língua base se alternam com partes da outra, porém deixando
ambas inalteradas.
Como exemplo de uma alternância unitária posso citar “não entra mais ni uma
linha, ni uma”, em que somente a conjunção ni, do espanhol, é inserida à sentença
transmitida em PB. A alternância segmental ocorre em casos como “então o CTAv e a
Ancine son los que encomiendan”, em que, no mesmo turno de conversação o falante se
vale de um segmento frasal em espanhol, alternando o idioma usado até o momento.
Além da alternância que pode ser observada através da transcrição apresentada
para este estudo, cabe informar que o tradutor apresenta grande interferência fonológica
do espanhol em sua produção oral em PB, realizando vários sons à maneira de sua LM.
Observar e classificar as alternâncias linguísticas no discurso do tradutor foi de
extrema relevância para entender certas interferências surgidas na própria tradução e,
portanto, acredito que esse dado não pode ser desconsiderado no momento de discutir as
alterações efetivadas na legenda.
93
4.3. – UMA LEITURA CONJUNTA DOS DADOS
Como citado na introdução do capítulo 3, inicialmente os dados desta pesquisa
seriam oferecidos pela legenda produzida em espanhol e pela lista de diálogo elaborada
em PB. No entanto, após a decisão de elaborar uma entrevista e principalmente a partir
das informações obtidas através dela várias indagações que haviam surgido no momento
da análise das legendas foram sendo respondidas ou, pelo menos, minimizadas.
Propor uma leitura conjunta dos dados é uma tentativa de verbalizar o caminho
que tracei entre a teoria e o que acontecia na prática, apoiando-me no contexto que cerca
o tradutor e nas imagens que ele tem do seu ofício. O que pretendo confrontar são os
dados observáveis, aqueles surgidos após a observação atenta da legenda, com os
implícitos que emergem no discurso do tradutor.
Começo, então, recuperando cada uma das hipóteses levantadas ao início deste
estudo, no intuito de comprovar se as mesmas foram corroboradas ou não. Na primeira
delas, considerei que as marcas da variedade não padrão oral seriam apagadas, dando
lugar à variedade padrão escrita do espanhol e acreditava que esse fato estaria
diretamente relacionado às imposições dos clientes que solicitam traduções, devido às
restrições desse campo específico.
Os dados colhidos e expostos em 4.1 mostram que, efetivamente, há apagamento
das características da variedade não padrão oral e que, em seu lugar, figuram expressões
típicas da variedade padrão escrita. No entanto, a entrevista revelou que o tradutor não
recebe das produtoras nenhum manual com normas ou recomendações, portanto ele
estaria livre para utilizar a variedade que lhe parecesse mais conveniente.
Não estou, contudo, desconsiderando o estudo de Martinez (2007) e sua
constatação de que o mercado brasileiro, e provavelmente o de outros países também,
94
preza por amenizar a linguagem das legendas e se guia pela variedade escrita, mais
rígida. O que chama a atenção é o motivo que leva o tradutor a desconsiderar a
variedade não padrão oral em seu texto, suas concepções baseadas no conceito de
“certo” e “errado” em relação às variedades linguísticas.
Ao defender que um tradutor não deve escrever como os personagens falam, o
faz hierarquizando o português falado pelos “suburbanos” e aquele que seria o
“correto”, deixando claro que seu posicionamento a respeito está embasado em
convicções que não levam em consideração qualquer conhecimento linguístico.
Conhecer o processo de chegada do tradutor tanto no PB quanto no próprio ofício de
traduzir permite entender que sua posição é consensual, existindo coerência em sua
trajetória esculpida por uma incursão, inicialmente amadora, no campo da tradução.
Esse posicionamento por parte do entrevistado levanta outra questão, relativa à
falta de formação do mesmo na área de Letras. As escolhas que faz ao longo da legenda
estão apoiadas em suas intuições como falante nativo de espanhol e como usuário de
PB. Não há nenhum tipo de reflexão quanto ao uso das variedades linguísticas ou à
importância de uma escolha que não entre em conflito com outras, como podemos
observar no caso das decisões relativas ao léxico.
Ao mesmo tempo em que o tradutor assume acreditar numa “língua mais ou
menos universal”, definindo-a como uma junção de características provenientes de
diferentes variedades geográficas e sociais, e baseia suas escolhas numa mistura de
países e registros, durante a entrevista deixa claro que marcas específicas de um
determinado lugar (gírias ou palavrões) podem não significar nada em outro. Além de
lidar com a fragmentação do indivíduo (HALL, 2006), o texto que é construído em
95
espanhol também é permeado pela fragmentação linguística de um sujeito que apresenta
interferências da língua estrangeira (português) na sua língua materna (espanhol).
A segunda hipótese deste estudo relaciona-se ao distanciamento do discurso de
seu lugar de origem. Acreditava que, se as marcas identitárias são apagadas, o ponto de
localização do discurso também se perderia.
Tal hipótese foi corroborada, embora o motivo não tenha sido exatamente o
esperado. Além do apagamento das marcas outro fator contribui para o distanciamento
notado. O tradutor, durante sua entrevista, define a tarefa de traduzir como uma tarefa
de escritor, posicionando-se, portanto, como um “contador de histórias”, conforme
conceito apresentado por Amorim (2005). Ao ser um escritor que traduz ele está
presente no texto e assume sua voz, silenciando a voz dos personagens que são
distanciados de seu discurso.
Além dos pontos de luz lançados pelas informações da entrevista e que estavam
intimamente relacionadas às hipóteses, um dado adicional foi decisivo para elucidar a
origem de frases, expressões e construções pouco comuns ou anômalas ao espanhol
encontradas na legenda. Durante a entrevista, concedida em português, foi possível
notar com clareza que há muita interferência do espanhol na fala do tradutor. Acredito
que o caminho contrário, ou seja, a interferência de padrões do PB no texto em espanhol
possa explicar os exemplos de construções não recorrentes em espanhol e presentes na
legenda.
Objetivei, durante essa leitura conjunta, encaminhar minhas considerações finais
e organizar o volume de implicações surgidas ao trabalhar com dois instrumentos
igualmente ricos em dados para análise. Passo, então, à última seção deste texto.
96
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desta dissertação foi de fazer a análise da tradução das marcas
identitárias que caracterizavam um grupo social específico do filme Uma onda no ar,
sendo o objetivo principal deste trabalho verificar as estratégias utilizadas pelo tradutor
ao validar suas escolhas e quais seriam suas possíveis motivações. Conjecturei que,
guiando-se por limitações externas, o tradutor em questão tentaria omitir as marcas de
oralidade da variedade não padrão oral, privilegiando formas da variedade padrão
escrita, consequentemente, distanciando o discurso de seu lugar de origem.
Buscando demonstrar as complexidades envolvidas no processo de tradução para
legendas, apresentei a teoria dos Estudos Descritivos da Tradução e o conceito de
polissistema no qual se insere a tradução audiovisual, além de descrever as
peculiaridades características dessa modalidade de tradução. Entre essas peculiaridades
destaca-se o fato de a legendagem ser um tipo de tradução diagonal, levando o tradutor
a lidar com diferentes configurações espaciais e temporais. Em seguida, apresentei os
procedimentos técnicos da tradução que guiaram a análise empreendida no capítulo 4,
propondo três categorias diferentes para a organização dos dados provenientes da leitura
e observação das listas de diálogos em espanhol e português. O diálogo entre as duas
propostas teóricas diferentes surgiu da necessidade de analisar também o texto original
dando-lhe, por vezes, uma posição de destaque frente à tradução. A análise, portanto, foi
empreendida a partir de uma postura heterodoxa, buscando em uma teorização
estruturalista (BARBOSA, 1990) elementos que permitiram entender como a
constituição de sentidos no novo texto relacionava-se ao texto original.
97
As análises que realizei evidenciaram a normatização do texto original,
corroborando, desse modo, uma das hipóteses lançadas. Não obstante, a suposição de
que encontraria no texto um espanhol sem marcas específicas e que poderia adequar-se
às necessidades comunicativas mais diversas foi parcialmente confirmada, sendo
observadas no texto algumas inclusões de termos geograficamente marcados e que não
convivem nos diferentes domínios de uso do espanhol.
A meu ver, a entrevista ofereceu subsídios que permitem caracterizar as ações do
tradutor como intuitivas e baseadas em uma teoria implícita, guiada pela sua prática
profissional e desprovida de considerações teóricas. O aspecto profissional do trabalho
empreendido pelo tradutor em questão tem como único pilar a prática, sendo a formação
considerada dispensável àquele que já está inscrito no mercado de trabalho.
Ao entender a tradução como um fato da cultura que a recebe, não posso deixar
de apontar que a legenda que serve de ponto de início das discussões propostas neste
trabalho desconsidera essa noção, uma vez que a identidade social do grupo
representado não encontra um equivalente na tradução proposta. O tradutor deixa de
apresentar equivalências compatíveis com o grupo social representado mesmo quando a
língua espanhola dispõe de tais recursos. Podemos citar o exemplo da omissão do “s”
para marcação de plural.
Não pretendo com essa afirmação considerar a teoria apresentada nesta
dissertação como a única ou a mais adequada para filtrar os estudos relativos à legenda
do filme Uma onda no ar. Pretendo, porém, sinalizar o fato de que o trabalho
empreendido pelo tradutor, embora seja coerente dentro do seu percurso, muitas vezes
abdica qualquer reflexão teórica, a meu ver indispensável para aproximar-se de um
objeto tão complexo.
98
Sendo assim, julgo ter cumprido os objetivos propostos e demonstrado que a
tradução para legendagem é um campo em expansão de demanda e oferta, embora ainda
careça de estudos teóricos que possibilitem um melhor conhecimento do objeto e levem
ao entendimento da necessidade de preparo e formação daqueles que desejam aventurar-
se por seus caminhos.
Com a ciência de ter feito tão pouco, em meio a este campo em que as
possibilidades se mostram inesgotáveis, espero ter contribuído aos Estudos da Tradução
e, principalmente, ao campo dos estudos em espanhol. Não são muitas as pesquisas que
conjugam teorias de tradução e o par português-espanhol, sobretudo de filmes
brasileiros levados à língua espanhola. A análise empreendida propôs uma visão que
conjugasse a noção de identidade centrada na pessoa do tradutor e nas identidades que
circundam os personagens que dão vida ao texto cinematográfico.
Ofereço aqui uma leitura entre outras possíveis, marcando a necessidade do
diálogo com pesquisas futuras.
99
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105
ANEXOS
I – Roteiro de entrevista
BLOCO
TEMÁTICO
OBJETIVO PROBLEMAS HIPÓTESES PERGUNTAS
O tradutor e
seu caminho
no português
como L2.
Obter
informações
sobre a
relação que
o tradutor
possui com
o
aprendizado
da L2 em
questão.
O que o
tradutor
entende como
“falar” uma
língua e quais
são suas
concepções
sobre a
necessidade de
uma
aprendizagem
formal.
1. Seu processo de
aprendizagem de
PB se deu de
maneira informal.
2. O tradutor
recorre a nativos
do PB para
solucionar
possíveis dúvidas
de vocabulário.
3. O tradutor
considera ter
proficiência em
português, mas
consulta outras
pessoas quando
necessário.
1. Onde e como você
aprendeu português?
Porque você se
interessou pela
língua?
2. Quando você tem
dúvidas com o PB,
como você as
resolve?
3. Como você avalia
seu português? Por
quê?
O tradutor e
sua
formação na
área.
Perceber a
relação que
existe entre
a formação
e a atuação
profissional
do tradutor.
Qual foi o
caminho
traçado pelo
tradutor na sua
profissão e
como se deu a
escolha pela
tradução?
1. Muitos
tradutores são
leigos ou nunca
estudaram teoria,
além de não serem
da área.
2. Alguns nativos,
por já dominarem
a língua, buscam
formação
complementar em
tradução para
exercer o ofício.
1. Qual é a sua
formação
acadêmica? Sua
atuação profissional
é condizente com sua
formação?
2. Você fez algum
curso de tradução
antes ou durante seus
trabalhos como
tradutor? [se sim:
quais e por quê? – se
não: por quê?]
O tradutor e
seu fazer.
Perceber as
estratégias
utilizadas
para a
tradução.
O que o
tradutor faz
durante o seu
trabalho com
os textos a
serem
traduzidos.
1. O tradutor, por
transitar
continuamente
entre o espaço das
duas línguas, parte
sempre dos seus
conhecimentos
linguísticos,
1. Quando você
começa uma
tradução (entre PB e
espanhol, ou vice-
versa), e durante seu
percurso, sente
necessidade de
consultar algum
106
recorrendo pouco a
outros artifícios.
2. O tradutor
utiliza
indistintamente
diferentes termos
lexicais,
pertencentes a
diferentes regiões
do espanhol, para
evitar repetições.
3. O tradutor deve
seguir normas
estabelecidas pelas
produtoras/editoras
quanto à extensão
e nível de registro
da sua tradução.
4. O tradutor lê o
original várias
vezes para
certificar uma
melhor
compreensão do
tema a ser
traduzido.
5. O tradutor
distancia-se do
discurso a ser
traduzido,
mostrando-se mais
espectador que
personagem.
material? Qual e com
que frequência?
2. Quando havia uma
palavra que se
repetia várias vezes
no filme, você as
traduzia sempre da
mesma forma?
3. Nas suas
traduções você está
livre para trabalhar
como quiser,
escolhendo os
termos a serem
usados e o tom a dar
ao texto? Alguém da
editora/produtora
revisa sua tradução
antes da publicação?
4. No caso de
tradução audiovisual,
você vê o filme
várias vezes antes de
traduzir ou lê apenas
o roteiro/lista de
diálogos?
5. Você desenvolve
outras atividades
profissionalmente,
jornalista, cineasta,
escritor e tradutor.
Você incorporou
algumas dessas
outras atividades e as
habilidades que te
exigem quando
estava traduzindo?
O tradutor e
as
identidades
Observar
como o
tradutor vê a
Como o
tradutor
experiente lida
1. De modo geral,
o tradutor
considera a língua
1. Na tradução, qual
é o tipo de registro
que você utilizou?
107
culturais em
jogo.
questão da
variação das
línguas e
como lida
com isto em
seu fazer.
com as
variações
geográficas e
sociais das
duas línguas
em questão no
momento de
reconstruir as
identidades
marcadas no
texto original?
padrão culta de sua
variante como
mais apropriada
para a tradução em
relação à
oralidade.
2. O tradutor, por
não ser nativo do
PB, sentiu
dificuldade com
relação à variante
do PB utilizada no
filme.
3. O tradutor apaga
as marcas
regionais por não
achar relevante sua
tradução para o
entendimento da
história.
4. A produtora do
filme informou
onde seria
distribuído o filme
e assim o tradutor
procurou adequar
seu texto a uma
comunidade
específica.
5. Os dados
culturais da
história do filme
conduziram a
tradução ao
espanhol.
Culto ou informal?
No caso do filme,
qual tipo de registro
foi privilegiado por
você?
2. Você notou
alguma diferença no
modo de falar das
personagens do
filme? Teve alguma
dificuldade em
entender alguma
coisa?
3. Quando havia no
filme alguma
expressão regional,
gíria, palavrão ou
termo muito próprio
do vocabulário do
lugar, como você o
traduziu?
4. Quando você foi
contratado, sabia
qual espanhol
deveria seguir, para
qual país? [se sim:
você tentou adequar
seu texto? Como? –
se não: qual a
variedade do
espanhol você
escolheu e por quê?
5. Você encontrou
alguma informação
cultural no filme que
teve dificuldade de
interpretar e
posteriormente
traduzir? Qual o
meio utilizado por
você para resolver
sua dúvida?
108
II. Convenção para transcrição de dados
/ pausa curta
/.../ pausa longa
(inint) trecho duvidoso ou incompreensível
Letra maiúscula ênfase ou acento forte
... fala suspensa
(( )) comentário do pesquisador
(...) indicativo de eliminação
T fala do tradutor
109
III. Transcrição da entrevista
P: Onde e como que você aprendeu português? E Como que você se interessou pelo
português assim, por português, pelo Brasil?
T: Pra dizer assim / eu nunca estudei. Eu aprendi / falando, escrevendo. Agora isso já
tem o que? Quarenta anos / por que... eu vim, eu era jornalista na Argentina, então / vim
para fazer cobertura dum festival de cinema/ aí não falava português, não falava nada.
Então, é / eu já tinha alguns amigos, da, da, da época do cinema novo / eu já conhecia
da / do festival de Mar del Plata / um deles era o Nelson Pereira dos Santos, o Joaquim
Pedro, enfim / (inint), o Arnaldo Jabor, enfim era vários, vários, Domingos de Oliveira /
o, Nelson estava começando a filmar / não sei se era o Como era gostoso o meu francês
ou / o Alienista, acho que era O alienista em Parati, aí me convidou para ir lá. Aí eu
trabalhei um pouco na produção / e ao mesmo tempo fuí aprendiendo /.../ nesse /
momento na Cinemateca / que eu dirigia a parte de pesquisa de de, da Cinemateca era o
Alex Viani, que já morreu, e o Alex por ser (inint) da enciclopédia Mirador / para dirigir
toda a parte de cinema da enciclopédia / a enciclopédia foi dirigida por Otto (inint), que
era o diretor geral, o segundo era Antonio Wais / e aí em cinema o Alex Viani e o Alex
me convidou para / escrever os verbetes de cinema da América Latina / Aí eu tive que /
começar a escrever /e aí comecei a escrever português, portunhol, meio misturado né? /
aí fuí aprendiendo / quando eu não sabia faziam revisão / aí fuí aprendiendo / esse
trabalho levou, sei lá, uns dois anos / eu fiz verbete de quase toda América Latina,
grande parte da África e algunos da Ásia, da / Enciclopédia Mirador /.../ é una versão
brasileira da Britânica /.../ aí, é... tinha alguns amigos jornalistas que escreviam crítica /
nos jornais / na época que existia o Correio da Manhã me convidaram para escrever
algunas críticas e aí comecei a escrivir / o pessoal do Jornal de Letras tambien começou
a me pedir matérias / aí / de aí comecei a escrivir / em algum momento / eu não lembro
exatamente em que momento foi / me pediram para fazer, traduzir um, um filme né? / as
legendas, não sei qual foi o primeiro que fiz / não me lembro, mas era algum filme do
cinema novo
P: Para traduzir de português para espanhol?
T: Pra espanhol / eu acho que foi Toda nudez será castigada do Jabor / um deles, não
sei /.../ aí eu aprendi a como se fazia NAQUELA época a / a tradução / é diferente de
hoje / o princípio é o mesmo mas / a parte técnica é diferente/ né / e aí começaram a
encomendar eu comecei a traduzir, a traduzir e não parei mais até hoje / eu traduzi sei
lá, três mil filmes / não sei quanto
P: E quando você tem alguma dúvida nessas traduções, ou mesmo quando você
está escrevendo textos em português, como é que você resolve isso?
T: Isso eu tenho siempre / não é? / siempre / porque você tem um filme feito em
Pernambuco, falado em pernambuquês / aí tem que saber de QUE se trata / (inint) hoje é
mais fácil porque você pesquisa na internet, tem dicionário, tem frase, tem explicação,
tem / é muito fácil, antes era sumamente difícil mas / é, nesses casos tinha que / falar
com o diretor, o roteirista até entender do que se tratava, né? / então era o contato direto
110
com a pessoa que fez o roteiro ou, no caso o diretor ou a pessoa responsável pela
produção, né? / para esclarecer / agora ni siempre son problemas de, de, /.../
regionalismos, ou de gíria / por exemplo, Salve geral né? / o filme sobre a violência
actual, um filme actual, feito em São Paulo sobre a / a questão do / do primeiro
comando, sei lá / que queimaram (inint) / fizeram... o salve geral é uma expressão
própria dos presídios de São Paulo / ni no Rio sabem exatamente que é / então é... para
chegar a um acordo com o / a produção do filme nós tivemos que ver várias opções, o
que seria a melhor opção para que fique, é... salve geral / acho que botamos guerra total
/guerra total ou algo assim, né? / mas siempre entrando em contato com a produção
P: Você fez algum tipo de curso de tradução ou você começou a traduzir porque
você já escrevia em português mesmo?
T: não, não /não / porque eu siempre escrivi, não, nunca fiz
P: E no caso, quando você recebe o filme para traduzir a produtora já manda um
manual de como deve ser feita a legenda, a tradução?
T: um manual? / não
P: Não? Eles não mandam assim, nada que você tenha que seguir realmente para
fazer a legenda? Uma coisa mais técnica assim?
T: não, não / isso não existe / assim, o processo do filme, pra, no meu caso é o seguinte /
a produção faz o levantamento do roteiro das, das ... falas do filme / esses diálogos son
enviados / quando se tem completos, para o laboratório para fazer a pietagem / que é /se
chama a entrada e saída da legenda /aí está marcado / quinhentos trinta e um ponto
quatro entró bom dia / quinhentos trinta e cinco ponto dos /sai /.../ e, a entrada e saída da
fala e a fala que tem que ser traduzida /pro português / ultimamente é, tem acontecido
que mandam para fazer isso e fazem do inglês / então mandam para mim em inglês, aí
eu tenho que PEGAR o roteiro em português / e / copiar a fala que corresponde ao
inglês / mas é uma questão é / de / economia digamos, para não pagar duas vezes esse
trabalho / mas tem que ser feito / porque a tradução tem que ser feita a partir do
português / agora tem outras formas, no laboratório que a pessoa não tem o
levantamento dos diálogos / manda a cópia / aí no laboratório se faz o levantamento da
fala / (inint) entrada e saída, e esse roteiro que mandam para mim / tanto faz, de uma
forma ou du outra o roteiro vem marcado em português
P: E no caso você recebe só o roteiro ou você também recebe o filme?
T: primeiro o filme / siempre / obrigatoriamente, hoje é mais fácil porque eu vejo no
dvd, mas antes tinha que ir lá na sala do cinema pra ver o filme no cinema / não numa
sessão comercial, numa sessão para traduzir
P: Quando você, igual você estava falando do filme Salve geral, quando você recebe
esses filmes que são muito carregados de regionalismos, ou talvez até de fala
própria de algum tipo de comunidade, como foi o caso dos presidiários, como
também é um pouco o caso do Uma onda no ar que tem um pouco de falar
111
particular, e você, na hora de traduzir para o espanhol, que tipo de tática que você
usa? Qual é a estratégia que você usa para tentar passar isso para o espanhol, para
manter o mesmo registro?
T: o espanhol tem um / uma / problema que mais ou menos acontece também com o
português / se o filme / um filme francês é traduzido para português / o português do
Brasil é diferente do português do / de Portugal / as gírias né? / tudo são diferente, então
você tem que optar por um ou outro / ou que você está direcionado para o mercado
brasileiro ou não /.../ mas muitas produtoras não tem condição de fazer duas traduções,
duas legendagens de / da mesma cópia que vai pra... então o que eu faço, eu faço
espécie de / linguagem mais ou menos universal que se possa entender as gírias tanto
na Argentina / quanto na Espanha, quanto no México, então fica é... uso um pouco
gírias de todos os países / pra que possa ser compreendida rapidamente porque / se tem
dois segundos para compreender a frase né? então eu faço uma mistura de isso / alguns
filmes são sumamente complexos / principalmente gíria sexual e... vamos supor A ópera
do Malandro, na ópera eu trabalhei sei lá / um mês no filme / com o Rui Guerra / direto
/ consultando porque o filme é cantado né? um musical e as falas estão em rima /
rimadas / e é gíria sexual, então toda aquela coisa com dupla sentido / não é exatamente
a frase sexual mas todo tem um / duplo sentido, então tem que passar esse duplo sentido
para o espanhol / e isso foi uma coisa muito difícil / muito difícil / (inint) agora ... tem
outros casos que / por exemplo no caso dos filhos no início de ... do Glauber / um caso
típico / a primeira versão do Deus e o diabo não fui eu que fiz / mas a versão atual que
está circulando es minha / só que na primeira versão quem traduziu “o coronel fulano de
tal” / que está um coronel com o empregado dele que, que mata um boi e depois vem
pedir /.../ um marginal e / é perseguido pelo Antônio das Mortes / para fazer morte / é...
foi traduzido direto como coronel / só que em espanhol jamais ninguém vai entender
coronel como o / dono da terra / o patrão, o dono da fazenda / isso não existe essa
possibilidade, coronel é coronel do exército / não tem outra interpretação. então na
versão que / foi feita há uns três anos, três, quatro anos, que se fez / toda a revisão da
obra do Glauber, eu fiz quase todo, aí eu mudei /.../ mudei para o / terrateniente o
ranchero / tem diversas formas de dizer o coronel /que quer dizer o dono da terra, o
proprietário da fazenda, nesses casos por exemplo há esse tipo de mudança / tem outras,
outros detalhes / esses eu tomo a liberdade de fazer porque /.../ porque acho que
contribui um pouco para esclarecer as ações como son / vamos supor o... vamos falar aí,
o filme do Barreto, a ação acontece no Leblon / mas na tradução eu não botei Leblon,
botei Ipanema / porque Leblon ninguém sabe, fora do Rio e alguma cidade do Brasil,
ninguém sabe onde fica Leblon / agora Ipanema todo mundo sabe onde es / e, mesmo
que não saiba Ipanema es um bairro, do lado do mar, de classe média alta, classe média,
classe média alta / quer dizer a pessoa já tem a... já se ubica rapidamente como es,
donde es / agora com Leblon nunca, nunca jamais / então... em alguns filmes, claro que
se es necessário manter no original / mantenho, não tenho dúvida / só se o cara diz “ah,
estou indo para Goiás” / eu não boto Goiás, porque ninguém sabe donde fica Goiás / eu
digo “estou indo perto de Brasília”, ai o cara já sabe que é no meio de Brasil, pertinho
da capital (inint) se ubica rapidamente /.../ essas son coisas que eu faço /.../ você vê o
mesmo que traduzir no inglês / dizem Goiás, e pronto / eles, é / não tem esse tipo de / eu
tenho visto várias inclusive, não tem esse tipo de cuidado / eu faço essa interpretação, e
no caso o Barreto por exemplo ele disse ótimo / não tem problema nenhum, acho
fantástico que você / esclareça as coisas, ou, muitas vezes assim / personagens
112
históricos né? / que são amplamente conhecidos aqui / Antônio Conselheiro, fora do
Brasil ninguém sabe quem é Antônio Conselheiro / então eu tenho que colocar ou talvez
ni bote o nome, boto alguma coisa que identifica o personagem, quem es, de que se trata
assim / então quem sabe português e vê a tradução diz “pô, esse cara é maluco, ele não
falou isso” / né? / mas é um tipo de liberdade que eu tomo pensando nas pessoas que
vão assistir lá / no México o cara vai ver o filme, rapidamente para saber / se orienta,
mais ou menos como, de que se trata essa ação ... nesse sentido assim / tenho essa
liberdade, digamos / enfim, aí, é... vamos supor que tem um filme que acontece / disse,
“ah, mataram na / no complexo do alemão” / não poderia botar no complexo, boto na
favela / né? / só que complexo todo mundo sabe que é no complexo do alemão, mas na
favela do alemão, tem que esclarecer que não tem... nenhum alemão ni nada / ni alemão
na gíria / tem outros filmes por exemplo que fala / “ah, aquele lado é dos alemães” se
você bota literalmente dos alemães, vai pensar que são pessoas que / da Alemanha ou
descentes de alemão ou alguma coisa da Alemanha, e não tem nada a ver, alemães são
os inimigos / geralmente é a polícia né? / então, dependendo da conotação... tinha um
filme aí que fiz a pouco / que /.../ era a história de um casal / da favela / da onde? / não
sei se era a Maré, não lembro exatamente / mas eles tão soltando uma pipa, e o fio
estoura / a pipa sai segue, segue, segue... “pô, essa pipa, vai lá, corre atrás / pega ela” / e
ela (inint) e cai no lado da favela que é / do inimigo, do comando, dos inimigos de, de
esta favela / aí o garoto não quer entrar e disse “não, se eu vou vão me matar” / não sei
o que / então as pessoas não podem, não entendem porque ele não queria / ir do outro
lado da favela, não sabem, então você tem que esclarecer como / porquê razão ele não
quer ir, e ele tinha uma namorada que morava na outra favela / eles se encontravam na
escola, saiam da escola cada um ia para a sua casa né? / então, é... tem que mostrar / aí
tive que fazer um trabalho de explicação / quase didático para que as pessoas entendam
P: E tem que ser uma explicação curta né?
T: Ah sim, três palavras, dos palavras, é muito rápido
P: Quando você está traduzindo e no caso mesmo de tradução de filmes, que você
já fez vários, e você também têm outras atividades profissionais, também já
trabalhou como jornalista, como escritor, tem algum tipo de habilidade dessas
outras atividades profissionais que você também usa para a tradução?
T: bom / eu vejo o fato de traduzir como uma disciplina de / escritor /.../ tanto faz,
traduzir é uma / como se estivesse escrevendo um texto / é a tradução seria digamos
uma consequência, só isso
P: E agora eu elaborei algumas perguntas sobre o filme mesmo. Sei que tem muito
tempo que você traduziu às vezes você não lembra bem, mas vamos ver o que dá
pra sair daqui. Na tradução do Uma onda no ar você privilegiou algum tipo de
registro na linguagem? Registro culto, registro informal, na hora de passar para o
espanhol?
T: como / como, o que você quer dizer registro culto...
113
P: A maneira de falar mesmo, na hora de fazer as legendas no espanhol, é, de
traduzir, o tipo de palavras que você selecionou...
T: tem, tem um detalhe /.../ que, salvo muita / raríssimas, raríssimas exceções / a fala
das pessoas, normalmente / do, o suburbano não fala o português correto / mas, se fosse
traduzido num livro, você tem possibilidade de manter esse tipo de fala / porque têm
muitos recursos, você pode botar aspas, pode botar itálico, pode botar negrito, pode dar
um / esse / esticar mais um pouco, enfim /.../ esclarecer de que o cara ESTÁ falando
assim / né? que onde a frase / tem / que não concorda o verbo / que onde é plural o cara
fala em singular, enfim /.../ de uma forma geral eu elimino isso / salvo que seja muito
marcante, muito marcante / porque senão parece que o tradutor está escribindo qualquer
besteira / não dá a impressão que o personagem que fala assim, parece que o tradutor
que não sabe escrever / então há esse problema / se for por exemplo, num diálogo entre
um índio e / vão para um lugar que tem índio /.../ o índio, você já sabe que o índio fala
assim, então não tem que esclarecer que o índio fala assim / muito mais simples / no
caso do, da Uma onda no ar não exatamente como foi / que eu fiz, deixa eu ver se tenho
aqui o texto / vamos ver aqui então ((passamos a outra sala, em frente ao computador
onde o tradutor procurou o texto do filme para consultar)) /.../ eu, a partir de
determinado momento tenho os textos no computador, mas os anteriores não porque,
não se trabalhava com computador /.../ deixa eu ver se tenho aqui... /.../ (inint) /.../ esse,
ele lê alguma coisa aqui não?
P: é, ele está lendo uma carta
T: a carta / o itálico / por uma convenção se usa quando o diálogo está em off / mas aqui
/ (inint) “veneno” significaria droga / eu não sei se veneno, no original também
P: eu acho que sim
T: trinta e cinco / é o limite / de trinta e cinco toques / é o limite que se tem, porque ai
não entra mais ni uma linha, ni uma / trinta e cinco entre letras e espaço, não / não
(inint) /.../vou ver se tem alguma... /.../ quero ver... /.../ macumba é / uma palavra que
não tem tradução mas todo mundo sabe que es macumba /.../ quero ver se tem alguma
outra... /.../ nesse rolo não tinha / muita fala de... /.../ ((está lendo)) federal /.../ uma coisa
que nunca boto é polícia militar / porque polícia militar é dos militares / nunca se
entende que é a polícia normal / isso não existe / a polícia militar é do exército, da
marinha /.../ da área militar, é muito estranho que aqui você tenha / como polícia militar
/.../ ((conversa com outra pessoa que estava na sala, sobre outro assunto)) /.../ você que
aqui tem trinta e seis / trinta e oito / são dois pês de tamanho (inint), aqui está estourado
/ passou muito rápido / muito rápido, dois pês é muito rápido ((P é o espaço entre linhas
no word)) / talvez na hora de legendar, tiraram alguma coisa / por exemplo, “isto” /.../
P: eles podem editar o que você...
T: é, depende de quem trabalha / eu tenho um amigo meu que faz e sabe como / como
fazer né? /.../ é, aqui não tem muito diálogo de gíria, sei lá... /.../ ((conversa com a outra
pessoa da sala)) / e aqui ficou, isso veio do laboratório / tem que falar / enfim /.../ mas
aí, que mais?
114
P: e quando eles te pediram a tradução desse filme, eles falam onde que esse filme
vai circular? Em que país de língua espanhola, ou não?
T: não /.../ esse é? ((pergunta sobre o filme)) esse deve ter sido da Ancine / tá no crédito
da legenda, no início / créditos do filme // que chama-se CTAV / sabe o que é o CTAV?
P: não
T: o Ministério da Cultura tem / o setor de cinema que é... ANCINE, agência nacional
de cinema / então a agência que programa / as participaciones do Brasil nos festivais /
geralmente eles selecionam os filmes e / bom, vão cinco filmes para / o festival de
Guadalajara, vamos supor / aí, é / podem mandar os cinco pra mim ou / três /
dependendo aí do, do / do tempo que eles tiverem e / isso é feito através do setor que /
da parte técnica do audiovisual, né, do / da Ancine / do Ministério / então o CTAV e a
Ancine son os que encomiendan / às vezes o produtor encomenda /.../ esse, pelo tipo de
filme / deve ter sido a Ancine / eles é... / já tem aí a (inint), a forma de trabalho / e eles
mandam o filme / “vou te mandar daqui uma semana três filmes”...
P: mas ai eles não falam pra onde, onde vai ser a exibição?
T: normalmente no, por que... / pra mim não tem assim, nenhum interesse em saber se
vai pro festival na Espanha, na Argentina / no México / ou em Cuba / às vezes / os
produtores ou a pessoa que está encarregada do filme / na produtora entra em contato
comigo e dice / “pô, vou mandar o festival / para o festival de Havana / o filme pro
festival de Havana daqui uma semana, você tem que entregar isso amanhã” / então / aí
eu sei que o filme vai para Havana / mas normalmente / não sei / às vezes me comenta
/.../ mas não tem... isso não é determinante / não es um fator assim muito importante /
né? / às vezes sim, mas normalmente eu não sei para donde va
P: e aí, se você sabe você tenta adequar de alguma maneira a legenda, a linguagem,
o tipo de vocabulário ou também não?
T: teve um caso / no / o... / o filme do Coutinho, aquele do / da teatro / como era o nome
do filme do Coutinho? /.../ ((procura nos arquivos do computador por quase três
minutos)) / como era? /.../ que era para o festival de Argentina / aí houve o... / o
Coutinho consultou a pessoa lá e / eles pediram para passar algumas / algumas frases
para / aquele só para a Argentina /.../ mas essa legendagem foi legendagem é /.../
projetada / então você pode personalizar / aí eles pediram para passar / para que seja
para Argentina, mas foi um caso único /.../ como era o filme? /.../ acho que não tá aqui
/.../ em cena, em cena... /.../ ((conversa com outra pessoa que está na sala)) engraçado
/.../ não sei é / esse filme qual era? /.../ eu tive um problema com o computador e perdi
grande parte dos textos /.../ ((continua procurando nos arquivos do computador)) em
cena / jogo de cena / é isso / você viu esse filme?
P: não
T: muito interessante o trabalho do Coutinho / ele fez uma / espécie de consulta pública
/ no, através do jornal inclusive / e algumas pessoas foram lhe contar / algumas histórias
115
da vida delas /.../ aí, ele entrevista a pessoa real, né? e paralelamente cria uma história
igual de algo com atores /.../ e em determinado momento você não sabe / quem é de
verdade / você vê a /.../ que atriz era? / a Fernanda Torres / que ela está sendo
entrevistada, porque as entrevistas não estão juntas / paralelas, as histórias / você está
vendo a Fernanda Torres falando de que o irmão dela / tinha não sei o que / a história do
irmão / e você acha que é do irmão dela /.../ quer dizer, ele fez assim / uma coisa muito
bem feita / então, depois você vê a história real / que es a mesma história com a outra
figura / e assim tem várias né? / então você não sabe quem / ni quem que está falando a
verdade, se é a / garota desconhecida que está interpretando o que a Fernanda falou ou a
Fernanda está interpretando o que ela disse / você não sabe qual é a atriz e qual não é /
claro, no caso da Fernanda Torres você sabe que ela é a atriz, mas você não sabe se a
história é dela ou da outra / e a outra está fazendo o papel da Fernanda / é bem bolado o
filme /.../ nesse caso foi / pediu especificamente que seja uma tradução, porque tem
muita gíria, né? assim de / local e principalmente as gírias sexuais, são mais comuns /
digamos de pedir / porque um palavrão na Argentina na Espanha não significa nada /
então, se pierde / aí, houve / a televisão mais ou menos unificou nos últimos anos / o
linguajar / é divulgou formas de falar de outros lugares / você vê o Chaves, vamos supor
/ que passa em toda América Latina /.../ o Chaves ((programa de televisão)) fala uma
linguagem específica das favelas do México / você viu alguma vez o Chaves?
P: em espanhol poucas vezes
T: não, em português
P: em português sim
T: você sabe, ele mora / sabe onde que ele mora, não? / não é uma vila, é uma favela / é
favela mesmo / você não identifica favela como favela, como daqui / é uma favela
mexicana / o Chaves na verdade não é Chaves / é chavo / el chavo / chavo seria o /.../ o
como diriam? / o pivete / o pivete do oito / oito seria o número da porta da casa dele /
onde ele mora, no cubículo dele / o buraco onde ele mora é o número oito / então /
Chaves já deforma totalmente, não tem nada a ver com o conceito / por que seria um
pivete / mesmo / um sentido desse / então todas as falas que são do México foram
migrando / migrando principalmente América do Sul / aí principalmente no Peru, na
Argentina, no Chile / já começam a entender essa forma de falar / às vezes assimila e às
vezes não, depende de cada caso / pelo menos entienden / e aí o contrário também
acontece / a televisão da Argentina vai para Espanha, para outro lugares / aí as pessoas
começam entender as falas / mas / traduzir para determinado país não é normal, não é o
comum / tem que ser / mais universal /.../ é por que você não pode legendar para cada
lugar
P: é, ninguém faz isso na verdade, várias legendas... e só mais uma para terminar,
no Uma onda no ar, teve algum tipo assim de coisa cultural, de referência cultural
do lugar que você teve algum tipo de dificuldade, teve que procurar o produtor,
roteirista para saber?
T: eu falei com o Helvécio para / e claro, eu vi o filme / mas, é... eu devo ter localizado
o filme / por que isso acontece numa favela de Belo Horizonte / devo ter situado mais
116
ou menos para saber / quando você fala por exemplo “mineiros” / es muito difícil
traducir “mineiros” / né? por que? /.../ se eu boto “él es mineiro” / ninguém vai vir a
pensar que ele é de Minas Gerais / ((risos)) vai pensar que é um cara que trabalha numa
mina / não tem outra forma de entender / então é muito difícil / decir baiano, todo
mundo sabe, carioca todo mundo sabe / né? / amazonense todo mundo sabe, mas
mineiro / gaúcho também tem esse problema / porque gaúcho em espanhol no significa
uma pessoa de uma região / é um conceito de forma de vida ou de uma estrutura social
né? / principalmente os camponeses da / do, da região do interior de Buenos Aires / é /
seria o cara que trabalha na fazenda mesmo, o peão / mas um tipo particular de peão, é
diferente de / de outros peões de outras fazendas de Córdoba, sei lá / de outro lugar / são
de uma região /.../ então é gaúcho / no dá nunca a entender que o cara é do Rio Grande
do Sul / é muito difícil né? / aí é, nesse caso dos mineiros tem que botar do Estado de
Minas Gerais / para poder entender, aí tem que sacrificar alguma parte da fala / né?
P: pra poder explicar isso na legenda né?
T: ou não sei / eu acho que fala de uma praça determinada / que acontece uma ação
numa praça
P: é, a Praça da Estação
T: então tem que dizer que na Praça lá em Belo Horizonte / capital de Minas Gerais /.../
tem que explicar o que es, donde es, como era
P: mas no caso as dificuldades para esse filme apareceram mais na hora de fazer a
legenda, não de alguma coisa que você não tivesse entendido?
E: não, o filme não é tão complicado assim não / não / talvez algumas coisas técnicas,
eu não lembro exatamente, que ele fala da antena, da fiação / tem né?
P: fala como montar um transmissor
T: talvez um pouco aí / fiz alguma pesquisa sobre isso / talvez / por que cada lugar se
fala de uma forma diferente / mas é, eu acho que não teve muita coisa não
117
IV. Tabela de categorização das legendas
ROLO 1
PORTUGUÊS ESPANHOL Categoria / Estratégia
a maior parte dos moleque la mayor parte de los muchachos Sistema linguístico /
neutralização (marcação de
plural)
aqui do morro de la favela Sistema linguístico / transposição
(referência de lugar)
(eles) larga a escola abandonan la escuela Sistema lingüístico /
neutralização (marcação de
plural)
eles ‘tão’ sendo instruído son instruidos Sistema lingüístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(marcação de plural)
que mora no asfalto que viven en las calles asfaltadas Sistema lingüístico / transposição
(referência de lugar)
pros filhos dos empregados aqui do
morro
a los hijos de los trabajadores de la favela Sistema linguístico / transposição
(referência de lugar)
aí os moleque perde o interesse ahí los chicos pierden interés Sistema linguístico /
neutralização (marcação de
plural)
e a gente sabe o que acontece y ya sabemos que pasa Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
hoje mesmo nós recebemo uma carta
do Nem
hoy mismo recibimos una carta de Nem Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(marcação de plural)
que tá lá na penitenciária de Neves está en la cárcel de Neves Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
o cara jogava bola com a gente el ñato jugaba pelota con nosotros Escolha lexical
e hoje tá lá ó, ‘garrado no cadeião’ y hoy está atrás de las rejas Sistema lingüístico / Equivalência
(expressão-palavra corrente)
eu queria que esses menino visse o que
aconteceu com a gente
yo quería que esos chicos viesen lo que me
ocurrió
Sistema lingüístico /
neutralização (marcação plural)
porque eu acreditei que podia ganhar
tudo rápido
creí que podia ganar todo rápido Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
e eu não desejo pra ninguém o que
tamo passando
y lo que estoy pasando no le deseo a nadie Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
cês tão ouvindo aí né, molecada? chiquillos, ¿están oyendo? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
cês deixa de tê a cabeça vazia hem dejen de ser cabezas huecas Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
118
mas não precisa colocar no chão não D.
Rose
pero no la ponga en el suelo, doña Rosa Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
porque eu tou desesperada e eu não sei
com quem falar
estoy desesperada y no sé con quién hablar Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(verbo pleno)
tem uma semana que eu tô indo na
Febem e ninguém sabe para onde
mandaram o meu filho, o Fabinho
hace una semana que nadie sabe adónde
mandaron a mi hijo Fabio
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
aí, é só a senhora ir lá no juizado e dá
queixa. Filho de pobre...
tiene que ir al Juez de Menores y dar queja.
Hijo de pobre…
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
principalmente o primeiro emprego
pros adolescente
principalmente para los adolescentes Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
o estado devia usar essa grana el Estado debería usar la plata Escolha lexical
fez as conta Zequiel? ¿hiciste las cuentas Zequiel? Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
fiz e refiz as conta e não sobrou um
centavo esse mês
hice y rehice las cuentas y no sobró ni un
centavo este mes
Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
Poxa, nem agência de publicidade não
pagou as campanha da prefeitura?
¿la agencia de publicidad no pagó la campaña
de la Alcadía?
Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
e a conta de luz já tá pendurada la cuenta de luz está atrasada Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
Pô, a gente já tá devendo os cabelo da
cabeça e agora os do rabo também...
Ya debemos los pelos de la cabeza y hasta los
del culo.
Sistema lingüístico /
neutralização (marcação plural)
Um Zé mané falando que é lá das
Nações Unidas e que tinham dado um
prêmio pra gente.
Un tipo diciendo que la ONU nos había dado
un premio.
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-palabra corrente)
Com a chuva que vem aí, o bicho vai
pegar. Daqui a pouco eu volto.
Con la lluvia que viene la cosa se pondrá fea,
ya vuelvo.
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-expressão) / omissão
(pronome sujeito)
Ô gente. Num dá nem pra acreditar hem Señores, no da ni para creer en algo así, ¿no? Transferência
É o Jorge? Olha, eu sou dentista. Hola Jorge. Oye, soy dentista. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Meu nome é Élcio Dutra, manda esse
homem pro meu consultório que eu
atendo ele.
Me llamo Élcio Dutra. Manda ese hombre a
mi consultorio. Yo lo atenderé.
Transferência
Pô, obrigado Dr. Élcio, depois a gente
acerta os anúncios.
Gracias Dr. Dutra. Después combinamos sus
anuncios.
Sistema linguístico / forma de
tratamento / omissão (pronome
de sujeito)
Vai ocorrer uma tragédia aqui no alto
do morro.
Ocurrirá una tragedia allá arriba, en la favela. Sistema linguístico / referência de
lugar
Eu não saio da minha casa! Pra onde é
que eu vou com os meus filho?
No saldré de mi casa. ¿Adónde iré con mis
hijos, eh?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) /
neutralização (marcação plural)
119
É, só que a gente vai ter que deixar isso
pra depois, Fatinha.
Vamos a tener que dejar eso para después,
Fátima.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
não sei se a merreca vai dar... no sé si alcanza la plata… Escolha lexical
O dinheiro que eu juntei não dá, você
tem que completar.
El dinero que junté no alcanza. Tienes que
completar….
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Eu não sei com que grana.... só se eu
roubar.
No sé con que guita. Sólo si salgo a robar… Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Escolha lexical
Aí rapaziada sujou aí hein. Os ‘ome’
vem...
¡Muchachos, atención! ¡Los pacos están
llegando!
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-expressão)
A polícia tá subindo o morro com quatro
barca. Tô indo pra aí.
La policia está subiendo con 4 ‘barcos’. Ya voy
para ahí.
Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
Transferência
A idéia é federal, não vale pra um não,
vale pra todos.
La cosa es ‘federal’ no vale para algunos, es
para todos.
Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
E é melhor quem tiver dentro dos seus
barraco ficar.
Quién esté dentro, mejor se queda en casa. Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
e quem tiver na rua sair saindo, porque
o baculejo vai começar.
y quién esté en la calle, mejor entra porque el
baile va a comenzar
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-expressão)
A vida é uma só e não tem dublê não. La vida es una sola y uno no tiene ‘dobles’. Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Diga lá minha tia. Dígame, señora… Sistema linguístico / omissão
(forma de tratamento)
Eles tão vindo pra atrás da gente. Passa
o transmissor, rápido!
Vinieron atrás de nosotros. Pasa el
transmisor. ¡Rápido!
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu sinto muito, mas eu ainda não sou
mágico. Não sei ler papel em branco.
Lo siento, pero no soy mago. No sé leer papel
en blanco.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ué, faz tanto tempo que não mexiam
com a gente, que eu tava até
estranhando.
Hacia mucho tempo que no nos molestaban.
Ya estaba extrañando…
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) /
neutralização (verbo pleno)
Isso aqui quer dizer que vocês são uma
associação comunitária.
Esto quiere decir que son una asociación
comunitaria.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu não sou da polícia. Eu sou técnico em
comunicações e trabalho para o
Ministério.
No soy policía, soy técnico en comunicaciones
del Ministerio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
O senhor pode explicar esse milagre? ¿Me puede explicar ese milagro? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu não tenho culpa de ter a felicidade
de morar no alto,
No soy culpable de tener la felicidad de vivir
en lo alto…
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Você é folgado, hem! Eres muy atrevido, ¿no? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tá bem, assim que eu sair da cana. Está bien, así que salga de la cana. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
120
Eu pego um avião e vou nas Nações
Unidas pessoalmente.
Tomo un avión y voy personalmente a la
ONU.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(preposição)
Isso é um sete puro. As rádio que tem
concessões
Eso es pura disculpa. Las radios que tienen
concesiones…
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-palavra corrente) /
neutralização (marcação plural)
O que tem aqui em cima? ¿Qué hay allá encima, eh? Sistema linguístico / referência de
lugar
Não é não Doutor, esse aparelho,
embora esteja velho,
No señor, este aparato, pese a ser viejo… Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Pô cara, maior sacanagem te prender
aí...
Qué joda encanarte así, ¡cumpa! Escolha lexical
A gente fica aqui do outro lado ouvindo
suas mensagens, pra passar o tempo.
Aquí, ‘del otro lado’, oímos tus mensajes para
pasar el tiempo.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu gostaria de falar com o Dr. João
Mascarenhas.
¿Puedo hablar con el Lic. João Mascarenhas? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / forma de
tratamento
Eu tô avisando pra todos os jornais que
prenderam o Jorge.
Estoy comunicando para la prensa que
detuvieron a Jorge.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
E a rádio Favela tá fora do ar. De novo,
rapaz.
Y la Radio Favela está fuera del aire de nuevo,
chico.
Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
Avisa quem você puder Avisa a quién puedas. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
É vai ter que ser boca-a-boca. Tendrá que ser boca a boca. Transferência
vamo infernizar a vida deles até
soltarem o Jorge
vamos a trastornarles la vida hasta que
suelten a Jorge.
Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
Nós vamos tirar ele de lá no grito. Ponderemos el grito en el cielo. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê sabe, cê tá duro, sem trampo, de
repente alguém te põe o oitão na mão...
La vida está dura. De repente alguien te pone
un 38 en la mano.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / equivalência
(expressão-palavra corrente
Como é que você veio parar aqui? ¿Cómo viniste a parar aquí? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê tá me entrevistano? ¿Me estás entrevistando? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
É a Rádio Favela, transmitindo ao vivo
da boca do lobo,
Es la Radio Favela transmitiendo en vivo
desde la boca del lobo…
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-expressão)
você acha que eu ia ficar ganhando
mixaria de salário mínimo?
¿crees que iba a vivir con un sueldo
miserable?
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
enquanto os outro levava o bolo pra
casa?
¿mientras los otros llevan la ‘pasta’ a sus
casas?
Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
Me dei de mal e agora eu tô aqui
garrado.
Me salí mal y ahora aquí estoy enrejado. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(verbo pleno)
121
então eu tenho que pegar o que é meu,
de qualquer jeito!
Entonces tengo que pegar de cualquier
manera lo que es mío.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Transferência
e do jeito que for você vai passar uma
cara de ano atrás dos muro
Y de esa manera pasarás un montón de años
atrás de los muros.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(marcação plural)
Aí, agora a gente vai trocar uma idéia
com cê.
Ahora nosotros vamos a cambiar ideas
contigo, ¿sí?
Transferência
Pênalti o cacete rapaz... Penalti un carajo, ñatito. Escolha lexical
Foi nada sô, vamo jogar. No fue nada, vamos a jugar. Sistema linguístico /
neutralização (marcação plural)
Babaca! ¡Pelotudo! Escolha lexical
Otário! ¡Huevón! Escolha lexical
Pô seu Doriva deixa pelo menos um dia
eu ver como é que esse cara opera essa
mesa
Déjeme ver por lo menos una vez como ese
tipo opera los controles
Escolha lexical
Em Minas o governador eleito Tancredo
Neves
El gobernador Tancredo Neves... Sistema linguístico / omissão
(referência de lugar)
Deixa de ser careta, Zequiel, dá um aí
vai.
¡Deja de ser cuadrado! Fuma Zequiel,
vamos...
Sistema linguístico / equivalência
(expressão-palavra corrente)
Cês tão vendo aquilo ali? ¿Ven uds. aquello? Sistema linguístico / omissão
(duplicação de lugar)
O que é aquilo ali pro cês? ¿Qué es aquello para uds? Sistema linguístico / omissão
(duplicação de lugar)
A gente precisa de uma rádio pra gente
falar o que a gente quiser, pra todo
mundo escutar.
Necesitamos una radio para decir lo que
queremos que la gente oiga.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê quer montar uma rádio Jorge? Jorge ¿quieres montar una radio? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê tá querendo é curtir com a cara da
gente Zequiel!
¿Quieres mofarte de nosotros Zequiel? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê tá querendo é curtir com a cara da
gente Zequiel!
¿Quieres mofarte de nosotros Zequiel? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê tá falando sério Zequiel? ¿Hablas en serio? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cês querem ver uma coisa? Chega aí.
Vem cá.
¿Quieren ver una cosa? Vamos, vengan hasta
aquí.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Chega aí que eu vou mostrar pra vocês
uma coisa.
Vengan que les voy a mostrar una cosa. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tá vendo ô cara mofada. Ves? Cara de pasmado... Sistema linguístico / equivalência
(expressão – palavra corrente)
122
ROLO 2
PORTUGUÊS ESPANHOL Categoria / Estratégia
Tranquilo. Cê vai onde, camarada? Tranquilo. ¿Adónde vas? Sistema linguístico / omissão
123
(pronome sujeito)
Vou pro colégio cara. Eu tou atrasado. Voy al colegio, ñato. Estoy atrasado. Escolha lexical
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) /
neutralização (verbo pleno)
Não dá não. No puedo. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Você queria falar comigo? ¿Querías hablar conmigo? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
É eu queria aceitar aquele trampo. Quería aceptar ese trabajito... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cume que é, cê topa qualquer parada? Dime, ¿harás cualquier cosa, eh? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Quando é que eu começo? ¿Cuándo comienzo? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Depois eu te explico, mãe! Después te explico, mamá. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Acabaram as senzalas e surgiram as
favelas
Que acabaron los bohíos y surgieron las
favelas.
Escolha lexical (voz de
Antilhas, segundo o DRAE)
Você pega o boi de estudar nessa
escola.
Tú te metes a estudiar en esta escuela. Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palavra corrente)
Nem mensalidade você paga. Ni pagas mensualidad. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu trabalho para ganhar minha grana. Trabajo para ganar mi plata. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Escolha lexical
Você é um racista filho da puta! ¡Racista hijo de puta! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Se você aprontar novamente Jorge, Jorge, si haces una más… Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Puta que pariu... aí Brau, quem perder
vai pagar essa aqui hein
¡Carajo! El que pierda pagará esta, ¿eh, Brau? Sistema linguístico / omissão
(duplicação de lugar)
Calma aí, tou pegando inspiração aqui
pra minha tacada sô
Calma, me estoy inspirando para dar mi
tacada...
Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
Anda Jorge, parece que nunca viu muié? Jorge anda, parece que nunca viste una
mujer.
Transferência
Ah! Falei, não falei? Esse cara só tem
papo cara.
¿No te dije? Ese ñato es puro bla-bla-bla. Escolha lexical
Isso aqui é um transmissor, seus boco
moco.
Esto es un transmisor, sus cabezas de
chorlito.
Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
expressão)
E os camarada da cadeia? ¿Y los cumpas encarcelados? Escolha lexical
Acho que uns dois ou três barão! Creo que 2 o 3 mil. Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palavra corrente)
124
Isso aí é mixaria... Es poca ‘guita’... Escolha lexical
É mesmo e você vai pagar esta agora
que cê perdeu a outra.
Lo que pagarás ahora es este, ya que perdiste
el otro.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Quanto é moço? ¿Cuánto cuesta, ñato? Escolha lexical
Cinco pau. Cinco morlacos. Escolha lexical
Valeu moço! Valeu! ¡Gracias, cumpa! Escolha lexical
Que viagem hem mano. Ah o cara! Do
caralho!
¡Qué viaje! ¿Eh ñato? ¡Ah! ¡Del carajo! Escolha lexical
O Zequiel disse que você podia
conseguir essas peças para nós.
Zequiel dice que podrías conseguirnos estas
piezas.
Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
O Zequiel tá querendo montar uma
rádio.
¿Zequiel quiere montar una radio? Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
Algumas dessas peças eu tenho aqui. Aquí tengo algunas piezas. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tem que ser por baixo do pano. Las venderé a escondidas. Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palavra corrente)
Qualé, mermão? Pô, não azucrina. Deixa
eu trampar no sossego.
¿Qué hay, ñato? No me jodas. Déjame laburar
tranquilo.
Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
expressão)
Larga essa porra, vem trabalhar comigo.
É grana fácil e rápido.
Deja esa joda y ven a trabajar conmigo. Es
‘lana’ fácil y rápida.
Escolha lexical
Tô juntando dinheiro aí pro negócio da
rádio.
Estoy juntando dinero para el asunto de la
radio.
Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
E o que você acha que eu tô fazendo? ¿Y qué piensas que hago, eh? Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Ah! Cê vai demorar mil anos né, ô
mane.
Así vas a demorar mil años. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Gostei dessa! ¡Gusté de esa! Transferência
Cê já tinha visto? ¿Ya lo habías visto? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
O que nós queremos é provocar
discussão.
Queremos provocar discusiones... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Você não que escre3ver um artigo para
o próximo número?
¿No quieres escribir un artículo para el
próximo número?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ah mãe, vai ficar ouvindo essas
porcaria?
¿Mamá, vas a oír esa porquería? Sistema linguístico /
neutralização (marcação de
plural)
Sim senhora, eu vou entregar. Sí, mamá. La voy a entregar. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Você já estudou? ¿Ya estudiaste? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu vou estudar depois da janta. Estudiaré después de cenar. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Apronta não minino, que se você perder
essa bolsa, você vai pra escola pública.
No hagas líos, chico. Si pierdes la beca irás a
una escuela pública.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
125
Hem...cê sabe muito bem que eu não
tenho dinheiro para pagar aquele
colégio.
Sabes muy bien que no tengo plata para
pagar ese colégio.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Escolha lexical
Eu me sinto um estranho lá. Me siento un extraño allí. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / referência
de lugar
Os professores gostam de você. Los profesores gustan de ti. Transferência
Gostam de mim mãe? Aquilo lá é uma
guerra.
¿Gustan de mi mamá? Aquello es una guerra. Transferência
Sistema linguístico /
referência de lugar
Se eu não me cuidar, eles passam por
cima de mim feito um trator.
Si me descuido, ellos pasan por encima de mi
como un tractor.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Sabe quem eu vi hoje aqui na favela? ¿Sabes a quién vi hoy? ¿Aquí en la favela? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Aonde você vai, moleque? ¿Adónde vas? ¡Jorge! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
E você traz uma linguicinha para eles lá,
por favor.
Trae chorizo para comer. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Zequiel, atende o telefone e anota os
recados.
Zequiel, atiende el telefono y anota los
recados.
Transferência
Cês tão sentados? ¿Están sentados? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tudo dá 2 pau e 600. Son 2.600 morlacos… Escolha lexical
Eu sei muito bem de onde vem essa
grana.
Sé muy bien de dónde viene esa guita. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Escolha lexical
O Zequiel já é um trabalhador. Zequiel ya es un trabajador. Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
O Jorge, um dia vai ser doutor. Jorge, un día será doctor. Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
Se eu morrer hoje, amanhã faz dois dia! Si muero hoy, mañana serán 2 días. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Porra Brau, eu acho melhor desistir
desta idéia.
Coño Brau, es mejor desistir de esa ideia. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Vai demora muito tempo para juntar
essa grana...
Tardaremos mucho tiempo para juntar esa
guita...
Escolha lexical
A Fatinha meu... que delícia hem? Fátima. Qué sabrosita es, ¿no? Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
Ô mulher gostosa eu sou fissurado
nesse broto
¡Qué mujer sabrosa! Soy loca por esa
lechuguita.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cês tão indo aonde hem? ¿Adónde van, eh? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu acho que agente vai tomar um
sorvete.
Vamos a tomar um helado... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu sou a Aninha. Yo soy Anita. Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
126
ROLO 3
PORTUGUÊS ESPANHOL Categoria / Estratégia
Cê viu o fiodumaégua? Que cara cuzão
sô!
¿Viste al hijo de puta? ¡Qué tipo jodido! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Escolha lexical
Esquece cara. Olvídalo, manito. Escolha lexical
Com a bosta o que tem que fazer bicho
é puxar a descarga e esquecer brother.
La bosta se limpia dando descarga. Olvídalo,
manito.
Transferência
O Roque é que tem razão cara. Roque tiene razón, mano. Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
Escolha lexical
Vai é comprar um microfone e montar a
rádio, é isso que você vai fazer!
Lo que debes hacer es comprar un micrófono
y montar la radio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Aí o pior é que nos perdemo o barato
com as menina cara.
Lo peor es que perdimos la chance con las
chicas, manito.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) /
neutralização (marcação de
plurais) / Escolha lexical
Pô mermão, o pior é que eu sempre fui
afinzão dela cara,
¡Pucha, mano! Lo peor es que siempre estuve
atrás de ella.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
acho que eu tô ficando apaixonadão. Creo que me estoy enamorando. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
/neutralização (verbo pleno)
Aqueles filho duma égua chegaram lá na
hora.
Esos hijos de perra llegaron en el momento... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Aí ó! Segura a onda aqui que eu vou ter
que dar uma saída. Falo?
Controla eso que tengo que dar una salida
rápida. ¿Ok?
Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palabra corrente) / omissão
(pronome sujeito)
E vamo ensaiar bastante, que o chão vai Vamos a ensayar bastante. El piso estará bien Sistema linguístico /
Eu sou o Brau. Yo soy Brau. Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
Ah, Fatinha, eu sempre fui amarradão
em você.
¡Ay, Fátima! Siempre fui apasionado por ti... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Qual que é, seu guarda, a gente não
está fazendo nada não.
¿Qué dice? No estamos haciendo nada señor
guarda.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Falando assim com elas só porque a
gente é preto, é!?
Hablando así con ellas. ¿Sólo porque somos
negros, eh?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Pô seu guarda, agente é estudante, a
mãe dele é doente do coração.
Señor guarda, somos estudiantes. Su mamá
está enferma del corazón.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu vou liberar vocês mas eu não vou
esquecer desta sua cara feia!
Los voy a dejar libres, pero no olvidaré de tu
cara fea.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
127
tá enceradim, enceradim encerado. neutralizaçãos (marcação de
plural e verbo pleno)
É neguinho, cê leva jeito, hem! Epa! Tienes cancha manito. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) /
equivalência (expressão-
expressão)
É isso que eu quero aí. Eso es lo que quiero. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tá louco cara? ¿Estás loco, ñato? Escolha lexical
Qualé, Roque? Ô meu irmão. Cê tá
pirando sô?
¿Qué te pasa, Roque? ¿Estás loco, manito?... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Escuta o Jorge cara, larga isto. Oye a Jorge ñato, deja eso. Sistema linguístico / omissão
(artigo + nome)
Aí abre o olho comigo hein, se eu te
pego lá em cima, eu te queimo ô rapá.
Abre el ojo conmigo. Si te pego allá arriba, te
quemo con plomo.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê tá louco, cara. Como é que cê puxa
uma arma aqui dentro!
¿Estás loco? ¿Cómo sacas una arma aquí
adentro, eh?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cumé que cê conseguiu entrar com isso
aqui?
¿Cómo entraste con eso? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Porra, não é assim que você vai ganhar
respeito não, mermão!
Así no merecerás respeto. No así. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu vou aproveitar minha vida é agora.
Pra mim não tem depois.
Yo voy aprovechar mi vida ahora. Para mí no
hay “después”.
Transferência
Eu antes vou ganhar dinheiro, vou
mandar no morro.
Antes voy a ganar dinero. Voy a mandar en la
favela.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Num mexe nisso não. ¡No toques eso! Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Não. Essa poupança é para quando você
for pra faculdade.
¡No! Esos ahorros son para cuando vayas a la
universidad.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu não vou pra faculdade, não vou pra
lugar nenhum. Vou ficar aqui, essa
grana é minha.
¡No iré a la Facultad! Me quedaré aquí. El
dinero es mío.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
E você só bota a mão nesse dinheiro
quando eu deixar e só depois que eu te
formar!
Sólo verás ese dinero cuando yo diga,
después de recibirte.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
A senhora prefere que eu vire bandido,
que eu entre no tráfico?
¿Prefieres que sea bandido? ¿Que entre al
narcotráfico?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Meus melhores chegados, todos se
fudendo! O Brau, o Roque.
Mis mejores alegados están jodiéndose.
Brau, Roque...
Sistema lingüístico / omissão
(artigo + nome)
Cê acha que alguém vai dar chance pra
gente? Pára de sonhar, mãe.
¿Crees que alguien me dará chance? Deja de
soñar, mamá.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu sei como você se sente, filho. Sé como te sientes, hijo. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
128
A senhora não quer me ajudar. Es que no quieres ayudarme. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu não quero te ajudar, minino? ¿Qué no quiero ayudarte? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Você está suspenso por uma semana. ¡Te suspendieron por una semana! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Querem me expulsar? Melhor. Eu tô de
saco cheio desse colégio.
¿Quieren expulsarme? ¡Mejor! Al carajo con
este colegio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu sou preto, beiçudo, mas não tenho
alma de escravo.
Soy negro, jetón, pero no tengo alma de
esclavo.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Meu filho, falta muito pouco para você
se formar.
Hijo, falta poco para que te recibas. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ano que vem você vai fazer vestibular e
vai passar, se Deus quiser, e Ele quer.
El año próximo, si Dios quiere y Él quiere,
pasarás a la Facultad.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
E aí pessoal, agente aqui, falando pro
morro e pro mundo.
Oigan muchachos, aquí estamos hablando
para la favela y al mundo.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Jorge, pega melhor é na 104.5 Jorge, pega mejor en 104.5 Transferência
Quê que vocês estão fazendo aí
meninos?
Muchachos, ¿qué están haciendo? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Senta aí mãe, cê vai ver. Siéntate mamá. ¡Ya verás! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ô. Promete que não vai bater nada pra
ninguém, mãe?
Promete que no le contarás nada a nadie. Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palavra corrente)
Pode deixar que eu falo com ele. Quédese tranquila, hablaré con él. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Oi Jorge. Eu queria conversar com você
pra nós colocarmos uns anúncios na
rádio.
Jorge quería hablar contigo sobre hacer
algunos anuncios en la radio.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Umas ofertas que eu quero fazer. Unas ofertas que quiero hacer. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ah, pode deixar agente vai fazer sim. A
gente vai bolar uns anúncios pro senhor
seu João Prego.
Podemos pasar, claro. Pasaremos sus
anuncios don João Fiado.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Olha só: quem pode pagar agora, paga,
quem não pode, pendura no Prego.
Quién puede pagar ahora, paga. Quién no
puede, deja fiado.
Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palavra corrente)
Oi Jorge, cê precisa me ajudar. Jorge, tienes que ayudarme. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu briguei com a patroa e ela, ela foi
embora de casa.
Discutí con la patrona y me abandonó, salió
de casa.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Transferência
129
Nós vamos dar um prazo pra eles saírem
fora da boca até amanhã à noite.
Les daremos un plazo para que salgan hasta
mañana por la noche.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Jóia. Rapaz eu tava com uma idéia... Macanudo. Tengo una idea... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu tava com uma idéia da gente fazer
um programa na rádio
Tengo la idea de hacer un programa de
radio...
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Uai. Eu acho uma puta idéia. Una puta idea. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Acho que a gente pode até chamar
músicos de outros morros também pra
vir cantar aqui na rádio.
También llamaremos músicos de otras
favelas para cantar en la radio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Isso agente vai ver daqui a pouco. Vem
comigo.
Lo sabrás luego. Vamos! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cês prometeram, cês não tem mãe não?
Fêdaputa!
¡Uds. me prometieron! ¿No tienen madre,
eh?... ¡Hijos de puta!
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / (dupla
negativa)
Aqui nesse país num tem democracia
racial coisa nenhuma, essa é a maior
mentira do mundo.
En este país no hay democracia racial de
ninguna manera. Es la mayor mentira del
mundo.
Sistema linguístico / omissão
(duplicação de lugar)
Preto nessa terra não vale nada não. El negro en esta tierra no vale nada. Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Cê que mora na periferia e tem o pé
rachado.
Tú que vives en el suburbio y tienes el lomo
dolorido...
Sistema linguístico /
equivalência (expressão-
palavra corrente)
Todo dia nós temos recebido
telefonemas de famílias que moram
perto do morro.
A diario recibimos llamadas de gente que
vive cerca de la favela.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Mas porque cês tão levando essas
coisas toda?
¿Por qué llevan todas esas cosas? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) /
neutralização (marcação de
plural)
Porque se eles vierem aqui e
encontrarem os aparelho, pode ser pior
pra ele,
Porque si ellos vienen y encuentran los
aparatos, puede ser peor.
Sistema linguístico /
neutralização (marcação de
plural)
Responde, seu neguinho safado, você
não reconhece essa voz?
Responde, ¡negro insolente! ¿No reconoces
esa voz?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Não, eu já te disse que eu não sei quem
são esses caras. Eu não sei qual é a
deles.
Ya le dije que no sé quienes son esos ñatos.
No sé lo que quieren.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Seu moleque cínico. No morro todo
mundo sabe que você lidera esta merda
de rádio.
Chamaco cínico. En la favela todos saben que
eres el líder de esa mierda de radio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
ROLO 4
130
PORTUGUÊS ESPANHOL Estratégia / Categoria
Eu não sei do que o senhor tá falando. No sé de qué está hablando. Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
A gente prometeu entrar no ar todo
dia e todo dia vai ter gente falando
aqui.
Prometimos entrar en el aire todos los días y
aquí estamos con Uds.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Essa é a Rádio Favela, você não
conhece ela não?
Es la Radio Favela. ¿No la conoce? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / (dupla
negativa)
Olha ela toca muita música boa. É uma
rádio pirata.
Toca muy buena música. Es una radio pirata... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
...de repente dava até uma matéria.
Você conhece o pessoal lá?
Da un buen reportaje... ¿Los conoces a ellos? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Conhecer, eu não conheço não uai. ¿Conocer? ... no conozco... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Mas se a gente subir o morro a gente
chega neles.
Si subimos la favela podemos llegar hasta
ellos.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
eu acho que ocê não tá armando mais
nada.
Creo que ya no estás más enredándote… Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu gosto mais dessa aqui ó. Esta me gusta más. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
É mas não sei não. Eu acho que pra
essa página aqui é mais interessante.
Sí, pero no sé... creo que para esa página,
ésta es más interesante.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / (duplicação
de lugar)
Vocês não sacaram? Tá na hora da Voz
do Brasil.
¿No se dieron cuenta? Es la hora de La Voz de
Brasil.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Para todo mundo que trabalha a noite,
quando chega em casa não esquece
não,
Todos los que trabajan de noche, al llegar a
casa no se olviden...
Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Você quer me matar do coração,
minino?
¿Quieres matarme del corazón? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Por que você só se mete em confusão
nessa vida, meu filho?
¿Porqué sólo te metes en confusiones en esta
vida, hijo?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Pô mãe, me desculpa se eu não sou o
que a senhora esperava, mas eu tô
fazendo o que eu quero fazer.
Perdona si no soy lo que esperabas. Estoy
haciendo lo que me gusta.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(verbo pleno)
Filho, você acha que a polícia vai largar
do seu pé?
¿Crees que la policía te dará tregua? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Pode deixar mãe. Eu não vou marcar
pra eles não.
Quédate tranquila, no les será fácil hallarme. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / equivalência
(expressão-palavra corrente)
Eu devia era te dar um couro quiném
eu te dava quando tu era moleque.
Debería darte con una tunda como cuando
eras un chiquillo.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
Então dá mãe. Dá! Ai mãe. Tchau mãe,
to indo.
Entonces dámela, mamita... ¡Ay! Mamá, chao,
mamá. Estoy saliendo.
Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
Cê acha que gostei de você ser preso? ¿Crees que me gustó que fueses preso? Sistema linguístico / omissão
131
(pronomes sujeito)
Claro, Fatinha. Amanhã mesmo eu
vou, juro, juro.
Claro, mañana mismo iré. Te lo juro, Fátima. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê tá com a cabeça quente, meu
camarada.
Estás con la cabeza hirviendo, mi camarada. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tem uma pá de tempo que ocê sumiu,
colé veado!
¡Hace un montón de tiempo que
desapareciste maricón!
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / equivalência
(expressão-palavra corrente)
Os gambé te pagaro, né? ¿Los pacos te pegaron, no? Escolha lexical
Eu prefiro tê uma felicidade curta do
que a vida toda uma tristeza.
Prefiero tener una felicidad corta y no toda
una vida de tristeza.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Falô! Vê se não marca aí, pelo amor de
Deus hein!
Atención, abre el ojo. Sistema linguístico /equivalência
(expressão-palavra corrente)
Vocês conhecem o pessoal lá? ¿Los conocen a ellos? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Então cês podiam me levar até lá? ¿Podrían llevarme hasta allá? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Pô gente, não desconfia de mim não.
Eu sou jornalista. Já falei.
No desconfíen de mí, y ales dije que soy
periodista.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / (dupla
negativa)
Eu só queria fazer uma reportagem
com eles.
Sólo quiero hacer un reportaje con ellos. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Mas agente não sabe onde fica a rádio
não.
No sé donde queda la radio. Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
Meu nome é Lídia. Eu sou jornalista.
Eu posso dar uma palavrinha com
você?
Soy Lídia, periodista. ¿Podemos hablar un
poco?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Cê me desculpa aí que tô atrasado.
Licença.
Discúlpeme, pero estoy atrasado. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Tá vendo? Eu falei que a gente devia
transmitir só pro morro.
¿Ves? Te dije que deberíamos transmitir sólo
para la favela.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Zequiel se você achar que não tá
dando pro cê ó, a hora é essa.
Zequiel, si no te conviene, puedes salir. El
momento es este.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ocê aí Baiano, você tem filha
pequena...
Baiano, tienes una hija pequeña… Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Porra nenhuma, rapaz. A polícia eu
conheço bem. Vocês tem outro lugar?
¡Un carajo, cumpa! A la policía la conozco
bien. ¿Uds. tienen otro lugar?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
A gente não pode é ficar assim tão
sozinho.
No podemos estar tan solos. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu quero mandar um recado aí pra
rapaziada.
Quiero mandar un recado a los muchachos. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
O pessoal aí, a rapaziada do Rock
Street Bh tão se aquecendo.
Los muchachos del Rock Street Bh ya están
calentando las canillas.
Sistema linguístico /
neutralização (verbo pleno)
É vê se não compromete a gente hem! Vea si no nos compromete, eh? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
132
Vamos acabar com esta bagunça.
Vocês estão impedindo a via pública.
!Vamos acabando com esta algazarra! ¡Están
invadiendo la vía pública!
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
A gente não está incomodando
ninguém...
No estamos molestando a nadie... Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Sargento, eu sou o advogado deles. O
que eles estão fazendo, não tem nada
de ilegal.
Sargento... soy el abogado de ellos. Lo que
están haciendo no es nada ilegal.
Sistema linguístico / omissão
(pronomes sujeito)
E eu sou do jornal, agente tá aqui
cobrindo o evento.
Soy periodista, estoy cubriendo este evento. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eles não estão incomodando ninguém,
nem o trânsito eles tão atrapalhando.
No están ni alterando el tránsito… Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(verbo pleno)
Então porque que vocês não seguram
essa parada aí embaixo?
Entonces ¿por qué no impiden que la droga
suba?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
É só isso que eu quero saber. Olha
mermão, vamo falar claro.
Sólo quiero saber eso. Manitos, vamos a
hablar claro.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(marcação de plural)
A música da gente do morro ao vivo e
a cores!
La música de la gente de la favela, ¡al vivo y
en color!
Transferência
Que é isso, véi? Vocês não podem ir
invadindo assim. Aqui é uma
residência.
¿Qué pasa, eh? ¡No pueden invadir así! Aquí
es una morada.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Você fez acusações contra a polícia. Hiciste unas acusaciones contra la policía. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Quem é que paga vocês para fazerem
isso?
¿Quién les paga esto? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Não rola grana na parada não. Aquí no entra dinero. Sistema linguístico / omissão
(dupla negativa)
A gente grava umas fitas pra festa, e
fita pro baile mas aqui não tem rádio
nenhuma não.
Grabamos cintas paras fiestas. Aquí no hay
ninguna radio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / (dupla
negativa)
ROLO 5
PORTUGUÊS ESPANHOL Estratégia / Categoria
Ô beiçudo, a tua hora acabou. Vai
correr processo e você não vai se
livrar.
Oye bocudo... tu hora llegó. Te procesaremos
y no te librarás de eso.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Vê lá o que você vai falar pra eles!? ¡Cuidadito con lo que les digas! Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
De algum lado você tem que ficar e é
melhor ficar com quem tá do seu lado.
Tienes que optar por un lado y es mejor estar
con quien está contigo.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Afinal você quer essa rádio pra quê? Al final, ¿para qué quieres esa radio, eh? Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
A gente vive numa ditadura, né Jorge? Jorge, vivimos en una dictadura. ¿No es
verdad?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Diz que se tiver algum pepino ele vai Dijo que si hubiese algún problema él lo Sistema linguístico /
133
quebrar a nossa. resolvería. equivalências (expressões-
palavras correntes)
Ô meu nego! Eu soube o que fizeram
com vocês.
Hola, negrito mío... supe lo que les hicieron. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
A gente foi de casa em casa. Tá todo
mundo sentindo falta da rádio.
Fuimos de casa en casa, todos están sintiendo
falta de la radio.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Não vai dar mais nega... você não viu
lá, como tá tudo quebrado.
No da más, negrita mía. ¿No viste cómo
destrozaron todo?
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu vi, mas o pessoal todo tá querendo
ajudar pra rádio voltar a funcionar de
vez.
Vi, pero la gente quiere ayudar a que la radio
vuelva a funcionar.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Ô Fatinha, por que você não falou
comigo? Eu também quero ajudar!
Por qué no hablaste conmigo? Yo también
quiero ayudar.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
O que eu fiz foi cumprir o mandato de
prisão do Juiz.
Lo que hice fue cumplir la orden de prisión
del Juez.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Foi tudo feito de acordo com a lei, o
senhor pode ter certeza.
Todo fue hecho de acuerdo con la Ley, puede
estar seguro.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Aí chegados, cês desculpes aí, mas eu
vou saindo nessa.
Muchachos, disculpen, pero ya voy yendo… Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Eu estou tentando falar com vocês
desde hoje pela manhã.
Estoy tratando de hablar con Uds. Desde hoy
por la mañana
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Nós somos representantes das Nações
Unidas para o Brasil.
Somos representantes de la ONU en el Brasil. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
Dá um tempo aí, companheiro. Daqui a
pouco o senhor conta o final da fita
pra nós.
Un momento compañero, dentro de un rato
nos cuenta el final.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
É que hoje eu faço questão de entrar
no ar às sete em ponto.
Es que hoy hago cuestión de entrar al aire a
las 19:00 en punto.
Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito)
CRÉDITOS FINAIS
PORTUGUÊS ESPANHOL Categoria / Estratégia
Isso que eu tô fazendo é uma política. Lo que estoy haciendo es política. Sistema linguístico / omissão
(pronome sujeito) / neutralização
(verbo pleno)
Àqueles que tão preso. A prisão não é
perpétua.
A aquellos que están presos. La prisión no es
perpetua.
Sistema linguístico /
neutralizaçãos (verbo pleno) /
(marcação de plural)
...que urubu quando tá azarado, o
debaixo caga no de cima.
Gallinazo con mala suerte desde abajo caga al
de arriba.
Escolha lexical
Ela foi encontrada na noite de terça-feira na Estação de Itaquera
La policía la encontro la noche del martes... Sistema linguístico / omissão (referência de lugar)
Valeu. Boa tarde. Com quem eu falo? Bien, buenas tardes. ¿Con quién hablo? Sistema linguístico / omissão (pronome sujeito)
Vamos dar início ao “Uai Rap Soul” hein.
Vamos dar inicio al “Uai Rap Soul” ¿bueno? Transferência.