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  BRAYAN LEE THOMPSON ÁVILA A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS CANÔNICAS DE JOHANN MORITZ RUGENDAS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA DOS ENSINOS FUNDAMENTAL E MÉDIO (1965- 2007) Londrina 2012

A Utilização de Imagens Canônicas de Johan Mortiz Rugendas Nos Livros Didáticos de História Dos Ensinos Fundamental e Médio (1965-2007) - Brayan Lee Thompson Ávila

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Catecismo Da Igreja Católica - Melhor Versão

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  • BRAYAN LEE THOMPSON VILA

    A UTILIZAO DE IMAGENS CANNICAS DE JOHANN

    MORITZ RUGENDAS NOS LIVROS DIDTICOS DE

    HISTRIA DOS ENSINOS FUNDAMENTAL E MDIO (1965-

    2007)

    Londrina

    2012

  • BRAYAN LEE THOMPSON VILA

    A UTILIZAO DE IMAGENS CANNICAS DE JOHANN

    MORITZ RUGENDAS NOS LIVROS DIDTICOS DE

    HISTRIA DOS ENSINOS FUNDAMENTAL E MDIO (1965-

    2007)

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Departamento de Histria da Universidade Estadual de Londrina. Orientador: Prof. Dr Marlene Rosa Cainelli

    Londrina 2012

  • BRAYAN LEE THOMPSON VILA

    A UTILIZAO DE IMAGENS CANNICAS DE JOHANN

    MORITZ RUGENDAS NOS LIVROS DIDTICOS DE

    HISTRIA DOS ENSINOS FUNDAMENTAL E MDIO (1965-

    2007)

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Departamento de Histria da Universidade Estadual de Londrina.

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________

    Prof. Dr Marlene Rosa Cainelli Universidade Estadual de Londrina

    ____________________________________

    Prof. Dr Alberto Gawryszewski Universidade Estadual de Londrina

    ___________________________________

    Prof. Dr Mrcio Santos de Santana Universidade Estadual de Londrina

    Londrina, 05 de Dezembro de 2012.

  • DEDICATRIA

    Ivone Martins vila e

    Mercedes Tutti Vieira vila

  • AGRADECIMENTOS

    Londrina, 25 de Outubro de 2012.

    Eu comeo esses agradecimentos pedindo desculpas a ABNT pela quebra de uma de suas normas, eu acredito que esse agradecimento foge totalmente de suas normas, mas eu penso que esta parte deste trabalho aquela mais pessoal e informal, a qual agradeo todos aqueles que contriburam nessa longa jornada que a elaborao de um Trabalho de Concluso de Curso.

    Primeiro, eu agradeo a Deus, que me abenoou ao possibilitar fazer esse curso e me abenoar e iluminar nesta longa caminhada de quatro anos.

    Minha famlia tem um papel importante nessa jornada, principalmente minha Me Ivone Martins vila e minha Av Paterna Mercedes Tutti Vieira vila, as quais este trabalho dedicado, duas mulheres lutadoras e carinhosas. Mas no esqueo meu Pai, Carlos Magno vila, aos meus quatro irmos Ericsson, Guilherme, Gabriel e Amanda, encerrando a parte familiar, mas no menos importante, aos meus tios Celso Nakano, Iolanda vila Faria e Benedito Faria, agradeo-lhes por ter me ajudado ou me suportado. E aqui uma meno especial uma senhora chamada Dona Iara, que em uma hora difcil auxiliou minha famlia.

    Recentemente, o Professor Ronaldo Cardoso Alves disse em uma conferncia que a Professora Doutora Marlene Rosa Cainelli possuiu uma grande generosidade acadmica, eu compartilho desta opinio do Professor Ronaldo, portanto assim eu agradeo a minha orientadora de Trabalho de Concluso de Curso ( e de Estgio Obrigatrio, e de PIBID tambm) por ter aceitado me orientar nesse tema, pela sua preciso na correo dos erros que eu cometi e na f neste trabalho. Muito Obrigado, voc foi uma orientadora de ouro.

    Eu quero agradecer tambm a algumas pessoas especiais, sem as quais eu no estaria na UEL. A Cleide Solinger Marques e sua famlia, nas conversas com ela que eu descobri que queria ser Professor; a Wellington Aguileira Pereira, que tolerou minhas conversas sobre Histria durante anos; aos professores Fbio Chagas, Camila Tozatti, e Nlia Edna Miranda Batisti, pela sua dedicao ao magistrio que serviram como exemplo e a Jucinet e Railson Cesar Cardoso, por ser o motor de uma mudana de atitude na minha vida que me levou a onde estou agora. Muito Obrigado a todos vocs

  • Aos meus amigos em especial, quase irmos: Mariana de Mello Arrigoni, Karina Verlingue Lisboa, Andr Marques de Oliveira, Rodrigo Binati, Carlos Henrique Ferreira e Lucas Bucchile, pelo apoio, companhia e as agradveis conversas nesses quatro anos maravilhosos. E aos meus parceiros de Estgio Obrigatrio Cintia Cristiane e Caio Ferrari pela fora e colaborao.

    Aos meus colegas de PIBID, pelos bons momentos em Curitiba, Campinas e Maring e pela valiosa experincia nesse ano e meio de projeto, liderado pela j mencionada Prof. Marlene Rosa Cainelli, e auxiliado pelos professores Prof. Danillo Ferreira de Brito, Prof. Elizabete Tomazini e Prof Giane Souza Silva, Aline Apolinrio Furtunato,Amabile Emanuele Augusta Sperandio,Ana Paula Anunciao,Anne Isabelle Vituri Berbert,Bruno Paviani,Cinthia Torres Aranha,Henrique Bueno Bresciani,Jemima Fernandes Simongini,Marcela Taveira Cordeiro e Thaisa Lopes Ferreira.

    Tambm agradeo aos meus grandes amigos de longa distncia da Geek Pride, pelos momentos maravilhosos vivenciados em trs oportunidades entre 2011 e 2012, principalmente a Estela Camargo, mais conhecida como Estelinha, a Laissa Ramos e Luis Henrique Teixeira Reis; Renato Massaro, Allan Brando, Carlos Oliveira, Gustavo Prado Nunes, Lais Faria Alves,Bia Duwe, Manoel Paulo, Victor Fragoso e a todos os amigos deste grande grupo de amigos que esto nos quatro cantos do Brasil.

    Agradeo aqui tambm a todos os professores do Departamento de Histria da Universidade Estadual de Londrina, profissionais competentes e dedicados, em especial ao Prof. Dr Alberto Gawryszewsky pela oportunidade de participar durante o ano de 2010 do LEDI, ao Prof. Dr Gilmar Arruda e a Prof. Dr. Marcia Elisa Tete Ramos estendendo aqui tambm aos funcionrios tcnico-administrativos da UEL, em especial a Fumiko Kayano e a Celina Negro.

    Aqui deixo um especial agradecimento ao Centro de Documentao e Pesquisa Histria da UEL, comandado pelo Professor Dr Marco Antonio Neves Soares e seus auxiliares: Priscila Perrud, Paulo Srgio Sato, Naor Franco, no auxlio na pesquisa dos livros didticos presentes em seu acervo.

    Encerro aqui os agradecimentos com um muito obrigado a todos os meus colegas da 46 Turma de Histria da Universidade Estadual de Londrina, aqueles que um dia escreveram alguma coisa sobre Histria e a todos aqueles que eu esqueci de mencionar neste longo agradecimento.

    Atenciosamente

    Brayan Lee Thompson vila

  • No cabe a ns decidir o que certo ou errado. A ns cabe apenas decidir o que fazer com o tempo que ns dado... John Ronald Reuel Tolkien no livro Senhor dos Anis: A Sociedade dos Anis

  • AVILA, Brayan Lee Thompson. A utilizao de imagens cannicas de Johann Mortiz Rugendas nos livros didticos de histria dos ensino fundamental e mdio (1965-2007). 2012. 68f. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Histria) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

    RESUMO

    Esta pesquisa tem como objetivo de estudo a utilizao das imagens cannicas (SALIBA,1999) de Johann Mortiz Rugendas nos livros didticos de Histria no perodo de 1965 e 2007, tentando entender como essas imagens produzidas um sculo antes da elaborao destes livros esto sendo apropriadas (CHARTIER,2001) e quais ideias essas imagens esto ajudando a legitimar ou refutar. A partir do conceito de BITTENCOURT (2002) que entende o livro didtico como mercadoria. Tambm observa-se como os contextos histricos, principalmente no campo do Ensino de Histria, influenciam na elaborao dos livros didticos. A metodologia de analise adotada foi observar onde e que tipo de narrativa as imagens de Rugendas esto inseridas. Os resultados obtidos apontam para uma apropriao (CHARTIER,2001) nas dcadas de 60 e 70 das imagens num discurso cuja influncia remonta a Gilberto Freyre. Nas dcadas de 80 e 90, essas imagens cannicas foram usadas para desconstruir o discurso das dcadas de 60 e 70, nos anos 2000 refora-se essa desconstruo nos livros didticos, principalmente com a Lei 10639/03, que fala sobre o Ensino de Histria da frica. Percebeu-se no trabalho de investigao das fontes que os livros didticos foram utilizados como mercadoria pois, sofreram modificaes e adaptaes para atender ao mercado consumidor.

    Palavras-chave: Johann Mortiz Rugendas. Imagens Cannicas. Livros Didticos. Processo de Apropriao. Ensino de Histria

  • AVILA, Brayan Lee Thompson. Use of canonicals images of Johann Mortiz Rugendas on History textbooks of Elementary and High School (1965-2007). 2012. 68f. Course completion assignment (Graduation in History) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

    ABSTRACT

    This research has as its object of study the use of canonicals images (SALIBA,1999) of Johann Mortiz Rugendas on History textbooks from 1968 to 2007, trying to understand how these images produced 100 years before the preparation of the books are being appropriate (CHARTIER,2001) and which ideas these images are helping to legitimize or refute. Starting from the concept of BITTENCOURT (2002), that understands the textbook as a commodity. Also it is observed how the historical contexts, especially in the field of History Teaching, influencing the development of textbooks. The analysis methodology adopted was to observe where and what type of narrative the images of Rugendas are inserted. The obtained results indicate a appropriate (CHARTIER,2001) in the 1960s and 1970s of the images in a speech whose influence goes back to Gilberto Freyre ideas. In the years 1980s and 1990s the Canonicals imagens are used to deconstruct the speech from the years 1960s and 1970s. At the 2000s years, is strengthened this deconstruction in textbooks, particularly with the Act 10.639/03, which speaks about the Africa History Teaching. It became evident that the sources validate the concept of textbooks as commodity (BITTENCOURT,2002), since all books used just suffered adaptations to suit the audience it was intended.

    Key words: Johann Moritz Rugendas. Canonicals Images. History textbooks. Appropriation

    Process. History Teaching

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Trabalho forado de negras escravas .................................................... 37

    Figura 2 Recoute du Caf..................................................................................... 38

    Figura 3 Transporte de um comboio de escravos ................................................ 42

    Figura 4 Castigos Domsticos no livro de Hollanda ............................................. 43

    Figura 5 Chatimens Domestiques - Rugendas ..................................................... 44

    Figura 6 Junta Governativa de Pernambuco ........................................................ 47

    Figura 7 Vila Real de Sabar ................................................................................ 47

    Figura 8 Venda no Recife ..................................................................................... 47

    Figura 9 Navio Negreiro........................................................................................ 53

    Figura 10 Transporte de um comboio de escravos no livro de Ordoez .............. 54

    Figura 11 Capito-do-Mato no livro de Apolinrio ................................................ 58

    Figura 12 Jogar Capoera ou danse de la guerre .................................................. 62

    Figura 13 Danse Landu ........................................................................................ 62

    Figura 14 Costumes de Rio Janeiro ..................................................................... 63

    Figura 15 Costumes de San Paulo ....................................................................... 63

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................................ 12

    2 LIVRO DIDTICO DE HISTRIA: ENTRE TEXTOS E IMAGENS ......................................................... 14

    2.1 O LIVRO DIDTICO COMO FONTE PARA A PESQUISA EM HISTRIA .................................................. 14

    2.2 AS IMAGENS E OS LIVROS DIDTICOS ............................................................................................. 16

    2.3 UMA CONTEXTUALIZAO DO LIVRO DIDTICO PBLICO NO BRASIL .................................................... 21

    2.4 O LIVRO DIDTICO DE HISTRIA: UM DEBATE CONCEITUAL ................................................................ 23

    2.5 O LIVRO DIDTICO DE HISTRIA E AS IMAGENS CANNICAS A PARTIR DE UMA HISTRIA DA LEITURA ......... 27

    3 AS IMAGENS DE RUGENDAS NOS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA ............................................. 32

    3.1 CONSIDERAES PRELIMINARES SOBRE A ANLISE DAS FONTES .......................................................... 32

    3.2 CONTEXTUALIZAO DAS IMAGENS UTILIZADAS NOS LIVROS DIDTICOS. .............................................. 34

    3.3 COMPNDIO DE HISTRIA DO BRASIL (1965) ................................................................................. 36

    3.4 HISTRIA DO BRASIL ESTUDOS SOCIAIS (1974) ............................................................................ 40

    3.5 HISTRIA DO BRASIL: DA COLNIA REPBLICA (1989) ................................................................. 45

    3.6 HISTRIA BRASIL: A MONARQUIA E A REPBLICA (1999) ............................................................. 51

    3.7 PROJETO ARARIB HISTRIA (2007) .......................................................................................... 56

    4 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................................ 61

    5 REFERNCIAS ................................................................................................................................. 65

    5.1 FONTES .................................................................................................................................... 65

    5.2 BIBLIOGRAFICA .......................................................................................................................... 65

  • 12

    1 INTRODUO

    Quando se abre um livro didtico qualquer, numa pgina aleatria, a

    possibilidade de se deparar uma imagem ilustrando a narrativa sobre um perodo

    histrico qualquer certa, imagens iconogrficas ou fotografias, elas esto

    sempre presentes nos materiais didticos desde os primeiros anos do ensino

    fundamental at as apostilas pr-vestibulares. A Utilizao dessas imagens no

    est dissociada de nosso contexto, as sociedades humanas no ultimo meio

    sculo se caracterizou por ser uma sociedade com uma forte ligao com as

    imagens.

    Entretanto, os usos das imagens iconogrficas nos livros didticos trs

    consigo Uma questo importante que a forma de apropriao dessas imagens

    nas narrativas destes materiais didticos. Devemos ter em mente que certas

    imagens, como algumas que fonte deste trabalho, foram elaboradas em um

    determinado contexto, com ideias, propsitos e problemas prprios, e que com

    as mudanas ou rupturas do processo histrico podem sofrer mudanas ou at

    serem consideradas equivocadas, cuja falta de problematizao ou

    questionamento em sala de aula no momento de utilizao do livro pode

    acarretar na reproduo de ideias que podem ter sido modificadas por trabalhos

    historiogrficos posteriores produo destas imagens.

    a partir desta questo que se guia este trabalho, ou seja, observar como

    foram utilizadas as imagens de cunho cannico de Rugendas nos livros didticos a

    partir da dcada de sessenta do sculo XX at os dias atuais, isto , como imagens

    produzidas entre 100 a 150 anos antes, foram utilizadas na construo das

    narrativas histricas de cunho didtico, e principalmente, quais ideias,

    intrinsecamente ou no, esto associadas utilizao das imagens rugenianas.

    Todavia, devemos ter em mente que nem sempre aquilo que est presente no livro

    didtico ser realmente trabalhado pelo professor ou reproduzido pelo aluno, cuja

    temtica nos remete ao campo da recepo dos livros pelos leitores, abordado por

    Roger Chartier e Robert Darnton em seus trabalhos relativos a histria da leitura.

  • 13

    Deve-se ressaltar que ao optar por se utilizar neste trabalho de pesquisa das

    concepes da histria da leitura e dos livros para investigar como se organizam as

    prticas de apropriao (CHARTIER, 2001) das imagens nos livros didticos, se

    justifica pelo fato que o livro didtico uma das fontes que sero trabalhadas nesta

    pesquisa juntamente com as imagens de Rugendas. Permitindo assim uma frtil

    reflexo a respeito da natureza da Histria como discurso acerca da realidade e

    ainda de como o historiador exerce o seu ofcio para compreender tal realidade.

    O presente trabalho se divide em duas partes, uma terica-metodolgica e

    contextual, onde se desenvolver as ideias que vo nortear a segunda parte, o

    trabalho com os livros didticos a partir das imagens de Rugendas, tendo o foco em

    trs temticas especficas: Os livros didticos (sua contextualizao no Brasil, os

    conceitos acerca deste material), As imagens (como ocorre a nossa relao com as

    imagens na contemporaneidade e como isso ocorre dentro dos livros didticos, o

    conceito de imagens cannicas) e de que maneira estes dois podem ser trabalhados

    a luz da Histria da Leitura.

    A segunda parte do trabalho a analise de fontes, que foi guiado pela

    proposta de temporalidade do Ensino de Histria do Brasil elaborada por Maria

    Auxiliadora Schmidt (2012), tambm nesta parte contextualizado Johann Moritz

    Rugendas, evidenciando que suas pinturas foram feitas em um contexto histrico

    muito diverso (Sculo XIX) daquele em que os livros didticos que lanam mo

    destas imagens foram elaborados (Segunda metade do Sculo XX).

    Alm disso, o trabalho com as fontes se guiou pela contextualizao da

    produo dos materiais didticos em seu tempo, por se tratar de um relativo extenso

    perodo (42 anos entre a produo do primeiro e do ultimo livro usado como fonte)

    onde o Ensino de Histria do Brasil sofreu vrias mudanas de propostas

    curriculares, mtodos, fontes e objetivos, que acabam influenciando a produo

    destes livros didticos.

    Ao final, apresentamos um resumo reflexivo sobre as principais ideias

    essenciais a este e algumas concluses a partir da leitura das fontes e da utilizao

    das imagens cannicas de Rugendas.

  • 14

    2 LIVRO DIDTICO DE HISTRIA: ENTRE TEXTOS E IMAGENS

    2.1 O LIVRO DIDTICO COMO FONTE PARA A PESQUISA EM HISTRIA

    Os manuais escolares fazem parte da vida escolar de milhes de estudantes

    brasileiros todos os dias, principalmente pelo fato de ser um material didtico de fcil

    acesso a esses estudantes, isso fica evidente ao se observar os dados de

    distribuio dos livros didticos do governo federal, feito pelo PNLD (Plano Nacional

    do Livro Didtico), o ltimo PNLD (de 2012), mostram que foram entregues

    aproximadamente 163 milhes de livros, para os ensinos bsico, mdio e de jovens

    e adultos. Ou seja, so aproximadamente trs livros para cada estudante

    matriculado no sistema escolar brasileiro e este nmero pode ser maior se nessa

    conta entrasse os livros e apostilas utilizadas somente a nvel estadual, portanto o

    acesso aos estudantes da rede pblica a esse material didtico bem facilitado pela

    poltica pblica de livros didticos do governo federal.

    Mesmo sendo um objeto de discrdia com relao ao seu uso em sala de

    aula entre professores e pesquisadores da rea de educao e de Histria, o livro

    didtico o material referencial dos professores, pais e alunos, sobre isso a

    professora e pesquisadora Circe Bittencourt diz:

    O livro didtico [...] continua sendo o material didtico referencial de professores, pais e alunos que, apesar do preo, consideram-no referencial bsico para o estudo; e no inicio do ano letivo as editoras continuam colocando no mercado uma infinidade de obras, diferenciadas em tamanho e qualidade. (BITTENCOURT, 2002, p.71).

    Portanto, o trabalho com os livros didticos como fonte para a pesquisa em

    histria se justifica por ser um material de grande disseminao e utilizao nas

    escolas, sendo um material de grande emprego no dia-a-dia dos estudantes

    brasileiros, seja como material de referncia de seus estudos, ou para outros usos

    diversos e tambm por ser tratar de um documento histrico que trabalha outras

    temporalidades e espaos com os problemas de seu tempo.

  • 15

    A utilizao dos livros didticos, e das imagens presentes neles, como fonte

    para a pesquisa histrica s foi possvel graas a uma nova concepo

    metodolgica que surgiu na Frana em 1929, denominada de Nova Histria. A partir

    desta nova abordagem historiogrfica, passou a existir uma diversificao no

    conceito de fonte histrica, bem como uma dinamizao no objeto de estudo do

    pesquisador.

    Nesta perspectiva, tornou-se vivel estudar aspectos que at ento no eram

    mencionados nas academias, ampliou-se viso dos agentes elaboradores da

    histria, e consequentemente abandonou-se a noo tradicional da narrativa

    histrica para buscar uma histria problema, isto esclarecido por Peter Burke:

    [...] A nova histria comeou a se interessar por virtualmente toda a atividade humana. [...] Nos ltimos trinta anos nos deparamos com vrias histrias notveis de tpicos que anteriormente no se havia pensado possurem, como por exemplo, a infncia, a morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira, os gestos, o corpo. [...] O que era previamente considerado imutvel agora encarado como uma construo cultural , sujeita a variaes, tanto no tempo quanto no espao. (BURKE, 1992, p. 11).

    No Brasil, a utilizao do livro didtico como fonte de pesquisa histrica torna-

    se mais recorrente a partir do final dos anos 80 e inicio dos anos 90, a professora

    Knia Hilda Moreira, em seu mapeamento sobre a utilizao dos livros didticos

    como fontes de pesquisa acadmica em histria da educao, especificamente em

    relao Teses e Dissertaes, vai dizer que a data de publicao da maioria desses

    trabalhos encontrados em sua pesquisa se concentra em fins da dcada de 80, na

    dcada de 90 e no inicio do sculo XXI.

    Moreira fala tambm que se ampliar o foco somente nos trabalhos que se

    limitam a estudar os livros didticos em um perodo anterior investigao teremos

    os seguintes resultados:

    [...] todos os trabalhos que apresentaram um determinado perodo de investigao anterior ao da publicao e localizamos 18 autores: Lus Resnik (1992), Circe M. F. Bittencourt (1993), Dcio Gatti Jr. (1998), Maria das Graas A. Bandeira (1996), Ciro Flavio de Castro Bandeira Melo (1997), Kazumi Munakata (1997), Maria Auxiliadora Gadelha da Cruz (2000), Mauricio Demori (2000), Stella Maris Scatena Franco Vilardaga (2001),

  • 16

    Arlete Gasparello (2002), Eduardo Antonio Bonzatto (2004), Renilson Rosa Ribeiro (2004), Dagmar Maria Gomes da Silva (2004), Carina Caldas (2005), Julio Maria Neres (2005), Rosimeri da Silva Pereira, (2005) e Maria Aparecida Leopoldino Tursi Toledo (2005) (MOREIRA, 2012, p.133).

    Observando esses dados apresentados por Moreira, pode se observar que a

    maioria dos trabalhos esto datados entre os anos 90 do sculo XX e os primeiros

    anos do sculo XXI. Portanto evidencia-se que a utilizao do livro didtico como

    fonte para a pesquisa em histria bastante recente, mas apesar de ser recente,

    mostra-se tambm o grande nmero de trabalhos que se utilizam do livro como fonte

    para a pesquisa em histria.

    2.2 AS IMAGENS E OS LIVROS DIDTICOS

    Se um historiador daqui a quatrocentos anos for estudar a sociedade dos

    sculos XX e do inicio do sculo XXI provavelmente ir ver como sua principal

    caracterstica a ampla difuso das imagens no cotidiano, as imagens esto por todos

    os lados, seja nas ruas, na televiso, nos jornais, nos principais sites da Internet e

    em sua nova dimenso, as Redes Sociais. Entretanto as imagens no so uma

    inveno dos ltimos 120 anos, elas existem desde o perodo em que o homem vivia

    nas cavernas, porm foi a partir da segunda metade do sculo XX em que o mundo

    comeou a conviver de uma forma mais intensa e a tambm criar uma relao de

    dependncia com as imagens, que com o passar das dcadas e o aperfeioamento

    das telecomunicaes comeou a gerar imagens cada vez mais rpidas mais bem

    definidas e mais vivas. (PAIVA, 2002).

    Para historiador Eduardo Frana Paiva, inovaes recentes como a Internet

    aumentaram essa utilizao no cotidiano das imagens: O mundo se torna mais

    prximo a partir dessa nova realidade. A banalizao dos computadores e o advento

    da Internet, muito mais recente, acentuaram essa revoluo, assim como o culto das

    imagens entre ns. (PAIVA, 2002, p.101).

    Paiva escreveu em 2002, onde a Internet tinha uma boa difuso a nvel

    mundial, dez anos depois, a quantidade de usurios da Internet passou de 275

  • 17

    milhes para 2 bilhes de pessoas conectadas, alm disso dentro da Internet

    ocorreu uma revoluo que acentuao a utilizao e o culto das imagens falado por

    Paiva, que so as Redes Sociais1 onde se observa uma grande utilizao e

    divulgao de imagens.

    A utilizao dessas imagens em nosso cotidiano, acentuada pela Internet, nos

    leva a concluso que a nossa sociedade tem uma relao emocional com as

    imagens, isto , determinados aspectos das imagens nos fazem despertar

    determinadas emoes, Elias Thom Saliba ressalta essa relao emocional com as

    imagens e diz:

    Nossa relao com as imagens, cannicas ou no cannicas, sempre uma relao emocional, H, em primeiro lugar, a emoo que experimentamos ou no ao ver uma imagem; em segundo lugar, a emoo daquele que faz a imagem; e por ultimo, mas no menos importante, a reao emocional daquele que objeto da imagem. (SALIBA, 1999,p.449).

    Saliba, ao falar da emoo proporcionada pelos elementos presentes na

    imagem, trs a tona um importante conceito para este trabalho, que de Imagens

    Cannicas, que as imagens padro ligadas a conceitos-chaves de nossa vida social

    e intelectual, essas imagens so pontos de referncia inconscientes, sendo,

    portanto, decisivas em seus efeitos subliminares de identificao coletiva. So

    incorporadas em nosso imaginrio coletivo, e as identificamos rapidamente.

    (SALIBA, 1999, p.5). Uma caracterstica dessas imagens cannicas sua ampla

    difuso, principalmente nos livros didticos de histria. Saliba ressalta que esse

    conceito surgiu em uma de suas aulas onde foi exibida a imagem do Cristo bizantino

    sem barba, causando uma forte reao emocional em seus alunos e fazendo que o

    contedo de Imprio Bizantino ficasse relacionada aquela imagem:

    [...] ou seja, quase tudo aquilo que o lhes havia ensinado nas aulas, era associado quela imagem. Depois desta experincia didtica, passei a chamar tais de imagens de cannicas, at porque elas sempre exigiram, de forma inconsciente, uma atitude de f e de crena do que qualquer outra coisa mais racional. (SALIBA, 1999, p.438)

    1 Entendemos redes sociais como as relaes entre dois ou mais indivduos na comunicao mediada por

    computadores conectados internet.

  • 18

    Com as concepes de fonte proporcionadas pela Nova Histria a partir de

    1929, a noo que se tem da iconografia enquanto documento histrico sofreu uma

    mudana de paradigma. , As imagens, para o historiador, no so tomadas mais

    como simples ilustraes, figuras, gravuras e desenhos, que servem para

    deixar um texto mais colorido, menos pesado e mais chamativo para o pequeno

    leitor ou mesmo para o adulto, pelo contrrio, a Iconografia tomada como registro

    histrico. (PAIVA, 2002). Portanto, um registro histrico rico, pelo motivo que nela

    esto embutidas as escolhas do produtor e todo o contexto no qual foi concebida,

    idealizada, forjada ou inventadas. (PAIVA, 2002)

    Mas o que justifica a utilizao dessas imagens nas narrativas dos livros

    didticos? Bittencourt vai dizer que a utilizao das imagens dos livros didticos se

    justifica tradicionalmente tendo como justificativa a concretizao de contedos

    abstratos, tais como a de tempo histrico, proporcionando aos alunos formas de

    presenciar outras experincias no vivenciadas por eles. (2002, p.70).

    Entretanto, Paiva ressalta um problema que esse discurso tradicional de

    utilizao das imagens aparentemente ignora, que a questo da problematizao

    destas imagens, tem um contexto prprio de produo, e nelas esto inseridos os

    problemas e as questes das temporalidades em que foram feitas, sem uma

    problematizao, essas imagens passam a ser uma verdade absoluta,

    possibilidade que PAIVA (2002) refuta:

    A Imagem no o retrato de uma verdade, nem a representao fiel de eventos ou de objetos histricos, assim como teriam acontecido ou assim como teriam sido. Isso Irreal e muito pretencioso. A Histria e os diversos registos histricos so sempre resultados de escolhas, selees e olhares de seus produtores e dos demais agentes que influenciaram essa produo. (p. 20)

    Paiva prope que na utilizao dessas imagens cannicas, seja em sala de

    aula ou nos livros didticos, sejam feitas as perguntas que caracterizam o inicio de

    todos os nossos trabalhos e de nossas reflexes (Quando, Onde, Quem, Para

    quem, Para que, Por que e Como) e deve-se acrescentar questes relativas as

  • 19

    apropriaes que essas imagens sofreram e sobre os silncios, as ausncias e os

    vazios que sempre compem o conjunto e que nem sempre so facilmente

    detectveis. (PAIVA, 2002). A ausncia dessa metodologia de anlise e

    problematizao so perigosas pelo motivo que essas imagens viram apenas

    figurinhas e ilustraes, e pior, emprestam-lhes um estatuto equivocado e

    prejudicial ao conhecimento histrico. [...] ao estatuto da prova e de verdades

    irrefutveis. (PAIVA, 2002, p.19)

    A utilizao das imagens, seja elas fotografias, pinturas, charges, cartazes,

    entre outros, muito disseminada nos materiais didticos contemporneos, e como

    BITTENCOURT (2002), afirma que os livros didticos so considerados como

    material referncia para pais, alunos professores, faz necessrio entender como

    feita a apropriao dessas imagens nas narrativas desses livros didticos em

    variadas temporalidades.

    Entretanto, a utilizao dessas imagens no obedece somente a um carter

    didtico, pelo contrrio, segundo Bittencourt, ela atende tambm a interesses

    mercadolgicos, porque o livro didtico uma mercadoria como outra qualquer, e

    tambm diz:

    O Carter mercadolgico e as questes tcnicas de fabricao da obra didtica interferem no processo de seleo e organizao das imagens e delimitam os critrios de escolham, na maioria das vezes, das ilustraes. (BITTENCOURT, 2002, p.76).

    Uma questo relevante, que h outros sujeitos inseridos dentro da produo

    dos livros didticos, nas ultimas dcadas, o autor vem perdendo sua autonomia em

    relao a escolha das imagens que ilustram os livros didticos, a diagramao e a

    deciso de quais imagens vo estar presentes nesses manuais feita por tcnicos e

    profissionais especializados em imagens, aqui voltamos a questo do carter

    mercadolgico do livro enfatizado por Bittencourt, que sobre isso diz:

    A Questo da ilustrao dos livros est relacionada, assim, aos aspectos mercadolgicos e tcnicos que demonstram os limites do autor do texto quando observamos os livros tambm como um projeto fabricado, a

  • 20

    diagramao e a paginao do livro so estabelecidos por um profissional especializado e, dessa forma, os caracteres, a dimenso, as cores, das ilustraes enfim so decises de tcnicos, de programadores visuais, sendo que o autor pouco ou nada interfere, na maior parte das vezes, na composio final do livro [...] Hoje existem especialistas em pesquisa iconogrfica contratados pelas editoras para desenvolverem essa parte especfica da produo do livro (BITTENCOURT,2002,p.77).

    Outro problema que justifica a pesquisa da utilizao dessas imagens nos

    livros didticos que em relao aos significados e valores que determinadas

    temporalidades do a essas imagens, deve-se ficar claro que ao ser lida ou utilizada,

    a posteriori pelo historiador, pelo especialista e pelo leigo reconstruda a cada

    poca, e a ela, vai se agregando, em seu conjunto e detalhes, valores e significados

    que mudam com as pocas. Por isso mesmo as imagens podem despertar maior ou

    menor interesse em cada momento histrico, de acordo com a apropriao que se

    faz delas. (PAIVA, 2002, p. 20)

    O historiador Eduardo Frana Paiva, sobre a utilizao a posterior de imagens

    diz que:

    [...] ler uma imagem sempre pressupe partir de valores, problemas, inquietaes e padres do presente, que, muitas vezes, no existiram ou eram muito diferentes no tempo da produo do objeto, e entre seus ou seus produtores. (2002, p.31).

    Isso ressaltado por Saliba quando diz que as imagens so um produto,

    encomendado por algum, com problemas e questes de seu perodo, isto , as

    imagens na tela foram colocadas l por algum, as imagens no so feitas

    gratuitamente, mas por algum que ganha a vida fazendo imagens e que obedece a

    um certo nmero de regras e limitaes. (SALIBA, 1999) e ainda diz:

    cada vez mais necessrio questionar as imagens cannicas mostrando, ao mximo, por que e como foram inventadas, que necessidades coletivas elas atenderam e sobretudo, perguntar, juntamente com os alunos: por que, afinal, as imagens alternativas no chegaram at ns? (SALIBA,

    1999,p.445).

  • 21

    Portanto, pesquisar a insero dessas imagens dentro das narrativas dos

    livros didticos, se justifica por duas razes, pelo fato de que existem vrios sujeitos

    na produo e insero dessas dentro dos livros, como dito por BITTENCOURT

    (2002), pelo fato do livro ser uma mercadoria, outra justificativa que as

    apropriaes das imagens mudam com as pocas, isto , os significados e os

    valores criados em cima de imagens como A primeira missa de Victor Meirelles 2, se

    modificam com o passar dos anos, e que, na maioria das vezes, so bem diferentes

    daqueles valores colocados no perodo de produo dessa imagem.

    2.3 UMA CONTEXTUALIZAO DO LIVRO DIDTICO PBLICO NO BRASIL

    Segundo Neli Klix Freitas e Melissa Haag Rodrigues (2008) A trajetria para

    que os livros didticos, dicionrios, obras literrias e livros em Braille de carter

    pblico chegassem at as escolas brasileiras teve incio em 1929, com a criao de

    um rgo especfico para legislar sobre polticas do livro didtico, o Instituto Nacional

    do Livro (INL). Seu objetivo era contribuir para a legitimao do livro didtico

    nacional e, consequentemente, auxiliar no aumento de sua produo.

    O primeiro passo havia sido dado, mas demorou algum tempo para seguir

    adiante, pois apenas em 1934, no governo do presidente Getlio Vargas, o INL

    recebeu suas primeiras atribuies, como editar obras literrias para a formao

    cultural da populao, elaborar uma enciclopdia e um dicionrio nacionais, que

    antes de 1938 eram publicados por editoras privadas, cujos objetivos poderiam ser

    diferentes daqueles que o regime de Vargas queria atingir, e expandir o nmero de

    bibliotecas pblicas.

    Em 1938 o livro didtico entrou na pauta do governo quando foi instituda por

    meio do Decreto-Lei n 1.006, de 30/12/38 a Comisso Nacional do Livro Didtico

    (CNLD) que estabelecia a primeira poltica de legislao para tratar da produo, do

    controle e da circulao dessas obras. Esta comisso possua mais a funo de

    2 O quadro da primeira missa se encaixa no conceito de Imagens cannicas de SALIBA (1999), feito por Vitor

    Meireles, o quadro uma representao do sculo XIX, ressalta-se que alguns detalhes do quadro divergem da primeira missa em si, como no caso do tamanho da cruz. a este respeito ver COLI, Jorge. Primeira Missa e inveno da descoberta. In: NOVAIS, Adauto (Org.) A descoberta do homem e do mundo. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.

  • 22

    controle poltico-ideolgico do que propriamente uma funo didtica. (FREITAS e

    RODRIGUES, 2008, p.3)

    Aps questionamentos sobre a legitimidade desta comisso, em 1945 o

    Estado consolidou a legislao sobre as condies de produo, importao e

    utilizao do livro didtico, restringindo ao professor a escolha do livro a ser utilizado

    pelos alunos, conforme definido no art. 5 do Decreto-Lei n 8.460, de 26/12/45.

    Em 1966 foi realizado um acordo entre o Ministrio da Educao (MEC) e a

    Agncia Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) que

    permitiu a criao da Comisso do Livro Tcnico e Livro Didtico (COLTED). Esta

    comisso tinha como objetivo coordenar as aes referentes produo, edio e

    distribuio do livro didtico, e pretendia distribuir gratuitamente 51 milhes de livros

    no perodo de trs anos. Em relao a este acordo houve diversas crticas por parte

    de educadores brasileiros, pois ao MEC e ao SNEL (Sindicato Nacional de Editores

    de Livros) caberiam apenas responsabilidades de execuo e aos rgos tcnicos

    da USAID todo o controle. (FREITAS e RODRIGUES, 2008, p.3)

    Em 1971 com a extino da COLTED e o trmino do convnio MEC/USAID, o

    INL passou a desenvolver o Programa do Livro Didtico para o Ensino Fundamental

    (PLIDEF), assumindo as atribuies administrativas e de gerenciamento dos

    recursos financeiros.

    Cinco anos depois, em 1976, o INL foi extinto e a Fundao Nacional do

    Material Escolar (FENAME) tornou-se responsvel pela execuo do PLIDEF. Por

    meio do decreto n 77.107, de 4/2/76 o governo iniciou a compra dos livros com

    recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) e com as

    contribuies dos estados. Porm os recursos no foram suficientes para atender

    todos os alunos do ensino fundamental da rede pblica, e a soluo encontrada foi

    excluir do programa a grande maioria das escolas municipais. (FREITAS e

    RODRIGUES, 2008, p.3)

    As mudanas continuaram no ano de 1983 quando, em substituio

    FENAME, foi criada a Fundao de Assistncia ao Estudante (FAE), que incorporou

    vrios programas de assistncia do governo, incluindo o PLIDEF. Houve crticas a

    essa centralizao da poltica assistencialista do governo e, dentre as denncias

  • 23

    estavam a no distribuio dos livros didticos nos prazos estabelecidos, a presso

    poltica das editoras e o autoritarismo na escolha dos livros. J nesta poca props-

    se a participao dos professores na escolha dos livros e a ampliao do programa,

    com a incluso das demais sries do ensino fundamental. interessante observar

    que alguns estados j ofereciam aos seus professores a possibilidade de escolha de

    seus livros didticos. (FREITAS e RODRIGUES, 2008, p.4)

    O atual Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) veio substituir o PLIDEF

    em 1985, com a edio do decreto n 91.542, de 19/8/85. Ele instituiu alteraes

    significativas, especialmente nos seguintes pontos (FREITAS e RODRIGUES, 2008,

    p.4)

    garantia do critrio de escolha do livro pelos professores;

    reutilizao do livro por outros alunos em anos posteriores, tendo como

    consequncia a eliminao do livro descartvel;

    aperfeioamento das especificaes tcnicas para sua produo, visando

    maior durabilidade e possibilitando a implantao de bancos de livros didticos;

    extenso da oferta aos alunos de todas as sries do ensino fundamental das

    escolas pblicas e comunitrias;

    aquisio com recursos do governo federal, com o fim da participao

    financeira dos estados, com distribuio gratuita s escolas pblicas.

    Das inmeras formas experimentadas pelos governantes para levar o livro

    didtico escola durante 67 anos (1929-1996), s com a extino da FAE, em 1997,

    e com a transferncia integral da poltica de execuo do PNLD para o FNDE que

    se iniciou uma produo e distribuio contnua e massiva de livros didticos.

    (FREITAS E RODRIGUES, 2008,p.4).

    2.4 O LIVRO DIDTICO DE HISTRIA: UM DEBATE CONCEITUAL

    Portanto, podemos observar que a utilizao dos livros didticos nas escolas

    pblicas no Brasil vem dos anos 30 do sculo XX, isto , sua utilizao alvo de

  • 24

    polticas pblicas h quase 80 anos. Entretanto, uma questo se faz presente, qual

    seria o conceito de livro didtico ou o que seria um livro didtico?

    Alain Choppin (2004) em seu panorama da histria dos livros e das edies

    didticas define duas grandes categorias de pesquisa envolvendo o livro didtico,

    segundo esse autor, na primeira categoria esto as pesquisas que concebendo o

    livro didtico apenas como um documento histrico igual a qualquer outro, analisam

    os contedos em uma busca de informaes estranhas a ele mesmo ou as que s

    se interessam pelo contedo ensinado por meio do livro didtico (2004, p. 554)

    Na segunda categoria, concentram-se aquelas que, negligenciando os

    contedos dos quais o livro didtico portado (Choppin, 2004, p. 554), o encaram

    como um objeto fsico, um produto fabricado, comercializado e distribudo com usos

    especficos e avaliado a fim de atender as demandas de um contexto determinado.

    Alm disso, CHOPPIN (2004) vai entender os livros didticos, dependendo da

    situao sociocultural, a poca, as disciplinas, os nveis de ensino, os mtodos e as

    formas de utilizao, em quatro funes:

    Funo Referencial: Conhecida como curricular ou programtica,

    desde que existam programas de ensino o livro didtico apenas a cpia fiel

    do programa ou uma das interpretaes possveis desse programa, baseados

    em currculos que foram criados a partir de um jogo de foras sociais

    historicamente determinadas.

    Nesse caso, o livro didtico nada mais um compendio de tudo aquilo que

    considerado necessrio que seja transmitido para as novas geraes.

    Funo Instrumental: Utilizando-se de mtodos de aprendizagem, o

    livro prope atividades ou exerccios, que baseados no contexto, visam a

    facilitar a apropriao de conhecimentos, a aquisio de competncias

    disciplinares, resoluo de problemas.

    Essa funo fruto da funo anterior, os livros didticos so elaborados

    para que os contedos dentro dele tenham a sua transmisso facilitada da

    melhor maneira possvel.

  • 25

    Funo Ideolgica e Cultural: A partir do sculo XIX, com a constituio

    dos estados nacionais e com o desenvolvimento, nesse contexto, dos

    principais sistemas educativos, o livro didtico se afirmou como um dos

    vetores essenciais da lngua, da cultura e dos valores das classes dirigentes.

    Instrumento privilegiado de construo de identidade, geralmente ele

    reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um smbolo da

    soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel poltico.

    (CHOPPIN, 2004. p.553)

    Nesse ponto, Choppin ressalta que os livros didticos tiveram um papel

    fundamental na construo das identidades nacionais, principalmente na

    Europa na metade do sculo XIX e inicio do XX, pois eram o nico recurso

    acessvel para grande parcela crescente de crianas e jovens e na medida

    em que os Estados cresciam e ampliava a rede escolar pblico.

    Esses livros, para essa parcela pobre da sociedade, veiculavam valores e

    comportamentos ditos patriticos, portanto essa uma das funes mais

    antigas do livro didtico: a funo-cultural ideolgica, neste caso dentro do

    contexto da Europa da metade do sculo XIX e inicio do XX.3

    Funo documental: Essa funo se refere ao fato do livro didtico ser

    constitudo de um conjunto de textos, imagens e outros recursos cuja

    finalidade desenvolver o senso crtico dos alunos. Nesse ponto CHOPPIN

    ressalta que essa funo pode ser entendida como uma funo potencial,

    pois sua concretizao vai depender de como o livro ser utilizado pelo

    professor e pelo aluno. (CHOPPIN, 2004. p.554)

    A pesquisadora Circe Bittencourt (2004) diz que os materiais didticos so

    mediadores do processo de aquisio de conhecimento, bem como facilitadores da

    3 Corra, Rosa Lydia Teixeira, O livro escolar como fonte de pesquisa em Histria da Educao

    Cadernos Cedes, ano XX, no 52, novembro/2000

  • 26

    apreenso de conceitos, do domnio de informaes e de uma linguagem especfica

    da rea de cada disciplina.

    Para FERRARO (2011), citando OLIVEIRA (1984) o livro didtico seria um

    mediador da relao entre professor e aluno e como modelo de atuao pedaggica,

    definindo-se como algo que supera a simples noo de seleo e apresentao de

    contedos, devendo ser entendido de modo mais amplo, inserido social e

    politicamente.

    Os livros didticos so considerados por alguns pesquisadores como uma

    ferramenta que media o processo de aprendizado histrico, principalmente pela sua

    linguagem simples e pelas imagens que ele possui que possibilitam compreender

    conceitos e fatos que aconteceram num espao e num tempo que esto muito

    distantes em sua compreenso.

    Entretanto, devem-se olhar os livros didticos alm desse ponto, porque os

    livros didticos em si so um objeto de estudo bastante complexo, principalmente

    pelas funes que ele pode exercer, dependendo do tempo em que ele foi produzido

    e as foras que influenciaram os autores e os editores do livro e como FERRARO

    diz, os livros podem ter um papel de controle do ensino pelos agentes do poder

    (2011, p.3)

    Outro ponto que deve ser observado ao se usar os livros didticos como fonte

    so as interferncias que o livro didtico sofre na sua produo, isso ressaltado

    por BITTENCOURT (2004) que fala que o livro didtico caracteriza-se por ser um

    suporte de conhecimentos escolares, suporte de mtodos pedaggicos, veculo de

    sistema de valores e, tambm, uma mercadoria, a partir desse raciocnio de

    Bittencourt poderamos pensar que uma das caractersticas do livro didtico a

    interferncia na sua produo de diversos sujeitos na sua produo, elaborao,

    realizao, circulao e consumo/uso.

    Conceitualmente, o livro didtico seria um elo que media o conhecimento

    histrico, que facilita a compreenso de conceitos de um determinado contedo,

    entretanto, como objeto, o livro pode ser utilizado como forma de controle do ensino

    pelos agentes do poder e tambm uma mercadoria cuja produo sofre

    interferncias de inmeros sujeitos.

  • 27

    Partindo desses pressupostos, a anlise do livro didtico como fonte para a

    pesquisa em histria deve ir alm somente de seu contedo e investigar todo o

    contexto de sua produo, pois a partir dele podemos observar porque alguns

    contedos foram privilegiados e outros no e o porqu que determinados discursos

    sobre determinados agentes histricos mudam com a passagem do tempo.

    Todavia, para uma melhor compreenso de como se deu o uso dessas

    imagens dentro das narrativas dos livros didticos e refletir como elas foram

    apropriadas, em primeiro plano pelos autores, e em segundo plano pelos alunos e

    pelos professores, ns teremos que passar por uma histria da leitura, no s uma

    histria da leitura, principalmente porque a histria da leitura trabalha os processos

    de mudana e permanncia da utilizao, leituras e apropriaes das imagens

    cannicas, nas narrativas dos livros didticos, mas uma histria dos livros e dos

    textos.

    2.5 O LIVRO DIDTICO DE HISTRIA E AS IMAGENS CANNICAS A PARTIR DE UMA HISTRIA

    DA LEITURA

    Mas, o que seria a histria da leitura? Para Roger Chartier, uma histria da

    leitura, ou para ele mesmo uma histria das leituras e dos leitores, trata-se, da

    Historicidade do processo de apropriao dos textos, cujos modos e modelos variam

    de acordo com os tempos, os lugares, as comunidades. Em outras palavras, pode-

    se entender como o a relao entre os leitores e os textos esto inseridos dentro de

    seus processos histricos, ou como esses textos so utilizados dentro desses

    processos histricos. (CHARTIER. 1991,2002).

    Para Robert Darnton, a histria da leitura, seria uma atividade que envolve

    uma relao peculiar, por um lado o leitor, por outro o texto, embora os leitores e os

    textos tenham variado segundo circunstncias sociais e tecnolgicas, isto , para o

    autor, a histria da leitura seria tambm a relao entre leitor por um lado e texto do

    outro, embora os dois tenham se modificado durante os tempos e as sociedades.

    (DARNTON, 1992, p.233).

  • 28

    Apesar disso, Darnton trs uma questo epistemolgica relevante na relao

    Texto-Leitor, os leitores no costumam estar presente nos documentos. Alm disso,

    ele diz que os documentos histricos raramente mostram os leitores em atividade:

    Poucos deles so ricos o bastante para propiciar um acesso, ainda que indireto, aos elementos cognitivos e afetivos da leitura e alguns poucos casos excepcionais podem no ser suficientes para se reconstrurem as dimenses interiores dessa experincia. (DARNTON,1992,p.203).

    Isso que Darnton afirma, vai de encontro a que Bittencourt diz sobre a

    necessidade de se pesquisar como so feita as leituras das imagens cannicas em

    sala de aula, quando ela diz que pouco se conhece sobre as formas de leitura de

    imagens utilizadas em sala de aula, independentemente do suporte didtico em que

    elas so apresentadas. (BITTENCOURT, 2002, p.77)

    Portanto, uma histria da leitura, a partir desses dois autores, uma histria

    que necessariamente envolver aqueles que so destinados os livros didticos,

    primeiramente os alunos e em segundo plano os professores de histria, e uma

    histria dos textos, incluindo a o seu perodo histrico de produo, que no caso

    deste trabalho envolver quatro dcadas diferentes, e como dito por DARNTON

    (1992) e CHARTIER (2002), os textos e os leitores mudam com os tempos, os

    espaos e as sociedades.

    Uma importante questo em relao leitura e suas mudanas e

    permanncias dos anos 1960 at os primeiros anos do sculo XXI, seria a questo

    da apropriao dos textos (ou imagens no caso deste trabalho) pelas diferentes

    pessoas e os significados que elas podem criar a partir deles.

    CHARTIER (2001,p.78) vai dizer primeiramente que os significados presentes

    nos textos podem variar dependendo daquele se apropria do texto, isto :[...] as

    significaes dos textos, quaisquer que sejam, so constitudas, diferencialmente,

    pelas leituras que se apoderam deles.[...]

    E tambm vai argumentar que outros fatores mudam a forma em que esses

    significados so criados:

  • 29

    [...] os atos de leitura que do aos textos significaes plurais e mveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, ntimas ou pblicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido, no somente pelo autor que indica a justa compreenso de seu texto, mas tambm pelo impressor que compem as formas tipogrficas, seja como um objetivo explcito, seja inconscientemente, em conformidade com os hbitos de seu tempo. (CHARTIER,2001,p.78)

    Inserindo essas ideias dentro das formas de leituras (e da utilizao das

    imagens cannicas), podemos pensar que os significados pensados pelos autores

    dos livros didticos nem sempre so aqueles que so criados pelos alunos e pelos

    professores. Ou indo mais longe, as intenes dos produtores das imagens

    cannicas so bem diferentes daqueles que vo utilizar essas imagens nos livros

    didticos. Sobre isso, Chartier vai dizer que: As prticas de apropriao sempre

    criam usos ou representaes muito pouco redutveis aos desejos ou s intenes

    daqueles que produzem os discursos e as normas. (CHARTIER, 1992, p.223-4).

    Esse ponto ressaltado por Bourdier em seu debate feito com Chartier:

    [...]devemos saber que existem leituras diversas, portanto competncias diferentes, instrumentos diferentes para apropriar-se desse objeto, instrumentos desigualmente distribudos, segundo o texto, segundo a idade, segundo essencialmente a relao com o sistema escolar. [...] (BOURDIER, 2001, p.248).

    BITTENCOURT (2008) evidencia isso ao falar que os livros, que so

    projetados por educadores, editores e autores, possui outra histria nas mos dos

    alunos e professores, principalmente pelo fato da bagagem de leituras e ideias que

    estes possuem e que pode levar a uma mudana de apropriao daquilo que est

    nos livros e Bittencourt complementa:

    Professores, jovens, e crianas eram portadoras de histrias diferentes, eram de regies diversas, cujos valores e ideologias marcaram a leitura que realizavam, mesmo considerando o carter impositivo e diretivo com o que o livro didtico construa o texto a ser lido. (BITTENCOURT, 2008, p.216).

  • 30

    Devemos ter em mente novamente que os produtores das imagens que viriam

    a se tornar cannicas, como Rugendas, Debret ou Meirelles tinham em mente

    problemas e questes relativas a seu tempo quando produziram suas obras que

    posteriormente foram analisadas e reconhecidas por alguns estudiosos como

    representativas de uma determinada sociedade, entretanto quando estas imagens

    vo para os livros didticos, elas tero outros significados, a luz dos problemas do

    tempo de produo destes materiais didticos.

    relevante ressaltar que nem sempre aquilo que pretendido a termos de

    significados pelo autor na produo de seu livro didtico, ser mantido no processo

    de confeco do livro, devemos pensar que existem alguns intermedirios no

    processo de criao at o momento em que o livro didtico chega nas mos do

    alunos, Chartier apesar de no se referir diretamente a obras didticas a

    argumentao de Chartier pode ser utilizada para iluminar a questo ao dizer que

    existem duas distines de intenes de significados:

    Aqueles impostos pela colocao em forma de texto, pelas estratgias de leitura e intenes do autor, e aqueles que resultam da manufatura do livro ou da publicao, produzidos por deciso editorial ou atravs dos processos industriais e dirigidos aos leitores ou as leituras que podem no ter absolutamente nada em comum com as expectativas do autor. (CHARTIER, 1992, p.220).

    E tambm, nem todos os livros (ou imagens) so destinados a todos os

    pblicos, e dependendo daquele que se destina o livro (ou imagens), transforma-se

    a inteno de significado, sobre isso Chartier diz:

    Nessas transformaes colocam-se intenes de pblico ou, mais ainda, intenes de leitura. Quando um texto passa de um nvel de circulao a outro, mais popular, ele sofre certo nmero de transformaes (CHARTIER, 2001, p.236).

    A partir dessas ideias chegamos a um conceito fundamental proposto por

    Chartier o conceito de apropriao que compreende a leitura como uma

    apropriao de dois lados, de um lado, essa apropriao efetua uma atualizao

    daquilo que est no texto (ou imagem) e de outra a interpretao do texto (ou

  • 31

    imagem) como uma mediao atravs da qual o leitor pode operar a compreenso

    de si e a construo da realidade, e que ela uma prtica de mltiplas

    diferenciaes em funo dos meios e das pocas, tambm, da maneira como ele

    lido. (CHARTIER, 1992).

    Pode-se pensar, portanto, que os significados, e as apropriaes que podem

    ser criados a partir dos textos e das imagens trabalhadas nos livros didticos, nem

    sempre sero aquilo que so pretendidos pelos autores, ou por aqueles que esto

    presentes no processo de produo dos livros didticos, quer seja as empresas

    editoriais ou do Estado.

  • 32

    3 AS IMAGENS DE RUGENDAS NOS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA

    3.1 CONSIDERAES PRELIMINARES SOBRE A ANLISE DAS FONTES

    O trabalho com fontes foi norteado a partir de dois conceitos, o primeiro de

    apropriao de CHARTIER (1992) que diz que As prticas de apropriao sempre

    criam usos ou representaes muito pouco redutveis aos desejos ou s intenes

    daqueles que produzem os discursos [...] (CHARTIER,1992, p.223-4) e o segundo

    de BITTENCOURT (2002) ao considerar que o livro didtico uma mercadoria e

    sofre influncias no seu processo de produo.

    A escolha dos livros a serem utilizados partiu da periodizao do Ensino de

    Histria do Brasil proposto por SCHMIDT (2012) que faz essa diviso tendo como

    referncia o conceito de cdigo disciplinar da Histria (2012, p.1) sendo que essa

    periodizao se divide em construo do cdigo disciplinar da histria no Brasil

    (1838-1931); consolidao do cdigo disciplinar da histria no Brasil (1931-1971);

    crise do cdigo disciplinar da histria no Brasil (1971-1984); reconstruo do cdigo

    disciplinar da histria no Brasil (1984-?). (SCHMIDT,2012,p.7).

    A partir dos livros didticos disponveis no acervo do Centro de Pesquisa e

    Documentao Histrica (CDPH), como no h livros do perodo entre 1838 e 1965

    optaram-se por trabalhar as periodizaes entre a construo do cdigo disciplinar

    da histria no Brasil (1931-1971) e a reconstruo do cdigo disciplinar da histria

    no Brasil (1984-?).

    Portanto, as motivaes se trabalhar com livros didticos das dcadas de

    1960 aos primeiros anos do sculo XXI como fonte tentar entender como livros

    diferentes, de temporalidades diferentes se utilizam de imagens que foram

    construdas dentro de um contexto histrico prprio, com objetivos prprios desses

    contextos histricos, que no pode ser o mesmo objetivo a ser atingido por aqueles

    que constroem os livros didticos. Outra motivao em quais discursos essas

    imagens esto inseridas, isto , quais ideias histricas que as imagens de cunho

    cannico esto legitimando em sua utilizao e como o contexto histrico interferiu

    na construo dessas narrativas e consequentemente na utilizao das imagens

    cannicas.

  • 33

    Outra escolha feita foi a de analisar como essas imagens se inserem dentro

    das narrativas dos livros didticos. Entendemos que os livros didticos, imagem e

    texto esto unidos, e, portanto, numa anlise sobre a utilizao de imagens, se faz

    necessrio tambm observar como estas imagens dialogam com a narrativa do livro,

    Saliba sobre isso diz:

    Ao contrrio do que se costuma dizer, a imagem no fala por si s. Penso aqui, nas imagens cruas, sem nenhum comentrio ou legenda. Tais imagens podem interessar, impressionar, seduzir, comover e apaixonar mas, no pode informar. O que nos informa so as palavras, Os historiadores sabem disto quando lidam com arquivos audiovisuais e encontram uma imagem sem data, sem meno de local ou de autor, uma imagem absolutamente intil. (SALIBA, 1999, p.447)

    Isabel Barca (2011) tambm ressalta a importncia da anlise das narrativas,

    ao dizer que nelas podemos observar como o seu autor concebe o passado e

    estabelece ou nega relaes com o presente e o futuro. Mas sobretudo quando

    ela toma a estrutura de um relato consistente que possvel encontrar a seleo e

    uso de fontes para compreender o passado nas suas vrias dimenses, quais os

    sentidos de mudana e de significncia das relaes entre passado, presente e

    futuro. (BARCA, 2011, p.9).

    Portanto, a opo de analisar as narrativas dos livros didticos juntamente

    com as imagens de cunho cannico justifica-se pelo fato que o texto um dos

    suportes da imagem e que a partir das narrativas construdas pelos autores dos

    livros podemos ver como esse seleciona e constri seu sentido do passado, a partir

    das relaes que ele faz com o presente e com o futuro.

    Optou-se por fazer um recorte temporal entre 1965 e 2007 na escolha dos

    livros didticos a serem trabalhados como fonte, justificando-se esse recorte pelo

    fato que a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao ser do inicio da dcada

    de 1960, e tambm porque o livro didtico mais antigo no acervo do CDPH,

    Compndio de Histria do Brasil de Antnio Jos Borges Hermida ser o livro

    didtico mais antigo presente no acervo do CDPH , Centro de Documentao e

    Pesquisa Histrica da Universidade Estadual de Londrina, cuja edio data de 1965,

    por outro lado, optou-se por 2007 por que livro mais recente presente no acervo do

  • 34

    CDPH e tambm para observar como a LDB de 1996 e a Lei 10.639/03 esto

    influenciando na construo dos livros didticos. Entre o inicio e o fim desse recorte

    histrico, foram escolhidos um livro por dcada para serem trabalhados como fonte,

    so eles, o j citado Compndio de Histria do Brasil de Antonio Jos Borges

    Hermida; Histria do Brasil Estudos sociais de Srgio Buarque de Holanda, que

    data de 1974; Histria do Brasil: da Colnia Repblica de Elza Nadai e Joana

    Neves, do ano de 1989; Histria Brasil: A Monarquia e a Repblica de Marlene

    Ordoez, de 1999 e Histria 7 Ano, que tem Maria Raquel Apolinrio como

    organizadora.

    Outro recorte necessrio foi qual imagem cannica seria utilizada, essas

    imagens um recurso recorrente dos autores e editores de livros principalmente

    quando se fala nas temticas de Histria do Brasil dos perodos denominados

    Colonial/Imperial.

    Numa anlise preliminar dos livros didticos, encontrou-se 25 imagens de 12

    autores diferentes, excetuando aquelas que no tm referncia. Entretanto, somente

    as imagens de Johannn Moritz Rugendas estavam presentes em todos os livros, por

    esse motivo optou-se pelas imagens rugenianas como objeto de anlise deste

    trabalho.

    3.2 CONTEXTUALIZAO DAS IMAGENS UTILIZADAS NOS LIVROS DIDTICOS.

    Antes de se analisar as imagens dentro dos livros didticos e sua utilizao

    em sua narrativa, faz necessrio fazer uma contextualizao da produo das

    imagens de Rugendas. As imagens utilizadas nos livros didticos de Rugendas

    esto presentes no livro Viagem pitoresca ao interior do Brasil que o retrato de

    sua viagem ao Brasil nas primeiras dcadas do inicio do sculo XIX, momento em

    que o Brasil deixava de ser colnia de Portugal e comeava a se formar como um

    estado nao.

    Johannn Moritz Rugendas nasceu em Augsburgo, em 1802. O artista esteve

    pela primeira vez no Brasil em 1822 como ilustrador de uma expedio cientfica

    russa chefiada por Georg Heinrich von Langsdorff. Mas passado um tempo de sua

    chegada em terras brasileiras, por questes particulares e estando estremecidas as

  • 35

    relaes com o chefe da expedio, o artista se desvincula desta empresa passando

    a realizar trabalhos seguindo seus interesses.

    Praticamente duas dcadas mais tarde, em julho de 1845, aps uma longa

    excurso pela Amrica, Rugendas retorna ao Brasil. A esta poca seus trabalhos

    que divulgavam a imagem do Brasil - realizados em sua primeira estada aqui - j

    haviam sido publicados e Johannn Moritz recebido no Rio de Janeiro como um

    grande artista. Em sua obra brasileira o artista-viajante dedicou ateno especial

    populao, representou tipos fsicos, cenas da vida cotidiana - especialmente de

    negros e indgenas , registrou a paisagem e, com percia, desenhou plantas e

    animais brasileiros. A obra concebida pelo artista conjugou, notadamente, arte e

    conhecimento cientfico.

    Foi depois de seu retorno para a Europa em 1825 que Rugendas iniciou as

    tratativas para a publicao de seus estudos e desenhos elaborados no Brasil e, em

    meados de 1826, em Paris, comea a nascer ento Voyage Pittoresque dans le

    Brsil, que ser um lbum em grande formato, com cem litografias e um texto com

    comentrios sobre o pas. (DIENER; COSTA, 2002, p. 24).

    Para a feitura das litografias foram convidados vrios artistas-litgrafos que

    trabalharam na gravao das pranchas individualmente ou em companhia de outros

    artistas. Os desenhos originais do artista-viajante alemo ao serem transpostos para

    a pedra sofreram a interferncia dos litgrafos que fazendo acrscimos ou retiradas

    de elementos, modificaram as composies iniciais com o objetivo de torn-las mais

    atraentes aos olhos europeus. (DIENER; COSTA, 2002, p. 98).

    O livro ilustrado com estampas rugenianas ser concludo pela Casa

    Litogrfica Engelmann e Cia.,em 1835 dez anos depois , portanto, da segunda

    estada do artista no Brasil , que o publica em duas edies: uma em alemo

    lngua materna de seu autor e outra em francs.

    Vale ressaltar que no somente Rugendas que vai pintar a escravido e os

    escravos nesse perodo e cujas as obras vo se tornar cannicas e serem

    difundidas em materiais didticos. Contemporneo de Rugendas, Jean Baptiste

    Debret nasceu no ano de 1768, em Paris, Frana advindo de uma famlia que

    possua posies sociais reconhecidas, por exemplo, seu pai, Jacques Debret, era

  • 36

    tabelio, funcionrio do rei, dedicava-se aos estudos de Histria Natural , ou seja,

    faziam parte da culta burguesia do perodo, teve sua formao intelectual profunda

    sendo esta desenvolvida em um meio poltico conturbado da Frana revolucionria.

    Tornou-se um dos principais nomes de sua poca sendo considerado por muitos o

    mais competente no que desejava revelar por meio de sua arte.

    Debret veio ao Brasil a servio oficial da corte portuguesa, sendo um dos

    membros da Misso Artstica Francesa; por meio desta acreditava-se que uma

    cultura erudita alcanaria as terras brasileiras revolucionando o panorama de Belas-

    Artes e inserindo o sistema superior acadmico.

    Jean Baptiste Debret deixou grande herana iconogrfica do tempo dos

    escravos atravs de seus quadros, as imagens relatam situaes vividas pelos

    escravos, tais como: torturas, trabalhos geralmente exercido por eles na poca,

    rituais religiosos dentre outras atividades e costumes. (ANUNCIAO e

    SPERANDIO, 2012, pp.5-6), por no ser o autor das obras que so as fontes deste

    trabalho, no haver um aprofundamento sobre as pinturas de Debret sobre a

    escravido.

    3.3 COMPNDIO DE HISTRIA DO BRASIL (1965)

    O livro Compndio de Histria do Brasil de Antnio Jos Borges Hermida,

    era destinado para a primeira e segunda sries do curso mdio (equivalente hoje ao

    Ensino Mdio), datando de 1965, porm sua elaborao pode ser bastante posterior,

    pois a edio analisada era de nmero 49, o que demonstra que este livro pode ter

    uma grande tiragem e tambm uma grande utilizao nas escolas do perodo de sua

    publicao. O livro possui 340 pginas e seu contedo comea nas grandes

    navegaes e se encerra no plebiscito para a definio do sistema de governo no

    ano de 1963.

    Entretanto, no trata-se de uma edio original, ou sem modificaes, pois

    em sua contracapa h os seguintes dizeres: Este compndio est de acordo com

    as indicaes do Conselho Federal de Educao (Lei de Diretrizes e Bases)

    (HERMIDA,p.2, 1965) portanto, a obra de Hermida foi modificada para atender as

  • 37

    diretrizes ordenadas pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Entretanto, o livro de

    HERMIDA insere-se num perodo de transio, a partir de 1964, o sistema brasileiro

    de ensino foi reformulado sob influncia de acordos entre o Ministrio da Educao

    (MEC) e a Agncia Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

    Estes acordos justificavam-se, entre outras motivaes, pela necessidade de

    adequar o sistema ao modelo desenvolvimentista que se intensificava no pas. As

    primeiras reformulaes deram-se no sentido de buscar e dar suporte expanso

    do ensino, sendo deste perodo a instituio do salrio-educao. (AMARAL,2012,

    p.53)

    Hermida vai se utilizar de duas imagens de Rugendas, optando somente por

    utilizar imagens relativas ao trabalho de escravo, sendo que a primeira legendada

    como Trabalho forado de negras escrava se Hermida a insere na parte em que se

    fala da escravido negra e o trfico de escravos, entretanto pequena parte de

    uma imagem chamada de Colheita do Caf.

    Figura 1 Trabalho forado de negras escravas

  • 38

    Figura 2 - Recoute du Caf

    Esta imagem mostra o processo de colheita do caf pelos trabalhadores

    escravos sendo observado por alguns trabalhadores livres ou capataz, com a Baa

    da Guanabara ao fundo, ao observar essa imagem fica evidente a presena do

    discurso de harmonia racial do perodo em que o livro foi escrito, nela podemos

    observar que no h cenas de violncia contra os negros, mostrando que o livro tem

    uma forte influncia em sua narrativa das ideias que pregavam uma harmonia em

    relao no perodo da escravido.

    Nesse trecho, Hermida lana mo de um discurso influenciado por Gilberto

    Freire, que defende que a escravido (e o tratamento dado aos escravos) fora mais

    humana que em outros pases, isso fica evidenciado no trecho abaixo:

    Quanto ao tratamento que no Brasil se dispensava aos negros, era em geral mais humano que nos outros pases. A Prtica da religio catlica pelos proprietrios muito contribuiu para que esse tratamento, evitando que os escravos sofressem castigos cruis e permitindo o seu descano nos domingos e dias santos.(HERMIDA, p.266-7).

    No contexto de produo do material didtico de Hermida, as ideias contidas

    no livro Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre, que ao discorrer sobre a

    formao da sociedade destacou a contribuio do africano e do afro-brasileiro na

  • 39

    nacionalidade brasileira. Apoiando-se nas diferenas culturais, seu trabalho deu

    nfase no carter paternalista e no processo de acomodao de conflitos da

    sociedade brasileira, trao mais difundido de seu pensamento (MATTOS; RIOS,

    2005). Assim, a ideia de harmonia entre senhores e escravos no perodo escravista

    teriam constitudo no ps-emancipao, um pas quase isento de discriminao e

    preconceito racial, sem barreiras que impedissem a ascenso econmica e social

    dos brasileiros. Denominada de democracia racial essa leitura dada ao pensamento

    de Freyre, acabou influenciando a historiografia dedicada ao tema das relaes

    raciais no Brasil at a segunda metade do sculo XX. (MURINELLI, 2009).

    Portanto, a utilizao da imagem de Rugendas no livro de Hermida, alm de

    ter um carter ilustrativo, sem contextualizao ou problematizao, est

    influenciada por uma historiografia que tende a ver a relao da escravido como

    algo harmonioso, sem conflitos, entretanto pode-se concluir que Hermida era

    influenciado pela historiografia das relaes raciais que fora bastante influenciada

    por Casa Grande & Senzala, perspectiva que fora desconstruda pela historiografia

    na segunda metade do sculo XX.

    Esse carter harmonioso da sociedade brasileira presente nos livros de

    Hermida fica evidente na fala de Renilson Rosa Ribeiro em seu estudo sobre as

    representaes dos negros nos livros didticos de histria do Brasil, o autor ressalta

    que os materiais didticos das dcadas de 40,50 e 60 de Hermida tinha uma

    caracterstica nacionalista, e de criar uma harmonia que no existiu nas relaes

    entre as etnias que formaram a sociedade brasileira.

    Desde 1945 at o seu falecimento, o professor Antonio Jos Borges Hermida (1917- 1995) dedicou a sua vida produo de livros didticos de Histria para o primeiro e segundo graus. O seu livro didtico de Histria do Brasil seguiu na mesma linha nacionalista de interpretao histrica de Joaquim Silva. Nele, o autor deu especial relevo para os eventos dos descobrimentos portugueses do sculo XV; a mistura das raas (ndios, portugueses e negros);os jesutas representados como os amigos dos ndios; a epopia dos bandeirantes adentrando o interior do pas; os ciclos econmicos (pau-brasil, cana-de-acar e ouro); as invases holandesas; a Inconfidncia Mineira e a exaltao da figura do mrtir Tiradentes. (RIBEIRO 2007, p.60).

  • 40

    Pode-se concluir que as imagem de Rugendas est sendo apropriada nesse

    livro e nesse perodo histrico para reforar uma narrativa influenciada por um

    historiografia que via na sociedade brasileira colonial/imperial a ausncia de

    conflitos, devemos observar que a estrutura do livro de Hermida possivelmente foi

    escrito dentro do perodo do Estado Novo , ou alguns anos aps o fim do mesmo,

    perodo onde o discurso de harmonia da sociedade, ou da ausncia de conflitos, era

    disseminado por aqueles que estavam ligados ao Estado Novo (FERREIRA, 2003,

    p.130).

    3.4 HISTRIA DO BRASIL ESTUDOS SOCIAIS (1974)

    O livro Histria do Brasil Estudos Sociais de Srgio Buarque de Holanda era

    destinado ao ento Primeiro Grau, a produo deste livro insere-se dentro do regime

    cvico-militar, onde tem como principal norma orientadora do ensino de histria e da

    produo dos materiais didticos, a Lei 5692/71 ou a Lei de Diretrizes e Bases de

    1971, que vai de encontro a uma demanda de difuso de uma nova ideologia, que

    deveria permear as aes da sociedade. Essa ideologia seria implementada tendo

    por base o suporte de vrios segmentos da sociedade, dos quais o educacional era

    um dos mais importantes e para o qual o livro didtico era de grande relevncia.

    (AMARAL,2012,p.33).

    Schmidt diz que obrigatoriedade do ensino de Estudos Sociais percorreria

    todo o perodo entre 1964 e 1984, momento em que os professores e profissionais

    da Histria foram objetos de perseguies e censuras. A imposio dos Estudos

    Sociais foi acompanhada de um grande movimento de resistncia e luta pela volta

    do ensino de Histria nas escolas brasileiras e que o ensino de Histria ficou restrito

    ao atual Ensino Mdio, inserido na grade curricular com carga horria mxima de

    duas horas semanais durante um ano deste curso. (2012,p.108-9)

    Com isso aconteceu uma perda de espao das disciplinas de humanidades

    (como Histria, Geografia, Filosofia, Sociologia) perdem espao nos currculos para

    as disciplinas consideradas tcnicas, e onde Histria desaparece nos currculos do

    Primeiro Grau para dar espao a disciplina de Estudos Sociais.

  • 41

    O livro utilizado como fonte estava em sua segunda edio e datava do ano

    de 1974, seu autor era o historiador Srgio Buarque de Hollanda, foram tambm

    autores, todos provenientes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas

    da USP, Virglio Noya Pinto; Carla de Queiroz, professora da cadeira de literatura

    italiana e Sylvia Barboza Ferraz, da cadeira de literatura alem. (MASCULO, 2008,

    p.31), seu contedo comea no Primeiro Reinado e termina na Repblica Nova

    ou o perodo compreendido como o ps-1946.

    O livro de Srgio Buarque de Hollanda tem como caracterstica a grande

    utilizao de imagens e os textos serem de linguagem simples e sintticos, e

    tambm inovadores no sentido de trabalhar com fontes no oficiais, como no caso

    do poema de Castro Alves Navio Negreiro. RIBEIRO vai dizer que o livro de

    Hollanda inovador por quebrar com o excesso de memorizao de nomes e datas

    mas mantendo a diviso tradicional da histria do Brasil:

    A coleo de Srgio Buarque inovou ao trazer um contedo por srie, de acordo com propostas oficiais, alm de sugerir o uso didtico de documentos de poca, como trechos da Carta de Pero Vaz de Caminha. Em termos de contedo, o livro didtico de Srgio Buarque continuou a seguir o roteiro trilhado pelos demais autores da tradio didtica. O enredo traado era o mesmo em relao ao Brasil colonial descobrimento, administrao, invaso holandesa, ciclos econmicos, revoltas coloniais e independncia. (RIBEIRO,2007,p.60).

    Em relao a utilizao das imagens de Rugendas, Hollanda utiliza apenas

    duas imagens, que vo aparecer no captulo relativo a abolio da escravatura e em

    dois contextos totalmente diferentes. no livro de Hollanda que uma importante

    mudana na apropriao das imagens de Rugendas acontece, as gravuras passam

    a ser coloridas, deve se frisar que as imagens originais no livro Viagem Pitoresca

    atravs do Brasil so em preto e branco, colorao mantida no material didtico de

    Hermida. Mas por qu essa mudana ocorreu ? Como j foi trabalhado, so nos

    anos 1970 que ocorre uma mudana na utilizao das imagens nos livros didticos,

    devido a alguns fatores como o aumento da difuso das imagens na sociedade e

    com a utilizao de alguns mtodos pedaggicos que defendem a utilizao das

    imagens para dinamizar o processo de ensino, os denominados mtodos ativos

  • 42

    (RIBEIRO,2007,p.60). Essa mudana no processo de apropriao das imagens de

    Rugendas evidencia os dois conceitos que norteiam este trabalho, primeiro em

    CHARTIER (1992) quando os processos de apropriao nem sempre vo obedecer

    aquilo que os produtores do discurso pensavam, e a questo do Livro didtico como

    mercadoria, trabalhado por BITTENCOURT (2001). Esses dois conceitos se unem

    na seguinte maneira, devido a uma necessidade mercadolgica que demandava o

    uso de imagens coloridas, modificou-se as gravuras de Rugendas, assim criando

    uma prtica de apropriao e levando a novas formas de leitura e/ou criao de

    significados das imagens de Rugendas presentes nos livros didticos.

    A primeira imagem denominada Transporte de um comboio de escravos

    nela podemos observar um local onde aparentemente os escravos esto

    descansando ou esperando para ser vendidos, entretanto esta imagem

    aparentemente tem um carter apenas ilustrativo, porque o Hollanda insere um texto

    introdutrio relativo escravido: A Escravido, herana do Regime Colonial,

    tornou-se um dos problemas mais srios no processo de descolonizao do Brasil

    (HOLLANDA,1974, p.38) Nesse ponto, Hollanda se apropria da imagem de

    Rugendas para lanar mo de um discurso que a Escravido era um problema no

    qual o Imprio herdou do sistema anterior, isto , ignorando que o Imprio tambm

    lucrou com o trabalho escravo.

    Figura 3 Transporte de um comboio de escravos

  • 43

    Hollanda se diferencia de Hermida ao mudar o discurso da escravido como

    algo pacfico e indolor ao lanar mo da utilizao da imagem Castigos

    Domsticos, entretanto h uma continuidade com Hermida ao novamente colocar

    essa imagem como carter ilustrativo e inserido ela ao lado de um trecho que fala da

    presso inglesa para que acabasse com trfico negreiro. A Inglaterra, movida por

    sentimentos de liberdade e de Justia. Hollanda nesse ponto reproduz o discurso

    onde considera que foi devido a motivaes humanitrias que levaram a Inglaterra a

    abolir e pressionar outras naes a abolir a escravatura, a Historiografia vai

    questionar essa ideia ao falar que a Inglaterra tinha mais interesses econmicos do

    que humanitrios em relao a abolio da escravatura, sobre isso Accioli afirma:

    At o sculo XIX, a Inglaterra esteve diretamente envolvida no infame comrcio, mas novos interesses econmicos determinaram sua postura combativa ao trfico. Nesse sentido, importante observar que as pretenses inglesas nas reas africanas, que se concretizaram a partir da segunda metade do sculo XIX, tinham no trfico um empecilho. igualmente importante destacar que, com os apressamentos realizados pelos cruzeiros ingleses, suas colnias eram abastecidas de mo de obra barata: a dos chamados africanos livres (ACCIOLI,2010, p.12)

    Nesta imagem, observam-se dois capatazes castigando um escravo, vale

    ressaltar que Hollanda tambm faz um corte na imagem, onde pode-se ver outros

    personagens (negros e brancos) observando passivamente o escravo sendo

    castigado.

    Figura 4 Castigos Domsticos no livro de Hollanda

  • 44

    Figura 5 Chatimens Domestiques - Rugendas

    Junto a esta imagem e ao trecho relativo a Inglaterra j mencionado, Hollanda

    fala de como ocorreu a campanha abolicionista:

    Participao ativa dos homens de letras, jornalistas, escritores, poetas, na luta pela abolio. Jornais abolicionistas aumentaram de nmero e seus artigos condenavam violentamente a escravatura. Foram publicadas obras literrias, representadas peas de teatro que agitavam o povo em favor da libertao dos escravos." (HOLLANDA, 1974, p.40)

    Hollanda se apropria dessa imagem para trabalhar o processo de abolio

    como algo que aconteceu somente na classe letrada, ignorando as resistncias

    feitas pelos negros, pode pensar que as pesquisas histricas em relao s

    resistncias no eram muitas nesse perodo e tambm contribui o fato que um

    contedo sobre a resistncia dos escravos era um precedente perigoso num regime

    autoritrio que reprimia contestaes e tinha como componente da ideologia a

    ordem e o respeito ao Status Quo.

    Portanto, a utilizao e a apropriao de Hollanda das imagens de Rugendas

    so diferenciadas, Hollanda por um lado quebra com o discurso de Hermida,

    baseado em Freyre, de que a escravido era algo pacfico e indolor devido a nossa

    tradio crist e tambm muda a utilizao dessa imagens quando se utiliza de

  • 45

    imagens coloridas, criando uma possibilidade de modificao das possibilidades das

    leituras das gravuras. Por outro lado, Hollanda mantem a caracterstica de usar as

    imagens de Rugendas como algo somente ilustrativo e como um instrumento de que

    refora ideias que vo ser questionadas, como o fato da escravido ser um fardo

    colonial para o Imprio, ou que a abolio da escravatura foi somente um movimento

    de pessoas letradas e da elite, onde o negro no teve um papel decisivo.

    3.5 HISTRIA DO BRASIL: DA COLNIA REPBLICA (1989)

    J o terceiro livro trabalhado denomina-se Histria do Brasil: Da Colnia

    Repblica, tendo como autoras as professoras Elza Nadai e Joana Neves, primeira

    j falecida, a segunda reside em So Paulo e trabalha com livros didticos desde

    1975, sendo que o livro "Histria do Brasil", destinado aos alunos do o Ensino Mdio,

    obra conhecida dos docentes em Histria de todo pas. (GATTI JR, 2003,p.2), a

    Professora Elza Nadai apresentada como doutora em Histria Social na USP e

    Professora de Prtica de Ensino da FEUSP. O livro utilizado estava em sua 12

    edio e os contedos comeam nos captulos Os primeiros donos da Terra e o

    Encontro de duas humanidades e encerrando no captulo O Brasil ps-1964, o

    livro destinado ao segundo grau (atual Ensino Mdio).

    O livro de Nadai e Neves est inserido num contexto de mudana das

    influncias historiogrficas nos livros didticos e tambm no papel que as imagens

    vo desempenhar nos materiais didticos, nesse ponto GATTI JR afirma que:

    [...] Pode-se destacar a passagem de uma abordagem eminentemente poltica e oficializada presente na maior parte das colees didticas da dcada de 1960 [...] para a influncia de uma historiografia de base econmica nas dcadas de 1970 e 1980 [...] e o ingresso de temticas ligadas Histria Cultural durante a dcada de 1990. Por outro lado [...] houve movimentos no sentido de extrema valorizao do papel das imagens e ilustraes em detrimento do texto. (GATTI JR, 2004, p.19)

    Tambm na dcada de 1980, que as escolas, universidades, pesquisadores

    e a academia, em geral, passaram a promover um debate sobre a redemocratizao

    poltica do pas e a escola, como local privilegiado de promoo da educao,

  • 46

    cultura e disseminao da informao foi convocada a repensar seus currculos, a

    partir do seu tempo e espao. (AMARAL, 2012, p.43)

    nesse perodo em que surge o PNLD, provocando vrias mudanas onde

    verifica-se a reutilizao do livro, com consequente extino do livro descartvel e o

    aperfeioamento das especificaes tcnicas para sua produo, visando maior

    durabilidade e possibilitando a implantao de bancos de livros didticos; ampliao

    da oferta aos alunos de 1 e 2 srie das escolas pblicas e comunitrias; fim da

    participao financeira dos estados, passando o controle do processo decisrio para

    a FAE e garantia do critrio de escolha do livro pelos professores. (AMARAL, 2012,

    p.35), portanto o livro de Nadai e Neves est inserido dentro de um importante

    perodo da educao (e do ensino de histria) brasileira, cheio de mudanas

    relevantes que vo refletir nas duas dcadas a seguir.

    As imagens no livro de Nadai e Neves caracterizam-se pelo seu tamanho

    pequeno e em preto e branco, talvez essa escolha pelas imagens em preto e branco

    em plenos anos 80 deva ser uma escolha do autor para dar uma nfase maior nos

    textos em contraste aos anos 70 que optava pelo predomnio visual nos materiais

    didticos, principalmente pelo pblico alvo do livro ser os alunos do ento segundo

    grau. Essa escolha remete novamente ao conceito de livro didtico como mercadoria

    de BITTENCOURT (2002), cujas escolhas pesam mais as questes econmicas em

    sua elaborao, GATTI JR (2004) fala que:

    [...] Entre as determinaes mais fortes est questo econmica, pois, se o livro didtico for tomado como uma entre outras mercadorias produzidas na sociedade, no se pode deixar de considera-lo como um bem vendvel, feito para gerar lucro, acumular capital financeiro, etc. (p.159)

    Se comparados aos livros de Hermida (1965) e Hollanda (1974), o material

    didtico de autoria de Nadai e Neves destaca-se por vrias modificaes na

    narrativa e na utilizao das imagens de Rugendas, bastante influenciado pelas

    mudanas que ocorreram na dcada de 80. As autoras vo se utilizar de outras

    imagens de Rugendas que vo alm das imagens relativas a escravido, imagens

    do cotidiano como Vila Real de Sabar, Venda no Recife e Junta Governativa de

  • 47

    Pernambuco, so gravuras de Rugendas que no tem a temtica da escravido

    (entretanto os escravos esto l).

    Figura 6 Junta Governativa de Pernambuco

    Figura 7 Vila Real de Sabar

    Figura 8 Venda no Recife

  • 48

    Essas imagens so apropriadas pelas autoras para explicar contedos as

    quais as imagens se remetem, no caso da imagem Junta Governativa de

    Pernambuco, ela est inserida na parte relativa Revoluo Pernambucana de

    1817, onde se pode observar que ela est sendo usada para dar uma nfase na

    questo liberal e at democrtica desta revoluo, analisando a imagem observa-

    se que h vrios tipos de pessoas presentes na cena: Homens; Mulheres; Crianas;

    Negros; Clrigos. E ao lado desta imagem est o seguinte trecho da narrativa

    didtica:

    [...] No Brasil, A Revoluo Pernambucana de 1817, representou um momento dessa luta e sua ecloso demonstrou que o liberalismo da poltica de D. Joo VI no correspondia s exigncias mais avanadas do liberalismo. Ela se opunha poltica absolutista do rei e cogitava da repblica como regime mais adequado ao pensamento liberal. (NADAI e NEVES, 1989, p.125)

    Pode-se dizer que a imagem de Rugendas talvez esteja sendo apropriada

    para enfatizar as ideias que esto presentes na narrativa das autoras, e nesse

    contexto encaixa-se a fala de Chartier j trabalhada neste trabalho, que a prtica de

    apropriao acaba fazendo usos poucos redutveis aqueles que produziram o

    discurso (1992). Nesse caso, Chartier aplica-se pelo motivo que Rugendas s viria