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  A AÇÃO CIVIL EX DELICTO  NO DIREITO BRASILEIRO Leonardo de Faria Beraldo SUMÁRIO: 1. Intróito - 2. A ação civil ex delicto : 2.1. Legitimidade ativa; 2.2. Legitimidade passiva; 2.3. Competência na ação reparatória; 2.4. Prescrição da ação civil; 2.5. Alguns aspectos polêmicos - 3. Eficácia civil da sentença absolutória penal: 3.1. Sentença fundada na inexistência do fato; 3.2. Sentença fundada na falta de prova da existência do fato; 3.3. Sentença fundada na inexistência de infração penal; 3.4. Sentença fundada na inexistência de prova de o réu ter concorrido à infração penal; 3.5. Sentença fundada em circunstância excludente do crime ou isentiva da pena: 3.5.1. Estado de necessidade; 3.5.2. Legítima defesa; 3.5.3. Exercício regular de direito; 3.5.4. Estrito cumprimento do dever legal - 3.6. Sentença fundada em insuficiência de provas; 3.7. Outros casos - 4. Implicação de outras legislações na ação civil: 4.1. A Lei 9.099/95 e os Juizados Especiais Criminais; 4.2. A Lei 9.714/98 e o art. 45 do Código Penal; 4.3. O caso fortuito e a força maior - 5. Conclusões - 6. Bibliografia. 1. INTRÓITO A questão da responsabilidade jurídica pode ser compreendida em dois grandes campos de atuação: responsabilidade civil e responsabilidade penal. Os bens e direitos tutelados pelos ordenamentos civil e penal não são muito diferentes uns dos outros, estando todos interligados: são eles o direito à vida, à saúde e à moral da pessoa, ao patrimônio, integridade física etc. Porém, a proteção em sede penal não é tanta quanto na esfera civil, podendo muito bem uma pessoa ser absolvida em um julgamento criminal e, em decorrência do mesmo fato, ser condenada no juízo civil.

Acao Civil Ex Delicto

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A AO CIVIL EX DELICTO NO DIREITO BRASILEIRO

Leonardo de Faria Beraldo

SUMRIO: 1. Intrito - 2. A ao civil ex delicto: 2.1. Legitimidade ativa; 2.2. Legitimidade passiva; 2.3. Competncia na ao reparatria; 2.4. Prescrio da ao civil; 2.5. Alguns aspectos polmicos - 3. Eficcia civil da sentena absolutria penal: 3.1. Sentena fundada na inexistncia do fato; 3.2. Sentena fundada na falta de prova da existncia do fato; 3.3. Sentena fundada na inexistncia de infrao penal; 3.4. Sentena fundada na inexistncia de prova de o ru ter concorrido infrao penal; 3.5. Sentena fundada em circunstncia excludente do crime ou isentiva da pena: 3.5.1. Estado de necessidade; 3.5.2. Legtima defesa; 3.5.3. Exerccio regular de direito; 3.5.4. Estrito cumprimento do dever legal - 3.6. Sentena fundada em insuficincia de provas; 3.7. Outros casos - 4. Implicao de outras legislaes na ao civil: 4.1. A Lei 9.099/95 e os Juizados Especiais Criminais; 4.2. A Lei 9.714/98 e o art. 45 do Cdigo Penal; 4.3. O caso fortuito e a fora maior - 5. Concluses - 6. Bibliografia.

1. INTRITO A questo da responsabilidade jurdica pode ser compreendida em dois grandes campos penal. de Os atuao: bens e responsabilidade direitos tutelados civil e responsabilidade pelos

ordenamentos civil e penal no so muito diferentes uns dos outros, estando todos interligados: so eles o direito vida, sade e moral da pessoa, ao patrimnio, integridade fsica etc. Porm, a proteo em sede penal no tanta quanto na esfera civil, podendo muito bem uma pessoa ser absolvida em um julgamento criminal e, em decorrncia do mesmo fato, ser condenada no juzo civil.1

Inicialmente, vamos passar a alguns conceitos bsicos para que melhor possamos entender e explicar o presente trabalho. "Responsabilidade civil a aplicao de medidas que obriguem algum a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razo de ato prprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposio legal. A responsabilidade civil requer prejuzo a terceiro, particular ou Estado, de modo que a vtima poder pedir reparao do dano, traduzida na recomposio do statu quo ante ou em uma importncia em dinheiro". 1 J a responsabilidade criminal pode ser traduzida como "a responsabilidade que pressupe leso aos deveres de cidados para com a sociedade, acarretando um dano social determinado pela violao de norma penal, exigindo, para restabelecer o equilbrio, a aplicao de uma pena ao lesante. a que decorre de prtica de contraveno penal ou de crime comissivo ou omissivo pelo agente imputvel que for chamado a responder por ela penalmente, arcando com as conseqncias jurdicas de seu ato, incorrendo nas sanes previstas na lei penal. O lesante suporta a respectiva represso. Denomina-se, tambm, responsabilidade penal". 2 Outra diferena que vale a pena no s conceituar, mas tambm discernir, no que tange aos ilcito penal e civil. "A cientificidade da separao estaria em fixar o que determinada sociedade resolveu em determinado lugar do tempo ser de maior ou menor importncia para essa mesma sociedade ou para o indivduo; ou seja, dizendo o que pertence seara do Direito Penal e do Direito Civil, respectivamente. , portanto, questo de ordem poltica, porque decorre da opo poltica de instituir conseqncia ao ilcito, de molde a impressionar a esfera civil ou penal". 3

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DINIZ, Maria Helena. Dicionrio jurdico. 1 ed. v. 4. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 171. Idem, p. 174. 3 FELIPETO, Rogrio. Reparao do dano causado por crime. 1 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 37-38.

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Pode-se dizer ento que, na realidade, ocorre sempre um fato e, decorrente dele, poder ou no haver repercusses nas esferas civil, penal ou at mesmo nas duas juntas, como nos ensina RAYMUNDO CNDIDO, 4 ao brilhantemente discorrer sobre o tema em sua tese de livre-docncia pela UFMG. Embora o Cdigo de Processo Penal s faa meno a dois tipos de satisfao do dano, reparao no art. 63, e ressarcimento no art. 64, utilizando-as lato sensu, existem outras maneiras, no sentido mais estrito da expresso, de se satisfazer a pretenso da vtima. A primeira delas a restituio, modalidade pela qual a vtima poder reaver o objeto da qual foi privada em se tratando dos crimes contra o patrimnio (furto, roubo etc.), a res furtiva. Dever-se-ia, sempre que possvel, dar preferncia a esta modalidade de satisfao, pois, muitas vezes, o objeto pode no ter nenhum valor material, mas tendo um grande valor sentimental, os chamados bens fungveis, v.g., uma jia de famlia. 5 O ressarcimento, que nem sempre tem sua conotao empregada de maneira correta, usado sempre que no possvel sua restituio, representando tudo aquilo que a pessoa perdeu em decorrncia da falta do objeto, v.g., danos emergentes, lucros cessantes etc. 6 A reparao ser utilizada nos casos em que o dano no for ou no puder ser ressarcido. Trata-se da modalidade freqente e corretamente utilizada para o clculo dos danos morais, 7 apesar de nossa Assemblia Nacional Constituinte, infelizmente, ter utilizado da

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"A noo do lcito e do ilcito no coincide, naturalmente, em todos os ramos do direito; um fato pode ser lcito ou indiferente para um determinado ramo do direito e ilcito em outro. A ao antijurdica do homem atinge a ordem jurdica em geral, embora ofenda um setor particularizado de seu complexo organismo. E nem sempre fcil fazer a diagnose do mal que o ataca" (Eficcia da Coisa Julgada Penal no Juzo Cvel, Revista Forense n 174, p. 33, nov./dez. 1957, apud FELIPETO, Rogrio. Op. cit., p. 38). 5 Vide arts. 313, 233 a 242 do Cdigo Civil/2002 (correspondncia arts. 863 a 873 e 1.542 do Cdigo Civil/1916); e arts. 621 a 631 do Cdigo de Processo Civil. 6 Vide arts. 402 a 404 e 952, pargrafo nico do Cdigo Civil/2002 (correspondncia arts. 1.059 a 1.061 e 1.543 do Cdigo Civil/1916). 7 Vide smula 491 do STF, e 37 e 221 do STJ.

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expresso indenizao ao tratar do dano moral, no artigo 5, incisos V e X, da Constituio da Repblica de 1988. 8 A quarta e ltima modalidade a ser vista por ns ser a indenizao, que sempre ser devida decorrente de atos lcitos9

praticados pelo Estado, v.g., as desapropriaes, tombamento etc.

Uma vez ultrapassada a fase dos conceitos, passemos a outro ponto, de grande no importncia, s das que merece ser apontado: tambm o da da independncia jurisdies, 10 mas

responsabilidade civil e da penal. Para melhor entendimento desta sistemtica, faz-se mister a leitura interpretativa, conjunta e harmnica do artigo 935 do Cdigo Civil/2002, 11 juntamente com o artigo 65 do Cdigo de Processo Penal. 12 Ao final da leitura, chegaremos ento concluso de que preciso fazer uma interpretao restritiva, sob pena de cometer vrios equvocos, como bem salientou TOURINHO FILHO, 13 ao dizer que o dispositivo em exame no significa que a sentena penal que reconhea uma dessas excludentes de ilicitude impea a propositura da ao civil. Houve excesso de linguagem. Ainda, no magistrio de AGUIAR DIAS, a interpretao do art. 935 (antigo art. 1.525) pode ser reduzida a esta frmula: "o injusto criminalVide arts. 76, 1.546 e 1.547 do CC (os artigos 76 e 1.546 do CC no foram repetidos no Cdigo Civil/2002, porm, o art. 1.547 foi repetido e com uma redao melhorada, no art. 953 do novo Cdigo); art. 5, V e X, CF/88; Lei da Imprensa 5.250/67. 9 Vide art. 37, 6, CF/88. Ainda, ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil do Estado. 1 ed. 2 vols.: Bookseller, 2001. 10 "A SENTENA ABSOLUTRIA PROFERIDA NO JUZO CRIMINAL SUBORDINA A JURISDIO CIVIL QUANDO NEGA CATEGORICAMENTE A EXISTNCIA DO FATO OU A AUTORIA, OU RECONHECE UMA EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE (LEGTIMA DEFESA, EXERCCIO REGULAR DE UM DIREITO, ESTADO DE NECESSIDADE DEFENSIVO). A ABSOLVIO CRIMINAL POR FALTA DE PROVA, COMO OCORREU NO CASO, NO IMPEDE PROCEDNCIA DA AO CVEL" (STJ, REsp n 89.390/RJ, 4 T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. de 10.06.1996). No mesmo sentido, STJ, REsp n 1.158/GO e 23.330/RJ. 11 Art. 935: "A responsabilidade civil independente da criminal, no se podendo questionar mais sobre a existncia do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questes se acharem decididas no juzo criminal. Importante anotar que, para ARAKEN DE ASSIS, a 2 parte deste artigo encontra-se derrogada. In, Eficcia..., p. 106. 12 Art. 65 do CPP: "Faz coisa julgada no cvel a sentena penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legtima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exerccio regular de direito". 13 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Cdigo de Processo Penal comentado. 3 ed. v. 1. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 159.8

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nem sempre coincide em seus elementos com o injusto cvel; quando, reconhecidos, na instncia penal, o fato e a autoria, ainda assim for o acusado declarado no delinqente, por faltar ao seu ato alguma das circunstncias que o qualificam criminalmente (por no estar completo o subjektiv Tatbestand, como dizem os alemes) o julgado criminal no condiciona o civil, para o fim de excluir a indenizao, porque no so idnticos num e noutro direito os princpios determinantes da responsabilidade; no crime, a responsabilidade por crime exceo, e no cvel a regra". 14 Portanto, aps exsurgir em todos estes conceitos e denominaes, passaremos a uma anlise mais profunda da ao civil ex delicto, que, nada mais , do que uma ao, no mbito civil, decorrente de um delito, que pode ou no ter repercutido na esfera penal. E, como j mencionado anteriormente, veremos mais detalhadamente nos prximos itens.

2. A AO CIVIL EX DELICTO Conforme exposio no captulo anterior, a ao civil ex delicto ou, se preferir, actio civilis ex delicto, uma ao que sempre corre perante um juzo cvel, podendo dividir-se em duas espcies. A primeira seria o caso do art. 64 do CPP, tendo como pr-requisito necessrio sua propositura um fato anterior, delito ou contraveno penal, para que ento se enseje direito de reparao vtima do ato delituoso, e a segunda a que est disposta na redao do art. 63 do CPP, que a execuo da sentena penal transitada em julgado, sendo que aquela espcie , na prtica, muito mais comum do que esta. Pergunta que est constantemente ao nosso redor com relao ao motivo pelo qual o Cdigo de Processo Penal trouxe, em suas linhas, matria que concerne rea civil, ou seja, a actio civilis ex delicto, brilhante14

e

facilmente

respondida

por

TOURINHO

FILHO. 15

DIAS, Jos de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 ed. 3 tiragem, v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 816. 15 "Procurou o Estado exercer verdadeira tutela administrativa dos interesses privados atingidos pelo crime, como se constata pelos arts. 91, I, 65, III, b, 78, 2, 83, IV, todos do CP, e tambm

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Resumidamente, o que o legislador processual penal tenta buscar oferecer certos benefcios na esfera penal aos agentes que tomarem iniciativa em reparar o dano causado por eles mesmos.

2.1. Legitimidade Ativa Possui legitimidade ativa a pessoa que pode pedir a tutela jurisdicional, que se sente lesada e faz uso de seu direito subjetivo de procurar o Estado, detentor do monoplio da jurisdio, querendo que sua pretenso seja satisfeita. tambm comumente chamada de "plo ativo" da ao. A legitimidade ativa, quando exercida por pessoa do rol elencado no artigo 63 do CPP, 16 ser ento chamada de ordinria. J, quando proposta pelo Ministrio Pblico, no caso do artigo 68, tambm do CPP, 17 ser ento chamada de extraordinria, perfazendo aquilo que os processualistas chamam de substituio processual. Vale lembrar que nos casos em que a vtima no tenha capacidade processual, poder ela ser representada em juzo por seu curador, pais etc., o que no substituio, e, sim, representao. Poder propor tambm a ao sua mulher - ou ex-mulher se for o caso - seus filhos ou seus pais. A respeito, este o teor da Smula 491 do STF. 18 A concubina tambm parte legtima para propor a ao. 19 Muita polmica gira em torno do art. 68 do Cdigo de Processo Penal, sendo freqente e veementemente questionada a sua constitucionalidade, aps a vigncia da CF/88. A questo vacila muito,pelos arts. 63 e 68 do CPP", in, TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 2001, p. 152. 16 Art. 63 do CPP: "Transitada em julgado a sentena condenatria, podero promover-lhe a execuo, no juzo cvel, para o efeito da reparao do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros". 17 Art. 68 do CPP: "Quando o titular do direito reparao do dano for pobre (art. 32, 1 e 2), a execuo da sentena condenatria (art. 63) ou a ao civil (art. 64) ser promovida, a seu requerimento, pelo Ministrio Pblico". 18 " indenizvel o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que no exera trabalho remunerado". 19 RT 598/138, 588/117, 583/153, 582/99 e 553/199, in, STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, 5 ed., So Paulo: RT, 2001.

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tanto na doutrina, quanto na jurisprudncia. Muitos autores entendem que aquele artigo foi recepcionado pela Constituio de 1988, 20 alegando que o Ministrio Pblico estaria, assim, defendendo interesses sociais. Por outro lado, h tambm aqueles que entendem de maneira contrria, dizendo que o artigo supra mencionado foi revogado com o advento da Carta de 1988, criando as Defensorias Pblicas 21 e, tambm, do "Estatuto da Advocacia", 22 afirmando que de tal maneira, o Ministrio Pblico estaria usurpando funes tpicas da Defensoria Pblica. 23 A nosso ver, a resposta no pode ser dada to rapidamente, sem que seja feita uma profunda anlise de vrios dispositivos legais em conjunto 24, harmonicamente. O cerne da questo pode ser muito bem resolvido da seguinte maneira: nas comarcas onde ainda no h Defensoria Pblica devidamente instalada e organizada, o Parquet poder intentar ao de reparao em nome da vtima pobre. Porm, nas comarcas que j so equipadas por Defensorias, no poderia o Ministrio Pblico ter legitimatio ad causam, pois estaria, assim, exercendo funo atpica, usurpando-a da Defensoria Pblica. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal j se manifestou, atravs de decises, na25

conformidade

de

votos26

dos

Ministros

SEPLVEDA

PERTENCE20 21

e MARCO AURLIO.

Em parte do voto do eminente

Nesse sentido, FERNANDO TOURINHO FILHO, ADA PELLEGRINI e ROGRIO FELIPETO. Art. 134 da CF/88: "A Defensoria Pblica instituio essencial funo jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientao jurdica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5, LXXIV". 22 Lei n 8.906, de 4 de julho de 1994. 23 Nesse sentido, RUI STOCO e ARAKEN DE ASSIS. 24 Vide arts. 127, 129, 134 e 194 da CF/88; arts. 81 e 82 do CPC; arts. 63 e 64 do CPP. 25 MINISTRIO PBLICO: LEGITIMAO PARA PROMOO, NO JUZO CVEL, DO RESSARCIMENTO DO DANO RESULTANTE DE CRIME, POBRE O TITULAR DO DIREITO REPARAO: C. PR. PEN., ART. 68, AINDA CONSTITUCIONAL (CF. RE 135.328): PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIZAO DAS LEIS. 1. A alternativa radical da jurisdio constitucional ortodoxa entre a constitucionalidade plena e a declarao de inconstitucionalidade ou revogao por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficcia ex tunc faz abstrao da evidncia de que a implementao de uma nova ordem constitucional no um fato instantneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realizao da norma da Constituio - ainda quando teoricamente no se cuide de preceito de eficcia limitada - subordina-se muitas vezes a alteraes da realidade fctica que a viabilizem. 2. No contexto da Constituio de 1988, a atribuio anteriormente dada ao Ministrio Pblico pelo art. 68 C. Pr. Penal - constituindo modalidade de assistncia judiciria - deve reputar-se transferida para a Defensoria Pblica: essa, porm, para esse fim, s se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da prpria Constituio e da lei complementar por ela ordenada: at que - na Unio ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condio de viabilizao da cogitada transferncia constitucional de atribuies, o art. 68 C. Pr. Pen. ser considerado ainda vigente: o caso do Estado de So Paulo, como

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Ministro SEPLVEDA PERTENCE, infra, pode ser vista claramente a concluso qual S. Exa. chegou, brilhantemente, sem restar dvidas a respeito do tema: Estou em que, no Contexto da Constituio de 1988, essa atribuio deva efetivamente reputar-se transferida do Ministrio Pblico para a Defensoria Pblica: essa, porm, para esse fim, s se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da prpria Constituio e da lei complementar por ela ordenada: at que - na Unio ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condio de viabilizao da cogitada transferncia constitucional de atribuies, o art. 68 do CPP ser considerado ainda vigente. O caso concreto de So Paulo, onde, notoriamente, no existe Defensoria Pblica, persistindo a assistncia judiciria como tarefa atpica de Procuradores do Estado. Isto o que a doutrina vem chamando de inconstitucionalidade progressiva do art. 68, do CPP. 27 Ou seja, se no houver Defensoria Pblica na Comarca que dever ser proposta a ao civil ex delicto, o Parquet ter legitimidade ad causam; apenas e to-somente nestes casos. Portanto, trs requisitos se fazem indispensveis propositura da ao por um dos membros do Parquet: i) no haver Defensoria Pblica

decidiu o plenrio no RE 135.328" (STF, RE n 147.776/SP, 1 T., Rel. Min. Seplveda Pertence, j. de 19.05.1998). 26 STF, RE n 135.328/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurlio, j. de 29.06.1994. E, ainda, ADIn. 558 de 16.08.1991; TJDF, Acrdo n 110.359, 2 Turma Cvel, Rel. Des. Adelith de Carvalho Lopes, j. de 19.10.1998; TAPR, Ap. n 123081500, 1 Cmara Cvel, Juiz Conv. Antnio Renato Strapasson, j. de 10.08.1999 - AC.: 11432 e REsp n 68.275/MG. 27 "DIREITO PROCESSUAL. CONSTITUCIONAL. MINISTRIO PBLICO. AO CIVIL EX DELICTO. LEGITIMIDADE. CPP, ART. 68. INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA DECLARADA PELO STF. EMBARGOS DE DIVERGNCIA. 1. Apesar da Constituio Federal de 1988 ter afastado, dentre as atribuies funcionais do Ministrio Pblico, a defesa dos hipossuficientes, incumbindo-a s Defensorias Pblicas (art. 134), o Supremo Tribunal Federal consignou pela inconstitucionalidade progressiva do CPP, art. 68, concluindo que 'enquanto no criada por lei, organizada - e, portanto, preenchidos os cargos prprios, na unidade da Federao - a Defensoria Pblica, permanece em vigor o artigo 68 do Cdigo de Processo Penal, estando o Ministrio Pblico legitimado para a ao de ressarcimento nele prevista' (RE n 135.328-7/SP, rel. Min. Marco Aurlio, DJ 01.08.94). 2. Precedentes do STF e do STJ. 3. Embargos rejeitados" (STJ, EREsp n 232.279/SP, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, j. de 01.07.2003). No mesmo sentido, v. STJ, REsp n 475.010/SP.

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instalada na Comarca; ii) o dano civil resultante do crime e, iii) a pobreza da vtima. Faltando um desses requisitos, no poder ento o mesmo atuar no plo ativo da ao.

2.2. Legitimidade Passiva Possuir legitimidade passiva, na forma do artigo 64 do Cdigo de Processo Penal, 28 o autor do crime e, se for o caso, o responsvel civil. Podem, portanto, figurar no plo passivo da ao os pais, 29 por eventuais danos que seu filho possa vir a causar a terceiros; o patro, 30 por atos praticados por seu empregado; os sindicatos, 31 em decorrncia de atos praticados por grevistas; os donos de animais; 32 os Bancos; 33 o condomnio; 34 enfim, qualquer pessoa pode responder pelos danos. importante ressaltar que o responsvel civil s poder figurar no plo passivo de um futuro processo de execuo, se tiver feito parte no processo-crime. O casal no responde solidariamente pelos atos ilcitos praticados por apenas um deles, 35 podendo, numa execuo, o cnjuge utilizar-se dos embargos de terceiro, 36 a fim de resguardar a sua meao. 37 E, por fim, a obrigao decorrente do delito civil se transmite aos herdeiros intra vires, ou seja, dentro das foras da herana (art. 5, XLV, da CF/88). 38) Art. 64 do CPP: "Sem prejuzo do disposto no artigo anterior, a ao para ressarcimento do dano poder ser proposta no juzo cvel, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsvel civil". 29 RT 589/201, 373/161, 559/203, 765/371, 118/250, 110/88, 566/219, 625/110, 430/115, 523/92 etc, in, Stoco, Tratado..., cit. 30 RT 575/277, 715/258, 577/158, 122/59, 590/150 etc. Em sentido contrrio, RT 110/174 e 667/107, in, Stoco, Tratado..., cit. 31 JTJ-LEX 190/248 e RT 731/253, in, Stoco, Tratado..., cit. 32 RT 599/137, 641/182, 719/160, 508/122, 520/202, 523/239, 508/193, 713/205, 727/274, 764/268 etc., in, Stoco, Tratado..., cit. 33 RT 481/130, 547/190, 601/61, 543/78, 552/60, 596/136, 779/351, 577/90, 676/151, 495/144, 575/224, 571/100, 741/219 etc. 34 RT 530/212, 489/89, 648/120, 737/382, 667/199 etc, in, Stoco, Tratado..., cit. 35 Art. 226, 5, CF/88. 36 Art. 1.046 do CPC. 37 FELIPETO, Rogrio, Op. cit., p. 64. 38 ASSIS, Araken de. Eficcia civil da sentena penal. 2 ed. So Paulo: RT, 2000, p. 73.28

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2.3. Competncia na Ao Reparatria Dispe o artigo 100, V, a, do Cdigo de Processo Civil, que o foro competente para julgar as aes de reparao do dano o do lugar do ato ou fato. J o pargrafo nico do mesmo artigo trata da hiptese decorrente de delito ou acidente de veculos, declinando da competncia para o domiclio do autor ou do local do fato. Segundo ARAKEN DE ASSIS, 39 "a regra do forum comissi delicti busca 'economia de movimentos para eventuais exames, percias ou vistorias'; parte da premissa de que o autor dessa espcie de demanda lograr xito, privilegiando-o; e alvitra que elemento diverso de fixao da competncia tornaria 'muito difcil' o ressarcimento". Merece aplausos esta regra de competncia por ter feito valer o princpio da economia processual, alm de propiciar s partes um julgamento muito mais eficaz.

2.4. Prescrio da Ao Civil Com relao prescrio contra o Estado, dispe o artigo 1 do Decreto n 20.910/32 que "as dvidas passivas da Unio, dos Estados e dos Municpios, bem assim todo e qualquer direito ou ao contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem". Entre particulares, o prazo era o vintenrio. Fica ento a grande dvida com relao ao caso em que a vtima, ainda aguardando a sentena do processo criminal transitar em julgado, e tendo ento um ttulo executivo judicial, 40 d incio execuo; porm, aps cinco anos contados da data do ato ou do fato. O Superior Tribunal de Justia ento, para dirimir a controvrsia, tem decidido em seus arestos que o termo inicial para efeitos de prescrio no o dia da ocorrncia do fato39 40

Eficcia..., cit., p. 74. Art. 584, II, CPC: "So ttulos executivos judiciais: II- a sentena penal condenatria transitada em julgado".

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ilcito e danoso, porm, o de quando ocorreu o trnsito em julgado da sentena criminal. 41 Destarte, duas normas e princpios devem ser interpretados de modo coerente, harmnico, com resultado til, 42 ou seja, no sentido de que a vtima no pode ser obrigada a aforar a ao civil dentro dos cinco anos do fato criminoso. Trata-se de questo de puro bom senso. Como que seria possvel negar o direito a indenizao com base na prescrio do fato, uma vez que a pessoa detentora de um ttulo executivo judicial? Pensar de maneira diferente seria, simplesmente, absurdo. Assim, a pretenso da vtima nasce a partir do trnsito em julgado da ao penal. J com relao aos particulares, trouxe o Cdigo Civil de 2002 importante norma neste sentido, que, no seu art. 200, tem a seguinte redao: "quando a ao se originar de fato que deva ser apurado no juzo criminal, no correr a prescrio antes da respectiva sentena definitiva". Com efeito, cabe aqui ressaltar que o prazo prescricional para a reparao civil foi reduzido para trs anos, ex vi do disposto no art. 206, 3, V, do mesmo diploma legal.

2.5. Alguns Aspectos Polmicos Assim como todo ramo do direito, a actio civilis ex delicto no foge regra e possui vrios pontos polmicos, onde h divergncia, tanto na doutrina, dirimidas. O primeiro deles com relao ao pargrafo nico do artigo 64 do Cdigo de Processo Penal, 43 ao conferir ao juiz de direito a faculdade, e no obrigatoriedade, de suspender a ao civil enquanto a ao penalNesse sentido, STJ, REsp n 302.165/MS, 1 T., Rel. Min. Jos Delgado, j. de 05.04.2001. E, ainda, REsp n 302.579/SE e 279.086/MG. Em sentido contrrio, REsp n 8.273/SP. 42 Conjugao do art. 63 do CPP, 935 do CC/2002 e 584, II do CPC. 43 Art. 64 do CPP: "Sem prejuzo... pargrafo nico: Intentada a ao penal, o juiz da ao civil poder suspender o curso desta, at o julgamento definitivo daquela".41

como

na

jurisprudncia,

merecendo

ser

analisada

minuciosamente, para que as dvidas a seu respeito possam ser

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estiver em curso. Portanto, a suspenso do feito civil, quando em curso ao penal versando sobre o mesmo substrato ftico, encerra mera faculdade, 44 segundo critrio de convenincia, havendo meios processuais que asseguram a possibilidade de, caso proclamado, em sede criminal, juzo de certeza quanto autoria e materialidade, fazlo prevalecer sobre eventual pronunciamento decisrio conflitante, proferido na esfera cvel. O art. 110 do CPC diz que o juiz pode sobrestar o andamento do processo at que se pronuncie a justia criminal, tendo ainda, no seu pargrafo nico, a condio de exercer a ao penal no prazo mximo de trinta dias, sob pena de cessar o efeito deste. A nosso ver, o juiz deve, sempre que estiver na dvida, suspender a ao civil, para no correr o risco de haver decises contraditrias. Vale ainda lembrar que o art. 265, 5, do CPC deixa bem claro que o perodo de suspenso no pode exceder o prazo de um ano, devendo o juiz dar prosseguimento ao processo, aps o fim do prazo. O segundo ponto a ser discutido diz respeito priso civil na ao civil ex delicto. Como sabido, no Brasil s cabvel priso civil por dvida nos casos de depositrio infiel e ao devedor de penso alimentcia. 45 Logo, por um grande espao de tempo, foi debatido o tema que diz respeito priso civil por inadimplemento de gnero alimentcio, em sede de ao civil ex delicto. Sem dvida alguma ela no cabvel, por ser instituto prprio do direito de famlia, e no das aes de indenizao. 4644

AO CIVIL - JULGAMENTO DE AO CRIMINAL - SUSPENSO DO PROCESSO FACULDADE DO JUZO - O SOBRESTAMENTO DE AO CVEL, AT POSTERIOR JULGAMENTO DE FEITO CRIMINAL, MERA FACULDADE CONCEDIDA AO MAGISTRADO, O QUAL, NO VISLUMBRANDO RELEVNCIA EXTREMA QUE O JUSTIFIQUE, H QUE DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO" (TAMG, AI n 127.884-0, 5 Cmara Cvel, Rel. Juiz Aloysio Nogueira, j. 25.11.1991). No mesmo sentido, STJ, REsp n 33.200/SP e 61.370/SP, e TAMG, Ap. 287.069-5. 45 Art. 5, LXVII, da CF/88. 46 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AO DE INDENIZAO. ATO ILCITO. PENSO CONCEDIDA EM ANTECIPAO DE TUTELA. PRISO CIVIL. INADMISSIBILIDADE. FALTA DE PEDIDO DO CREDOR. DECISO EXTRA PETITA. 1. A priso civil instituto excepcionalssimo e deve ser reservado exclusivamente para o devedor de penso alimentcia decorrente do direito de famlia e ao depositrio infiel. 2. A penso fixada em antecipao de tutela concedida na ao de indenizao por ato ilcito no se insere no quadro de direito de famlia, sendo inadmissvel a cominao de priso civil.

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A seguir examinaremos prazo recursal do Ministrio Pblico na actio civilis ex delicto. Pela regra do art. 188 do CPC, o Ministrio Pblico tem prazo em dobro para recorrer, mas somente nas suas funes ordinrias (parte e fiscal da lei), que no o caso quando atua como substituto processual na ao civil ex delicto, exercendo nesse caso funo extraordinria, de mais que fica ento no ar dvida com relao ao prazo para recorrer. Entendemos que, se o Ministrio Pblico est exercendo essa funo em face de falhas, ou at mesmo por no existir defensoria pblica no local, e j que esta dispe de prazo em dobro, 47 seria uma insensatez tamanha no gozar o Parquet da mesma prerrogativa. 48

3. A cominao agravada pela falta de pedido do credor, tornando a deciso viciada por ser extra petita. 4. Justamente por no ser direito de famlia a penso devida ex delicto, que no se admite justificao da impossibilidade de adimpli-la. 5. Agravo de instrumento conhecido, acolhida a preliminar e negado provimento quanto ao mrito" (TAMG, AgI n 275.457-4, 2 Cmara Cvel, Rel. Juiz Caetano Levi Lopes, j. de 01.07.1999). E, ainda, HABEAS CORPUS - PRISO CIVIL - ALIMENTOS - INDENIZAO - ATO ILCITO - manifesta a ilegalidade da priso civil determinada pelo inadimplemento da obrigao de carter alimentar decorrente de ao indenizatria ex delicto, tornando-se imperativa a concesso de Habeas Corpus, em face do constrangimento ilegal sofrido pelo devedor" (TAMG, HC n 200.9838, 2 Cmara Criminal, Rel. Juza Myrian Saboya, j. de 08.08.1995). 47 Nesse sentido, TJDF, acrdos n 109.050 e 124.249; e TAMG, Ap. 263.077-5 e 241.419-9. 48 Entendendo no gozar do prazo em dobro: "INDENIZAO - ATO ILCITO - MINISTRIO PBLICO - LEGITIMATIO AD CAUSAM RECURSO - PRAZO - VOTO VENCIDO - O PRAZO RECURSAL EM DOBRO, PREVISTO NO ART. 188 DO CPC, APLICA-SE AO MINISTRIO PBLICO, A QUALQUER TTULO COM QUE EXERA SUA FUNO, SEJA COMO PARTE, SEJA COMO FISCAL DA LEI. V. V. - NO GOZA O MINISTRIO PBLICO DE PRAZO EM DOBRO PARA RECORRER, QUANDO AGE COMO SUBSTITUTO PROCESSUAL DA PARTE, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCPIO QUE ASSEGURA A IGUALDADE DOS LITIGANTES (JUIZ MARINO COSTA). - NO TEM O MINISTRIO PBLICO LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PLO ATIVO DA AO CIVIL INDENIZATRIA EX DELICTO, QUANDO NECESSITADO ECONOMICAMENTE O TITULAR, PORQUANTO NO SE INCLUI DENTRE SUAS FUNES INSTITUCIONAIS A DE SUBSTITUTO PROCESSUAL DA PARTE, COMPETINDO A DEFENSORIA PBLICA O PATROCNIO DOS INTERESSES INDIVIDUAIS DISPONVEIS. V. V. - O MINISTRIO PBLICO PARTE LEGTIMA PARA PROPOR, NA QUALIDADE DE SUBSTITUTO PROCESSUAL, AO INDENIZATRIA EX DELICTO, OBJETIVANDO O RESSARCIMENTO DE DANO CAUSADO A PESSOA NECESSITADA, POR CONSTITUIR FUNO COMPATVEL COM SUA FINALIDADE, SEGUNDO A MELHOR EXEGESE DO ART. 129, IX, DA CF, NO SE TRATANDO DE ATRIBUIO INSTITUCIONAL PRIVATIVA DA DEFENSORIA PBLICA, NOS TERMOS DO PARGRAFO 1 DO CITADO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (JUZES LOPES DE ALBUQUERQUE E ALOYSIO NOGUEIRA" (TAMG, EInfrs. n 154.005-8, 5 Cmara Cvel, Rel. Juiz Lopes de Albuquerque, j. de 28.04.1994).

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Por fim, o quarto e ltimo tema polmico ora escolhido por ns diz respeito possibilidade ou no do Parquet de, em caso de procedncia da pretenso da actio civilis ex delicto, fazer jus a honorrios advocatcios. 49 Por fora do artigo 128, 5, II, a, da Constituio de 1988, ao Ministrio Pblico vedado "receber, a qualquer ttulo e sob qualquer pretexto, honorrios, percentagens ou custas processuais. Por outro lado, a alnea b desse mesmo inciso veda o exerccio da advocacia. Ora, se o Parquet pode "advogar" para os pobres, por que que ele no pode receber os honorrios advocatcios? Quer dizer ento que ele vai trabalhar de graa? No nosso modesto ver, se a defensoria pblica tem direito a receber tal verba, o Ministrio Pblico tambm. Na nossa opinio, o eminente Ministro Slvio de Figueiredo Teixeira, data maxima venia, equivocou-se no julgamento de um caso como este, entendendo ser incompatvel com o art. 23 da Lei 8.906/94, entendendo S. Exa. que a verba honorria destinada to-somente aos advogados. 50 Entretanto, no agravo regimental em agravo de instrumento n 189.430/SP, do STF, que teve como relator o eminente Ministro Seplveda Pertence, ficou entendido que o simples fato de o acidentado ser representado por membro do Ministrio Pblico no dispensa o pagamento de honorrios advocatcios, "devidos entidade estatal mantenedora da instituio". 51 Como j ressaltado, comungamos desta opinio.

Importante chamar a ateno, aqui, para o fato de que apenas os advogados e os mdicos tm direito aos chamados "honorrios". Sendo assim, a Instituio do MP ter direito a uma verba compensatria pelo trabalho desenvolvido naquele processo, mas que no pode ser intitulada de honorrios. 50 "EM CASO DE PROCEDNCIA DA PRETENSO AJUIZADA EM AO CIVIL "EX DELICTO" PELO MINISTRIO PBLICO, ILEGTIMA A CONDENAO DO VENCIDO AO PAGAMENTO DOS HONORRIOS ADVOCATCIOS, TENDO EM VISTA QUE, POR DEFINIO LEGAL (ART. 23 DA LEI 8.906/1994), OS HONORRIOS SO DESTINADOS TO-SOMENTE AO ADVOGADO" (STJ, REsp n 34386/SP, 4 T., Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. de 24.03.1997). 51 So citadas ainda no voto as smulas do STF de n 234 e 450, e os RE n 105.566 e 111.924.

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3. EFICCIA CIVIL DA SENTENA PENAL ABSOLUTRIA Neste item trataremos dos efeitos da sentena penal absolutria no mbito do direito civil; sua repercusso, eficcia, validade etc. Passaremos agora anlise das diversas formas pelas quais o juiz de direito poder absolver o ru, seja por estar provada a inexistncia do fato, seja por no constituir o fato infrao penal etc. Esta uma fase de extrema importncia do processo penal, pois dependendo de como o ru for absolvido, produzir ou no efeitos na esfera cvel. muito comum os advogados recorrerem das decises de 1 instncia para "obter a modificao do fundamento legal quando preenchido o necessrio pressuposto do recurso (eventual prejuzo em tese) que lhe confere legtimo interesse. Assim, por exemplo, se absolvido por insuficincia de prova (art. 386, II, IV, VI do CPP), pode pretender o reconhecimento da inexistncia do fato, diante dos efeitos diversos dessas decises quanto responsabilidade civil (arts. 65 a 67 do CPP)". 52 Portanto, conforme seja a natureza e a fundamentao da sentena penal, que, a sim, poderemos saber o valor que ter no cvel.

3.1. Sentena Fundada na Inexistncia do Fato Ministra o art. 386, I, do CPP que ser absolvido o ru, quando o juiz reconhecer a inexistncia do fato. 53 Assim, quando o ru for absolvido no juzo criminal por este fundamento, sem no haver repercusso alguma na jurisdio civil, obrigando-se assim este juiz a indeferir a inicial e extinguir o processo julgamento do mrito, uma vez que se trataria de pedido

MIRABETE, Julio Fabbrini. Cdigo de Processo Penal interpretado, 8 ed., So Paulo: Atlas, 2000, p. 851. 53 Conjugao dos art. 66 do CPP e 935 do CC/2002. "E, nesta desagradvel contingncia, a ao civil se inviabiliza, pois o fato ilcito, que compe sua causa de pedir, 'indiscutivelmente' no existe!" (Eficcia..., p. 102).

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manifestamente inepto, diante da deciso absolutria ao fundamento de inexistncia do fato, pois, se o fato no existiu, no pode gerar ento efeito algum. Assim tambm se manifestaram, ARAKEN DE ASSIS 54 e MIRABETE. 55 A jurisprudncia tambm tem-se posicionado neste sentido. 56

3.2. Sentena Fundada na Falta de Prova da Existncia do Fato Modalidade presente no art. 386, II, do CPP, que no exclui o dever do ru de indenizar a vtima, pois no se trata de inexistncia do fato, e, sim, de falta de prova da existncia do fato. Nessa hiptese, segundo MIRABETE, "embora com indcios da ocorrncia do ilcito se

"E, nesta desagradvel contingncia, a ao civil se inviabiliza, pois o fato ilcito, que compe sua causa de pedir, 'indiscutivelmente' no existe!" (Eficcia..., p. 102). 55 "Evidentemente, nessa hiptese no pode ser proposta a ao civil pelo fato imputado ao ru absolvido, pois no juzo penal ficou reconhecido que ele no ocorreu" (Cdigo..., p. 239). 56 INDENIZAO - ATO ILCITO - RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL - CONTESTAO PRECLUSO - DESPACHO SANEADOR - LEGITIMATIO AD CAUSAM - TESTEMUNHA SUSPEIO - EMBORA OS JUZOS PENAL E CVEL TENHAM OBJETIVO COMUM, QUAL SEJA, O RESTABELECIMENTO DO DIREITO VIOLADO, A AO PENAL VISA A APLICAO DE PENA OU MEDIDA DE SEGURANA AO INFRATOR, COM A FINALIDADE ESPECFICA DE ASSEGURAR A PAZ SOCIAL, ATINGINDO A SANO, DIRETAMENTE, A LIBERDADE E HONRA DO ACUSADO, ENQUANTO QUE A DENOMINADA AO CIVIL EX DELICTO ENSEJA A PRETENSO DE RESSARCIMENTO MATERIAL VTIMA PELOS DANOS SOFRIDOS, MEDIANTE CONSTRIO MERAMENTE PATRIMONIAL E QUE SE MOSTRE CAPAZ DE RESTITUIR O OFENDIDO AO STATU QUO ANTE, DA FORMA MAIS ADEQUADA POSSVEL. - A responsabilidade civil independente da penal, e, desde que o juiz criminal no tenha reconhecido, categoricamente, a inexistncia material do fato, h licitude em promover pretenso indenizatria no juzo cvel. - O fato de um dos encarregados da empresa em que ocorreu o acidente no haver integrado a ao penal movida contra o dono da firma no o afasta do plo passivo da demanda indenizatria, porquanto sua responsabilidade na produo do evento danoso poder ser aferida quando da sentena final, a ser proferida no processo de ressarcimento de danos. - Incumbe ao ru, na relao processual, apresentar no momento adequado todas as razes de fato e de direito com que impugna o pedido, sendo vedado debat-las posteriormente, face aos efeitos da precluso. - defeso a parte devolver ao Tribunal, mediante agravo, matria objeto de Despacho Saneador que no foi impugnado na devida oportunidade processual, o que no impede, entretanto, que o juiz reaprecie a legitimidade ad causam das partes, por se tratar de questo cujo exame no preclui para o julgador. - A oitiva de testemunha impedida, na qualidade de informante, faculdade outorgada pala lei processual ao julgador, que poder no a utilizar, segundo seu prudente arbtrio e se considerar sua prescindibilidade ao contexto probatrio existente nos autos (TAMG, AgI n 223367-2, 3 Cmara Cvel, Rel. Juza Jurema Brasil Martins, j. de 13.11.1996). Ainda, no mesmo sentido, as apelaes do TAMG, que tiveram como relatora a Juza Jurema Brasil, n 287.069-5 e 247.569-8. Tambm com mesmo entendimento, o STF, em RTJ 52/136).

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tenha instaurado a ao penal, no ficou comprovada cumpridamente sua materialidade". 57 ARAKEN DE ASSIS, citando PONTES DE MIRANDA, ensina que "nenhuma deciso de cognio incompleta atua no cvel", fazendo meno, claro, a este inciso. E mais, que "nada influi quanto existncia do fato, apurvel, mediante a apropriao de provas novas ou de outra avaliao do acervo, na demanda reparatria; e vincula, positivamente, no concernente autoria (art. 1.525, segunda parte, do Cdigo Civil), que no se encontra descartada nesta espcie de sentena, porque, tivesse sido apurado o no envolvimento do ru com o delito, o juzo absolutrio assentaria, tecnicamente, no inciso IV". 58 Portanto, se a absolvio do ru se der com fulcro neste inciso, as portas da jurisdio civil estaro abertas vtima para exercer a sua pretenso reparatria.

3.3. Sentena Fundada na Inexistncia de Infrao Penal O art. 386, III, do CPP prev como hiptese absolutria no constituir o fato infrao penal. "No caso de haver prova de existncia do fato, mas no estar ele subsumido a qualquer figura penal, a absolvio se impe". 59 So exemplos dados por JULIO FABRINI MIRABETE, 60 "a hiptese de se concluir por fraude civil em acusao de estelionato; de se verificar que a vtima de seduo j tinha mais de 18 anos na poca do fato etc. Como bem apontou ARAKEN DE ASSIS, 61 citando FREDERICO MARQUES, "o inciso supe ter a denncia descrito, com foros de razoabilidade, fato tpico penal, chegando, assim, fase agora considerada e superando a rejeio liminar (art. 43, I, do CPP)".

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Op. cit., p. 847. Op. cit., p. 104. 59 Mirabete. Cdigo..., cit., p. 847. 60 Processo Penal, 12 ed., So Paulo: Atlas, 2001, p. 459. 61 Op. cit., p. 104.

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Continuando com as explicaes do processualista gacho, "no caso do art. 386, III, haja vista a diversidade inumervel de situaes, resultante da multiplicidade e desarmonia dos elementos normativos dos tipos penais, a demanda reparatria se abre ao lesado: fato no caracterizado como infrao penal pode, perfeitamente, conter todos os elementos do suporte ftico do ilcito civil". 62 Corroborando este entendimento, o preceito do artigo 67, III, do CPP, assim dispe. 63 Sendo assim, a absolvio criminal, por no constituir crime o fato imputado ao ru, no exclui a responsabilidade civil, pois o fato poder ser civilmente ilcito. 64

3.4. Sentena Fundada na Inexistncia de Prova de o Ru ter Concorrido Infrao Penal O art. 386, IV, do CPP permite a absolvio, se no existir prova de ter o ru concorrido para a infrao penal. Nesta quarta modalidade, no caso de ser reconhecido que o ru no concorreu para a infrao penal, no ficar impedida a vtima de ajuizar a ao reparatria. Embora a modalidade descrita neste inciso possa parecer bastante com a do inciso I, h notria diferena entre elas, pois esta diz respeito inexistncia do fato, enquanto aquela, inexistncia de prova de o ru ter concorrido infrao penal, ressaltando que, neste caso, inexiste prova e, no caso de serem elas insuficientes, estaramos tratando ento de absolvio pelo inciso VI. Neste presente caso, "trs hipteses calham ao inciso: primeira, o acusado logra provar a alegao de negativa da autoria, atravs de libi convincente; depois, a acusao deixa de reunir prova suficiente da62 63

ASSIS, Araken. Eficcia..., cit., p. 104. Art. 67: "No impediro igualmente a propositura da ao civil; III- a sentena absolutria que decidir que o fato imputado no constitui crime". 64 RT 464/265.

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autoria; e, por fim, a imputao de co-autoria, irrogada ao ru, no se respalda na prova". 65 Continua ainda lembrando que "exceo feita primeira, que, no regime do art. 1.525, segunda parte, do Cdigo Civil, trancaria a ao civil contra o mesmo ru, em virtude da incontrovertibilidade da autoria, as outras situaes tornam irrelevante o pronunciamento penal no julgamento da demanda reparatria". 66 Na jurisprudncia, este tambm o entendimento, 67 principalmente neste recente julgado do STJ, 68 no que diz respeito ao dever do ru da ao penal de indenizar a vtima.

3.5. Sentena Fundada em Circunstncia Excludente do Crime ou Isentiva da Pena O disposto do art. 386, V, do CPP arrola como hiptese absolutria a existncia de uma circunstncia que exclua o crime ou isente o ru da pena. Apesar de o Cdigo de Processo Penal elencar os artigos pertinentes a esse respeito, foram estes modificados com a reforma da parte geral do Cdigo Penal, passando ento a ter novos dispositivos: "a) excluso da ilicitude (justificativas), constante do art. 23 do CP (estado de necessidade, legtima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exerccio regular de direito); b) excluso do dolo, seja por erro sobre os elementos do tipo (art. 20, caput, primeira parte, do CP), seja em decorrncia das discriminantes putativas (art. 20, 1, primeira parte do CP); e c) excluso da culpabilidade, prevista no art. 22 (coao irresistvel e obedincia hierrquica), no art. 26, caput (inimputabilidade

65 66

Eficcia..., cit., p. 105. Eficcia..., cit., p. 105. 67 RT 762/596 e 526/325, e RTJ 74/663, in, MIRABETE, Julio Fabrini. Cdigo..., cit., p. 848. 68 "RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAO POR ACIDENTE DE TRABALHO. DECISO CRIMINAL ABSOLUTRIA QUE NO NEGOU A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO FATO. INEXISTNCIA DE CULPA DOS RUS NA ESFERA CRIMINAL. EXTINO DO PROCESSO CIVIL. PRECLUSO INEXISTENTE. AFERIO DE CULPA NO MBITO CVEL. POSSIBILIDADE. - A sentena criminal que, em face da insuficincia de provas da culpabilidade dos rus, proprietrio e encarregado geral da empresa onde houve acidente de trabalho, os absolve com base no art. 386, IV, do CPP, sem negar a autoria e a materialidade do fato, no gera a precluso da discusso da culpa da pessoa jurdica de que possa decorrer eventual responsabilidade civil" (STJ, REsp n 171.682/SP, 4 T., Rel. Min. Csar Asfor Rocha, j. de 29.05.2001).

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por doena mental, desenvolvimento mental incompleto e retardado), no art. 28, 1 (embriaguez fortuita completa), todos do Cdigo Penal". 69 Passaremos agora, para termos uma viso melhor a respeito das excludentes acima, estudar uma a uma, na viso da doutrina e da jurisprudncia.

3.5.1. Estado de necessidade Diz-se em estado de necessidade a pessoa que, para salvar um bem jurdico seu ou alheio, sacrifica o de outrem. Para melhor ilustrarmos este caso, tomemos como exemplo A, dono de um automvel devidamente estacionado na rua, B, trafegando normalmente por esta rua em seu carro, e C, pedestre que atravessava por esta rua. Para evitar uma coliso com C, ou seja, que ele seja atropelado, B abalroa seu veculo no automvel de A. Em vista destes fatos, B ter de indenizar A, mas com direito de regresso em face de C, tendo em vista que ele estava fora da faixa de pedestres. Foi feita, neste caso, a combinao dos artigos 188, II, 929 e 930 do Cdigo Civil/2002. 70 Portanto, embora a lei declare no ser ilcito o ato praticado em estado de necessidade, sujeita seu autor a reparar o prejuzo causado. 71 Ordinariamente, destruir ou deteriorar bens alheios ato ilcito, porque a ningum dado faz-lo. Todavia, excepcionalmente, o legislador entendeu por bem que lcito destruir coisa alheia, desde que com o propsito de evitar um mal ainda maior, no devendo, pois, exceder os limites do indispensvel para a remoo do perigo. Todavia, desde que a vtima no tenha dado causa ao dano praticado por terceiro, ela ter direito de se ver ressarcida. "Tal soluo me parece m porque desencoraja o heri a praticar o ato capaz de evitar mal maior". 72

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ASSIS, Araken. Eficcia..., cit., p. 106. Correspondente aos arts. 160, 1.519 e 1.520 do CC/1916. 71 RODRIGUES, Slvio. Direito civil. v. I. 19 ed. So Paulo: Saraiva, 1988, n. 152, p. 340. 72 RODRIGUES, Slvio. Direito civil: responsabilidade civil. v. IV. 12 ed. So Paulo: Saraiva, 1989, n. 11, p. 29.

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Muito pertinente a observao de ORLANDO SOARES, quando assevera que "no estado de necessidade, ao contrrio da legtima defesa, a vtima inocente". 73 Como bem disse SILVIO RODRIGUES, "a lei, entretanto, fixa dois requisitos para que o ato escape censura da iliceidade. Impe-se: a) que as circunstncias o tornem absolutamente necessrio; b) que no exceda os limites do indispensvel para a remoo do perigo". 74 Com relao ao dever indenizatrio, a jurisprudncia75

tem

entendido ser perfeitamente cabvel em casos como este.

3.5.2. Legtima defesa

Diz-se, em legtima defesa, quem, empregando moderadamente meios necessrios, repele injusta agresso, atual ou iminente, contra um bem jurdico prprio ou alheio. Esta excludente de ilicitude est contida na conjugao dos arts. 188, I, e 1.540 (CC/1916), 76 ambos do Cdigo

Responsabilidade civil no direito brasileiro: teoria, prtica forense e jurisprudncia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, n. 20.2.3., p. 488. 74 Idem, ibidem. 75 "ESTADO DE NECESSIDADE. LICITUDE DA CONDUTA DO CAUSADOR DO DANO. AUSNCIA DE CULPA DEMONSTRADA. CIRCUNSTNCIA QUE NO AFASTA A OBRIGAO REPARATRIA (ARTS. 160, II E 1.520, CC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - O motorista que, ao desviar de "fechada" provocada por terceiro, vem a colidir com automvel que se encontra regularmente estacionado responde perante o proprietrio deste pelos danos causados, no sendo elisiva da obrigao indenizatria a circunstncia de ter agido em estado de necessidade. II - Em casos tais, ao agente causador do dano assiste to-somente direito de regresso contra o terceiro que deu causa a situao de perigo" (STJ, REsp n 12.840/RJ, 4 T., Rel. Min. Slvio de Figuiredo Teixeira, j. 22.02.1994). No mesmo sentido: "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILSTICO. SITUAO DE PERIGO CRIADA POR TERCEIRO. OBRIGAO DO CAUSADOR DIRETO DO DANO DE INDENIZAR, COM AO REGRESSIVA CONTRA O TERCEIRO. APLICAO DO ART. 1.520 DO CDIGO CIVIL. Na sistemtica do direito brasileiro, o ocasionador direto do dano responde pela reparao a que faz jus a vtima, ficando com ao regressiva contra o terceiro que deu origem manobra determinante do evento lesivo. Recurso especial conhecido e provido parcialmente" (STJ, REsp n 127.747/CE, 4T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. 10.08.1999). E, ainda, REsp n 234.263/RJ. 76 Artigo este sem correspondncia no Cdigo Civil/2002.

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Civil. Porm, faz-se mister estarem presentes todos os requisitos para que seja atribudo ao fato a legtima defesa real. Existem em nosso ordenamento jurdico trs espcies de legtima defesa, a real, a putativa e a de terceiro. Contudo, dependendo de por qual delas o ru for absolvido na esfera penal, que saberemos se a vtima ou, no caso de falecimento desta, o cnjuge, filhos etc., ter ou no direito a indenizao. Na doutrina, h aqueles que entendem que a legtima defesa de terceiro e a legtima defesa putativa no devem gerar direito a reparao no cvel. No entanto, este no o nosso entendimento, pois, como que se poderia pensar na hiptese de um terceiro, que no deu causa ao fato, mas teve seu bem jurdico lesado, no ter direito a justa indenizao? A legtima defesa putativa no exime o ru de indenizar o dano, pois somente exclui a culpabilidade e no a antijuridicidade do ato. 77 O Superior Tribunal de Justia vem entendendo ser cabvel a indenizao por parte da vtima, nos casos de legtima defesa putativa, 78 legtima defesa de terceiro, 79 erro de execuo, 80 e por culpa exclusiva

Cf. GONALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudncia. 6 ed. atual. e ampl. So Paulo: Saraiva, 1995. 78 "CIVIL. INDENIZAO. HOMICDIO. PENSO. DANO MORAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. A SUSPENSO DO PROCESSO, NA HIPTESE DE QUE TRATA O ART. 110, DO CPC, FACULTATIVA, ESTANDO ENTREGUE AO PRUDENTE EXAME DO JUIZ, EM CADA CASO, QUE DEVE TER UMA LINHA DE CONTA A POSSIBILIDADE DE DECISES CONTRADITRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DECISES CONTRADITRIAS NA ESPCIE VERTENTE. Ainda que admitida a tese de legtima defesa putativa, subsistiria a obrigao de reparar o dano, visto no ser caso de excluso de ilicitude. Julgamento extra petita caracterizado. Pretenso de pensionamento deduzida, em consonncia, alis, com o disposto no art. 1.537, II, do Cdigo Civil, tendo a sentena, chancelada pelo acrdo, determinado o pagamento da indenizao de uma s vez. Postulada a apurao e fixao em liquidao por arbitramento, a condenao em quantia certa, quanto ao dano moral, desborda do pedido (STJ, REsp n 47246/RJ, 3 T., Rel. Min. Costa Leite, j. 30.08.1994). E, ainda: "RESPONSABILIDADE CIVIL. AO CONTRA O ESTADO POR HOMICDIO PRATICADO POR ESCRIVO CIVIL ATUANDO SIMULTANEAMENTE COMO ESCRIVO POLICIAL. RU QUE ALEGA LEGTIMA DEFESA PUTATIVA. SUSPENSO DO PROCESSO COM BASE NO ART. 265, IV, LETRA "a" DO CPC. INADMISSIBILIDADE NA ESPCIE (ART. 65, DO CDIGO DE PROCESSO PENAL). AGRAVO PROVIDO. O reconhecimento do erro de fato ou legtima defesa putativa, que isenta de pena o ru na esfera do direito criminal, no exclui a responsabilidade civil de reparar danos causados sem ter havido agresso do ofendido, at porque mesmo a culpa levssima impe o dever de indenizar" (TJPR, AgI n 3122, 5 Cmara Cvel, Rel. Des. Fleury Fernandes, publicado em 21.12.1998). 79 "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA OBJETIVA. AO PRATICADA POR POLICIAL RODOVIRIO, NA PRESUMIDA DEFESA DE TERCEIRO. RESULTANTE DE MORTE DE TERCEIRO ESTRANHO AO EVENTO.

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da vtima. 81 J a legtima defesa real, todavia, excludente de ilicitude por excelncia. 82 Por outro lado, quando restar provada culpa concorrente entre a vtima e o agente do Estado, dever ser calculado o valor da indenizao, guardadas suas devidas propores. 83

1. Se o agente pblico, no exerccio de suas funes, pratica dano a terceiro no provocador do evento, h do Estado ser responsabilizado pelos prejuzos causados, em face dos princpios regedores da teoria objetiva. 2. O art. 107, da CF de 1969, em vigor na poca dos fatos, hoje reproduzido com redao aperfeioada pelo art. 37, par. 6 da CF de 1988, adotou a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo temperado. 3. A absolvio de policial rodovirio, no juzo criminal, em decorrncia da morte causada por ocasio de ao praticada em legtima defesa de terceiro, no afasta a responsabilidade civil do Estado, se no provar que o acidente ocorreu por culpa da vtima. 4. Passageiro atingido por disparo de arma de fogo em decorrncia de ao policial contra motorista de veculo. 5. Independncia da responsabilidade civil do Estado em confronto com a criminal, salvo quando no juzo penal se reconhece, via deciso trnsita em julgado, ausncia de autoria e de materialidade do delito. 6. A absolvio no juzo criminal no impede a propositura da ao civil, quando pessoa que no concorreu para o evento sobre dano, no tiver culpa. 7. Indenizao fixada de acordo com as regras do art. 1.537, do Cdigo Civil, considerando-se os ganhos mdios da vtima reduzidos de um tero. 8. Indenizao por danos morais cumulada com a relativa aos danos materiais. possibilidade" (STJ, REsp n 111.843/PR, 1 T., Rel. Min. Jos Delgado, j. de 24.04.1997). 80 "RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGTIMA DEFESA. "ABERRATIO ICTUS". O AGENTE QUE, ESTANDO EM SITUAO DE LEGTIMA DEFESA, CAUSA OFENSA A TERCEIRO, POR ERRO NA EXECUO, RESPONDE PELA INDENIZAO DO DANO, SE PROVADA NO JUZO CVEL A SUA CULPA. NEGADO ESSE FATO PELA INSTNCIA ORDINRIA, DESCABE CONDENAR O RU A INDENIZAR O DANO SOFRIDO PELA VTIMA. ARTS. 1.540 E 159 DO CC" (STJ, REsp n 152.030/DF, 4 T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. de 25.03.1998). 81 RESPONSABILIDADE CIVIL. "SURFISTA FERROVIRIO". CULPA EXCLUSIVA DA VTIMA. Risco assumido inteiramente pelo "surfista ferrovirio", sendo inexigvel e at mesmo impraticvel nessa hiptese a fiscalizao por parte da empresa" (STJ, REsp n 261.027/RJ, 4 T., Rel. Min. Barros Monteiro, j. de 19.04.2001). No mesmo sentido, TAMG, Ap. 263.992-7. 82 "RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAO POR DANOS MORAIS. CRTICA PROFISSIONAL AGRESSES FSICAS DO OFENDIDO. LEGTIMA DEFESA. CONCEITO. REQUISITOS. INOCORRNCIA NO CASO. ARTS. 160-I, CC E 25, CP. ESTADO EMOCIONAL. REEXAME DOS FATOS DA CAUSA. I - Consoante o art. 160, I do Cdigo Civil, a legtima defesa excluiu a ilicitude do ato, ou seja, a responsabilidade pelo prejuzo causado. II - Nos termos do art. 25 do Cdigo Penal, "entende-se em legtima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessrios, repele injusta agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. III - Portanto, para a caracterizao dessa excludente de ilicitude mister a presena dos seguintes requisitos, a saber: a) que haja uma agresso atual ou iminente; b) que ela seja injusta; c) que os meios empregados sejam proporcionais agresso. A ausncia de quaisquer desses requisitos exclui a legtima defesa" (STJ, REsp n 170.563/MG, 4 T., Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. de 16.03.1999). 83 "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE EM PONTE DE MADEIRA -FALTA DE SINALIZAO. HAVENDO CULPA CONCORRENTE, DO MUNICPIO - QUE DEIXOU DE SINALIZAR A ESTRADA E A PRPRIA PONTE, E DO MOTORISTA QUE SABIA DAS CONDIES PRECRIA DESTA - A RESPONSABILIDADE DEVE SER REPARTIDA EM PARTES IGUAIS, ARCANDO, O MUNICPIO COM METADE DOS DANOS APURADOS" (STJ, REsp n 13.369/MS, 1 T., Rel. Min. Garcia Vieira, j. de 26.02.1992).

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3.5.3. Estrito cumprimento de dever legal H casos em que a lei impe determinado comportamento, em face do que, embora tpica a conduta, no ilcita. A sentena penal absolutria, estribada na discriminante do estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, do Cdigo Penal), deixa inclume a pretenso civil da vtima. Lcito que seja o ato, permanece ntegra a referida pretenso perante o agente: no h regra jurdica civil que exclua, no caso, o dever de indenizar. 84 A propsito, AGUIAR DIAS, citado por ARAKEN DE ASSIS, exclama: "Que dever legal , de fato, o que pode causar dano impune? Compreende-se que isente de responsabilidade criminal, mas d-lo sempre como causa da exonerao da responsabilidade civil desconhecer o que est assentado na conscincia jurdica universal: todo dano injusto deve ser reparado". 85 Apesar de esta modalidade no estar na redao do art. 160, I, do Cdigo Civil, entendemos ser possvel fazer uma analogia, aplicando-se ento o estrito cumprimento de dever legal como excludente de ilicitude, o qual, conjugado com o art. 1.540 do mesmo texto legal, parece-nos ficar claro que no seria certo falarmos em indenizao, pois apesar de o fato danoso estar provado, assim como "a relao de causalidade entre a ao e o dano, o procedimento do agente encontra escusativa que lhe retira qualificao de ilcito ou o absolve do dever de pagar", 86 mas, assim como na legtima defesa e no exerccio regular de direito, se ficar comprovado que houve excesso e abuso de direito, dever ento o dano ser reparado.

84 85

Araken. Eficcia..., cit. p. 110. Idem, ibidem. 86 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de direito civil. 19 ed. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 427.

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3.5.4. Exerccio regular de direito Como o prprio nome j diz, trata-se de exerccio, regular, de um direito, como, v.g., o pai que castiga o filho, a pessoa que em posse de jias penhoradas as vende etc., mas sendo vedado o abuso de direito e, claro, a ofensa a patrimnio de terceiro, assim como na legtima defesa. 87 Conforme disposio do art. 160, I, do Cdigo Civil, no

constituem atos ilcitos os praticados em exerccio regular de direito. Na viso da jurisprudncia, o ato, dependendo da forma pela qual foi executado, poder 88 ou no 89 gerar direito indenizao no mbito civil, no podendo haver, como j dito acima, abuso de direito. E para completar, nas palavras do majestoso CARVALHO SANTOS, "o exerccio do direito, embora possa gozar da mais ampla liberdade, no pode ir alm de um justo limite. Por isso que todo direito acaba onde comea o direito de outrem". 90

O Novo Cdigo Civil trata em seu art. 187 do abuso de direito: "Tambm comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes". Lembrando que no h no CC/1916 nenhum dispositivo correspondente, mas, a contrario sensu do exerccio regular de um direito, j o era admitido pela doutrina. 88 CIVIL E PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPREGADA DOMSTICA. SUSPEITA DE FURTO. TRANCAMENTO NO APARTAMENTO. QUEDA DO EDIFCIO. SUSPEITA DE SUCIDIO. IRRELEVNCIA. RESPONSABILIDADE DOS PATRES. EXERCCIO REGULAR DE DIREITO. INOCORRNCIA. USO IMODERADO DO MEIO. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO. I - A relao de trabalho entre patro e empregada domstica confere quele o poder de exigir to-somente as obrigaes decorrentes do contrato de trabalho. Prender o empregado no local de trabalho, sob o argumento de averiguaes quanto a eventual ilcito praticado, constitui uso imoderado do meio, nos termos da melhor doutrina. II - O exerccio regular de um direito no pode agredir o direito alheio, sob pena de tornar-se abusivo e desconforme aos seus fins. III - O cerceamento ao direito fundamental de ir e vir encontra no ordenamento constitucional hipteses restritas, no se podendo atribuir ao empregador o poder de tolher a liberdade do empregado, ainda que por suspeita de crime contra o patrimnio (STJ, REsp n 164.391/RJ, 4 T., Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. de 18.03.1999). No mesmo sentido, STJ, REsp n 111.843/PR. 89 INDENIZAO - Danos morais - Responsabilidade civil - Paciente que teve suas trompas extirpadas durante cirurgia cesariana - Alegao de que tal ato acabou por torn-la infrtil - Risco de vida iminente e comprovado - Tanto a prova documental quanto a testemunhal confirmam o diagnstico do mdico, bem como a necessidade da interveno cirrgica contestada pela autora Tal conduta, caracterizada como exerccio regular de um direito, se impe pelo dever de salvaguardar a vida da autora, bem maior a ser tutelado - Descabe, portanto, o reconhecimento de responsabilidade civil dos rus pelos danos fsico e moral que a autora veio a sofrer - Recurso adesivo no conhecido e recurso principal desprovido. (TJSP, Ap. n 57.416-4, 7 Cmara de Direito Privado - Rel. Des. Benini Cabral, j. de 26.08.1998). 90 SANTOS, J. M. de Carvalho. Cdigo Civil brasileiro interpretado, v. III.

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3.6. Sentena Fundada em Insuficincia de Provas E por ltimo, dispe o art. 386, VI, do CPP que autoriza a absolvio do ru quando no houver provas suficientes para sua condenao. "Refere-se a lei genericamente aos casos em que, excludas todas as hipteses anteriores, no pode ser a ao julgada procedente por falta de provas indispensveis condenao. Assim, cabvel quando houver dvida quanto existncia de uma causa excludente da ilicitude ou culpabilidade alegadas e que, embora no comprovadas, levam absolvio pelo princpio in dubio pro reo". 91 Nessas condies, fica claro que a sentena do art. 386, VI, no repercute na demanda reparatria, que poder muito bem ser proposta. Concluindo esta parte e, lembrando a independncia das

jurisdies civil e penal, no s porque a sentena penal foi absolutria que a pessoa no ter o direito de se ver indenizada ou, pelo menos, de propor este ao o reparatria no cvel. E no A propsito, concerne na jurisprudncia, entendimento. 92 que

independncia das esferas penal e administrativa, tambm h julgados do STJ neste sentido. 93

Mirabbete. Cdigo..., cit., p. 849-850. "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACTIO CIVILIS EX DELICTO. INDENIZAO POR ATROPELAMENTO. INCORRETA EXTINO DO PROCESSO CVEL (CPC, ART. 267, V). DECISO CRIMINAL ABSOLUTRIA QUE NO NEGOU A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO FATO. CC, ART. 1.525, CP, ART. 91, CPP, ARTS. 65 A 67 E 386, VI, CPC, ART. 584. RECURSO PROVIDO. I. Sentena criminal que, em face da insuficincia de provas da culpabilidade do ru (CPP, art. 386, VI), o absolve sem negar a autoria e a materialidade do fato, no enseja a extino do processo cvel com arrimo no art. 267, V, CPC. II. A absolvio no crime, por ausncia de culpa, no veda a actio civilis ex delicto. III. O que o art. 1.525 do Cdigo Civil obsta e que se debate no juzo cvel, para efeito de responsabilidade civil, sobre a existncia do fato e sua autoria, quando tais questes tiverem sido decididas no juzo criminal" (STJ, REsp n 23.330/RJ, 4 T., Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. de 24.06.1992). 93 RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR. PRINCPIO DA IDENTIDADE FSICA DO JUIZ. CARTER NO-ABSOLUTO. ART. 132 CPC. DEMISSO. ABSOLVIO NA ESFERA CRIMINAL. INDEPENDNCIA COM A ESFERA ADMINISTRATIVA. REINTEGRAO. IMPOSSIBILIDADE. O afastamento do juiz que participou da fase instrutria, ainda que por motivo de frias, autoriza seja a deciso proferida por seu sucessor/substituto. Inteligncia do art. 132 do CPC. Entendimento jurisprudencial pacificado no sentido de que a absolvio criminal por falta de provas no vincula o procedimento administrativo, principalmente no caso, onde o servidor militar foi demitido por motivo de imoralidade da conduta, com base em legislao castrense" (STJ, REsp n 170.717/SP, 5 T., Rel. Min. Jos Arnaldo da Fonseca, j. de 11.06.2001).92

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3.7. Outros Casos Merecem ainda algumas consideraes outros casos comuns no nosso dia a dia. Para no nos alongar ainda mais, optamos por mostrarmos apenas o lado jurisprudencial destes casos a seguir, que tambm no obstam a propositura94 96

da

ao

civil

ex

delicto:95 97

o a e,

arquivamento do inqurito policial, inimputabilidade do autor do fato,

a prescrio da ao penal,

o beneficirio do perdo judicial

apesar de no termos conseguido encontrar acrdos que tratasse de anistia e graa, devem os beneficirios destes institutos indenizar as vtimas, conforme deciso do STJ ao tratar do indulto 98. O sursis, claro,"RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSTRUTORA. DESABAMENTO DE LAJE. - A responsabilidade da construtora no fica excluda apenas porque a vtima ocupava um apartamento na condio de locatrio. - O arquivamento do inqurito policial no impede a ao civil de reparao do dano. - Os trinios devem ser considerados, no seu devido tempo, para o clculo da penso devida aos dependentes do policial militar" (STJ, REsp n 276.198/RJ, 4 T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. de 14.12.2000). 95 "AO DE INDENIZAO, POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, POR MORTE DE FILHO MENOR E SEM CAPACIDADE LABORATIVA - RECONHECIMENTO, APENAS, DE DANOS MORAIS - RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DE SENTENA CRIMINAL CONDENATRIA - JUROS COMPOSTOS - EXTINO DA PUNIBILIDADE, NO JUZO CRIMINAL, EM RAZO DA PRESCRIO - IRRELEVNCIA PARA EFEITO DA IMPOSIO DO DEVER INDENIZATRIO - FIXAO DA INDENIZAO EM SALRIO MNIMO PERMISSIBILIDADE. indispensvel a comprovao de que o filho menor trabalhava, ajudando o pai, percepo de indenizao a ttulo de danos patrimoniais, na forma de penso mensal, sendo, no entanto, devida a indenizao a ttulo de danos morais. A sentena que julgar procedente a ao de indenizao, decorrente de ilcito penal far consignar que os juros compostos so devidos desde a data em que o delito foi perpetrado, mesmo em se tratando de responsabilidade do preponente. A extino da punibilidade, por ter operada a prescrio, no exime a reparao de danos, em face da responsabilidade civil, como efeito da sentena penal condenatria. A fixao de indenizao por danos morais em salrios mnimos no significa a vinculao vedada no art. 7, IV da Constituio da Repblica" (TAMG, Ap. 275.523-3, 4 Cmara Cvel, Rel. Juiz Ferreira Esteves, j. de 09.06.1999). 96 "INDENIZAO DE DANOS POR ATO ILCITO. SENDO O AUTOR DO ILCITO MENOR INIMPUTVEL, RESPONDEM SOLIDARIAMENTE PAI E FILHO, NA RBITA CIVIL, PELA REPARAO DO DANO CAUSADO A TERCEIRO (ART. 1.521 C.C.)" (TJRS, Ap. n 598041143, 7 Cmara Cvel, Rel. Des. Maria Berenice Dias, j. de 13.05.1998). 97 "INDENIZAO - ACIDENTE DE TRNSITO - CULPA - PROVA - PERDO JUDICIAL RESPONSABILIDADE CIVIL - SEGURO OBRIGATRIO - COMPROVAO - RESTANDO COMPROVADA NOS AUTOS A CULPABILIDADE CRIMINAL DO RU, MESMO TENDO ESTE SIDO BENEFICIADO PELO PERDO JUDICIAL, CABVEL A RESPONSABILIDADE CIVIL. - A responsabilidade da empresa deve ser reconhecida se o veculo causador do infortnio era de propriedade daquela e o motorista seu scio, fazendo presumir autorizao expressa daquele. - Admite-se a compensao do total da condenao com a verba recebida pela vtima atravs do seguro obrigatrio" (TAMG, Ap. 239.610-5, 1 Cmara Cvel, Rel. Juiz Paris Pena, j. de 23.09.1997). 98 PROCESSUAL PENAL. RU COM BENS INDISPONVEIS. INDULTO NATALINO. INTELIGNCIA DA EXPRESSO "CONDENADO DEFINITIVAMENTE" DO INCISO I DO ART. 8 DO DECRETO N. 1.242/94. POSSIBILIDADE DE O PACIENTE SER INDULTADO E RESSARCIR A VTIMA (PREVIDNCIA SOCIAL) APS O TRNSITO EM JULGADO DA SENTENA94

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nem mereceria comentrios, pois suspenso condicional da pena, ou seja, o ru fora condenado, mas obteve este benefcio da justia, e sendo assim, a vtima, com toda certeza, possuidora de um ttulo executivo. Longe de nossa inteno querer esgotar todos os outros casos no tratados, mas preferimos nos restringir aos mais comuns e corriqueiros do nosso dia a dia.

4. IMPLICAO DE OUTRAS LEGISLAES NA AO CIVIL Apesar de o Direito ser dividido em vrios ramos, ter vrias ramificaes, e estes divididos em cdigos na maioria das vezes, h um grande nmero de legislaes que se encontram fora destes, so as comumente chamadas leis esparsas. Passaremos a uma parte de nosso estudo agora onde iremos pegar alguns aspectos mais interessantes de cada uma delas, claro dentro da ao civil ex delicto.

4.1. A Lei 9.099/95 e os Juizados Especiais Criminais Os chamados Juizados Especiais 99 vieram a tona pela primeira vez com o advento da Constituio de 1988, no seu art. 98, I, que prev sua criao para dirimir conflitos cveis de menor complexidade e infraes penais de menor potencial ofensivo. Foi ento criado pela Lei 9.099/95 e, desde ento, tem sido muito procurado pelos brasileiros em geral. Porm, nas palavras de ROGRIO FELIPETO, "sob o escudo deCONDENATRIA. O indulto no tem o condo de limpar os efeitos civis da condenao. Apenas extingue a punibilidade. Ordem denegada. Ementa da deciso de 17.06.1996: Penal. Indulto. Concesso. Exigncia. Ressarcimento do dano. O indulto, como espcie de extino da punibilidade, deve ser interpretado de forma restrita, estando, assim, sujeito a previso contida na disciplina especfica sobre a necessidade de ressarcimento do dano "ex delicto". Pedido de extenso indeferido (STJ, HC n 3.355/RJ, 6 T., Rel. Min. William Patterson, j. de 05.12.1995). No mesmo sentido, RT 730/467. 99 Vale ressaltar a promulgao da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cveis e Criminais no mbito da Justia Federal, passando os crimes de menor potencial ofensivo de 1 para 2 anos (no superior a 2 anos), no seu art. 2, pargrafo nico.

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proporcionar uma justia mais rpida, renuncia-se ao dever de efetivar a verdadeira aplicao da justia, dizendo-se o direito no caso concreto. O Estado no reconhece a sua incapacidade de saciar as demandas sociais e cria instrumentos paliativos para aliviar a carga processual. A Lei 9.099/95, antes de instrumento de justia, foi recurso de diminuio estatstica de processos, transformando um conflito, uma lide, em nmero, olvidando-se os fatores pessoais e sociais que o circundam". 100 O primeiro dos institutos que iremos estudar ser a composio dos danos, que se encontra no art. 74 da referida lei. sempre cabvel a composio civil dos danos, 101 mas quando se tratar de ao penal de iniciativa privada ou de ao penal pblica condicionada representao, o acordo acarreta a renncia tcita ao direito de queixa ou representao. A partir de ento, a vtima estar em posse de um ttulo executivo judicial, e poder utiliz-lo no juzo cvel. O segundo instituto trazido pela Lei foi a revolucionria transao penal, contida no art. 76, e que iniciar caso tenha restado frustrada a composio dos danos, e se tratando de infrao penal de menor potencial ofensivo (art. 61). Trata-se de um acordo - da o nome transao - feito entre o MP e o autor do fato, quando a vtima quiser vlo sendo processado, onde ser imposto a ele (autor do fato) uma pena restritiva de direito ou multa, na forma do art. 76. Contudo, para o nosso estudo, a parte mais importante desse benefcio est no que dispe o 6 do dispositivo citado, o art. 76, que prev expressamente no ter este dispositivo efeitos civis, cabendo aos interessados propor ao cabvel no juzo cvel. Parece-nos muito lgica esta disposio, uma vez que o transacionado firmou acordo com o representante do Ministrio Pblico, e no com a vtima. Porm, na ao reparatria far-se- necessrio a comprovao de culpa do ru. 102 OutroOp. cit., p. 95. Apenas danos materiais. Danos morais e estticos devero ser cobrados na esfera civil. 102 "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRNSITO - PROCESSO CRIMINAL POR LESES CORPORAIS TRANSAO HOMOLOGADA POR SENTENA - ART. 76 DA LEI 9.099/95 DIVERGNCIA SOBRE A NATUREZA DESSA SENTENA - NECESSIDADE DE COMPROVAO DA CULPA NO JUZO CVEL - APELO PROVIDO. Como a responsabilidade civil independente da criminal e no sendo a sentena homologatria de transao no processo penal, nos termos do artigo 76 da Lei 9.099/95, de natureza condenatria propriamente, faz-se101 100

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fator importante se o ru no pagar a multa da transao penal, onde dever esta ser executada? A resposta vem em arestos do STJ, 103 no sentido de ter de ser promovida execuo penal, nos moldes do art. 51 do Cdigo Penal. O terceiro e ltimo instituto a ser estudado por ns nesta Lei o da suspenso condicional do processo (art. 89). Como o prprio 1, I, do referido artigo impe, ser cabvel a reparao do dano, salvo impossibilidade de faz-lo. O referido 1 trata das condies do, comumente chamado pela doutrina, sursis processual, e o 3 afirma que a suspenso ser revogada se o beneficirio no reparar o dano, desde que tenha motivo justificvel. Portanto, assim como no tradicional sursis j conhecido por todos, este tambm no deve ser tratado diferentemente.

4.2. A Lei 9.714/98 e o Artigo 45 do Cdigo Penal A Lei 9.714/98, tambm conhecida pela lei das penas restritivas de direito, trouxe diversas inovaes na parte geral do Cdigo Penal no que tange aplicao das penas restritivas de direito ou multas. Neste nosso estudo, para no nos delongarmos muito, daremos ateno apenas ao art. 45, 1, pois o que tem a ver com nossa matria. Diz o artigo j mencionado que "a prestao pecuniria consiste no pagamento em dinheiro vtima, a seus dependentes ou (...). O valor pago ser deduzido do montante de eventual condenao de reparao civil, se coincidentes os beneficirios". Portanto, pela redao final do artigo, se por ventura A for condenado a pagar multa a B, no julgamento criminal, de 100 salrios mnimos; e no juzo civil, A for novamente condenado a pagar a B, a importncia de 100 salrios mnimos, os valores devero ser compensados e, assim, A no dever pagar novamente os tais 100 salrios mnimos a B.

necessrio o exame da prova produzida no juzo cvel para o reconhecimento da culpa do requerido" (Ap. Cvel n 131083400, 3 Cmara Cvel, Rel. Juiz Domingos Ramina, j. de 09.03.99). 103 STJ, Resp n 222.061/SP, 5 T., Rel. Min. Felix Fischer, j. de 28.06.2001.

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4.3. O Caso Fortuito e a Fora Maior Apesar destes institutos no configurarem ao civil ex delicto por motivos bvios, ou seja, no existe crime nos casos infra citados, parece-nos interessante fazer uma breve abordagem sobre o tema, uma vez que esta obra tem uma grande abordagem na seara da responsabilidade civil. Dispe o art. 393 do Cdigo Civil de 2002 que "o devedor no responde pelos prejuzos resultantes de caso fortuito, ou fora maior, se expressamente no se houver por eles responsabilizado". 104 Passemos ento aos seus conceitos antes de analisarmos alguns casos da jurisprudncia. O caso fortuito o fato natural, imprevisvel ou inevitvel. fruto do acaso e provm das foras naturais ou de uma causa cujos efeitos no era possvel prever-se ou evitar-se. Assim constituem caso fortuito: uma tempestade, um incndio (no provocado dolosamente), uma enchente, um terremoto etc. J a fora maior seria um fato previsto ou imprevisvel, mas igualmente superior s foras humanas. o acontecimento (fora da natureza, fato de terceiro) que no pde ser previsto nem evitado, e que libera o devedor na impossibilidade de executar sua obrigao ou exonera o autor de um dano na impossibilidade de o evitar em proveito de um credor ou do terceiro vtima de um dano". 105 E, tambm, como j dito por diversas vezes acima, a culpa exclusiva da vtima excludente de responsabilidade civil. Destarte, quando um fato puder ser evitvel e no o for, caber ento indenizao por parte da vtima; pois esta a grande caracterstica do caso fortuito e da fora maior, a sua inevitabilidade. So casos comuns na jurisprudncia a enchente, 106 o incndio, 107 oAntigo artigo 1.058 do CC/1916. NUFEL, Jos. Novo dicionrio jurdico brasileiro, 3 ed., v. I, Rio de Janeiro: Jos KonfinoEditor, 1963, p. 304. 106 "Responsabilidade Civil - Municpio - Mau - Indenizao por danos causados por enchente Chuvas acima dos padres normais, que provocaram inundaes - Culpa atribuda ao servio pblico municipal, pela inexistncia ou m prestao dos servios de preveno e conteno de105 104

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roubo em transporte rodovirio 108 etc. Muito se discute na doutrina e na jurisprudncia com relao responsabilidade dos estabelecimentos bancrios, se objetiva ou subjetiva. Entendemos ser esta subjetiva, uma vez que, v.g., nos casos de perda do talonrio de cheques, o cliente deve comunicar ao banco, caso contrrio estaria agindo com culpa e no teria direito a ser ressarcido. Continuando, num hipottico caso de no haver culpa nem do banco, e nem do cliente, quem que deveria suportar os danos? J. AGUIAR DIAS, ao analisar este caso, entendeu que tal prejuzo competia ao banco, por fora do risco profissional. Nos casos de responsabilidade do banco para com terceiros, responsabilidade aquiliana, ela existe desde que provada culpa do banco ou de seus funcionrios, que ento seria a chamada culpa in eligendo ou tambm, outra espcie, in vigilando. No caso de cheques falsos a jurisprudncia tem entendido que o banco deve se aparelhar melhor para evitar este tipo de problema. 109

guas do Rio Tamanduate - Falta de prova quanto ao argumento - Ocorrncia, por outro lado, de anormal ndice pluviomtrico poca da inundao, com decretao de calamidade pblica Causa excludente (caso fortuito/fora maior) caracterizada, afastando a obrigatoriedade de indenizar" (TJSP, Ap. n 75.708-5, 7 Cmara de Direito Pblico, Rel. Des. Loureno Abb Filho - j. de 31.07.2000). 107 "LOCAO - DANO NO IMVEL - INCNDIO - RESPONSABILIDADE DO LOCATRIO DANOS - ALUGUEL AT A DATA DA RETOMADA - PREVISO CONTRATUAL ADMISSIBILIDADE. A responsabilidade pelo incndio uma subespecificao de natureza contratual, da obrigao de zelar pelo prdio, que por sua vez decorre da obrigao de restituir. O locatrio s se libera provando qualquer espcie de caso fortuito, fora maior, vcio de construo ou propagao de fogo originrio de outro prdio (art. 1.208 do Cdigo Civil). Se os requeridos no contestaram o feito, tem-se por no comprovada a existncia de causa exonerativa - Procedncia que se impunha. Locao - Incndio no prdio. Os alugueres so devidos at a data da efetiva desocupao do imvel, na forma contratada, no cessando com a ocorrncia do incndio que atingiu parte do imvel, tornando-o imprprio para os fins a que foi locado" (TAPR, Ap. n 118392000, 4 Cmara Cvel, Rel. Juiz Srgio Rodrigues, j. de 03/06). 108 "DIREITO CIVIL. INDENIZAO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE RODOVIRIO. ROUBO OCORRIDO DENTRO DO NIBUS. INEVITABILIDADE. FORA MAIOR. EXCLUSO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - A presuno de culpa da transportadora comporta desconstituio mediante prova da ocorrncia de fora maior, decorrente de roubo, indemonstrada a desateno da r quanto s cautelas e precaues normais ao cumprimento do contrato de transporte. II - Na lio de Clvis, caso fortuito "o acidente produzido por fora fsica ininteligente, em condies que no podiam ser previstas pelas partes", enquanto a fora maior "o fato de terceiro, que criou, para a inexecuo da obrigao, um obstculo, que a boa vontade do devedor no pode vencer", com a observao de que o trao que os caracteriza no a imprevisibilidade, mas a inevitabilidade" (STJ, REsp n 264.589/RJ, 4 T., Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. de 14.11.2000). 109 "Cabe ao banco estar aparelhado para detectar falsificaes de assinaturas, arcando com os riscos a que est sujeito no desempenho de sua atividade" (TJSP, JTJ-LEX 188/112).

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Com relao Smula 145 do STJ, que diz que "no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador s ser civilmente responsvel por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave", fica ento a pergunta no caso de A ser condenado na esfera penal por leso corporal ocasionada em B, em face de uma "carona" dada a este. E no juzo cvel, como que ficaria se fosse comprovada culpa leve de A? Ser ento que B, mesmo em posse de um ttulo executivo poderia ser privado de justa indenizao? Em nossa modesta opinio, entendemos que no, pois estas graduaes leve, grave etc. esto, aos poucos, caindo em desuso e, alm disso, processualmente falando, no seria cabvel nos embargos de devedor discutir esta matria. ERNANE FIDLIS DOS SANTOS acrescenta que "impede os efeitos especficos da sentena criminal condenatria, pois a obrigao de indenizar, dela decorrente, resulta do reconhecimento da existncia de crime, como tal definido em lei, e no dos critrios de apurao de responsabilidade que advm da deciso civil". 110

5. CONCLUSES Em regra, a responsabilidade civil independente da

responsabilidade criminal. Entretanto, a materialidade do delito e a autoria deste, alm da ilicitude do ato, uma vez comprovados no Juzo criminal, fazem coisa julgada tambm no cvel. Regras estas contidas nos arts. 935 do Cdigo Civil/2002 e 63 a 67 do Cdigo de Processo Penal. A vtima pode tanto esperar que a deciso na ao penal transite em julgado para propor uma execuo do ttulo, como ajuizar, desde j, uma demanda reparatria. So legitimados ordinariamente, tanto para a liquidao como para a execuo em comento, o ofendido, seu representante legal ou os seus110

Manual de direito processual civil. v. I. 9 ed. So Paulo: Saraiva, 2002, n. 804, p. 571.

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herdeiros. A legitimao extraordinria (ou substituio processual) atribuda ao Ministrio Pblico, desde que para tanto o rgo seja provocado pelo prejudicado pobre e o fato seja oriundo de fato delituoso. No que diz respeito constitucionalidade do art. 68 do CPP, entendemos que foi recepcionado em parte pela CF/88. O simples fato de a sentena penal ser absolutria no fecha as portas da ao reparatria, conforme foi visto no item 3. A absolvio na seara criminal no desconstitui, de per si, a responsabilidade civil, quando, v. g., o fundamento da deciso do juzo penal for a insuficincia de provas. Por outro lado, se o juiz penal absolve o ru, reconhecendo a inexistncia do fato, evidentemente que as portas da jurisdio civil para o ressarcimento do dano ficaro fechadas, pois seria estranho que o juzo criminal negasse e o do cvel afirmasse, terminantemente, a sua existncia. As conseqncias dessa divergncia seriam desastrosas para o prprio prestgio da Justia, gerando enorme insegurana jurdica. Quando a ao penal est correndo mera faculdade do juzo cvel suspender a ao reparatria. Dever ser suspensa apenas quando o magistrado sentir que o desfecho daquela ir influir categoricamente nesta. As actio civilis ex delicto mais comuns so decorrentes de homicdio, leses corporais, calnia, difamao, injria, usucapio ou esbulho e, atualmente, em face dos mdicos e dentistas por erros da profisso.

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