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ACORDAO CASO IV STJ 18.06.2008 PROB: Como crime de resultado (embora de resultado cortado), a burla admitirá, em princípio, a comissão por omissão . Contudo, dúvidas têm sido suscitadas sobre tal possibilidade, com fundamento no carácter de “execução vinculada” de que este tipo de crime se reveste. Ao exigir que o erro ou engano que determina a acção do ofendido seja astuciosamente provocado pelo agente, o legislador parece, numa primeira análise, ter excluído a possibilidade de omissão, aparentemente incompatível com a conduta activa que a descrição típica enuncia. Esse procedimento astucioso ou fraudulento faltará completamente quando a conduta imputável ao agente seja precisamente a falta de acção, ou, por outras palavras, o aproveitamento de um estado de erro do ofendido não provocado por actos “positivos” do agente. Contudo, pode contrapor-se que, nesta hipótese de mero aproveitamento de um erro não provocado, a astúcia não deixará de estar presente (de forma negativa) na dissimulação, ocultação ou sonegação dolosa de informações determinantes para a formação de vontade do ofendido. E assim a questão estaria apenas em saber se o agente tem ou não a obrigação de informar correctamente o ofendido, ou seja, se tem ou não a posição de garante, consumando-se a burla poromissão no caso afirmativo. Caso: O arguido, agindo sempre em nome da sociedade CC, tinha celebrado, como locatário, um contrato de locação financeira sobre um determinado prédio rústico. Posteriormente celebrou com a assistente um contrato-promessa de compra e venda, prometendo vender-lhe o referido prédio, ao qual se previamente deslocou acompanhado do gerente da assistente e do advogado desta. Nunca o arguido referiu que o prédio estava sujeito àquele contrato de locação financeira e que, portanto, a firma por ele representada não era proprietária do mesmo. Coloca a recorrente três questões: a) Violação dos art. 127º e 410º, nº 2 do CPP, porque a Relação modificou a matéria de facto sem ter apresentado nenhuma razão fundada e relevante; b) Integração dos factos, mesmo após a modificação a que a Relação procedeu, no crime de burlaqualificada dos arts. 217º e 218º do CP, se não por acção, ao menos e seguramente,

Acordao Caso IV Stj 18

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ACORDAO CASO IV STJ 18.06.2008

PROB: Como crime de resultado (embora de resultado cortado), a burla admitirá, em princípio, a comissão por omissão. Contudo, dúvidas têm sido suscitadas sobre tal possibilidade, com fundamento no carácter de “execução vinculada” de que este tipo de crime se reveste. Ao exigir que o erro ou engano que determina a acção do ofendido seja astuciosamente provocado pelo agente, o legislador parece, numa primeira análise, ter excluído a possibilidade de omissão, aparentemente incompatível com a conduta activa que a descrição típica enuncia. Esse procedimento astucioso ou fraudulento faltará completamente quando a conduta imputável ao agente seja precisamente a falta de acção, ou, por outras palavras, o aproveitamento de um estado de erro do ofendido não provocado por actos “positivos” do agente.

Contudo, pode contrapor-se que, nesta hipótese de mero aproveitamento de um erro não provocado, a astúcia não deixará de estar presente (de forma negativa) na dissimulação, ocultação ou sonegação dolosa de informações determinantes para a formação de vontade do ofendido. E assim a questão estaria apenas em saber se o agente tem ou não a obrigação de informar correctamente o ofendido, ou seja, se tem ou não a posição de garante, consumando-se a burla poromissão no caso afirmativo.

Caso: O arguido, agindo sempre em nome da sociedade CC, tinha celebrado, como locatário, um contrato de locação financeira sobre um determinado prédio rústico. Posteriormente celebrou com a assistente um contrato-promessa de compra e venda, prometendo vender-lhe o referido prédio, ao qual se previamente deslocou acompanhado do gerente da assistente e do advogado desta. Nunca o arguido referiu que o prédio estava sujeito àquele contrato de locação financeira e que, portanto, a firma por ele representada não era proprietária do mesmo.

Coloca a recorrente três questões:

a) Violação dos art. 127º e 410º, nº 2 do CPP, porque a Relação modificou a matéria de facto sem ter apresentado nenhuma razão fundada e relevante;b) Integração dos factos, mesmo após a modificação a que a Relação procedeu, no crime de burlaqualificada dos arts. 217º e 218º do CP, se não por acção, ao menos e seguramente, por omissão;c) A não ser assim, subsunção dos mesmos factos ao crime de abuso de confiança do art. 205º, nº 4, b) do CP

[matéria de relevo]

1ª instância: crime de burla, pelo qual foi condenado na 1ª Instância

Stj:  forma de comissão por omissão

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O art. 10º do CP faz equivaler, em geral, a omissão à acção, nos crimes de resultado. Mas a punibilidade do agente (aliás, omitente) depende da existência de um específico dever jurídico (não apenas ético) que o obrigue a agir, a evitar o resultado. O omitente, para ser punido, deve ocupar a posição de garante da não produção do resultado.Só esse dever jurídico de agir pode fundamentar a punição, doutra forma a punibilidade da omissãoconstituiria uma intromissão intolerável na esfera privada de cada um. Em resumo: o fundamento da punição da omissão reside na equivalência entre o desvalor da acção e o desvalor da omissão. Como crime de resultado (embora de resultado cortado), a burla admitirá, em princípio, a comissão por omissão. 

Como crime de resultado (embora de resultado cortado), a burla admitirá, em princípio, a comissão por omissão.

Crime de resultado cortado: GMS – crimes que se destinam a produzir um resultado, o tipo menciona o comportamento e o resultado que a acção prossegue e a incriminação pretende evitar, mas em que este resuktado é irrelevante para a consumação do crime: há crime quer o resultado se produza ou não (pg35)

o aproveitamento de um estado de erro do ofendido não provocado por actos “positivos” do agente. hipótese de mero aproveitamento de um erro não provocado, a astúcia não deixará de estar presente (de forma negativa) na dissimulação, ocultação ousonegação dolosa de informações determinantes para a formação de vontade do ofendido.

No crime de burla p. no art. 217º C.P.. objectivamente, o agente, com intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (para si ou outrem), induz outra pessoa em erro, fazendo, com que ela pratique actos que lhe causem a si ou a terceiros, prejuízos patrimoniais.

O crime de burla pode também substanciar um delito de intenção, tendo o agente de actuar com a intenção de enriquecimento, dando-se a consumação com o prejuízo patrimonial da vítima, mesmo que não se efective o enriquecimento.

Para que se possa defender o disposto no nº 1 do art. 217º admite como possível a burla poromissão, é necessário que sejam preenchidos os requisitos gerais do art. 10º do C.P. e o agente se encontre investido num “dever de garante” pela não verificação do resultado, sem que se tenha por relevante que a actual versão do nº 1 do art. 217º não se refere ao “aproveitamento” e porque, como já acima dissemos integra a execução vinculada

saber se o agente tem ou não a obrigação de informar correctamente o ofendido, ou seja, se tem ou não a posição de garante, consumando-se a burla poromissão no caso afirmativo.

Admitem a omissão no crime de burla: Maia Gonçalves, Almeida Costa

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AC: burla activamente mas por actos concludentes. A idoneidade defraudatória deste tipo de actos não suscitará quaisquer dúvidas, assim como a sua equivalência às declarações expressas, desde que seja inequívoco o sentido ou significado dos aludidos actos concludentes, no contexto específico em que são praticados

Almeida Costa: distingue a omissão propriamente dita da prática da burla activamente, embora não por declarações expressas, mas sim por actos concludentes, que, segundo o mesmo, são as «condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas, a um critério objectivo – a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector de actividade –, se mostram adequadas a criar uma falsa convicção sobre certo facto passado, presente ou futuro».

A distinção entre actos concludentes e omissão residiria em que, nos primeiros, o agente cria, assegura ou aprofunda o erro do ofendido, ao passo que na segunda o agente não pratica qualquer acto positivo, “limitando-se” a aproveitar-se do erro em que o ofendido já incorre, não o esclarecendo ou informando do mesmo.na burla cometida através de actos concludentes, havendo uma acção por parte do agente, não há que indagar se ele tem o dever de garante, contrariamente ao que acontece com a omissão, em que só a existência e violação de um tal dever conduz à responsabilidade criminal.

Entre os actos concludentes inclui o mesmo Autor a realização de um contrato: na órbita da conclusão de um contrato, se uma das partes se abstiver de declarar que não se encontra em condições de o cumprir, comete burla por actos concludentes, uma vez que a celebração de um negócio leva implicada a afirmação de que qualquer dos intervenientes tem a possibilidade de satisfazer as obrigações dele emergentes. Boa fé negocial. Jurisprudência concorda (*)

No crime de burla p. no art. 217º C.P.. objectivamente, o agente, com intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (para si ou outrem), induz outra pessoa em erro, fazendo, com que ela pratique actos que lhe causem a si ou a terceiros, prejuízos patrimoniais.

O crime de burla pode também substanciar um delito de intenção, tendo o agente de actuar com a intenção de enriquecimento, dando-se a consumação com o prejuízo patrimonial da vítima, mesmo que não se efective o enriquecimento.

Para que se possa defender o disposto no nº 1 do art. 217º admite como possível a burla poromissão, é necessário que sejam preenchidos os requisitos gerais do art. 10º do C.P. e o agente se encontre investido num “dever de garante” pela não verificação do resultado, sem que se tenha por relevante que a actual versão do nº 1 do art. 217º não se refere ao

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“aproveitamento” e porque, como já acima dissemos integra a execução vinculada

Jurisprudência concorda (*). Exemplos:

considerou-se equiparável o aproveitamento do erro à suaprovocação pelo agente; há situações em que o silêncio doloso sobre um erro preexistente se assimila à indução em erro para efeitos criminais; verifica-se uma astuciosa conduta omissiva do dever de informar

considerou-se que o não cumprimento doloso de um contrato-promessa, não tendo havido nunca vontade real de realizar o negócio correspondente e funcionando o contrato apenas como elemento do engano astuciosamente elaborado pelo agente, deve entender-se verificado um crime de burla

reconheceu-se a admissibilidade da prática da burla através de actos concludentes ou por meio de omissão: A actuação do agente tem de consistir em condutas adequadas a criar a falsa convicção sobre certo facto, e que criem ou assegurem o engano da vítima: estão neste caso as situações em que o agente se abstém de declarar que se não encontra em situação de cumprir, ou quando assume uma obrigação que sabe não poder cumprir, actuando com reserva mental dolosa.

Tribunal admite que o crime de burla pode ser praticado não só por acção, como também por omissão, nos termos gerais previstos no art. 10º do CP. E ainda que, na vertente activa, relevam não só as declarações expressas, como também os actos concludentes.

NO CASO

A má-fé negocial do arguido é, a todos os títulos, evidente. Ele comportou-se activamente como proprietário (melhor, como representante da proprietária), iniciando e intervindo activamente nas negociações para a venda do prédio, ajustando o preço, deslocando-se mesmo ao local acompanhado da outra parte

Esta sucessão de actos, embora nunca envolvendo uma declaração expressa por parte do arguido arrogando-se ou admitindo a qualidade de proprietário do prédio, constitui sem qualquer dúvida um conjunto de actos concludentes

que elenunca realmente quis celebrar aquele negócio

decisão: crime de burla, embora sob a forma de comissão por acção