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Adolescência & Saúde 70 Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 70-75, jul/set 2011 RESUMO A sarcoidose é uma doença granulomatosa não caseosa multissistêmica de etiologia ainda desconhecida. Ela acomete mais frequentemente adultos jovens, porém duas formas infanto-juvenis têm sido descritas. O objetivo deste artigo é propor- cionar, ao profissional que trabalha com essas populações, informações atualizadas sobre esta doença e suas características peculiares na idade pediátrica. PALAVRAS-CHAVE Sarcoidose, diagnóstico, epidemiologia, crianças, adolescente. ABSTRACT Sarcoidosis is a non-caseating multisystem granulomatous disease whose etiology is still unknown. Although it is more prevalent among young adults, two distinct forms affecting children and adolescents have been described. The purpose of this paper is to present an updated overview of this condition in pediatric patients. KEY WORDS Sarcoidosis, diagnosis, epidemiology, children, adolescent. Sarcoidose infanto-juvenil Sarcoidosis in children and adolescents José Henrique W. Aquino 1 1 Chefe da Enfermaria de Adolescentes do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Professor Auxiliar da Disciplina de Medicina de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ José Henrique W. Aquino ([email protected]) Recebido em 23/05/2011 - Aprovado em 20/07/2011 > > > > ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO INTRODUÇÃO A sarcoidose é uma doença granulomato- sa sistêmica de etiologia ainda não conhecida, caracterizada pela formação de granulomas não caseosos podendo envolver diversos órgãos e sistemas. Ela tem sido bastante estudada em adultos, entretanto, por ser uma doença não muito fre- quente em crianças e adolescentes, a literatura disponível sobre o tema é relativamente escassa, embora suas formas de apresentação clínica, sua história natural e seu prognóstico pareçam ser diferentes nessa população pediátrica. O objetivo deste artigo é proporcionar in- formações atualizadas sobre esta desafiadora e fascinante doença em crianças e adolescentes. EPIDEMIOLOGIA A incidência e a prevalência da sarcoidose são bastante variáveis de acordo com a popu- lação estudada, sendo dependentes da idade, raça e localização geográfica do estudo realiza- do, embora isso possa ser explicado, em parte, pelas diferenças regionais na disponibilidade material e no esforço para o diagnóstico 1 . > >

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RESUMOA sarcoidose é uma doença granulomatosa não caseosa multissistêmica de etiologia ainda desconhecida. Ela acomete mais frequentemente adultos jovens, porém duas formas infanto-juvenis têm sido descritas. O objetivo deste artigo é propor-cionar, ao profi ssional que trabalha com essas populações, informações atualizadas sobre esta doença e suas características peculiares na idade pediátrica.

PALAVRAS-CHAVESarcoidose, diagnóstico, epidemiologia, crianças, adolescente.

ABSTRACTSarcoidosis is a non-caseating multisystem granulomatous disease whose etiology is still unknown. Although it is more prevalent among young adults, two distinct forms affecting children and adolescents have been described. The purpose of this paper is to present an updated overview of this condition in pediatric patients.

KEY WORDSSarcoidosis, diagnosis, epidemiology, children, adolescent.

Sarcoidose infanto-juvenilSarcoidosis in children and adolescents

José HenriqueW. Aquino1

1Chefe da Enfermaria de Adolescentes do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Professor Auxiliar da Disciplina de Medicina de Adolescentes da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ

José Henrique W. Aquino ([email protected]) Recebido em 23/05/2011 - Aprovado em 20/07/2011

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ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

INTRODUÇÃO

A sarcoidose é uma doença granulomato-sa sistêmica de etiologia ainda não conhecida, caracterizada pela formação de granulomas não caseosos podendo envolver diversos órgãos e sistemas.

Ela tem sido bastante estudada em adultos, entretanto, por ser uma doença não muito fre-quente em crianças e adolescentes, a literatura disponível sobre o tema é relativamente escassa, embora suas formas de apresentação clínica, sua história natural e seu prognóstico pareçam ser diferentes nessa população pediátrica.

O objetivo deste artigo é proporcionar in-formações atualizadas sobre esta desafi adora e fascinante doença em crianças e adolescentes.

EPIDEMIOLOGIA

A incidência e a prevalência da sarcoidose são bastante variáveis de acordo com a popu-lação estudada, sendo dependentes da idade, raça e localização geográfi ca do estudo realiza-do, embora isso possa ser explicado, em parte, pelas diferenças regionais na disponibilidade material e no esforço para o diagnóstico1.

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O estudo multicêntrico ACCESS7 coletou dados de 704 pacientes recém-diagnosticados como tendo sarcoidose, baseados em achados anato-mopatológicos, quadro clínico, achados labora-toriais e de imagem, e os pareou com controles por idade, sexo, raça e área geográfi ca. O estudo identifi cou diversos agentes ambientais envolvi-dos com o risco de desenvolver sarcoidose, tais como trabalho em agricultura, em indústrias de pesticidas, e o contato com mofo e bolor, entre outros. O uso de tabaco teve associação negativa com o risco de sarcoidose, corroborando outros estudos prévios. Sua forma de distribuição pela população e seu curso clínico parecem sugerir a possibilidade de alguma etiologia infecciosa, ou ao menos associação com alguma infecção.

As micobacterioses, aí incluído o Mycobac-terium tuberculosis e outras espécies atípicas, têm recebido especial atenção. Embora com a presen-ça frequente do teste cutâneo do PPD negativo, o encontro de DNA micobacteriano em lesões de sarcoidose através de PCR (polymerase chain reaction) sugere associação entre as duas entida-des8,9. Mais recentemente, um estudo molecular demonstrou a presença de um novo antígeno de origem micobacteriana nos granulomas da sarcoidose, a proteína catalase-peroxidase do Mycobacterium tuberculosis (mKatG), possivel-mente o alvo responsável pela reação imunoló-gica adaptativa e exagerada desta doença10.

Além das micobactérias, outros agentes infecciosos têm sido associados ao desenvolvi-mento da sarcoidose. Entre eles encontram-se o Propionibacterium acnes, espiroquetas e os herpesvírus9.

Em 2007, um artigo publicado por Izbicki e colaboradores mostrou um aumento signifi ca-tivo na incidência de sarcoidose em bombeiros de Nova Iorque que participaram de operações de resgate no atentado ao World Trade Center. Isso sugere que a “poeira” resultante do desas-tre pode ter desempenhado um papel nesse au-mento de casos11.

Estudos genéticos têm demonstrado a as-sociação entre o HLA-B8 e os alelos HLA-DRB1

A exata prevalência em crianças e adoles-centes é ainda desconhecida e a doença parece ter preferência por adultos jovens.

Embora existam relatos de casos em crian-ças de até 2 a 3 meses de idade, a maior par-te dos casos descritos na população pediátrica ocorre em adolescentes ou pré-adolescentes2.

A incidência geral na Dinamarca é de pouco menos de 0,5 casos por 100.000 hab/ano para crianças e adolescentes menores de 15 anos de idade, sendo de cerca de 0,06 em crianças menores de 4 anos de idade e aumen-tando gradualmente até 1,02/100.000 hab/ano em adolescentes com 14-15 anos3. No entanto, como a prevalência nas populações adultas é pelo menos três vezes maior em afrodescenden-tes que em caucasianos4, podemos estimar que, no Brasil, essa prevalência seja maior quando comparada com os dados dinamarqueses. Nos Estados Unidos da América (EUA), por exemplo, alguns estudos apontam que essa relação racial chega a 8:15. Além disso, assim como nos adul-tos, muitos casos podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos e não serem diagnosticados adequadamente5.

Na população pediátrica dos EUA, a sar-coidose também é, em geral, mais prevalente entre afrodescendentes, fi cando, porém, essa tendência mais clara à medida que a faixa etá-ria avança. Em crianças com 4 anos de idade ou menos, cerca de 28% dos casos de sarcoi-dose são em afrodescendentes, enquanto que em crianças entre 8 e 15 anos este percentual aumenta para até 81%6.

Parece não haver uma clara predominância entre os gêneros na infância e na adolescência, mas estudos em adultos apontam uma incidên-cia discretamente maior entre as mulheres5.

ETIOLOGIA

Embora a etiologia defi nitiva da sarcoidose ainda não esteja determinada, muito provavel-mente ela terá múltiplos agentes provocativos.

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e DBQ1 com a doença12,13, assim como também têm demonstrado a tendência familiar ao de-senvolvimento da sarcoidose. O cromossomo 5 tem sido apontado como o hospedeiro dos genes envolvidos5.

Vale notar que a teoria imunopatogênica aceita hoje em dia para a doença assume que a presença de certos antígenos nos fagócitos mononucleares, em hospedeiros sensíveis, é o que provoca a formação dos granulomas e não a presença de infecção ativa.

Aparentemente, os macrófagos iniciam o processo infl amatório ao apresentar o antígeno suspeito aos linfócitos CD4, fazendo-os liberar citoquinas como a IL-2, a IL-6 e o IFN-gama. A partir daí há a estimulação das células B e hiper-globulinemia, ativação de fi broblastos e aumen-to na relação CD4/CD8 nos locais envolvidos. Esta estimulação mantida pode ser a explicação para a continuidade do processo.

O estudo histopatológico dos granulomas da sarcoidose mostra que eles são constituídos de células epitelioides, células gigantes, células CD4 T no centro e linfócitos CD8 T e B na periferia14.

Os granulomas da sarcoidose ou se resolvem espontaneamente ou evoluem para a fi brose, e o polimorfi smo genético pode infl uenciar a expres-são clínica da doença e determinar sua evolução.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Aparentemente existem duas formas distin-tas da sarcoidose pediátrica. Em crianças mais velhas e em adolescentes, a sarcoidose geral-mente se apresenta como uma doença multis-sistêmica, de certa forma similar à que acomete os adultos, ou seja, com sinais e sintomas gerais, tais como febre, mal-estar e perda de peso e com linfadenomegalias e envolvimento pulmo-nar frequente3,15,16. Por outro lado, em crianças com menos de quatro anos, ela se manifesta por uma tríade composta por “rash” cutâneo, uveíte e artrite (habitualmente poliartrite simétrica)17, à qual nos referiremos como sarcoidose juvenil

de início precoce, em contraponto à sarcoidose juvenil de início tardio.

Sendo assim, não é possível comparar os aspectos clínicos e o prognóstico da doença nes-tes dois grupos, e estas duas formas da sarcoi-dose infantil serão apresentadas separadamente.

A forma juvenil de início precoce geralmen-te se manifesta no primeiro ano de vida7. Suas manifestações iniciais usualmente são o “rash” e/ou a artrite. A uveíte, bem como as manifes-tações sistêmicas, surge durante a evolução da doença. Essas manifestações clínicas são muito semelhantes às da artrite idiopática juvenil (AIJ), e todo o esforço deve ser empreendido para seu diagnóstico diferencial.

Vale lembrar que o “rash” da AIJ é rosado, macular e evanesce com o desaparecimento da febre, enquanto que o da sarcoidose cos-tuma ser papular ou em placas, é fi xo e pode formar cicatrizes ou ter o aspecto ictiforme e a artrite desta enfermidade acomete muito mais a sinóvia, produzindo um aspecto amolecido e indolor à articulação edemaciada, com pouca limitação de movimentos, embora casos de po-liartrite destrutiva já tenham sido descritos14. Pacientes com esta forma da doença apresen-tam mutação genética no NOD 2 (nucleotide binding oligomerization domain 2). Alguns auto-res acreditam que a sarcoidose juvenil de início precoce e a síndrome de Blau sejam a mesma entidade nosológica5.

O acometimento pulmonar ocorre em apenas 22% dessas crianças6 e é bastante va-riável em sua extensão, produzindo alterações anatômicas visíveis pelos métodos de imagem ou comprometendo os parâmetros funcionais respiratórios.

Diferenças de prevalência racial existem, e esta forma acomete muito mais frequentemente os caucasianos que os afrodescendentes e seu prognóstico é reservado apesar do tratamento com grande morbidade e sequelas frequentes (80 a 100%), como glaucoma, cegueira, envol-vimento cardíaco e de outros órgãos, insufi ciên-cia renal e baixa estatura16.

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A forma juvenil de início tardio geralmente acomete crianças a partir dos 8 anos de idade e tem seu pico de incidência em adolescentes entre 13 e 15 anos.

É uma doença multissistêmica, sendo os pulmões os órgãos mais comumente acometi-dos. O sintoma mais frequente é a tosse seca, crônica e de intensidade moderada.

A maioria dos pacientes tem anormalidades no RX de tórax já na apresentação da enfermi-dade, tipicamente caracterizadas por linfonodo-megalia hilar ou paratraqueal bilateral, embora raramente unilateral, com ou sem envolvimen-to parenquimatoso. O padrão radiológico do envolvimento do parênquima pulmonar mais frequente é o padrão intersticial, mas há casos descritos de padrão nodular ou alveolar.

No estudo conduzido por Hoffman na Di-namarca3, nenhum dos 48 pacientes com essa forma de doença apresentava evidências de fi brose pulmonar na abertura do quadro, sen-do que 10% tinham RX de tórax normal, 71% tinham lifonodomegalia hilar isolada, cerca de 8% tinham infi ltrado parenquimatoso com linfa-denomegalia hilar e outros 8% tinham infi ltrado pulmonar sem linfonodomegalia hilar.

Praticamente metade desses pacientes apresentava alterações restritivas nas provas de função respiratória, provavelmente secundárias a alveolite. Eventualmente podemos encontrar um padrão obstrutivo também, por compressão extrínseca da árvore brônquica ou da traqueia pelos linfonodos ou por distribuição peribrôn-quica dos granulomas.

Além dos linfonodos hilares ou paratraque-ais, aproximadamente 50% dos pacientes com a forma juvenil de início tardio apresentam lin-fonodomegalia periférica. Esses linfonodos tipi-camente são fi rmes, não dolorosos e móveis, e são, normalmente, o local mais acessível para a biópsia diagnóstica.

A hepatoesplenomegalia é menos frequen-te (cerca de 40% dos casos), com maior incidên-cia quanto mais precoce for o início da doença e geralmente assintomática.

Da mesma forma, o comprometimento ocular é muito mais frequente na forma juvenil de início precoce, mas mesmo na forma mais tardia ele não é incomum. Em quase 30% dos casos, há algum sintoma ocular, que pode ser desde fotofobia, visão turva ou vermelhidão até franca uveíte, com precipitação de depósitos na parte inferior da córnea e formação de aderên-cias entre a íris e o cristalino18.

Na forma juvenil de início tardio, o aco-metimento ocular mais frequente é a formação de granulomas conjuntivais, pequenos nódulos amarelados e translúcidos, indolores18.

O “rash” cutâneo é muito mais frequente na forma juvenil de início precoce, acometendo qua-se 80% dos casos, enquanto que na forma juvenil tardia sua incidência oscila em torno de 30%.

O estudo de Hoffman3 encontrou a presença de eritema nodoso em cerca de 30% dos pacien-tes e houve sua associação com um melhor prog-nóstico evolutivo. Podem existir outras formas menos frequentes de comprometimento cutâneo, como úlceras, nódulos e lesões discrômicas.

A infi ltração granulomatosa renal não é muito frequente na forma juvenil tardia e a maior parte dos casos de acometimento renal deve-se a hipercalcemia e hipercalciúria decor-rentes da produção de 1,25-dihidroxivitamina D pelas células granulomatosas da sarcoidose.

Pode haver infi ltração granulomatosa de diversos outros órgãos e tecidos, levando a sua disfunção, como no caso de infi ltração de paró-tidas (mais comum na forma precoce) ou de in-fi ltração cardíaca, mais comum em adultos que em crianças e adolescentes e causa não só de insufi ciência cardíaca congestiva como também de arritmias, por vezes graves.

O acometimento do sistema nervoso cen-tral (SNC), comum nos adultos, é incomum na população pediátrica, assim como o acometi-mento vascular. O comprometimento vascular, quando existe, é causado mais comumente por compressão externa pelos granulomas ou por formação desses granulomas na camada média das artérias.

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DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da sarcoidose é eminente-mente clínico e uma boa anamnese e exame fí-sico são fundamentais. Não há nenhum exame laboratorial específi co para esta doença, embora o RX de tórax e níveis séricos elevados da enzima conversora da angiotensina (ECA), em especial em crianças mais velhas e em adolescentes, sejam de utilidade, mesmo levando-se em consideração que os valores séricos da ECA são idade-depen-dentes e que nestes grupos etários seus níveis são de 40 a 50% mais altos que em adultos19.

Em mais da metade dos casos de sarcoi-dose juvenil de início tardio, os níveis séricos da ECA estão elevados para a idade, mas essa alteração também pode ser encontrada em ou-tras doenças.

Acredita-se que a fonte da elevação destes níveis séricos na sarcoidose sejam as células epi-telioides existentes nos granulomas.

O diagnóstico defi nitivo da sarcoidose, dian-te de um quadro clínico-laboratorial compatível, é feito pela presença de granulomas epitelioides não caseosos em amostras de tecidos acometi-dos, desde que outras causas como a tuberculo-se, a histoplasmose, a beriliose, a hanseníase e as doenças de Sjögren e Behçet possam ser exclu-ídas por colorações especiais e/ou por culturas.

Em crianças e adolescentes, os locais de preferência para as biópsias diagnósticas são os linfonodos periféricos, as lesões cutâneas, os nódulos conjuntivais e as glândulas salivares ou lacrimais. Outros sítios passíveis de serem abor-dados são o fígado, a medula óssea, os ossos e os pulmões, embora sejam procedimentos mui-to mais invasivos.

TRATAMENTO

O tratamento de escolha para a sarcoidose juvenil é a corticoterapia sistêmica. A predniso-na ou a prednisolona em doses diárias de 1-2 mg/kg por 4 a 8 semanas podem ser usadas

como indução de remissão, e as doses são gra-dativamente reduzidas em um período de 8-12 semanas, até que se atinja a menor dose capaz de controlar a atividade da doença. Geralmen-te o tratamento deve ter a duração de 6 meses e ser progressivamente retirado se possível. Em caso de relapso, o tratamento é reiniciado com a dose de indução.

Drogas alternativas têm sido usadas no tratamento da sarcoidose no adulto, tais como a azatioprina, o metotrexato, o clorambucil, a ciclofosfamida e a ciclosporina. Nenhuma delas mostrou-se superior aos corticosteroides e pare-cem fi car reservadas para os casos refratários ou àqueles em que os efeitos adversos do corticoide são inaceitáveis.

Mais recentemente, os inibidores de TNF-alfa, como o infl iximabe e o etanercept, têm sido testados, com resultados controversos.

Um estudo duplo-cego, randomizado e placebo-controlado foi desenvolvido pelo NIH (National Institutes of Health) nos EUA. Nesse es-tudo foram usados 2000 mg/dia de pentoxifi lina (um inibidor de fosfodiesterase) e aparentemen-te houve um efeito poupador de corticoide com o uso desta droga, abrindo novas possibilidades terapêuticas20.

Outro estudo nos mesmos moldes vem sendo desenvolvido pelo NIH para avaliar se a atorvastatina também tem um efeito poupador de esteroides.

PROGNÓSTICO

O prognóstico e o curso clínico da sarcoido-se juvenil não são ainda bem estabelecidos. No entanto, a forma juvenil tardia parece guardar um prognóstico melhor que a forma juvenil pre-coce, onde quase todas as crianças desenvolvem alguma sequela grave da doença ou morrem16. Mais estudos envolvendo um número maior de pacientes e um tempo maior de acompanha-mento são necessários para que conheçamos melhor esta desafi adora enfermidade.

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