africanismos na Bahia

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    Esperanas de Boaventuras:Construes da frica eAfricanismos na Bahia(1887-1910)

    Wlamyra Ribeiro de Albuquerque

    Resumo

    Este texto trata das construes em torno da frica postas em cir-culao na cidade da Bahia, nos ltimos anos do sculo XIX e primeirosdo XX. Tendo como principal foco de anlise os desfiles de dois clubescarnavalescos fundados por afrodescendentes Pndegos dfrica eEmbaixada Africana a inteno discutir as referncias que vieram acompor diversas imagens da frica na Bahia da poca. As recriaes so-bre a frica e os africanos foram importantes para a delimitao de lu ga-res scio-raciais, e aqui so analisadas como exerccios polticos de cons-

    truo de identidades pela prpria comunidade afrodescendente nops-Abolio.

    Palavras-chave: Bahia, frica, carnaval, identidades, negro.

    Estudos Afro-Asiticos, Ano 24, n 2, 2002, pp. 215-245

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    Abstract

    Hopes of Blessedness: African Constructions and Africanisms inBahia (1887-1910)

    This article is about African issues exposed in Bahia during thelast years of the 19th century and the first of the 20th. Mainly analyzingparades of two carnival clubs founded by African descendents ThePndegos dfrica and The Embaixada Africana the intention here isto discuss references which helped forming different images of Africaand Bahia at that time. The re-creations about Africa and Africans wereimportant to delimit social-racial places and here they are analyzed aspolitical exercises of identity construction done by the Africandescendants community itself during the period immediately after the

    abolition.Keywords: Bahia, Africa, carnival, identity, Negroes.

    Rsum

    Espoirs de Bonnesaventures: Constructions dAfrique etAfricanisme Bahia (1887-1910)

    Cet article fait une analyse des constructions autour de lAfriquequi ont parcouru la ville de Bahia, entre la fin du XIXme sicle et les pre-miers anes du XXme. Nous voulons y dbatre des rfrences qui ont pudonner lieu diffrentes images dAfrique dans ltat de Bahia de cette

    poque-l; notre analyse a comme thme central les dfils de carnavalprpars par deux clubs fonds par des descendants dAfricains: FoliesdAfriqueet Embassade Africaine. Les rcrations de lAfrique et les Afri-cains ont t importants pour la dlimitation de sites socioraciaux qui,dans cet article, sont analyss en tant quexercices politiques de cons-tructions didentits, dans la priode post-Abolitioniste, par la com mu-naut des descendants dAfricains elle-mme.

    Mots-cls : Bahia, Afrique, carnaval, identits, Noirs.

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    Eu, Esperana de So Boaventura, achando-meem meu perfeito juzo resolvi de minha livre von ta-de fazer o meu testamento pela seguinte forma.Declaro que sou natural da Costa Dfrica no sa-bendo minha idade e filiao por que fui uma dasvictimas de horrvel crime que se chama es cravido

    e por muitos annos envergonhou este Brazil.

    Em 1906, passados quase vinte anos do fim da escravido,Esperana interpretou a impreciso acerca da sua proce dnciacomo parte de uma tragdia brasileira. Foi sabendo-se estrangeirano Brasil, cativa em Santo Amaro e sem informaes sobre a sua fi-liao na genrica Costa dfrica, que ela conheceu e comps ima-gens do seu lugar de origem. Lembranas do cativeiro e fricas re-criadas delineavam, como num caleidoscpio, a avaliao que aafricana chamada Esperana, e mais ainda, da Boaventura, fez desua condio social.1

    Bem, a t ragdia da escravido no impossibilitou os afri ca-nos de conhecerem ou adotarem signos de pertencimento que, seno eram to precisos em termos geogrficos, garantiam vnculosmais firmes com a frica e com os seus, dispersos nos dois lados doAtlntico. Francisca Sall lanou mo de dois importantes re cur-sos identitrios em 1879. Disse ser natural da Costa d'frica eex-escrava do ingls Nicre, de quem comprou sua alforria. Usandoo mesmo artifcio de mencionar procedncia e/ou o antigo pro pri-etrio, Constana Teixeira distribuiu os seus bens entre africanosde nao gallinha.2 Francisca e Constana no estavam inaugu-rando nenhuma novidade ao reconhecerem a si mesmas e aos ou-

    tros a partir destas referncias, entretanto se pensarmos que es ta-vam tratando das trs ltimas dcadas do sculo XIX, quando ha-via cessado o grande trfico e a escravido definhava a olhos vistos,vale analisar os sentidos de denominar-se jej, galinha, nag e,mesmo africano.

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    Os africanos formavam um grupo cada vez mais reduzido

    em Salvador naquela poca. Nas contas de Nina Rodrigues, em1896 eles eram cerca de dois mil. Via-se verdadeira extino a pas-so rpido da colnia africana, disse ele (Rodrigues, 1988:100; Ba-celar, 2001). Entretanto, a condio de estrangeiros estava longeda extino. Estes estrangeiros sabiam bem que o fato de teremnascido na frica, mesmo tendo sido trazidos ainda bem pe que-nos, fazia muita diferena dentro da intricada malha de hi erar qui-as sociais na qual assentava-se a sociedade ps-escravista. Ben vin-do da Fonseca Galvo estava ciente desta condio ao esclarecerem seu testamento que possua duas casas registradas em nome dosseus filhos em razo da proibio das leis provinciais que se opu-nha aos africanos adquirirem bens de raiz.3 Africano era um ad je-

    tivo que realava a condio de ex-cativo em um pas que inventouengenhosas maneiras de conceder alforrias e distinguir so cialmen-te os libertos africanos e seus descendentes a partir da cor da pele,da procedncia, das conquistas pessoais e posies de prestgio.4

    O debate historiogrfico sobre as continuidades possveis erompimentos gestados pelos africanos nas Amricas tem sido pon-tuado por um vocabulrio que inclui conceitos como cri ouli zao,africanizao, transnacionalismo e dispora negra. Os ter-mos/conceitos em circulao revelam no apenas um intenso de-bate em torno dos caminhos metodolgicos e tericos, como tam-bm sugere que interrogaes sejam postas em antigas certezas: aidia de que na Bahia preservou-se uma legtima cultu ra africana

    uma delas. Foi esta certeza que moveu importantes estudiososcomo Nina Rodrigues, Edison Carneiro, Ruth Landes e ArthurRamos, dentre outros, a investigar e registrar o que lhes parecessegenuinamente africano, essencialmente autntico: os afri ca nis-mos.

    O empenho deles, indiscutivelmente, foi fundamental parao que conhecemos hoje da trajetria negra brasileira. Mas, pre ci-so pr interrogaes, transformar em problemas as concluses quefundamen taram (e, de certo modo, ainda fundamentam) as abor-dagens sobre os desdobramentos da escravido na Bahia. A in ten-o de capturar reminiscncias, influncias e sobrevivncias pa tro-cinou estudos de um amplo repertrio das manifestaes e crenas

    da populao negra, mas pouco contribui para pensarmos as di n-micas que marcaram os lugares sociais da frica, dos africanos eseus descendentes nos ltimos anos do sculo XIX.

    Sem dvida, to plural quanto as fricas que aportaram naBahia eram aquelas inventadas no cotidiano de escravos, libertos e

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    livres. Recriaes que ganhavam nitidez no modo como foram in-

    finitamente refeitas as distines tni co/raciais, as formas de en-frentamento das relaes escravistas, os vnculos de afetividade, ascrenas religiosas, mas tambm num extenso leque de contos, mi-tos e celebraes pblicas moldado por inventivas memrias dafrica.

    O propsito deste texto discutir as verses da frica apre-sentadas nos desfiles carnavalescos dos primeiros anos dops-Abolio na Bahia. Tais performances eram textos legveis elegitimados por aqueles que estavam nas margens, e analis-los uma tentativa de abordar, a partir de tal tica, o desmonte da socie-dade escravista na Bahia e os arranjos culturais e polticos dos afro-descendentes em construo no perodo. Tenho como ponto de

    partida a idia de que memrias da frica ento construdas e con-frontadas foram relevantes nas reelaboraes identitrias e rede fi-nio de arranjos socioculturais no mundo de livres e libertos. Aproposta de nos deixarmos guiar pela indignao de Esperanada Boaventura com as conseqncias do exlio foroso dos afri ca-nos no Brasil, assim como pelo seu auto-reconhecimento enquan-to algum que fazia parte de uma comunidade dispersa em muitosterritrios geogrficos e simblicos.

    1. Embaixada Africana: Quando um Rei Etope Veio Bahia

    devi do macacada que todos vs me ledes, vereis este anno negros e

    diabos, diabos e negros, negros diabos, diabos negros, pois que todos osclubes vm do inferno ou da frica.

    Era o que dizia um grupo de folies bem vestidos na ma-drugada de tera-feira no carnaval de 1900.5 Pelo menos em re la-o a muitos clubes da poca, parte desta concluso tinha algumcabimento. Em 1908, o clube Diabos em Folia parecia se incluir nacategoria de diabos negros ao anunciar que era formado por 12africanos originrios da Guin.6 O nmero de clubes, troas emscaras que faziam alguma meno frica no carnaval era mu i-to maior do que os de arlequins e pierrs.7 Os Congos da frica,Nags em Folia, Chegados da frica, Filhos D 'frica, Lem branas

    da frica, Guerreiros da frica... eram as atraes mais comuns nafesta de momo entre 1895 e 1910. Fantasiar-se de africano era ojeito mais divertido de a populao de cor participar da festa.8

    Certamente, quando eles assim se definiam na festa exibiamuma forma de pertencimento diferenciada daquela explicitada por

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    Esperana da Boaventura em seu testamento. Ela, ao se re conhecer

    africana, marcava o seu lugar de expatriada e vtima da escravidocom o peso da proximidade da morte; j eles enfatizavam e sub ver-tiam o lugar de marginalidade que lhes cabia na sociedade do pe-rodo, ao passo que atualizavam os vnculos que os mantinhamcomo comunidade.

    As fricas imaginadas, que ganhavam forma na cena car na-valesca, suscitavam interpretaes e reaes diferenciadas. Demodo generalizado, os batuques e as mscaras avulsas eram osprincipais alvos de crticas por parte da imprensa, e mais os ten siva-mente coibidos pela polcia. A imprensa e a polcia, em certa me di-da, viam com bons olhos os grupos de afrodescendentes fantasia-dos de africanos; j em relao s troas e batuques a perambular

    pelas ruas sem qualquer disfarce, sem nenhuma fantasia, no ha viatolerncia, ainda que clubes e batucadas fossem igualmente iden ti-ficados s cerimnias da religio afro-brasileira que se ouvia portoda cidade, as mal faladas algazarras da gente de cor.Para a po l-cia, era a possibilidade de controle que fazia a diferena.

    A justificativa da imprensa para a proibio aos batuques eraa inadequao deles esttica carnavalesca, mas o que ficava mos-tra era o medo dos ajuntamentos de negros a tocar pandeiros, be-ber e circular livremente pela cidade. J no havia senhores a lan armo de sanes e castigos e a polcia, sempre sob suspeio, estavalonge de ser eficiente na demarcao de limites.9 Os batuques, ti-dos como perigosos, difceis de serem controlados, eram africa nis-

    mos como costumava qualificar a imprensa a pr em risco aordem e o sossego.10 Peter Fry, analisando as distines entre osgrandes clubes e os batuques, concluiu que os primeiros eram osnegros de alma branca, j os outros parecem simbolizar o negroque est mais preocupado com os valores brancos da classe do mi-nante, ou para os quais esses valores no fazem sentido (Fry,1998:25). J Kim Butler distin guiu o clube que utilizava o car na-val para promover a acomodao racial nos mesmos moldes que osclubes brancos Embaixada Africana, do que o utilizava paracontestar contra a perseguio s suas tradies religiosas Pndegos da frica. Na sua concluso, ambos os clubes foram al-ternativas de integrao social, que tinham na cultura a sua ex pres-

    so (Butler, 1998:184).Prefiro apostar aqui noutra perspectiva de anlise da par ti ci-pao destes clubes na farra momesca. Proponho que no cap tu re-mos a presena deles na rua apenas a partir da lgica do seu ajuste ou no ao modelo carnavalesco de inspirao francesa. Des ta

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    forma, movo a minha curiosidade da assimilao/resistncia para

    as mensagens cifradas que, oportunamente, eram traduzidas nointerior da prpria comunidade afrodescendente. por esse visque procuro pensar como o passado africano estava compondo aexperincia dos que herdaram estigmas e desafios escravistas nacondio de liberdade.

    inegvel que a assimilao subversiva do carnaval que estesclubes empreenderam foi um empecilho aos devaneios racistas emcirculao na poca e, portanto, representaram uma barreira aosesquemas hierrquicos herdados da escravido. Contudo, o focona polarizao entre os que embranqueciam e os que se man ti-nham retintos, alm de supor uma funcional articulao culturalnegra contra ou a favor das idealizaes brancas, deixa de lado o

    que me parece mais interessante: os ajustes e tenses internas nosquais a populao de cor estava envolvida naqueles dias de incerte-za. Ainda que eles parecessem adaptados aos olhos das elites,uma inevitvel inquietao se corporizava nas atualizaes da fri-ca. dela que quero tratar.

    No mais, no se pode dizer que os grandes clubes de te m ti-cas africanas, Embaixada Africana e Pndegos d'frica, desfru tas-sem de unanimidade. Os peridicos oscilavam entre critic-los,ressaltando a importncia de extinguir-se toda expresso de afri-canismos, ou elogi-los pela integrao civilizada aos festejos demomo. Entretanto, era incontestvel a popularidade destes clu-bes. Eles atraam o grande pblico ao recm-criado carnaval do

    fim do sculo XIX, na sua cruzada contra o entrudo. Ironicamenteera o carnaval afro-baiano que garantia o sucesso do carnavalafrancesado.

    Quando oCorreio de Notciascomentou os preparativos parao carnaval de 1897 deteve-se num longo e espirituoso manifestoenviado pela Embaixada Africana. O texto, segundo o jornal, erauma nota de pndega e verdadeira troa carnavalesca, pois a em-baixada reclamava o ressarcimento dos prejuzos para o reino daZululndia [territrio da frica do Sul] na ocasio do levantamen-to dos mals. A Embaixada dizia-se representante de uma pa tri-tica colnia africana, e justificava seu manifesto com o argumentode no haver razo de justia para o aoitamento de africanos em

    praa pblica por ocasio da revolta dos mals. Para exigir do go-verno local uma astronmica indenizao em jardas de algodo ris-cado, a Embaixada organizaria um prstito tendo com arautos doisfeiticeiros a prevenir contra o micrbio da febre amarela, seguidosde uma banda de msica formada pela colnia africana da ci da de

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    vestida moda algeriana e abissnia. A cavalaria seria composta por

    guerreiros reais cafrer-zulos. O embaixador Manikus, acom pa-nhado dos seus secretrios Chaca e Muzilla, conclamava toda co l-nia a acompanhar a comitiva ao som de marimbas e instrumentosde sopro trazidos do centro da frica pelo maestro Abd.11

    O manifesto da Embaixada Africana foi muito espirituosopor tratar com ambgua jocosidade um episdio que tanto haviainquietado a sociedade brasileira em 1835 (Reis, 1986). Tor nan dorisvel o que j havia sido trgico, dava-se por encerrado o temor srebelies dos africanos. Por outro lado, o fato de a revolta de 1835ter sido tematizada s reafirmava a sua importncia na memriasocial de uma poca na qual a comunidade mal ainda contavacom adeptos empenhados em guardar e manter segredos litr gi-

    cos, como um africano que em seu testamento identificou-se da se-guinte forma: Eu, Antonio dos Santos Lima, como mulsumano(sic) que sou e em qual religio, nasci criei-me e conservo-me es pe-rando morrer deliberei fazer meu testamento... Sou natural de La-gos, Costa Dfrica e, solteiro segundo as leis do Brazil. Aindadeclarava: do meu gosto que aps a morte o meu corpo fosse en-volvido de acordo com meu rito. O seu enterro deveria ser re ves ti-do de toda modstia como foi sua vida, mas cabia ao seu tes ta men-teiro e sobrinho cumprir o que estava registrado em testamento emais ainda o que lhe recomendei em segredo.12

    Nas suas pesquisas Nina Rodrigues avaliou que nos fins dosculo XIX pelo menos um bom tero dos velhos africanos so bre-

    viventes na Bahia muulmi ou mal, e mantm o culto perfe ita-mente organizado. No era difcil, segundo ele, encontrar sa cer-dotes hausss e nags muulmanos residindo e exercendo a sua fno Pelourinho, Taboo e Carmo com reservas, ainda numa atitudede protesto ou medo s punies impostas em 1835. Ao en trevis tarum nag, ento principal autoridade do culto na Bahia, Nina Ro-drigues avaliou que havia nele um medo do ridculo, do desprezoou mesmo das violncias da populao crioula, que os confundecom os negros do candombl ou feiticeiros (Rodrigues,1988:61).13 Tal temor no era to infundado se lembrarmos da co-mitiva idealizada pela Embaixada Africana para reivindicar a in de-nizao pelos mortos na revolta dos mals: havia dois feiticeiros de

    Bungueira como arautos e caberia a um poderoso desmancha fe i-tio fechar o prstito. Parece que as reservas do culto, e mesmo ofortalecimento do candombl enquanto a autntica religio ne-gra concorriam para um certo desprestgio do Isl. O prprio NinaRodrigues concluiu que

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    [...] o maometismo no fez proslitos entre os negros crioulos e mes ti os.Se ainda no desapareceu de todo, circunscrito como est aos ltimosafricanos, o islamismo na Bahia se extinguir com eles. que o is la mis-mo como o cristianismo so credos impostos aos negros, hoje ainda mu i-to superiores capacidade religiosa deles [...] (Rodrigues,1988:60-1)

    Nina lamentava a extino de uma herana africana de cor-rente de um alto grau de desenvolvimento civilizatrio. A revoltados mals foi para ele uma insurreio religiosa e no um brutallevante de senzalas, uma simples insubordinao de escravos, masum empreendimento de homens de certo valor. Admirvel a co ra-gem, a nobre lealdade com que se portaram os mais influentes(Rodrigues,1988:57). A admirao dele pelos africanos adeptosdo islamismo fica evidente, e mais adiante, discutirei esta pre dile-

    o. Por ora, vale notar que se no havia entre os negros baianoscapacidade para compreender os ensinamentos do Isl, por cer tohavia aqueles a avaliar ser a revolta um episdio capaz de mobilizarfestivamente adeptos de outros cultos.

    A Embaixada Africana comeou a aparecer na imprensa em1895, sempre referida pela sua habilidade para atrair uma com pac-ta massa popular, atenta, seduzida pela exibio de instrumentos edanas africanas. O tom de pilhria dos embaixadores enchia aspginas dos jornais locais, sempre elogiosos da sua criatividade.No manifesto de 1897, enfatizou-se que para provar que o pa pe-lrio no privilgio desta terra das palmeiras, um possante ani-mal carregar o archivo africano, onde viro todos os documentos

    concernentes misso que tem a cumprir a embaixada na Bahia.Se a oralidade estruturou poltica e culturalmente as sociedadesafricanas, a informao sobre o papelrio que teria atravessado oAtlntico poderia ser um reforo do absurdo, do carnavalesco da-quela comitiva. Por outro lado, a inabilidade da polcia para de ci-frar a escrita rabe em 1835 os papis mals , ainda era mo-tivo de zombaria em 1897. Afinal, achincalhar a burocracia, o pa-pelrio, dos poderes pblicos parecia render alguma diverso.

    Depois de uma grande expectativa propalada pelos jornaisem torno do desfile daquele ano, o destaque da Embaixada Afri ca-na no foi o levante mal. A frica ento trazida cena car navales-ca tinha como personagem principal uma caricatura do rei etope

    Menelik. Referido em um panfleto distribudo pelo clube como ovitorioso negus dos negus, Menelik regularmente ocupava as p-ginas dos jornais loca is. O Correio de Not cias de maro de 1900publicou uma longa matria ironizando o governo dele. O pe ri-dico o apresentava com um dspota africano excntrico, que pla-

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    nejava visitar Paris. Tomando como informante o alemo Cle ve-

    land Moffet, o jornal tecia comentrios divertidos sobre os meiospelos quais Menelik exercia o poder na frica. Contou-se que fa ziaparte da sua rotina rondas dirias com a inteno de flagrar a po pu-lao em qualquer pequeno delito, e que a cada domingo pro mo-via-se um farto jantar real ao ar livre, no qual todos os generais dogoverno, proibidos de olharem para o soberano enquanto ele co-mia, se posicionavam na mesa de modo a garantir que o rei tam-bm no fosse visto pela platia popular.14 O extico, risvel, bi zar-ro era assim associado imagem do poderoso soberano africanoque no desfile de 1897 ressuscitava com honras festivas os mortosna revolta de 1835. Fazendo jus caricatura imponente e negra deMenelik no carnaval de 1897, o seu trono era bem alto e ao abojo

    de um grande chapo de sol.

    15

    No era bem esta imagem que os italianos derrotados emAdwa, territrio da Abyssinia, em 1896, t inham do rei Menelik II(note que apenas um ano antes do desfile da Embaixada Africanacom a sua representao). Na opinio de Harold G. Marcus, Me-nelik se firmou como o principal obstculo aos propsitos im peri-alistas europeus na frica, e ao mesmo tempo investiu na expan sodas fronteiras do seu prprio imprio com muita habilidade di plo-mtica e perspi ccia, tendo governado a Etipia at 1913 (Marcus,1975:2).

    A vitria etope sobre os italianos no foi apenas blica, jque admitir a derrota para homens de raa inferior significava

    pr em risco slidas convices imperialistas e raciais ento me dia-doras das relaes entre os ocidentais e o resto do mundo. Bus-cando preserv-las, os europeus passaram a des crever os etopescomo brancos, atribuindo a eles qualidades e caractersticas dosgrandes imprios do ocidente. Na literatura europia, Menelik po-dia ser representado como um heri romntico ou um grande es ta-dista, como na comparao de Skinner entre Menelick e Bis marck,para ele, dois brilhantes estadistas de igual inteligncia (ibidem:215).

    Confrontando os europeus, o rei assegurou o domnio sobreo seu territrio e ameaou as certezas de superioridade branca e eu-ropia, mas nada podia fazer em relao s manipulaes de sua

    imagem. Como diria Mary Louise Pratt, t ratava-se de um em pre-endimento de anticonquista, na medida em que os europeus na tu-ralizavam as diferenas e estabeleciam semelhanas culturais a par-tir de seus objetivos expansionistas, elaborando e divulgando con-venientes representaes do outro flagrado pelas lentes de vi ajan-

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    tes, literatos, diplomatas e jornalistas (Pratt, 1999).16 Vale aqui

    lembrar do alemo que, passando-se por isento observador, deu aconhecer aos leitores do Correio de Notciasas suas impresses so-bre Menelik como um ridculo dspota. A ambigidade que pa ira-va acerca de Menelick fica ainda mais realada se atentarmos para aexistncia de um jornal mensal, noticioso, literrio e crtico de di-cado aos homens de cor que tinha seu nome como ttulo. No pri-meiro nmero esclareceu-se a homenagem do seguinte modo:

    Fundou-se ento este jornal o qual buscou adquirir um nome que, nodeveria, mas era, esquecido dos homens de cor, esse nome o de Me ne-lick II, o grande rei da raa preta [...].17

    OMenelikfoi fundado em So Paulo, no ano de 1915, por-

    tanto, dois anos depois da morte do soberano etope e em meio atmosfera de denncias e reivindicaes da imprensa negra na ca-pital paulista. Sem dvida, um contexto bem distinto da so ciedadebaiana do final do XIX, constatao que no esvazia a importnciade pensarmos sobre os paralelismos e distines destas apro pria-es da figura de Menelik. Por enquanto, trs questes: qual o lu-gar da representao de Menelik veiculada pela imprensa baiana?A partir de quais referncias ele era trazido s ruas pela EmbaixadaAfricana? Quais as possibilidades de leitura da frica suscitadaspela representao do poderoso rei etope?

    Edison Carneiro informou que a Embaixada Africana teriasido fundada por Marcos Carpinteiro, um axogn aquele en-

    carregado do sacrifcio ritual dos animais a serem ofertados aos de-uses afro-brasileiros um importante cargo hierrquico, de umterreiro de candombl situado no Engenho Velho (Carneiro,1974:122). Como vrios autores j ressaltaram, os vnculos entreterreiros de candombl e agremiaes carnavalescas da populaode cor sempre foram muito fortes (Flix & N ery, 1993). Aqui a im-portncia destes vnculos est no trnsito de concepes e pers pec-tivas traadas dentro da comunidade afrodescendente depois deextinta a escravido. Naquela conjuntura, mais do que espaos depreservao de tradies, os terreiros de candombl foram ter ri t-rios de criao e redefinio de smbolos, a partir de uma seleo deinformao sobre a frica e os africanos no Brasil.18 Longe de pre-

    servarem-se sobrevivncias, nas casas de cultos adequavam-se/se-lecionavam-se referncias. Sendo axogn e carnavalesco, MarcosCarpinteiro, possivelmente, contribuiu para a exibio desta fri-ca fragmentada e inclusiva na qual cabia da revolta dos mals ao reiMenelik. Tratava-se de uma frica traada a partir da experincia

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    dos africanos no cativeiro, mas que a transcendia car navalesca-

    mente e na qual passado e presente se confundiam na extrava gn-cia dos reinos e lealdade da colnia africana.Na busca por mais informaes sobre os integrantes da

    Embaixada Africana recorri aos seus testamentos e inventrios.Deste modo localizei Saturnino Gomes, conselheiro em 1902, umano de intensa campanha contra a participao dos clubes afri ca-nos.Uma concorrida disputa entre um sobrinho e dois filhos ile-gtimos pela herana deste prspero comerciante de materiais deconstruo me permitiu conhecer um pouco da sua condio so-cial. Sendo proprietrio de uma casa denominada O 23, pro va-velmente uma homenagem s lutas pela independncia na Bahia,Saturnino Gomes ocupava, desde os ltimos anos do sculo XIX,

    um terreno na avenida mais importante da cidade: a Sete de Se-tembro. As suas propriedades estavam todas localizadas nos dis tri-tos centrais de So Pedro e Vitria.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, poca de agitadas re-formas urbanas, o comerciante conseguiu acumular muitos bens.Entre eles, um piano alemo avaliado em trs contos de ris, almde certos luxos como uma vitrola, 64 discos, uma moblia de salacom 23 peas e uma novssima mquina de escrever. Preocupadoem no ser prejudicado na partilha dos bens e manter a casa co mer-cial em funcionamento, o sobrinho de Saturnino Gomes fez ques-to de inserir no inventrio uma minuciosa lista de contas a serempagas. Segundo a prestao de contas do sobrinho/inventariante o

    comerciante fizera grandes negcios no Rio de Janeiro, contraindodbitos que ainda no tinham sido liquidados devido s vultosassomas envolvidas. A idas e voltas para a capital federal podem tercontribudo para o empenho do comerciante na farra momesca,visto que naquela cidade os investimentos no carnaval j no eramdesprezveis.19

    Tambm compunha a diretoria outros nada afortunados, aexemplo de Esterico da Conceio, artista, registrado no in vent-rio dos seus parcos bens como pardo, e Quintiliano Macrio, tam-bm pardo e artista, que alm de funcionrio pblico era pro prie-trio de uma rocinha com casa de morada s margens do rio Ca mu-rujipe, no Candeal Pequeno. Ambos eram moradores do distrito

    de Brotas. Este englobava reas mais distan tes do centro comercialda cidade, local de antigos engenhos, e ainda era ocupado por pe-quenas roas e stios para a criao de porcos e aves. Ainda que ospoucos e derradeiros africanos estivessem dispersos por toda a ci-dade nos ltimos anos do sculo XIX, o distrito de Brotas reunia

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    uma boa parte deles. Gente com Cornlio de Pedroso, propri et-

    rio de um pequeno stio num lugar chamado Pomar e vi zinho devrios outros africanos.20

    A recorrente e imprecisa categoria de artista no ajuda mu i toa descobrir do que eles se ocupavam especificamente. Podiam serartistas os pedreiros, marceneiros, sapateiros, ferreiros, e tanto ou-tros artfices. provvel que eles fossem os encarregados de con ce-ber e construir os carros alegricos. comum encontrarmos ho-mens de cor nestas funes na documentao do perodo. Em geralestavam instalados em pequenas tendas e oficinas espalhadas pelasruas centrais da cidade, ou reunidos nos cantos de trabalhadoresainda existentes (Reis, 1993; 2000). Assim organizados, a viabi li-dade do ofcio estava garantida, pois facilitava o contato com

    quem precisasse de seus servios.Joo Jos Reis considera a possibilidade de os cantos refle ti-rem, no fim do XIX, a configurao de uma identidade nag naBahia de ento, a qual se manifestava atravs de rituais religiosos,inclusive, talvez de rituais feitos nos mbitos dos cantos (Reis,2000:223). No possvel afirmar que os componentes da Emba i-xada integrassem algum dos cantos, mas tambm no absurdoimaginar que eles circulassem nestes espaos buscando quem se in-teressasse por seus prstimos. Construam-se, assim, zonas de cir-culao das imagens da frica terreiros, cantos, distritos pe ri f-ricos que exibidas no carnaval ganhavam formas, polifonias esentidos. Era nestas zonas que a colnia africana na Bahia era ale-

    goricamente constituda.No carnaval de 1898, o clube enviou redao do Correio deNotciasum telegrama assinado por Manikus, informando a che-gada de um vapor com a Embaixada e convocando a colnia afri-cana para receber aos seus ilustres representantes no caes de SoJoo.21 O telegrama seguia informando que, para reiterar o apre-o dos africanos da cidade aos seus patrcios recm-chegados,mandaram fabricar na Frana um lindo carro de madreprolapara transport-los. A piada devia ser bvia: recepcionar um so-berano africano com sofisticao francesa. Produtos e costumesfranceses eram as grandes aspiraes das elites locais e cujo con tra-ponto s pretenses de afrancesamento estava justamente nos in-

    desejveis africanismos to evidentes na capital baiana. E, comoficou clebre nos discursos dos viajantes, era no cais onde se podiaver estivadores, vendedoras com seus balaios e bandejas, car rega-dores de toda espcie de carga, moleques em pequenas compras...gente de cor a exibir trajes, vocabulrio e comportamentos nada

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    civilizados.22 Assim, carnavalizava-se a frica pondo-a em con-

    traste com as idealizaes culturais construdas a partir das so cie-dades europias, especialmente a francesa. Mais do que isso: aFrana e os baianos afrancesados.

    Em novas configuraes geogrficas, a frica mitificada deMenelick fazia fronteira com muitos lugares nas ruas da Bahia. Oclube Expedio ao Transvaal foi considerado, em 1900, um dosmais freqentados e animados. O tema: a guerra dos bers, queaconteceu na frica do Sul entre 1899 e 1902. Foi em Transvaalonde se concentrou a populao ber ou afrikner, e tambm ondese descobriu, em 1886, valiosas jazidas de ouro. Na avali ao do his-toriador Godfrey N. Uzoigwe, aquela foi a ltima grande em pre ita-da inglesa em territrio africano, encerrada com a assinatura doTra-

    tado de Vere eniging que, de certo modo, s reiterava a sua supre ma-cia na frica do Sul (Uzoigwe, 1985:43-67). A Expedio distri bu iuum manifesto de S. M. O Poder, ironizando a investida inglesa:

    Eloquncia o canho, a bala o verbo.[...]Os papa-bifes da frica, em nome de uma fantasmagoria, a que de no mi-nam liberdade no cessam de abater e dizimar as levas de Johns [...] De-ante desta afirmao aflitiva vendo comear a enfraquecer o hercleopulso da invicta Albion, decide pr-me frente da Grande Expedio aoTransvaal que ahi vedes. Nesta expedio no notareis distino de po-vos. Reuni elementos de pontos os mais variados. Todos so admitidosem minhas fileiras: Hindus, Bedunos, Zulus, selvagens, brbaros e civi-lisados. E ainda irei buscar gente a todas as terras, a todas as partes, a to-

    dos os cantos no Mississipe, no Peru, na Arbia.23

    Nesta espcie de manifesto pacifista, os carnavalescos mos-traram-se bem informados acerca das disputas polti cas na fricado Sul, e divulgavam uma leitura da farra carnavalesca enquantomomento de convivncia entre diferentes. Convivncia, na ver da-de, nada pacfi ca, principalmente nos primeiros anos do sculoXX, quando a polcia assume cada vez mais o papel de reguladordas formas de ocupao do espao da rua. Em 1906, por exemplo,foram proibidos pelo chefe da segurana pblica, Joo Santos, asafricanizaes pelos grupos representando usos e costumes daCosta d'frica.24 Recurso, em parte, malsucedido se observarmos

    que naquele mesmo ano e nos seguintes a Abyssnia de Menelikcontinuou a ser tema de grupos como a Tribu dos Inocentes, a de cla-rar em seu panfleto que levaria para o carnaval no os tistanadosnaturaes, mas os temidos gnios que imperam na frica, rica ecobiada pela fora de sua magia, fazendo pasmo s demais partes

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    da orbe que presentemente tremem entregues, como vs, s lou cu-

    ras imponderveis desta festa sem par.

    25

    Era a vitria de Menelickque continuava a ser re-significada deste outro lado do Atlntico.As guerras que envolviam a partilha da frica eram rapidamentenoticiadas aqui. N o me parece coincidncia que os conflitos nosquais a vitria dos europeus foi mais difcil no caso dos bers ou impossvel na questo etope , os que mais freqente men-te fossem ritualizados nas ruas da cidade. Mas, a proibio do che-fe de segurana foi eficiente se notarmos que o clube Filhos dafrica conseguiu licena do delegado Madureira de Pinho paraparticipar do carnaval, com a condio de obedecer postura.26

    Resta imaginar como os Filhos da frica saram s ruas sem afri ca-nizar-se. Talvez, dentro da lgica racista policial, houvesse afri ca-

    nismos mais aceitveis do que aqueles de que o clube se utilizou.Podemos agora pensar sobre a admirao de Nina Rodrigues Embaixada Africana. Para ele havia ali a idia dominante dos ne-gros mais inteligentes, ou melhor adaptados, a celebrao de umasobrevivncia, de uma tradio (Rodrigues,1988:180). Ao con-trrio dos jornalistas da poca, empenhados em acabar com os te-mveis batuques, o estudioso das prticas africanas na Bahia estavamais atento s variaes da frica trazidas s ruas. Cabe lembrar dasua admirao pelos mals para entender o seu ponto de vista.Mergulhado em suas idias racialistas, Nina Rodrigues via na m ti-ca frica apresentada pela Embaixada Africana uma redeno dabarbrie. Como os europeus surpreendidos com o poderio dos

    etopes, ele reconhecia a superioridade de certos povos africanos, econcluiu ser preciso distinguir

    [...] entre os verdadeiros negros e os povos camitas que, mais ou menospretos, so todavia um simples ramo da raa branca e cuja alta capacidadede civilizao se atestava excelentemente na antiga cultura do Egito, daAbissnia [Etipia] e etc. (Rodrigues, 1988:269, nfases minhas).

    Aperformance da Embaixada Africana constituiu-se mesmonum texto polifnico. Se havia, por parte da grande imprensa, ten-tativas de ridicularizar Menelik, Nina Rodrigues a lia como o re co-nhecimento do valor de certos africanos, pertencentes a um ramosecundrio da raa branca. No h como duvidar de que a pro pa-

    ganda pr-embranquecimento de Menelick tambm cruzou oAtlntico e aportou nas aspiraes racialistas de Nina Rodrigues,ainda que os propsitos do mdico maranhense fossem diferentesdaquelas dos viajantes ingleses. Na sua opinio, clubes como osPndegos d' frica expressavam uma imagem inadequada das so-

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    ciedades africanas, j a Embaixada Africana tinha o seu motivo e

    personagens tomados aos povos cultos da frica, egpcios, abis s-nios, etc. hora de abordar porque os Pndegos d'frica era oprincipal contraponto frica baiana desejada por Nina Rodri-gues.

    2. Pndegos d' frica: A frica Inculta dos Nags

    O Correio de Not ci as, comentando o carnaval de 1897, as si-nalou que o clube Pndegos d' frica havia atrado s ruas o povoe especialmente os africanos; mas africanos de lei acom panha-

    vam-nos entre festa.

    27

    A Ba hia o definiu como um grupo perfe i ta-mente caracterizado, a soar instrumentos prediletos e canes afri-canas.28 A nfase na africanidade do clube e do pblico para Ma-noel Querino, em 1897, se explicava pelos elementos mouros, osinstrumentos da charanga que seriam os mesmos utilizados no fe-itichismo e, principalmente, pelo acompanhamento das afri ca-nas [que] tomadas de verdadeiro entusiasmo, cantavam, dan a-vam e tocavam durante todo o trajeto, numa alegria indescritvel(Querino, 1988:62-3).

    Os comentrios de Nina Rodrigues sobre o Pndegosd'frica tiveram como objeto o desfile do clube em 1899, do qualconstava trs carros alegricos: o prime iro com o rei Labossi,

    margem do Zambeze, em companhia de seus ministros Au,Oman e Abat; o segundo, com dois figures influentes da corte Barborim e Rod; o ltimo representando a cabana do feiticeiroPai Oj e sua mulher com o cabor do feitio, a dar sorte a tudo e atodos. Alm dos carros ainda havia a charanga africana que vinhaa p com seus instrumentos estridentes e impossveis.

    Sob o olhar de Nina Rodrigues, o desfile dos Pndegos d'frica transformou-se num candombl colossal, pela com pac tamultido de negros e mestios cantando cantigas africanas, sapate-ando as suas danas e vitoriando os seus dolos ou santos que lheseram mostrados do carro do feitio. Uma vingana dos negrosfeitichistas, alvo de tenazes investidas policiais no perodo, a im-

    por com instrumentos e canes da terra natal o culto je-je-iorubano na celebrao carnavalesca. Uma exibio da fricainculta que veio escravizada para o Brasil (Rodrigues, 1988:180).Quero lembrar que o mdico maranhense publicou, entre 1896 e1897, uma srie de artigos sobre as prticas mgicas dos negros

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    baianos, que compuseram, em 1900, o li vroO Animismo Fei ti chis-

    ta (Rodrigues, 1935).Em suas avaliaes sobre o carnaval, Nina Rodrigues noperdeu a oportunidade de mais uma vez ressaltar a predominnciasudanesa na Bahia, ao afirmar que foi a frica dos iorubanos, jejse minas que sobreviveu entre a populao crioula. Teriam sidoeles, e no os angolas, que tomaram da frica banto os motivos eidi as dos clubes carnavalescos. No desfile dos Pndegos, a infor-mao mais precisa foi o rio Zambeze, uma importante entradapara o interior da frica oriental no perodo das investidas coloni-alistas. Infelizmente, ainda no encontrei notcias sobre o rei La-bossi, mas possvel que ele tenha sido um personagem ficcional,til na encenao de um reino africano, cujo rei cercado de minis-

    tros, referendado pelo poder de um feiticeiro, detinha o poder demodo soberano. Era esta frica to mtica quanto visvel numa ci-dade onde os batuques perturbavam o sono e os planos das elites.

    Nas informaes de Edison Carneiro, o Pndegos d' fricafoi fundado por Bibiano Cupim, o vice-presidente do conselho di-retrio do clube em 1900 (Carneiro, 1947: 123). Bibiano Cupimtinha um vasto currculo: foi aougueiro, banqueiro de jogo bi cho,carpinteiro (como o axgum que fundou a Embaixada Africana),prior da ordem terceira do Rosrio e membro da Sociedade Pro te-tora dos Desvalidos (Butler, 1998:139). Tendo se declarado mes-tre de obras em 1933, ele herdou de sua famlia certo patrimnio.Foram trs casas rua Lus Gama, no distrito de Sant'Anna, e ou-

    tras duas no distrito de Santo Antnio, sendo uma na Rua da Ma-tana no Barbalho, onde deveria funcionar o seu aougue e o jrentvel negcio do jogo de bicho.29 Com trnsito por tantos am-bientes, Bibiano Cupim se me parece um personagem importantena cena poltico-cutural da poca. Estendendo a sua influncia portantos espaos e ao mesmo tempo constituindo o seu lugar social apartir deles, ele sintetizava algumas formas de insero e leiturasdo mundo de um homem de cor no ps-Abolio. Da banca de bi-cho ordem terceira do Rosrio muitas compreenses acerca dasmudanas provindas da Abolio e da Re pblica estavam sendofiltradas pela populao de cor.

    Tambm havia na diretoria do clube outros senhores de al-

    guns bens. Um deles era o preto Silvrio Antnio de Carvalho, ar-tista e dono de duas casas, seis casinhas e um terreno a Rua Nova doQueimado, em Santo Antnio.30 O outro, Juvenal Luiz Souto, eraproprietrio de uma casa trrea a Rua do Alvo, em N azar, um so-brado no distrito de Sant 'Anna, onde guardava uma moblia aus-

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    traca e um piano alemo, e um terreno na Estrada das Boiadas.

    Este mestre em carpintaria tinha sob suas ordens vrios tra balha-dores manuais executan do obras em diversos prdios pblicos,como delegacias de polcia e o Superior Tribunal de Justia. A suasituao assemelhava-se de um empreiteiro ou mesmo capito decanto. Juvenal Souto tambm ocupou uma vaga na Escola deAprendizes Artfices, onde pode ter conhecido Manoel Querinoque, em 1900, presidia os Pndegos d' frica.31 Este, sem dvida,foi um dos mais importantes integrantes do clube.

    Manoel Querino era um personagem curioso na Bahia dapoca. Nascido mulato em Santo Amaro, foi tutelado por um pro-fessor, ocupou um cargo pblico de menor importncia na Se cre-taria de Agricultura e fundou o liceu de artes e ofcios. Envolvido

    nas grandes questes de seu tempo, foi abolicionista e repu bli ca-no, usando de uma ironia que no isentou de crticas hbitos re-quintados da poca.32 A Manoel Querino comumente atribudaa pecha de imprevidente nas palavras e atitudes; um colecionadorde desafetos (Querino, 1988:2). Mas, sobre ele tambm j foi ditoque muita coisa que havia passado despercebida ao prprio NinaRodrigues no escapou ao olhar investigador do modesto profes-sor negro, que nos desvos ignorados do candombl do Gantois oudiretamente em sua residncia no Matatu Grande, se rodeava develhos africanos, pais e mes de santo (ibidem:14). Em O ColonoNegro como Fator de Civilizao Brasileiraele afirma que o escravoafricano era trabalhador, econmico e previdente, qualidades queos descendentes nem sempre conservavam (ibidem:35). A sua ad-mirao pelos africanos transparente em todos os seus textos.

    Do mesmo modo que Bibiano Cupim, Manoel Querinotambm fez parte da Sociedade Protetora dos Desvalidos, uma as-sociao fundada em 1832 pelo africano livre e ganhador ManoelVictor Serra. Inicialmente denominada Irmandade de Nossa Se-nhora da Sociedade Amparo dos Desvalidos previa, entre as suasfinalidades, associar homens de cor preta e contribuir para acompra da alforria dos que ainda fossem cativos. Para o antro p lo-go Julio Braga, a sociedade era uma importante agncia de pres t-gio e auxlio mtuo, principalmente logo aps a Abolio, quando

    o nmero de recm-ingressos ultrapassou o de antigos scios. Ma-noel Querino teve alguns problemas na instituio. Uma vez de-mitido do quadro de scios, entre 1892 e 1894 ele tentou ser re ad-mitido, s o tendo conseguido depois de muitos acordos com osmembros do conselho (Braga, 1987). A fama de colecionador de

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    desafetos parecia ter sentido, j que a excluso de scios era um ex-

    pediente muito incomum.Manoel Querino e Bibiano Cupim tambm foram associ a-dos do Centro Operrio. Portanto, a presena de ambos frentedos Pndegos d'frica de modo algum era acidental. Ainda em1900, na mesma nota distribuda aos jornais informando sobre oresultado da eleio para dirigentes do clube, elesdiziam que es pe-ravam no serem taboqueados no carnaval seguinte.33 Taboquear,lograr, enganar era esta a queixa, a que a atitude dos dirigentes foi ade tornar pblica o seu desagravo com os logros cometidos. Infe-lizmente, os Pndegos d'frica no tornaram pblico o modo peloqual foram enganados, mas possvel que os africanos de lei,com seus feitichismos, tivessem desagradado os que fossem mais

    crticos a tais exibies.Por certo, as relaes entre os organizadores do carnaval e oclube nem sempre eram to harmoniosas, haja vista as insistentesproibies a tudo que pudesse ser caracterizado como africanismo;mas, como costuma ser de praxe, eram restries que sempre de-pendiam de imprecisas avaliaes da polcia. As ordens do chefe depolcia Domingos Guimares, em agosto de 1885, ilustram muitobem esta atitude. Ele recomendou aos subdelegados que no con-sentissem candombls em seus distritos, pois estavam cassadas to-das as licenas para tal divertimento. Misteriosamente, no dia se-guinte expediu uma circular informando que o Rio Vermelho es ta-va excludo da restrio.34 O que o chefe de polcia nomeava por

    candombl e os motivos da exceo ao distrito do Rio Vermelhono so conhecidos, mas o fato demonstra que as regras j eramcomo so: sempre ao sabor do nimo das autoridades.

    Artista e pesquisador de costumes dos africanos e seus des-cendentes, Manoel Querino ocupava um lugar na fronteira entre ointelectual e o colecionador de impresses, que, segundo a eliteacadmica, no utilizava os padres de cientificidade em vigor.Mais tarde, a sua ambgua posio foi definida pelo termo fol-clorista. Uma designao capaz de garantir respeitabilidade a al-gum que, sendo autodidata, trabalhando com independnciametodolgica, sem ligaes diretas com as tradies da escola ba i a-na, deixou-se resvalar em falhas e senes que, de certo modo, ti ram

    de alguns dos seus trabalhos o exato sabor cientficocomo as si na-lou Arthur Ramos ao prefaciar, em1938, Costumes Africanos noBra sil ( Querino,1988:18). Edison Carneiro disse que as supostasfalhas e senes de Manoel Querino foram equvocos levados a s riopelo prprio Arthur Ramos.

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    Um desses equvocos relacionava-se ao comentrio de Ma-

    noel Querino ao desfile dos Pndegos d' frica de 1897. Ele viu alia reproduo exata de uma festa com mscaras que acontecia emLagos. Edison Carneiro foi contundente em sua crtica a ArthurRamos por ter ele concludo, sob influncia de Manoel Querino,que os festejos cclicos da Costa dos Escravos parecem ter sido ainfluncia principal no carnaval negro na Bahia (Car nei-ro,1974:121). A forma como Carneiro exps a sua crtica muitointeressante. Ele inocentou Querino: um bom observador da vidados negros na Bahia, mas algum [que] no tinha boa informaoacerca dos costumes originais da frica, mas no poupou Ramosque tendo qualificaes de cientis ta, havia acreditado em tal pa-ralelo ( Carneiro,1974:122). A imagem de mero colecionar de in-

    formaes eximiu Manoel Querino da responsabilidade que cabiaao cientista Arthur Ramos.Mas, deixando de lado o discurso cientfico da poca, vale

    pensar aqui sobre a conti nuidade entre a tradio nag e os Pn de-gos d'frica que tanto irritou Edison Carneiro. A continuidadeentre Lagos e Bahia, no s vista como pretendida por ManoelQuerino, presidente do clube, deixa mostra uma leitura da as cen-dncia da Bahia na genrica, mas inclusiva, nao nag. Era comoligao estrita entre a Bahia e a tradio nag que ele enxergava oclube, do qual ele prprio talvez j fizesse parte.35

    Como as sinalouA Ba hia, naquele ano de 1897, os Pndegosestavam perfeitamente caracterizados, numa demonstrao deque o empenho na reproduo exata da festa de Lagos teve al gumsucesso. Tratava-se da representao de uma corte de negros fan ta-siados de nobres a reeditar crenas africanas. Crtico, mas ge ne-roso, Nina Rodrigues ainda comentou que, da parte dos di re to-res do clube, podia haver a inteno de reviver tradies mas, oseu sucesso popular est em constiturem eles verdadeiras festasafricanas ( Rodrigues, 1988:100). Infelizmente no sei se entre osdiretores j estava Manoel Querino, mas Bibiano Cupim cer ta-mente, sim. A posio de Nina Rodrigues ao reconhecer o esforoda diretoria, e lamentar o candombl que eles publicamente pro-moviam, conta sobre os seus dilemas frente herana africana na

    Bahia. A visibilidade desta descendncia num disfarce to re ve la-dor trazia cena carnavalesca uma frica mitificada, mas muitopossvel de ser encontrada nos desvos do Gantois, por onde an da-va tanto Manoel Querino quanto Nina Rodrigues e Edison Car-neiro, numa procura pelas sobre vivncias da(s) frica(s) na Bahia.

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    O que explica tanto as crticas quanto adeses ao desfile dos Pn-

    degos.J. Lorand Matory discutiu a construo da nao yoruba noAtlntico e, centra a sua abordagem nas casas nags de can dom-bl no Brasil. Numa crtica ao essencialismo cultural que orien tou,e ain da tem orientado, as pesquisas sobre a religiosidadeafro-brasileira, o autor identificou Nina Rodrigues e seus seguido-res como articuladores da comprovao cientfica da africanidadedo candombl, e mais ainda da pureza racial e cultural dos nags.O autor informa que os terreiros de candombl da Bahia foramambientes propcios para a reificao da suposta superioridade eunidade cultural dos povos yorubas. Nas tradicionais casas decandombl, informantes como Martiniano Bonfim no s tra zi am

    notcias de Lagos, mas tambm reiteravam a continuidade entre aBahia e o povo yorubano.36 Para J. Lorand Matory, a importnciaatribuda preservao de uma cultura ancestral africana, cons-trua aqui a nao dos nags, garantindo-lhes autenticidade. Nes tesentido, a cultura lida como nag na Bahia foi o resultado de umaconstruo transatlntica, em que a circulao entre Lagos e Bahiafoi condio imprescindvel (Matory, 1999).37

    Extinto o trfico, a frica na Bahia no podia mais ser refeitaatravs da chegada de cont nuas levas de africanos. Mas, a sua re-criao estava em curso em diversos territrios simblicos nosquais um variado repertrio de tradies estivesse disponvel. Pen-so que o clube Nags em Folia, por exemplo, trazia para a rua uma

    interpretao sobre como se podia ser nag na Bahia. Certamenteuma inter pretao filtrada por ex perincias da escravido, estriassobre o mundo africano e por nacionalidades em construo. Pe-quenos afoxs como Lordes Ideais, organizado pelo dogueiro eog do Bate Folha, Jos do Gud, provavelmente trazia a pblico africa que se construa nos seus espaos de insero (Carne i-ro,1974:121-123). Conflitos, assimilaes e intercmbios cul tu-rais foram e, continuam sendo, infinitos dentro da comunidadeafrodescendente. por conta deste movimento que a presena dosPndegos d'frica e Embaixada Africana no me parece atitudesantagnicas, mas dialgicas.

    No h notcias sobre possveis viagens de Manoel Querino

    a Lagos. bem razovel que a semelhana por ele estabelecida te-nha mesmo lhe ocorrido aps relatos de africanos ou de co merci-antes habituados a fazer a rota Bahia Lagos. Alis, esta foi a con-cluso de Edison Carneiro. Afinal, coube aos comerciantes, pri-meiramente de escravos, e depois de dend, fumo e produtos re li-

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    giosos fazer circular notcias e reinventar a frica que se fazia em

    Lagos, um grande centro de negcios da Costa (Cunha, 1985).Nos ltimos anos do sculo XIX, perodo de franca expanso dopoderio ingls, Lagos era uma encruzilhada cultural, ondeafro-cubanos, afro-brasileiros, africanos de mais diversas pro ce-dncias e ingleses se encontravam. J. Lorand Matory informa queem 1889, uma em cada sete pessoas residentes em Lagos havia mo-rado no Brasil ou em Cuba, e se considerarmos a afluncia de pes-soas do interior do continente e de outros pases em busca de bonsnegcios, podemos imaginar como a partir de Lagos a frica se es-palhava pelo mundo navegvel (Matory, 1999:84). Tamanha pre-sena estrangeira continuamente impactava as leituras acerca doque era a frica e os vnculos entre as populaes da dispora. Su-

    ponho que para muitos comerciantes afrodescendentes que no seafastavam da Costa, frica e Lagos fossem sinnimos numa rede fi-nao territorial e cultural da terra dos ancestrais. O que me leva aconsiderar que na Bahia da poca dizer-se nag fosse, no ps-Abolio, o modo mais explcito de dizer-se africano (Rodrigues,1988: 98).

    Numa infeliz viagem do patacho Aliana, em 1899 para aCosta d' frica, os passageiros foram acometidos por febres fatais,tendo que regressar Bahia. Os 60 africanos que pretendiam serrepatriados enfrentaram mais uma vez os dissabores da travessia doAtlntico, trazendo de volta mercadorias que deveriam ser en tre-gues aos comerciantes brasileiros l estabelecidos (Rodrigues,1988:98). Assim que aportou na baa, aps o malogro da viagem edos negcios, vrios comerciantes reclamaram a posse de seusbens. Entre eles estava a africana Julia Maria da Conceio, ne go-ciante, com comrcio estabelecido na freguesia do Passo.38 Per ten-ciam a ela 125 barris de fumo em rolo. Jlia devia ser bem in for ma-da, mesmo depois que cessou o trfico, acerca da vida em Lagos,dos conflitos na frica e das possibilidades de negcio.

    A frica ainda chegava Bahia pelo porto. Neste ponto, pa-reciam concordar Embaixada Africana e os Pndegos d' frica. Aquesto era saber se ela deveria vir na comitiva do rei Menelik ouem meio a mercadorias semelhantes s do comerciante africano

    Jos Fortunato da Cunha, que em 1889 trouxe, entre outras co i sas,trs tabaques sendo um sem coro, uma caixinha de pinho comquinhentos e tantos obis, uma galinha da costa alm de 60 panosda costa.39 Passado o tempo das revoltas, abolida a escravido, arota Bahia-frica ainda ameaava.

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    O medo de que a Bahia continuasse a africani zar-se no

    ps-Abolio punha em pnico grande parte da imprensa, quealentou a esperana de que os seus temores fossem amenizadoscom o fim do trfico e a deportao dos que no fossem nacionais.Sob o ttulo de frica Master, A Bahia publicou em 1899 os co-mentrios de um chistoso e annimo poeta sobre um sermoproferido em lngua nag por um missionrio africano na igreja daS. Traduzindo o culto para seus leitores, o autor conta que o atofoi um apelo em favor dos que viviam como macacos nas flo res tas,nos buracos sem ar, sem luz, sem razo. Na sua traduo dos ver-sos ento proferidos pelo missionrio, dizia-se:

    Vamos, unamo-nos todos, nags e brancos da terra, neste paiz tudo fede,

    neste paiz tudo berra. Abaixo a tola vaidade, um pouco de piedade!Venha da choa ou da sala, para os mseros irmos. Caia a esmola dasmos, a voz do sangue quem fala.

    Na concluso o autor alertava que o discurso do missionrioera incuo, porque na terra do vatap no h mais quem entendaesse verso.40 De novo, temos aqui um chiste, uma piada com sen ti-dos dbios: o poeta poderia estar se referindo a uma ausncia de pi-edade para com a msera frica que sobrevivia dos dois lados dooceano, assim como ao gradual desaparecimento dos que pu des-sem plenamente entender o discurso em nag. Como j vimos, asduas leituras eram correntes no perodo e tinham em comum uma

    forte dose de racismo.Portanto, os discursos racialistas e a extino dos africanosna Bahia no inquietaram apenas Nina Rodrigues e Manoel Qu e-rino. Autores annimos e outros mais famosos, como Xavier Mar-ques, interpretaram a seu modo as mudanas da decorrentes.41

    Enquanto comentavam o fim do xodo africano para o Brasil, osautores releram a prpria escravido, a tirar as suas concluses so-bre os desdobramentos da abolio e da afrodescendncia. Os afri-canos ainda se faziam presentes, fosse por uma certa nostalgia evi-dente em autores como Xavier Marques, fosse por um ansiado al-vio pelo fim da colnia africana no Brasil.

    Imagino que africanos como Ceclia Adolfo, passados anos

    da Abolio, ainda incomodavam quando declaravam ser ca t li-cos, porm prestar culto religio africana, e por esta razo peoque o meu enterro obedea s praxes do rito africano.42 sobreeste tipo de nostalgia e incmodo que fala Xavier Marques no seuromanceO Fei tice iro, e por esta razo que resolvi discuti-lo aqui.

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    3. Os Velhos Africanos e seus Malefcios

    A multido de negros que se aglomeravam nas ruas em diasde momo foi relida por Xavier Marques em O Feiticeiro. No ro-mance, uma moa de famlia Eullia angustia-se por ter re-corrido aos malficos rituais do candombl para resolver seusproblemas sentimentais. Em meio a suas crises de conscincia e fela se d conta da aproximao do carnaval, o que tornava aindamais densa a presena do velho feiticeiro incumbido de in ter me di-ar a sua questo com os temveis dolos do santurio africano.Nas palavras do autor: a ironia desse carnaval acintoso golpea-va-lhe a alma (Marques, 1975:123-124). Na sua imaginao ga-nhava forma

    uma charanga selvagem [na qual]; figurantes velhos, trpegos, medo-nhos, obedeciam aos mo vimentos de um grande pe nacho multicor, sa cu-dido pela mo de agigantado africano, cuja boca disforme sorria, numarreganho canino, com a dentadura branquejante sobre o arre dondadode uma carapua vermelha...Negros e negras avanavam numa danafantstica macabra, a rebramir como feras(ibidem: 123).

    Aqui, o texto de Xavier Marques prima pelo pavoroso. O re-curso de ter relegado sofrida protagonista a tarefa de contar aoleitor as suas impresses sobre a participao negra no carnaval,permitiu ao autor contrapor o que lhe parecia ser dois universosculturais distintos, mas relacionais, numa sociedade onde tanto

    uma frgil mocinha mergulhada em conflitos morais, quanto umassombroso africano com seu riso canino eram personagens pos s-veis. O Fei ti ceirofoi escrito em 1890, quando os jornais locais da-vam ampla cobertura ao policial nos candombls, e am bi en ta-do em 1870, perodo em que a conquista da alforria era um ex pedi-ente cada vez mais comum. evidente a inteno do autor em sa li-entar que o mundo dos africanos e de seus descendentes envolviaas vidas de pessoas que tinham valores, hbitos e aspiraes muitodistintas das vivenciadas por aqueles.

    Ao ler O Fei tice iro, nota-se a nfase na diferenciao dos gru-pos sociais que se encontravam e se distinguiam publicamente.Eram ocasies, a exemplo de um passeio da famlia de um bem-

    sucedido comerciante do Mercado de Santa Brbara pelo stio doMatatu: eles depararam com uma oferenda de adeptos do candom-bl ao p de uma rvore. Diante do assombro da famlia com talachado, o comerciante passa a questionar por que tantas ressalvas f dos negros, j que os catlicos tambm tinham suas crenas, je-

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    juns, retiros e procisses. Noutra situao, era o pano da costa que

    adornava a mesa da sala de visitas do comerciante que surpreendiaos personagens; noutra, era a folia de reis com colorido e animaodos ranchos dos negros. A sociedade branca desenhada por XavierMarques definia-se pela ambigidade. Sem isentar-se da crtica presena dos africanos ao acentuar o incmodo dos batucags namadrugada e da multido de pretos nas ruas, restava sempre umtom de seduo pela mstica religiosa, presteza e artimanhas dagente de cor da cidade.

    Os personagens esto imersos em questes das quais se ocu-pavam os intelectuais da poca. a estria de um prspero co mer-ciante que, clandestinamente, ocupa o cargo de og em um ter re i-ro, de uma moa de cor, costureira, que tenta camuflar as suas ori-

    gens africanas e tem sensaes estranhas quando ouve o som dostambores; ou um escriturrio ansioso por benesses do estado, umaviva catlica temerosa dos malefcios africanos, um jovem ad vo-gado republicano, um prestigiado comendador que divide a camacom sua criada negra e, claro, um feiticeiro africano tio Eles-bo.

    O tio Elesbo criado por Xavier Marques no se diferenciamuito dos lderes religiosos descritos por Nina Rodrigues, ManoelQuerino e Edison Carneiro. Trata-se de um velho altivo, semprecercado por um dedicado sqito, e hbil em estabelecer vnculoscom pessoas de privilegiada situao social. Xavier Marques deixaentrever em seu texto a mesma nostalgia experimentada por Nina

    Rodrigues em relao progressiva e inevitvel extino dos afri ca-nos na Bahia, sem deixar de lado o estado selvagem ento atri bu-do aos velhos e medonhos africanos. Quando um dos per sona-gens, o comerciante e og Paulo Boto assiste a uma festa no ter reirode Elesbo, o ritual o faz pensar que o mistrio da cabala, os ges tosdo ritual, a beleza do culto no se pronunciavam tanto nas mes ti-as pardas, quanto nas puras africanas e nas suas filhas de pele aze-vichada (ibidem:29). Na leitura de Xavier Marques era o africanoque melhor encarnava tanto o bizarro capaz de aterrorizar moasde famlia, quanto a beleza dos terreiros de candombl.

    Nas suas alianas polticas, o africano Elesbo apresentadocomo um monarquista muito contente com o governo e o im pe-

    rador, pois tinha assegurado que a polcia no iria mais in co mo-d-lo (ibidem:202). Diante dos debates em torno da questo re pu-blicana a posio do africano era clara: temia o novo governo e asmudanas. Ao contar sobre uma festa de reis no bairro da lapinha,o autor se deteve num rancho com crioulas vestidas com saias

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    brancas a dar vivas a Pedro, imperador do Brasil. Tradio, servi li-

    dade e conservao de padres foram adjetivos atribudos ao velhoElesbo e sua gente. Em meio s transformaes polticas e cul tu-rais do perodo, o africano representava o que estava em vias de sersuperado. O episdio da sua morte ilustra bem esta questo. Ocortejo fnebre de Elesbo levou para as ruas:

    Negros africanos, cambaios, patudos, encartuchados em velhos re din go-tes; negras minas, gges, nags e crioulas, umas de trufa branca, ou trasde carapinha ao sol, com largos panos de chita e panos da Costa, lis tra dosde azul, pelos ombros abaixo, moviam-se com um bando de urubus emdireitura s Portas do Carmo (ibidem:247).

    Enquanto via passar o andar banzeiro da negraria, a ou tro-

    ra atormentada moa branca que usufruiu os poderes daquele fe i-ticeiro, mostrava-se feliz e indiferente a tamanho espetculo. Ofeiticeiro morreu, no a incomodava mais. Superadas as di ficul da-des, cessava a presena do africano. A sua ausncia s parecia sersentida pela costureira to empenhada em dissimular a sua as cen-dncia. Apenas para ela e os aguadeiros reunidos em torno do cha-fariz a morte do africano parecia representar uma perda.

    A nebulosa e decrescente presena dos africanos no muda vaapenas a vida da protagonista: na viso de Xavier Marques todauma nova situao social se insinuava. No seu texto, ao mesmotempo em que, paira uma certa nostalgia pelo fim dos africanos,sobressai um otimismo pelas mudanas decorrentes do fim da es-

    cravido na sociedade baiana. Por certo, as expectativas acerca deuma sociedade onde a escravido no existisse no eram exclusivasdos intelectuais. Sem negligenciar o carter progressivo da Abo li-o no Brasil, a completa extino desta instituio em 1888 nopassou despercebida populao de cor, fosse ela livre, liberta, ca-tiva e/ou proprietria de escrava. As representaes da frica, as re-aes decrescente presena dos africanos, as definies acerca dasprerrogativas do trabalho livre, as formas de represso ao re pert-rio cultural afro-brasileiro compunham todo um complexo qua-dro de referncias a partir do qual a numerosa populao de corconstrua lugares sociais e auto-representaes.

    Em 1876, vrios homens se envolveram em uma confuso

    num samba no distrito de Piraj. Tudo comeou quando CosmeRamos pediu um copo de cachaa ao dono da casa, Manoel Li b-rio dos Santos, recebendo em troca uma poro de petrleo. Aatitude do dono da casa foi vista por dois outros homens que to ca-vam pandeiro. Um deles mostrou-se indignado e disse para Ma-

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    noel Liborio o seguinte: isso no coisa que se faa a um cidado

    brasileiro. O comentrio resultou em grande tumulto e um ho mi-cdio. Entre os envolvidos, estava um portugus, operrio em umaolaria, dois roceiros e um servente todos, pardos ou mulatos,moradores na freguesia, exceto o portugus. Na maioria dos de po-imentos a fala do sambista apareceu como o incio da confuso,obviamente estimulada pela cachaa que temperava a farra. O ar-gumento utilizado para marcar a impropriedade da atitude dodono da casa , no mnimo, curioso.43

    No pretendo aqui espe cular sobre o que viria a ser ci dada-nia para um grupo de trabalhadores/sambistas na dcada de 70 dosculo XIX. Mas inegvel que pertencimento e identidade eramquestes que estavam em jogo naquela roda de samba. Eram as

    mesmas que sustentavam a participao controversa dos clubesafricanizados no carnaval, e davam coerncia ao texto de XavierMarques. Em meio falncia do escravismo e construo de umasociedade to excludente e hierrquica, a populao de cor poderiaestar buscando livrar-se de marcas escravistas, mas este era umexerccio que envolvia a atualizao de memrias da frica e da es-cravido.44

    A condio de estrangeiros de alguns dos sobreviventes datrgica dispora africana, a exemplo, de Esperana da Boaventura;a participao dos clubes africanizados; a queixa quanto ao tra ta-mento que cabia a um brasileiro, para mim fazem parte de ummesmo contnuo deslocamento entre frica(s)/Brasil e es cravi-

    do/ liberdade. E, este, como sugere Ira Berlin trata-se de um mo-vimento nem sempre na mesma direo (Berlin, 1998).

    Notas

    1. Srie Judiciria, Inventrios, 1906/1907, Arquivo Pblico Municipal de SantoAmaro (doravante APMSA).

    2. Srie Judiciria, Testamentos, 1876-1890, Arquivo Pblico Estadual da Bahia (do-ravante APEBA). O liveira (1997) discute as construes dos nomes de nao no tr-

    fico de escravos para a Bahia, considerando que tais denominaes orientaram as re-laes entre os africanos na dispora, assim como as transaes comerciais entre Bra-sil e frica.

    3. Oliveira (1988:40) comentou que a proibio foi decorrente das sanes impostasaos africanos aps a revolta dos mals, em 1835. A autora encontrou apenas trs tes-

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    tadores neste impedimento, o que a levou a concluir ter a lei cado em desuso; contu -do, acho importante uma anlise dos desdobramentos da lei em comparao aos pe-didos de naturalizao dos africanos.

    4. Cunha (1985) e Oliveira (1988)discutem as diversas restries sociais impostas aosafricanos libertos como medidas de controle.

    5. Correio de Notcias, 28/2/1900.6. A Ba hia, 23/2/19087. Cunha (2001:171) analisa que no Rio de Janeiro quase exclusivo dos cordes eram,

    no entanto, ttulos que remetiam a etnias e origens africanas. Ver tambm Vieira Fi-lho (1995).

    8. D igo populao de cor, visto a hiptese razovel de que estes grupos eram majoritari-amente formados por afrodescendentes. Robert Conrad (1972: 283-285) indica queentre 1886-1887 foram matriculados apenas 1.001 escravos sexagenrios. E, segun-do Joo Jos Reis, se em 1857 os africanos representavam 100% dos ganhadores es-

    cravos e libertos de Salvador, j em 1887, dos trabalhadores reunidos em cantos 49%eram africanos, sendo que 74% tinham mais de 60 anos (Reis, 1993:31;2000:200-201).

    9. Sobre as preocupaes e tentativas de controle da populao pobre na Bahia no s cu-lo XIX, ver Fraga Filho (1996).

    10. Vieira Filho (1995), discute as formas e motivos de represso aos batuques.11. Correio de Not cias, 27/1/1897.12. Sesso Judiciria, Testamentos, 1900-1910, APEBA.13. Querino (1988: 66-72) se referiu aos mals como um grupo de valores morais rgi dos

    e ritos muito distin to dos demais grupos africanos.14. Correio de Not cias, 8/3/1900.15. Correio de Notcias, 27/2/1897.16. Pratt (1999) aborda os empreendimentos colonialistas europeus no sculo XVIII.

    Na sua pesquisa a autora apreende os relatos de viagem, d irios e compndios de his-tria natural como fontes para entender os encontros culturais entre colonizadores ecolonizados.

    17. O Menelick, 17 outubro de 1915.18. Para Kim Butler o candombl caracterizou-se no perodo com espao de construo

    de uma conscincia afro descendente de valorizao e preservao da cultura africana(Butler, 1998: 191). H uma excelente discusso sobre esta questo em Dantas(1988).

    19. Existe uma vasta bibliografia que aborda os investimentos no carnaval carioca. O t-tulo mais recente o importante texto de Cunha (2001).

    20. APEBA, Sesso Judiciria, Testamentos e Inventrios. Nina Rodrigues ao tratar dosnegros bantus informou que moram alguns negros austrais em pequenas roas nasvizinhanas da cidade, em Brotas, no Cabula (1988:114). Para uma interessante

    discusso sobre as formas de moradias dos africanos no Rio de Janeiro ver Soares, C.E. (2001).

    21. Correio de Notcias, 18/2/1898.22. Esta tem sido uma discusso recorrente na historiografia baiana, s para citar alguns

    ttulos: Ferreira Filho (1998-1999), Soares, C. M. ( 2001).

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    23. A Ba hia, 26/2/1900.24. A Ba hia, 16/2/1906.25. A Ba hia, 20/2/1906.26. Infelizmente no conseguir descries do desfile deste clube.27. Correio de Not cias, 25/2/1897.28. A Ba hia, 4/3/1897.29. Sesso Judiciria, Inventrios e Testamentos, 1933, APEBA30. Idem, 1928, APEBA.31. Idem, 1921, APEBA.32. preciso investigar com mais cuidado as filiaes partidrias de Manoel Querino;

    emA Bahia de ou trorao autor se refere ao Imprio e Corte com uma evidente nos-talgia.

    33. A Coi sa, 8/4/1900.34. Correspondncias expedidas aos subdelegados, mao 5869, Srie Polcia, APEBA

    35. No consegui localizar ainda a composio da diretoria do clube antes de 1900, por-tanto no sei quando Manoel Querino passou a integr-la.36. Ruth Landes (s/d) fez vrias referncias influncia de Martiniano sobre pes qui sado-

    res importantes como Nina Rodrigues e Edison Carneiro.37. Os ttu los seguintes so fundamentais neste debate: Cunha (1985) e Arajo,

    (1998/1999: 83-110).38. Sesso Judiciria, Inventrios e Testamentos, 1908, APEBA.39. Idem, 1889, APEBA.40. A Bahia, 8/3/1899.41. Xavier Marques (1861-1942) foi um dos principais escritores e jornalistas baianos

    no fim do sculo XIX. D avid Salles, um dos sues bigrafos, fez o seguinte comen triosobre o seu trabalho: D eve ser considerado um escritor fim-de-sculo, portador deheranas do romantismo, realismo e debates da poesia cientfica realista con comi-

    tante com as mudanas do regime econmico e social (Marques, 1998:10).42. Sesso Judiciria, testamentos e inventrios, 1908, APEBA.43. Idem, 1876, APEBA.44. Sobre as estratgias dos ex-escravos para livrar-se das heranas escravistas no mundo

    do trabalho, ver Mattos (1998).

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  • 8/7/2019 africanismos na Bahia

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