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2037 AJUSTE FISCAL NO BRASIL: OS LIMITES DO POSSÍVEL Sérgio Wulff Gobetti

Ajuste Fiscal No Brasil

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Conjunto de artigos sobre como tem se dado o ajuste fiscal brasileiro no atual governo e quais os seus objetivos e como ele deve ser guiado a fim de poder ajudar não apenas o governo mas toda a sociedade brasileira

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  • 2037

    AJUSTE FISCAL NO BRASIL: OS LIMITES DO POSSVEL

    Srgio Wulff Gobetti

  • TEXTO PARA DISCUSSO

    AJUSTE FISCAL NO BRASIL: OS LIMITES DO POSSVEL

    Srgio Wulff Gobetti1

    1. Tcnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Polticas Macroeconmicas (Dimac) do Ipea.

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  • Texto para Discusso

    Publicao cujo objetivo divulgar resultados de estudos

    direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,

    por sua relevncia, levam informaes para profissionais

    especializados e estabelecem um espao para sugestes.

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2015

    Texto para discusso / Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.- Braslia : Rio de Janeiro : Ipea , 1990-

    ISSN 1415-4765

    1.Brasil. 2.Aspectos Econmicos. 3.Aspectos Sociais. I. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 330.908

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e

    inteira responsabilidade do(s) autor(es), no exprimindo,

    necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos

    Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele

    contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins

    comerciais so proibidas.

    JEL: E62; H62; H53.

    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Roberto Mangabeira Unger

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

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    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

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    Diretor de Estudos e Polticas Sociais, SubstitutoCarlos Henrique Leite Corseuil

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de GabineteRuy Silva Pessoa

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • SUMRIO

    SINOPSE

    ABSTRACT

    1 INTRODUO ........................................................................................................7

    2 BASE DE DADOS E QUESTES METODOLGICAS ...................................................9

    3 PRIMEIRO OLHAR: UMA ANLISE DO SUPERAVIT PRIMRIO DO GOVERNO CENTRAL ........................................................................................12

    4 SEGUNDO OLHAR: UMA ANLISE DETALHADA DA DESPESA PRIMRIA DO GOVERNO CENTRAL ........................................................................................18

    5 SNTESE DAS ANLISES: OS DETERMINANTES DO RESULTADO PRIMRIO ..............25

    6 O QUE FAZER? .......................................................................................................29

    7 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................34

    REFERNCIAS ...........................................................................................................35

    ANEXO .....................................................................................................................37

  • SINOPSE

    Este texto tem por objetivo qualificar o debate em torno da necessidade de um ajuste fiscal no Brasil, mostrando que a tendncia a que se realize na presente conjuntura, como em outras passadas um ajuste de baixa qualidade, baseado em corte de investimentos e/ou aumento de carga tributria, praticamente uma inevitabilidade diante da estrutura da despesa pblica, tanto em termos de composio quanto dinmica. A anlise emprica se baseia em uma metodologia de decomposio do resultado primrio do governo central com auxlio de informaes do Sistema Integrado de Administrao Financeira (Siafi), o que permite identificar seus principais vetores determinantes em termos de receitas e despesas e investigar melhor o aumento recente das chamadas outras despesas de custeio e capital (OCCs). Uma das concluses prescritivas do texto que o governo deveria evitar um ajuste muito duro no curto prazo que prejudicasse a retomada do crescimento econ-mico e priorizar uma agenda de reformas de mdio e longo prazo capazes de aperfeioar o regime fiscal e sinalizar a possibilidade de melhoras estruturais nos resultados fiscais.

    Palavras-chave: ajuste fiscal; superavit primrio; contraes expansionistas.

    ABSTRACT

    This text aims to qualify the debate on the need for fiscal adjustment in Brazil, showing that the trend that takes place - at this conjuncture, as in other past - a low quality set-ting, based on cutting investments and / or increased tax burden, it is almost inevitable in the face of public expenditure structure, both in terms of composition and dynamics. The empirical analysis is based on a methodology of decomposition of the primary ba-lance of the central government with the help of the Integrated Financial Management System information (Siafi), which identifies its main determinants vectors - in terms of revenue and expenditure - and investigate further the recent increase in so-called other current and capital expenses (OCCs). One of prescriptive conclusions of the text is that the government should avoid a hard adjustment in the short term that would undermi-ne the resumption of economic growth and prioritize a medium and long-term reform agenda capable of improving the tax system and signal the possibility of structural im-provements in fiscal results.

    Keywords: fiscal adjustment; primary surplus; expansionary contractions.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    1 INTRODUO

    Os nmeros das estatsticas fiscais brasileiras dos ltimos trs anos indicam uma acen-tuada deteriorao dos resultados primrios do setor pblico, tanto por fatores cclicos quanto estruturais, tanto no nvel federal quanto nos nveis estadual e municipal. Esse quadro tem suscitado um debate em torno da necessidade de se promover um ajuste fiscal para retornar o superavit primrio a um patamar que no mnimo estabilize a relao dvida-produto interno bruto (PIB). Contudo, uma pergunta se impe: que tipo de ajuste fiscal desejvel e possvel nas circunstncias atuais de fraco crescimento econmico e elevada rigidez das despesas?

    A histria recente dos ajustes fiscais brasileiros 1999 e 2003 mostra que in-variavelmente eles se processam por dois canais: o aumento da carga tributria e/ou a reduo dos investimentos. Isso ocorre no por escolha da autoridade fiscal entre vrias alternativas, mas por absoluta impossibilidade de fazer um ajuste de outro tipo, pelo menos no curto prazo em que essas medidas so decididas.

    A ideia de estabilizar ou mesmo reduzir em proporo do PIB as despesas correntes do governo federal no tem se demonstrado vivel no horizonte em que os ajustes fiscais so planejados por uma srie de razes. Em primeiro lugar, porque uma grande parte dessa despesa rgida e, muitas vezes, est indexada por regras de reajuste baseadas no prprio crescimento do PIB, como a do salrio mnimo e da rea de sade. Mesmo a parcela efetivamente discricionria do gasto corrente, que representa cerca de 1% do PIB, est vinculada predominantemente a contratos e servios de utilidade pblica que so reajustados regularmente.

    Em segundo lugar, h uma razo de ordem poltica que torna sensvel qualquer proposta de ajuste fiscal baseada em corte nas despesas correntes: pelo menos 55% des-se gasto, justamente a parcela que mais cresce, constitudo por benefcios previdenci-rios e assistenciais, que esto protegidos por legislaes e compromissos do governo. Outra parte tambm significativa dessa despesa, cerca de 12%, de gastos de custeio da sade e da educao, duas reas que tm demandado prioridade por parte da sociedade, o que tem se traduzido em diversas propostas de vinculao.

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    H ainda uma fatia de 24%, formada por despesas com salrios e aposentadorias de servidores pblicos. Na prtica, sobra um contingente muito restrito de despesas correntes, algumas delas talvez ampliadas pelo recente ciclo eleitoral, que podem ser efetivamente reduzidas no curto prazo. Desse modo, como veremos ao longo deste texto, o controle do gasto corrente depende de reformas estruturais ou medidas de reviso que demandam tempo para ser pactuadas e implementadas e mais ainda para produzir efeitos.

    Alm disso, h um conjunto de despesas que vm sendo artificialmente re-presadas e que, em algum momento no futuro, tero de ser pagas. o caso dos subsdios explcitos do Programa de Sustentao do Investimento (PSI), cujo paga-mento ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) tem se restringido ao mnimo, obrigando o banco a desembolsar recursos prprios (na verdade, provenientes do bolo de emprstimos do Tesouro Nacional) para cumprir suas obrigaes.

    Diante desse quadro, h um grande risco de que o ajuste fiscal a ser promovido em 2015 se baseie parcialmente em corte de investimentos pblicos, num ciclo muito parecido com o que ocorreu em 2011, quando, para sinalizar um auxlio poltica mo-netria, o governo anunciou um aperto fiscal. Na ocasio, a postergao do pagamen-to de investimentos interrompeu uma trajetria de crescimento destes, gerando uma inrcia que s foi revertida em 2014, com consequncias negativas para a infraestrutura econmica do pas.

    A conjuntura econmica de 2015 ainda pior do que a de 2011, o que requer cautela na aplicao de polticas de austeridade fiscal. Por isso, buscamos discutir neste texto uma estratgia alternativa de consolidao fiscal, que no comprometa no curto prazo a recuperao da economia, que j proporcione em 2015 uma peque-na melhoria dos resultados fiscais, mas, principalmente, que sinalize para melhorias progressivas no mdio e longo prazos, sem necessidade de reverso das chamadas polticas inclusivas.

    Nosso ponto de partida, entretanto, apresentar uma metodologia de anlise da evoluo do superavit primrio do governo central que permita identificar quais so seus fatores determinantes no longo e no curto prazo.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    2 BASE DE DADOS E QUESTES METODOLGICAS

    A anlise do superavit primrio feita neste texto se baseia nas estatsticas acima da linha do Resultado do Tesouro Nacional (RTN), ou seja, se restringe ao resultado do governo central derivado da diferena entre receitas e despesas primrias. Contudo, alguns ajustes foram feitos na srie histrica do RTN para aperfeioar a possibilidade de anlise desta.

    Em primeiro lugar, foram excludos do resultado os efeitos da transferncia de recursos para o Fundo Soberano do Brasil (FSB), em 2008, e resgate parcial deste, em 2012, uma vez que tais movimentaes so meramente contbeis e distorcem a real percepo do que ocorreu com as finanas pblicas nesses anos. Da mesma forma e pelos mesmos motivos, em 2010 foram expurgados os efeitos sobre a receita e despesa primria da cesso onerosa e capitalizao da Petrobras, respectivamente.1

    Em segundo lugar, expurgou-se das receitas e despesas de 2012 a 2014 o valor da compensao do Tesouro ao Regime Geral de Previdncia Social (RGPS) pela desonerao da folha de pagamento. Tal compensao, de carter intraorament-rio, uma despesa do Tesouro, classificada nas OCCs, e uma receita da Previdncia Social. Na prtica, entretanto, no passa de um artifcio contbil para reduzir o impacto da desonerao sobre o clculo do deficit do RGPS, o que distorce a anlise econmica que queremos fazer ao sinalizar uma despesa primria maior do que a efetivamente existente.

    Por ltimo, procedeu-se a um alongamento e correo da srie referente ao su-bitem das despesas primrias denominado benefcios assistenciais ([Lei Orgnica da Assistncia Social] Loas e [Renda Mensal Vitalcia] RMV), explicitadas no RTN aps 2003. Entre 1999 e 2002, os gastos com RMV esto embutidos nos benefcios previdencirios, enquanto os gastos com Loas esto diludos nas OCCs. A fim de identificar esses gastos entre 1999 e 2002, reagrupando-os na rubrica adequada, recor-remos tabela 7.10 do suplemento histrico do Anurio de Estatsticas da Previdncia Social Aeps (Brasil, 2011, p. 146).

    1. A Secretaria de Poltica Econmica do Ministrio da Fazenda publica estatsticas fiscais com esses mesmos ajustes. Ver Resultado Fiscal no Anurio Estatstico de Poltica Fiscal, disponvel em: .

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    Alm disso, verificamos que o RTN apresenta em 2003 um erro referente s des-pesas com benefcios assistenciais, na medida em que o valor informado apenas da Loas, permanecendo o valor da RMV diludo entre os benefcios previdencirios. Por isso, o valor de RMV de 2003 foi deslocado do subitem benefcios previdencirios para benefcios assistenciais.

    Adicionalmente, empreendemos consultas no Siafi, por meio do banco de dados Siga Brasil, do Senado Federal, para apurar de forma mais detalhada os gastos de OCC, bem como os valores despendidos com o Bolsa Famlia, nele diludos. Tal detalhamento fundamental, na medida em que o agregado OCC bastante amplo, incluindo desde as chamadas despesas com custeio da mquina at as transferncias voluntrias de recursos a estados e municpios, como aquelas realizadas por meio dos fundos nacionais de Sade (FNS) e de Desenvolvimento da Educao (FNDE).

    Entender o que ocorre com esse agregado de despesa fundamental para uma anlise mais acurada das finanas pblicas federais. Contudo, existe um problema de compatibilizao entre as sries do RTN e aquelas extradas do Siafi que merece especial ateno. As despesas pagas pelo Siafi correspondem quelas despesas que tiveram uma ordem bancria emitida no dia D, enquanto as despesas registradas no RTN corres-pondem aos saques do caixa nico, que podem ocorrer nos dias seguintes (D+1 ou at D+3) emisso da ordem bancria. Assim, existe um floating (defasagem) de um ou mais dias entre os registros do Siafi e os movimentos no caixa nico que afetam o RTN.

    Em condies normais, em que o volume de despesas pagas nos ltimos dias de cada ano mantido razoavelmente constante, de se esperar que o efeito do floating sobre os agregados das despesas seja mnimo. Nos ltimos anos (exceto 2014, como veremos), tais volumes tm crescido como mecanismo de postergao do saque do cai-xa nico para melhorar o resultado primrio, o que aumenta um pouco a discrepncia entre o Siafi e o RTN. De todo modo, como o objetivo verificar como variam ao longo do tempo os subitens do gasto de OCCs, essa discrepncia deve apresentar pouca relevncia, no passando de 0,1% do PIB.

    Por fim, cabe salientar que as consultas ao Siafi foram feitas para os grupos de despesa 1 (pessoal e encargos), 3 (outras despesas correntes), 4 (investimentos) e 5 (inverses financeiras), sendo detalhadas em nvel de elemento de despesa e,

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    em alguns casos, de ao oramentria. Tal procedimento permite, por exemplo, pinar das outras despesas correntes aqueles agregados da despesa primria j de-talhados no RTN, quais sejam: as transferncias legais para estados e municpios (elemento 81 e algumas aes do elemento 41, como o complemento do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio Fundef e do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao Fundeb e, em alguns anos, a cota-parte do salrio-educao e parcelas do Fundo de Participao dos Munic-pios FPM e do Fundo de Participao dos Estados e do Distrito Federal FPE), os benefcios previdencirios e assistenciais (representados por um conjunto de aes e elementos) e os subsdios e subvenes econmicas (elemento 45, exclusive as aes referentes ao Minha Casa Minha Vida (MCMV) e a outras subvenes no compreendidas no agregado do RTN).

    Ao expurgar tais elementos e aes do grupo outras despesas correntes, che-gamos ao resduo que equivale no RTN s outras despesas de custeio e podemos detalh-lo por modalidade de aplicao e funo oramentria. Qual o propsito disso? A modalidade de aplicao permite saber quanto do custeio se refere a gasto direto do governo central e quanto transferido para estados e municpios a ttulo de financia-mento de programas. J a funo oramentria ser utilizada para verificar quanto do custeio gasto em sade e educao.

    Com esse instrumental metodolgico, procuramos analisar duas questes cen-trais: se a expanso das outras despesas de custeio ocorre sob a forma de gasto direto ou de transferncias e se ocorre nas reas de sade e educao ou em outras.

    Por fim, tambm analisamos os gastos nos grupos de despesa 4 e 5, com o objetivo de replicar o que no RTN identificado como outras despesas de capital, separando os investimentos em formao bruta de capital fixo (FBCF) dos gastos com o MCMV e com outras inverses financeiras. Os resultados sero apresentados ao longo das prximas sees, nas quais analisaremos a evoluo do superavit primrio entre 1999 e 2014, decompondo-o entre receitas e despesas, focando posteriormente no perodo de 2002 a 2014.

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    3 PRIMEIRO OLHAR: UMA ANLISE DO SUPERAVIT PRIMRIO DO GOVERNO CENTRAL

    O resultado primrio do governo central de 2014 (deficit de 0,3% do PIB segundo apurao do Tesouro ou 0,4% do PIB pelo Banco Central) o pior da srie desde a in-troduo do regime de metas, em 1999. Comparando com o pico de superavit registrado em 2008 (2,8% do PIB), o resultado de 2014 indica uma deteriorao fiscal da ordem de 3,2 p.p. do PIB num perodo de seis anos, o que reflete no apenas fatores cclicos (ou seja, a desacelerao econmica registrada desde 2008), como tambm fenmenos e tendncias estruturais, tanto do lado das receitas quanto, principalmente, das despesas.

    TABELA 1Resultado primrio do governo central (1999-2014)(Em % do PIB)

    Discriminao 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

    1 Receita total 19,7 19,9 20,8 21,7 21,0 21,6 22,7 22,9 23,3 23,6 22,8 22,4 23,9 24,1 24,2 23,5

    Receitas do Tesouro Nacional 15,0 15,2 15,9 16,8 16,2 16,7 17,6 17,7 17,9 18,2 17,1 16,7 17,9 17,8 18,0 17,2

    Receita bruta 15,6 15,8 16,4 17,4 16,9 17,4 18,3 18,1 18,4 18,6 17,6 17,1 18,3 18,3 18,5 17,7

    Impostos 7,6 7,4 7,5 8,0 7,4 7,2 7,8 7,7 8,1 8,9 8,0 7,9 8,6 8,5 8,4 8,3

    Contribuies 5,7 6,6 6,8 7,5 7,6 8,3 8,5 8,1 8,2 7,1 6,6 6,6 6,9 6,9 7,1 6,7

    Demais 2,3 1,8 2,1 1,9 1,9 1,9 2,1 2,3 2,2 2,6 3,1 2,6 2,8 2,9 2,9 2,6

    (-) Restituies -0,4 -0,6 -0,5 -0,6 -0,7 -0,7 -0,6 -0,4 -0,5 -0,4 -0,5 -0,4 -0,4 -0,4 -0,5 -0,4

    (-) Incentivos fiscais -0,1 -0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    Receitas da Previdncia Social 4,6 4,7 4,8 4,8 4,7 4,8 5,0 5,2 5,3 5,4 5,6 5,6 5,9 6,2 6,2 6,2

    Receitas do Banco Central 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1

    2 Transferncias a estados e municpios

    3,3 3,4 3,5 3,8 3,5 3,5 3,9 3,9 4,0 4,4 3,9 3,7 4,2 4,1 3,9 4,1

    Transferncias Constitucionais (IPI, IR e outras)

    2,6 2,6 2,8 3,0 2,7 2,6 3,0 3,0 3,1 3,4 3,0 2,8 3,1 3,0 3,0 3,1

    Lei Complementar no 87/Lei Complementar no 115

    0,4 0,3 0,3 0,3 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,2 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,1

    Transferncias da Cide combustveis

    0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0

    Demais transferncias 0,3 0,5 0,5 0,5 0,6 0,6 0,6 0,7 0,7 0,8 0,8 0,8 0,9 1,0 0,9 1,0

    3 Receita lquida total (1-2) 16,4 16,5 17,2 17,9 17,4 18,1 18,8 19,0 19,3 19,2 18,9 18,7 19,7 20,0 20,3 19,4

    4 Despesa total 14,5 14,7 15,6 15,7 15,1 15,6 16,4 17,0 17,1 16,4 17,7 17,4 17,5 18,3 18,7 19,7

    Despesas do Tesouro Nacional 8,9 9,1 9,7 9,7 8,8 9,0 9,5 9,9 10,1 9,8 10,6 10,6 10,6 11,0 11,2 12,0

    Pessoal e encargos sociais 4,5 4,6 4,8 4,8 4,5 4,3 4,3 4,5 4,4 4,3 4,7 4,4 4,3 4,2 4,2 4,3

    Custeio e capital 4,6 4,6 5,0 5,0 4,4 4,7 5,2 5,4 5,7 5,4 5,9 6,1 6,2 6,7 7,0 7,7

    Despesa do FAT 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,6 0,7 0,7 0,7 0,8 0,8 0,8 0,9 0,9 1,1

    Abono e seguro-desemprego 0,5 0,4 0,4 0,5 0,5 0,5 0,5 0,6 0,7 0,7 0,8 0,8 0,8 0,9 0,9 1,0

    (Continua)

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    Discriminao 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

    Demais despesas do FAT 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    Subsdios e subvenes econmicas

    0,2 0,3 0,4 0,2 0,4 0,3 0,5 0,4 0,4 0,2 0,2 0,2 0,3 0,3 0,2 0,2

    Operaes oficiais de crdito e reordenamento de passivos

    0,2 0,2 0,3 0,1 0,3 0,2 0,4 0,3 0,3 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,1 0,1

    Despesas com subvenes aos fundos regionais

    0,1 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1

    Benefcios assistenciais (Loas e RMV)

    0,3 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4 0,4 0,5 0,5 0,5 0,6 0,6 0,6 0,7 0,7 0,8

    Auxlio CDE1 0,2 0,2

    Outras despesas de custeio e capital

    3,5 3,6 3,8 3,9 3,1 3,5 3,7 3,9 4,1 4,0 4,3 4,5 4,5 4,9 5,0 5,5

    Outras despesas de custeio 3,2 3,3 3,1 3,3 3,4 3,3 3,5 3,7 4,0

    Outras despesas de capital 0,7 0,8 0,9 1,0 1,2 1,3 1,4 1,3 1,5

    Transferncia do Tesouro ao Banco Central

    0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1 0,0 0,0

    Benefcios previdencirios 5,4 5,4 5,7 5,8 6,2 6,5 6,8 7,0 7,0 6,6 6,9 6,8 6,8 7,2 7,4 7,7

    Despesas do Banco Central 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1

    5 Resultado primrio do governo central (3-4)

    1,9 1,8 1,7 2,1 2,3 2,5 2,5 2,1 2,2 2,8 1,2 1,2 2,3 1,7 1,6 -0,3

    Tesouro Nacional 2,7 2,5 2,6 3,2 3,8 4,2 4,2 3,8 3,9 4,0 2,6 2,4 3,1 2,7 2,8 0,8

    Previdncia Social (RGPS) -0,8 -0,7 -0,9 -1,0 -1,5 -1,6 -1,7 -1,8 -1,7 -1,2 -1,3 -1,1 -0,9 -1,0 -1,2 -1,1

    Banco Central -0,1 0,0 -0,1 -0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    6 Ajuste metodolgico 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    7 Discrepncia estatstica 0,2 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0 -0,1 -0,1 -0,1

    8 Resultado primrio do governo central (5+ 6 + 7)

    2,1 1,7 1,7 2,2 2,3 2,7 2,6 2,2 2,2 2,8 1,3 1,2 2,2 1,7 1,6 -0,4

    9 Juros nominais -4,6 -3,9 -3,6 -2,8 -5,9 -4,1 -6,0 -5,3 -4,5 -3,2 -4,6 -3,3 -4,4 -3,4 -3,8 -4,2

    10 Resultado nominal do governo central (8+9)

    -2,5 -2,1 -1,9 -0,7 -3,7 -1,4 -3,4 -3,1 -2,2 -0,4 -3,3 -2,1 -2,1 -1,7 -2,3 -4,6

    Itens especficos das despesas:

    Bolsa Famlia/Escola/Peti2 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,4 0,4 0,4 0,5 0,5 0,5

    RMV 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    Compensao ao RGPS para desonerao da folha

    0,0 0,2 0,4

    Despesas previdencirias com sentenas

    0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2

    Fonte: Sries Histricas do RTN. Disponvel em: ; Brasil (2011). Nota: 1 Conta de Desenvolvimento Energtico (CDE).

    2 Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (Peti).

    (Continuao)

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    B r a s l i a , f e v e r e i r o d e 2 0 1 5

    Em particular, o que mais chama a ateno nesse quadro de evoluo (tomando como referncia o perodo iniciado em 1999) que, a despeito da oscilao cclica dos resultados e da distino de dois ciclos longos um de contrao fiscal e outro de expanso fiscal ,2 o crescimento da despesa primria e de parte da receita tambm ininterrupto em todo o perodo. Ou seja, o gasto do governo apresenta um forte componente de expanso estrutural, s interrompido pontualmente no ajuste fiscal de 2003 e no auge do crescimento, em 2008 (quando o denominador contribuiu para a queda da relao despesa-PIB).

    Por outro lado, a receita apresenta um comportamento estrutural bastante curioso, que pode ser detectado mesmo sem os devidos ajustes cclicos e sintetizado nos seguintes componentes da tabela 2:

    a receita tributria, representada pela soma das receitas de impostos e contribui-es (exceto previdenciria e lquida de restituies) cresce entre 1999 e 2005 e, a partir da, se estabiliza e apresenta leve queda inflexo esta explicada pelo fim do perodo de aumentos legislados de carga tributria e incio de uma fase de crescentes desoneraes tributrias;3

    a receita previdenciria cresce em absolutamente todos os anos da srie (com exceo de 2003) at 2012, quando se estabiliza devido chamada desonerao da folha de pagamento, que implicou reduo da carga tributria de vrios setores beneficiados pela substituio da contribuio patronal sobre a folha por outra incidente sobre o faturamento;4 e

    as demais receitas, entre as quais se destacam as de concesses, compensaes financeiras (royalties) e dividendos de estatais, oscilam ao longo do perodo, mas com tendncia de alta nos anos mais recentes, o que se explica em grande parte por receitas no recorrentes.5

    2. Embora a inflexo nos resultados primrios tenha ocorrido em 2008, Schettini et al. (2011) mostram que, em termos estruturais, com ajustamento ao ciclo, a mudana de orientao na poltica fiscal teria ocorrido no meio de 2004. Ou seja, a expanso do resultado primrio entre 2004 e 2008 teria ocorrido exclusivamente por fatores cclicos e por receitas no recorrentes.3. Esse fenmeno muito bem analisado em Orair et al. (2013).4. Esse fenmeno atribudo por Orair et al. (2013) ao processo de formalizao da economia brasileira e crescimento da massa salarial.5. O conceito de receita no recorrente adotado aqui o mesmo de Schettini et al. (2011) e Gobetti (2014), se referindo a re-ceitas que no afetam a riqueza lquida da administrao pblica, como as de concesses; as que tm carter eminentemente temporrio, como as do Refis; e aquelas decorrentes da chamada contabilidade criativa, como a antecipao de dividendos.

  • Texto paraDiscusso2 0 3 7

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    Na prtica, bastante difcil separar quanto das receitas no recorrentes est entre as classificadas como tributrias ou no grupo demais. O Programa de Recuperao Fiscal (Refis) da crise, em 2009, por exemplo, foi contabilizado em demais, mas o novo Refis de 2014 est sendo contabilizado diretamente nas receitas tributrias. Por isso, na tabela 2, criamos um agregado denominado receita bruta recorrente, exceto previdenciria, que rene a soma entre as receitas tributrias e demais, descontado do montante de receitas no recorrentes.

    TABELA 2Receita e despesa primria do governo central (1999-2014) (Em % PIB)

    Discriminao 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

    Receita bruta (A) 19,7 19,9 20,8 21,7 21,0 21,6 22,7 22,9 23,3 23,6 22,8 22,4 23,9 24,1 24,2 23,5

    Receita tributria 12,8 13,3 13,8 14,9 14,3 14,8 15,6 15,3 15,7 15,5 14,1 14,1 15,1 15,0 15,1 14,6

    Receita previdenciria 4,6 4,7 4,8 4,8 4,7 4,8 5,0 5,2 5,3 5,4 5,6 5,6 5,9 6,2 6,2 6,2

    Demais 2,3 1,9 2,2 1,9 1,9 2,0 2,1 2,4 2,2 2,7 3,1 2,7 2,9 2,9 3,0 2,7

    Transferncias legais a estados e municpios

    3,3 3,4 3,5 3,8 3,5 3,5 3,9 3,9 4,0 4,4 3,9 3,7 4,2 4,1 3,9 4,1

    Receita lquida 16,4 16,5 17,2 17,9 17,4 18,1 18,8 19,0 19,3 19,2 18,9 18,7 19,7 20,0 20,3 19,4

    Despesa 14,5 14,7 15,6 15,7 15,1 15,6 16,4 17,0 17,1 16,4 17,7 17,4 17,5 18,3 18,7 19,7

    Observaes:

    Receitas no recorrentes (B) 0,9 0,4 0,3 0,6 0,0 0,1 0,0 0,0 0,1 0,2 0,7 0,0 0,4 0,6 0,9 0,5

    Receitas recorrentes (A-B) 18,8 19,5 20,4 21,0 21,0 21,5 22,7 22,9 23,2 23,4 22,1 22,4 23,5 23,6 23,3 22,9

    Receitas recorrentes, exceto previdencirias

    14,2 14,8 15,6 16,2 16,2 16,7 17,7 17,7 17,9 18,0 16,5 16,8 17,6 17,3 17,1 16,7

    Elaborao do autor.

    O que se v, ao se criar esse agregado, representado pela ltima linha da tabela 2, que ele claramente decai a partir de 2008 (ou desde 2006, se introduzssemos um ajuste ao ciclo econmico),6 mas compensado pelo aumento estrutural das receitas previdencirias. Em termos lquidos, a receita da Unio aumenta at 2013, uma vez que as receitas que caem (tributrias e demais) se constituem de alguns itens (Imposto

    6. O clculo do resultado estrutural foge do escopo deste texto, mas nos anexos apresentamos simulaes preliminares de como ficariam as receitas da Unio ajustadas ao ciclo econmico.

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    B r a s l i a , f e v e r e i r o d e 2 0 1 5

    de Renda IR, Imposto sobre Produtos Industrializados IPI e royalties) partilhados com estados e municpios, enquanto as receitas que crescem (previdencirias e outras incidentes sobre a folha) so exclusivas do governo central.

    J as receitas no recorrentes, que crescem desde 2009, so partilhadas apenas parcialmente, contribuindo tambm para o aumento da receita lquida do governo central. Ento, concluindo, verificamos que o superavit primrio do governo central, ao longo do perodo analisado, foi determinado, por um lado, pelo crescimento contnuo das despesas e, por outro, por um aumento da receita que, durante uma fase inicial, superou o das despesas, mas, no perodo recente, desacelerou, passou a depender das receitas previdencirias e no recorrentes e, em 2014, decaiu em funo do fraco crescimento da economia.

    Se tomarmos como referncia de anlise a variao do superavit primrio entre 2002 e 2014, como sintetizado na tabela 3, veremos que a receita bruta cresceu 1,8 p.p. do PIB; as transferncias para estados e municpios, 0,3 p.p. do PIB; e as demais despesas primrias, 4 p.p. do PIB, no que resulta a queda do superavit primrio de 2,5 p.p. do PIB.

    Do lado da arrecadao, a expanso explicada pelas receitas previdencirias, que subiram 1,4 p.p. do PIB, e pelas demais receitas, que cresceram 0,7 p.p., em parte pelo componente no recorrente, em parte pelo crescimento das compensaes financeiras (royalties) e dividendos. As receitas tributrias, por sua vez, retornaram em 2014 para um nvel inferior ao de 2002, o que se explica principalmente pelas desoneraes pro-movidas nos ltimos anos, mas tambm pelo ciclo econmico.

    Do lado das despesas, 80% da expanso (ou 3,2 p.p. do PIB) explicada pelos benefcios previdencirios e assistenciais e pelo Bolsa Famlia, sendo o restante explicado pelos subsdios (0,2 p.p.) e pelas outras despesas de custeio e capital (1,1 p.p.). A despesa com pessoal a nica que recuou entre 2002 e 2014, na magnitude de 0,5 p.p. do PIB.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    TABELA 3Receita e despesa primria do governo central (2002, 2013 e 2014)(Em % do PIB)

    Discriminao 2002 2013 2014 2002-2013 2013-2014 2002-2014

    Receita bruta (A) 21,7 24,2 23,5 2,5 -0,7 1,8

    Receita tributria 14,9 15,1 14,6 0,2 -0,5 -0,3

    Receita previdenciria 4,8 6,2 6,2 1,3 0,1 1,4

    Demais 1,9 3,0 2,7 1,0 -0,3 0,7

    Transferncias legais para estados e municpios 3,8 3,9 4,1 0,1 0,2 0,3

    Receita lquida 17,9 20,3 19,4 2,4 -0,9 1,5

    Despesa 15,7 18,7 19,7 3,0 1,1 4,0

    Pessoal 4,8 4,2 4,3 -0,6 0,1 -0,5

    Benefcios previdencirios e assistenciais 6,7 9,0 9,5 2,3 0,5 2,8

    Bolsa Famlia (BF) 0,1 0,5 0,5 0,4 0,0 0,4

    Subsdios (inclui auxlio a CDE) 0,2 0,4 0,4 0,2 0,0 0,2

    Outros custeios e capital (inclui FAT e exclui BF) 3,9 4,5 5,0 0,7 0,5 1,1

    Transferncias do Tesouro ao BCB e despesas do BCB 0,1 0,1 0,1 0,0 0,0 0,0

    Resultado primrio 2,1 1,6 -0,3 -0,5 -1,9 -2,5

    Observaes:

    Receitas no recorrentes (B) 0,6 0,9 0,5 0,3 -0,4 -0,1

    Receitas brutas recorrentes (A-B) 21,0 23,3 22,9 2,2 -0,3 1,9

    Receitas brutas recorrentes, exceto previdencirias 16,2 17,1 16,7 0,9 -0,4 0,5

    Elaborao do autor.

    No caso das despesas previdencirias e assistenciais, a expanso se deve primordial-mente formalizao e ao efeito dos aumentos reais do salrio mnimo, ao qual est atre-lada boa parte dos benefcios, e secundariamente ao Bolsa Famlia. Sobre isso dedicare-mos uma ateno especial mais adiante, identificando as dificuldades de se estabilizar tais despesas em proporo do PIB, ainda mais em cenrio de baixo crescimento econmico.

    No caso das despesas de OCCs, por sua vez, cabe analisar quanto da expanso se deve a despesas de capital ou correntes e quais fatores esto por trs dessa tendncia, o que faremos em detalhes na prxima seo. Aparentemente, o ciclo eleitoral parece explicar uma parte significativa dessa expanso, uma vez que entre 2013 e 2014 o gasto de custeio e capital cresceu 0,5 p.p. do PIB, ou cerca de R$ 24 bilhes. Mas quanto desse gasto pode (e deve) efetivamente ser reduzido algo que depende de uma anlise mais acurada.

  • 18

    B r a s l i a , f e v e r e i r o d e 2 0 1 5

    4 SEGUNDO OLHAR: UMA ANLISE DETALHADA DA DESPESA PRIMRIA DO GOVERNO CENTRAL

    Esta seo tem por objetivo analisar a evoluo da despesa primria do governo central, com foco nas OCCs, utilizando-se de informaes adicionais oferecidas pelo Siafi. Para tanto, como antecipado na primeira seo, inicialmente geramos relatrios das despesas discriminadas por elemento, ao e modalidade de aplicao, e realizamos os agrupa-mentos necessrios para a comparao com o RTN.

    Dado o minucioso trabalho de garimpagem dos dados necessrios para tentar construir agregados extrados do Siafi compatveis com os do RTN, restringimos as consultas aos anos de 2002, 2013 e 2014. O resultado final est sintetizado na tabela 4, cabendo algumas observaes sobre os agregados que esto sendo comparados:

    a despesa de pessoal do RTN exclui originalmente as despesas do Banco Central do Brasil (BCB), que esto agrupadas em outra linha do resultado; para compar-las ao Siafi, ento, acrescentamos a despesa de pessoal do BCB obtida por consulta no prprio Siafi;

    os benefcios previdencirios e assistenciais excluem os valores pagos a ttulo de sentena judicial devido impossibilidade de, pelo Siafi, identificar quanto da despesa com sentenas judiciais do grupo de natureza da despesa (GND) 3 da Previdncia Social, de modo que se utilizou o valor do RTN para, por resduo, encontrar quanto seria a despesa no previdenciria com sentenas que est classificada como outros custeios e capital (OCCs);

    as subvenes econmicas correspondem ao conjunto de subsdios identificados no RTN com operaes oficiais de crdito e reordenamento de passivos, sendo identificadas em linha separada dos subsdios aos fundos regionais devido ausn-cia de informaes sobre estes no Siafi;

    o agregado de OCCs inclui as despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Bolsa Famlia e tambm as despesas do BCB que no sejam de pessoal (obtidas por resduo, pela excluso das despesas de pessoal); e

    as transferncias do Tesouro ao BCB no apresentam registro no Siafi, sendo con-sideradas iguais aos valores do RTN para efeitos de comparao.

  • Texto paraDiscusso2 0 3 7

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    TABELA 4Transferncias a estados e municpios e despesa primria do governo central (2002, 2013 e 2014)(Em R$ milhes)

    DiscriminaoRTN Siafi

    2002 2013 2014 2002 2013 2014

    Transferncias legais e constitucionais 56.140 189.986 210.165 56.159 191.613 210.187

    Despesa primria 232.340 905.096 1.013.058 235.473 904.769 1.007.647

    Pessoal (inclui BCB)1 71.793 204.851 222.052 72.285 204.245 220.994

    Benefcios previdencirios e assistenciais 97.636 427.354 477.283 98.188 428.678 474.946

    Sentenas judiciais da Previdncia Social 1.000 7.408 9.351 1.000 7.408 9.351

    Subsdios econmicos 2.081 5.581 4.429 2.261 5.799 4.921

    Subveno aos fundos regionais 262 4.631 4.580 262 4.631 4.580

    Auxlio a CDE - 7.868 9.208 - 7.868 10.458

    Outros custeios e capital (inclui FAT, BF e BCB)2 59.567 245.290 283.589 61.477 244.029 279.830

    Transferncias ao BCB - 2.112 2.566 - 2.112 2.566

    Elaborao do autor.Notas: Corresponde despesa total com pessoal, ou seja, incluindo a parcela realizada pelo Banco Central.

    Inclui parcela da despesa do BCB que no de pessoal.

    Analisando as grandezas dos agregados do RTN e do Siafi, podemos tecer algumas observaes sobre a magnitude e natureza de suas discrepncias:

    as transferncias para estados e municpios apresentam mnimas discrepncias en-tre o RTN e o Siafi, sendo um pouco mais relevantes em 2013, devido a diferenas localizadas nas cotas-parte do salrio-educao e no complemento do Fundeb, devido ao problema das ordens bancrias de ltimos dias do ano;

    as despesas de pessoal apresentam pequenas discrepncias, entre 0,3% e 0,7%;

    os benefcios previdencirios e assistenciais apresentam discrepncias pouco re-levantes nos valores anuais, embora nos meses de agosto sejam mais relevantes, devido a diferenas temporais entre a contabilizao e o pagamento do dcimo terceiro salrio da Previdncia Social;

    os subsdios econmicos apresentam uma discrepncia mais relevante, de 4% a 11%, porque parte deles no est registrada no Siafi e no RTN se consideram os valores lquidos dos pagamentos realizados pelos recebedores;

    a despesa com auxlio Conta de Desenvolvimento Energtico (CDE) s passou a ser registrado no Siafi em 2014, de modo que no possvel compar-la em 2013; e

    as despesas com OCCs apresentam discrepncia de 3,2%, 0,5% e 1,3%, respecti-vamente, em 2002, 2013 e 2014.

  • 20

    B r a s l i a , f e v e r e i r o d e 2 0 1 5

    De modo global, a discrepncia de cerca de R$ 5,4 bilhes entre as despesas do Siafi e do RTN em 2014 reflete a reduo do valor de ordens bancrias emitidas nos dois ltimos dias dos anos de 2013 e 2014. As de 2013 (no valor de R$ 27,7 bilhes) foram majoritariamente pagas no incio de 2014, assim como as de 2014 (R$ 22,2 bilhes) foram pagas no incio de 2015. A diferena (R$ 5,5 bilhes) praticamente idntica discrepncia entre o Siafi e o RTN. Mas importante assinalar que o Siafi reflete melhor o que efetivamente ocorre com a despesa sem o artifcio das ordens bancrias.

    Abaixo, na tabela 5, reproduzimos os mesmos agregados da tabela 4, mas em pro-poro do PIB, sendo possvel verificar que, apesar das discrepncias mencionadas, da ordem de 0,1% do PIB, conseguimos mimetizar com elevada acurcia as transferncias para estados e municpios e as despesas primrias do RTN.

    TABELA 5Transferncias a estados e municpios e despesa primria do governo central (2002, 2013 e 2014)(Em % do PIB)

    DiscriminaoRTN Siafi

    2002 2013 2014 2002 2013 2014

    Transferncias legais e constitucionais 3,8 3,9 4,1 3,8 4,0 4,1

    Despesa primria 15,7 18,7 19,7 15,9 18,7 19,6

    Pessoal (inclui BCB) 4,9 4,2 4,3 4,9 4,2 4,3

    Benefcios previdencirios e assistenciais 6,6 8,8 9,3 6,6 8,8 9,3

    Sentenas judiciais da Previdncia Social 0,1 0,2 0,2 0,1 0,2 0,2

    Subsdios econmicos 0,1 0,1 0,1 0,2 0,1 0,1

    Subveno aos fundos regionais 0,0 0,1 0,1 0,0 0,1 0,1

    CDE 0,2 0,2 0,2 0,2

    Outros custeios e capital (inclui FAT, BF e BCB) 2 4,0 5,1 5,5 4,2 5,0 5,5

    Transferncias ao BCB 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

    Elaborao do autor.Notas: 1 Corresponde despesa total com pessoal, ou seja, incluindo a parcela realizada pelo Banco Central do Brasil.

    2 Inclui parcela da despesa do BCB que no de pessoal.

    Nosso objetivo, entretanto, analisar em mais detalhes o agrupamento denomi-nado outros custeios e capital, que corresponde ao somatrio de parte das despesas correntes (bloco de custeio) e de investimentos e inverses financeiras (bloco de capital). A fim de realizar essa anlise, mostramos na tabela 6 como composto o gasto de custeio e de capital, identificando, no caso do custeio, quanto corresponde a transferncias para estados e municpios e quanto realizado em outras modalidades de aplicao, bem como quanto desses montantes so nas funes sade e educao.

  • Texto paraDiscusso2 0 3 7

    21

    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    O primeiro ponto a destacar que, excluindo o efeito do aumento das transferncias de renda do programa Bolsa Famlia e seus antecedentes, mensurado em 0,38 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, chegamos a um aumento das demais despesas de OCCs de 0,91 p.p. do PIB (ante 1,12 p.p. do RTN, devido discrepncia de 2002), sendo 0,31 p.p. no bloco de custeio e 0,60 p.p. no bloco de capital.

    TABELA 6Outras despesas de custeio e capital do governo central (2002, 2013 e 2014)(Em % do PIB)

    Discriminao 2002 2013 2014 2002-2013 2013-2014 2002-2014

    Bolsa Famlia 0,13 0,50 0,51 0,36 0,01 0,38

    Custeio 3,08 3,17 3,39 0,09 0,22 0,31

    Transferncias a estados e municpios 1,09 1,32 1,36 0,23 0,03 0,26

    Sade e educao 0,92 1,23 1,27 0,31 0,04 0,35

    Gastos diretos 1,98 1,85 2,03 -0,14 0,19 0,05

    Sade e educao 0,77 0,77 0,90 0,00 0,13 0,13

    Capital 0,95 1,37 1,55 0,42 0,18 0,60

    Investimentos 0,83 0,98 1,11 0,15 0,14 0,29

    MCMV 0,00 0,29 0,34 0,29 0,05 0,34

    Outras inverses 0,12 0,10 0,10 -0,02 -0,01 -0,03

    Total 4,16 5,04 5,45 0,88 0,41 1,29

    Elaborao do autor. Nota: Inclui modalidades de aplicao 50, 70, 80 e 90.

    Da expanso de 0,60 p.p. do PIB do bloco de capital, aproximadamente metade se explica autenticamente por investimentos e a outra metade, pelo programa MCMV, que, do ponto de vista econmico, constitui uma espcie de subsdio do governo a investimentos das famlias, contribuindo indiretamente para a ampliao da formao bruta de capital fixo.7

    As outras inverses, que correspondem a despesas do GND 5 e se mantm pra-ticamente constantes entre 2002 e 2014, so constitudas por gastos com aquisies de imveis e aumento de capital de empresas estatais do setor no financeiro.

    No bloco de custeio, destacamos que a expanso de 0,31 p.p. quase totalmente explicada pelo aumento das transferncias para estados e municpios e por programas

    7. Parte do gasto com o programa MCMV classificado no RTN/Siafi como custeio e outra parte, como capital; mas neste texto, todo gasto do programa ser considerado em bloco.

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    nas reas de sade e educao. Alis, as despesas de custeio nas reas de sade e edu-cao cresceram 0,48 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, o que significa que as demais despesas de custeio caram 0,17 p.p. do PIB.

    Note-se tambm que, no caso do custeio, cerca de 70% da expanso (0,22 p.p.) ocorreu entre 2013 e 2014, o que poderia sugerir um aumento conjuntural, tpico de ciclo eleitoral. Contudo, 74% desse aumento (0,16 p.p. do PIB) se deu nas reas de sade e educao, ao que tudo indica, em programas estruturantes, como o Sade da Famlia, Mais Mdicos e Cincia sem Fronteiras.

    Numa tentativa de analisar melhor essa questo, detalhamos na tabela 7 o custeio do governo em dois blocos, o das transferncias a estados e municpios e o do gasto direto, que inclui tambm transferncias a instituies privadas e para o exterior (caso do Mais Mdicos). interessante notar que as transferncias para estados e municpios, que vinham crescendo at 2013, praticamente se estabilizaram em 2014, mas uma anlise mais detalhada, ms a ms, mostra que aparentemente isso explicado porque em 2014 a efetivao de alguns repasses foi postergada para o ms seguinte.

    Por outro lado, o bloco de gastos diretos de custeio apresentou expanso de 0,19 p.p. do PIB entre 2013 e 2014, o que explicado pelo comportamento dos seguintes elementos de despesa: auxlio a estudantes e pessoas fsicas (+0,04 p.p.), ou seja, cate-goria que inclui bolsas de diversos tipos (exclusive o Bolsa Famlia, que foi considerado em separado), contribuies para o exterior (Mais Mdicos, por exemplo) e para ins-tituies privadas sem fins lucrativos (+0,03 p.p.), servios terceiros de pessoa jurdica (+0,03 p.p.), locao de mo de obra e servios de pessoas fsicas (+0,2 p.p.), sentenas judiciais (+0,02 p.p.) e indenizaes e restituies (+0,02 p.p.).8

    8. No caso das indenizaes, o aumento se explica pela transferncia de recursos relativa receita de atualizao monet-ria do Fundo de Garantia do Tempo de Servio (FGTS). O repasse ao FGTS somou R$ 900 milhes em 2014, enquanto em 2013 no houve repasse. At 2012, o repasse ocorria assim que entrava a receita e sequer era contabilizado como despesa primria, pois o efeito sobre o resultado primrio era nulo.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    TABELA 7Despesas de custeio do governo central (2002, 2013 e 2014) (Em % do PIB)

    Discriminao 2002 2013 2014 2002-2013 2013-2014 2002-2014

    Transferncias a estados e municpios 1,09 1,32 1,36 0,23 0,03 0,26

    Procedimentos do SUS 0,51 0,68 0,73 0,17 0,05 0,22

    Piso de Ateno Bsica (inclui Sade da Famlia) 0,21 0,26 0,28 0,06 0,01 0,07

    Assistncia farmacutica e medicamentos 0,01 0,05 0,04 0,04 -0,01 0,03

    Merenda escolar 0,06 0,07 0,07 0,02 0,00 0,01

    Dinheiro Direto na Escola 0,02 0,04 0,03 0,02 -0,01 0,02

    Demais programas/aes 0,29 0,22 0,21 -0,07 -0,01 -0,08

    Gastos diretos 1,98 1,85 2,03 -0,14 0,19 0,05

    Auxlio a estudantes e pessoas fsicas (exclusive BF) 0,11 0,23 0,27 0,13 0,04 0,17

    Auxlio-transporte e alimentao 0,08 0,10 0,10 0,03 0,00 0,02

    Subvenes sociais e econmicas 0,01 0,07 0,07 0,06 0,00 0,06

    Locao de mo de obra e servios terceiros de pessoa fsica 0,11 0,18 0,20 0,07 0,02 0,09

    Servios terceiros de pessoa jurdica 0,98 0,58 0,61 -0,41 0,03 -0,38

    Material de consumo e distribuio gratuita 0,27 0,29 0,30 0,01 0,01 0,02

    Dirias e passagens 0,07 0,05 0,05 -0,02 0,00 -0,01

    Contribuies 0,11 0,09 0,12 -0,02 0,03 0,01

    Sentenas judiciais 0,05 0,07 0,09 0,03 0,02 0,04

    Indenizaes e restituies 0,05 0,08 0,10 0,04 0,02 0,05

    Despesas de exerccios anteriores 0,10 0,02 0,04 -0,07 0,01 -0,06

    Demais 0,05 0,08 0,08 0,03 0,00 0,03

    Total 3,08 3,17 3,39 0,09 0,22 0,31

    Elaborao do autor. Nota: Inclui modalidades de aplicao 50, 70, 80 e 90.

    Ou seja, embora seja possvel atribuir ao ciclo eleitoral parte do aumento recente do gasto, ele tem se destinado, em muitos casos, a programas estruturantes, ou seja, despesas com forte tendncia de manterem-se no tempo ou aumentarem.

    Dessa forma, configura-se um espao muito restrito para cortar as despesas de custeio, a menos que se revisem ou cancelem programas sociais que, ao que tudo indi-ca, so prioridades de governo e, de certa forma, atendem a expectativas da sociedade por mais e melhores servios pblicos.

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    Concluindo, os dados da tabela 7 indicam que:

    o gasto de custeio, excluindo o Bolsa Famlia, cresceu 0,31 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, sendo 0,17 p.p. explicado pela expanso de auxlios a estudantes e pessoas fsicas, ou seja, bolsas de estudo e de vrias outras naturezas;

    se computssemos o Bolsa Famlia dentro do custeio, como o faz o RTN, teramos que a expanso do gasto chegou a 0,69 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, sendo 0,54 p.p. (ou 78%) explicado pelo Bolsa Famlia e pelos outros tipos de bolsas pagas pelo governo;

    a expanso do custeio relativa a outras naturezas de despesas entre 2002 e 2014 de 0,15 p.p. do PIB e explicada predominantemente por subvenes econ-micas e sociais que no esto classificadas como subsdios no RTN (por exem-plo, programa Farmcia Popular), benefcios extrassalariais a servidores pblicos (auxlio-alimentao, auxlio-transporte e assistncia mdica e odontolgica) e a transferncias para estados e municpios nas reas de sade e educao;

    parte da expanso das transferncias para estados e municpios, de 0,26 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, explicada por uma mudana meramente contbil na classificao dos gastos com procedimentos do Sistema nico de Sade (SUS), que antes eram contabilizados como despesa direta em outros servios terceiros de pessoa jurdica, mas passaram a ser contabilizados como transferncia a esta-dos e municpios;

    parte da reduo significativa da despesa classificada em outros servios terceiros de pessoa jurdica, de 0,38 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, tambm explicada, portan-to, por essa mudana contbil, cujo impacto estimamos em cerca de 0,2% do PIB;9

    dessa forma, realizando-se o ajuste de 0,2 p.p., a expanso efetiva das transfern-cias para estados e municpios teria sido de apenas 0,06 p.p. do PIB entre 2002 e 2014, enquanto o encolhimento das despesas com servios terceiros de pessoas jurdicas teria sido de 0,18 p.p. do PIB, fazendo com que os gastos diretos tives-sem crescido 0,25 p.p., e no apenas 0,05 p.p.;

    h, portanto, uma mudana no perfil e na natureza do gasto de custeio, tanto pela expanso dos gastos de sade e educao em detrimento das demais reas quanto pela reduo em proporo do PIB de servios terceiros de pessoa jurdica (entre os quais se incluem os servios de utilidade pblica, ou seja, contas de gua, luz, telefone e processamento de dados), enquanto crescem os gastos com bolsas diversas,

    9. Estimativa realizada com base na identificao do valor gasto diretamente em 2002 com atendimento ambulatorial, emergencial e hospitalar em regime de gesto plena do Sistema nico de Sade (SUS).

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    com locao de mo de obra e servios terceiros de pessoa fsica (que incluem des-de estagirios at servios terceirizados de vigilncia, limpeza e telefonia), alm de subvenes sociais e econmicas e benefcios extrassalariais de servidores;

    por hiptese, poderamos tambm estar diante de um fenmeno de migrao de con-tratos antes classificados como servios terceiros de pessoas jurdicas para servios terceiros de pessoas fsicas, mas, de qualquer forma, a reduo do primeiro tipo de servio (pelo menos 0,18 p.p.) supera o aumento do segundo tipo (0,09 p.p.); e

    considerando ainda que o gasto com material de consumo permaneceu estvel ao longo do perodo analisado, podemos concluir que, do ponto de vista macroeco-nmico, h indicativos de que os gastos de custeio mais associados ao consumo intermedirio do governo esto decaindo ou esto estveis, enquanto as transfe-rncias (incluindo tambm as bolsas de estudo) e os subsdios que impactam na renda disponvel das famlias crescem.

    Por todos os dados analisados nesta seo, portanto, vemos que o bloco de des-pesas denominado OCCs no RTN cresce em proporo do PIB por uma combinao de fatores que podem ser sintetizados nos seguintes vetores: aumento de investimentos, aumento de bolsas assistenciais ou de educao e ampliao de programas sociais diver-sos nas reas de educao, sade e habitao (no caso, pela criao do MCMV).

    Os chamados gastos de custeio da mquina, pelo que tudo indica, esto estabili-zados em proporo do PIB, apesar da presso exercida pelos gastos finalsticos acima mencionados, o que desconstitui a imagem de um Estado em processo de inchamento, pelo menos em atividades-meio. Dito de outra forma, o governo vem ampliando con-sideravelmente seu gasto, mas predominantemente em capital fsico e humano, impor-tantes para o desenvolvimento social e econmico. Isso no significa que no existam limites para essa poltica, como demonstra a evoluo recente do resultado primrio, o que discutiremos nas duas prximas sees.

    5 SNTESE DAS ANLISES: OS DETERMINANTES DO RESULTADO PRIMRIO

    A anlise realizada nas sees anteriores mostrou que a despesa pblica federal vem crescendo de modo praticamente ininterrupto desde 1999, sob a vigncia do regime de metas de superavit primrio, o que foi possvel pela expanso concomitante das recei-tas. Contudo, no perodo recente, assistimos tanto a uma acomodao do processo de

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    crescimento das receitas, influenciado pela poltica de desoneraes e pelo fraco cresci-mento econmico, quanto a uma acelerao no crescimento das despesas.

    Remetendo-nos aos dados da tabela 1, por exemplo, verificamos que a expanso da despesa no primeiro governo Dilma foi de 2,3 p.p. do PIB, ante 0,5 p.p. no segundo governo Lula, 1,2 p.p. no primeiro governo Lula e 1,2 p.p. no segundo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).

    O que existe de comum e contrastante entre esses perodos de governo? O comum a expanso, em todos eles, dos gastos com benefcios previdencirios e assistenciais, embora em diferentes ritmos, e uma certa volatilidade dos investi-mentos, que so geralmente contrados no primeiro e segundo anos de governo e ampliados no ltimo (ciclo eleitoral).10

    Os benefcios previdencirios e assistenciais crescem acima do PIB, impulsiona-dos tanto pelo aumento do salrio mnimo (preo) quanto da cobertura da rede de pro-teo social (quantidade), decorrente da formalizao da economia, da incluso social e de fatores demogrficos. Alm disso, verifica-se o aumento do percentual de benefcios vinculados ao salrio mnimo.11

    E o que contrasta entre esses governos? Em primeiro lugar, apesar da volatilidade comum a todos os perodos, existe uma tendncia, desde 2007, a que os investimentos cresam em proporo do PIB.

    Por outro lado, h um contraste entre o segundo governo Lula e o primeiro go-verno Dilma no que se refere ao maior crescimento das despesas correntes (excluindo-se pessoal). Isso se explica, em primeiro lugar, pelo impacto da pior performance econ-mica no segundo perodo sobre o denominador da relao despesa-PIB (fator cclico) e, em segundo lugar, pela criao ou ampliao de vrios programas sociais, como o

    10. Os investimentos, depois de forte contrao no primeiro governo Lula em relao ao segundo governo FHC, voltaram a crescer no segundo governo Lula, caram no incio primeiro governo Dilma e retomaram a trajetria de crescimento neste ltimo ano de mandato. Ver Orair, Gouva e Leal (2014) para uma anlise sobre os ciclos polticos eleitorais.11. Os benefcios previdencirios equivalentes a 1 salrio mnimo cresceram de 58% do total, em dezembro de 2004, para 62%, em novembro de 2014, segundo o Boletim Estatstico da Previdncia Social. J entre os benefcios assistenciais, mais de 99% so equivalentes a 1 salrio mnimo.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    MCMV e outros nas reas de sade e educao, bem como pela presso sobre o custeio exercida pelos investimentos realizados no primeiro perodo.

    Por exemplo, as novas universidades e escolas tcnicas construdas nos ltimos anos exigem mais gastos com gua, luz, telefone, vigilncia, limpeza e material de con-sumo. Ou seja, existe um novo componente estrutural por trs do crescimento das despesas correntes do governo central que se soma quele previamente existente, mais relacionado aos benefcios previdencirios e assistenciais. E esse efeito estrutural am-plificado em meio a uma sequncia de anos de baixo crescimento do PIB.

    O problema que se coloca no curto prazo que essa combinao de fatores redu-ziu o resultado primrio a um patamar bem inferior quele requerido para estabilizar a relao dvida-PIB, o que coloca em dvida a condio do governo, mesmo em um cenrio econmico um pouco melhor, de sustentar esse padro de crescimento das des-pesas sem o aumento do endividamento pblico.12

    No curto prazo, entretanto, existe pouco espao para reduzir as despesas correntes (exceto pessoal), dado seu elevado grau de rigidez. Alm da regra de reajuste do salrio mnimo, vinculado taxa passada de expanso do PIB, temos o oramento da sade tambm vinculado ao crescimento do PIB e a meta do Plano Nacional de Educao (PNE), recentemente transformada em lei e prevendo que o gasto pblico em educao seja elevado de 6,5% do PIB para 10% do PIB no perodo de dez anos (Brasil, meta 20, 2014a).13

    Ou seja, existe uma srie de leis e compromissos polticos que claramente apon-tam para a continuidade da trajetria de crescimento das despesas do governo central e tambm de estados e municpios a taxas superiores a do PIB. Mesmo que o governo realize uma ginstica oramentria voltada a realocar ainda mais o gasto para as reas prioritrias, muito improvvel que consiga reduzir e at mesmo manter constante a despesa corrente em proporo do PIB.

    12. Mesmo crescendo a 3% a.a., e com a taxa de juros implcita no nvel atual, o governo precisaria fazer um superavit primrio de 2% para estabilizar a relao dvida-PIB. Ver simulaes em Gobetti (2014).13. No Congresso Nacional, ainda se discute uma proposta, com apoio da oposio, que pretende vincular o gasto federal em sade a 10% da receita corrente da Unio, o que teria um impacto fiscal de 0,5% do PIB no curto prazo.

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    O nico item da despesa corrente que caiu e pode continuar caindo, depen-dendo do ritmo de crescimento da economia e das medidas adotadas em proporo do PIB foram os gastos de pessoal. Contudo, difcil que a queda nos gastos de pessoal (via controle de reajustes e adiamento de concursos pblicos, por exemplo) compense o aumento das demais despesas correntes, at mesmo no mdio prazo, considerando o conjunto de fatores elencados acima.

    A taxa de crescimento vegetativo dos benefcios previdencirios e assistenciais, por exemplo, tem sido em mdia de 3,1% e 5% ao ano (a.a.), respectivamente, de acordo com dados do Boletim Estatstico da Previdncia Social (Brasil, vrios anos). Isso significa que mesmo o gasto com benefcios reajustados apenas pela inflao (sem o ganho real do salrio mnimo) tende a crescer mais do que o PIB e tanto mais quanto mais fraco for o crescimento econmico dos prximos anos.

    Dito de outra forma, a economia teria de crescer bem acima de 3% a.a. para esta-bilizar as despesas com benefcios previdencirios e assistenciais em proporo do PIB. Um atenuante ao problema que as receitas previdencirias e outras vinculadas folha de salrios tambm apresentam crescimento superior ao do PIB, a uma mdia anual de 2,6%, o que contribui para o controle do deficit.

    O quanto os fatores que determinaram a expanso simultnea das receitas e despe-sas da seguridade social se mantero nos prximos anos uma incgnita, bem como a di-ferena entre as taxas de expanso de ambas. O fato que o crescimento econmico tende a afetar mais a evoluo das receitas do que o quantitativo de benefcios, o que implica maiores dificuldades de controle da despesa em cenrios de expanso moderada do PIB.

    Algumas reformas cogitadas, como nas regras de reajuste do salrio mnimo e na concesso das penses por morte do Regime Geral de Previdncia Social e do seguro-desemprego, podem surtir efeito a mdio e longo prazo no controle dos benefcios previdencirios e assistenciais, mas os programas de sade e educao tendem a ocupar esse espao fiscal se o governo levar a srio os compromissos e leis que tratam das despesas dessas reas.

    Nesse contexto, o que resta fazer no curto e no mdio prazo para promover uma recuperao do resultado primrio? E o que deve ser feito dada a conjuntura de baixo crescimento econmico em que estamos? o que discutiremos na prxima seo.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    6 O QUE FAZER?

    H duas razes que tm sido apresentadas para defender que o governo faa um ajuste fiscal. A primeira tem a ver com a sustentabilidade da dvida pblica, visto que um superavit primrio prximo de zero, como o atual, tende a elevar o endividamento lquido do setor pblico a uma taxa de 1,5 a 2,3 p.p. do PIB a.a., dependendo do ritmo de crescimento econmico que venhamos a ter (1,5% a 3,5%).

    A outra razo diz respeito a um diagnstico segundo o qual o arranjo das contas pblicas seria uma condio prvia para a retomada do crescimento econmico, em funo dos seus efeitos sobre as expectativas dos agentes econmicos. Tal diagnstico se assenta na hiptese originalmente formulada por Giavazzi e Pagano (1990) de que, em algumas circunstncias, como a da Irlanda e da Dinamarca nos anos 1980, contraes fiscais poderiam ter efeitos expansionistas de curto prazo no previstos pela teoria keynesiana.

    Em que pese tal premissa ser controversa,14 como tem demonstrado o debate econmico dos ltimos vinte anos e as evidncias empricas relacionadas poltica de consolidao fiscal implementada recentemente pelos pases da Unio Europeia, alguns autores passaram a chamar a ateno para o problema da qualidade do ajuste fiscal. Alesina e Perotti (1996) foram os primeiros a sustentar que a probabilidade de uma contrao fiscal se tornar exitosa (em termos de efeitos positivos sobre o PIB) dependeria da forma como ela fosse realizada, se por meio de cortes no oramento corrente (boa qualidade), se mediante reduo dos investimentos e aumento de impostos (m qualidade).

    Ou seja, pode-se dizer que h um certo consenso entre economistas de diversas matizes de que um ajuste fiscal do segundo tipo, no mnimo, no contribuiria para a retomada do crescimento econmico. A questo que se coloca novamente , ento, qual tipo de ajuste fiscal que no afete negativamente o crescimento seria vivel nas atuais circunstncias, ou, em outros termos, qual estratgia alternativa de poltica fiscal deveria ser colocada em prtica.

    14. Ver Serrano e Braga (2006) e Guajardo, Leigh e Pescatori (2011) para uma viso crtica da hiptese das contraes fiscais expansionistas.

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    A rigidez das despesas correntes, como j foi dito, sugere que o espao para re-duzi-las no curto prazo, concentrando-se nas despesas de pessoal e no custeio, bas-tante limitado, principalmente em contexto de baixo crescimento econmico, em que o denominador da relao gasto-PIB pouco contribui. Contudo, o novo governo j sinalizou duas frentes pelas quais pretende reduzir as despesas correntes ainda em 2015: pela suspenso do subsdio s contas de energia eltrica e pela reviso dos critrios de concesso dos benefcios previdencirios e assistenciais, especialmente os do abono sa-larial e do seguro-desemprego.

    Se confirmadas, as duas medidas juntas podero render, na melhor das hipteses, uma economia de cerca de 0,6% do PIB, bastante inferior ao requerido para atingir a meta de superavit primrio de 1,2% do PIB anunciada para 2015. Afinal, consideran-do-se o setor pblico consolidado, o deficit primrio de 2014 foi de 0,6% do PIB, o que significa que o esforo para atingir a meta de nada menos do que 1,8% do PIB, e ainda no se sabe quanto disso vir de estados e municpios.

    Por outro lado, a recuperao do resultado primrio pelo lado do componente cclico das receitas deve ser insignificante caso se confirmem as previses do mercado para o crescimento econmico em 2015, igual ou pouco superior ao de 2014.15 Isso sem considerar a dificuldade para repetir em 2015 o volume de receitas no recorrentes obtido em 2014.

    Qualquer esforo fiscal adicional neste ano depende, portanto, ou de aumento da carga tributria, ou do corte de investimentos. O corte de investimentos, se adotado, pode ter efeitos negativos sobre o crescimento econmico e ambguos sobre o resultado fiscal, na medida em que seja anulado, pelo menos parcialmente, pelo efeito cclico da recesso sobre as receitas. Quanto carga tributria, s haveria uma forma de elev-la e de que contribusse com o superavit primrio sem afetar negativamente o crescimento econmico: aumentar impostos incidentes sobre a renda de estratos da populao que provavelmente no reduziriam seu consumo em funo da maior tributao. Entre as medidas com esse perfil, est o restabelecimento da tributao de lucros e dividendos distribudos aos acionistas e donos de empresas, que esto isentos no Brasil desde 1996.

    15. De acordo com Gobetti, Gouva e Schettini (2010), a sensibilidade do resultado primrio do governo central de cerca de 0,2-0,3 p.p. do PIB para cada 1 p.p. de crescimento do produto.

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    De acordo com Castro (2014), o Brasil um dos poucos pases do mundo que adotam a iseno total dos lucros e dividendos, o que justificado tecnicamente pelo fato de que os lucros j so tributados na pessoa jurdica. Contudo, outros pases de-senvolvidos tambm tributam o lucro duas vezes, na pessoa jurdica e na pessoa fsica, existindo alguns mecanismos de compensao, dependendo do caso.

    A retomada da tributao de lucros e dividendos uma proposta polmica do ponto de vista jurdico, mas coerente com a experincia internacional, contribui para desconcentrar renda no topo da pirmide, alm de proporcionar uma receita adicional ao governo, estimada em 0,7% do PIB caso se d a partir de uma alquota de 15%, igual quela que incide sobre os demais ganhos de capital.16

    Contudo, dado o princpio da anterioridade fiscal, o governo teria de ter aprovado uma lei (ou editado uma medida provisria) restabelecendo a tributao sobre lucros e dividendos ainda em 2014. Alm disso, a resistncia poltica a medidas dessa natureza tende a ser muito forte, o que particularmente relevante na atual conjuntura poltica.

    Diante dessa restrio, no curto prazo, no restou outra alternativa de ajuste fiscal via receita seno elevar a carga tributria por meio de decretos, utilizando os cha-mados tributos regulatrios, como IPI, Imposto sobre Operaes de Crdito, Cmbio e Seguros (IOF) e Contribuio de Interveno no Domnio Econmico (Cide), e reduzindo a correo da tabela do Imposto de Renda. Essas medidas, segundo esti-mativas do Ministrio da Fazenda, rendero uma receita adicional de 0,4% do PIB em 2015, mas podero ter efeitos negativos sobre a demanda agregada e, em alguns casos, sobre a inflao (como no caso da Cide). Ainda assim, como vimos, o governo depender de cortes adicionais, provavelmente de investimentos, para alcanar a meta de 1,2% do PIB.

    Portanto, h um risco de que o ajuste fiscal implementado deteriore ainda mais a situao fiscal, via estagnao econmica mais profunda ou prolongada, dificultando as condies polticas para enfrentar os problemas estruturais mais srios que esto de-terminando as trajetrias de mdio e longo prazo das despesas. As medidas de reviso

    16. Estimativa baseada nas declaraes de Imposto de Renda de Pessoas Fsicas 2012, que revelam uma renda de R$ 207,6 bilhes proveniente de lucros e dividendos distribudos.

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    das regras de concesso de benefcios previdencirios e assistenciais, por exemplo, j foram rotuladas de corte de direitos, embora a maioria se caracterize efetivamente como correo de distores e excessos que devem ser eliminados.

    Por outro lado, existem sinais contraditrios sobre o que o governo pretende fazer com a regra de reajuste do salrio mnimo, que hoje se baseia na inflao do ano anterior mais a taxa de crescimento do PIB de dois anos anteriores. Essa regra tem vi-gncia at 2015, mas no Congresso Nacional j existem vrios projetos aprovados em comisso tornando-a permanente.

    A definio de qual regra teremos para o futuro fundamental para a dinmica das despesas correntes, uma vez que hoje nada menos do que R$ 317 bilhes das des-pesas com benefcios previdencirios e assistenciais (valor acumulado em doze meses at agosto de 2014) esto associadas ao salrio mnimo. Uma das alternativas que j se apresentaram ao debate vincular o reajuste do salrio mnimo no mais ao PIB, mas ao PIB per capita, que reflete melhor os ganhos de produtividade do trabalho.

    No curto prazo, evidentemente, tal proposta teria impacto mnimo, mas no mdio prazo pode contribuir para estabilizar o crescimento das despesas previdenci-rias e assistenciais em proporo do PIB, junto com as demais reformas nas regras de concesso de benefcios.

    Do ponto de vista poltico, propostas como essas, que reduzem o ritmo de au-mento do salrio mnimo e a taxa de crescimento vegetativo dos benefcios, podem ser justificadas diante das novas necessidades de gasto na rea social que esto emergindo, principalmente em sade e educao. Do ponto de vista econmico, sinalizariam um ajuste na poltica de incluso social, com mais foco em programas que melhorassem a qualidade dos servios pblicos e contribussem para o aumento da produtividade mdia da economia.

    H ainda, em termos de reformas estruturais, toda uma agenda pelo lado da tributao, focada mais em melhorar o perfil da carga tributria do que gerar ganhos de arrecadao. O governo avanou muito nos ltimos anos em sua poltica de deso-neraes, mas pouco fez em termos de correo de distores, como a do regime do Programa de Integrao Social (PIS)/Contribuio para Financiamento da Seguridade

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    Social (Cofins), do Imposto de Renda de Pessoa Fsica (IRPF) e da tributao de lucros e dividendos. possvel que um conjunto de reformas na rea da tributao, neutras do ponto de vista fiscal agregado, mas positivas para a qualidade do sistema tributrio, tenha mais chances de aprovao no Congresso e contribua para o crescimento econ-mico, condio mais do que necessria para a melhoria dos resultados fiscais do pas.

    A reviso de alguns benefcios fiscais concedidos nos ltimos anos tambm deve-ria fazer parte dessa agenda, considerando que alguns aparentemente no surtiram os efeitos econmicos esperados, como a desonerao da folha de pagamentos, que tem um custo anual de 0,4% do PIB.

    Por outro lado, preciso considerar a dimenso federativa do problema, uma vez que no mbito de estados e municpios o resultado primrio tambm tem cado sensivelmente nos ltimos anos, registrando deficit em 2014. Isso se deve tambm a presses pelo lado do gasto, principalmente nas reas de sade e educao, que foram acomodadas por meio da expanso do endividamento dos grandes estados e de algumas capitais, que tiveram acesso a emprstimos externos.

    O recente projeto aprovado no Congresso, alterando retroativamente o indexa-dor das dvidas dos estados e municpios com a Unio, pode acentuar no mdio prazo essa tendncia ao criar mais espao para o endividamento, embora o Ministrio da Fazenda possa controlar de outro lado a autorizao de contratao de novos emprs-timos. De qualquer forma, o fato que a situao estrutural de estados e municpios hoje de um maior volume de despesas correntes do que anos atrs, e qualquer ajuste no resultado primrio tende a repercutir sobre os investimentos pblicos.

    Por fim, seria recomendvel repensar e redimensionar as chamadas polticas pa-rafiscais, ou seja, aquelas operadas por fora do oramento pblico, como o caso dos subsdios implcitos nos programas de financiamento dos investimentos privados rea-lizados por bancos pblicos, que no impactam o resultado primrio, mas a conta de juros nominais lquidos, via diferencial de taxas de juros. De acordo com estimativas da Secretaria de Poltica Econmica (Brasil, 2014b), os subsdios implcitos com impacto na conta de juros nominais lquidos (o que exclui o Programa de Estmulo Reestrutu-rao e ao Sistema Financeiro Nacional Proer, por exemplo, que impacta a dvida via ajuste patrimonial) j somam cerca de 0,6% do PIB.

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    Qual o nvel adequado de crdito subsidiado ao setor privado e quais setores devem ser beneficiados so questes que devem ser debatidas em profundidade, con-siderando seu custo e benefcio no mdio e no longo prazo em comparao a outras polticas fiscais e outras alternativas de financiamento do investimento privado.

    7 CONSIDERAES FINAIS

    Este texto buscou contribuir com o debate atual sobre a situao das contas pblicas brasileiras de duas formas. Primeiro, desenvolvendo uma metodologia de anlise dos resultados primrios do governo central em nveis mais detalhados do que aqueles pro-porcionados pelas estatsticas fiscais acima da linha, utilizando informaes do Siafi. Segundo, a partir dos resultados da anlise, discutindo os limites para a implementao de um ajuste fiscal no curto prazo e as implicaes da qualidade desse ajuste sobre as tendncias de mdio e longo prazo das finanas pblicas.

    Recapitulando algumas concluses j apresentadas, a anlise da evoluo do resultado primrio mostrou que o processo de crescimento das despesas correntes no Brasil liderado principalmente pelos benefcios previdencirios e assistenciais estrutural, sendo praticamente ininterrupto desde 1999, quando foi introduzido o regime de metas de superavit primrio. Inicialmente, a obteno de resultados fiscais robustos foi viabilizada pelo aumento legislado da carga tributria e adicionalmente, nos episdios de ajuste fiscal, pelo corte dos investimentos.

    No perodo recente, entretanto, com o fraco crescimento econmico, a intensifi-cao da poltica de desoneraes tributrias e o surgimento de novos fatores de presso sobre as despesas (associados demanda da sociedade por melhores servios pblicos de sade e educao), os resultados fiscais se deterioraram rapidamente, suscitando questionamentos sobre a sustentabilidade da atual poltica fiscal. O problema que, de acordo com todas as evidncias que relatamos, existe um espao muito limitado para melhorar estruturalmente os resultados fiscais no curto prazo e dificuldades bastante srias para fazer isso no mdio e longo prazo.

    A retomada do crescimento econmico, considerada por alguns suficiente para resolver o problema fiscal, na verdade s reverte parcialmente a piora dos resultados fiscais, pelo componente cclico das receitas e pelo efeito denominador do PIB sobre as

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    Ajuste Fiscal no Brasil: os limites do possvel

    despesas, mas parte desse efeito ser anulado pelas regras de indexao e vinculao que impulsionam as despesas correntes se estas no forem revistas ou se outras reformas limi-tadoras do gasto como a que trata das penses por morte no forem implementadas.

    Diante disso, o dilema que se apresenta no curto prazo : fazer um ajuste inevi-tavelmente de baixa qualidade e com consequncias negativas sobre a economia, com a esperana de que isso contribua para a melhoria das expectativas dos agentes econ-micos, ou, alternativamente, promover um ajuste moderado que no comprometa a retomada do crescimento e, ao mesmo tempo, iniciar j em 2015 um debate com a sociedade com o objetivo de resolver os problemas estruturais que ameaam a susten-tabilidade da poltica fiscal.

    Este autor tem evidentes preferncias pela segunda opo, embora reconhea que a conjuntura poltica para uma agenda de reformas de mdio e longo prazo no boa. Contudo, o melhor que o governo tem a fazer para tentar recuperar a credibilidade per-dida agir de modo transparente e enfrentar esses desafios desde j, tentando pactuar com a sociedade uma frmula de continuar avanando no fortalecimento do Estado de bem-estar social sem colocar em risco a sustentabilidade fiscal disso no longo prazo.

    Em resumo, uma combinao de maior crescimento econmico com algumas reformas nas regras mencionadas pode contribuir para retornar o superavit primrio a um patamar compatvel com a estabilizao da dvida pblica, sem a necessidade de novos aumentos na carga tributria ou cortes de investimentos pblicos.

    REFERNCIAS

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    ______. Ministrio da Previdncia Social. Boletim Estatstico da Previdncia Social. Braslia: MPS, 2004-2011. v. 9-19.

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    GIAVAZZI, F.; PAGANO, M. Can severe fiscal contractions be expansionary? Tales of two small European countries. Cambridge: NBER, 1990. (Working Paper, n. 3372).

    GOBETTI, S. W. Regras fiscais no Brasil e na Europa: um estudo comparativo e propositivo. Braslia: Ipea, set. 2014. No prelo. (Texto para Discusso, n. 2018).

    GOBETTI, S. W.; GOUVA, R. R.; SCHETTINI, B. P. Resultado fiscal estrutural: um passo para a institucionalizao de polticas anticclicas no Brasil. Braslia: Ipea, dez. 2010. (Texto para Discusso, n. 1515).

    GUAJARDO, J.; LEIGH, D.; PESCATORI, A. Expansionary austerity: new international evidence. Washington: IMF, July 2011. (Working Paper, n. 58).

    ORAIR, R. O. et al. Carga tributria brasileira: estimao e anlise dos determinantes da evoluo recente (2002-2012). Rio de Janeiro: Ipea, out. 2013. (Texto para Discusso, n. 1875).

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    SCHETTINI, B. P. et al. Resultado estrutural e impulso fiscal: uma aplicao para as administraes pblicas no Brasil 1997-2010. Pesquisa e Planejamento Econmico, Braslia, v. 41, n. 2, ago. 2011.

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    ANEXO

    A estimativa das receitas e transferncias ajustadas ao ciclo econmico se d a partir da seguinte frmula de ajuste:

    .

    E a receita estrutural calculada pela deduo das receitas no recorrentes da receita ajustada ao ciclo econmico, tal qual expresso na tabela 1.

    TABELA 1Receita primria do governo central ajustada ao ciclo econmico (1999-2014) (Em % do PIB)

    Discriminao 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

    Receita bruta ajustada (A) 19,9 19,8 20,8 21,6 21,3 21,5 22,8 23,1 23,1 23,2 23,2 22,1 23,7 24,1 24,2 24,0

    Receita tributria ajustada (=1,2) 13,0 13,2 13,8 14,9 14,6 14,8 15,6 15,5 15,6 15,2 14,4 13,8 14,9 15,0 15,1 15,0

    Receita previdenciria ajustada (=0,5) 4,6 4,7 4,8 4,8 4,8 4,8 5,1 5,2 5,3 5,3 5,7 5,6 5,9 6,2 6,2 6,3

    Demais (=0) 2,3 1,9 2,2 1,9 1,9 2,0 2,1 2,4 2,2 2,7 3,1 2,7 2,9 2,9 3,0 2,7

    Transferncias ajustadas (=1,5) 3,3 3,4 3,5 3,8 3,6 3,5 3,9 4,0 3,9 4,3 4,1 3,6 4,1 4,1 3,9 4,3

    Receita lquida ajustada 16,6 16,4 17,2 17,8 17,7 18,1 18,9 19,1 19,1 19,0 19,2 18,5 19,6 20,0 20,3 19,7

    ndice do hiato (PIB potencial/PIB efetivo)

    1,01 0,99 1,00 1,00 1,02 1,00 1,00 1,01 0,99 0,98 1,02 0,98 0,99 1,00 1,00 1,02

    Observaes:

    Receitas no recorrentes (B) 0,9 0,4 0,3 0,6 0,0 0,1 0,0 0,0 0,1 0,2 0,7 0,0 0,4 0,6 0,9 0,5

    Receitas brutas estruturais (A-B) 19,1 19,3 20,4 21,0 21,3 21,5 22,8 23,1 23,0 23,0 22,5 22,1 23,3 23,6 23,3 23,4

    Receitas brutas estruturais, exceto previdencirias

    14,4 14,6 15,6 16,2 16,5 16,7 17,7 17,8 17,7 17,7 16,8 16,5 17,4 17,3 17,1 17,2

    Elaborao do autor.

  • Ipea Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    EDITORIAL

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    SupervisoEverson da Silva MouraReginaldo da Silva Domingos

    Revisongela Pereira da Silva de OliveiraClcia Silveira RodriguesIdalina Barbara de CastroLeonardo Moreira VallejoMarcelo Araujo de Sales AguiarMarco Aurlio Dias PiresOlavo Mesquita de CarvalhoRegina Marta de AguiarBrbara Seixas Arreguy Pimentel (estagiria)Taunara Monteiro Ribeiro da Silva (estagiria)

    EditoraoBernar Jos VieiraCristiano Ferreira de ArajoDaniella Silva NogueiraDanilo Leite de Macedo TavaresDiego Andr Souza SantosJeovah Herculano Szervinsk JuniorLeonardo Hideki Higa

    CapaLus Cludio Cardoso da Silva

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