As Duas Dimensões Do Ajuste Fiscal

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    As duas dimenses doajuste fiscal

    Felipe Salto

    Jos Roberto Afonso

    Geraldo Biasoto Jr.

    Marcos Khler

    Dezembro 2015

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    Texto para Discusso. IE/Unicamp, Campinas, n. 262, dez. 2015.

    As duas dimenses do ajuste fiscal

    Felipe Salto 1

    Jos Roberto Afonso 2

    Geraldo Biasoto Jr.3

    Marcos Khler 4

    Introduo

    A enorme desorganizao que assola a economia e, simultaneamente,

    a poltica brasileira desemboca em prescries de remdios variados. Mesmoautoridades que nunca aceitavam estar no epicentro da perda de credibilidade,tiveram de se curvar crise e anunciar seu compromisso com o ajuste fiscal.Mas a desastrada deciso de mandar ao Congresso Nacional uma propostaoramentria que embutia um dficit primrio (junho/15) e a falta de propostascrveis para atacar os problemas estruturais da economia adiantaram a perda dograu de investimento do risco soberano. O caminho de volta ser, por isso,muito mais longo e penoso e os primeiros passos no ensejam grande

    entusiasmo.

    O clima de perplexidade abriu ao menos espao para o debate, quecomeou pela busca dos culpados. Diante das enormes incertezas sobre ofuturo, agravadas pela incapacidade do governo em governar, prender-se aopassado sempre serve de paliativo. A Constituio de 1988 foi logo eleita comogrande obstculo recuperao de uma situao fiscal razovel, o que j nosleva ao campo da poltica e da reforma constitucional. Este no nos parece um

    caminho crvel, em razo das tenses sociais e da fragilidade que tm marcadoo quadro poltico-partidrio nacional. Na verdade, neste cenrio, uma soluocomo esta seria uma aventura com resultados imprevisveis.

    Infelizmente, a sociedade brasileira parece acostumada a conviver como esprito de manada, guiada por smbolos e impresses muitas vezes

    (1) Mestre em Economia pela FGV-SP e Assessor do Senado.(2) Doutor em Economia pela Unicamp e especialista em Finanas Pblicas da FGV.

    (3) Professor do IE/Unicamp.(4) Mestre em Economia pela UFMG e Assessor do Senado.

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    distorcidos. O cone da responsabilidade fiscal, por exemplo o supervitprimrio colaborou imensamente para que a poltica fiscal ficasse submersaem um indicador sinttico incompleto e manipulado, tendo seus elementos de

    tendncia obscurecidos por receitas em expanso, contabilidade criativa,pedaladas, dividendos extraordinrios, dentre tantas outras medidas fiscaiscriativas. Mais anlise e menos crena em indicadores sintticos podero ajudara prevenir novas crises.

    Antes de tudo, foroso reconhecer que a crise das finanas pblicasno resultou apenas da insuficincia de supervits primrios. A polticacambial, em vez de compensar a influncia deletria da frouxido fiscal noprimeiro governo Dilma, funcionou como instrumento poltico importante depostergao de uma situao insustentvel. A taxa de cmbio foi controladapela venda abusiva de swaps cambiais a custos elevados para o Errio.

    Por maior que seja a crena amadora do governo em um keynesianismode almanaque, que tem f no gasto pblico ilimitado como moto contnuogerador de riqueza; por mais ousada e temerria que tenha sido a utilizaoeleitoreira dos instrumentos de poltica fiscal pelo governo, um banco centralcioso do seu papel de defender a moeda no teria se acumpliciado na

    pavimentao do caminho do estelionato eleitoral que lanou o Pas nessasituao terrvel.

    H, na verdade, um enorme desafio financeiro e cambial pela frente. Eisso no se limita gesto da Selic, o principal instrumento da polticamonetria para o controle da inflao. Na presente situao fiscal, osinstrumentos que a poltica monetria vinha utilizando se tornaram ineficientese, em alguns casos como no volume de reservas francamente

    contraproducentes. preciso desmontar a atual estrutura de crdito subsidiadoindiscriminado e cmbio manipulado a pretexto de controle de sua volatilidade.

    O objetivo deste texto defender que a discusso das contas pblicas eda poltica de ajuste fiscal no podem se limitar apenas meta do resultadoprimrio. No se nega que ele seja imprescindvel para se recuperar aestabilidade fiscal, mas no se resume apenas a ele a rdua tarefa que comeapelo resgate da credibilidade. Existem condies objetivas para gerar uma

    reduo importante de despesas financeiras, numa trajetria de ajuste de mdioprazo.

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    preciso clarear o diagnstico da situao presente para que se saibaobjetivamente quais sacrifcios esto sendo feitos e quais so os resultados aque se quer chegar. Delimitar a natureza dos impactos que se colocam sobre as

    contas pblicas crucial para desenhar as medidas saneadoras e, ainda mais,para viabilizar um ajuste que encontre eco na sociedade e no Congresso.Democracia pressupe um grau de didatismo que no se observa, hoje, nospacotes anunciados pelo governo. Impem-se medidas duras sem prestao decontas, sem transparncia e sem compromisso crvel em relao retomada docrescimento.

    Mesmo nas polticas econmicas mais cristalizadas, principalmenteaquelas coordenadas pelo Banco Central, no h preocupao efetiva emmostrar sociedade quanto esto custando, que tipo de sacrifcios exigem dacoletividade e, no menos importante, quem so seus reais beneficirios.

    O custo das polticas monetrias e cambiais

    Os custos da poltica monetria e da poltica cambial j no passammais despercebidos aos olhos da opinio pblica. O custo mdio da dvidapblica explodiu, nos ltimos meses, e a explicao simples: o Banco Central

    errou a mo na poltica de juros e de cmbio. A piora do primrio responde peladeteriorao fiscal ocorrida at o ano passado, mas no pelo mergulho at ofundo do poo ocorrido de dezembro de 2014 para c.

    A taxa implcita de juros da dvida lquida do setor pblico que pareceum palavro na verdade uma forma simples de ver o estrago da polticaeconmica adotada nos ltimos anos. Os custos dos juros da dvida lquidos dasreceitas com juros oriundas dos ativos do governo (dlares das reservas,

    crditos junto a bancos pblicos e a estados e municpios, dentre outros)tornaram-se impeditivos.

    A taxa implcita calculada pela razo entre o pagamento de jurosmenos as receitas de juros e o estoque da dvida lquida. Em agosto deste ano,a taxa implcita atingiu 29,3% ao ano, mais do que o dobro da taxa Selic(14,25% ao ano). Isso se explica pelo seguinte fato: o setor pblico acumulouativos que rendem uma ninharia, enquanto aumentou o custo da dvida bruta

    (Grfico 1).

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    Grfico 1

    Taxa implcita de juros da dvida lquida x taxa Selic percentuais acumulados em 12 meses

    Fonte: Banco Central do Brasil. Elaborao prpria.

    Aritmtica pura. Vamos imaginar que o governo tenha apenas um ativo as reservas cambiais, que hoje esto em R$ 1,5 trilho. Consideremos a dvidabruta total da ordem de R$ 3,7 trilhes, conforme dado de agostodisponibilizado pelo Bacen. Nesse montante, j est includa a dvida feita peloBacen para controlar a quantidade de dinheiro em circulao na economia aschamadas operaes compromissadas.

    A dvida lquida seria, neste caso, igual a R$ 2,2 trilhes (isto , R$ 3,7

    trilhes menos R$ 1,5 trilho). Os juros pagos sobre a dvida bruta, assumindouma taxa mdia nos ttulos emitidos e nas operaes compromissadas igual Selic (14,25% ao ano), so calculados em R$ 527 bilhes (14,25%multiplicados por R$ 3,7 trilhes).

    As receitas das reservas podem ser calculadas em R$ 3 bilhes,assumindo que os dlares estejam aplicados em ttulos americanos a juros de0,2% ao ano. Finalmente, temos pagamentos de juros pelo setor pblico

    29,3%

    14,3%

    0%

    5%

    10%

    15%

    20%

    25%

    30%

    35%

    dez/03

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    Taxa implcita Taxa elic Te!d"!cia li!ear Te!d"!cia li!ear

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    lquidos das receitas de juros recebidas pelos ativos calculados em R$ 524bilhes (isto , R$ 527 bilhes menos R$ 3 bilhes).

    A taxa implcita, neste exemplo, seria igual a 23,8% (R$ 524 bilhes

    divididos por R$ 2,2 trilhes). Isso quer dizer que apesar de as reservas seremelevadas, at superiores ao nvel desejvel, elas proporcionam uma receitamuito pequena de juros. Assim, os pagamentos lquidos de juros ficam muitoprximos dos pagamentos brutos de juros, ainda que a dvida lquida seja bemmenor do que a bruta.

    Trocando em midos, acumulamos ativos pouco rentveis s custas deuma dvida onerosa. Por isso, a taxa implcita um termmetro importante parasaber o que est ocorrendo com o custo da dvida pblica vis a visseu tamanho.

    O problema que acumulamos no apenas reservas pouco rentveis,mas tambm crditos junto a bancos pblicos rendendo apenas a TJLP (oumenos). S com o BNDES, so R$ 516 bilhes em crditos segundo o dado deagosto (Grfico 2).

    Grfico 2Reservas e crditos do Tesouro junto a bancos oficiais em % do PIB

    (eixo da esquerda) e em bilhes de reais (eixo da direita)

    Fonte: Banco Central do Brasil. Elaborao prpria.

    10,0%

    18,9%

    0%

    2%

    4%

    6%

    8%

    10%

    12%

    14%

    16%

    18%

    20%

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    #r$dito do Teo&ro '&!to a ba!co o(iciai )eer*a Te!d"!cia Te!d"!cia

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    H uma tese de que a dvida brasileira ainda estaria em patamares

    baixos quando comparada a outros pases. No entanto, esta uma concluso

    apressada e equivocada. Hoje, a dvida bruta est em 65,3% do PIB e a lquida,

    em 33,7% do PIB (agosto). Como os juros lquidos so elevados, o patamar dedvida que ostentamos muito superior ao nvel suficiente para que ela se

    mantenha estvel ao longo do tempo.

    A piora das expectativas e os temores quanto aos indicadores de risco

    da economia brasileira exacerbam esse quadro. A taxa Selic foi elevada a partir

    da reeleio na tentativa de atingir as metas de inflao, o que acelerou o

    crescimento da dvida, especialmente com a economia em franca retrao.

    Ocorre que a gesto da dvida pblica cada vez mais complexa, por todas asvulnerabilidades do cmbio e das taxas de juros, em um ambiente de descrdito

    quanto poltica fiscal. O Grfico 3 mostra a expressiva expanso do custo dos

    ttulos indexados ao IPCA, ao mesmo tempo que mostra perdas de maro a

    junho de 2015 nos ttulos prefixados, frente aos papis indexados Selic.

    Grfico 3Taxa implcita mensal paga nos ttulos pblicos por principais indexadores

    Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaborao prpria.

    Na gesto da dvida pblica, dois movimentos devem ser apontados

    como marcantes. O primeiro a ascenso das operaes compromissadas. Em

    0

    0,5

    1

    1,5

    2

    2,5

    2014jan

    2014fev

    2014mar

    2014abr

    2014mai

    2014jun

    2014jul

    2014ago

    2014set

    2014out

    2014nov

    2014dez

    2015jan

    2015fev

    2015mar

    2015abr

    2015mai

    2015jun

    2015jul

    2015ago

    IPCA SEIC P!"

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    dezembro de 2013, elas significavam R$ 528,7 bilhes (10,3% do PIB). O

    crescimento foi vertiginoso: ao final de agosto de 2015, situavam-se em R$

    869,4 bilhes (15,2% do PIB). Esta trajetria conduziu as operaes

    compromissadas a ampliarem sua participao na dvida pblica interna globalde 20% para 25%, no mesmo perodo. Trata-se de uma situao absolutamente

    singular no mundo e indica graves problemas tanto na administrao da dvida

    pblica quanto na gesto da liquidez da economia. A participao da dvida

    curta na dvida total, tomando um grupo representativo de pases, da ordem

    de 10% a 15%. No Brasil, superamos 40% (inclui-se, aqui, a fatia de

    compromissadas mais a dvida vincenda em 12 meses).

    Mas h um segundo fato novo a destacar na administrao da dvidapblica: o crescimento das posies dos investidores estrangeiros. Entre

    meados de 2013 e agosto de 2015, o estoque de ttulos em poder deste grupo

    cresceu quase 80% frente a uma expanso do conjunto de ttulos em poder do

    pblico de 35%. Os dois grandes segmentos de detentores de ttulos, carteira

    prpria dos bancos e os residentes (inclusos os fundos de investimentos),

    limitaram-se a crescer 17,8% e 31,1%, respectivamente5.

    A aplicao em renda fixa seguida da venda de dlar no mercado vista

    e da aquisio concomitante de posies compradas em dlares em swaps

    cambiais que o Banco Central tratou de oferecer em abundncia e a baixo

    custo uma frmula de ganho garantido do cupom cambial em operaes

    estruturadas. A demanda por esse tipo de operao enfraquece o argumento da

    autoridade monetria de que as operaes de swap visaram dar hedge a

    empresas nacionais. Alm disso, h evidncias anedticas de que empresas com

    confortvel casamento de passivos e ativos em moeda estrangeira tomaramposies compradas considerveis, e obtiveram enormes ganhos com esse tipo

    de operao.

    Os investidores estrangeiros seguiram uma trajetria muito especfica

    em seu padro de aplicaes. Os ttulos prefixados foram o principal destino

    das suas aplicaes, com enorme predominncia das LTN, especialmente por

    (5) Note-se que, no perodo de junho de 2013 a agosto de 2015, a inflao medida peloIPCA no superou os 17%.

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    seus prazos de vencimento bem inferiores s LFT e NTN-B. A posio dos

    estrangeiros em LTN avanou cerca de 160%, entre junho de 2013 e agosto de

    2015. No mesmo perodo, outro ttulo prefixado, a NTN-F cresceu 46,4% no

    portflio dos investidores estrangeiros.

    Os elementos postos acima indicam que a exposio da dvida pblica

    aos investidores internacionais aumentou. Em apenas dois anos, eles evoluram

    em participao no conjunto dos ttulos em mercado de 13,8% para 18,3%.

    Tabela 1Evoluo da dvida em poder do pblico

    Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Elaborao prpria.

    Reservas internacionais e custos cambiais

    A taxa implcita disparou nos ltimos meses em razo de uma despesa

    com juros muito especfica: os custos das operaes de swapcambial. Nestas

    Carteira#r$#ria dos

    ban%os

    &'tulosvin%ulados

    !esidentes Investidoresestrangeiros

    &'tulos em#oder do

    #(bli%o

    jun)1*

    +& 1022*4 -50-1 2*./-4 /-5 41*20

    & 255042 -.2 140*0* /-1-5 5./50/

    &3 142-.5 44552 *--4** 42/* 5--/2

    &+ 14-.1 2-*.- 410 11050 20200-

    utros .202 1*.44 5-2-2 5. ./5.

    &otal 521/24 24-.0- /42..0 25./14 1/-.12

    ago)15LFT 120.693 62.394 372.709 5.963 561.973

    LTN 253.449 166.053 155.600 223.099 798.201

    NTN-B 178.678 64.398 465.906 57.494 766.529

    NTN-F 53.723 27.198 50.515 174.310 305.747

    Outros 8.291 20.420 60.341 2.101 91.154

    Total 614.835 340.463 1.105.071 462.967 2.523.603

    variao

    nominal

    LFT 1/,1 4,1 5-,. *1,1 *5,/

    LTN 0,- .1,2 10, 15/, */,0

    NTN-B 25,2 44,5 2.,1 **,/ 2/,5

    NTN-F 2--,2 *,1 20,5 4-,4 51,4

    Outros 15,1 4/,- .,* 11,4 1-,0

    Total 1.,/ */,0 *1,1 .,- *5,0

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    operaes, o Banco Central oferece ao mercado um contrato em que aautoridade monetria ganha a variao da Selic e o mercado afere o ganhodecorrente da variao da taxa de cmbio. Assim, o Banco Central, pordefinio, pode ter lucro ou prejuzo.

    Essa atuao do Bacen no mercado futuro de dlares, segundoargumenta a autoridade monetria, visa a dar hedge(garantia) aos exportadores.Em tese, uma forma de minimizar o risco de quem tem grande parte de suasreceitas em dlar, o que incentivaria o investimento, a produo e a exportaoou, pelo menos, garantiria condies mnimas para que no entrassem emcolapso. O fato que tais operaes tm sido utilizadas de maneirainjustificada. A exposio do setor pblico em swapscambiais supera os US$

    100 bilhes.Como se procurou demonstrar, a prpria oferta de swapsnessa escala

    gera uma demanda pela operao com fins de mera arbitragem. O custo dessasoperaes acumulado no ano at outubro foi de R$ 95 bilhes, dada a alta dodlar em relao ao real. Esses custos aparecem nos gastos com juros do setorpblico. De outro lado, a alta do cmbio afeta tambm o valor das reservas emreais, o que para alguns seria motivo de tranquilidade em relao aos custos dosswaps.

    Contudo, preciso fazer uma distino: as reservas so dlares que umpas detm e que ficam aplicados em papis pblicos e outros ativos fora dopas, com a finalidade de ter um colcho de liquidez contra crises. um segurobem-vindo, se feito em nveis adequados. Ultrapassado esse limite algoincerto, deve-se admitir ele passa a ter um custo muito elevado e passa a nomais compensar. A julgar pela disposio das autoridades monetrias, poderser acionado como resposta crise, apesar das recentes declaraes doMinistrio da Fazenda. Trata-se de um dilema: quanto mais reservas, maior o

    colcho, maior a possibilidade de o pas reagir a crises e mais seguro ele fica. verdade, mas a custos crescentes. A pergunta que no quer calar : para quepagar um seguro to caro que nunca utilizado? como um proprietrio decarro que contrata um seguro, com a melhor cobertura possvel no mercado,mas que nunca tirou ou pretende tirar o seu carro de dentro de sua garagem.

    Cabe ao Banco Central gerenciar essa poltica de maneira eficiente. Acompra de dlares, pelo Bacen, resulta em aumento de reais circulando naeconomia. Esse excesso de moeda precisa ser enxugado (ou esterilizado), paraque no culmine em inflao. Isso feito por meio das operaes

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    compromissadas. O Bacen, com os ttulos que o Tesouro lhe fornece, fazoperaes de venda de papis ao mercado com o compromisso de recompr-losem um determinado prazo (hoje, esse prazo mdio inferior a 1 ms!). Assim,ele enxuga o excesso de dinheiro e evita surtos inflacionrios, mas a preo deouro.

    O custo de manter as reservas dado pela diferena entre as despesasassociadas a uma parte das operaes compromissadas (algo como 14,25% deR$ 900 bilhes, isto , cerca de R$ 130 bilhes em 12 meses) e as receitasobtidas com a aplicao dos dlares das reservas em ttulos americanos umvolume bastante reduzido de dinheiro, como demonstramos anteriormente.

    De outro lado, as reservas ganham valor em reais quando o cmbio

    aumenta. Por exemplo, um nvel de reservas de US$ 370 bilhes representa R$740 bilhes se o cmbio estiver em R$ 2,00/US$. Esse mesmo nvel de reservasrepresenta R$ 1,5 trilho com o cmbio a R$ 4,00/US$.

    A autoridade monetria argumenta que esse ganho compensaria oscustos de manuteno das reservas e os custos das operaes de swap cambial.Tambm alegam que a dvida lquida do setor pblico est sendo reduzida pelosganhos com as reservas. Muitos questionamentos podem ser feitos a tal tese.

    A crtica bsica que o ganho das reservas no algo realizado,tangvel. No h R$ 740 bilhes de reais a mais disponveis para o governosacar, ao bel prazer, se as reservas no foram efetivamente vendidas quando ocmbio sobe de R$ 2,00/US$ para 4,00/US$. H, sim, um ganho do valor dessesativos, mas que pode se desmanchar rapidamente se a taxa de cmbio invertero sinal e comear a cair. A perda comswap, ao contrrio,gera um desembolsoefetivo e dirio pelo Banco Central (obrigado a cobrir sua posio na BM&F),ou seja, h uma perda financeira e efetiva e no apenas uma operao contbil.Ela acumula um passivo para acerto futuro. No caso da situao do ganho davalorizao das reservas, como nunca foram ou so vendidas, jamais soconvertidas em efetiva entrada de recursos no cofre do Banco Central.

    O mais grave, porm, que o Bacen faz um balano em separado dascontas cambiais e o resultado lquido, que sempre ser positivo enquantoestoque de reservas superar o de swap, acaba sendo transformado em umatransferncia de recursos para o caixa nico do Tesouro Nacional. Ou seja, oBC transforma em receita fiscal efetiva um ganho que nunca realizou.

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    Alm disso, essa gerao de resultados positivos tem o inconvenientede ensejar uma entrada de caixa na conta nica do Tesouro. Essa entrada nogeraria maiores problemas se pudesse ser usada apenas para o abatimento doprincipal da dvida. Contudo, na medida em que, a partir de 2008, permitiu-seo pagamento de juros com esses recursos, cria-se a possibilidade de umindesejvel financiamento indireto e velado do Tesouro pelo Banco Central.

    Poderia se argumentar que, inversamente, os resultados negativos doBanco Central implicariam reduo do volume de caixa do Tesouro. Isso noocorre, uma vez que os resultados negativos do Banco Central no so pagoscom disponibilidades, mas com ttulos.

    A verdade que o setor pblico est gastando alm do que deveria com

    as polticas de cmbio e de juros e obtendo resultados pfios. O swapcambial um instrumento importante de poltica econmica, bem como o manejo dosjuros de curto prazo com vistas ao controle da inflao. Mas, na magnitude emque foi utilizado em uma poltica macroeconmica em que o cmbio supostamente flutuante os swapsforam pervertidos e perderam sua funo demanejo da volatilidade, para se transformarem em ferramenta essencial docontrole do cmbio para fins eleitorais.

    Observar e controlar os custos fiscais associados a suas polticas

    obrigao da autoridade monetria. No se trata de limitar o escopo de ao doBanco Central, mas de ponderar que todas as suas aes devem ser precedidasde cuidadosa anlise de custos e benefcios e, principalmente, devem manterconsistncia com todos os eixos da poltica econmica. Assim como deveacontecer com qualquer poltica pblica, a ao do Estado no campo econmicodeve seguir um princpio bsico: respeitar a restrio oramentria.

    Trata-se de um problema de otimizao sujeito a restries: buscar omelhor resultado possvel respeitados os limites fiscais, isto , a restriooramentria. De uma vez por todas, preciso ficar claro: qualquer polticaeconmica tem custos e nenhum objetivo, por mais nobre que seja, justificajogar essas despesas para debaixo do tapete da sala de estar.

    A sociedade brasileira fica cada vez mais assombrada com os fatosnovos que surgem no cenrio nacional. Agora so os swapscambiais velhosconhecidos do mercado financeiro que ganham as manchetes. Uma conta, aofim e ao cabo, que fiscal, uma vez que implica em custos, em despesas

    pblicas, que comprometem o oramento pblico da mesma forma que ooramento anual do Ministrio da Sade ou da Educao, da mesma forma que

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    os gastos com o INSS ou a folha de salrios do servio pblico. O que espanta que enquanto a presidente Dilma tem dificuldades para cortar seus programasem R$ 1 bilho ou R$ 2 bilhes, a conta dos swaps encerrar o anoprovavelmente em torno de R$ 85 a R$ 90 bilhes (a depender do movimentodo cmbio at o fechamento do exerccio). Vale mencionar que, como o cmbiovoltou a apreciar, recentemente, o resultado de outubro reverteu parte doprejuzo acumulado at setembro. A tendncia de desvalorizao, de todomodo, continua presente no cenrio prospectivo para 2016.

    Agora que o assunto saiu das mesas de operao do mercado e ganhouos holofotes, vamos tentar avaliar se a poltica pblica dos swapscambiais foieficiente. Antes de tudo, vamos situar a questo. No ms de maio de 2013, a

    proteo oferecida contra a desvalorizao do cmbio era zero, ou seja, o BancoCentral no oferecia nenhum instrumento onde o agente econmico pudesseaplicar em reais e receber em dlares, a no ser um pequeno volume de ttulosfederais de longa durao. De l para c, o Banco Central acumulou umaposio em swapscambiais de R$ 380 bilhes (posio em final de agosto de2015).

    O objetivo manifesto pelo Ministrio da Fazenda era controlar a taxade cmbio, submetida a presses especulativas, frente s quais imortalizou-se a

    frase do ento Ministro Guido Mantega: Rally contra o cmbio vai quebrar acara porque ns temos US$ 380 bilhes de reservas (entrevista FSP,19/10/2104). O Ministro talvez tenha se esquecido de que no importam apenaso volume das reservas, mas as tendncias do balano de pagamentos.

    Como instrumento de poltica cambial, o uso dos swapscambiais pordois anos um equvoco retumbante. Seu uso se justifica em momentos bemdefinidos no tempo, justamente para confrontar movimentos especulativos decurto prazo. Ocorre que no era esse o caso brasileiro: a nossa taxa de cmbio

    estava mudando de patamar por razes estruturais. O ciclo de alta dos preosde commodities estava se encerrando, o que iria (como ocorreu e qualquer umpoderia prever) abrir o rombo que se efetivou, de 4,5% do PIB na conta detransaes correntes. Fracasso completo do modelo de crescimento compoupana externa.

    Ou seja, bilhes de reais foram graciosamente transferidos para o setorprivado, boa parte em operaes de arbitragem, para postergar um ajuste nataxa de cmbio que estava inscrito em elementos estruturais da economiabrasileira e que efetivamente ocorreu no incio de 2015. Como poltica, muito

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    melhor seria ter administrado uma correo cambial que no tivesse produzidouma desvalorizao abrupta, como ocorreu no perodo recente, que inclusivecolaborou para a queda do nvel de atividade neste ano.

    A compreenso completa dos swapsnunca poder ser feita sem olharas posies patrimoniais de empresas financeiras e no financeiras em mercado.O swap um instrumento para controlar o risco dos agentes expostos variaodo cmbio. Desta forma, o Banco Central est usando recursos fiscais paragarantir que bancos e empresas no percam dinheiro, o que poderia implicarem quebras e at em risco sistmico.

    O problema que os dados do Banco Central mostram que o hedgecambial no foi apenas para empresas endividadas em dlares. O Relatrio de

    Estabilidade Financeira divulgado pelo Bacen aponta que em junho de 2015, advida em moeda estrangeira de empresas no exportadoras com hedgelocalera de 4,0% do PIB (Grfico 4). Isto significava R$ 230 bilhes, cerca de 67%do volume de swapscambiais naquele momento.

    Grfico 4Dvida das empresas no financeiras por moeda

    Fonte: Banco Central do Brasil.

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    Disso se conclui que mais de R$ 100 bilhes dos swapscambiais estoem mos de agentes que no tm passivos em dlares. Enquanto isso, empresasquem tm endividamento de 3,3% do PIB, dentre elas provavelmente a

    Petrobras, no esto protegidas contra a variao cambial. um disparate semprecedentes e sem fundamentao econmica. Um favorecimento explcito degrupos privilegiados feito luz do dia.

    Outra parte da histria tem grande relao com as posies deinvestidores estrangeiros na dvida pblica. De junho de 2013 a agosto de 2015,como pode ser verificado por meio da Tabela 1, os investidores estrangeirosampliaram sua posio em ttulos do Tesouro Nacional de R$ 258 bilhes paraR$ 463 bilhes, uma expanso real de cerca de 54%. Seria muito difcil queeste movimento fosse realizado pelos investidores estrangeiros sem quehouvesse um hedgecambial disponvel.

    Assim, a histria vai se contorcendo. Os swapscambiais nasceram parasegurar o cmbio, logo depois se tornaram forma de hedge para empresasendividadas em moeda estrangeira. Mas tambm no eram s isso, sua funoera de assegurar hedge barato para investidores estrangeiros, garantindo amanuteno da taxa vista em nveis inferiores aos de equilbrio: ou seja, mais

    um incentivo ao estelionato eleitoral.

    Desfazer o swap agora pode ser contraproducente se houver algumrecuo na taxa de cmbio. As eventuais intervenes, dado que o cmbio j sedesvalorizou, deveriam ser realizadas com venda de reservas internacionais nomercado de cmbio. Os reais oriundos da venda das reservas poderiam serutilizados para reduzir a dvida pblica curta. Essa ao favoreceria a polticafiscal e a poltica monetria, cuja potncia aumentaria fortemente, permitindo

    a convergncia dos juros a patamares decentes. Esperamos que o mercado noconfunda a situao das contas reais do setor pblico, que tem que ser ajustada,com o carter financeiro e patrimonial que este grande erro dos swapscambiaissignificou.

    Concluses

    As questes apontadas neste texto visam ampliar o debate sobre os

    aspectos fiscais e financeiros que o Estado brasileiro vem enfrentando nosltimos anos. evidente que o pas tem um enorme problema no

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    equacionamento dos grandes estoques financeiros e no controle da volatilidadede seus fluxos (de poupana e cmbio). Isso, por sua vez, repercutepesadamente nos preos mais essenciais da economia e nas contas pblicas.

    Existem problemas conceituais antigos e nunca enfrentados. O Brasil o nico pas em que o Banco Central tratado como parte integrante do setorpblico no-financeiro e as reservas internacionais so equiparadas ao caixanico do Tesouro. Cabe perguntar: se por acaso este ltimo entrar em defaultelhe faltarem reais para honrar com o servio da dvida vincenda ou mesmo afolha salarial ou ainda a conta de fornecedores, o Tesouro Nacional poderialanar mo dos dlares, ouro e outras moedas do cofre do Banco Central paraquitar aqueles compromissos? Alis, algum acha que as divisas estodepositadas dentro do pas, numa enorme caixa-forte?

    As polticas macroeconmicas criam despesas e compromissos, damesma forma que as polticas de gasto em bens e servios. Pagamento de juros,ajustes patrimoniais, seguros cambias, diferenciais de rentabilidade sodimenses de despesa para um Estado que tem posio preponderante nomundo econmico. O Brasil no pode cair na armadilha de ajustar as contasreais sem que os custos fiscais das polticas econmicas sejam conhecidos e

    controlados.

    O nus de ignorar essas dimenses da poltica fiscal imenso: umapoltica de grande austeridade nos gastos primrios, por exemplo, pode sertotalmente desperdiada pelo descontrole do nus financeiro sobre as contaspblicas. E o pior que a sociedade pode ser submetida s restries e noenxergar nenhum avano, o que desacredita a prpria poltica. nesse sentidoque este texto busca indicar algumas perplexidades e caminhos sobre as contas

    financeiras e cambiais do Estado.O esforo aqui empreendido foi de mostrar que as contas pblicas no

    podero recuperar sua credibilidade, que crucial para recuperar o mnimo deotimismo nas expectativas dos agentes econmicos, sem que o arranjoeconmico que expandiu reservas base de entrada de capitais, hoje aplicadosem ttulos pblicos, seja readequado. E isso envolve limitar a imensaparticipao do Estado nas operaes de salvamento a devedores em moeda

    estrangeira e concesso de hedgecambial a investidores estrangeiros.

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    Chamamos a ateno para as vertentes financeira e cambial queimpactam sobre as contas pblicas, algo crucial para que o pas tenha clarezado ajuste fiscal em suas contas primrias, que sem dvida urgente, mas que

    jamais poder dar conta da magnitude do descalabro financeiro-cambial que apoltica econmica produziu.