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ALINE CRISTINA RIFFEL CRIATIVIDADE O QUANTO CADA UM ESTÁ DISPOSTO A EXPOR SUAS IDEIAS? SANTA ROSA, DEZEMBRO DE 2013

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ALINE CRISTINA RIFFEL

CRIATIVIDADE

O QUANTO CADA UM ESTÁ DISPOSTO A EXPOR SUAS IDEIAS?

SANTA ROSA, DEZEMBRO DE 2013

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUI

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CRIATIVIDADE

O QUANTO CADA UM ESTÁ DISPOSTO A EXPOR SUAS IDEIAS?

ALUNO (A): ALINE CRISTINA RIFFEL

ORIENTADOR (A): LALA CATARINA LENZI NODARI

SANTA ROSA, DEZEMBRO DE 2013

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DEDICATÓRIAS

Dedico primeiramente a Deus que sempre me iluminou, em todos esses anos,

a cada novo passo, que me fez ter a real convicção de nunca desistir de meus

sonhos.

A meus pais, Alceu e Reni, que me apoiaram nesta jornada e em toda minha

vida, sem eles jamais teria a oportunidade de concluir esta graduação e

também aprender com todas as experiências que me possibilitaram, o seu

incentivo, apoio imensurável, incondicional, afinal “sou o intervalo entre o meu

desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim” (Álvaro de

Campos), se este foi meu sonho, é também de vocês.

Aos meus familiares que em muitos momentos me deram suporte, apoiando

cada passo desta trajetória, e aos meus amigos que de uma forma ou de outra

estiveram participando desta pesquisa e em todos os momentos de minha vida.

Um agradecimento especial aos amigos Vilson Kunzler e Katiucia Peres que

me auxiliaram diretamente neste trabalho e em praticamente todos os

momentos importantes de minha vida, fossem eles bons ou ruins.

E não poderia faltar a maior dedicatória de minha vida... Em todos os

momentos da vida queremos ter a companhia daqueles que amamos. Seja

para brincar, conversar, brigar ou simplesmente amar incondicionalmente. Pois

é, nesta grande fase, não poderia ser diferente. Quando me deparo com um

mundo novo. Onde sou totalmente EU e EU, concluo, e talvez “entenda”

mesmo sem aceitar, o que decidiste fazer comigo. Sabiamente decidiu partir

para que eu entendesse o quando foi fundamental em meu crescimento e

amadurecimento. Mais uma vez me provou que sua missão foi me ensinar a

viver. Mesmo morrendo. Meu irmão, meu garotinho chorão, brincalhão,

briguento e chato pra caramba. Seu abraço, seu beijo, seu carinho era tudo

que meu egoísmo queria neste momento da vida. Mas você no auge da

sabedoria de um grande anjo deixa a mim, além do maior ensinamento que

tive, tenho e terei... SORRIR e VIVER... por mim e para todos. Sinto a cada

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segundo, seu sorriso a me tranquilizar e sua força a me empurrar na direção de

um futuro incerto, misterioso e por isso instigante, desafiador e certamente

MARAVILHOSO. È a ti que dedico todo meu esforço, meus sonhos e cada

passo em direção ao futuro.

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

"Navegar é preciso; viver não é preciso."

Quero para mim o espirito desta frase, transformada

A forma para a casar com o que eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.

Não conto gozar a minha vida; nem em goza-la penso.

Só quero torna-la grande, ainda que para isso

Tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.

Só quero torna-la de toda a humanidade; ainda que para isso

Tenha de a perder como minha.

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho

Na essência anímica do meu sangue o propósito

Impessoal de engrandecer a pátria e contribuir

Para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

(FERNANDO PESSOA)

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SUMÁRIO

RESUMO ......................................................................................................... 6

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8

1. CRIATIVIDADE - CONCEITOS ................................................................... 11

2. CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO .................................................. 26

3. EDUCAÇÃO PARA CRIATIVIDADE .......................................................... 36

4. CONCLUSÃO ............................................................................................ 44

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 48

6

CRIATIVIDADE - O QUANTO CADA UM ESTÁ DISPOSTO A EXPOR SUAS

IDEIAS?

NOME: ALINE CRISTINA RIFFEL

ORIENTADOR: LALA CATARINA LENZI NODARI

RESUMO

O trabalho tem como tema a criatividade e a possibilidade de desenvolvimento

desta, a partir da abordagem de diferentes autores da psicologia. O principal

objetivo é demonstrar que existe a possibilidade de estimularmos o

desenvolvimento da criatividade e/ou a relação desta com outras

características da personalidade humana. Buscou-se, para isso, um apanhado

bibliográfico dos conceitos de criatividades abordados por diferentes autores,

bem como a descrição de como se dá a constituição do sujeito psíquico, para

assim entendermos a relação entre a educação e o desenvolvimento da

criatividade. Como ponto importante do trabalho, foram elencadas algumas

características dos diferentes grupos sociais que possibilitam o exercício e a

ampliação da criatividade de forma autônoma.

PALAVRAS-CHAVES: criatividade, desenvolvimento, educação, autonomia.

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ABSTRACT

The work's subject of study is the creativity running and the possibility of

developing it, based on different psychology author‟s approach. The main

objective is to demonstrate that it is possible to stimulate the development of

creativity and the relationship between this and other features of the human

personality. We sought to do so, a literature overview of the concepts of

creativity addressed by different authors, as well as a description of how is the

psychic subject building, for then, make possible the understanding of the

relationship between education and development of creativity. As an important

part of the work, were listed some characteristics of the different social groups

that allow the exercise of creativity and expansion autonomously.

Key words: creativity, development, education, autonomy.

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INTRODUÇÃO

O presente documento descreve as possibilidades de estudo acerca do

tema da criatividade uma característica humana importantíssima para a

atualidade. A criatividade é a questão central do projeto de pesquisa

apresentado neste trabalho, buscando refletir sobre as possibilidades de

desenvolvê-la, além de relacioná-la com a educação para criatividade e a

questão da autonomia de todo ser humano.

Para além das relações entre criatividade, educação, liberdade de

expressão e autonomia, também serão realizados estudos a cerca das

possibilidades de se pensar a criatividade como algo passivo de

desenvolvimento a partir de estímulos cognitivos, sociais e culturais.

Identificando fatores importantes e influentes no desenvolvimento do potencial

criativo, e sua importância às sociedades contemporâneas.

Desde o surgimento da humanidade somos movidos por aquilo que

somos capazes de criar. O homem foi capaz de inventar desde a escrita até a

informática e tudo o que as tecnologias nos possibilitam na

contemporaneidade. No entanto, ao longo da história as características

criativas foram oscilando em termos de valor social. Com o surgimento da

indústria o homem não precisava mais criar suas ferramentas, formas de

facilitar o seu trabalho, precisava apenas repetir o que era necessário para o

funcionamento da máquina.

Hoje, em virtude da globalização, a frase mais utilizada é “nada se cria,

tudo se copia”, afinal de contas o que é pensado em um determinado lugar se

propaga na velocidade da luz a todos os cantos do planeta. Aspectos

relacionados à criatividade humana são extremamente valorizados, mas até

que ponto somos capazes de realmente exercitar e desenvolver a criatividade

em um mundo tão acelerado?

Por todas estas questões o entendimento sobre a temática da

criatividade torna-se tão significativa. È fundamental entendermos como nos

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constituímos seres criativos e as possibilidades de desenvolver esta

característica humana tão importante para a contemporaneidade.

A criatividade é uma característica eminentemente humana. Uma das

habilidades que diferencia os seres humanos de outros animais, e que vem

garantindo a evolução da sociedade, da ciência e da tecnologia. Se é uma

característica ela pode ser aperfeiçoada, todo e qualquer ser humano pode

exercitar a sua criatividade e assim o faz no seu dia-a-dia, com as inúmeras

“respostas”, resoluções de conflitos, caminhos alternativos, projetos de vida,

inovações e até mesmo invenções.

“A criatividade tem sido e é objeto de estudo de muitas disciplinas: da

psicologia, da sociologia, da epistemologia, da filosofia, da história [...]

Todas elas pesquisam-na baseadas em sua própria especificidade

conceitual e metodológica, e muitas das polêmicas atuais derivam não

só da complexidade do objeto como tal, mas também da insuficiente

precisão dos limites disciplinares e interdisciplinares dentro dos quais a

criatividade é abordada.” (MITJÁNS, 1997, p. 9)

A partir desta pesquisa será possível perceber o quanto a temática

criatividade se faz presente em nossas vidas em todos os momentos, mas

principalmente nas relações sociais. Relacionando-os aos estudos realizados

ao longo do curso de Psicologia, proporcionando uma visão ao mesmo tempo

ampla e específica da realidade em que vivemos.

O projeto em questão busca pensar questões importantes para a

sociedade, a partir das quais seja possível refletir sobre as características

humanas contemporâneas. A velocidade em que o mundo globalizado está se

organizando e a relação disso com a constituição psíquica dos sujeitos que ao

mesmo tempo são reflexo da globalização e agentes dela.

No primeiro capítulo do projeto estaremos identificando os diferentes

conceitos de criatividade para a psicologia e à psicanálise, buscando aqueles

que mais se aproximem da hipótese de que a criatividade é inata ao homem,

além de perceber a relação entre a capacidade criativa e a autonomia do

sujeito. O segundo capítulo traz a descrição da constituição psíquica segundo

os estudos psicanalíticos e a relação desta constituição com as características

psíquicas relacionadas à criatividade.

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A possibilidade de desenvolvimento da criatividade e da autonomia será

o assunto abordado no terceiro e último capítulo da pesquisa, visando

identificar até que ponto estímulos cognitivos, sociais e culturais podem

contribuir para o desenvolvimento da criatividade e como a autonomia também

contribui neste processo. Faz-se fundamental pensar quão significativa é a

capacidade criativa de um ser humano para a sociedade, principalmente para o

mundo contemporâneo, e para isso quais são os elementos da criatividade que

mais podem trazer benefícios à evolução humana e quais as possibilidades

destes serem desenvolvidos ou potencializados ao longo de nossas vidas?

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1. Criatividade - Conceitos

A criatividade, o fenômeno criativo, o potencial criativo e todas as

habilidades e competências relacionadas às características dos indivíduos

considerados criativos, são alvo de muitos estudos, nas mais diversas1 áreas

do conhecimento. Esta característica distingue o homem das outras espécies

vivas e está presente desde a origem da humanidade além de se relacionar

diretamente às questões culturais.

O ser humano é um sujeito histórico ligado à concepções de sociedade e

cultura às quais está inserido diretamente. Como ser em constante

desenvolvimento é capaz de constituir-se enquanto sujeito, a partir das

relações e inter-relações com o mundo, com os outros, como também

internamente, consigo próprio. Essas relações, experiências, vivências e

conhecimentos exigem do sujeito uma capacidade de adaptação constante, o

que também caracteriza o equilíbrio psíquico. A criatividade parece ser uma

das principais „habilidades‟ a permitir o processo de adaptação em sociedade,

e, para além disso, contribui diretamente na evolução dessa mesma sociedade.

Existem multidefinições para o termo criatividade e a elas daremos

atenção neste capítulo. Muitas vezes, mesmo parecendo contraditórias,

apresentam semelhanças e conexões. Vários são os grupos de estudiosos que

tem se dedicado ao assunto, com pesquisas amplas e em diferentes linhas.

Pensemos sobre algumas definições para o termo e como estão relacionadas à

personalidade do sujeito, principalmente no que tange às questões da

autonomia. Iniciemos com Martínez que nos mostra que a “A criatividade não é

explicável só como produto de funções cognitivas [...] são necessários outros

aspectos da vida psíquica, inclusive a participação de toda a vida subjetiva da

pessoa, o que já aponta do papel da personalidade.” (1997, pag. 13),

comprovando que esta é parte da personalidade do sujeito e característica

fundamental para vida em sociedade.

1Estudos sobre a criatividade: Psicanálise, Psicologia, Neurociência, Epistemologia, Sociologia, Educação, etc.

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Buscando definições mais objetivas ao termo, vemos nos estudos de

Souza-Filho, 2008, as definições de Piirto, 1992 e Ferreira, 1986, que apontam:

“As raízes das palavras “criar” e “criatividade” vêm do latim creare. Significa

“fazer ou produzir” ou, literalmente, “crescer”.

No novo Dicionário da língua portuguesa de Ferreira, 1986, traz a

definição de criatividade como: “dar existência, tirar do nada; gerar, formar, dar

princípio a; produzir, inventar, imaginar, organizar, causar etc. (p.498)”.

Nesta perspectiva é possível pensar a criatividade como a ação de

pensar, fazer ou construir algo novo que pode ser útil ou não, mas que só será

valorizado pelo social se representar suas necessidades e suprir expectativas.

A concepção de criatividade é ampla e está intimamente relacionada à

cultura e a época em que foi escrita. Lubart traz a definição que irá nortear esta

produção, afirmando a partir de seus estudos, que e a criatividade é “a

capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo tempo nova e

adaptada ao contexto na qual ela se manifesta.” (2008, pag. 16)

No artigo de Souza Filho (2008) é possível encontrar a definição de

Vigotsky (1987) para o termo criatividade, pensada por ele como “um produto

da interação do sujeito com seu ambiente, impulsionado pelos processos de

desenvolvimento e aprendizagens.” Toda relação sócio-histórica determina as

habilidades criativas. Por ela, o sujeito aprimora seu potencial criativo, próprio

aos seres humanos, a partir do momento em que se relaciona com o outro,

buscando desse modo, constantemente encontrar formas de conviver em

sociedade. Vygotsky fala muitas vezes sobre criatividade, ainda no início do

século, o que nos mostra a importância desta característica e sua estreita

relação com a vida em sociedade.

No artigo publicado na Revista de Educação, da PUC Campinas, Delou

e Bueno (2001), entendem que Vygotsky pensava acerca da genialidade em

seus escritos de 1929, já trazendo a relação desta com o tema “criatividade”,

além de aliá-la ao processo do social. Estas mesmas autoras afirmam que

“Toda grande descoberta, invento ou qualquer manifestação de criação genial,

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é preparada por todo o curso prévio do desenvolvimento, condicionada pelo

nível cultural da época, suas necessidades e imposições.” (p. 98)

Temos, portanto, uma concepção eminentemente sócio-histórica, mas

que, aparentemente, não está distante das definições psicanalíticas, em que a

“criatividade” é compreendida como fazendo parte da estrutura do sujeito,

relacionada às pulsões a uma série de características particulares dos

indivíduos criativos. Como afirma Lubart apud Freud (1908-1959) “ao se referir

à ideia de que a criatividade resulta de uma tensão entre realidade consciente

e pulsões inconscientes, sugeriu que os artistas e os escritores criam para

conseguir expressar seus desejos inconscientes (amor, poder, etc.) pelos

meios culturalmente aceitáveis (arte ou literatura).” (2007, p. 13).

Ao tratar dessa expressão, Freud segundo De Masi, teria dito que; as

questões da criatividade estão relacionadas à sexualidade e à motivação e

então, o que se cria e como se cria nada mais é que uma “motivação

inconsciente, de tipo sexual, com raízes na primeira infância e que aproxima,

de modo inquietante, a criatividade da neurose.” (2003 p. 459). Dessa forma a

concepção de criatividade, nessa visão, nada mais é que uma tentativa de

sublimar frustrações sexuais, na medida em que, segundo o mesmo autor:

o criativo desafoga, por meio da tentativa de conhecer e penetrar nas

coisas desconhecidas, o seu desejo frustrado de desvendar os

mistérios do sexo [...] porque a representação estética permite ao

artista tornar público as suas fantasias íntimas, vencendo a vergonha e

o embaraço que sempre acompanha a exteriorização dos sonhos.

(2003, p. 459).

De Masi, a partir de estudos de diferentes autores chega à conclusão de

que “a criação é tanto destruição quanto construção”, e segue afirmando que é

“destruição por excesso, que nada tem a ver com a triste desumanização do

trabalho taylorizado”2. Pode acontecer, portanto, que para os criativos “a vida

se consuma na tentativa de freá-la, de domesticá-la, dar-lhe tempo e espaço

2Taylorismo: modelo de administração que se caracteriza pela ênfase nas tarefas, com a finalidade de

aumentar o nível operacional, seu fundador defende que o trabalho deve ser realizado de forma mais inteligente e com o mínimo de esforço. Foi desenvolvido pelo norte-americano Frederick Taylor (1856 – 1915).

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suficientes, já que a sua pressa é o diabo destrutivo presente no próprio

impulso criativo”. (2003, p.461)

Na concepção de Arieti, estudado por De Masi, a criatividade está

calcada em uma “síntese mágica dos processos primários e secundários” (pag.

469), e estaria resumida a um terceiro processo, ou “processo terciário”. Para

entender um pouco melhor é importante pensarmos o que caracteriza cada um

destes processos. Os processos primários são abstratos e subjetivos, na

ordem do inconsciente e do pré-consciente, neles estão os sonhos, fantasias e

estados psicóticos. Os processos secundários são considerados como sendo

as imagens elaboradas para o consciente, englobando os pensamentos e os

conceitos de realidade. O autor reitera sua compreensão acerca dos processos

formadores da criatividade, quando afirma que:

O sujeito criativo conserva uma possibilidade maior do que a média de

ter acesso às imagens, à metáfora, à verbalização acentuada e a

outras formas ligadas ao processo primário... A inspiração é a

faculdade que permite ao sujeito criativo encontrar uma forma do

processo secundário que encerre um conteúdo do processo primário.

Essa possibilidade de acesso ao processo primário pode requerer um

estado de passividade similar ao do sono, mas essa passividade não

pode afetar toda a psique do artista. Ao contrário, ela contrasta com a

vivacidade aumentada daquela parte da psique que concerte ao

processo secundário e que rege a síntese artística. No ato da criação

estética tem lugar, portanto, um mecanismo mental complexo que une

uma passividade maior do que a habitual e uma atividade maior do que

a habitual (2003, p. 470)

Essas questões levantadas por De Masi acerca das afirmações de Arieti

complementam as apresentadas por Freud. Podemos compreender então, que

a criatividade está relacionada a uma espécie de motivação, algo intrínseco,

que começa de forma quase pulsional, inconsciente. Para ambos a questão da

criatividade está relacionada a um estado de total liberdade, onde o sujeito é

capaz de acessar elementos de seu inconsciente trazendo-os à realidade

através de ideias adaptadas ou não aos contextos sociais.

Arieti afirma ainda, que existe uma lista de condições necessárias para

promover a criatividade, mas acerca delas falaremos no próximo capítulo.

Ressaltamos nesse momento, que todo potencial criativo existente nos

processos primários pode vir à tona de inúmeras maneiras, desde que os

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processos secundários aceitem esse material. Absolutamente qualquer

experiência, atitude ou pensamento pode desencadear um processo criativo,

como verificamos nas ideias abaixo expressas:

Tudo aquilo que fora invisível, indizível e impalpável pode vir à tona de

varias maneiras: subitamente, inesperadamente, de chofre, num

relance, durante a meditação, a contemplação, a fantasia, o

relaxamento, o uso de drogas, os sonhos; ou pela ação de um esforço

de evocação, de associação, de estimulação externa, da sensação

sinestésica, e por aí vai. Cabe às faculdades mentais que fazem parte

do processo secundário aceitar ou recusar esse material (De Masi

apud Arieti, 2003, p. 472)

Pensando a criatividade dessa forma, como algo do sujeito, uma

característica presente nas diferentes pessoas e em todas as áreas de atuação

do homem, das ciências humanas às ciências exatas, das engenharias às

expressões artísticas, da criança ao idoso, e desencadeada pelos mais

abrangentes processos, podendo gerar produções que podem ser apenas uma

ideia, um novo objeto, uma descoberta científica, uma composição musical,

uma campanha, uma jogada de marketing, etc., é possível pensar o quanto

somos seres criativos. Indagamo-nos acerca do que leva alguém a inventar um

objeto, ou um medicamento, levantar uma hipótese, realizar um

questionamento.

González em conferência no XXI Congresso Internacional de Psicologia

(1987), nos mostra que:

Descobriu-se que, em todos os inovadores, independentemente de seu

grau de efetividade criativa, manifestavam-se motivações sociais

intensas de chegar à solução de problemas técnico-econômicos do

país, além de motivos de busca legítima de reconhecimento social.

Todavia, aqueles de alto rendimento mostravam, além desses motivos

sociais, um motivo de tipo processual dirigido ao processo de criação

em si mesmo que desperta vivências agudas de tensão e satisfação

emocional durante a atividade intelectual, mesmo sem ter chegado à

solução final do problema. Observamos que os sujeitos com motivos

processuais apresentavam uma estimulação persistente e efetiva de

origem interna, que já era parte de sua personalidade e que os

impulsionava a entender, a buscar e a propor problemas autônoma e

ativamente. (p. 37)

Esta afirmativa de González permite que seja possível perceber a

relação entre a criatividade e muitas características da estrutura psíquica; como

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as pulsões internas para buscar, entender, questionar; que resultam na

motivação para realizar algo, em associação à atividade intelectual intensa e

também à capacidade de agir de forma autônoma. O que pensam esses

autores nos permite estabelecer pontos de relação entre a criatividade e a

autonomia.

Assim como uma produção criativa precisa ser adaptada às questões

culturais, às necessidades e expectativas, às tradições e a uma determinada

época, também precisam ser inovadoras e capazes de quebrar paradigmas e

preconceitos, transformar fatores históricos e culturais e traçar alternativas para

a evolução da sociedade. Neste sentido, as questões intrínsecas ligadas à

motivação para criatividade são determinantes e a capacidade do sujeito de

desafiar seus próprios paradigmas também o é.

Outras linhas de pesquisa da psicologia também abordam o tema da

criatividade, como é o caso da psicologia gestáltica de Wertheimer, citada por

Lubart (2007), que traz a concepção de que “O fenômeno de insight seria o

motor da criatividade antes que as cadeias de associações.” (p. 14). Sob esta

ótica a criatividade está associada a uma ideia nova que surge não se sabe ao

certo de onde nem por que, mas do indivíduo na busca de uma resposta, uma

motivação.

Martínez segue a mesma linha de raciocínio, este autor (1997) afirma

que:

A criatividade é expressão da implicação da personalidade em uma

esfera concreta da atividade, o produto da otimização de suas

capacidades em relação com fortes tendências motivacionais, em que

o sujeito da atividade está envolvido com um todo. (p. 26)

Para a psicologia humanista, abordada por Martinez (1997) “a

criatividade é concebida como uma expressão da auto-realização da pessoa”.

Ela ainda apresenta posições como a de Maslow, que afirma que “criatividade

é uma expressão da integridade da personalidade”, permitindo estabelecer

relação entre criatividade e saúde psíquica. Dessa forma, „apenas‟ as pessoas

que possuem estruturas psíquicas consideradas adequadas ou devidamente

adaptadas, apresentam-se como sujeitos criativos.

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Portanto e:

Para resumir, a criatividade AR (auto-realizada) acentua, em primeiro

lugar a personalidade em face de suas consecuções, considerando

estas como epifenômenos emitidos pela personalidade e, portanto,

secundários em relação a ela. Acentua as qualidades caracterológicas

como intrepidez, valentia, liberdade, espontaneidade, perspicácia,

integração e auto-aceitação, todas as quais possibilitam o tipo de

criatividade AR generalizada expressa na vida criativa, na atitude

criativa ou na pessoa criativa. Sublinhei também a qualidade

expressiva do ser que possui a criatividade AR antes de sua qualidade

de solução de problemas ou de elaboração de produtos. A criatividade

AR é emitida ou irradiada e alcança todos os aspectos da vida,

independente dos problemas, da mesma maneira que uma pessoa

alegre emite alegria sem propósito prévio e nem sequer tem

consciência disso. (MARTINES APUD MASLOW, 1997, p. 199)

Outro autor, Winnicott, citado por Sakamoto, 2000, entende que a

criatividade está “sob o prisma da experiência relacionando-a ao potencial

criador e inserindo-a no contexto do desenvolvimento humano.” (p. 53). Sob

este prisma está calcada a pesquisa, a relação entre o desenvolvimento da

criança e a criatividade, Winnicott (1986), complementa a questão da

criatividade relacionada ao desenvolvimento afirmando que, mesmo sendo

inato, o potencial criativo pode desaparecer, se não estimulado. Aí está a

importância fundamental do social para tornar o exercício da criatividade

natural no indivíduo. E o autor assevera ainda que:

O impulso criativo inato desaparece a menos que seja correspondido

pela realidade externa (“realizado”). Toda criança tem que recriar o

mundo, mas isso só é possível se, pouco a pouco, o mundo for se

apresentando nos momentos de atividade criativa da criança. [...] A

partir disso há uma progressão natural no sentido da criação por parte

da criança do conjunto de toda a realidade exterior, e da criatividade

contínua que, de início, necessita de uma audiência e que, por fim,

acaba por criar até mesmo esta (WINNICOT, 1986, p. 16).

Em outra obra ainda, Winnicott apresenta uma especificidade da

criatividade, presente no ato de brincar, quando afirma que “é no brincar, e

talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de

criação.” (1971, pag. 79). O brincar é o exercício da liberdade em seu estado

mais puro, no brincar o indivíduo encontra espaço para expressar-se, sem

limitações, no brincar a fantasia é a ferramenta entre o real e o imaginário. É no

imaginário que estão os mundos do faz de conta, o universo do brincar, neste

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lugar, a criatividade apresenta-se em seu estado mais puro, tem espaço para

se desenvolver e potencializar toda sua forma de expressar-se. Mas também é

no brincar, que a criança inicia o processo de bordas entre o real e o

imaginário, entre a realidade e a fantasia, e consegue determinar como a

criatividade pode se apresentar em cada um.

Entendemos também, que através da criatividade o ser humano é capaz

de estabelecer relações entre sua subjetividade e a realidade que o cerca.

Segundo Sakamoto (2000), pois que:

Através da criatividade, o ser humano realiza a construção de seu

destino e do próprio mundo. [...] ou seja; através da atividade criativa,

os seres humanos alcançam uma consciência sobre suas

potencialidades, desvendam a condição genuína de sua liberdade

pessoal e edificam sua autonomia, uma vez que através da

criatividade, o homem existe e evolui, se expressa e modela parcelas

de realidade do universo das infinitas possibilidades humanas. (p. 52)

Ainda, segue afirmando que a “criatividade é a expressão de um

potencial humano de realização, que se manifesta através das atividades

humanas e gera produtos na ocorrência de seu processo.” (idem, p. 52).

Destacamos também que Winnicott, em sua teoria, aponta a

“afetividade” como uma das condições necessárias para o desenvolvimento do

potencial criativo.

Nos estudos de Sakamoto, podemos encontrar a definição Winnicottiana

de que “através das relações afetivas do ser humano e o ambiente desde o

início da vida, ocorre o desenvolvimento do sentimento de segurança pessoal

que ancora o estado de relaxamento, que é fundamental à possibilidade de

emergência do impulso criador.” (ibidem, p. 56).

Assim, é possível afirmar que todos os indivíduos que vivem em

sociedade possuem potencial criativo e exercem a sua criatividade. É

eminentemente característico de todo e qualquer ser humano, a capacidade de

criar. A diferença se dá no modo como cada sujeito consegue organizar seus

pensamentos criativos, explorá-los e expô-los dentro do que é considerado

“adequado” à sociedade. Alguns sujeitos conseguem destinar seu poder

19

criativo à ciência e outros às artes; outros, as mais distintas formas de

expressão. Pensando nisso, Hillman descreve oito ideias sobre a criatividade.

São elas: ligada à imagem paterna; à inovação (dom de antecipar o futuro); ao

primitivo (rebelde revolucionário e insensato); a capacidade de resolver

problemas; buscar excelência; ligada a imagem materna (regeneração); ao

feminino (sensualidade e senso estético); e ao amor (marcado pela imaginação

e beleza).

As definições elencadas nos mostram que a criatividade está presente

em todas as ações humanas, de uma forma ou de outra. Talvez a diferença em

questão esteja nas capacidades de inovação e invenção. Se todos os

indivíduos possuem potencial criativo, se ele realmente é inerente ao ser

humano, ele pode ser desenvolvido? Aprimorado? Será que todas as pessoas

possuem a capacidade de explorar sua criatividade e “inovar, criar, inventar,

mudar”?

A questão central que nos indagamos é sobre o que possibilita ao

sujeito exercer a sua criatividade para além da capacidade de adaptação e

resolução de problemas pontuais no social. Que outras características da

personalidade humana precisam estar associadas ao potencial criativo para

possibilitar que o indivíduo realmente apresente novas ideias, invenções e

resolução de problemas de ordem social. Numa tentativa inicial de resposta,

pensamos que talvez seja a capacidade do sujeito exercer a sua autonomia,

mesmo em uma sociedade que preza pelo “politicamente correto”, “civilizado”,

ou seja, onde todos os desejos e pulsões estão devidamente “recalcados” e

“sublimados”. Neste sentido, é possível buscar na concepção Winnicottiana de

criatividade, um caminho de resposta, ou seja, seria possivelmente pela

“submissão” que se determinaria o potencial criativo de um sujeito. Em suas

palavras nos inspiramos:

É através da apercepção criativa, mais do que qualquer outra coisa,

que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. Em contraste,

existe um relacionamento de submissão com a realidade externa, ondo

o mundo em todos seus pormenores é reconhecido apenas como algo

a que ajustar-se ou a exigir adaptação. A submissão traz consigo um

sentido de inutilidade e está associada à ideia de que nada importa e

de que não vale a pena viver a vida. Muitos indivíduos experimentaram

20

suficientemente o viver criativo para reconhecer, de maneira

tentatizante, a forma não criativa pela qual estão vivendo, como se

estivessem presos à criatividade de outrem, ou de uma máquina (1971,

pag. 95).

Por outro lado, De Mais aput Taylor que cria uma proposta de distinção

entre diferentes “tipos” de criatividade: a expressiva, baseada nas associações

livres; a produtiva, orientada à realização de um objeto e controlada pela razão;

a inventiva, necessária para descobrir cientificamente novas relações entre os

elementos; a inovadora, capaz de levar a mudanças significativas todo um

setor do conhecimento; e a emergente, capaz de elaborar aqueles que Kuhn

chamaria de novos “paradigmas”. (2003, p. 474).

Sendo ela uma característica no ser humano, pode ser aperfeiçoada e

todos os sujeitos a poderiam exercitar; fazendo em seu dia-a-dia, com

inúmeras “respostas”, resoluções de conflitos, caminhos alternativos, projetos

de vida, inovações e até mesmo invenções.

Rogers, citado por De Masi, nos apresenta o pensamento de que:

a ação da criança que inventa uma nova brincadeira com os seus

companheiros, ou a de Einstein, que formula a teoria da relatividade,

ou a da boa dona de casa, que inventa um novo molho para o prato, ou

a de um jovem escritor que escreve o seu primeiro romance, são todas;

segundo a nossa definição, criativas, e não vale a pena que se as

disponham em uma ordem hierárquica de maior ou menor criatividade.

(2003, p. 456)

Nesta perspectiva, talvez possamos destacar três concepções de

modelos de criatividade, utilizadas por Zanella e Titon (2005), em suas

pesquisas sobre produções científicas acerca do tema. Estas abrangem estudo

de Alencar &Fleith e citam algumas ideias e fatores relacionados à criatividade.

São elas: a teoria de investimento em criatividade de Sternberg, o modelo

componencial de criatividade de Amabile e a perspectiva de sistemas de

Csikszentmihalyi.

Em tais sistemas, a criatividade está relacionada a diversos fatores, mas

principalmente às questões internas como motivação, inteligência,

personalidade e habilidades de domínio. Para, além disso, destaca também o

contexto ambiental e social, como é possível verificar:

21

Para a teoria de investimento em criatividade, proposta por Sternberg e

por Lubart na década de 1990, considera-se o comportamento criativo

como resultado da inter-relação de seus fatores: da inteligência, dos

estilos intelectuais, do conhecimento, da personalidade, da motivação e

do contexto ambiental [...] O modelo componencial de criatividade,

proposto por Amabile nas décadas de 1980 e 1990, define a

criatividade a partir de aspectos como originalidade e adequação da

resposta, além da possibilidade de vários caminhos para a solução da

resposta. Discute a influência no processo criativo dos fatores

cognitivos, de personalidade e, principalmente, dos fatores sociais e do

papel da motivação. Neste modelo teórico, enfatiza-se a interação de

três componentes no processo criativo: as habilidades de domínio, os

processos criativos relevantes e a motivação intrínseca. [...] A

perspectiva de sistemas, proposta por Csikszentmihalyi, defende o

estudo da criatividade com foco nos sistemas sociais, e não nos

indivíduos [...] a criatividade é entendida como um ato, ideia ou produto

que transforma ou modifica um domínio existente. Para que isso

aconteça é fundamental os sujeitos terem acesso aos sistemas

simbólicos e o contexto social ser receptivo a novas ideias. (ZANELLA

APUD ALENCAR & FLEITH, 2005, p.306)

Outros estudos também apontam para a definição de características os

indivíduos criativos. Martinez (1997), através de um estudo publicado pelo

Instituto de Avaliação e Investigação da Personalidade da Universidade da

Califórnia, elenca várias características dos sujeitos criativos, através dos

estudos dos pesquisadores: V. Lowenfeld, Ch. Vervalin, F. Barron, M.

Rodriguez, R. Orter, E. Alencar.

No quadro abaixo, em uma apresentação panorâmica, temos:

Ipar V.

Lowenfel

d

Ch.

Vervalin

F.

Barron

M.

Rodrigue

z

R. Orter E.

Alencar

Curiosidade

intelectual

Amor à

criação

pela

criação

mesma

Entrega Motivaçã

o

intrínsec

a

Dedicaç

ão ao

trabalho

Possuem

ampla

informação

Fluidez Sensibili

dade

estética

Versatilid

ade

(Treinam

ento)

intensivo

22

que

combinam e

extrapolam

em sua

área de

conheci

mento

Discernem e

observam de

maneira

diferenciada

Capacida

de de

redefiniçã

o

Abertura

à

experiên

cia

Atitude

perceptu

al contra

atitude

crítica

Firmeza

de

percepçã

o

Abertura

à

experiên

cia

Abertura

à

experiên

cia

Ausência de

repressão e

bloqueios

mentais

Sensibilid

ade

Atitude

intuitiva

contra

atitude

senso-

perceptu

al

Intuição

Empatia para

com pessoas

e ideias

divergentes

(tolerância)

Originalid

ade

Imaginaç

ão

Infância

infeliz

Capacida

de de

abstração

Alto

nível de

inteligên

cia

Inteligênci

a forte

Têm maior

percepção

de suas

característica

s

psicológicas

Capacida

de de

síntese

Elaboraç

ão ativa

dos

conflitos

Tendência à

introversão

Autocrític

a

Introvers

ão

23

Liberados de

restrições e

inibições

convencionai

s

Coerênci

a de

organizaç

ão

Ausênci

a de

inibição

e

pensam

ento

estereoti

pado

Oposiçã

o a

todos os

processo

s

inibidore

s

Autenticame

nte

independent

es

Independ

ência

Autonom

ia

Autonom

ia

Flexíveis

quanto a

meios e

objetivos

Flexibilid

ade

Flexibilid

ade em

natureza

e ação

Flexibilida

de

Flexibilid

ade

Interessam-

lhes menos

os fatos que

seus

significados

Busca

intermin

ável de

novos

desafios

e

soluções

Ambição

e

tenacidad

e

Não lhes

interessa

controlar

suas próprias

imagens e

impulsos

nem dos

demais

Confiança

em si

mesmo

Express

ão de

processo

s

internos

Não fazem

grandes

Complex

idade

Valor,

decisão

24

esforços

para evitar

problemas

desagradávei

s e

complexos

contra

simplicid

ade

Este quadro mostra a complexidade de características que compõem os

indivíduos criativos. Apresentam-se em formas distintas e em alguns momentos

contraditórias. Podemos perceber que, características como: autonomia,

confiança em si mesmo, oposição aos processos inibidores, motivação e

atitude ativa frente a diferentes situações podem compor a personalidade. A

autonomia não é a principal característica dos indivíduos criativos e talvez não

seja exclusiva destes.

Com todas essas definições, é possível entender o porquê a questão da

criatividade torna-se algo tão complexo. Se pensarmos no que se espera de

alguém criativo já é possível verificar a amplitude deste assunto.

Ao indivíduo criativo é destinada a missão de criar algo inovador, único,

útil, em alguns momentos, exclusivo; em outros, coletivo. Para tanto, esse

sujeito, precisa ser capaz de se diferenciar de todo o restante da população.

Nessa circunstância, suas características pessoais são determinantes e fazem

com que, ao mesmo tempo que, sua ideia seja inovadora, o seu próprio ser

também o seja.

Pensando assim, talvez seja impossível definir um sujeito criativo, pois à

medida que exerce sua criatividade, também vai se adaptando às suas

criações e às novas expectativas. Da mesma forma, talvez seja extremamente

complexo pensar em uma única definição para criatividade, uma vez que o que

se espera dela, é que seja surpreendente.

Conforme De Masi apud Rogers:

Não podemos ter esperança de descrever exatamente o ato criativo,

que é indescritível, pela sua natureza intrínseca. É do ignorado que

25

devemos aceitar o desconhecimento até o momento em que ocorre. É

o improvável que se torna provável. Podemos dizer, mas apenas de

maneira bem genérica, que o ato criativo é o comportamento natural de

um organismo que tem a tendência a manifestar quando é aberto à

globalidade de sua experiência interior e exterior, e quando está livre

para submeter à prova, de modo flexível, todas as formas de

relacionamento.” (2003, p. 455)

Se já é difícil, talvez impossível, em detrimento de características tão

peculiares e individuais, talvez ainda mais complexa seja, pensar a relação

existente ou não, entre criatividade e autonomia.

Uma questão é fato; o indivíduo que possui a habilidade de “governar-se

por suas próprias leis, por sua própria vontade” terá muito mais possibilidade

de expressar suas ideias, sejam elas consideradas criativas ou não para a

sociedade. Temos então, outra questão importante; o indivíduo pode

apresentar um alto potencial criativo, mas quem o validará com tal será o meio

que em que está inserido e não exclusivamente a sua característica.

Nesses termos talvez se faça necessário pensar em que momentos do

desenvolvimento humano e psíquico aparecem também às características

criativas. O que é necessário ao desenvolvimento da criatividade? Somos

realmente capazes de desenvolvê-la? Ao longo do próximo capítulo haverá a

tentativa de responder a essas questões.

26

2. CRIATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO

A questão central da pesquisa é de que trataremos nesse capítulo.

Entendemos que é a capacidade do sujeito exercer a sua autonomia em uma

sociedade que preza pelo “politicamente correto”, “civilizado”, ou seja, onde

todos os desejos e pulsões estão devidamente “recalcados” e “sublimados”.

Neste sentido, é possível pensar a criatividade pela ótica de Winnicott em sua

concepção de que é a “submissão” que determina o potencial criativo de um

sujeito, assim como ele nos faz ver na afirmação.

“É através da percepção criativa, mais do que qualquer outra coisa,

que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. Em contraste,

existe um relacionamento de submissão com a realidade externa, onde

o mundo em todos seus pormenores é reconhecido apenas como algo

a que ajustar-se ou a exigir adaptação. A submissão traz consigo um

sentido de inutilidade e está associada à ideia de que nada importa e

de que não vale a pena viver a vida. Muitos indivíduos experimentaram

suficientemente o viver criativo para reconhecer, de maneira

tentatizante, a forma não criativa pela qual estão vivendo, como se

estivessem presos à criatividade de outrem, ou de uma máquina.”

(WINNICOTT, 1971, pag. 95).

Ainda nesta linha de raciocínio é importante destacar que a teoria de

Winnicott aponta a “afetividade” como uma das condições necessárias para o

desenvolvimento do potencial criativo. Nos estudos de Sakamoto, podemos

encontrar a definição Winnicottiana de que “através das relações afetivas do

ser humano e o ambiente desde o início da vida, ocorre o desenvolvimento do

sentimento de segurança pessoal que ancora o estado de relaxamento, que é

fundamental para a possibilidade de emergência do impulso criador.”

(SAKAMOTO, 2000, pag. 56), que assim compreende:

“O desenvolvimento em poucas palavras, é uma função da herança de

um processo de maturação, e da acumulação de experiências de vida;

mas esse desenvolvimento só pode ocorrer num ambiente propiciador.

A importância deste ambiente propiciador é absoluta no início, e a

seguir relativa; o processo de desenvolvimento pode ser descrito em

termos de dependência absoluta, dependência relativa e um caminhar

rumo à independência.” (WINNICOTT, 1986, pag. 27)

27

Vigotsky, em “La imaginación y el arte em la infância” (ed. 2003),

complementa a ideia de que as experiências de vida estão diretamente

relacionadas ao potencial criativo de um sujeito. Afirma que a criatividade, a

fantasia e a imaginação são tão mais ricas quanto maiores as experiências. A

sua compreensão a esse respeito é assim elaborada:

“la actividad creadora de la imaginación se encuentra en relación

directa com la riqueza y la variedad de la experiencia acumulada por el

hombre, porque esta experiencia es el material con el que erige sus

edifícios la fantasía. Cuanto más rica sea la experiencia humana, tanto

mayor será el material del que dispone essa imaginación. (Vigotsky,

2003, p. 17)

Pensamos também, que ao longo da constituição psíquica estas

experiências são garantidas na relação do outro, principalmente na importância

do Estágio do Espelho e sua relação com o desenvolvimento da criatividade

pelo, e no, sujeito.

Segundo essa visão, ao nascer o bebê se considera reflexo da mãe e

inicia seu processo de acumulação de registros psíquicos ou traços de

memória. Aproximadamente dos 6 aos 18 meses a criança começa a se

movimentar para reunir os traços de memórias que possui com a mãe, para

iniciar sua constituição psíquica. Durante a experiência especular, ela passa a

se reconhecer na imagem discursiva que a mãe sustenta; imagem que a mãe

constrói do filho e é denominada de “narcisismo parental”. Esta é sempre

“ideal”. A formação do sujeito irá ter início, a partir do encontro entre o ideal de

filho projetado pela mãe e as características pessoais da criança.

Freud dizia que quando uma criança nasce, ela é colocada em um “lugar

narcísico” dos pais. Ao projetarem um ideal do “seu eu”, os pais constroem um

“EU” ideal, no “ideal do eu”, onde está um “eu idealizado”. E a criança está nos

primeiros tempos neste contexto de “Filho ideal”, em uma imagem de perfeição

que os pais atribuem aos filhos. Tudo isto irá depender do “recorte cultural”

desta família. Esta forma de „agir‟ dos pais fará com que a criança, num

primeiro momento, responda sempre ao que os pais esperam dela.

Primeiramente ela não vê um sentido, porém, logo passa a corresponder àquilo

a que é convocada (à provocação ao riso, a criança sorrirá), ocorrendo então a

28

identificação especular. A partir desta, a criança dá os seus primeiros passos

na constituição do eu, da imagem corporal e também da agressividade.

Registra-se então, a nível psíquico, imagens sustentadas pelo “grande Outro”,

a representação psíquica dos traços de uma imagem, o que é, segundo Lacan,

o “imago”.

A partir da palavra materna, ela irá criar a imagem de um “corpo que lhe

pertence” (colocar o dedo no pé na boca). A mãe possui em seu discurso, uma

totalidade corporal que será emprestada à criança. Gradualmente, esta vai

criando “unidades de percepção” que vão construindo nela uma condição mais

organizada, um “eu” apenas confundido com o “Outro” e não mais extensão

deste.

Assumir uma imagem de sujeito humano se dá a partir de referências,

que vamos receber de outros seres da mesma espécie. É uma conquista

psíquica. A criança no encontro com o desejo familiar, a respeito dela,

transforma-se no sujeito idealizado pelo desejo parental. De outro lado, o

encontro da criança com a linguagem irá permitir que deixe de ser apenas um

corpo no sentido orgânico, para ir se tornando um sujeito, enquanto psíquico.

A criança é situada em uma história, onde existe um deslocamento, uma

história “anterior” a ela e quando nasce, essa é lançada sobre ela. O seu lugar

então, será construir como sujeito, dentro desta história familiar e através do

“eu ideal” que os pais projetam. É “o berço simbólico”, repleto de significantes,

que contém as insígnias de um desejo familiar. É neste “banho de linguagem”,

que está inserida a cultura que a família irá introduzir na criança, o “humano”.

O aparecimento do Pai se faz através do „discurso da mãe‟, que então, o

reconhece como homem, representante da Lei, mediado pelo discurso. A essa

função, Lacan denomina “Nome do Pai” ou “Metáfora Paterna”. O papel deste

intervém em diferentes planos; interdita a mãe e este é o fundamento do

complexo de Édipo. Ele se liga à lei da proibição do incesto e é então, o

representante que às vezes se manifesta de maneira direta. A sua presença

tem efeitos no inconsciente, realizando assim, a interdição da mãe. A castração

tem, desse modo, seu papel manifesto e o vinculo com a lei é fundamental.

29

O pai frustra o filho da posse da mãe. A frustração é o pai que opera

como detentor de um direito e não como personagem real. É o pai simbólico,

que intervém numa frustração, ato imaginário, a um objeto muito real “a mãe”.

O pai no Complexo de Édipo, é o pai simbólico, um significante que surge no

lugar de outro significante é o pilar essência; um significante que substitui o

primeiro introduzido da simbolização, o significante materno. O pai vem no

lugar da mãe e é a mãe que vai e vem.

Lacan apresenta a teoria do Complexo de Édipo para explicar melhor a

questão da constituição psíquica. Sua estruturação ocorre em três tempos bem

determinados conceitualmente. O primeiro consiste na relação dual

“criança/mãe”, fase especular. O segundo caracteriza-se pela entrada do pai

em cena e pelo acesso ao simbólico. E o terceiro, pela identificação com o pai

e o início do declínio do complexo de Édipo.

No primeiro momento do Édipo a criança é o falo, ou seja, o desejo do

desejo da mãe. É nesse sentido que a criança não pode ser vista ainda como

sujeito, mas como complemento da falta da mãe. Esse é ainda o momento da

perfeição narcísica, que vai ser superado somente com o advento do simbólico.

Esse, mesmo estando por vir, não está excluído do imaginário da criança, pois

se encontra presente no discurso da mãe. As necessidades da criança são

faladas pela mãe que lhe oferece um código interior, no qual suas

necessidades vão ser estruturadas e receber um sentido. A esse lugar do

código, da linguagem, Lacan denomina “Outro”. Então, o imaginário está desde

o princípio submetido ao simbólico, antes mesmo da aquisição da linguagem.

O segundo momento do Édipo é marcado pelo advento do simbólico e

pela intervenção do pai como privador, tanto da criança quanto da mãe. Neste

momento, o pai é o terrível interditor, duplamente privador, tirando da criança o

objeto do seu desejo e a mãe, do objeto fálico.

No terceiro momento do Édipo ocorre a passagem do imaginário ao

simbólico, o pai deixa de ser a lei para tornar-se o representante dela, ninguém

mais é o falo ou a lei. Ocorre a substituição da identificação da criança com o

Eu ideal para uma identificação do ideal do eu, sendo esta identificação, não

30

diretamente com o pai, mas com o que ele representa. É esta interiorização da

lei que possibilita que a criança se constitua como sujeito, como assim

podemos ver;

“Concluindo a Metáfora Paterna institui um momento radicalmente

estruturante na evolução psíquica da criança. Além de inaugurar seu

acesso a dimensão simbólica, afastando a criança de seu

asujeitamento imaginário a mãe, ela lhe confere o status de sujeito

desejante. O benefício desta aquisição só advém, entretanto, as custas

de uma nova alienação. Com efeito, tão logo advém como sujeito

desejante o desejo do “fala – ser” torna-se cativo da linguagem na qual

ele se perde como tal, por não ser representado; a não ser, graças a

significantes substitutivos, que impõem o objeto de desejo, a qualidade

de objeto metonímico” (DOR, 1989, p.94)

Por meio do recalque originário e da metáfora paterna o desejo impõem-

se à mediação da linguagem. O significante “nome do pai” inaugura a alienação

do desejo na linguagem sendo então, que este não se torna nada mais do que

o reflexo de si mesmo. O desejo de ser, recalcado em prol do desejo de ter,

impondo à criança desejos substitutivos ao objeto perdido. Então, é necessário

o desejo fazer-se palavra, pois se perde cada vez mais na cadeia dos

significantes do discurso. Ele é remetido sempre de um objeto a outro, caindo

em uma sequência indefinida de substitutos e significantes, simbolizando o

desejo original do sujeito.

Sabemos que o desejo permanece sempre insatisfeito, e isso ocorre

pela necessidade em que encontrou de se fazer linguagem. Logo, o desejo

está ligado a uma via da metonímia, ou seja, o “nome do pai” intima a criança e

toma à parte o objeto que irá substituir, o objeto perdido. Persistindo o desejo

do objeto perdido, ele irá ser direcionado para objetos substitutivos, como nos

mostra o autor:

“Um sujeito se constitui como tal no interior do campo do Outro, graças

ao qual sobrevêm uma série de operações estruturantes às quais a

psicanálise dá o nome de estágio do espelho e complexo de Édipo.

Mas ainda, na medida em que tais acontecimentos não são momentos

evolutivos passageiros – um sujeito em todo momento se defronta com

encruzilhadas estruturais isomorfas àquelas – cabe dizer que nenhuma

produção subjetiva ou produto da atividade humana pode ser pensada

como acontecendo fora do campo do Outro. Sendo assim, só podemos

concluir que as mesmíssimas aprendizagens e a (re)construção do

31

conhecimento socialmente compartilhado, sua outra face, têm lugar no

seu interior.” (LAJONQUIÉRE, 1992, p. 177).

Lajonquiére mostra interligação entre o olhar do outro e a produção

humana. Sendo a criatividade produto desta produção, estaria atrelada a este

lugar de reconhecimento ou julgamento do outro. Tudo que se produz passa

necessariamente pela aprovação ou desaprovação de outro, que pode ser a

mãe, o pai e até mesmo o social, dependendo de a quem se direciona a

criação.

Assumir uma imagem de sujeito humano se dá a partir de referências

que recebemos de outros seres da mesma espécie e isso é uma conquista

psíquica. Esse reconhecimento ocorre através da experiência especular e da

imagem de filho construída pela mãe, antes mesmo do nascimento do filho.

A mãe, ou a pessoa responsável pelos primeiros cuidados com a

criança, vai tentar situá-la em uma “história”, na qual existe um deslocamento,

uma história anterior a ela, e quando nasce, é lançada sobre ela, e seu lugar

então, será construído dentro dessa história familiar, através deste

deslocamento.

Os pais constituem uma “imagem de sujeito” e uma “imagem de corpo”,

que vai desde a escolha do nome próprio, que contem uma representação de

sujeito e de corpo projetado pelos pais, no seu desejo, ou seja, existe um lugar

que vai ser ocupado pela criança a partir da convocação que a subjetividade

dos pais remete ao filho. Esse desejo, projetado pelos pais em relação à

criança que ainda não nasceu e a história da qual passa a fazer parte, a partir

do momento que é concebida, e vista como filho, interfere amplamente no

desenvolvimento porque vai possibilitar que se desenvolva na busca por atingir,

alcançar, as expectativas projetadas pela família em relação a ela.

Winnicott relaciona esta questão de expectativas projetadas, como

desencadeante do processo criativo. Relaciona também, a capacidade do

sujeito em assumir seu pensamento e agir de forma autônoma, de viver a seu

modo, com o “olhar do outro”. Assim ele nos esclarece que:

32

“A vida de um indivíduo saudável é caracterizada por medos,

sentimento conflitivos, dúvidas, frustrações, tanto quanto por

caraterísticas positivas. O principal é que o homem ou a mulher

sintam que estão vivendo a sua própria vida, assumindo

responsabilidade pela ação ou pela inatividade, e sejam

capazes de assumir o sucesso dos aplausos ou as censuras

pelas falhas”. (1967, p. 10)

O olhar não é puro e simples e, mesmo sendo de ordem inconsciente, é

transmissível e garante que ocorra um desdobramento da constituição psíquica

possibilitando a formação do sujeito psíquico. Para isso, são necessários além

dos aspectos estruturais comuns a todos os indivíduos, os aspectos

instrumentais que vão variar de acordo com as relações parentais e sociais da

criança.

Os aspectos instrumentais do corpo são observáveis, avaliáveis,

mensuráveis, testáveis e delineiam fenômenos da consciência. E são:

psicomotricidade, linguagem, aprendizagem, hábitos, jogos e processos

práticos de socialização. Através desses é que a criança vai poder estruturar

aquilo que demanda sua constituição de sujeito.

Sob esta ótica, a linguagem se apresenta como um dos principais

fenômenos da consciência, pois através dela se apresentam as imagens

projetadas pelo outro e aproximam o sujeito em constituição do mundo que o

cerca. Segundo Jeruzalinsky (1988), ela é um sistema que pré existe ao

nascimento da criança e ela precisa responder a esse sistema que preexiste,

para tanto se vale de signos. A ideia é de que, por um somatório de signos,

pode-se compor uma linguagem. Num momento, há tal quantidade de signos

que é necessário achar uma lógica para ordená-los, sendo esta, uma teoria da

linguagem.

O corpo humano é efeito da linguagem, efeitos dados pelo outro, que

marcam o corpo de um sujeito como desejante. Percebemos aqui a importância

do discurso dos pais em relação ao corpo do filho. Corpo e sujeito não são os

mesmos. O corpo é algo que o sujeito terá que conquistar e ter. Então:

Nós, os seres humanos, aos sermos captados pela linguagem,

diferenciamo-nos do reino animal, deixamos de ser puro corpo e, pelo

33

ingresso ao universo simbólico, podemos tê-lo e, portanto, sermos

sujeitos com um corpo (1988, p. 48).

É exatamente devido à linguagem, que ocorre a separação entre o

sujeito e o corpo. Por isso, a importância do discurso dos Pais, pois o corpo

será construído a partir da sua historia, que se desenvolve “sem que a criança

possa escolher nada dela. Está em sua origem, constituí-la, torná-la humana.”

(1988, p. 51).

Traçando um paralelo entre a questão da linguagem e a criatividade

humana; esta só se faz graças à linguagem. Talvez, a linguagem nada mais

seja que fruto da criatividade humana encontrando formas de desenvolver-se e

nessa ótica, De Masi nos apresenta alguns aspectos levantados por Arieti,

como condições necessárias à promoção da criatividade humana:

“lista de condições necessárias para promover a criatividade: a solidão,

o isolamento, a introspecção, a inatividade, a capacidade de sonhar de

olhos abertos, a possibilidade de soltar as rédeas do próprio

pensamento, de modo que ele possa vagar livremente, a

disponibilidade para perceber vínculos e semelhanças, a suspensão do

senso crítico em relação às ideias próprias e alheias, a aceitação

ingênua, a abertura, a disponibilidade para a exploração e aceitação, a

memória interior dos conflitos traumáticos vividos no passado, a

vivacidade intelectual e a disciplina interior.” (2003, p. 472)

Traços alguns, que aparecem também nos estudos de Lubart:

“Seis traços apresentam teórica e empiricamente relações significativas

com a criatividade: a perseverança, a tolerância à ambiguidade, a

abertura para novas experiências, o individualismo à disponibilidade de

correr riscos e o psicotismo.” (2007, p. 41)

Estabelecendo relação desses traços, apresentados por Arieti e Lubart

com a teoria do Estágio do espelho e do Complexo de Édipo podemos pensar

que o olhar do outro "mãe", autoriza a criança a estabelecer-se enquanto

sujeito desejante, capaz de criar formas de suprir seus desejos. A proibição, a

interdição, do outro, pai, sublima alguns desses desejos, transformando-os, e

possibilitando à criança que encontre outras formas de expressar seus desejos,

criando seu próprio mundo.

34

Winnicott (1986) vai além, afirmando que é a segurança oferecida pela

mãe, por aquele que destina cuidado à criança e posteriormente pelo social

que possibilita o “autocontrole” (pag. 48), e fornece material suficiente para que

a criança vá criando seu próprio mundo a partir do que lhe é oferecido pelo

mundo “real”, como exprime o autor:

“É o ambiente circundante que torna possível o crescimento de cada

criança; sem uma confiabilidade ambiental mínima, o crescimento

pessoal da criança não pode se desenrolar, ou desenrola-se com

distorções. Ademais, por não haver duas crianças rigorosamente

idênticas, requer-se de nós que nos adaptemos de modo específico às

necessidades de cada uma.” (1986, p. 45)

Esta segurança gerada pela afetividade em todos os aspectos do seu

cuidar, fornece à criança, subsídios para expressar-se. E no brincar, exerce o

que no adulto será chamado de criatividade, a capacidade de construir este

mundo que diminui as barreiras entre o real e o imaginário, entre a verdade e a

fantasia, aproxima o universo infantil do adulto. É Freud que confirma esta

relação, afirmando que ao brincar a criança se compara a um escritor criativo,

cria um mundo de fantasia que é “aceitável” no social por realizar, através de

suas brincadeiras, uma conexão com o mundo real adulto, enquanto que as

criações dos escritores criativos, são consideradas fantasias ao expressar seus

desejos e relacionar o real ao universo infantil. Desse modo:

“A antítese do brincar não é o que é sério, mas o que é real. Apesar de

toda a emoção com que a criança catexia seu mundo de brinquedo, ela

o distingue perfeitamente da realidade, e gosta de ligar seus objetos e

situações imaginando às coisas visíveis e tangíveis do mundo real.

Essa conexão é tudo o que diferencia o „brincar‟ infantil do „fantasiar‟. O

escritor criativo faz o mesmo que a criança que brinca. Cria um mundo

de fantasia que ele leva muito a sério, isto é, no qual investe uma

grande quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação

nítida entre o mesmo e a realidade. A linguagem preservou essa

relação entre o brincar infantil e a criação poética.” (FREUD, vol. IX p.

135)

Nesta relação com o outro, com a linguagem e com o social a criança vai

se constituindo enquanto sujeito, permanecendo em desenvolvimento até sua

morte. Este desenvolvimento, porém não se dá uniformemente, ao longo de

toda sua trajetória; há os de total contemplação do outro, de indiscutível

identificação, mas também de contestação. Winnicott, sobre esta relação

35

afirma que é no espaço vivo da relação com o outro que ocorre o verdadeiro

desenvolvimento, a que chama de “crescimento”. Assim:

“As crianças tem sempre a necessidade de verificar se ainda, podem

confiar em seus pais, e essas verificações podem perpetuar-se até que

as crianças já tenham crescido e precisem por sua vez proporcionar

condições de segurança a seus próprios filhos, e até depois disso. [...]

Os adolescentes começam a encontrar em si próprios uma gama de

sentimentos fortes e até amedrontadores, e desejam verificar se os

controles externos ainda estão de pé. Mas, ao mesmo tempo, querem

provar serem capazes de romper esses controles e estabelecer a si

próprios como pessoas autônomas. As crianças sadias necessitam de

quem lhes imponha um certo controle; mas os indivíduos que impõem

a disciplina devem poder ser amados e odiados, desafiados e

chamados a ajudar; os controles mecânicos não têm aí qualquer

utilidade, e o medo não é o instrumento mais adequado para estimular

a colaboração. É sempre um relacionamento vivo entre duas pessoas

que abre espaço ao crescimento.” (WINNICOTT, 1986, p. 47)

Continua afirmando que não há como separar o processo de

desenvolvimento da criança, do processo vivenciado pelo adulto, pois que:

“Cada indivíduo surge, desenvolve-se e torna-se maduro; não se pode

considerar a maturidade adulta como algo separado do

desenvolvimento anterior. Este desenvolvimento é extremamente

complexo, e ocorre de contínuo desde o nascimento, ou desde antes,

até a velhice, passando pela idade adulta. Não podemos pensar em

relegar nada a segundo plano – nem as ocorrências da infância, e nem

mesmo as da primeiríssima infância.” (WINNICOTT, 1986, p. 30)

E se pensarmos sob esta ótica, será que podemos possibilitar o

desenvolvimento da criatividade? A educação para criatividade apresenta-se

de forma possível?

36

3. Educação para Criatividade

A criatividade, conforme o que vem sendo abordado neste estudo até o

momento, é o resultado da “interação do sujeito com o meio”. É possível

também a compreensão de que todas as características psíquicas do ser

humano são o resultado da sua interação com o meio, pois somos seres que

eminentemente necessitamos do social para existir.

No primeiro capítulo, foi possível apresentar os inúmeros conceitos para

o termo criatividade; todos de alguma forma relacionados com o social, o

histórico e o ambiental. No segundo, verificamos que o sujeito, para

desenvolver-se como tal, necessita do outro, do olhar no outro, de reconhecer-

se enquanto parte de um grupo, primeiramente a família e depois todos os

outros espaços sociais nos quais circula.

Neste contexto, é no social que nos estabelecemos como sujeitos, mas

não apenas no simples fato de conviver com outros, mas por estabelecer

conexões através da principal ferramenta de organização do social, a

linguagem. Essa, possibilita as relações humanas, e consequentemente a

formação e o desenvolvimento das funções psicológicas. A questão da

linguagem já foi significativamente abordada anteriormente. O importante

agora, talvez seja pensar em como nos apropriamos dela; algo que talvez

ainda seja anterior e fundamental ao desenvolvimento.

Zaniuchi (2004) parafraseando Vygotsky (2000), afirma que é através da

imitação que a criança estabelece as relações com o social e consegue iniciar

o processo de denominar coisas, objetos, sensações, enfim apropriar-se da

linguagem.

“A imitação é um ato comunicativo que tem a premissa básica de seu

significado ser o mesmo para quem o emite e para quem o recebe, se

não, não há comunicação. E, é aí, que a imitação tem papel importante

no processo de mediação entre o sujeito e seu ambiente, pois quando

alguém imita, repete a atitude de seus pares (quer seja essa atitude

oral, gestual ou postural), ocorre uma sintonia entre os dois, uma

espécie de comunicação primitiva, um laço inicial. Quando uma criança

37

imita um adulto, pondera Vygotsky (2000), ela pode estar apreendendo

o comportamento desse adulto a ponto de reproduzi-lo.” (ZANIUCHI,

2004, p. 3)

Nesta perspectiva todos os ambientes em que o sujeito circula são

determinantes em seu desenvolvimento, principalmente no que diz respeito às

questões da criatividade. Esses ambientes sociais, em uma perspectiva macro

são três: a família, a escola e o trabalho. O papel de cada um, sua importância

e características fundamentais para que a criatividade possa ser expressa,

conforme Lubart (2007), que apresenta um importante estudo sobre estes três

grandes grupos, revela que o ambiente é determinante no desenvolvimento da

criatividade. Pensemos um pouco sobre cada um desses espaços, iniciando

pela reflexão acerca do espaço familiar no desenvolvimento da criança,

afirmando que este proporciona “segurança” à criança e possibilitam seu

desenvolvimento criativo. Segundo suas palavras:

“O ambiente mais estimulante revela ser aquele que fornece ao mesmo

tempo regularidade (portanto limites) e oscilações, introduzindo a

flexibilidade nas regras da vida e nos hábitos.” (2007, p. 76).

Esta definição sobre o desenvolvimento da criatividade também é

encontrada nos focos dos estudos de Winnicott. Ele diz que há tênue distância

entre a liberdade e a clausura e o circular por estes dois extremos possibilita o

pensar e o agir inovador. Enquanto se está “fechado” se tem a sensação da

segurança e o desafio por encontrar alternativas para “libertar-se” de um lugar

repleto de regras e “nãos”. Uma busca constante pelas alternativas da vida

alimenta o potencial criativo do homem, conforme ele nos dá a ver:

“As crianças veem na segurança uma espécie de desafio, que as

convida a provar que podem ser livres. A ideia de que a segurança é

uma coisa boa identificar-se-ia, no limite, com a noção de que a prisão

é um bom lugar para crescer. Isso seria absurdo. É claro que o espírito

pode ser livre em qualquer lugar, mesmo numa prisão. [...] A liberdade

é algo fundamental, que descobre nas pessoas o que elas têm de

melhor. Não obstante, convém admitir que alguns indivíduos não

podem viver em liberdade, por temerem a si mesmo e ao mundo.”

(1986, p. 43)

Nesta ótica encontra-se a estrutura familiar, não necessariamente nos

moldes tradicionais da humanidade, mas com bases que possibilitam à criança

um mínimo de estrutura. Lares em que existam papeis, regras e concessões

38

bem definidas e que a criança sinta-se desafiada a ultrapassar os desafios e

seja capaz de manter regras, nisso concorda também Lubart:

“Podemos avançar na hipótese de que as condições mais favoráveis

ao desenvolvimento cognitivo (ambiente flexível estruturado) deveriam,

portanto, ser os mais favoráveis ao desenvolvimento da criatividade.”

(2007, pág. 76)

O meio familiar é, dessa maneira, responsável pela estrutura que irá

sustentar o sujeito e seu desejo por respostas e alternativas aos problemas

com os quais se depara.

Pensemos na possibilidade de exemplificar estabelecendo um

comparativo entre a constituição psíquica e a estrutura de uma casa, o id, o

ego e o superego, cada um em um andar desta “casa – sujeito”. Talvez seja

possível comparar a estrutura criativa, os três grandes grupos sociais aos quais

estão propostas as reflexões deste estudo, à casa. A família como o alicerce, a

base sólida para que o restante do desenvolvimento da criatividade possa

seguir sua estruturação. A escola como o espaço amplo, dinâmico e muitas

vezes limitado, onde seria possível exercer a criatividade. E o trabalho, como o

telhado dessa casa, e nele, apresentam-se inúmeras outras circunstancias

para que a criatividade possa vir a ser expressa.

Assim como tudo no social, a “casa” também segue tendências, ou

“estilos” de construção. Os modelos de educação escolar foram transformando-

se ao longo das décadas e adaptando-se ao contexto histórico em que se vive

em cada momento. Também as questões do trabalho tomam características

diretamente relacionadas ao modelo político-sócio-cultural de uma determinada

época.

Nesta perspectiva de busca por comparar o desenvolvimento da

criatividade à estrutura de uma casa ou ao espaço mais amplo, onde há a

maior circulação de pessoas, em que acontecem as maiores possibilidades de

interação e em consequência aparecem os maiores desafios ao sujeito estão

na escola. Esta que foi mudando ao longo do tempo, desde a Tradicional,

passando pela Tecnicista, a Novista, entre outras. Cada uma, com suas

concepções de sujeito, de professor e de conhecimento.

39

Lubart, ao citar Baumrind (1991), afirma justamente esta questão das

diferentes concepções de escola no que tange às possíveis relações com a

criatividade. Cada uma delas, com maiores ou menores possibilidades de

proporcionar o desenvolvimento da criatividade pelo aluno. A escola prepara a

criança para o mundo do trabalho, e é por este motivo que se transforma ao

longo do tempo, na medida em que também o trabalho e as demandas sociais

vão se alterando. E, desse modo o autor citado:

Descreveu os estilos educativos levando em consideração duas

dimensões: uma, que se reporta ao caráter mais ou menos autoritário

decorrente da atitude direta dos pais (seu nível de exigência e

utilização de punições) e outra referente ao traço de valorização da

criança (aceitação de sua opinião, de sua individualidade e de sua

autonomia). (p. 78)

Podemos pensar a partir desses estudos, que há características da

escola que dificultam o desenvolvimento da criatividade e outras concepções

que ampliam o potencial criativo. Comecemos refletindo sobre esses modelos e

papeis identificados nas escolas. Temos então o que:

“Vários estudos empíricos tem mostrado que os professores podem ter

uma concepção particular do aluno ideal, valorizando a obediência e o

conformismo, em detrimento de traços como a curiosidade ou a

independência. [...] Além disso, as escolas tradicionais têm tendência à

valorização uma situação escolar gerada por regras relativamente fixas

(para manter a ordem). [...] Essa atitude visando a evitar os riscos [...]

vai contra os traços implicados na criatividade.” (Lubart, 2007, p. 79)

Sob esta perspectiva, o professor que está inteiramente preocupado

com o conhecimento, com a transmissão de informações, acaba por

reconhecer aquele aluno que decora, apresenta um comportamento tranquilo,

pouco questionador e submisso. Essas características são contrárias ao

desenvolvimento da criatividade, mas que se parecem apresentar como

necessárias em muitos postos de trabalho, o que garante a continuidade desse

processo de formação. Afinal, a educação funciona conforme o modelo

produtivo vigente. Segundo Lubart (2007), o aluno ideal para este modelo de

educação é:

“honesto, espirituoso, respeitoso, participativo no meio familiar, seguro

e bom camarada, [...] aplicação, sinceridade, obediência, cortesia,

40

consideração, confiança e saúde, [...] tranquilidade, atitudes

conformistas em detrimento da provocação intelectual.” (p. 80)

No entanto, hoje há uma demanda cada vez maior de profissionais

criativos. Estes, em geral, não serão funcionários, pois a submissão não é uma

característica que lhes convém. Mesmo que alguns a adotem por questões,

geralmente econômicas; os estudos apontam uma série de características

necessárias ao professor que deseja favorecer o desenvolvimento da

criatividade em seus alunos, Lubart aponta as características relacionadas por

Copley (1997) acerca desses professores:

“encorajavam a aprendizagem independente, desenvolviam um ensino

em cooperação, motivavam os estudantes a aprender os fatos a fim de

adquirir as bases sólidas para o pensamento divergente, encorajavam

o pensamento flexível, evitavam julgar as ideias dos estudantes antes

que elas não tivessem sido consideradas, favoreciam a auto-avaliação

das ideias, ouviam seriamente as questões e sugestões dos

estudantes, ofereciam as oportunidades de trabalho com uma grande

diversidade de material e de condições variadas, ajudavam os

estudantes a ultrapassar frustrações e o malogro de modo que

tivessem a coragem de prosseguir em direção a novas ideias.” (p. 80)

Para garantir o desenvolvimento de sujeitos criativos, quem sabe

necessitemos de professores facilitadores; que visem a contradição e a

sabedoria, o conhecer em detrimento do reconhecer, o aprendizado através

das vivencias e a construção de um conhecimento científico a partir do

interesse e do potencial inventivo das crianças. Isso não é visto de forma

simples. É algo minimamente desafiador. Demanda que, os próprios

professores tenham um alto nível de criatividade, além da total confiança em

seu trabalho. Professores capazes de aceitar os questionamentos e até os

enfrentamentos que possam vir a surgir dos alunos, independente de sua idade

e nível de escolaridade.

A educação para criatividade requer muito estudo e dedicação, afinal a

construção do conhecimento, e o desenvolvimento dessas habilidades

demandam exploração, imaginação, manuseio, e até uma “bagunça”. Requer

que se explorem as capacidades intelectuais, lógicas, afetivas e imaginárias da

criança. E é nesta perspectiva que nos deparamos com algo que, no dizer de

41

Vygotsky, citado por Zanluchi (2004), é fundamental para garantir o exercício

da criatividade: a imaginação;

a ação da esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação das

invenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e

motivações volitivas – tudo aparece no brinquedo, que se constitui,

assim, no mais alto nível de desenvolvimento pré escolar. A criança

desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo. (p.

9)

A escola acaba por perder seu caráter lúdico, justamente pela exigência

do trabalho. Este tema é muito bem abordado por Zanluchi que explora a

questão da criatividade no trabalho, como é possível ler no que segue:

“juntamente com o desenvolvimento do capital e do mundo de trabalho

que o caracteriza, a escola foi se afastando do universo lúdico. A

educação das crianças, em geral, não inclui aquela que deve ser a

principal atividade da infância, o lúdico e, quando inclui o faz de

maneira deturpada. Perdeu-se o entendimento de que essa é uma

forma privilegiada pela qual as crianças se relacionam e aprendem

sobre o mundo a sua volta. Na escola atual dispõe-se de muito pouco

tempo, espaço, materiais, enfim condições para que as crianças

possam se manifestar e desenvolver a capacidade criativa nos termos

postulados por Vygotsky (2000), ou seja, no sentido de ser capaz de

pensar o diferente, transcender o imediatamente perceptível.” (2004,

p.12)

Mesmo que a escola se apresente em muitos momentos quase que

como um “freio considerável à criatividade” como afirma Lubart, ainda é um dos

espaços em que seu desenvolvimento acontece de forma extremamente

significativa. É nela, que a criança aprende a conviver com um social não tão

protetor quanto o familiar e que pode ser ao mesmo tempo desafiador e

frustrante à criança. Esses são também, elementos constitutivos do potencial

criativo, pelo simples fato de exigir que se construam alternativas para lidar

com a frustração e com os problemas do mundo. Vejamos então:

“Além do meio familiar, o ambiente escolar tem um papel crucial no

desenvolvimento da criatividade. [...] A escola favorece,

frequentemente, o pensamento convergentes para pesquisa de uma

resposta “correta” aos problemas colocados pelo professor. Às vezes,

entretanto, o pensamento divergente é encorajado e deixamos que as

crianças se confrontem com seus problemas mal resolvidos. [...] certos

programas favorecem a dinâmica, a natureza contextual do

conhecimento, diferentes maneiras de utilizar o conhecimento e a

construção das relações entre as diferentes matérias.” (2007, p. 80)

42

O autor reforça a ideia de que “para se tornar criativa, a criança deve

aprender a superar as dificuldades e ser independente”, mas como a criança

aprenderá a superar as dificuldades se não se deparar com elas? A sociedade

como um todo está preocupada em diminuir, a todo custo, o sofrimento

humano, principalmente nas crianças. Então, como exigir que os sujeitos sejam

criativos, se eles não sofrem, e por consequência não encontram mecanismos

de driblar ou superar o sofrimento? Enquanto se pensar em “dar tudo pronto”,

em “presentear”, “clarear”, “responder” a todas suas demandas (das crianças e

também dos adultos), como poderão buscar alternativas e exercer efetivamente

a sua criatividade? Procuramos uma resposta e o autor que citamos a seguir,

assim a expressa:

“Todo esse processo pode ser observado no trabalho de artistas

criativos de várias modalidades. Os artistas proporcionam algo de

particularmente valioso, pois estão constantemente engajados na

criação de novas formas, que são rompidas para serem por sua vez

substituídas por formas mais novas. Os artistas nos permitem

permanecer vivos quando as experiências da vida ameaçam destruir

nosso sentido de uma existência real e viva. Os artistas, melhor do que

ninguém, lembram-nos de que a batalha travada entre nossos impulsos

e nosso sentido de segurança (ambos vitais para nós) é uma batalha

eterna, que se desenrola em nosso interior por toda a extensão de

nossa vida.” (WINNICOTT, 1986, p. 48)

Esses estudos apontam a importância de possibilitarmos ao sujeito

desafios que estimulem a criatividade. Criar barreiras, propor desafios,

oferecendo-lhes estrutura para que possam buscar as respostas e elaborar

novas possibilidades de reinventar, de recriar, o social e tudo que este

demanda.

Esta criança/aluno se tornará um adulto e circulará entre os espaços de

trabalho exercendo ou não um papel criativo no meio. Muitos não encontram

espaço nos locais de trabalho para explorar sua criatividade, mas o fazem em

momentos de lazer, nas atividades familiares, com os amigos, etc. Outros,

mesmo em espaços que não possibilitam esta exposição, acabam por exercitar

a criatividade inúmeras vezes, encontrando formas de facilitar seu trabalho,

minimizar os sofrimentos gerados pelo ambiente e estabelecendo relações

mais sólidas nos espaços em que convive.

43

“uma contribuição criativa é possível qualquer que seja o contexto

profissional. Entretanto, a probabilidade de inovar no trabalho será

facilitada se houver uma estrutura que permita e mesmo encoraje a

criatividade de cada um de seus membros, em particular, os

implicados no cotidiano dentro das tarefas especializadas.” (LUBART,

2007, pág. 83)

44

4. CONCLUSÃO

Quando pensamos na real possibilidade de explorarmos nossa

criatividade nos deparamos com algo fundamental, o quanto estamos

preparados para expressar aquilo que pensamos? Talvez esta seja a grande

questão que norteia todo o processo criativo. Para criar não é necessário

muito, mas para mostrar ao mundo uma criação é necessário algo grandioso,

coragem. Esta coragem é característica de alguns tipos de pessoa em

especial, aquelas capazes de anular a opinião alheia, de suportar as críticas e

absorver os méritos.

Todos os grandes inventores, cientistas e artistas, foram em algum

momento tachados de “loucos”. Loucos, pois ousavam sonhar e falar aquilo

que acreditavam ser possível. Loucos porque exploravam ao máximo suas

ideias e as mostravam ao mundo, muitas vezes de forma inusitada. Loucos ao

arriscar, em muitos momentos, a própria vida em prol de uma nova

possibilidade de vivê-la. Talvez este seja o grande motivo pelo qual o tema

criatividade tenha sido escolhido para este estudo. Muitas vezes as pessoas

criativas anulam a própria existência em detrimento a sua criação.

Pensemos nos objetivos traçados por esta pesquisa. A criatividade é

uma temática altamente valorizada no mundo contemporâneo. Acredita-se que

é impossível criar algo novo. Acredita-se que tudo já foi inventado. Mas um

milésimo de segundo após este pensamento vir à mente descobre-se uma

nova tecnologia, uma nova molécula, um animal que ninguém sabia que

existia, uma nova forma de construir um arranjo musical ou uma técnica

diferente de pintar uma tela. Descobre-se um novo jeito de cozinhar, um

modelo de roupa diferente, uma prótese para algum tipo de deficiência.

Poderíamos citar inúmeras criações humanas a todo minuto e mesmo assim

haveria mais e mais formas de expressão da criatividade.

Mas como alguém chega a esse momento criativo? Talvez não

saibamos exatamente como, mas sabe-se o porquê. A necessidade de romper

45

barreiras, buscar alternativas e criar formas de melhorar o modo de como

vivemos. Isso, hoje, de uma forma tão acelerada, que chega a ser

incompreensível. Não conseguimos assimilar o tamanho das criações do

homem.

Ao longo da pesquisa foi possível identificar o que e como se constitui a

criatividade. Além de pensarmos como somos capazes de desenvolvê-la. Isso

mesmo, desenvolver a criatividade é possível, desde a primeira infância,

passando pela vida adulta e chegando a velhice. Foi possível descobrir que

exercitamos a nossa criatividade a todo instante, ao resolver todo tipo de

“problema” ou “imprevisto” que acontece em nossas vidas. A diferença

existente entre a mãe que monta um novo cardápio para o almoço de seus

filhos e do cientista que descobre uma forma de combater um vírus não são

muito diferentes. Eles utilizam de um mesmo recurso, a sua capacidade de

pensar algo novo, de exercer a sua criatividade.

Afinal, a criatividade é, psicologicamente, uma característica inata, que

vai poder ser mais ou menos explorada de acordo com as condições sociais de

um indivíduo. Vai depender de como este se constituiu enquanto sujeito e o

quanto recebeu investimento para sentir-se seguro ao expressar suas ideias.

De certa forma o quanto exercer, de maior ou menor forma, a sua autonomia, a

sua capacidade de auto gerenciar seus pensamentos e sensações e expressá-

los de forma espontânea.

Ao longo da pesquisa nos questionamos muitas vezes sobre o poder ou

não que temos em desenvolver a criatividade de alguém, sendo de nós

mesmos ou de outrem. A educação é, evidentemente, o caminho para todo e

qualquer desenvolvimento. Mas o tipo de educação que recebemos e

oferecemos nos dias de hoje é efetiva quando o assunto é criatividade?

Se colocarmo-nos a pensar sobre a educação informal. Aquela que

disponibilizamos a todos com os quais convivemos. Somos capazes de

argumentar, discutir, contestar? Quando o fazemos, temos a habilidade e a

tolerância de nos colocarmos no lugar de quem não sabe e precisa buscar

46

alternativas, pesquisar, criar formas de resolver esses conflitos de ideias? O

que nos motiva?

"Há um tipo de inteligência criadora. Ela inventa o novo e

introduz no mundo algo que não existia. Quem inventa não

pode ter medo de errar, pois vai se meter em terras

desconhecidas, ainda não mapeadas. Há um rompimento com

velhas rotinas, o abandono de maneiras de fazer e pensar que

a tradição cristaliza. Pense, por exemplo, no milagre do iglu.

Como terá acontecido?... A gente encontra o mesmo tipo de

inteligência no artista que faz uma obra de arte, no cientista

que visualiza na imaginação uma nova teoria científica, no

político-sonhador que pensa mundos utópicos... (Rubem Alves)

Sabemos como criar estes espaços de exercício da criatividade, mas

nos autorizamos a isso? A educação formal é outro espaço social fundamental

para esta criatividade. Mas hoje encontra-se tão fadada ao formalismo, aos

conhecimentos específicos que precisam ser transmitidos na íntegra à crianças

e adolescentes que acabam por barrar seu processo criativo.

Outro aspecto importante a ser destacado é a importância dos limites.

Limites necessários para que haja a expectativa de ultrapassá-los. Limites que

ao mesmo tempo sejam reguladores e estabeleçam uma sensação de

segurança. Que estabeleçam espaços onde o sujeito sinta-se tão protegido que

seja capaz de imaginar, divagar, pensar, sem nenhum tipo de preocupações.

Ao mesmo tempo, limites que possibilitem ao sujeito imaginar como seria sem

esses limites e criar possibilidades de ver as coisas a partir de outros lugares e

posicionamentos.

Não estamos falando aqui de rigidez e/ou inflexibilidade. Muito pelo

contrário. Estamos falando de regras de organização, de bordas que permeiem

o processo de formação, a ponto de criar condições para que o sujeito sinta-se

seguro e motivado a expor suas ideias, posicionar-se e assim tornar público o

seu universo criativo.

Enquanto profissionais que atuam junto a todo tipo de educadores,

sejam eles pais, professores, familiares, entre outros. Talvez se faça

necessária à reflexão a cerca da posição, do lugar da atuação dessas pessoas

em busca da formação de sujeitos capazes de exercer sua autonomia e expor

47

suas ideias. O professor, por exemplo, pode ser levado a colocar-se neste

lugar, ativo ou passivo na construção de um saber inovador, ou permanecer na

comodidade de uma posição meramente tecnicista. Perceber que a constante

avaliação de sua prática, de suas limitações, e a permanente busca por novos

conhecimentos, é fundamental para que jamais percamos esta habilidade de

inovar, de criar.

Ao longo da pesquisa nos deparamos com a seguinte afirmativa “para se

tornar criativa, a criança deve aprender a superar as dificuldades e ser

independente”, seguida de um grande questionamento “como a criança

aprenderá a superar as dificuldades se não se deparar com elas?”. Vivemos na

era do comodismo, onde tudo se ganha e quase nada se conquista, e mediante

a toda e qualquer dificuldade se adoece. Este adoecer, considera-se aqui a já

chamada doença do século “depressão”, está diretamente ligada à

incapacidade de encontrar alternativas para as dificuldades da vida. E não é

que não sejamos capazes de encontrar essas alternativas, mas não nos

autorizamos a aceitar essas alternativas.

Muito melhor que pensar, formular, criar, é ficar parado esperando que

alguém o faça. Para aqueles que fazem o social muitas vezes retribui com

rótulos, críticas e julgamentos. Àqueles que não fazem a retribuição é o

assistencialismo, o “vamos ajudar”.

Este trabalho buscou mostrar que, todos somos capazes de exercitar, e

mais que isso, ampliar a nossa capacidade de criar formas de superar as

barreiras da vida. Encontrar mecanismos, eminentemente criativos, de

melhorá-la.

Ao “o que fazer” e “por que fazer” talvez tenhamos encontrado algumas

respostas. Afinal, há possibilidades de desenvolvermos a criatividade. Mas

como fazer ainda é algo incerto, que possivelmente demande ainda mais

pesquisas, estudos, reflexões e porque não, criações.

48

5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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