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ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA: METODOLOGIA DE ENSINO PARA AS ESCOLAS DO CAMPO Iranete Maria da Silva Lima CAA/UFPE [email protected] Resumo Neste artigo abordamos uma etapa da pesquisa que estudou a atividade do(a) professor(a) de matemática no quadro do Programa ProJovem Campo Saberes da Terra em Pernambuco, focando, em particular, a Alternância Pedagógica como metodologia de ensino. Esta etapa foi desenvolvida com oitenta professores(as) que ensinavam matemática do programa e responderam um questionário semiestruturado. Embora sem detalhar como a alternância se materializava na prática pedagógica, a maioria dos(as) professores(as) afirmou que a adotava no ensino dos jovens e adultos do campo, dando indicativos do trabalho realizado. Com a apresentação dos resultados desta etapa da pesquisa objetivamos fazer uma aproximação do contexto investigado com o ensino nas escolas multisseriadas camponesas. Conjecturamos que a possibilidade de integrar as áreas de conhecimento estudadas nos anos iniciais do ensino fundamental se constitui em um elemento facilitador da atividade do professor que atua em escolas multisseriadas. Palavras-chave: Ensino de Matemática; Alternância Pedagógica; Escolas Multisseriadas. Introdução A escola multisseriada é, aos olhos de muitos, algo a ser superado ou extirpado da educação brasileira, símbolo de atraso e de má qualidade de ensino. A visão desfocada do papel desta escola no cenário educacional ofusca suas características de inclusão social e de formação humana a partir do lugar de pertencimento das pessoas. Ressalta-se, neste contexto, que a maioria das escolas multisseriadas está localizada na zona rural (BRASIL, 2011) onde o investimento em educação é, na maioria dos casos, mais precário que na zona urbana. A busca pela compreensão das potencialidades e desafios da multisseriação provoca o debate e motiva o desenvolvimento de pesquisas científicas por pesquisadores na área de educação. O livro “A Escola de direito: Reinventando a escola multisseriada” organizado por Antunes-Rocha e Hage (2010) reúne importantes contribuições para a compreensão deste fenômeno. Já no prefácio Arroyo (2010) sintetiza, em algumas linhas, a relevância da escola multisseriada: A pepita de ouro que puxa nossos olhos nestes textos é a escola multisseriada. Entre tantos significados destas narrativas, merece destaque mostrar que as Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 04027

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ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA: METODOLOGIA DE ENSINO PARA AS ESCOLAS

DO CAMPO

Iranete Maria da Silva Lima – CAA/UFPE

[email protected]

Resumo Neste artigo abordamos uma etapa da pesquisa que estudou a atividade do(a) professor(a) de

matemática no quadro do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra – em Pernambuco,

focando, em particular, a Alternância Pedagógica como metodologia de ensino. Esta etapa foi

desenvolvida com oitenta professores(as) que ensinavam matemática do programa e responderam

um questionário semiestruturado. Embora sem detalhar como a alternância se materializava na

prática pedagógica, a maioria dos(as) professores(as) afirmou que a adotava no ensino dos jovens

e adultos do campo, dando indicativos do trabalho realizado. Com a apresentação dos resultados

desta etapa da pesquisa objetivamos fazer uma aproximação do contexto investigado com o ensino

nas escolas multisseriadas camponesas. Conjecturamos que a possibilidade de integrar as áreas de

conhecimento estudadas nos anos iniciais do ensino fundamental se constitui em um elemento

facilitador da atividade do professor que atua em escolas multisseriadas.

Palavras-chave: Ensino de Matemática; Alternância Pedagógica; Escolas Multisseriadas.

Introdução

A escola multisseriada é, aos olhos de muitos, algo a ser superado ou extirpado da educação

brasileira, símbolo de atraso e de má qualidade de ensino. A visão desfocada do papel desta escola

no cenário educacional ofusca suas características de inclusão social e de formação humana a partir

do lugar de pertencimento das pessoas. Ressalta-se, neste contexto, que a maioria das escolas

multisseriadas está localizada na zona rural (BRASIL, 2011) onde o investimento em educação é,

na maioria dos casos, mais precário que na zona urbana.

A busca pela compreensão das potencialidades e desafios da multisseriação provoca o

debate e motiva o desenvolvimento de pesquisas científicas por pesquisadores na área de educação.

O livro “A Escola de direito: Reinventando a escola multisseriada” organizado por Antunes-Rocha

e Hage (2010) reúne importantes contribuições para a compreensão deste fenômeno. Já no prefácio

Arroyo (2010) sintetiza, em algumas linhas, a relevância da escola multisseriada:

A pepita de ouro que puxa nossos olhos nestes textos é a escola multisseriada.

Entre tantos significados destas narrativas, merece destaque mostrar que as

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

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escolas multisseriadas estão sendo levadas a sério, sendo reinventadas e não mais

ignoradas nem desprezadas como escolas do passado. (ARROYO, 2010, p.10).

Concordamos com o autor, reconhecendo a necessidade de analisar, por diversos ângulos,

as implicações que a (re)invenção da multisseriação representa na organização tradicional da

escola. Uma das questões centrais diz respeito às metodologias de ensino adotadas ou suscetíveis

de serem adotadas por professores que atuam nas escolas multisseriadas do campo.

As metodologias de ensino vivenciadas, em geral, nas escolas regulares levam em conta a

máxima de que a educação é um direito universal de todos e, como tal, o ensino deve ser único,

independentemente do lugar geográfico ou sociocultural que a escola ocupa. Documentos oficiais,

a exemplo dos parâmetros curriculares nacionais (BRASIL 1997, 1998) orientam o professor que

atua na educação básica a considerar as práticas sociais dos alunos no ensino. No entanto, a

mudança na prática ainda é incipiente.

O ensino nas escolas do campo, definidas na perspectiva da Educação do Campo, coloca

em evidencia a fragilidade do modelo universal vigente. Quando focamos a multisseriação, este

modelo se apresenta ainda mais ineficiente. De fato, o trabalho simultâneo com os diferentes níveis

de escolarização e a polivalência das áreas de conhecimento requer do professor um protagonismo

diferente daquele que ele exerce na seriação. Além do domínio dos conteúdos inerentes à cada área

de conhecimento é imperativo que o professor conheça as características do campesinato expressas

pelas atividades produtivas e pela cultura do lugar que a escola ocupa na sociedade.

Deve-se considerar nessa discussão que a maioria dos cursos de formação inicial para

professores não contempla essas especificidades, dificuldade que vem sendo gradativamente

superada, guardadas as devidas proporções, pelo desenvolvimento de ações de formações

continuadas. Assim, cabe quase que exclusivamente ao(a) professor(a) construir suas próprias

metodologias. Graças ao seu compromisso profissional e aos saberes que constroem na experiência,

avançamos na compreensão do fenômeno do ensino na multisseriação. Os resultados da pesquisa

desenvolvida por Moura e Santos (2012), que buscou compreender a prática pedagógica de

professores em classes multisseriadas, é um bom exemplo disto. Os autores declaram:

Entretanto, mesmo neste contexto desfavorável onde pesam as políticas de

controle, racionalização e regulação do trabalho docente, os professores, que

atuam em classes multisseriadas, conseguem empreender estratégias didáticas

oriundas das experiências, das histórias de vida e dos saberes tácitos construídos

no contexto da multissérie, revestidas de uma perspectiva contra-hegemônica na

medida em que desafiam e potencializam um fazer pedagógico que “burla” as

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orientações das políticas oficiais e do planejamento pedagógico hegemônico

definidos pelos programas oficiais e pelos técnicos das Secretárias de Educação

[...] colocando assim o professor como autor e sujeito de sua prática. (MOURA;

SANTOS, 2012, p.69).

Experiências como esta indicam que mesmo sob égide da seriação – que preconiza o saber

hegemônico, universal e compartimentalizado – os(as) professores(as) de escolas multisseriadas

encontram meios para confrontar a organização dos sistemas de ensino e criam estratégias que

respondam à necessidade de seus alunos e de suas classes.

Certamente, são vários os caminhos metodológicos possíveis. Dentre eles, vislumbramos a

Alternância Pedagógica como alternativa de superação do modelo de seriação que é

cotidianamente imposto aos(as) professores(as) de escolas multisseriadas. Para enriquecer esta

discussão, apresentamos neste artigo um recorte do projeto de pesquisa intitulado A formação de

Jovens do Campo: conhecimentos que influenciam a atividade do professor de matemática no

contexto do ProJovem Campoi que objetivou investigar a atividade de professores(as), em

particular de Matemática, que atuavam no Programaii. Neste quadro, buscamos investigar qual a

compreensão do professor sobre a referida metodologia e como ela estava sendo vivenciada na

prática pedagógica.

Embora considerando que o programa em pauta foi destinado ao ensino de pessoas jovens

e adultas do campo, que cursavam os anos finais do ensino fundamental, entendemos que os

resultados obtidos nesta pesquisa podem ser associados à multisseriação, por, ao menos, dois

aspectos: (1) o dialogia entre os saberes escolares sistematizados e os saberes da realidade; (2) o

campesinato.

Retomamos a reflexão trazida por Batista e Costa (2010) sobre as práticas de Educação do

Campo em uma escola de assentamento rural, vivenciadas por meio de temas geradores:

Essa educação dialógica originada da educação popular e incorporada pela

Educação do Campo, defendida pelos movimentos sociais, tem sua inspiração em

Paulo Freire, educador que defende o diálogo como instrumento pedagógico

fundante de uma educação que tem como finalidade a formação integral humana,

visando à liberdade e à autonomia em sua intencionalidade (Ibid. p.256).

Pautando-nos nesta perspectiva, buscamos compreender como se estabeleceu a dialogia no

ensino de matemática, pelo viés da implementação da Alternância Pedagógica enquanto

metodologia de ensino.

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A Alternância Pedagógica

No desenvolvimento da pesquisa buscamos compreender a atividade do professor no

momento em que ele era confrontado com a proposta metodológica de ensino que exige uma nova

organização curricular e do tempo escolar.

Para melhor compreender tal metodologia, trazemos, de forma sintética, elementos

históricos da Pedagogia da Alternância que tem sua origem na França (GIMONET, 2007; FARIA,

2006; DEGASPERI, 2006). Em 1935 um adolescente agricultor que habitava em um vilarejo da

França demonstrava desinteresse pela escola por considerar que ela não ensinava o que ele

precisava aprender. Diante disto, seus pais buscaram uma maneira de o filho continuar os estudos

e expuseram a preocupação para um o vigário do povoado, chegando-se a seguinte solução:

Criar uma escola que não mantenha os adolescentes presos entre quatro paredes,

mas que lhes permitam aprender através dos ensinamentos da escola, com certeza,

mas também através daqueles da vida quotidiana, graças a uma alternância de

períodos entre o ambiente familiar e o centro escolar. Tratava-se então de criar

uma escola da terra, pelas pessoas da terra e para as pessoas da terra (GIMONET,

2007, p.22).

Com efeito, a Alternância Pedagógica se caracteriza por dois elementos primordiais: (1) A

organização do tempo escolar, que alterna momentos na escola e momentos de formação na

família; (2) O uso de ferramentas pedagógicas que são próprias deste contexto. Uma destas

ferramentas é a integração de saberes que na sua essência pressupõe o diálogo entre os saberes

escolares e os saberes da realidade dos alunos(as) e da comunidade.

Pensando o currículo escolar na perspectiva da alternância, Fonseca e Medeiros (2006)

afirmam que,

O currículo é pensado como um instrumento de luta, uma forma de contrapor-se

à fragmentação do trabalho pedagógico e sua rotina, à dependência e aos seus

efeitos negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos administrativos,

levando-se em consideração os princípios democráticos, participativos, amplos,

motivadores, criativos e eficientes (Ibid., p. 111).

O movimento Por uma Educação do Campo insere-se adéqua-se a esta metodologia que

pressupõe um ensino escolar intrinsicamente articulado às questões do cotidiano e à práxis

educativa como elementos fundamentais da relação teoria<>prática.

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Assim, a pesquisa ancorou-se nos trabalhos de Freire (1996), Molina (2002), Caldart (2008)

e Munarim (2011). Como amplamente difundido nas últimas duas décadas, a Educação do Campo

tem sua origem na luta e nas reivindicações dos Movimentos Sociais do campo, tendo como um de

seus principais pilares a Educação Popular. Ela visa o acesso dos povos do campo à educação,

porém, vai muito mais além, na medida em que reivindica, por direito, o reconhecimento da

história, dos saberes e da cultura do camponês e da camponesa. Destaca-se nesta reflexão o

protagonismo do campo como lugar de produção e de pertencimento do camponês e da camponesa.

A educação do e no campo está estreitamente articulada com a luta pelo direito à terra e o

reconhecimento da cultura camponesa.

Como já anunciamos, realizamos a investigação a partir do olhar de professores que

ensinavam matemática no Programa ProJovem Campo. Este interesse se justifica pelo fato da

pesquisa neste domínio ser, reconhecidamente, prioritária, sobretudo para compreender as

dificuldades que muitos alunos apresentam no processo de aprendizagem de conceitos

matemáticos, culminando com baixos índices de desempenho nas avaliações em rede. Para

fundamentar esta parte do estudo apoiamo-nos na perspectiva crítica da Educação Matemática

defendida por Skovsmose (2008). Conforme afirmam Lima e Lima (2013), a Educação

Matemática Crítica se contrapõe a lógica perversa do ensino, apontando a problematização e a

criticidade como fatores de transformação e inclusão de diferentes grupos sociais.

Elementos do Itinerário Metodológico

Tivemos acesso ao(à) professor(a) do Programa ProJovem Campo durante a realização das

etapas do Curso de Aperfeiçoamento em Educação do Campo, oferecido pela Universidade Federal

de Pernambuco – UFPE – no período de 2009 a 2011.

Vivenciado em Alternância Pedagógica, o curso foi organizado em tempos formativos –

seis Tempos Universidade de quarenta horas cada um deles e cinco Tempos Comunidade de vinte

e quatro horas, perfazendo uma carga horária total de trezentas e sessenta horas. O primeiro Tempo

Universidade se caracterizou na acolhida dos cursistas, no qual a proposta metodológica do curso

foi apresentada. Os demais foram dedicados aos cinco eixos temáticos – Agricultura Familiar:

identidade, cultura, gênero e etnia; Sistemas de Produção e Processos de Trabalho no Campo;

Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas; Economia Solidária e Desenvolvimento

Sustentável e Solidário com Enfoque Territorial – organizados em torno do tema gerador

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Agricultura Familiar e Sustentabilidade. Nos Tempos Comunidade os(as) professores(as)

partilhavam suas aprendizagens e experiências com os(as) alunos(as). Conforme as orientações

contidas no projeto base do programa, as diversas áreas do conhecimento deviam dialogar com os

eixos temáticos, a partir do planejamento construído coletivamente pelos professores das áreas do

conhecimento.

Realizamos a coleta de dados da etapa da pesquisa que aqui apresentamos no quarto Tempo

Universidade quando os cursistas vivenciavam o tema Cidadania, Organização Social e Políticas

Públicas. Fizemos esta escolha por entender que naquele momento da formação os(as)

professores(as) estariam mais familiarizados(as) com a proposta metodológica do programa, além

de já estarem atuando nas escolas do campo. A investigação foi realizada com oitenta

professores(as) que responderam um questionário semiestruturado, versando sobre a Alternância

Pedagógica. Para a análise das questões abertas construímos categorias temáticas (BARDIN, 1997)

a partir das repostas dos(as) professores(as). Na seção a seguir apresentamos os principais

resultados obtidos nesta etapa da pesquisa.

Alguns Resultados da Pesquisa

Perguntamos a(o) professor(a): Você tem adotado a Metodologia da Alternância, proposta

pelo Programa, na sua prática docente? Sessenta e três professores responderam que adotavam a

metodologia desde o início da formação continuada; quatro responderam que até aquele momento

ainda não utilizavam a metodologia; três afirmaram que a adoção da metodologia era recentemente;

um afirmou que só a adotava quando sentia necessidade, porém sem dar maiores explicações; outro

professor respondeu que trabalhava em alternância, embora considerasse que faltava algo. Por fim,

oito professores(as) não responderam esta pergunta (Cf. Tabela 1, em anexo).

Visando melhor compreender o trabalho realizado pelos(as) professores(as) perguntamos:

De que maneira você tem materializado essa metodologia na sua prática? Eles(as) foram

orientados a ressaltarem em suas respostas a maneira que melhor caracterizasse a alternância.

Como apresentamos na Tabela 2 (Cf. Anexo) as categorias temáticas que emergiram das respostas

de cada professor foram as seguintes: Por meio da vivência das atividades propostas (26

professores); Considerando a realidade local e a realidade dos educados e educandas do Campo

(18 professores); Em sala de aula e no Tempo Acolhida (momento de socialização da metodologia

do Programa com os educandos); Relação entre a teoria e a prática (15 professores); Através de

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planejamento (6 professores) e Dialogando com a comunidade (1 professor). Confirmando as

respostas anteriores, quatro professores confirmaram que ainda não trabalhavam em alternância

pedagógica, embora fosse uma exigência do Programa. Dez professores não responderam a

questão.

Vivenciar a alternância a partir das atividades propostas aos alunos foi o principal meio

apontado pelos(as) professores(as). A segunda categoria de respostas que se destaca contempla a

realidade local dos(as) educandos(as) camponeses(as). Embora tenham sido incentivados a

justificarem suas respostas, raramente isto ocorreu. Por consequência, não tivemos acesso, por

exemplo, ao tipo de atividades matemáticas propostas pelos vinte e seis professores, o que nos

permitiriam identificar em que elas se diferenciavam daquelas trabalhadas no ensino regularmente

organizado. Além disto, nada foi dito sobre a articulação entre a matemática e outras áreas de

conhecimento ensinadas nos anos finais do ensino fundamental. Tendo em vista que a integração

entre as áreas é uma das ênfases do programa, entendemos que este resultado traz indicativos, de

uma parte, das dificuldades enfrentadas pelo(a) professor(a) no cotidiano escolar e, de outra, da

compreensão que eles e elas tinham da Alternância Pedagógica.

Para melhor compreender o trabalho do(a) professor(a) de matemática formulamos uma

questão específica sobre a articulação que eles(as) realizavam entre os conteúdos matemáticos e os

saberes dos jovens e adultos camponeses: Como você tem feito a integração dos saberes

matemáticos com os saberes dos jovens e adultos do campo? A análise das respostas dos

professores fez emergir as seguintes categorias temáticas (Cf. Tabela 3 em anexo): Relacionando

a Matemática com a realidade dos educandos/as (58 professores); Contextualizando com situações

do quotidiano (5 professores); Seguindo a Metodologia do Programa (3 professores); De maneira

simplificada, explicando a importância da Matemática (1 professor) e Por meio de debates,

palestras, dentre outros recursos (1 professor). 12 professores não responderam à pergunta, sendo

esta a questão com a maior quantidade de abstenções.

Como se pode observar, a maioria dos professores respondeu genericamente a pergunta,

não fornecendo uma pista mais concreta de como a matemática estava sendo vivenciada na sala de

aula. Mesmo aqueles que afirmam adotar a metodologia não conseguiram explicitar o trabalho

desenvolvido na escola. Por exemplo, a (re)organização do tempo e do currículo escolar em tempos

que alternassem tempo na escola e tempos de vivência na comunidade não figurou entre as

respostas dos professores, como esperado. Sobressai, no entanto, destes resultados que a maioria

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dos(as) professores(as) demonstrou interesse pela metodologia; interesse este que foi investigado,

mais detalhadamente, em outra etapa do projeto de pesquisa desenvolvida por Alcântara (2012),

na qual foram realizadas entrevistas e analisados alguns relatos de experiências produzidos

pelos(as) professores(as). No entanto, esta parte da pesquisa não será aqui apresentada.

Considerações Finais

Abordamos neste artigo uma etapa do projeto de pesquisa que estudou a atividade do(a)

professor(a) de matemática no quadro do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra – em

Pernambuco. Essa etapa tratou, em particular, do trabalho realizado por oitenta professores(as) do

programa em relação à alternância como metodologia de ensino. Embora sem detalhar como esta

metodologia se materializava na prática pedagógica, nem mesmo quando foram questionados sobre

a integração realizada entre saberes matemáticos e dos alunos camponeses, a maioria dos(as)

professores(as) afirmou que a utilizava, dando importantes indicativos do trabalho realizado na

escola.

Ao apresentar os resultados da primeira etapa da pesquisa objetivamos fazer uma

aproximação do contexto investigado com a realidade das escolas multisseriadas, embora

reconhecendo a diferença entre os níveis escolares contemplados em cada um deles. Conjecturamos

que a possibilidade de integrar as áreas de conhecimento estudadas nos anos iniciais do ensino

fundamental se configura em um elemento facilitador da atividade do professor que atua em escolas

multisseriadas, se comparado com outras organizações escolares.

Entendemos que a possibilidade de alternar períodos no ambiente familiar e na escola

favorece o processo de ensino, propiciando um rico debate entre os conhecimentos escolares

sistematizados e os saberes do campo.

Particularizando para o ensino de matemática Lima e Lima (2013) afirmam:

O ensino dos conteúdos e conceitos inerentes aos Campos dos Números e

Operações, da Geometria, das Grandezas e Medidas, da Estatística e da Álgebra,

e outros estudados na Educação Básica (BRASIL, 1998, 2000; PERNAMBUCO,

2012) deve contribuir para que os educandos utilizem os conhecimentos

construídos na intervenção social. O ensino nessa perspectiva nega o modelo

hegemônico e excludente que está posto e, ao mesmo tempo, constrói o diálogo

entre o universal e o local. (Ibid. p.5).

Ensinar nesta perspectiva exige do professor a construção de outros conhecimentos, além

daqueles que são específicos a cada disciplina. Neste caso, o planejamento escolar deve deixar de

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contemplar apenas as dimensões didático-pedagógicas, como dita o senso comum, para dar conta

das dimensões políticas e socioculturais do lugar e do campesinato.

Ressalta-se, porém, que a incorporação da Alternância Pedagógica na escola não depende

apenas do(a) professor(a) de uma disciplina isolada. Por um lado, ela requer planejamentos e

trabalhos coletivos que demandam o engajamento de todos(as) os professores(as) da escola.

Lacunas na formação inicial e continuada estão, certamente, entre os principais desafios a serem

superados para que o ensino aconteça nesta perspectiva. Por outro lado, a efetivação do trabalho

escolar em alternância pressupõe uma transformação estrutural na organização dos tempos

formativos, em função dos ciclos produtivos de cada lugar, de cada campo. Esta condição é a

expressão legítima do trabalho como princípio educativo, ideia central na/da Educação do Campo,

que envolve as diversas esferas da gestão educacional.

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ANEXOS

Tabela 1. Adoção da Metodologia da Alternância na prática docente

Categorias / Respostas Nº de Professores(as)

sobre 80

Adotam a Alternância Pedagógica 63

Não adotam Alternância Pedagógica 04

Começaram a utilizar a metodologia de alternância no

Eixo temático 3 03

Adotam a metodologia quando há necessidade 01

Adota a metodologia, mas, sente que falta algo 01

Não responderam a questão 08

Fonte: Acervo da pesquisa.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 304037

Page 12: ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA: METODOLOGIA DE ENSINO … ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA... · pelas atividades produtivas e pela cultura do lugar que a escola ocupa na sociedade. ... Economia

Tabela 2. Formas de vivência da Metodologia da Alternância na prática docente

Categorias / Respostas Nº de Professores(as)

sobre 80

Por meio da vivência das atividades propostas 26

Considerando a realidade local e a realidade dos

educados e educandas do Campo 18

Em sala de aula e no Tempo Acolhida (momento de

socialização da metodologia do Programa com os

educandos); relação entre a teoria e a prática.

15

Através de planejamento 06

Dialogando com a comunidade 01

Não está colocando em prática 04

Não responderam 10

Fonte: Acervo da pesquisa.

Tabela 3. Articulação dos saberes matemáticos com os saberes da realidade

Categorias / Respostas Nº de Professores(as)

sobre 80

Relacionando a Matemática com a realidade dos

educandos/as 58

Contextualizando com situações do quotidiano 05

Seguindo a Metodologia do Programa 03

De maneira simplificada, explicando a importância da

Matemática 01

Por meio de debates, palestras, dentre outros recursos 01

Não responderam 12

Fonte: Acervo da pesquisa.

i O Projeto de pesquisa, bem como as bolsas de iniciação científica das estudantes que coletaram os dados apresentados

neste artigo, foram financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. ii O Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra – foi proposto e financiado pela Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação do Brasil (SECADI/MEC). No seu

desenvolvimento, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) contou com a parceria efetiva da Secretaria de

Educação de Pernambuco (SE/PE) e dos Movimentos Sociais do Campo.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 304038