77
UFRRJ INSTITUTO DE AGRONOMIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AGRÍCOLA DISSERTAÇÃO PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA – PROJETO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA PRESPECTIVA DOS PROCESSOS IDENTITÁRIOS DO CAMPO CLÁUDIA VALÉRIA OTRANTO ALVES 2011

Alternância – Projeto de Formação

Embed Size (px)

DESCRIPTION

projeto sobre pedagogia da alternancia

Citation preview

  • UFRRJ INSTITUTO DE AGRONOMIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO AGRCOLA

    DISSERTAO

    PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA PROJETO DE FORMAO PROFISSIONAL NA PRESPECTIVA DOS

    PROCESSOS IDENTITRIOS DO CAMPO

    CLUDIA VALRIA OTRANTO ALVES

    2011

  • UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE AGRONOMIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO AGRCOLA

    PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA PROJETO DE FORMAO PROFISSIONAL NA PERSPECTIVA DOS PROCESSOS

    IDENTITRIOS DO CAMPO

    CLUDIA VALRIA OTRANTO ALVES

    Sob a orientao da Professora Lia Maria Teixeira de Oliveira

    Dissertao submetida como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Cincias, no Programa de Ps-Graduao em Educao Agrcola, rea de Concentrao em Educao Agrcola

    Seropdica, RJ Fevereiro de 2012

  • DEDICATRIA

    Celia Regina Otranto, minha me, melhor amiga, maior incentivadora e

    imprescindvel na realizao de muitos

    projetos da minha vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Celia Regina Otranto, maior orientadora da minha vida, pelo apoio incondicional, colo e incentivo. Sem dvida, minha maior inspirao para a realizao deste projeto

    to importante na minha vida. minha querida av, Maria da Glria que junto com meu av Geraldo tanto se

    dedicou em minha formao com muito amor to importante para esta realizao. Ao Marcio Pereira de Souza, pelo companheirismo, parceria, apoio, ateno, dilogo e presena constante durante toda a necessria alternncia de espaos para a realizao

    da pesquisa. Ao meu irmo Luiz Cludio pelo incentivo durante todo o processo.

    minha orientadora da pesquisa, Lia Maria Teixeira de Oliveira pela contribuio de vasto material de estudo, parceria em eventos e proporcionar momentos de descobertas

    e reflexes.

    Diretora do CAIC, Paulo Dacorso Filho Carmem Oliveira Frade e a toda equipe, que compreenderam, apoiaram e proporcionaram condies de estudo para a

    realizao deste projeto. Aos diretores, professores, funcionrios e alunos do CEFFA CEA Rei Alberto I, por abrirem as portas da instituio, fornecer documentos e principalmente pela acolhida, apoio e proporcionarem muita emoo e descobertas durante a realizao da pesquisa. Ao PPGEA, coordenadores, professores, funcionrios, amigos e colegas de turma por

    todos os momentos de alegria, reflexo e crescimento.

  • RESUMO

    OTRANTO, Cludia Valria Alves, Pedagogia da Alternncia projeto de formao profissional na perspectiva dos processos identitrios do campo. 2011.66f. Dissertao (Mestrado em Educao Agrcola). Instituto de Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropdica, RJ. 2011.

    Essa pesquisa buscou investigar a evoluo histrica da Pedagogia da Alternncia no Brasil, em especial no estado do Rio de Janeiro na especificidade do estudo profissionalizante do ensino mdio/ tcnico em agropecuria. O trabalho de campo foi desenvolvido no Centro de Formao por Alternncia (CEFFA) Colgio Estadual Agrcola (CEA) Rei Alberto I, localizado no municpio de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. A primeira parte da dissertao cita o contexto histrico do surgimento da Pedagogia da Alternncia na Europa e o surgimento dessas primeiras experincias educativas no Brasil. A segunda parte retrata esta proposta pedaggica mais profundamente relacionada s Escolas Famlias Agrcola, sua trajetria no Brasil, funcionamento, organizacidade e participao social. A terceira parte da pesquisa identifica o surgimento dessa proposta no estado do Rio de Janeiro e a criao do CEFFA CEA Rei Alberto I, seus instrumentos didticos pedaggicos, suas contribuies e relaes com a agricultura familiar camponesa local e os sujeitos envolvidos no processo. As percepes descritas nessa pesquisa foram sistematizadas a partir de vivncias e estudo bibliogrfico realizadas no perodo de 2010 e 2011 com alunos, professores, pessoas da comunidade e funcionrios do CEFFA CEA Rei Alberto I na regio especificada. Esse trabalho visa uma maior reflexo do projeto pedaggico da Pedagogia da Alternncia na formao cidad e profissional do jovem campesino do estado do Rio de Janeiro, alm do dialogo dessas relaes com o desenvolvimento local/regional e com as identidades desses sujeitos na realidade do campo.

    Palavras-chave: Pedagogia da Alternncia, Jovem Campesino, Formao Profissional, Identidades.

  • ABSTACT

    OTRANTO, Cludia Valria Alves, Pedagogy of Alternation - vocational training project in view of the field of identity processes. 2011. 66p. Dissertation (Master of Education Fund). Institute of Agriculture, Rural Federal University of Rio de Janeiro, Seropdica, RJ. 2011.

    This research investigates the historical evolution of the Pedagogy of Alternation in Brazil, especially in the state of Rio de Janeiro in the specificity of the study of high school vocational / technical agriculture. The field work was developed at the Centre for Training Switching (CEFFA) King Albert I, located in the city of New Fribourg, in Rio de Janeiro. The first part of the paper cites the historical context of the emergence of the Pedagogy of Alternation in Europe and the emergence of these early educational experiences in Brazil. The second part describes this pedagogical proposal more deeply related to Family Agricultural Schools, his career in Brazil, operation and organization. The third part of the research identifies the emergence of this proposal in the state of Rio de Janeiro and the creation of CEFFA King Albert I, his didactic teaching, his contributions and relations with the peasant family farming and the subjects involved. The perceptions described in this study were systematized from experiences and bibliographical study conducted between 2010 and 2011 with students, teachers, community people and officials CEFFA King Albert I in the specified region. This work aims at a further reflection of the education of the Pedagogy of Alternation in civic education and education of the young peasant of the state of Rio de Janeiro, and the dialogue of these relations with the local / regional development and identities of these individuals in fact the field.

    Key words: Pedagogy of Alternation, A Young Peasant, Vocational Training, Identities

  • LISTA DE SIGLAS

    ACEFFA-RJ - Associao dos Centros de Formao por Alternncia do Rio de Janeiro AECOFABA - Associao Escolas Comunidades da Famlia Agrcola da Bahia AEFACOT - (Associao das Escolas Famlias Agrcolas do Centro Oeste e Tocantins AEFARO - Associao das Escolas Famlias Agrcolas de Rondnia AMEFA - Associao Mineira das Escolas Famlia Agrcola ARCAFAR - Associao Regional das Casas Familiares Rurais CDEJOR - Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural CDFR - Casas das Famlias Rurais CEA - Colgio Estadual Agrcola CEFFA - Centro Familiar de Formao por Alternncia CETEPs - Centros de Educao Tecnolgica e Profissionalizante CFR - Casa Familiar Rural

    CONTAG - Confederao dos Trabalhadores da Agricultura EA - Escolas de Assentamentos ECOR - Escola Comunitria Rural EFA - Escola Famlia Agrcola

    ENERA - Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria ETE - Escolas Tcnicas Estaduais ETEs - Escolas Tcnicas Estaduais FAETEC - Fundao de Apoio Escola Tcnica FUNACI - Fundao Padre Antnio Dante Civiero Piau IBLEGA - Instituto Belga de Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro IFETs - Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional MAB - Movimento dos Atingidos pelas Barragens MEPES - Movimento Educacional e Promocional do Esprito Santo MFR - Maison Familiale Rurale

    MMC - Movimento das Mulheres Camponesas MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra PNE - Plano Nacional de Educao PROJOVEM - Programa de Formao de Jovens Empresrios Rurais PRONAF - Programa Nacional de Agricultura Familiar

  • PRONERA - Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria RACEFAES - Rede das Associaes dos Centros Familiares de Formao por Alternncia do Esprito Santo RAEFAP - Rede das Associaes Escolas Famlias Agrcolas do Amap REFAISA - Rede das Escolas Famlias Agrcolas Integradas do Semi-rido RESAB - Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro SEC - Secretaria de Estado de Cultura SECTEC - Secretaria de Estado de Cincia e Tecnologia SEEDUC - Secretaria de Estado de Educao SIMFR - Solidariedade Internacional dos Movimentos Familiares de Formao Rural SUDENE - Superintendncia para o Desenvolvimento do Nordeste UAEFAMA - Unio das Associaes Escolas Famlias Agrcolas do Maranho UNEFAB - Unio Nacional das Escolas Famlia Agrcola do Brasil UNMFRs - Unio Nacional das Maisons Familiales Rurales

  • SUMRIO 1 INTRODUO ....................................................................................................... 1

    2 A FORMAO POR ALTERNNCIA: CONTEXTO HISTRICO, IDENTITRIO E PEDAGGICO ............................................................................... 5

    2.1. A Pedagogia da Alternncia no Brasil: Escolas Famlias Agrcolas (EFAs) e

    as Casas Familiares Rurais (CFRs) ............................................................................... 8

    2.2. Alternncia como Luta Poltico-Educacional: Movimentos Sociais pela

    Educao Bsica e Profissional do Campo ................................................................. 14

    3 CONCEPES, ESTUDOS E INSTRUMENTOS PEDAGGICOS DA FORMAO POR ALTERNNCIA ........................................................................ 23

    3.1. Principais Concepes e Autores da Alternncia ............................................. 23

    3.2. Os Instrumentos Didticos Pedaggicos da Alternncia.................................. 29

    4 A REALIDADE DA ALTERNNCIA NO RIO DE JANEIRO ....................... 34 4.1. A Institucionalizao da Pedagogia da Alternncia no Estado do Rio de

    Janeiro: CEFFA CEA Rei Alberto I .......................................................................... 37

    4.2. Os Sujeitos Sociais do CEFFA CEA Rei Alberto I ......................................... 40

    4.3. O que os Planos de Estudos dos Alunos nos Revelam? Dados sobre a

    Comunidade entre os Anos de 2010 e 2011. ............................................................... 45

    4.4. Anlise de Dados dos Professores do Ensino Mdio/Tcnico ......................... 54

    5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 58

    6 REFERNCIAS..................................................................................................... 63

  • 1 INTRODUO A pesquisa que deu origem a esta dissertao desenvolveu-se pela vontade de

    aprofundar conhecimentos a respeito de um projeto educativo que se diferencia do oficializado pela rede estadual de educao bsica e de profissionalizao, cujo objetivo entrelaa cidadania e desenvolvimento pela valorizao do sujeito do campo. Tambm me senti interessada, quando iniciei h dois anos e meio contato com professores que vinham aprofundando os estudos sobre a temtica da Alternncia relacionada ao desenvolvimento rural e aos sujeitos partcipes das transformaes sociais do campo.

    Na medida em que a investigao em fontes primrias e secundrias caminhava, foi possvel constatar a carncia de estudos a respeito do tema sobre a Pedagogia da Alternncia, que pouca nfase vem tendo no meio acadmico e nos rgos tcnicos e oficiais, apesar de haver entrado na rede de escolarizao bsica e profissionalizante de todo o pas h mais de meio sculo. Em poca mais recente, durante a primeira conferncia de educao do campo em 1998, em Luzinia/GO, foi considerada pelas entidades representativas dos povos do campo, a pedagogia e o currculo por ela proposto mais adequados realidade social, cultural e laboral destes povos.

    H tambm carncia de estudos que sistematizem o pensamento e as prticas de profissionalizao de sujeitos, que no papel de professores e alunos, jovens e adultos, agricultores e agricultoras contriburam para o redimensionamento das formas de aprender/ensinar sobre a produo agropecuria, o ambiente natural/urbano, a participao poltico-comunitrias, e a ampliao da cidadania.

    Aparentemente a Pedagogia da Alternncia se apresenta como formao profissionalizante que remete a processos identitrios do campo onde os movimentos sociais relacionados com esta modalidade educativa tm requerido pedagogias crticas de modo que os sujeitos envolvidos no processo protagonizem a educao do campo na modalidade da educao profissional. A constatao da realidade de nosso pas relacionada desvalorizao da atividade agrcola-familiar por parte do Estado, em detrimento da atividade empresarial latifundiria, tambm foi um diferencial para a escolha do tema. Aqui no se afirma que a atividade empresarial do agronegcio no tem importncia, porm, no posso desconhecer o potencial agregador de trabalho, produo e renda da agricultura familiar, que para confirmar basta consultar os ltimos censos agropecurios que apontam ndices onde esta agricultura se apresenta como importante e qualificada para o mercado interno e exportador. Diante de um processo histrico de desvalorizao a que foi submetido o campesinato brasileiro, o quadro que se tem hoje, em grande parte das regies do Brasil, o de expulso. Milhares de pessoas do meio rural almejam a migrao para o meio urbano, causando o esvaziamento do primeiro e uma maior presso demogrfica sobre o segundo. Vale resgatar algumas informaes como a do IBGE (2009), quando destaca a relao entre o nmero de estabelecimentos da agricultura familiar e o tamanho do territrio que eles ocupam. Consta no documento que 84,4% dos estabelecimentos rurais brasileiros apresentam caractersticas de estabelecimentos da agricultura familiar, e ficam com apenas 24,3% do territrio ocupado no campo brasileiro. Os outros 15,6% dos estabelecimentos representam a agricultura do tipo agronegcio, produzindo em 75,7% das reas ocupadas.

    Desta forma, pensei em uma proposta de pesquisa que contemplasse estudos no qual pudessem ser articulados processos formativos e projetos de sujeitos que esto em luta pela transformao social do campo. Neste sentido, pretendi investigar uma escola

  • 2

    que tivesse a Pedagogia da Alternncia, onde os alunos e professores possussem vnculos com a agricultura familiar ou mesmo se reconhecessem parte deste projeto de educao e trabalho do campo, a fim de contribuir com mudanas sociais, pois grande parte depende da democratizao da distribuio de terra para os povos do campo. Espero que esta dissertao contribua para aprofundar conhecimentos a respeito da Pedagogia da Alternncia e para torn-la mais utilizada no Brasil, principalmente pelas escolas inseridas no meio rural. Vale destacar, tambm, que o fato de estar cursando o mestrado no Programa de Ps-graduao em Educao Agrcola (PPGEA), favoreceu e ampliou oportunidades de desenvolvimento desse estudo, por estar diretamente ligado s linhas de pesquisa do Programa.

    O objetivo geral da pesquisa foi o de investigar a contribuio social da Pedagogia da Alternncia na construo/manuteno da identidade social do campo, destacando suas caractersticas metodolgicas que tecem aproximaes entre a realidade social campesina e a escola. Interessei-me em saber como esta vem sendo apropriada no Brasil, em especial no estado do Rio de Janeiro na especificidade da formao profissionalizante. Para tal foi realizada uma pesquisa de campo desenvolvida no Centro Familiar de Formao por Alternncia (CEFFA) Colgio Estadual Agrcola (CEA) Rei Alberto I, localizado no municpio de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, como tambm uma reviso de literatura que proporcionasse condies de dialogar com os dados levantados na realidade social e nos documentos pesquisados na Escola.

    Os objetivos especficos foram os seguintes: a) analisar as contribuies da Pedagogia da Alternncia em prol da agricultura familiar camponesa na regio serrana; b) descrever os instrumentos didtico-pedaggicos da Alternncia que na investigao apontassem a funo de articular formao e projeto social; c) investigar as finalidades educativas da formao por Alternncia no ensino mdio/tcnico; d) associar a formao por Alternncia nos processos de movimentos sociais da educao do campo no Brasil e no Rio de Janeiro; e) analisar como a Pedagogia da Alternncia ganhou organicidade e se institucionaliza na realidade brasileira, especificamente no Estado do Rio de Janeiro.

    A escolha do CEFFA CEA Rei Alberto I possibilitou a investigao de um projeto de formao de Pedagogia da Alternncia de cunho profissionalizante e de educao cidad, que tem finalidades educativas para o jovem e adulto campesino, numa proposta de socializao especfica para o desenvolvimento local/regional, com identidades profissionais que dialogam com a realidade do campo. Eu e a minha orientadora tomamos a deciso de realiz-la no CEFFA CEA Rei Alberto I por estar prximo da cidade do Rio de Janeiro e retratar um campo de possibilidades para o objeto da pesquisa. A escolha se mostrou acertada, pois foi possvel, dentro do CEFFA CEA Rei Alberto I, atingir todos os objetivos aqui propostos, em virtude da riqueza de informaes possveis de serem levantadas.

    A metodologia adotada foi, inicialmente, uma reviso bibliogrfica a respeito do tema, para fundamentar as anlises aqui contidas aps a organizao do projeto de pesquisa. Procurei pesquisar a origem e o real significado da Pedagogia da Alternncia para a educao profissional no Brasil, tanto aquela vinculada s Casas Familiares Rurais, quanto, e mais especificamente para o interesse do estudo, aquela voltada para a histria e a estruturao da Escola Famlia Agrcola no Brasil, que me pareceu no primeiro momento ser o principal modelo de formao profissional dentre os Centros Familiares de Formao por Alternncia. Em seguida, passei a pesquisar o tema no Estado do Rio de Janeiro e, na sequncia, direcionei o foco de anlise para o meu campo de pesquisa, o CEFFA Rei Alberto I, atualmente CEFFA - Colgio Estadual

  • 3

    Agrcola (CEA) Rei Alberto I, instituio escolhida por ser um exemplo de implementao da Pedagogia da Alternncia no Rio de Janeiro. Ressalto que o critrio de seleo desta instituio est relacionado ao prprio objeto de estudo, uma vez que investigou as relaes entre um projeto de formao escolar (socializao) e as identidades sociais do campo.

    Passando pesquisa de campo, decidi pela anlise de documentos pedaggicos e histricos da Escola que ofereceram dados extremamente relevantes para a pesquisa, principalmente o projeto poltico pedaggico. Tambm pude adquirir uma maior percepo da comunidade local e escolar atravs de snteses oriundas das pesquisas dos alunos relacionadas aos planos de estudos de 2010 e 2011, esses documentos forneceram dados importantes relacionados s identidades e caractersticas locais.

    Direcionei a pesquisa ao curso mdio tcnico em agropecuria, aos 22 dos 23 alunos do terceiro ano apliquei um questionrio aberto, onde procurei analisar o sujeito no trmino do curso da Pedagogia da Alternncia em relao ao seu projeto pessoal/profissional, sua contribuio com o meio onde vive e permanncia no campo e aos 26 dos 26 alunos do primeiro ano uma redao que teve como base um roteiro, mas com grande flexibilidade, busquei investigar suas origens, o porqu da escolha de uma escola por Alternncia e quais suas expectativas de vida aps a concluso do curso. O critrio para a seleo dos alunos do terceiro ano e alunos do primeiro ano deve-se a analise mais detalhada dos alunos que esto finalizando o curso bem como os que esto iniciando o curso. Aos 14 dos 16 professores apliquei questionrio aberto, busquei a percepo dos docentes em relao autonomia para implementar os princpios da Pedagogia da Alternncia na sua prtica escolar e s dificuldades em relao ao trabalho na Rede Estadual.

    Os instrumentos utilizados possibilitaram ainda o levantamento de informaes a respeito de quais os instrumentos pedaggicos/didticos da Alternncia que mais contribuem na aproximao da Escola com a comunidade e quais as maiores dificuldades encontradas em trabalhar os princpios e objetivos da Pedagogia da Alternncia no CEFFA, Colgio Estadual Agrcola Escola Rei Alberto I.

    Como tcnica para obter mais informaes procurei investigar, atravs de relatos orais e escritos, de diretores, professores, alunos, famlias e associados locais dos conselhos da escola, qual a compreenso desses atores/sujeitos em relao concepo de meio ambiente em que vivem e produzem as suas condies objetivas e materiais de vida e trabalho. Considerei que alm de aspectos pedaggicos inerentes ideia de Alternncia, importava associ-los aos aspectos sociais e ambientais. Busquei, com essa metodologia, assegurar inferncias mais prximas possveis da realidade e tambm registros de observaes do cotidiano.

    A estratgia surtiu efeito, pois foi possvel perceber que as preocupaes relacionadas aos temas como agricultura familiar, agroecologia, reforma agrria, agricultura orgnica, currculo integrado realidade do campo, entre outros, nos projetos de formao por Alternncia, evidenciaram que a profissionalizao dos jovens e adultos para produzirem e se organizarem socialmente perpassa os conflitos que esto selados nas relaes entre Homem, Natureza e Trabalho Agropecurio (uso dos recursos naturais, viso de natureza, concepo fundiria, sociedade rural, entre outros); temas que vm sendo chamados de transversais junto aos Parmetros Curriculares Nacionais, mas que nesse caso so tambm transversais cotidianidade dos sujeitos do campo.

    importante salientar que desenvolver essa experincia investigativa no interior da Escola e no entorno de influncia dessa instituio foi muito desafiadora, no somente devido s peculiaridades culturais, educativas e de trabalho do meio

  • 4

    investigado, como tambm por aprofundar meu conhecimento a respeito da prtica da Pedagogia da Alternncia. Acredito que o desenvolvimento dessa pesquisa poder contribuir para a melhor compreenso do PPGEA, corpo docente e discente sobre aspectos tericos e metodolgicos desse espao social junto s diversas iniciativas de educao do campo. Alm disso, a relao homem-natureza, a agricultura familiar realizada pelas famlias lavradoras e seu fortalecimento a partir de experincias dos CEFFAs, especificamente nas Escolas Famlias Agrcolas, se constituem em temas de interesse direto para as linhas de pesquisa do Programa de Ps Graduao em Educao Agrcola da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

  • 5

    2 A FORMAO POR ALTERNNCIA: CONTEXTO HISTRICO, IDENTITRIO E PEDAGGICO

    Para melhor compreenso da estrutura e funcionamento da proposta da Alternncia, cuja organicidade calca-se nas dimenses poltico-pedaggica e identitria, torna-se necessrio detalhar a origem, aspectos histricos deste modelo de formao para o meio rural, que est intimamente ligada s Maisons Familiales Rurales.

    A importncia da chamada Maison Familiale Rurale est diretamente relacionada s insatisfaes da populao rural francesa, pois muitos jovens migravam para o meio urbano em busca de melhores oportunidades de vida (BEGNAMI, 2003). Segundo Garca-Marirrodriga e Puig-Calv (2010), em citao de Chartier (1996), a criao da primeira Maison Familiale Rurale (MFR) no surge por acaso e nem por imposio do Poder Pblico. Sua criao partiu de grandes reflexes provenientes de um conjunto de pessoas de diferentes profisses que, apesar de possurem pontos de vista muitas vezes diferentes, estavam todos preocupados com a situao e o futuro do meio rural. A abertura oficial foi realizada em 17 de novembro de 1937, em Lausun na Frana, porm esse fato ocorreu aps dois anos de experincia num pequeno povoado vizinho de Srignac Pboudou.

    A experincia surge num perodo de crise na agricultura e de muita insegurana, pois logo em 1939 inicia-se a 2 Guerra Mundial que atinge de cheio a Frana. Nesta ocasio a agricultura francesa passava por pr uma grande transformao tecnolgica com a mecanizao agrcola. O mercado agrcola passava por crise, havia um grande xodo rural, concentraes urbanas e conseqentemente um esvaziamento com o despovoamento de numerosos povoados rurais. (NOVE-JOSSERAND, 1998, p. 1, apud, BEGNAMI, 2003)

    Os jovens que ficavam no campo, geralmente, no possuam formao adequada e a tendncia, sobretudo para quem estudava, era ficar na cidade. A MFR acontece dentro deste contexto crtico da agricultura e sociedade. Alguns agricultores sentiram a necessidade de uma maior organizao entre eles, no entanto poucos colocavam essa ideia em prtica e muitos acompanhavam as transformaes com certo distanciamento. Surgiu ento um dos principais sujeitos desse processo: Jean Peyrat, agricultor nascido no incio do sculo, presidente do sindicato rural de Srignac Pboudou. Ele acreditava que s com uma boa formao do agricultor seria possvel conduzir com qualidade um empreendimento agrcola. Alm disso, ele tambm fazia parte do Secretariado Central de Iniciativa Rural (SCIR). Juntou-se a esse lder campesino, o sacerdote, filho de agricultores, conhecido como padre Granereau, nascido em 1884, e ento proco de Srignac Pboudou, comprometido com as causas sociais, pela profisso e pelo desenvolvimento da agricultura e do meio rural, mostrava-se inquieto e inconformado com as questes campesinas. Por ltimo, Arsne Couvreur, nascido em 1863, militante em movimentos sociais, familiares, agrcolas e polticos, foi ele quem facilitou os primeiros contatos da organizao com os poderes pblicos. Portanto essas trs pessoas lderes de um pequeno grupo foram os precursores das MFR. (BEGNAMI, 2003)

    Consta em Begnami (2003), que Yves Peyrat, filho de Jean, no estava motivado para continuar os estudos, no naquela escola que frequentara, at ento e seu desejo era trabalhar com seu pai. Jean Peyrat, preocupado com a situao do filho,

  • 6

    foi ao encontro do padre Granerau e expe o problema, depois de muitas discusses o resultado foi uma escola de jovens agricultores em Srignac Pboudou. Trs famlias, reunindo quatro rapazes, Yves, Paul, Lucien e Edouard, decidiram enfrentar a arriscada experincia. Realizou-se na casa de Jean Peyrat, no dia 29 de setembro de 1935, uma reunio com outros dois pais Callewaert e Clavier e o padre Granereau. Foi nessa reunio que foram lanados importantes alicerceis polticos-pedaggicos dessa nova escola.

    Por conseguinte, para a construo desse primeiro plano de formao foram abordados trs aspectos principais. O primeiro foi a formao tcnica, que buscou fundamentao em cursos agrcolas oficiais por correspondncia, que passaram a mandar, uma vez por ms, um plano de trabalho. O segundo estava relacionado formao geral que seria necessria para formar a personalidade do aluno e possibilitaria o aprendizado e a compreenso das tcnicas, da histria, da matemtica e da expresso oral e escrita. O terceiro dizia respeito formao humana e crist na preparao do jovem para a vida, dentro de um contexto social da moral crist. Faltava, enfim, por em prtica esse programa e estabelecer os elementos pedaggicos. Ficou acertado que o padre ajudaria os jovens na realizao de seus trabalhos durante uma semana completa na casa paroquial, para assegurar o acompanhamento adequado aos alunos. Era s o comeo, pois com quatro alunos seria impossvel contratar um professor. Por no ter competncia em tcnicas agrcolas o padre props um curso por correspondncia sobre o tema e, de certa maneira, se tornou um monitor para os alunos. Os pais, por sua vez, se comprometeram a dar tempo suficiente aos filhos, no perodo das outras trs semanas que passassem em casa, para que pudessem fazer seus deveres. E, foi dessa forma natural que se estabeleceu a alternncia que no comeo se organizou em trs semanas na propriedade e uma na escola. Nesta mesma reunio resolveram os problemas da hospedagem, da alimentao e das demais despesas de estadia. . Quanto hospedagem a casa paroquial era grande e uma sala servia de dormitrio coletivo. Para a alimentao cada famlia fornecia parte dos gneros necessrios e uma quantia de 300 francos por aluno, que servia para cobrir outros gastos de funcionamento. Ficava faltando, somente, uma cobertura jurdica legal, que foi resolvida com a influncia do Sr. Arsne Couvreur, ento presidente do (SCIR). Couvreur solicitou junto ao SCIR a criao de uma sesso de aprendizagem. Em 13 de outubro de 1935, foi aprovado o Estatuto da Sesso de Aprendizagem Agrcola do Secretariado Central de Iniciativa Rural para a regio da cultura da ameixa de Ente, chamada ameixa de Agen (GARCA-MARIRRODRIGA; PUIG-CALV, 2010).

    A proposta, que, conforme j relatado, contou inicialmente com quatro jovens alunos, previa o desenvolvimento de uma educao que alm de resgatar as condies de vida daquela populao, tambm resgatasse a identidade daquele povo com o meio rural. Apesar do pequeno nmero de alunos, essa iniciativa passou a ser encarada como um caminho de mudanas, num movimento de ruptura com a educao tradicional urbana (CALIARI, 2002, p.78).

    Ainda de acordo com Garca-Marirrodriga e Puig-Calv (2010), esses acontecimentos foram decisivos para o nascimento das Maisons Familiales Rurales, que serviram de inspirao aos CEFFAs espalhados, hoje, no mundo inteiro. A responsabilidade e participao das famlias na busca de uma pedagogia dimensionada na realidade social e poltica do campo foram imprescindveis para a contribuio do desenvolvimento local e integral do jovem campesino, dando origem assim Pedagogia da Alternncia.

  • 7

    Com o xito do primeiro ano, muitas famlias confiaram seus filhos nova Escola Camponesa. Como eram esperados de 15 a 20 alunos para o prximo ano, ficou evidente que o Padre Granereau, sozinho, j no seria suficiente para instruir tal equipe. Os pais decidiram ento contratar um monitor em tempo integral.

    Em Assemblia Geral de 25 de julho de 1937, as famlias decidiram pela mudana do Estatuto, garantindo a autonomia e tirando a responsabilidade do SCIR. Em 24 de outubro deste mesmo ano compraram uma casa em Lausun assumindo a responsabilidade financeira e desobrigando o padre Granereau. Em 17 de novembro de 1937 foram iniciadas as atividades na primeira Casa Familiar, agora assim chamada. Este verdadeiro Centro de Formao tinha como base: uma associao local responsvel, liderada por pais; uma pedagogia prpria que alternava a formao entre o centro educativo, a famlia, e o meio; uma preocupao com o desenvolvimento local; e um enfoque de educao integral. Nesta poca, foi composta por 40 alunos regulares e por alguns jovens de mais idade que freqentavam cursos noturnos. Outro fato relevante que merece ser destacado refere-se ao incio de uma jornada mensal, uma vez por ms, para meninas e a criao do jornal denominado A Casa Familiar.

    O perodo mais fecundo das Maisons Familiales foi de 1945 a 1960 com trs grandes acontecimentos: a revitalizao institucional da Unio Nacional das MFRs; a sistematizao pedaggica e a expanso vertiginosa, passando de 80 para 500 MFRs. [...] Aps os anos de 1960, uma srie de Leis Nacionais vo incluir definitivamente a Pedagogia da Alternncia como um sistema de ensino, reconhecendo as Maisons Familiales como escolas que podem, alm de profissionalizar, tambm escolarizar seus alunos, num projeto pedaggico orgnico que integra ensino geral e humanstico com educao profissional (BEGNAMI, 2003, p. 28).

    Na dcada de 1940 houve uma grande expanso de experincias voltadas para a Pedagogia da Alternncia, que hoje se fazem presentes em quarenta pases nos cinco continentes. Esses Centros Familiares esto representados por 1325 CEFFAs, filiados AIMFIR Associao Internacional dos Movimentos Familiares de Formao Rural, sediada na Frana (GARCA-MARIRRODRIGA; PUIG-CALV, 2010 p.110). A Associao procura manter a unidade da Pedagogia da Alternncia respeitando as peculiaridades de cada nao.

    As prticas pedaggicas, os objetivos, o funcionamento administrativo e o relacionamento com a comunidade foram sendo construdos desde o incio das MFR at a expanso pelo mundo deste modelo diferenciado de educao do campo. A construo foi se dando com as trocas de experincias, a adio de novas ideias e a constante busca de redefinio dos objetivos.

    Enfim, a partir da dcada de 1960 a Pedagogia da Alternncia comea a se expandir pela Europa, Itlia, Espanha e Portugal. Fora do continente europeu ela chega frica. Na Amrica Latina, o Brasil o primeiro pas a desenvolver a experincia, a partir de 1969, no sul do Estado do Esprito, tendo a experincia Italiana como interlocutora direta no processo de implantao. (BEGNAMI, 2003, p.30)

    Escolas deste gnero esto presentes em outros pases da Amrica Latina. Vale mencionar, na Frana, as experincias de formao profissional por alternncia, no somente de cunho agropecurio, mas tambm de turismo e outros ofcios, inclusive a

  • 8

    profissionalizao para atividades scio-ocupacionais do meio urbano. importante destacar, ainda, que j se encontra em estgio bastante avanado, na Europa, esta prtica pedaggica em cursos de nvel superior (Graduao, Ps-graduao em geral). No Brasil h experincias da Pedagogia da Alternncia na formao, alm de Tcnicos em Agropecuria, Tcnicos em Turismo, Administrao, em Pesca, etc.

    Pode-se citar inmeras experincias de formao que se multiplicaram em uma dcada, desde a I Conferncia de Educao do Campo, em 19981, mas, na atualidade, ressalvam-se as experincias em profissionalizao, graduao e ps-graduao em Alternncia promovidas pelo PRONERA Programa Nacional de Educao em reas de Reforma Agrria editadas em parcerias entre sociedade civil organizada em movimentos sociais dos povos do campo e as universidade e Institutos Federais de Educao, Cincia e Tecnologia2 (IFETs). J h tambm Universidades adotando a Pedagogia da Alternncia em cursos de graduao e ps-graduao, dentre as quais destacamos a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com o Mestrado em Educao Agrcola PPGEA e a Licenciatura em Educao do Campo, nas reas de conhecimento em Cincias Humanas e Sociais e a outra em Agroecologia e Segurana Alimentar.

    2.1. A Pedagogia da Alternncia no Brasil: Escolas Famlias Agrcolas (EFAs) e as Casas Familiares Rurais (CFRs) As Escolas Famlias Agrcolas e as Casas Familiares Rurais se estabeleceram no Brasil a partir da iniciativa de comunidades de imigrantes3, que sentiram a necessidade de criao de uma escola que buscasse, a partir das suas prprias vivncias e memrias, uma educao inserida na realidade deles. O objetivo educativo estaria num currculo desenhado que articulasse cotidiano, relaes sociais, famlia e as ruralidades de trabalho e produo agrcola, como tambm reforasse a sociabilidade para a reproduo social e estilos de vida do campo. Para tornar exequvel o projeto educativo e criar um ambiente capaz de valorizar a cultura campesina, recorreram Pedagogia da Alternncia.

    As Escolas Famlias Agrcolas e as Casas Familiares Rurais surgiram por movimentos diferenciados, porm retratam bem as experincias alternativas ao sistema oficial, uma vez que sucessivos governos ignoram as condies ruins de infra-estrutura, a falta de incentivo para gerao de renda e produo dos agricultores familiares e, ainda, os poucos recursos para fazer valer s polticas educacionais especficas para a educao do campo e para o campo.

    1 Em julho de 1998, em Luzinia, GO, foi realizada a I Conferncia Nacional Por Uma Educao

    Bsica do Campo, promovida pelo MST, UNICEF, pela UNESCO, CNBB e UnB. Essa ao teve grande importncia no processo de rearticulao da questo da educao da populao do campo no que tange a mobilizao da sociedade e a ruptura do silncio do Estado s propostas da chamada educao para o meio rural no Brasil. (II Conferncia Nacional Por Uma Educao do Campo, 2004) 2 A lei n 11.892/08 criou 38 IEFETs com a finalidade de oferecer educao profissional e tecnolgica

    em todos os nveis e modalidades e promover a integrao e a verticalizao da educao profissional, desde a educao bsica at a educao superior, otimizando a infra-estrutura fsica, os quadros de pessoal e os recursos de gesto. (OTRANTO, 2010) 3 Em nossos estudos de campo e nos documentos de fontes primrias e secundrias h fragmentos de memria

    daqueles que esto no Brasil desde o incio do sculo XX, que ansiavam escolas rurais que mantivessem formas de socializao tal qual a dos ambientes rurais europeus. Sabe-se das escolas rurais do Sul do pas, estruturadas para reproduzir linguagem, ideologias, culturas alems, italianas, japonesas. O mesmo fato aconteceu no Esprito Santo na regio sudeste com as colnias de alemes e italianos. No perodo do Estado Novo, no Brasil, houve um endurecimento poltico e ideolgico por parte do Governo com os imigrantes por criarem escolas comunitrias, locais, onde a lngua portuguesa no era nem estudada e nem falada.

  • 9

    Os filhos de agricultores tinham muitas dificuldades em dar continuidade aos estudos, devido distncia entre casa e escola, e apresentavam tambm um grande descontentamento com a escola de universo convencional urbano. Diante da necessidade de uma educao que correspondesse ao cotidiano rural, surgiu a proposta da Pedagogia da Alternncia. A origem dessa estrutura pedaggica alternativa encontra-se dialogicamente unida estrutura eclesial, caracterstica que foi trazida nas primeiras instituies para o Brasil e se mantm at os dias atuais. (NASCIMENTO, 2005)

    A origem das Escolas Famlias Agrcolas remonta s experincias italianas, a partir da vinda do padre Humberto Pietrogrande, que pertencia a Companhia de Jesus. Seu objetivo era realizar um trabalho social e pastoral no estado do Esprito Santo, na dcada de 1960. Ele constatou que o modelo educacional adotado na escola em que atuava era desvinculado da realidade rural local, e percebeu a necessidade de implementao da Pedagogia da Alternncia. Para Zamberlan (1995), o Brasil foi o primeiro pas da Amrica Latina a integrar a EFA e tambm onde se encontra a maior variedade de experincias de educao rural que utiliza integral ou parcialmente a proposta da Pedagogia da Alternncia.

    Esse movimento nasceu na maioria dos casos por iniciativa da prpria populao, em ao coletiva de pastorais sociais da igreja, universidades, sindicatos e/ou organizaes no governamentais.

    Na Itlia foi denominada Scuola Della Famiglia Rurale. O Governo Italiano, por causa de suas leis, teve dificuldades em aceitar a proposta educacional da forma que era executada na Frana sem vinculo de formao formal escolar, por isso, a experincia na Itlia tornou-se uma escola que utilizava o processo filosfico e metodolgico da pedagogia da alternncia, porm acrescidos de legalizao escolar. A escola passou a ter uma propriedade para desenvolver atividades tcnicas e ainda garantir parte do sustento dos alunos que l estudam (Histria da Pedagogia da Alternncia, 2008).

    Para dar suporte a esta primeira criao e s outras que seguiram, foi criado no mesmo ano o MEPES (Movimento Educacional e Promocional do Esprito Santo), que teve por referncia o modelo italiano. A organizao social MEPES, segundo Nosella (1977), uma entidade que tem por finalidade a promoo integral da pessoa humana. Gratuitamente promove a educao e desenvolve a cultura, atravs da ao comunitria, numa ampla atividade ao interesse da agricultura, e principalmente no que concerne elevao do agricultor, do ponto de vista religioso, intelectual, tcnico, sanitrio e econmico. O MEPES, como uma entidade de promoo social, voltada para aes na rea da educao, sade e ao comunitria do meio rural, possui poderes para representar e defender os interesses e aspiraes dos agricultores da regio.

    Desta forma, sob os auspcios do MEPES, em 1969, tiveram incio as atividades educacionais das primeiras experincias de EFAs do Brasil, nos municpios de Alfredo Chaves e Anchieta, no Esprito Santo. Nesta fase inicial, em virtude da proximidade de seus fundadores com a igreja catlica e sindicato de trabalhadores rurais, o movimento, a partir de 1973, se expandiu intensivamente no s dentro do Estado capixaba, como tambm na Bahia, Minas Gerais e outros. Em razo do crescimento do projeto, surgiu a necessidade da existncia de uma maior articulao para garantir a aplicao e homogeneizao das instituies. No ano de 1982 foi criada

  • 10

    a Unio Nacional das Escolas Famlia Agrcola do Brasil (UNEFAB), cujo objetivo principal era o de coordenar as atividades e defender os interesses das entidades vinculadas, bem como assessorar a implantao de novas iniciativas, entre outros (SILVA, 2000). Atualmente, com o fortalecimento da UNEFAB, o MEPES no momento apenas uma regional da UNEFAB.

    As Escolas Famlias Agrcolas (EFAs) enfatizam a formao escolar dos educandos, a partir do regime seriado e regularizado junto s Secretarias Estaduais e Municipais de Educao, desde 2006 quando foi reconhecida a Alternncia no sistema oficial4. Oferecem, tambm, a formao tcnica, tanto no ensino fundamental, bem como, de forma mais especfica, no ensino mdio, onde se trabalha a Educao Profissional Tcnica em Agropecuria (NASCIMENTO, 2005). O desenvolvimento das EFAs no Brasil, segundo Begnami (2003) foi feito em fases. A primeira delas corresponde cronologicamente ao espao temporal entre os anos de 1969 e 1972, quando foram criadas trs EFAs de uma s vez, sob a ao do MEPES - Movimento Educacional e Promocional do Esprito Santo, municpios de: Olivnia, Alfredo Chaves e Rio Novo do Sul, como j citado anteriormente. Na poca, estas escolas acolheram somente homens. Em 1970 comeou o processo de discusso de implantao em Iconha5 para atender tambm s mulheres, alm da ideia de expanso para o Norte do estado em mais trs municpios6.

    As primeiras EFAs eram escolas informais de curso livre, isto , sem nenhuma autorizao legal de rgos competentes, numa forma de extenso rural. A durao era de dois anos e o ritmo das alternncias de uma semana na Escola e duas na famlia. O pblico era de jovens, na maioria com mais 16 anos de idade, filhos de agricultores familiares. Um dos princpios fundamentais desta iniciativa educativa era a criao de uma associao gestora, formada pelas famlias, pessoas da comunidade local e entidades afins.

    O Plano de Formao que compreendia o currculo especfico de uma EFA tinha como finalidades: a formao de agricultores tcnicos, dando nfase permanncia no campo, utilizando novas tecnologias e recursos; a formao humana e a formao para a cidadania e, sobretudo, uma preocupao com o engajamento scio-poltico nas comunidades, movimentos sociais e sindicais.

    A maioria dos ex-alunos desta primeira fase ficou no meio rural desenvolvendo atividades na agricultura do tipo familiar campesina ou em outras reas de servio da agropecuria.

    Nesta fase no existia preocupao com os aspectos formais da escolarizao. No havia diploma de concluso, mas somente um certificado de agricultor tcnico. Vale destacar esta importante atuao das EFAs pela profissionalizao do agricultor, que naquela poca era totalmente desprovido de polticas pblicas, do tipo PRONERA (Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria) ou PRONAF (Programa Nacional de Agricultura Familiar). Com o passar do tempo os pais comeam a reivindicar o diploma escolar. Tambm comeou a chegar alunos com idade mais

    4 A atual LDB de 1996 e as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo so os

    principais documentos que reconhecem a forma de alternncia como esquema ou desenho curricular e metodolgico para as escolas do campo. Nas Diretrizes consta em seu pargrafo nico que [...] a identidade da escola do campo definida pela sua vinculao as questes inerentes a sua realidade. Depois desses segue o Parecer do Relator Murlio de Avellar Hingel da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade /MEC de nmero 01/2006 que reconhece os dias letivos para a aplicao da alternncia. Esses documentos so considerados como emblemticos e legitimadores da Pedagogia da Alternncia. 5 Municpio do estado do Esprito Santo

    6 So Mateus, (uma no Km 41 para moas e outra no Distrito de Jaguar, municpio hoje, para rapazes), So Gabriel

    da Palha e Barra de So Francisco. A demanda de EFAs no Norte faz nascer a discusso sobre um Centro de Formao para Monitores.

  • 11

    baixa. A EFA assumiu ento a tarefa de tentar integrar os contedos curriculares oficiais formais aos Planos de Estudo.

    Ainda segundo Begnami (2003) a segunda fase da EFA Capixaba apresentou como caractersticas bsicas: um processo de formalizao da Escola como unidades didticas autnomas e tambm um processo de expanso dentro do estado do Esprito Santo e para outros estados.

    A partir de 1972 iniciaram-se os Cursos Supletivos Regulares7. Iniciou com dois anos (6 e 7 anos) e depois, o segundo ciclo fundamental completo em trs anos, com diploma de concluso do ensino fundamental e pr-qualificao profissional em agropecuria. O pblico era, na maioria, adolescentes acima de 14 anos de idade, filhos de agricultores familiares.

    O Plano de Formao passou a incluir as seguintes finalidades: pr-qualificao profissional e escolarizao formal. A autorizao das EFAs como unidades didticas formalizadas gerou um grande desafio e obrigou uma articulao entre os planos de estudo e currculo oficial, o que no era fcil por causa da tendncia burocrtica e escolarizante do sistema e das prprias pessoas que operavam.

    Ainda na primeira metade da dcada de 1970 teve a criao do Centro de Formao de Monitores, como estratgia de manuteno da identidade do projeto. Este Centro foi importante no processo de expanso das EFAs, no Esprito Santo.

    Esta fase foi marcada tambm pela expanso dos cursos de ensino mdio e profissionalizante em agropecuria para os egressos do ensino fundamental. Sendo que a pioneira nesta atividade foi a EFA de Olivnia, municpio de Anchieta, no Esprito Santo, j em 1976.

    Begnami (2003), ento, apresenta a terceira fase no itinerrio histrico das EFAs no Brasil relacionado ao processo de abertura e democratizao da sociedade brasileira. Esta fase esteve intimamente ligada ao esvaziamento de Escolas no campo e do campo, mas tambm se relacionou reao das organizaes camponesas que passam a reivindicar o direito a uma escola diferente com uma identidade prpria8.

    Depois da expanso para no Esprito Santo a primeira experincia fora do estado foi em Brotas de Macabas, na Bahia, em 1975 e no Amazonas, em 1976. Em 1978, nasceram as EFAs ligadas Associao Escolas Comunidades Famlias Agrcolas da Bahia AECOFABA hoje com o maior nmero de EFAs do Brasil. Uma caracterstica importante desta associao refere-se ao direito das famlias na gesto das Escolas contrapondo-se ao modelo inicial do MEPES. Nos anos de 1980 os cursos supletivos passaram para cursos de ensino regular de quatro anos (6 a 9anos). Ainda na segunda metade desta dcada ocorreu uma acentuada expanso para outros estados como Minas Gerais, Piau, Rondnia, Maranho e Amap. Na maioria por iniciativas da igreja catlica. A primeira EFA pblica municipal foi criada em 1983 em Muria, Minas Gerais, caracterizada pela forte interferncia do poder pblico comprometendo os princpios filosficos, poltico-pedaggicos desta EFA.

    A terceira fase da EFA no Brasil ocorreu num contexto crucial de crises, sobretudo, a crise de adaptao do modelo de formao por Alternncia com o sistema convencional (oficial) de ensino, onde este ultimo por estar institucionalizado no sistema nacional se torna homogneo nos esquemas escolares e curriculares, conforme preconizam as polticas de universalizao da educao de massas. Tal medida vem desrespeitando as especificidades de um projeto pedaggico por Alternncia, o que

    7 Nos dias de hoje, Educao de Jovens e Adultos EJA, conforme a nova LDB, Lei 9394/96 e as novas Diretrizes

    Curriculares da Educao Bsica promulgadas em 2010. 8 Documento 1 Subsdios da I Conferncia Nacional Por uma Educao Bsica do Campo, Luzinia-Go, 1998.

  • 12

    vem gerando com isto, incertezas, inseguranas, entre outros problemas para os estudantes, pais e professores.

    Concernente s ideias/fases decorrentes de avanos e recuos comuns aos processos sociais considerados marginais ao sistema possvel identificar um perodo de buscas de identidades dos sujeitos e seus territrios com reflexos nos movimentos sociais, possibilitando uma maior organizao nacional.

    Esta fase tambm foi marcada pelo surgimento da UNEFAB Unio Nacional das Escolas Famlias Agrcolas do Brasil em 1982. Nesta poca, dois estados, Esprito Santo e Bahia, caracterizaram-se como mais atuantes na organizao local e tambm nacional. A UNEFAB ganhou sua maior importncia e se tornou mais efetiva a partir da dcada de 1990 quando surgiram outras Regionais e cresceram as demandas por formao, assistncia pedaggica, financiamento, entre outros desafios.

    A finalidade da UNEFAB representar e defender os princpios e objetivos da Pedagogia da Alternncia, prestar assessoria pedaggica e administrativa, promover o intercmbio e divulgao dos trabalhos, acompanhar o processo de formao dos monitores (professores das EFAs) e de seus dirigentes, estabelecer parcerias e outras formas de cooperao tcnico-financeira. A UNEFAB uma Organizao No Governamental - ONG, sem fins lucrativos e possui registro no CNAS - Conselho Nacional de Assistncia Social. Assessora as EFAs - Escolas Famlias Agrcolas, as ECORs - Escolas Comunitrias Rurais e outras instituies que adotam prticas educativas com os mesmos princpios pedaggicos. Alm da UNEFAB, que congrega as EFAs e as ECORs, existe tambm a Associao Regional das Casas Familiares Rurais - ARCAFAR que rene as Casas Familiares Rurais - CFRs. (UNEFAB, 2011)

    Para Begnami (2003), a quarta etapa, configurou-se na dcada de 1990 at os dias atuais e tem como principais caractersticas: a) a necessidade do fortalecimento institucional, sobretudo, com a retomada da UNEFAB em 1992. b) A implementao e fortalecimento das Associaes Regionais e locais. c) A adequao da formao ao mundo rural que sofre mudanas com as polticas da globalizao excludente.

    Cabe salientar nesta etapa a presena marcante e histrica da SIMFR9 - Solidariedade Internacional dos Movimentos Familiares de Formao Rural, que desde 1993 passou a colaborar com ajuda financeira para as Regionais. Hoje possui convnio com a UNEFAB que passa a ser a referncia de um Programa comum estendido ao conjunto das Regionais e EFAs de todo o Brasil.

    O fortalecimento das Associaes Regionais foi tambm mais uma das caractersticas marcantes desta nova fase Quando falamos em Regionais estamos dizendo de um conjunto de EFAs coordenado por uma Associao formal ou informal em nvel de um Estado ou agrupamento de Estados. a partir da segunda metade da dcada de 90 que a UNEFAB se preocupa com uma poltica de fortalecimento dos que j existiam e apoio formao de novas Regionais. (BEGNAMI, 2003, p.40)

    a partir da segunda metade da dcada de 1990 que a UNEFAB se preocupa com uma poltica de fortalecimento dos que j existiam e apoio formao de novas Regionais.

    9 SIMFR-Sede em Bruxelas. Sua finalidade ajudar expandir e fortalecer os Centros Familiares de Formao por

    Alternncia CEFFAs pelo mundo. O Programa SIMFR (1997-2002) nasceu depois dos resultados positivos do apoio dado implementao da Rede Piau, Maranho, Par e Amap e s Escolas do Semi-rido da Bahia que resultar na constituio da REFAISA.(BEGNAMI, 2003)

  • 13

    A seguir apresentamos uma lista das Regionais numa ordem cronolgica, segundo (UNEFAB, Avaliao SIMFR, programa 1997-2002, 2001, apud, BEGNAMI, 2003):

    1. MEPES10 - Movimento de Educao Promocional do Esprito Santo (1968) 2. RACEFAES Rede das Associaes dos Centros Familiares de Formao

    por Alternncia do Esprito Santo (1968) 3. AECOFABA - Associao Escolas Comunidades da Famlia Agrcola da

    Bahia (1979) 4. FUNACI - Fundao Padre Antnio Dante Civiero Piau (1989) 5. AEFARO - Associao das Escolas Famlias Agrcolas de Rondnia (1992) 6. AMEFA - Associao Mineira das Escolas Famlia Agrcola (1993) 7. IBLEGA - Instituto Belga de Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro

    (Entidade mantenedora da EFA de Nova Friburgo e que responde pela expanso enquanto no se cria oficialmente a Regional)

    8. UAEFAMA - Unio das Associaes Escolas Famlias Agrcolas do Maranho (1997)

    9. AEFACOT - (Associao das Escolas Famlias Agrcolas do Centro Oeste e Tocantins (1997)

    10. REFAISA - Rede das Escolas Famlias Agrcolas Integradas do Semi-rido (1997)

    11. RAEFAP - Rede das Associaes Escolas Famlias Agrcolas do Amap (2000)

    Os autores anteriormente mencionados consideram que at 1998, os estudantes que se formavam nessas instituies ainda precisavam prestar um exame supletivo para conseguir o diploma, mas no ano seguinte o regime foi legitimado pelo MEC.

    Os principais objetivos das EFAs segundo Begnami (2002), eram: permitir a formao tcnica de agricultores, incentivar a permanncia dos alunos no local de origem e incentivar o incremento de novas tecnologias no seu meio. Alm disso, retrata Begnami (2002), que essas escolas pioneiras do Brasil se preocupavam com a formao humana e cidad e com o engajamento social e poltico dos alunos nas suas comunidades e nos movimentos sociais. Posteriormente, a fixao do homem ao campo deixou de ser um lema da escola, sendo substitudo pelo lema, formao para a liberdade. Desta forma este processo educativo engloba, segundo Calv (2002, p. 22) a formao escolar, formao profissional, formao social, educao, cidadania, projeto de vida, economia, famlia, meio (...) todos os meios que se referem ou que interferem de uma maneira ou de outra na formao das pessoas. O segundo movimento de formao por Alternncia, as Casas Familiares Rurais (CFRs), ocorreu na dcada de 1980 com a implantao das primeiras experincias das CFRs, vinculadas diretamente ao movimento internacional das Maisons Familiales Rurales e sob orientao direta da Unio Nacional das Maisons Familiales Rurales (UNMFRs) da Frana.

    A primeira experincia de CFR no Brasil se deu no estado de Alagoas, na cidade de Arapiraca, em 1981 que contou com a ajuda da Frana, atravs da assessoria do professor Pierry Gilly (BEGNAMI, 2003). Aps muitas dificuldades e discusses o movimento tomou corpo na dcada de 1990 no estado do Paran. Com a institucionalizao do projeto no Paran e a sua rpida expanso na regio sul foi criada a Associao Regional das Casas Familiares Rurais do Sul do Brasil

    10 O Mepes no se considera uma regional. uma das nicas entidades promotoras que tambm mantenedora de

    um grupo de EFAs, que, por sua vez, a maioria delas associam RACEFAES, recm criada em 2003 para agrupar e unir todas as experincias de alternncia no Estado do Esprito Santo.

  • 14

    (ARCAFAR-Sul), fundada com o objetivo de difundir e padronizar a proposta de formao de jovens atravs da Pedagogia da Alternncia, organizar o funcionamento das CFRs e realizar cursos de formao para monitores e responsveis pelas associaes envolvidas no processo de formao.

    As CFRs do Paran, alm do apoio governamental, recebem tambm outros incentivos de organismos internacionais proporcionando articulaes com experincias francesas de CFRs. As CFRs tm na formao tcnica do educando sua prioridade. Sua principal diferena em relao s concepes pedaggicas das EFAs reside em adotar o regime de suplncia. (NASCIMENTO, 2005, p.51)

    O segundo movimento de formao por alternncia iniciou-se na dcada de 1980 e se desenvolveu totalmente desvinculado das EFAs, constituindo desta forma um novo movimento. Essa experincia ocorreu primeiramente na regio Nordeste vinculado SUDENE (Superintendncia para o Desenvolvimento do Nordeste). No sul do Brasil, o projeto teve incio no Municpio de Barraco, sudoeste do Paran, em 1989, e se expandiu a partir de 1991 para os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Amap.(ARCAFAR-SUL, 2011)

    Alm da ARCAFAR-Sul com sede no Paran existe tambm a ARCAFAR-Norte com sede no estado do Par; no entanto j em processo de discusso a implantao no sudeste, nordeste e centro-oeste. Em relao s CFRs vem ocorrendo um aumento acentuado nas regies norte e nordeste do Brasil, esta expanso est ligada principalmente pela participao de rgos pblicos em todas as esferas (federal, estadual e municipal) e entidades locais, bem como a presena de ONGs internacionais. De acordo com Portilho (2008), a durao das atividades na CFR de trs anos, em regime de internato, com a adoo do mtodo de alternncia, onde os jovens passam duas semanas na propriedade, no meio profissional rural, e uma semana na CFR (p.30).

    2.2. Alternncia como Luta Poltico-Educacional: Movimentos Sociais pela Educao Bsica e Profissional do Campo

    No Brasil, final da dcada de 1960 e incio da dcada de 1970, as polticas pblicas que subsidiariam a modernizao tecnolgica da agricultura e a abertura de crditos para o setor, favoreceram o crescimento da produo agrcola no pas com o discurso de aumentar a produtividade pelo paradigma da Revoluo Verde. Porm, margem desse fenmeno, os pequenos agricultores, que diante da precariedade em que viviam e da falta de incentivos governamentais para a produo e insumos, viram-se obrigados a migrar para os centros urbanos, em busca de novas oportunidades de trabalho, j que estes no conseguiam alcanar a almejada tecnificao de seus meios de produo.

    As cidades tornaram-se atrativas, enquanto o meio rural foi considerado atrasado, fato que recaa sobre os pequenos produtores, visto que o prprio poder pblico sabia que as polticas de crdito agrcola, apenas atraam os latifundirios que desejosos de crdito para prover a transformao de suas propriedades em empresas agrcolas. A condio de pequeno agricultor impedia os indivduos de correr riscos para no perder a sua nica fonte de trabalho, a terra de que dispunha como fator de vida e trabalho.

    No era somente a falta de polticas pblicas adequadas ao setor da agricultura familiar que corroborou com a ideia de atraso e o xodo rural, mas tambm a historiografia social que revela a ausncia de poltica educacional direcionada

  • 15

    realidade da populao de crianas, jovens e adultos do campo, diferentemente daquelas do centro urbano. Est negligncia se concretizava na indisponibilidade de transporte, de escolas prximas s residncias, materiais e equipamentos, de professores e ainda careciam, at mesmo, de um currculo que fizesse sentido e tivesse significado para os sujeitos do campo.

    A existncia de inmeros problemas educacionais encontrados nas escolas do meio rural, tais como: a) a falta de vnculo realidade local, uma vez que as escolas so, em sua maioria, bem distantes dos locais de moradia; b) a falta de recursos para atividades no campo; c) a necessidade do aluno permanecer na propriedade para trabalhar; d) falta de vagas nas escolas; e) falta de professores f) as classes multisseriadas11; g) a necessidade de profissionalizar o jovem e adulto, so alguns dos indicadores sociais e educacionais que levaram adoo poltica desta proposta, alternativa a oficial, por algumas dessas escolas.

    Alm dos j citados, Martins (s/d, p.3-4) aponta outros motivos para a implantao de uma metodologia prpria.

    (...) a falta de conhecimento de tcnicas alternativas para a preservao ambiental, o rpido processo de desmatamento, o uso do fogo de modo indevido, preparo adequado do solo, uso intensivo de agrotxicos, baixo uso de prticas conservacionistas nas reas de cultivo, a monocultura, xodo rural, evaso escolar pela falta de respostas das escolas existentes s reais necessidades dos jovens camponeses e pela falta de escola bsica no campo.

    Na falta de uma poltica oficial, surgiram diferentes experincias educacionais no meio rural brasileiro, na maioria dos casos por iniciativa da prpria populao, em ao coletiva de sindicatos, pastorais sociais da igreja, universidades e organizaes no governamentais. Desta forma, pela grande necessidade de uma metodologia educacional que estivesse inserida num determinado contexto social do sujeito do campo, surge ento a proposta da Pedagogia da Alternncia do seio dos movimentos de agricultores. Esta proposta configurada nas dimenses agrria, poltica, cultural e pedaggica visa promover a formao integral dos jovens do campo, possibilitando alternativas de formao ao sistema oficial. Interessa destacar que o pressuposto que orientou o trabalho de pesquisa foi justamente o fato de a alternncia ter entrado no Brasil pelo interior pela via de missionrios e militantes ligados aos movimentos sociais campesinos, fato que se relaciona s necessidades de organizao social do campo, num perodo de ditadura militar que calava os agricultores contrrios ausncia de reforma agrria. As concepes poltico-pedaggicas que muitos militantes pela alternncia utilizavam nos CEFFAs do Brasil tinham e, ainda tm, como fundamento os estudos e a prtica pedaggica desenvolvida por Paulo Freire.

    Os estudos de Paulo Freire do respaldo, tambm, perspectiva ambiental nos contedos curriculares. Particularmente no que diz respeito agricultura orgnica,12 como processo de produo de uma sociedade agroecolgica, a contribuio ainda

    11 As classes multisseriadas quase sempre foram consideradas como ensino de segunda categoria, no entanto, est

    havendo uma mudana significativa na forma de conduzi-las a mudana de estratgia em algumas aes. Tais como: a organizao da sala em pequenos grupos e trabalho em pares, transformou tal metodologia em vantagem pedaggica atestada por pesquisas, que demonstraram a eficincia dos grupos. Isso aconteceu porque classes multisseriadas so heterogneas e exigem prticas que atendam a alunos com diferentes caractersticas. Introduziu-se tambm a aprendizagem cooperativa e as estratgias de ensino, que passaram a ser personalizadas.(Dib, 2010) 12

    Atualmente, verifica-se em espaos de discusso sobre polticas pblicas de Educao do campo, o interesse dos movimentos institucionais e instituintes pela agroecologia como construo social e de produo em bases sustentveis.

  • 16

    mais relevante, pois a sustentabilidade do planeta e da sociedade, aliada a reflexes polticas e culturais que visam emancipao dos indivduos, so temas fundamentais que integram a pedagogia libertadora de Paulo Freire. Tais referncias se valem de princpios de uma educao como ato poltico, dita pelo autor como sendo de abordagem problematizadora, cuja prtica tende a promover o protagonismo das classes populares no meio rural13.

    A Pedagogia da Alternncia baseia-se em experincias educativas associando teoria e prtica. Desenvolve uma metodologia especfica, que leva em considerao a realidade de trabalho familiar e produtivo, de acordo com as dimenses de projetos sociais pautados na questo agrria, econmica, social e ambiental da regio. importante mencionar que ela no se diferencia das demais, somente pela experincia poltico-pedaggica adotada, mas pela a transformao e o envolvimento dos sujeitos inseridos direta ou indiretamente em todo o processo. Dessa forma, consegue trazer para a experincia educativa os ideais dos sujeitos que aliceraram a construo da histria dessa pedagogia e permite a anlise dos obstculos encontrados ao longo do tempo. Como consequncia, acaba se destacando nos anseios daqueles que se encontram envolvidos na melhoria da educao do campo, e da condio de vida rural. Atualmente, para facilitar o entendimento das diversidades de experincias em Pedagogia da Alternncia, ficou acertada a utilizao do termo CEFFAs (Centro Familiares de Formao em Alternncia) com o objetivo de abranger as unidades educativas que adotam o sistema pedaggico da Alternncia. Eles visam adoo de prticas metodolgicas mais condizentes com as necessidades da populao alvo. necessrio destacar tambm que os CEFFAs se configuram como alternativa promissora de melhoria das relaes sociais entre os trabalhadores do campo, sua produo e principalmente na formao de suas identidades social e profissionais, uma vez que boa parte dessas escolas de cunho profissionalizante.

    Nos CEFFAs a valorizao da experincia vivida a base da relao educativa. H uma preocupao permanente em adaptar o pedaggico s caractersticas sociais e polticas, dinmica e necessidade local, associada a um ambiente de trocas de experincias, de construo e reconstruo dos saberes. Segundo Passador (2000, p.2):

    O envolvimento da comunidade primordial para a consecuo dos objetivos do Projeto, cuja implantao s acontece a partir da demanda da prpria comunidade. A partir da comea a se desenvolver o senso de responsabilidade pelas escolas, a busca de solues para os problemas da regio, a valorizao do agricultor como cidado e como profissional. Consequentemente, o Projeto acaba despertando a iniciativa e a participao comunitria, alm de uma atuao conjunta por parte dos rgos executores e parceiros do Projeto. E ainda, cria projetos de desenvolvimento regional oriundos das aspiraes da populao local.

    O mesmo autor destaca que a evoluo dos CEFFAs est diretamente relacionada maturidade poltica das comunidades. Nas cidades em que as lideranas constitudas e os agricultores compreendem suas atribuies junto ao Projeto, este se torna a mola propulsora da agricultura no municpio ou na regio (Id. p.2).

    13 Os estudiosos de Paulo Freire conhecem sua trajetria em meio aos movimentos de cultura e educao popular

    dos anos de 1950, movimentos estruturados pela necessidade de reforma agrria e justia social para os camponeses. As ideias sociais de Paulo Freire tornaram-se emblemticas em todo pas devido ao compromisso poltico que a educao pblica poderia operar em prol da libertao das massas. Naquele perodo em torno de 50% dos brasileiros acima dos 14 anos eram tidos como analfabetos.

  • 17

    Para melhor entendermos a estrutura e principais caractersticas dos CEFFAs destacamos a definio dada por Begnami (2006, p.25): O CEFFA uma associao de carter comunitrio, constituda de famlias, profissionais e entidades que buscam resolver os problemas de promoo e desenvolvimento do campo, articulando educao e formao com base em valores da participao, da cidadania, da sustentabilidade e solidariedade. Segundo o autor, esta terminologia foi introduzida em 2001 a partir da unio das Redes UNEFAB e ARCAFARs14. No Brasil, a constituio dos CEFFAs ocorreu de maneira bem diferente da Frana, cuja realidade agrria francesa apresenta at hoje caractersticas singulares se comparada ao resto da Europa e do Brasil. Os impactos referentes expanso do capitalismo foram diferentes e a Frana ainda tem como caracterstica uma realidade agrria com base na pequena propriedade familiar. Seus agricultores tm experincias e organizaes sociais diferentes dos agricultores brasileiros. Prticas associativas, cooperativas e sindicais so mais presentes naquela realidade, por isso de acordo com Queiroz (2006, p.13), a participao das famlias e o fortalecimento das Associaes dos CEFFAs no Brasil esto num processo de amadurecimento e consolidao. Entendemos, tambm, que o processo educativo para o compromisso coletivo nos CEFFAs uma contribuio relevante na construo da educao do campo e na construo da cidadania.

    necessrio destacar a importante funo educativa da participao, porm a participao social real e ativa baseia-se numa conquista de compromisso de ao e reflexo sobre a cidadania e autonomia de sujeitos-cidados. A educao deve ter como base a cidadania na formao de um indivduo que seja sujeito de sua histria e de sua coletividade, sendo capaz de promover mudanas, interferindo com projetos sustentveis para a famlia e a comunidade. Concordo com Nunes (2002, p.114) ao enfatizar que, o relevante, na experincia da alternncia reconhecer a efetiva importncia das relaes entre as pessoas como dado essencial do sucesso da experincia coletiva e, tambm, compreender melhor esse reconhecimento que seria o motor das relaes humanas.

    A parceria dos CEFFAs com rgos pblicos de Assistncia Tcnica e Extenso Rural, movimentos ambientalistas, sindicatos e outros, estimulam o envolvimento direto das famlias, como tambm o acompanhamento dos monitores durante as visitas proporcionando dessa forma a quebra do carter individualista caracterstico do agricultor familiar. Cria laos e interaes com o meio scioeconmico e cultural. Como explica Zanberlam (2005, p.37):

    A conscincia de um grupo existe quando se expressa com algo de concreto. Nossa experincia mostra que a escola-famlia sozinha, tem certa dificuldade em movimentar as pessoas. Trata-se de um fenmeno amplo, de longa durao. Ajudar a fazer crescer culturalmente as (os) jovens uma tarefa bastante abstrata, complexa e cheia de ambiguidades, todavia, importante para que estes jovens se engajem ativamente no processo de desenvolvimento de sua localidade. Este fazer, junto s famlias, precisa ser acompanhado de atividades concretas a nvel comunitrio.

    14 ARCAFAR Associao Regional das Casas Familiares Rurais, atualmente organizadas em regies do Brasil,

    so subdividas em ARCAFAR Sul (PR, SC e RS), ARCAFAR Norte e Nordeste, ARCAFAR Maranho e ARCAFAR Par.(ARCAFAR-SUL, 2011)

  • 18

    A relevncia do envolvimento das famlias na conduo do processo educativo de participao crtica e transformadora na comunidade rural e a formao integral do sujeito do campo so pilares fundamentais das escolas que trabalham com a alternncia. No que diz respeito formao integral na experincia da Pedagogia da Alternncia aplicada nestes Centros, importante destacar que esse trabalho se desenvolve considerando o indivduo em todas as suas dimenses: social, econmica, poltica, cultural, ambiental, tica e espiritual. Enfim, isso significa que o sujeito que deve ser considerado nas suas dimenses socioculturais e biopsicossocial.

    Podemos ressaltar, ainda, a importncia histrica da trajetria dos CEFFAs para o fortalecimento da Agricultura Familiar Camponesa, bem como para uma educao diferenciada voltada realidade campesina atendendo s necessidades das comunidades locais, possibilitando maior autonomia s famlias camponesas e, consequentemente, favorecendo a formao dessas pessoas para atuarem como agentes sociais. Esse contexto amplo e integral pode colaborar para abrir novos caminhos e possibilidades no que tange ao desenvolvimento local, profissional e pessoal do jovem do campo na medida em que conhece e valoriza a identidades e culturas campesinas.

    Reconhecidamente responsvel pela produo de alimentos bsicos, a agricultura familiar permite um alto ndice de empregabilidade e incluso social, com o menor custo e maior gerao de emprego em relao agricultura patronal e cidade. A expressividade do setor fez com que se iniciasse uma mobilizao poltico-estratgica em torno do fortalecimento desta categoria de produtores por meio de movimentos sociais prprios que vem resultando em polticas pblicas consolidadas como o Programa Nacional de Fortalecimentos da Agricultura Familiar (PRONAF). (BEGNAMI, 2003, p. 13)

    Os latifundirios produzem em suas vastas extenses de terra para exportao, enquanto que os agricultores familiares preenchem esta lacuna produzindo alimentos para a populao dos grandes centros urbanos.

    A lei 11.326,24/07/2006 (art.3), define em seu texto que agricultor familiar e empreendedor familiar rural, entre outros requisitos, so aqueles que no detm, a qualquer ttulo, rea maior do que 4 (quatro) mdulos fiscais e utilizam predominantemente mo-de-obra da prpria famlia nas atividades econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento. A referida lei tambm se refere aos silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, povos indgenas, e integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais, definindo suas principais caractersticas.

    No Brasil, do final da dcada de 1990, a produo da pequena propriedade configura-se responsvel pela maioria do abastecimento alimentar das cidades e do meio rural em relao produo convencional capitalista baseada nos princpios da chamada Revoluo Verde15, que tem como fundamento o uso de sementes de alto rendimento, fertilizantes, pesticidas, irrigao e mecanizao. (ROMERO, 1998)

    15 Revoluo Verde atendeu a interesses mercadolgicos especficos que colocaram a preocupao com o meio

    ambiente em terceiro plano. A Revoluo Verde pode ser dividida em trs fases. A primeira foi a implantao deste modelo de produo nos pases chamados do Terceiro Mundo como Mxico, Brasil e Filipinas. A segunda etapa foi o momento de expanso das tcnicas utilizadas pelas empresas, que foram levadas para o resto do mundo como uma agricultura massificada. Na terceira, a que vivemos hoje, em que as grandes empresas do ramo da biotecnologia e da nanotecnologia passaram a desenvolver experimentos tecnolgicos com a utilizao do material biolgico de plantas e animais, ou seja, os organismos geneticamente modificados, ou simplesmente, transgnicos. A terceira fase da Revoluo Verde consolida um modelo de produo que gera maior desigualdade no interior dos pases, marcada pelos latifndios, pelos monocultivos e pelo uso de insumos qumicos. E as empresas do ramo de

  • 19

    Sobre a Revoluo Verde, Cordeiro (1996), crtica o movimento principalmente pelos efeitos prejudiciais ao meio ambiente (...) atravs da homogeneizao das prticas produtivas, simplificao do meio atravs da utilizao intensiva de agrotxicos, fertilizantes inorgnicos, moto-mecanizao, equipamentos pesados de irrigao, variedades e hbridos de alto rendimento, etc, causaram inmeros impactos negativos sobre o meio ambiente e a sociedade; principalmente porque o pas no conseguiu acabar com a fome.

    O modelo da Revoluo Verde entrou em crise na dcada de 1980 e na dcada de 1990 surgiu o modelo agrcola do agronegcio, que tambm vem recebendo crticas, tanto de ambientalistas como de membros de movimentos sociais do campo. Em relao a este ltimo, vale aqui destacar as palavras de Joo Pedro Stdile, membro da Coordenao Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Para ele, no agronegcio no h lugar para camponeses nem sequer para agricultores, pois os trabalhadores desse modelo usam as tcnicas do padro internacional e se transformam em tratoristas, aplicadores de veneno, etc. (BROCH; TARTELLI; STDILE, 2009, p.159-160)

    Este modelo tambm aumenta a dependncia do capital financeiro e de empresas que tendem a controlar os insumos utilizados, o mercado e os preos. A agricultura moderna, neste paradigma, altamente dependente de energias fsseis, como o Nitrognio, o combustvel para maquinrio vem do petrleo, a forma do sistema de transporte para comercializao depende de petrleo, etc. Conclui-se ento que este modelo insustentvel, tanto do ponto de vista ambiental, como econmico e social. Alm de contribuir para uma sociedade desigual e injusta, tem como consequncias a degradao do ambiente, produtos contaminados, concentrao da renda, da produo e da propriedade de terra. A agricultura familiar, ao contrrio, apresenta um perfil essencialmente distributivo, alm de ser incomparavelmente melhor em termos socioculturais. (ROMERO, 1998, p.77) e, diramos, ecolgicos, com pouca interveno humana no processo de manejo das culturas. Nesse contexto, torna-se urgente um novo modelo agrcola, com base no fortalecimento da produo familiar e ecolgica, alm de novos modelos tecnolgicos que estejam em equilbrio com a natureza.

    Romero (1998) define o agricultor familiar, em geral, como proprietrio da terra na qual produz, no vende sua fora de trabalho e nem tem condies de contratar assalariados para seu servio, porm est integrado eficientemente ao mercado, capaz de incorporar os avanos tecnolgicos produo. Ao participar do mercado agrcola e produzir no somente para sua famlia, o agricultor familiar incorpora elementos de gesto e administrao. Nesse contexto necessrio tornar a agricultura familiar mais sustentvel e produtiva.

    Estudos de Broch, Tartelli e Stdile (2009) indicam serem trs as maiores representaes dos movimentos sociais do campo brasileiro em termos de capilaridade nacional e expresso poltica, so eles: a Confederao Nacional dos trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federao dos trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Essas organizaes tm buscado, atravs de suas lutas e intervenes em espaos pblicos, um novo projeto para o mundo rural fundado na sustentabilidade socioambiental e na agricultura familiar camponesa.

    agrotxicos e transgnicos aprofundam um modelo econmico e tecnolgico de explorao baseado na destruio ambiental, no desperdcio de energia e na expulso de milhares de agricultores do campo. (Notcias do Planalto, 2009)

  • 20

    A agricultura baseada na agroecologia no se prope somente resolver problemas de produo e consumo, mas orientar estratgias de desenvolvimento rural mais sustentvel. Polticas pblicas devem estimular e criar condies para que agricultores participem da transio agroecolgica. O Pronaf Sustentvel props, dentre outras questes, a criao de um grande Programa Nacional de Agroecologia que inclui subsdios do governo para famlias que quiserem optar por esse modo de produo.

    Mais do que mudar prticas agrcolas, tratar-se de mudanas em um processo poltico, econmico e scio-cultural, na medida em que a transio agroecolgica implica no somente na busca de uma maior racionalizao econmico-produtiva, com base nas especificidades biofsicas de cada agroecossistema, mas tambm de mudanas nas atitudes e valores dos atores sociais com respeito ao manejo e conservao dos recursos naturais e nas relaes sociais entre os atores implicados. (CAPORAL, 2009, p.8)

    Agroecologia no , portanto, um modelo alternativo de agricultura, nem somente a adoo de tcnicas ou tecnologias isentas de agrotxicos ou substituio de insumos, sua proposta muito mais ampla e complexa. A Agroecologia, ainda segundo Caporal, (2009), uma cincia que, neste contexto, busca agregar os saberes histricos dos agricultores com o conhecimento de diferentes cincias, permitindo a compreenso crtica tanto do modelo atual, como novas estratgias para uma agricultura mais sustentvel.

    Os CEFFAs tm como um de seus pilares de sustentao o princpio do desenvolvimento sustentvel e solidrio. Um de seus objetivos durante a formao do alternante de melhorar a qualidade de vida e o meio onde vive. A alternncia o considera ator no seu meio socioprofissional e deve buscar o engajamento social deste sujeito a partir da participao concreta em grupos, entidades, movimentos, etc. (BEGNAMI, 2006)

    No entanto perceptvel a necessidade de uma maior articulao participativa /poltica dos sujeitos envolvidos em torno do Movimento dos CEFFAs no Brasil, sobretudo das famlias, na busca constante de reconhecimento e apoio do poder pblico e social.

    No final dos anos 1990, houve uma maior articulao poltica das organizaes e entidades que atuavam com a educao da populao do campo e, a partir de ento, comeou um novo pensar da identidade dos sujeitos sociais do campo em sua diversidade que engloba atividades em diferentes espaos. Desta forma a Educao do Campo assume um maior vnculo com o sujeito numa perspectiva mais ampla e complexa, no apenas como sinnimo de ensino, mas de formao de seres humanos. Este conceito fundamenta-se na prtica educativa do Movimento da Educao do Campo e na Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional (Lei 9.394/96) que determina em seu art. 1: A educao deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais. No espao onde se desenvolve a Educao do Campo, as caractersticas familiares, culturais e laborais so muito diferenciadas daquelas da educao urbana e, como tais, devem ser legalmente respeitadas.

    O nascimento do reconhecido Movimento de Educao Bsica do Campo no Brasil, segundo muitos estudiosos do assunto, tem como marco o I Encontro Nacional

  • 21

    de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria (I ENERA), ocorrido em julho de 1997, na Universidade de Braslia. Neste evento aconteceu o Manifesto das Educadoras e Educadores da Reforma Agrria ao Povo Brasileiro que pode ser considerado como de grande relevncia para impulsionar uma educao diferenciada para o campo.

    Outros autores, dentre os quais destaco Munarim (2008, p.3) do especial relevo contribuio do MST para o nascimento e consolidao da Educao do Campo.

    A experincia acumulada pelo Movimento Sem Terra (MST) com as escolas de assentamentos e dos acampamentos, bem como a prpria existncia do MST como movimento pela terra e por direitos correlatos, pode ser entendida como um processo histrico mais amplo de onde deriva o nascente Movimento de Educao do Campo.

    O MST pode ser considerado o movimento social de grande importncia para o incio do Movimento de Educao do Campo Porm outras organizaes merecem meno neste estudo como, por exemplo: o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Sindicatos de Trabalhadores Rurais e federaes estaduais desses sindicados vinculados Confederao dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, vinculado CONTAG, que tem sustentado, a campanha chamada Marcha das Margaridas, a Rede de Educao do Semi-rido Brasileiro (RESAB) e, por fim, a Comisso Pastoral da Terra (CPT), entre outros. Em julho de 1998, em Luzinia-GO, aconteceu a primeira Conferncia Nacional por uma Educao Bsica do Campo. A proposta inicial estava limitada luta pela educao bsica, porm com a ao da Articulao Nacional16 houve a ampliao desta perspectiva para todos os nveis e modalidades de educao, escolar e no escolar visando polticas pblicas para os povos do campo. (MUNARIN, 2008, p.5-7)

    A partir dessa ao, comearam a surgir polticas, com resultados diversos, que afetaram a Educao do Campo, das quais destaquei quatro que considerei mais relevantes. As duas primeiras so: o Plano Nacional de Educao (PNE), aprovado pelo Congresso Nacional em 2001 e as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, do Conselho Nacional de Educao, que resultou na Resoluo CNE/CEB n 1, de abril de 2002. J em poca mais recente, aponto como relevantes a reviso nas Diretrizes Nacionais da Educao Bsica, na forma da Resoluo N 4 (CNE/CEB, de 13 de julho de 2010) e o Decreto Presidencial n 7326/2010, que institucionalizou o PRONERA17, garantindo a implementao de polticas de educao do campo.

    16 Trata-se de um movimento que congrega foras sociais relacionadas s questes camponesas, de distintas

    orientaes polticas e que, numa identidade coletiva, postula um atendimento educativo condizente com as necessidades sociais dos sujeitos que compem o campo demandatrio. E ainda, cabe salientar que o projeto educativo almejado se contrape ao projeto de campo e de agricultura vigente no pas, tornando a tarefa do referido movimento mais penosa, portanto, mais significativa.(MARTINS, 2009) 17

    Importante salientar o PRONERA-Programa Nacional de Educao em reas de Assentamento de Reforma Agrria (MDA- Ministrio de Desenvolvimento Agrrio) que promove aos assentados e filhos de assentados Educao Bsica, Educao profissional e Tecnolgica, Ensino Superior, Programas de Especializao em nvel Lato Sensu e tambm Mestrados. Todos os processos em convnio entre os Movimentos (FETAG, CONTAG e MST) e as Instituies de Educao Superior e Sistemas de Educacionais das Secretarias de Educao Municipais e Estaduais, conforme o caso de escolarizao e qualificao.

  • 22

    O Plano Nacional de Educao (PNE), de iniciativa do Ministrio da Educao (Brasil, 2000), teve seu texto quase totalmente fechado s propostas do Movimento de Educao do Campo e configurou-se numa anti-poltica pblica, unilateral e excludente. O outro processo, as Diretrizes Operacionais, diferente do PNE, significou um espao de efetiva participao das organizaes e movimentos sociais que compunham a Articulao Nacional. (MUNARIN, 2008, p.8-9) urgente se pensar em polticas pblicas que gerem condies de permanncia dos jovens no meio rural, dando-lhes perspectivas de vida, trabalho e renda no seu meio social e profissional. Para isso, necessria uma educao para o meio rural que no seja apenas uma agncia de reproduo do modelo de vida urbano, mas que permita o resgate dos saberes dos sujeitos rurais e da valorizao da cultura local. Alm disso, que trabalhe a valorizao do conhecimento familiar, que permita uma troca de saberes no meio comunitrio. Por meio do propsito de resgate da vida no campo, das trocas de experincias entre a famlia e o jovem, e entre estes e seu meio comunitrio, que perpassa o debate sobre o desenvolvimento sustentvel, a permanncia do jovem no campo; resultando na reduo do xodo rural. Cabendo a esta Unidade de Ensino ser o agente de articulao entre os jovens e os saberes tcnicos e o saber subjetivo do meio familiar, aplicando a Pedagogia da Alternncia e todos os instrumentos pedaggicos por ela sugeridos.

    importante destacar, ainda, que a educao nos CEFFAs deve estar baseada no desenvolvimento humano, social e produtivo, no uso de tecnologias limpas associadas a aes ambientais que busquem o desenvolvimento sustentvel. Esse processo envolve a transformao do sujeito que troca experincias, aprende, promove a mudana de si mesmo frente ao ambiente em que est inserido, possibilitando tambm mudanas de comportamento da comunidade, a partir de uma maior conscientizao social poltico e ambiental.

  • 23

    3 CONCEPES, ESTUDOS E INSTRUMENTOS PEDAGGICOS DA FORMAO POR ALTERNNCIA

    A partir de 1999, com a realizao do Primeiro Seminrio Internacional da Pedagogia da Alternncia, em Salvador/Brasil foi reconhecida a existncia de vrias outras experincias brasileiras em educao do campo a partir da Pedagogia da Alternncia. Com este Seminrio, passou a existir uma aproximao entre estas diversas experincias e a vinculao de todas na esfera de uma Rede, mais tarde denominada REDE CEFFAS.

    A expanso dos CEFFAS alcanou estados brasileiros em todas as regies do Brasil. Queiroz (2004) aponta oito experincias de Pedagogia da Alternncia no pas, destacando os nveis e modalidades oferecidos:

    a) Escolas Famlias Agrcolas (EFA), com 123 centros, presentes em 16 estados brasileiros, desenvolvendo os anos finais (segundo segmento) do Ensino Fundamental, Ensino Mdio e Educao Profissional Tcnica de nvel mdio.

    b) Casas Familiares Rurais (CFR), com 91 centros, presentes em seis estados, desenvolvendo os anos finais (segundo segmento) do Ensino Fundamental, Ensino Mdio e Educao Profissional Tcnica de nvel tcnico.

    c) Escolas Comunitrias Rurais (ECOR), com 3 centros no Esprito Santo desenvolvendo os anos finais (segundo segmento) do Ensino Fundamental.

    d) Escolas de Assentamentos (EA), com 8 centros no Estado do Esprito Santo, desenvolvendo os anos finais (segundo segmento) do Ensino Fundamental.

    e) Programa de Formao de Jovens Empresrios Rurais (PROJOVEM), com 7 centros no estado de So Paulo, atuando somente com cursos de qualificao profissional.

    f) Escolas Tcnicas Estaduais (ETE), com 3 centros localizados no Estado de So Paulo, voltados para os ensinos mdio e tcnico.

    g) Casas das Famlias Rurais (CDFR), com 3 centros situados nos Estados da Bahia, Pernambuco e Piau, desenvolvendo os anos finais (segundo segmento) do Ensino Fundamental.

    h) Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (CDEJOR), com 4 centros em estados do sul do Brasil, atuando somente com cursos de qualificao profissional.

    Segundo dados, mais atuais, da Equipe Pedaggica Nacional dos CEFFAs (UNEFAB, 2009), existem ao todo 263 CEFFAs, (CFRs e EFAs), presentes em 24 estados brasileiros. O estado com o maior nmero o Paran com 41 centros de formao, em seguida vem o estado do Par com 26 e em terceiro o estado da Bahia com 23 CEFFAs. De acordo com os dados do IX Congresso Mundial da AIMFR (2010), registra-se um total de 74 mil famlias atendidas, estando mais de 20 mil alunos em formao e j formados nestes centros de educao mais de 50 mil jovens.

    Considerando que a realidade subjetivamente dotada de sentidos e significaes que ns, seres humanos, indivduos sociais, produzimos por estarmos em relao com outras pessoas e novas situaes, plausvel que a Pedagogia da Alternncia sofresse mudanas conceituais e objetivaes em funo do espao social e as experincias identitrias de cada local em que foi estruturada.

    A seguir, apresento algumas mudanas conceituais que foram surgindo e gerando novas concepes, defendidas por alguns estudiosos do tema.

    3.1. Principais Concepes e Autores da Alternncia

  • 24

    Primeiramente apresento um breve resgate das abordagens do processo educativo para melhor discutir a complexa proposta da Pedagogia da Alternncia. Segundo Mizukami (1986), de acordo com a abordagem tradicional a nfase do processo ensino aprendizagem dada s situaes de sala de aula, onde os alunos so instrudos e ensinados pelo professor. As informaes devem ser adquiridas e os modelos imitados. A educao subordinada instruo. O professor detm o poder de informar, transmitir o contedo ao aluno. A avaliao