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AMOR MATERNO: MITO OU REALIDADE? Ivana S. Paiva Bezerra de Mello 1 Mestre em Psicologia Clinica Professora do UNIPE BR 230, Km 22. Água Fria CEP: 58.053-000, João Pessoa, PB Brasil RESUMO: Este artigo faz um esboço reconstrutivo, sintético, da trajetória histórica do conceito de amor materno, como também desenvolve o pensamento em torno das bases teóricas que explicam este conceito. Palavras chaves: Amor materno, maternagem, mãe/bebê ABSTRACT: This paper makes a reconstructive sketch, synthetic, about the historical trajectory of the motherly love’s concept. Also, it develops the idea about the theoretical basis that explain this concept. Key words: Motherly love, maternal, baby/mother. !"#$%$& ’$%

Amor Materno Mito Ou Realidade

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Discussão sobre o amor materno a partir de um ponto de vista freudiano.

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  • AMOR MATERNO: MITO OU REALIDADE?

    Ivana S. Paiva Bezerra de Mello1 Mestre em Psicologia Clinica

    Professora do UNIPE BR 230, Km 22. gua Fria

    CEP: 58.053-000, Joo Pessoa, PB Brasil

    RESUMO:

    Este artigo faz um esboo reconstrutivo, sinttico, da trajetria histrica do conceito

    de amor materno, como tambm desenvolve o pensamento em torno das bases tericas que

    explicam este conceito.

    Palavras chaves: Amor materno, maternagem, me/beb

    ABSTRACT:

    This paper makes a reconstructive sketch, synthetic, about the historical trajectory

    of the motherly loves concept. Also, it develops the idea about the theoretical basis that

    explain this concept.

    Key words: Motherly love, maternal, baby/mother.

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    AMOR MATERNO: MITO OU REALIDADE?

    Ivana Mello 2 3

    A palavra materno, no dicionrio da lngua portuguesa, referida como: Da me;

    prprio da verdadeira me; carinhoso; designativo de parentesco do lado da me, termo

    afetuoso; carinhoso (Bueno, 1986, p.708).

    O amor materno, por muito tempo, foi concebido como algo instintivo. Afirmava-se

    que a maternagem uma caracterstica universal feminina, fazendo-a parecer com um

    sentimento inato que todas as mulheres vivenciariam, independentemente da cultura ou da

    condio scio-econmica. Dessa forma, se considerarmos apenas os aspectos biolgicos,

    o amor materno era considerado como pr-concebido, pr-formado, esperando-se s a

    ocasio para exerc-lo. Mas, se o amor materno inato e natural, como podemos explicar

    que esse sentimento, dito instintivo, se manifeste em algumas mulheres e em outras no?

    Consideramos esse tema de suma importncia para podermos entender o que leva algumas

    mes a no permanecerem com os seus filhos.

    A imagem cultural que se tem dos sentimentos maternos, transmitida atravs de

    histrias tidas como verdadeiras ou como contos, mostram a dedicao da me prole, s

    vezes, at mesmo levada a extremo, abrangendo capacidade de renncia, em prol da

    preservao e sobrevivncia dos filhos diante dos perigos. Assim, o amor materno

    descrito nas histrias e nos contos e as qualidades da boa me so exaltadas.

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  • Kniebiehler e Fouquet (1980, citados em Maldonado, 1989), ao realizarem um

    levantamento histrico sobre a maternidade, observaram as duas primeiras mulheres

    descritas na tradio crist: Eva, apesar de ser a primeira mulher e a me de todos ns, no

    pensada como smbolo de maternidade, mas sim como smbolo sexual, objeto do desejo.

    Apresenta-se como uma mulher tentadora, pecaminosa e merecedora de castigo e da

    expulso do Paraso. A imagem materna aparece associada a Maria, me de Jesus, que

    concebeu sem pecado, ficando outorgada a ela a maternidade santificada e caracterizada de

    bondade, humildade e caridade.

    Dolto (1996) nos apresenta algumas imagens ancestrais relacionadas ao amor

    materno. Primeiramente, o amor de me do mundo pago, onde o filho tido como um

    bem, isto , como um objeto, sendo comparado a uma riqueza. A segunda, a me do

    mundo judaico-cristo e a autora expe, como exemplo desse amor, o episdio entre duas

    mulheres que reivindicavam a posse da mesma criana, ocasio em que Salomo, com sua

    sabedoria, diz para as mulheres: Pois bem que ela seja partida em dois e cada uma

    receber a metade (p. 210). Neste momento, a verdadeira me abdica da criana, fazendo

    surgir o primeiro grito de amor materno humano, sustentculo do ser carnal e espiritual dos

    filhos, visto nos exemplos das mes da Bblia. A doao dessa me demonstra que esta

    entrega um ato de amor, pois para proteger e salvar a criana da morte, ela opta por

    separar-se do filho, preservando-lhe a vida. E, finalmente, a imagem materna do poder

    real, triunfo da me e do filho, na qual a figura da me com o filho ostenta adornos ricos

    com rubis, cercados de anjos e arcanjos. Esta imagem pouco entendida pelas pessoas

    comuns, contudo, era a imagem exibida at o Renascimento.

    Estudos como os de Aris (1981) e Badinter (1985) nos mostram no s uma

    grande diversidade de atitudes e de qualidades de amor materno como de diversas maneiras

  • de express-lo, podendo-se encontrar o interesse, a dedicao ou a ternura da me, que, s

    vezes, existe e outras no. Todavia, para compreendermos melhor o sentimento materno

    focalizaremos, em seguida, alguns aspectos histricos sobre o assunto.

    Aris (1981) acredita que as mudanas relacionadas aos cuidados com a criana,

    comearam a surgir por volta do sculo XVII, pois at ento o amor materno, tal como

    hoje se concebe, era inexistente. Podemos dizer que foi uma mudana significativa, j que

    a criana saiu do anonimato e, mesmo que ainda no ocupasse um lugar privilegiado,

    passou a ser mais valorizada e o fato de perd-la, sentido pela famlia. O conceito de amor

    materno floresceu, passando a famlia a se organizar em torno da criana, principalmente a

    me.

    Badinter (1985) afirma que, aps 1760, as publicaes a respeito do amor materno

    so abundantes, havendo uma tentativa de modificar radicalmente a imagem da mulher

    sendo a ela impostas as obrigaes maternas antes de tudo. Assim: foi engendrado o mito

    que continua bem vivo duzentos anos mais tarde: o do instinto materno, ou do amor

    espontneo, de toda me pelo filho (p.145).

    No Brasil, foi atravs de Alexandre Gusmo (citado em Pinto, 1997), fundador do

    Seminrio na Bahia, que surgiu o primeiro Manual de Criao de Filhos, datado de 1685.

    Neste manual cabia me a formao, isto , tudo o que estava envolvido com cuidados

    materiais como roupas e alimentos apropriados para o filho. Na funo de diretor, o pai

    transmitia os valores morais, religiosos, como tambm assegurava a manuteno econmica

    do lar. S aps a idade da razo (sete anos) que a criana passaria a ocupar um lugar mais

    prximo ao pai. Antes dessa poca, ela deveria ser cuidada pela me. Os pais que no

    assumissem esse compromisso, estariam quebrando regras sociais e comprometendo a vida

    adulta do filho.

  • Era preciso apelar para os sentimentos femininos para que as mulheres aceitassem

    suas tarefas maternas. Assim, moralistas, administradores, mdicos empenhavam-se na

    tarefa de persuadi-las. Nesta ocasio surge, segundo Badinter (op. cit.), a associao de

    duas palavras, amor e materno, que significa no s a promoo do sentimento, como

    tambm a elevao do estatuto da mulher enquanto me. Torna-se imperativo que ela

    assuma os cuidados com a criana. A perda de crianas passa a interessar ao Estado que,

    desta forma, tambm, perderia pessoas que mais tarde poderiam servi-lo.

    Na verdade, nos sculos XVII e meados do sculo XVIII, o amor materno passou por

    transformaes. Era comum, na ocasio, que as mes entregassem seus filhos para serem

    criados por amas de leite, pois as tarefas maternas no eram valorizadas e sim eram vistas

    como um estorvo. As mulheres enviavam seus filhos para serem criados por amas

    mercenrias, e eles seriam entregues de volta ao lar quando estivessem mais fortes.

    Pesquisas realizadas sobre esse perodo verificaram que de quatro crianas enviadas a amas

    de leite, uma resistia. A mortalidade era elevada e, consequentemente, preocupante

    (Santos, 1998; Camarotti, 1998).

    Segundo Aris (1981), a mulher dessa poca tambm tinha medo de se apegar a

    um ser to pequeno e frgil, para depois sofrer sua perda. Portanto, a entrega dos bebs s

    amas era uma prtica comum. Alguns jamais voltariam a seus lares. Todavia, o incentivo

    da presena materna junto criana comeou a ser desenvolvido ainda no sculo XVIII,

    pois a presena da me passou a ser importante em vrios aspectos, como os educacionais e

    religiosos. Mas, Badinter (op. cit.) afirma que o amor materno no existe em todas as

    mulheres, como tentou fazer crer a moral burguesa, principalmente nos meados do sculo

    XIX.

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    Foi a partir do discurso de Rousseau (1760/1978) com a publicao do Emlio, que

    surgiu a exaltao do amor materno e a necessidade desse vnculo derivado do contato

    fsico entre me e filho, para propiciar o desenvolvimento adequado da criana. Evoca-se

    o instinto materno. Segundo Badinter (op.cit.): ser preciso apelar ao seu senso de dever,

    culp-la e at amea-la para reconduzi-la sua funo matritcia e maternante, dita

    natural e espontnea (p.144).

    O desenvolvimento do culto ao amor materno teve seu apogeu nos sculos XIX e

    XX. Devido s condies econmicas e polticas, o homem foi levado a sair de casa e a

    entregar toda a responsabilidade dessa mulher. Ela, que tinha apenas uma funo

    biolgica, assumiu o papel de educadora e passou a ter uma funo social. Tambm, sob a

    influncia da Psicanlise, foi delegada me a responsabilidade pelo desenvolvimento

    emocional dos filhos (Aris, 1981).

    Fazendo uma sntese da posio da mulher diante dos filhos, de acordo com Badinter

    (op.cit.), a me do sculo XVIII foi vista como auxiliar dos mdicos. J no sculo XIX,

    ela foi vista como educadora. no sculo XX que sua responsabilidade aumenta, pois passa

    a ser responsvel pela sade emocional dos filhos. Assim, a imagem materna ser

    desenhada, e como nos diz a autora: a era das provas de amor comeou. O beb e a

    criana transformaram-se em objetos privilegiados da ateno materna. A mulher aceita

    sacrificar-se para que seu filho viva, e viva melhor junto dela (p.202).

    Camarotti (1998), no entanto, analisa o incentivo aos cuidados maternos como uma

    tentativa masculina de diminuir a emancipao feminina, alm de desestimular o interesse

    cultural e conduzir a mulher s tarefas maternas, as quais passam a ser vistas como

    sagradas.

  • 4

    CONCEITUAES, BASES E TEORIAS QUE EXPLICAM O AMOR MATERNO

    Como nos referiremos constantemente aos conceitos de maternidade e

    maternagem/maternao importante traar suas diferenas. Dessa forma, entendemos a

    maternagem/maternao como o processo de criao dos vnculos afetivos entre pais e

    filhos e a maternidade como decorrente dos laos biolgicos.

    A maternagem inicia-se na relao me-beb no primeiro perodo do

    desenvolvimento da criana. So de grande importncia as condies psicolgicas bsicas

    no cuidado infantil nesse perodo, pois o beb sai dessa situao com as marcas de uma

    intimidade peculiar que, possivelmente, se recria ou que tenta recriar. E, especialmente no

    caso das meninas, a experincia do primeiro relacionamento com a me oferece uma base

    para as expectativas da mulher como me (Stern, 1997).

    Chodorow (1990) questiona se a maternao propiciada pelas mulheres natural. A

    autora tambm distingue o cuidar de crianas do fato de dar luz a crianas, criao dos

    filhos como uma atividade por um lado e parto como outra (p.33). Para a autora, a maior

    parte das explicaes pressupe que o principal responsvel pela criana seja quem deu

    luz mas acha necessrio analisar se existe uma base biolgica que fundamente o dever da

    me com a maternagem.

    Uma tentativa de explicao para o amor materno com bases biolgicas, encontramos

    numa anlise funcional-bio-evolucionista, realizada por antroplogos, que acreditam que a

    diviso de trabalho por sexo seja um fator determinante no papel de maternar

    desempenhado pela mulher. Eles afirmam que, devido agilidade e agressividade do

    homem, o mesmo foi levado a se responsabilizar pela caa e manuteno do grupo,

    enquanto para as mulheres seria natural que coletassem pequenos animais, prximos ao

  • acampamento, e criassem as crianas. Devido gravidez, as mulheres eram obrigadas a

    ficar com os seus filhos, cuidando-os e amamentado-os. E como a mortalidade infantil era

    elevada, elas tinham que permanecer no acampamento, com o intuito de preservao do

    grupo (Lee, & Devore, 1968; Tiger, 1969; Friede, 1975; Lancaster, 1976; Rossi, 1977,

    todos citados por Chodorow 1990).

    Contudo, essa argumentao no comprova se as mulheres tm maior capacidade de

    maternar do que o homem. Ela nos informa que elas no podiam caar, pois, ou estavam

    grvidas, ou cuidando das crianas. Mas no prova que o instinto materno seja biolgico.

    Rossi (citada em Chodorow, op. cit.) salienta que as mulheres teriam maior

    capacidade para maternar, resultante da diviso do trabalho j existente na pr-histria.

    Assim, a explicao funcionalista julga que a diviso de trabalho por sexo foi essencial para

    a sobrevivncia da espcie, tendo-se integrado na fisiologia humana. Todavia, Chodorow

    (op. cit.) argumenta que mesmo em sociedades elementares de subsistncia, as funes

    reprodutivas femininas, necessariamente, acarretam uma diviso de trabalho por sexo, mas

    tambm admite que existe uma convenincia ideolgica e cultural acerca dessa diviso. Na

    atualidade, poderamos dizer que essa argumentao funcionalista-evolucionista no d

    subsdios para a crena na maternao por parte das mulheres. Ela no prova, com bases

    biolgicas, a razo pela qual as mulheres, ou mes biolgicas, devam ou tenham que

    maternar os seus filhos.

    Outra argumentao a favor da maternao pelas mulheres a sugerida por

    psicanalistas e admitida tambm por ginecologistas, obstetras, cientistas sociais,

    fisiologistas e psiclogos. Eles acreditam que as mulheres possuem um instinto

    maternizante ou instinto materno sendo assim natural que maternem ou devam maternar.

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    Alice e Michael Balint (1939;1961 citados em Chodorow, 1990) afirmam que

    existe:

    uma necessidade ou tendncia a maternizar subseqente gravidez, uma mutualidade me-beb biolgica ou instintual, uma maternidade instintiva e interdependncia de objetivos institntuais recprocos na qual o que satisfao libidinosa para um deve ser satisfao libidinosa para o outro e a me e o filho ficam igualmente satisfeitos nessa condio(p.40).

    Winnicott (2000), referiu-se a uma preocupao materna primria, que

    considerada um estado especial da me, um estado psicolgico. O mesmo ocorre

    principalmente no final da gravidez e estende-se at aps algumas semanas do nascimento

    do beb. A me encontra-se num estado de sensibilidade exacerbada, quase uma doena

    como o autor afirma:

    Certamente, existem muitas mulheres que so boas mes sob todos os outros aspectos e que so capazes de manter uma vida rica e proveitosa, mas que no conseguem atingir esta doena normal que as capacitaria a se adaptar delicada e sensivelmente s necessidades iniciais do beb j nos primeiros momentos ou conseguem faz-lo com um filho e no com o outro ... A mulher que se caracteriza por uma forte identificao masculina sentir essa parte das funes maternas a mais difcil de realizar, e uma inveja do pnis reprimida deixa muito pouco espao para a preocupao materna primria (p. 40l, 402).

    A me, para Winnicott (op. cit.), responsvel pelo desenvolvimento psicolgico do

    filho e s ela sensvel o bastante para entender as necessidades do beb que, a princpio,

    so corpreas, mas que, gradualmente, se transformam em necessidades do ego, medida

    que ocorre a elaborao imaginativa das experincias fsicas que emergem na esfera

    psicolgica. O referido autor associa o instinto materno ao estado psicolgico da me,

    admitindo que o mesmo pode variar de acordo com o momento emocional da mulher.

  • Alguns estudiosos do instinto materno acreditam existir uma base

    hormonal/fisiolgica para que as mes maternem. Todavia, nenhum deles apresenta provas

    convincentes de que os bebs precisem das mes biolgicas ou de que as mulheres so

    prejudicadas por no cuidarem dos bebs que deram luz. Benedek (1959, apud

    Chodorow, op.cit) informa, atravs de sua pesquisa sobre a interao me-beb, que o

    lactante apresenta uma necessidade absoluta da me, mas, para a me, essa necessidade

    considerada relativa.

    De acordo com Correia et al (2001), o desejo da mulher em ser me no suficiente,

    pois a criana necessita ser aceita antes de existir na fantasia, para posteriormente ser

    acolhida na realidade, ou seja, antes da adoo real necessrio uma adoo psquica.

    Os estudos realizados e nossa prpria experincia denotam que homens e mulheres

    no parturientes podem agir de forma maternante com a criana, e que, certamente, pessoas

    que adotam filhos podem tambm agir dessa forma com eles.

    Para dar continuidade a essa reflexo sobre o amor materno talvez seja pertinente

    trazermos o pensamento de alguns autores que tentaram conceitu-lo.

    Hilferding (1991) foi uma das pioneiras em debater o amor materno. Numa

    conferncia realizada em 1911 denominada Sobre as bases do amor materno pressups

    que o amor materno acontecer a partir da interao fsica entre a me e o beb. A autora

    viabilizou uma discusso sobre o pensamento de Freud e muitos estudiosos do cenrio

    psicanaltico da poca. Dessa forma, tentaremos enfocar o pensamento de alguns deles

    sobre o amor materno: Iniciaremos citando Winterstein, que ressalta o fato do amor

    materno estar relacionado com o coito, atravs do qual foi concebida a criana. Grner, no

    mesmo contexto, supe que o amor materno uma reproduo da relao sentida, enquanto

    filha de seus pais, e uma outra suposio que ele seria a projeo dos sentimentos

  • direcionados ao marido deslocados para o filho. Frau. V. Stein afirma que a falta de amor

    materno pode estar ligada falta de amor pelo marido (Hilferding, op.cit., p.89).

    A citada autora comenta que Freud ressaltou que seria necessria uma comprovao

    estatstica para se saber alguma coisa sobre o amor materno e que qualquer tentativa de

    analisar o fenmeno sob um nico aspecto estaria fadada ao fracasso. Freud sups ainda

    que, tanto nos pais como nas mes, o fator psicolgico deve ser levado em considerao, e

    que certos sentimentos de decepo ocorreriam devido realidade no corresponder

    imaginao, principalmente quando a realizao do desejo de ter um filho foi prolongada.

    Portanto, mes que desejam muito ter um filho como um substituto de desejos sexuais

    podem passar por uma decepo e, ao verem seus filhos, alegam que a criana to feia.

    Adler (apud Hilferding, op. cit.), por outro lado, chama a ateno para os fatores

    psicolgicos do amor materno e falou do dio materno, revelado pelos seus analisandos.

    Ele considerou que esse sentimento de hostilidade tem razes profundas e que

    desencadeado principalmente nos neurticos, quando os mesmos tm que despender seu

    amor por algum e sentem-se escravos do outro, o que leva ao surgimento de moes

    hostis sempre que o sujeito tiver que renunciar a alguma satisfao.

    Oppenhein (citado por Hilferding, op. cit.) menciona que atravs da procriao que

    se d a preservao da comunidade social e o fenmeno do dio materno s surge sob a

    influncia de condies sociais difceis e complicadas. Todavia, tanto o amor materno

    como o dio materno esto intimamente ligados ao fato dos filhos serem desejados ou

    indesejados.

    Freud (1932) afirma que a maternidade estaria fundada no naturalismo e seria

    universalizada. Porm, na conferncia 33 sobre a Feminilidade, ele salienta que esse tema

    encontrava-se incompleto e fragmentado e os que desejassem saber mais ouvissem seus

  • (

    clientes, as mes, os pais, os artistas, os poetas e sua prpria experincia. O citado autor,

    nessa mesma conferncia disse:

    O desejo que leva a menina a voltar-se para seu pai sem dvida originariamente o desejo de possuir o pnis que a me lhe recusou e que agora espera obter do pai. No entanto a situao feminina s se estabelece se o desejo do pnis que a me lhe recusou, e que agora espera obter do pai, foi substitudo pelo desejo de um beb, isto ; se um beb assumir o lugar do pnis, consoante uma primitiva equivalncia simblica (p.155)

    Deutsch (1937, citada em Freitas 2000), afirma que a maternidade deve ser

    conceituada como a relao me e filho. Essa relao inicia-se na concepo e acompanha

    todo o desenvolvimento do filho. Mas, apesar da maternidade estar relacionada conduta

    tpica da espcie, ela pode variar de acordo com a personalidade da me.

    Jacobson (1950, citada em Chodorow, 1991:27) diz: destino biolgico da mulher

    gerar e dar luz, amamentar e criar filhos.

    Camarotti (1998), ao citar Klaus e Kennel (1978), pediatras contemporneos, mostra

    que esses autores ressaltaram a importncia da relao me-beb, no incio da vida, para o

    estabelecimento futuro de um bom relacionamento. Afirma tambm que os mesmos

    compactuam com a idia que o desenvolvimento do amor materno se d com o contato com

    o filho.

    Pinheiro (1991), no entanto, salienta que os sinais de amor materno surgem na

    ocasio dos primeiros movimentos fetais, e, se isso no ocorrer, podero ser propiciados

    atravs dos contatos fsicos aps o parto.

  • Kaplan (1994, apud Freitas, 2000) diz:

    O amor materno a expresso afetiva direta da relao positiva com o filho. Sua principal caracterstica a ternura. Toda agresso e sensualidade na personalidade da mulher so derivados e suprimidos pela expresso afetiva central dos cuidados maternos (p.46).

    Santos (1998) salienta que o mito do amor materno pressiona algumas mulheres a

    assumirem seus filhos por pura obrigao, pautadas num perfil feminino que surgiu a partir

    do sculo XVIII. Isto prevalecendo nos dias atuais, reforado que pelo discurso

    moralizador, que cobra dessas mulheres amor e cuidado por seus filhos.

    As definies colhidas nos levam a observar o quanto forte o conceito de amor

    materno, levando-nos a assimil-lo de forma contundente e no questionvel, como se fosse

    uma situao sine qua non: mulher = maternar. Nesse sentido, os pressupostos biolgicos

    instintivos parecem se sobressair. Contudo, no seria possvel observar o comportamento

    humano de forma simplista, sendo necessrio considerar tambm os aspectos psicolgicos,

    bem como os scio-culturais.

    Camarotti (1998) conclui dizendo que mulher castrada, pelas colocaes

    psicanalticas, s lhe resta a maternidade, facultando-lhe a responsabilidade do destino

    psquico de seus filhos. A partir de sua escuta clnica, levanta algumas indagaes: Se no

    dipo tanto o menino como a menina desejam ter um filho do genitor o que diferencia

    depois o desejo de ter um filho no homem ou na mulher?(p. 102).

    A autora acima citada v o desejo de ter um filho de forma igualitria, tanto para o

    homem como para a mulher, e no inerente situao da incompletude (castrao) sentida

    pela mulher, uma vez que a mesma no apresenta essa necessidade natural de viver a

    maternidade.

  • Lacan (1996) afirma que a funo materna que ir inicialmente produzir o

    engajamento do sujeito na cultura. atravs dos cuidados maternos e de como a me o

    escuta, que ele ser significado. Assim, o real ser nomeado a partir do imaginrio materno.

    A maternidade ser marcada pela histria da me, pela sua posio de filha, enfim, pela sua

    passagem no dipo. Segundo o autor, a maternidade, por sua vez, pode desencadear crises

    que mobilizam fantasmas, de tal maneira que possibilitam o surgimento de sentimentos

    imobilizantes, os quais impedem que as mulheres encarnem a funo materna.

    Para Hilferding (1991) algumas mulheres se alegram em saber que tero um filho.

    Contudo, quando ele nasce, elas no conseguem experimentar o verdadeiro amor materno.

    Quando esse sentimento surgir mais tarde, ele ser favorecido por fatores psicolgicos, que

    a autora considera decisivos, pois demonstram a compaixo da me pelo beb, alm das

    convenes que exigem amor por parte da me. Naturalmente, espera-se que o amor

    materno desperte aps o nascimento do beb, ou, at mesmo, um pouco antes. Todavia,

    nem sempre este sentimento acontece, e, freqentemente, como diz Hilferding (op. cit.)

    demonstrado: ... pela recusa em amamentar a criana ou pela inteno de no ficar com

    ela (p.89). Porm, para a autora, se conseguirmos colocar a criana no seio da me, isto ,

    em contato fsico, teremos uma chance que ela no queira se separar da mesma.

    Dolto (1996), ao examinar a gnese do amor materno, apresenta como surgiria e se

    desenvolveria o sentimento maternante na menina. Por volta dos trs anos, a criana

    demonstra independncia e interesse por formas, nomes e, em particular, a forma do

    prprio corpo, sendo nesse perodo que ocorre a descoberta da diferena sexual entre

    meninos e meninas. A ausncia de pnis na menina a nica diferena nessa idade. Este

    pedacinho que falta na menina pode passar por muito tempo desapercebido da me

    desprovida, pois tal protuberncia assemelha-se aos seios que a me apresenta. A menina,

  • nas suas investigaes tteis, descobre que no tm pnis, mas homologamente ao menino

    possui um boto erctil tal como as extremidades dos seios (ainda achatados) tornando-os

    para a menina os locais de seu narcisismo sensual. A ausncia de pnis tender a causar na

    menina fantasias de valor compensatrio, demonstrados atravs da linguagem, da mmica

    vivaz, da destreza, bem como de tudo o que vem a fazer com que ela seja falicamente

    apreciada, a despeito da decepo da descoberta genital.

    Dolto (op.cit), ento, afirma :

    o coquetismo narcizante das meninas, sua destreza manipulatria, sua graa corporal desenvolta e seu investimento fetichista nas bonecas -- pequenos falos compensatrios a quem elas gostam de oferecer cuidados, roupas bonitas e observaes educativas, imitando me so o sinal de uma integrao bem sucedida daquilo que os psicanalistas chamam castrao primria (p.221).

    Essas so as primeiras manifestaes que se referem ao papel materno e, atravs das

    brincadeiras com bonecas, que elas gostam de proteger e manipular, ocorrer a

    compensao dessa castrao levando o grupo adulto a se enternecer e valorizar seu papel

    como futura mame. Todavia existe um grande nmero de mulheres que sob o ponto de

    vista intelectual e social so muito evoludas, mas no conseguem ser boas mes para os

    seus prprios bebs. Pois desde a decepo narcsica proveniente da descoberta da sua

    forma genital na primeira infncia, elas elaboram inconscientemente o recalcamento de

    qualquer percepo olfativa de uma regio considerada vergonhosa, ficando o recalcamento

    cravado no seu corpo. Essas mulheres supervalorizam a cultura e a promoo social, cujo

    aspecto comum nos dois sexos. Desta forma, salienta Dolto (op.cit):

  • 3

    ... elas apresentam uma repulsa fbica, em particular quanto aos odores do leite e de sua regio urogenital, e estendem essa repulsa ao cheiro do corpo de seus bebs incontinentes e infantes. So mes ms da primeira infncia (p.221).

    Em outras mulheres no encontramos o recalcamento acompanhado pela repulsa da

    regio genital, mas a depreciao da feminilidade e tudo que a caracteriza em seu meio

    social e a fecundidade passa a ser seu nico objetivo obsessivamente valorizado.

    Transformadas em mulheres, elas confundem os cuidados a serem prestados aos seus

    bebezinhos com o seu prprio valor e s se sentem valorizadas por serem amamentadoras e

    mes (Dolto, 1996).

    Qualquer me que seja normalmente mulher, isto , com sua ferida narcsica

    experimentada e superada, apresenta sentimentos maternos positivos pelo seu beb, pois a

    percepo enunciada por sinais tais como os olfativos, auditivos, visuais e tteis do corpo

    do lactante so percepes narcizantes, quando se trata do prprio filho, e sentidas como

    agradveis (Dolto, op.cit.).

    Para finalizar a gnese do amor materno segundo a autora citada acima, o

    sentimento materno inconsciente, transmitido e se constitui na infncia no contato com as

    figuras femininas das duas linhagens, materna e paterna, atravs das quais a menina far ou

    no sua identificao. Contudo, estas imagens esquecidas pelas meninas deixaro marcas

    nas emoes femininas em evoluo e, consequentemente, em sua estrutura, que mais tarde

    resultar no s na sua gestualidade, mas no modo de ser e sentir.

    Segundo Edulma (1989) e Bartlett (1964, citados em Stern, 1997) a experincia da

    evocao ocorre no presente e no no passado. Porm, o contexto presente como uma

    chave que desencadeia memrias do passado, integrando-o com o presente. Desta forma,

    Stern (op. cit.) menciona que o contexto evocativo propicia: memrias do perodo de beb

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    da me, e ao mesmo tempo, da maternagem que ela recebeu da prpria me (p.170).

    Dessa maneira, essas evocaes vo contribuir para a me elaborar seu relacionamento com

    sua prpria me, passado e presente, ao recordar as experincias iniciais da prpria

    maternagem, proporcionando a experincia evocativa de esquema antigo, permeando a

    experincia da nova me.

    No parto do primeiro filho se processa a mesma relao da parceria que a mulher

    tivera com a me, s que agora o parceiro o filho, o que faz com que a mulher que se

    torna me pela primeira vez mergulhe no universo que a obrigaria a reorganizar sua

    subjetividade feminina. Portanto, parir o primeiro filho pode suscitar emoo violenta de

    dio e paixo e a dificuldade de reconhecer a criana que acaba de nascer como filho

    bvia, pois o que est em jogo a prpria estrutura da mulher que se torna me (Pinheiro,

    1991).

    A mulher, ao ficar grvida, vai refletir sobre toda sua vida anterior concepo.

    Assim, temos algum vivenciando suas prprias experincias com seus pais, sua relao

    edipiana e se a mesma foi bem resolvida ou no, e, finalmente, como se estabeleceu a

    separao dos mesmos. Tudo isto influencia a forma como a me se adapta ao seu novo

    papel (Brazelton & Cramer, 1992).

    Estudo publicado por pesquisadores canadenses da Universidade Mc Gill de

    Montreal, (citados por Pontes, 2001) sobre as relaes entre pais e filhos, afirmam que o

    amor da me no algo que se nasce sabendo, e sim que aprendido, passando de gerao

    a gerao, no sendo transmitido pela herana gentica mas pela experincia. Este estudo

    corrobora o que foi dito por Badinter (1985) no sentido que o amor materno no uma

    condio inerente mulher, mas que pode ser desenvolvido.

  • Devido impossibilidade de se comprovar que seja o amor materno um sentimento

    inato, o assunto nos remete s relaes primrias, vividas pelas mes com suas prprias

    mes, perfazendo uma cadeia de introjeo e projeo, observada na conduta das mes em

    relao a seus filhos.

    Chodorow (1990) comenta que a atividade maternal assumiu uma significao no s

    psicolgica, mas tambm, ideolgica, e que, apesar do processo evolutivo que a famlia

    vem passando com o desenvolvimento do capitalismo e da industrializao, o papel da

    maternagem continua sendo evidenciado pela psicologia, sociologia e os neo-freudianos,

    que oferecem argumentos reforando o papel maternal das mulheres, a partir da

    importncia ao relacionamento me-filho para o desenvolvimento da criana.

    Na nossa sociedade, como em outras, as mulheres no apenas geram seus filhos, mas

    assumem responsabilidades iniciais de cuidar das crianas. No decorrer dos tempos, elas

    entraram e saram do mercado de trabalho. Apesar das vrias mudanas sociais, as

    mulheres continuam, de maneira geral, maternando as crianas como mes de famlia,

    domsticas, ou trabalhando em Centros de Assistncia Infantil.

    Resumindo o que foi levantado na bibliografia consultada, podemos concluir que,

    enquanto uns autores acreditam que o amor materno inerente condio feminina, outros

    acham que ele depende das condies scio-econmicas, psquicas, familiares e pessoais da

    mulher. Na nossa concepo, o amor materno no precisa ser visto como inato ou inerente

    mulher, estando a capacidade e aptides para que as mulheres maternem e obtenham

    satisfaes com isso fortemente ligadas aos processos internalizados psicologicamente e

    integrados estrutura feminina.

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    RFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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