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Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte Arte > Obra > Fluxos Local: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Museu Imperial, Petrópolis, RJ Data: 19 a 23 de outubro de 2010 Organização: Roberto Conduru Vera Beatriz Siqueira texto extraído de Trânsitos entre arte e política

Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História · do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Pamplona, Barcelona e Rosário nos eventos e ... turbulência de Antônio Manuel, ou

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Anais do XXXColóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte

Arte > Obra > Fluxos

Local: Museu Nacional de Belas Artes,

Rio de Janeiro,

Museu Imperial, Petrópolis, RJ

Data: 19 a 23 de outubro de 2010

Organização:

Roberto Conduru

Vera Beatriz Siqueira

texto extraído de

Trânsitos entre

arte e política

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Arte (e acontecimento) nos anos 60 e 70: pública e comum

Sheila Cabo Geraldo

UERJ/ CBHA

Resumo

A pesquisa avalia ações de arte no final dos anos 60 e início dos anos 70 classificadas, muitas vezes, como conceituais ou concei-tualistas. Se a produção desse período caracteriza-se especialmente por ações de oposição experimental aos espaços institucionais de arte, as ações aqui abordadas possuem como particularidade não só terem se dado em situações de enfrentamento de regimes de gover-no marcados pela repressão política e cultural, como por terem se constituído enquanto alternativas experimentais e coletivas, que se abrem no e para o espaço público das cidades como experiência de arte no nível do comum.

Palavras Chave

Acontecimento, conceitualismo, espaço público.

Abstract

The survey assesses actions of art in the late 1960s and early 1970s often classified as conceptual or conceptualist. If the production of this period is characterized especially by actions of experimental opposition to institutional art spaces, these actions have as pecu-liarity not only happened where the Government schemes were marked by cultural and political repression, but also for had in-cited experimental and collective alternatives, opening this experi-mental art in and for the public space of cities as commonplace.

Keywords

Event, conceptualism, public space.

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As ações aqui abordadas são as que envolveram lugares e habitantes das cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Pamplona, Barcelona e Rosário nos eventos e projetos de Apocalipopótese, Do Corpo a Terra, Encontros de Pamplona, Grup de Treball e Tucumán Arde.

Apocalipopótese, como escreveu Wally Salomão, quando da morte de Torquato Neto1:

“ foi o nome inventado pelo designer-esotérico Rogério Duarte para o espírito daquela época. A sôfrega ânsia por um juízo final que suspendesse o curso das coisas banais dos dias e o anún-cio contínuo de que todo dia é dia D, um carpe diem negativo...”

Suspender o curso das coisas banais se refere aqui também, e sobre-tudo, a suspender os modos e usos dos espaços de arte, como espaços “dentro--determinados” como escreveu Hélio Oiticica no texto de 1969 em que avalia sua Experiência Whitechapel.2

Apocalipopótese, que acontecera em julho de 1968, ainda nas palavras de Hélio,3 teve origem nos ovos, de Lygia Pape, assim como em sua bólide-cama. Hélio diz:

Rogério Duarte formulou tudo, numa conversa comigo, em minha casa, em maio de 68: a idéia de probjeto, que engloba tudo [...] os ovos de Lygia Pape seriam o exemplo clássico de algo puramente experimental, por isso diretamente eficaz: estar, furar, sair o contínuo “reviver” e “refazer”[...] Tudo explodido naquela tarde – John Cage estava lá, trazido por Esther Stockler [...] as pessoas participavam diretamente, obliquamente, sei lá mais como – mas o importante é o sei lá mais como, o indefinido que se exprime pela inteligência clara de Lygia Pape ou pela turbulência de Antônio Manuel, ou pela perplexo-participação das pessoas ou..4

Embora efetivamente tivesse acontecido no Pavilhão Japonês, no meio dos jardins de Burle Marx, em torno do Museu de Arte Moderna5, mais do que pensar critica e diretamente o museu, como fará mais tarde toda uma leva de artistas que denominarão esse processo de Crítica Institucional6, o que ali ocor-reu como parte da ânsia de suspender o curso das coisas banais foi também a suspensão do curso do banal da arte em si, o que, como disse Hélio, determinou

1 Salomão, Waly. O suicídio enquanto paráfrase ou Torquato Neto esqueceu as aspas ou Torquato margi-nalia neto. In: Armarinho de miudezas. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1993, p. 67.

2 Oiticica, Hélio. Apocalipopótese. Manuscrito. Programa Hélio Oiticica. Projeto Hélio Oiticica, Itaú Cultural. www.itaucultural.org.br. Acessado em julho de 2010.

3 Iden.

4 Iden.

5 No texto Parangolé de Oiticica: da capa ao urbanismo, que Frederico Morais escreveu em 28 de julho de 1968, fica clara essa intenção de ampliação para um sentido público das capas Parangolés, constituindo as experiências sensoriais-ambientais. Não era, como bem havia entendido Hélio, uma proposta de tor-nar o espaço urbano mais artístico, ou apresentar arte para o público da cidade, mas de dar à arte esse sentido. Morais, Frederico. Parangolé de Oiticica: da Capa ao Urbanismo. Rio de Janeiro: Diário de Notícias, 28 de julho de 1968.

6 Fraser, Andrea. Da crítica às instituições a uma instituição da crítica. In: Concinnitas.. Rio de Janeiro: Ano 9, Vol 2, Nº 13, Dezembro de 2008.

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a experiência realizada um ano mais tarde na galeria Whitechapel, um aconteci-mento importante não só na trajetória de Hélio como artista, mas também na da própria instituição londrina, segundo Guy Brett7, que nos anos 80 fez uma avaliação da experiência.

No texto A obra, seu caráter objetal, o comportamento, publicado no nú-mero 18 da revista GAM, de 1969, Hélio escreve: “A insuficiência das estruturas de museus e galerias de arte, por mais avançados que sejam, é hoje em dia fla-grante a traem, em muitos casos, o sentido profundo, a intenção renovadora do artista8”. Continuando, depois de fazer um paralelo entre suas proposições em Londres e as propostas de Mondrian e Schwitters no sentido de aproximar a arte da vida diz, ainda:

Há, então, [...] a passagem desta posição de querer criar em um mundo estético, mundo-arte, superposição de uma estrutura sobre o cotidiano para descobrir os elementos do cotidiano, do comportamento humano, e transformá-lo por suas próprias leis, por proposições abertas, não--condicionadas, único meio possível como ponto de partida para isso.9

E prossegue: “E os museus? E a arte das galerias? Prefiro a das galeras, que eram lindas e percorriam os sete mares, de sul a norte.....10

Especificamente escrevendo sobre o evento Apocalipopótese, e fazendo uma avaliação da transformação provocada não só no circuito de arte do Brasil, como no próprio sentido trabalho, enquanto obra, que deixaria de ser fruto de uma vontade individual a serviço das instituições, escreve em outubro de 1969, quando estava na Universidade de Sussex, em Brighton:

A manifestação Apocalipopótese marca a etapa definitiva, nova, nas sequências vanguardescas brasileiras; para mim foi um marco pois nela novas possibilidades de manifestações coletivas, da relação “obra individual-improvisação coletiva”, surgem e propõem coisas radicais: a de-finitiva inconsistência da “obra de arte”, do objeto, etc.; superação do conteúdo de exposições, “happenings”, etc. A necessidade de uma reforma geral dos grupos culturais que “dirigem” as promoções de “arte” ou de qualquer coisa ligada às experiências criativas11.

Embora Apocalipopótese, cujas “...estruturas tornavam-se gerais, dadas, abertas ao comportamento coletivo-casual-momentâneo”, tenha gerado, um ano mais tarde, a experiência de Londres, nessa última, como o artista descreve, havia ainda “uma auto-absorção no útero do espaço construído” (institucional), que o leva ao Supra-Sensorial. Mais do que expor em uma galeria londrina, Hélio estava abrindo ali, a partir da proposição do Éden, esse espaço de abrigo e absor-ção – um espaço que já estava nas camas-bólides e que mais tarde chamaria de

7 Brett, Guy. Experimento Whitechapel II. In Brasil Experimental. Arte/vida: proposições e paradoxos. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2005.

8 Oiticica, Hélio. A obra, seu caráter objetal, o comportamento. GAM. Número 18, 1969.

9 Iden.

10 Iden.

11 Oiticica, Hélio. Apocalipopótese. Manuscrito. Programa Hélio Oiticica. Projeto Hélio Oiticica, Itaú Cultural. www.itaucultural.org.br. Acessado em julho de 2010.

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Crelazer12 – em que a participação é do nível em que o “participador irá elaborar dentro de si mesmo suas próprias sensações, as quais foram despertadas por sen-sações”

Paula Braga, analisando o texto “The Senses Pointing Towards a New Transformation”, que Oiticica enviou depois da experiência na galeria de Lon-dres, no final de 1969, para a revista Studio International, identifica com clareza a reflexão de Hélio sobre a dificuldade de continuar suas experiências Crelazer em espaços de museus e galerias. Referindo-se à Whitechapel escreve:

Para mim, aquilo foi mais um experimento do que uma exposição (eu propus coisas ao invés de expô-las). Mas toda a evolução que apresentei lá leva a essa condição: a impossibilidade de experimentos em galerias ou museus – os ao ar-livre ainda poderiam valer, dependendo de suas relações e razões. 13

Assim é que se poderia entender que Apocalipopótese tem, efetivamen-te, esse caráter de reviravolta não só na produção de H.O, que a partir daí apon-ta para a condição aberta da experiência Supra-sensorial, como escreveu, mas também para o que Acconci percebera como ativação de um espaço público nos Ninhos, que Oiticica apresentara na exposição Information, no MOMA de Nova York, em 1970. Ainda segundo Acconci14, os Ninhos seriam uma maneira anteci-padora na trajetória histórica das condições de arte na segunda metade do século XX, uma composição de lugares para estar, uma junção em que os espaços de experiência individual ganham uma conotação pública já que formam um com-posto, formam as “células comunitárias”, diferenciando-se de um espaço para experiências performáticas de grupo.

A proposição, organização e participação no evento Apocalipopótese, então, não seria senão uma confirmação da vontade ou da aspiração por um sen-tido público, ou melhor, a configuração de um novo sentido para a arte que inclui sua condição pública. Seria, como no título do livro póstumo15elaborado por Luciano de Figueiredo, Lygia Pape e Waly Salomão, aspiração a certo espaço na e da arte, que se dá enquanto “grande labirinto”, o que nos faz entender Apocali-popótese não como elemento de uma cartografia dos espaços urbanos, mas como uma proposta de grande diagrama labiríntico, coletivo e público para a arte.

Nos anos seguintes, vários acontecimentos têm a condição pública en-quanto deflagradora de ações, como o trabalho DEFL....SITUAÇÃO...+S+....RUAS,16 de Artur Barrio, assim como Inserções em circuitos ideológicos. Projeto cédula (Quem Matou Herzog?),17 de Cildo Meireles e Clandestinas, de Antônio

12 Hélio. Aspiro ao grande labirinto. (Seleção de textos de Luciano de Figueiredo, Ligia Pape e Waly Salo-mão). Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 16.

13 Apud. Braga, Paula. http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/coletanea_ho/ho_pbraga. Consultado em 20/07/2010.

14 Apud. Braga, Paula. Op. cit.

15 Hélio. Aspiro ao grande labirinto. (Seleção de textos de Luciano de Figueiredo, Ligia Pape e Waly Salo-mão). Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p.26.

16 Artur Barrio. Rio de Janeiro, Abril de 1970.

17 Cildo Meireles. Rio de Janeiro, 1970.

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Manuel. Essas proposições são, certamente, dobras desse diagrama labiríntico em que o sentido da arte se dá quando a experiência individual ganha conotação pública.

Assim também serão muitos dos trabalhos apresentados no evento Do Corpo a Terra, em Belo Horizonte, organizado por Frederico Morais, em 1970. Sua concepção estava associada ao Palácio das Artes, que fica dentro do Parque Municipal, no coração da cidade. Estrategicamente foram programadas duas ex-posições.18 Objeto e Participação, dentro do espaço expositivo, e outra exterior, concebida de performances e intervenções. O evento coincidia com a data de comemoração de Tiradentes, ídolo mineiro independentista, e durou três dias. Frederico diz que os artistas, em plena ditadura militar, tiveram garantida toda liberdade de criação, o que permitiu a intervenção Tiradentes: Totem-monumen-to ao preso político, em que Cildo Meireles queimou galinhas vivas amarradas a um poste em pleno Parque. Participaram, ainda, Thereza Simões, que preparara carimbos com textos de Luther King e outros de caráter político, como FRAGI-LE, que, como relatou19, demonstrava a fragilidade dos sistemas sociais da época; Umberto Costa Barros, que montou estruturas com o material encontrado no Palácio das Artes, ainda em construção; Eduardo Ângelo, que rasgou papel de jornal e jogou seus pedaços ao vento; Luciano Gusmão, que fez um mapeamento do parque, dividindo as áreas livres daquelas de repressão. Duas outras interven-ções também polêmicas foram as que fizeram Luiz Alphonsus, que queimou uma faixa de pano de 30 metros e chamou de Napalm, e Situação T/T. I ...............(2ª parte), quando Barrio, durante a noite, depositou inúmeras trouxas de carne e ossos de boi no riacho que corta o Parque, criando, pela manhã, um clima de excitação e terror que dali se espalhou pela cidade através da mídia.

Do Corpo a Terra acaba sendo, assim, uma forma de revelar em arte os sintomas da cidade que o acolhe, pois aciona e coloca em evidência, pelas repercussões, a própria trama de aprisionamentos que os cidadãos começam a vivenciar depois de 68. Algumas experiências, como a de Barrio, que mobilizou os serviços da policia e do corpo de bombeiros, despertaram na população re-cordações de um grupo de extermínio, que agia dentro da própria polícia, mas também o trauma dos desaparecimentos de ativistas políticos

O início dos anos setenta, que no Brasil são os mais truculentos, são também chamados de “anos da última vanguarda”. Nesse período, os artistas que aqui permaneceram, que não se exilaram, desenvolveram diversas intervenções nos perímetros urbanos, requerendo-os enquanto lugares públicos de expressão livre, coincidindo com um desejo internacional de problematização conceitual dos espaços institucionais (Buren, Broodthaers, Fraser, etc). Na Espanha, que vivia desde o final da Guerra Civil sob a ditadura sanguinolenta de Franco, res-ponsável, dentre muitos, pelo assassinato do poeta Garcia Lorca, identificam-se nesse período dois importantes acontecimentos. O de maior ressonância foi, sem duvida, o Encontros de Artes, de 1972, conhecido como Encontros de Pamplo-na, e que foram, no contexto repressivo franquista espanhol uma marca explosiva

18 Ribeiro, Marília Andrés. Neovanguardas. Belo Horizonte: C/Arte, 1997.

19 Simões, Thereza. Depoimento de uma geração: 1969-1970. Ciclo de Exposições sobre Arte no Rio de Janeiro. Galeria de arte BANERJ. Rio de Janeiro: Julho de 1986, Catálogo.

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de liberação, ”uma expressão da cultura não oficial, um ataque contra a hierar-quia de valores, uma reivindicação do corpo”20 como escreveram José Cuyás e Carmen Pardo.

Na cena artística espanhola, o circuito institucional teve dificuldades para absorver o que se apresentou em Pamplona. Organizado pelos artistas Luis de Pablo e José Luis Alexanco, começa com a instalação das 11 Cúpulas infladas unidas por túneis cilíndricos, que tinham 12 m. de altura e 25 m. de diâmetro cada. O projeto de José Miguel Prada Poole foi instalado em uma praça da ci-dade e teve como função abrigar as diversas instalações, além de projeção de vídeos e alguns colóquios, que constavam da programação21. Dos Encontros fa-ziam parte, ainda, as mostras: Arte Basca Atual; Geração Automática de Formas Plásticas e Sonoras; Alguns Aportes da Crítica à Arte nos Últimos Anos, além de diversas apresentações de música e cinema. John Cage, que também estivera em Apocalipopótese, foi o convidado da abertura e durante os dias dos Encontros aconteceram várias intervenções no espaço da cidade, fora das cúpulas, tanto performáticas quanto de instalações site-specific. Como ações performáticas, as que mais de perto pensaram o sentido da arte no espaço público foram Denota-ción de una ciudad, do artista argentino Carlos Ginzburg, integrante do Grupo de los Trece (1971), patrocinado pelo CAYC, de Buenos Aires, e Corredores, de Robert Llimós, que efetivamente derivam no perímetro urbano acionando o que Oiticica chamou “comportamento coletivo-casual-momentâneo”.22 Diverso, mas equivalente, havia ainda, a experiência ativada pelos trabalhos do próprio Hélio, que nesse momento morava em Nova York e enviou alguns Parangolés pelo artis-ta argentino Leandro Katz – que também morava em N.Y – e que foram vestidos pelo público.

No que diz respeito às instalações em espaços públicos, destacaram-se as Estruturas Tubulares de Isidoro Valcárcel Medina, assim como as de Luis Lu-gán, com telefones espalhados pela cidade, que o artista chamou Comunicação Humana23.

No início dos anos 1970 também aconteceu na Catalunha a Mostra de Arte de Grenollers (1971-1972), que simultaneamente ao lançamento do livro Da arte objetual à arte do conceito, de Simón Marchán Fiz, reforça não só a criação conceitual-experimental, como o debate sobre a relação entre arte e sociedade. Ainda na Catalunha surge, entre o final de 1972 e o princípio de 1973, o Grup de Treball (Grupo de Trabalho), que era formado por, entre outros, Francesc Abad, Jordi Benito, Antonio Muntadas, Antoni Mercader e Àngels Ribé. O Grupo formou-se enquanto grupo de criação, opinião e ação, tendo-se rebelado contra

20 Cuyás, José Días e Pardo, Carmen. La carnavalización de la vanguardia. In. Desacuerdos 1: Sobre arte, políticas y esfera pública en el Estado español. Barcelona/ MACBA; UNIA; Arteleku,

21 Foi em Pamplona que se distribuiu gratuitamente parte da primeira edição espanhola da Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord. Cf. Encuentros de Pamplona 1972: Fin de fiesta del arte experimental. Madri: Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia.

22 Oiticica, Hélio. Apocalipopótese. Manuscrito. Op.cit.

23 Ainda como parte dos Encontros, programou-se o que hoje é considerado o primeiro ciclo de vídeo-arte da Espanha. Antonio Muntadas mostrou o trabalho Sensorial way, um registro de uma experiência corporal-sensorial que fizera em Nova York. Encuentros de Pamplona 1972: Fin de fiesta del arte expe-rimental. Madri: Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia.

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o sistema artístico estabelecido e reivindicado uma função social para a arte. Segundo Antoni Mercader24, alguns dos ideais do Grupo poderiam ser tradu-zidos em: “a arte para a rua”, a “arte para todos”. Nesse caso, a “arte para a rua” tinha como tática o impacto da ação midiática, que coincidia com as discussões conceituais, o que fez com que toda e qualquer aproximação de certo realismo social, referência histórica da relação entre arte e sociedade, fosse descartada. Em suas ações havia uma dosagem inteligente de auto-reflexão e comunicação, o que tanto distanciava o grupo da arte panfletária, quanto os aproximava de uma nova equação, que coordenava a arte conceitual, as mídias e a transformação social.

Suas primeiras manifestações foram: a veiculação do Cartaz para a soli-dariedade com o Movimento de Trabalhadores, de abril 1973, e Anunciamos, de junho e julho de 1973. Nesse período, o Grupo concentra-se no uso do discurso e da informação. Em uma segunda etapa, mais centrada no debate cultural, co-loca em prática o Serviço de Resposta à Imprensa, cuja tática era enviar artigos a jornais e revistas avaliando mostras de arte, assim como as políticas de ocupação dos espaços públicos. Paralelamente, o Grupo mantinha cursos pra a discussão da relação entre a arte e o contexto social, uma prática que acabou gerando a redação de comunicados em conjunto com outros setores culturais e que foram apresentados em eventos da Catalunha (Novas tendências na arte, de maio de 1974), mas também de Madri (Novos Comportamentos artísticos, de março de 1974). Em 1975, apresenta na Bienal de Paris o trabalho Campo de Atração: Documento, em que faziam divulgação da imprensa clandestina da Catalunha, considerada ilegal.

As ações do Grup de Treball, que encerra suas atividades em 1975, tive-ram grande impacto nos debates sobre arte na cidade de Barcelona, espalhando--se para vários centros produtores de arte na Espanha e na Europa, mas foram menos violentas, se comparadas ao que fez o Grupo de Artistas de Vanguarda, de Rosário, no final dos anos sessenta. Ligados até então ao Instituto Di Tella, postulam uma “nova estética”, que implicava na dissolução das fronteiras entre ação artística e ação política. Para esse grupo, a violência, que nesse momento já era aterradora na Argentina, se transformava em material de arte. Apropriando--se de procedimentos próprios das organizações de esquerda, que estavam, então, radicalizadas em ações extremadas, o grupo promove verdadeiras ações táticas de guerrilha, boicotando inaugurações de exposições com apedrejamento; lançando bombas de impacto sonoro e panfletos na entrega de um prêmio do Museu Na-cional Belas Artes; tingindo de vermelho as águas das fontes mais importantes de Buenos Aires; seqüestrando, durante uma conferência em Rosário, o diretor do Centro de Artes Visuais do Di Tella, o renomado crítico Jorge Romero Brest25. Mas o que acabou definindo a ação desses artistas, enquanto coletivo, foi o even-to Tucumán Arde, um processo de contra-informação sobre as causas da crise de uma província no norte da Argentina. Participaram dos acontecimentos Eduardo Favario, León Ferrari, Juan Pablo Renzi, Roberto Jacoby, Graciela Carnevale,

24 Mercader, Antoni. Entrevista com Antoni Mercader. In: Conceitualismos do Sul/Sur. Freire,Cristina e Longoni, Ana. (Orgs.) São Paulo: Annablume, USP-MAC, AECID, 2009.

25 Cf. Longoni, Ana. “Vanguardia” y “revolución”, ideas-fuerza en el arte argentino de los 60 /70. In: Bru-maria 8: Arte y Revolución. Madri, Brumaria. A.C. Primavera 2007.

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Maria Teresa Gramuglio, Nicolá Rosa26 e outros. No manifesto distribuído em Rosário postulam a ação estética como “ação coletiva e violenta”, destruindo o “mito burguês da individualidade do artista e o caráter passivo da arte.”27

Entendendo que o Operativo Tucumán é, na verdade, um Operativo Si-lêncio, os artistas reagem com o Tucumán Arde, que, como escrevem, consiste na criação de um circuito “sobre-informacional” para denunciar a deformação que os fatos sofrem através dos meios de informação e comunicação dominados pela classe burguesa. Os Artistas de Vanguarda viajam a Tucumán com uma ampla documentação sobre os problemas econômicos e sociais da Província e, acom-panhados de técnicos e especialistas, procedem ali uma verificação da realidade social. O processo de ação culminou com uma conferência para a imprensa em Rosário e depois em Buenos Aires, quando tornaram pública, e de maneira vio-lenta, a atuação das autoridades oficiais, assim como a cumplicidade dos meios culturais e de comunicação.

Embora diversos na maneira de agenciar as ações artísticas como acon-tecimentos públicos, são propostas que, lidas do ponto de vista da história, abrem para o pensamento e escrita sobre a arte do presente, e certamente do futuro, o debate que Miwon Kwon havia identificado se delineando naquelas décadas, ou seja, o debate sobre o lugar determinado discursivamente e que é constituído como campo de conhecimento, troca intelectual ou debate cultural e, no caso específico desses acontecimentos, debate político.

Ao levarem a arte para fora do sistema museu/galeria, constituíram um conceito mais amplo de lugar, tradicionalmente referenciados na prática artís-tica. Infiltrando-se na mídia, garantiram a discussão no espaço público, mas esses cinco eventos lançam ainda, próximo de uma “invenção do cotidiano,” descrito por Michel de Certeau, a utópica vontade de fazer da arte um lugar comum, infiltrando-se e se infiltrando do saber ordinário, como escrevera Hélio Oiticica28. São táticas que mesmo diante de sistemas reguladores, assim como a linguagem diante de uma sintaxe prescrita, ou diante das instituições de arte, como galerias e museus, são capazes de realizar “as astúcias de interesses outros e de desejos que não são nem determinados nem captados pelos sistemas onde se desenvolveram”.29 São, em arte, acontecimentos no nível não transfigurados, que, como escreve De Certeau, desvelam o quanto a “inteligência é indissociável dos combates e dos prazeres cotidianos que articula”.30

26 Esses são os artistas citados no catálogo Heterotopías. Medio Siglo Sin-lugar. 1918-1968. Museo Nacio-nal Centro de Arte Reina Sofía. 12/XII/00 – 27/II/01, p. 539.

27 “Tucumán Arde”. Manifesto. Apud. Heterotopías. Medio Siglo Sin-lugar. 1918-1968. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía. 12/XII/00 – 27/II/01.

28 Oiticica, Hélio. A obra, seu caráter objetal, o comportamento. Op. cit..

29 Certeau, Michel. A Invenção do cotidiano. N. 1. Artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 45.

30 Iden.

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O OvoLygia PapeCriado em 1967 Apresentado em 1968 no Apocalipopótese, Rio de Janeiro.

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Denotación de una ciudadAção pública, Carlos GinzburgEncontros de Pamplona, 1972

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Anunciamos. 1973Um dos 17 anúncios publicados no jornal La Vanguardia Española, de junho a julho de 1973.

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Parangolé de Oiticica: da capa ao urbanismoFrederico de MoraisDiário de Notícias. 28 de julho de 1968.

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