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Rev Ass Med Brasil 1998; 44(1): 56-64 56 Artigo de Revisão Sedação e analgesia em crianças R.S. MIYAKE, A.G. REIS, S. GRISI Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. UNITERMOS: Sedação. Analgesia. Crianças. Anestésicos lo- cais. Analgésicos sedativos. KEY WORDS: Sedation. Analgesia. Children. Local anesthe- tics. Analgesics sedatives. INTRODUÇÃO A abordagem diagnóstica e terapêutica de uma criança gravemente enferma, seja no setor de emergência ou na UTI pediátrica, é quase sempre invasiva e agressiva. Procedimentos traumáticos e dolorosos, como punções dos mais variados sítios, cateterismos vasculares, intubação orotraqueal, sondagem vesical, diálise peritoneal etc., são fre- qüentemente realizados, levando a criança à agita- ção, ansiedade e estresse. Além do mais, a situação de internação na qual a criança se encontra, eventualmente separada dos pais, cercada de pessoas e aparelhos estranhos, em ventilação mecânica, em ambiente constantemen- te iluminado e ruidoso, com interrupção do ciclo sono-vigília fisiológico, gera ainda mais ansiedade e maior suscetibilidade à dor, podendo interferir nos procedimentos a serem realizados, bem como na sua evolução e recuperação. Normalmente, subestimamos a dor do paciente pediátrico, e o subtratamento é a rotina nos mais variados serviços. Havia, até pouco tempo, o con- ceito de que recém-nascidos (RN) e lactentes jovens não teriam maturidade neurológica para conduzir, de forma adequada, os estímulos dolorosos devido à não completa mielinização do sistema nervoso. Havia, também, a crença de que esses pacientes não teriam capacidade de armazenar em sua me- mória essas experiências dolorosas. Tais conceitos levaram alguns autores (Swafford e Allen, 1968) a afirmar textualmente que “pacien- tes pediátricos raramente necessitam de medica- ção para aliviar a dor, tolerando bem o desconforto. A criança dirá que não se sente bem ou que se encontra desconfortável ou que quer seus pais, mas raramente relacionará sua infelicidade à dor”. Esse tipo de crença levou à realização de procedi- mentos dolorosos, até mesmo cirurgias sem qual- quer tipo de sedação, analgesia ou anestesia. Da mesma forma, nos períodos pós-operatórios, as crian- ças não eram sedadas e não recebiam analgésicos (ou recebiam doses pequenas e pouco freqüentes, se com- paradas aos adultos), mesmo após cirurgias de gran- de porte, como amputação traumática de membros, heminefrectomias, ressecção de massas cervicais e reparos de defeito do septo atrial 1 . Sabe-se, atualmente, que esses conceitos são totalmente errados e que as vias aferentes e os centros corticais e subcorticais, necessários à per- cepção da dor, estão bem desenvolvidos já nas etapas finais da gestação. A densidade de noci- ceptores na pele de RN é igual ou maior que em adultos. A ausência de mielinização das vias afe- rentes dos RN e lactentes também não serve como justificativa para o subtratamento, uma vez que essas vias igualmente se encontram desmielini- zadas ou pouco mielinizadas nos adultos. Além do mais, as vias que ligam a medula ao sistema nervoso central (SNC) estão completamente mieli- nizadas após 30 semanas de gestação. O córtex, assim como todas as estruturas centrais ligadas à percepção dolorosa, também se encontra com seu desenvolvimento completo ao nascimento, mos- trando que as crianças, mesmo no período neo- natal, são capazes de sentir, perceber e memori- zar as experiências dolorosas 2 . Outra razão para o subtratamento da dor em crianças reside no receio do rápido desencadea- mento de fenômenos, como tolerância, dependên- cia física e psíquica após o uso de sedativos e analgésicos 3 . Porém, com o conhecimento da far- macologia dessas drogas e o surgimento de novas medicações, a utilização destas se mostrou alta- mente segura e eficaz, não se verificando tais efei- tos quando utilizadas de maneira criteriosa. FISIOLOGIA DA DOR A Associação Internacional do Estudo da Dor (IASP) definiu a dor como “uma experiência senso- rial e emocional desagradável associada a dano tissular presente ou potencial”. A dor é transmitida a partir de nociceptores loca- lizados na pele e vísceras que podem ser ativados

Analgesia e sedação em crianças

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Rev Ass Med Brasil 1998; 44(1): 56-6456

MIYAKE, RS et al.

Artigo de Revisão

Sedação e analgesia em criançasR.S. MIYAKE, A.G. REIS, S. GRISI

Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

UNITERMOS: Sedação. Analgesia. Crianças. Anestésicos lo-cais. Analgésicos sedativos.

KEY WORDS: Sedation. Analgesia. Children. Local anesthe-tics. Analgesics sedatives.

INTRODUÇÃO

A abordagem diagnóstica e terapêutica de umacriança gravemente enferma, seja no setor deemergência ou na UTI pediátrica, é quase sempreinvasiva e agressiva. Procedimentos traumáticos edolorosos, como punções dos mais variados sítios,cateterismos vasculares, intubação orotraqueal,sondagem vesical, diálise peritoneal etc., são fre-qüentemente realizados, levando a criança à agita-ção, ansiedade e estresse.

Além do mais, a situação de internação na quala criança se encontra, eventualmente separada dospais, cercada de pessoas e aparelhos estranhos, emventilação mecânica, em ambiente constantemen-te iluminado e ruidoso, com interrupção do ciclosono-vigília fisiológico, gera ainda mais ansiedadee maior suscetibilidade à dor, podendo interferirnos procedimentos a serem realizados, bem comona sua evolução e recuperação.

Normalmente, subestimamos a dor do pacientepediátrico, e o subtratamento é a rotina nos maisvariados serviços. Havia, até pouco tempo, o con-ceito de que recém-nascidos (RN) e lactentes jovensnão teriam maturidade neurológica para conduzir,de forma adequada, os estímulos dolorosos devidoà não completa mielinização do sistema nervoso.Havia, também, a crença de que esses pacientesnão teriam capacidade de armazenar em sua me-mória essas experiências dolorosas.

Tais conceitos levaram alguns autores (Swafforde Allen, 1968) a afirmar textualmente que “pacien-tes pediátricos raramente necessitam de medica-ção para aliviar a dor, tolerando bem o desconforto.A criança dirá que não se sente bem ou que seencontra desconfortável ou que quer seus pais, masraramente relacionará sua infelicidade à dor”.Esse tipo de crença levou à realização de procedi-mentos dolorosos, até mesmo cirurgias sem qual-quer tipo de sedação, analgesia ou anestesia. Da

mesma forma, nos períodos pós-operatórios, as crian-ças não eram sedadas e não recebiam analgésicos (ourecebiam doses pequenas e pouco freqüentes, se com-paradas aos adultos), mesmo após cirurgias de gran-de porte, como amputação traumática de membros,heminefrectomias, ressecção de massas cervicais ereparos de defeito do septo atrial1.

Sabe-se, atualmente, que esses conceitos sãototalmente errados e que as vias aferentes e oscentros corticais e subcorticais, necessários à per-cepção da dor, estão bem desenvolvidos já nasetapas finais da gestação. A densidade de noci-ceptores na pele de RN é igual ou maior que emadultos. A ausência de mielinização das vias afe-rentes dos RN e lactentes também não serve comojustificativa para o subtratamento, uma vez queessas vias igualmente se encontram desmielini-zadas ou pouco mielinizadas nos adultos. Além domais, as vias que ligam a medula ao sistemanervoso central (SNC) estão completamente mieli-nizadas após 30 semanas de gestação. O córtex,assim como todas as estruturas centrais ligadas àpercepção dolorosa, também se encontra com seudesenvolvimento completo ao nascimento, mos-trando que as crianças, mesmo no período neo-natal, são capazes de sentir, perceber e memori-zar as experiências dolorosas2.

Outra razão para o subtratamento da dor emcrianças reside no receio do rápido desencadea-mento de fenômenos, como tolerância, dependên-cia física e psíquica após o uso de sedativos eanalgésicos3. Porém, com o conhecimento da far-macologia dessas drogas e o surgimento de novasmedicações, a utilização destas se mostrou alta-mente segura e eficaz, não se verificando tais efei-tos quando utilizadas de maneira criteriosa.

FISIOLOGIA DA DOR

A Associação Internacional do Estudo da Dor(IASP) definiu a dor como “uma experiência senso-rial e emocional desagradável associada a danotissular presente ou potencial”.

A dor é transmitida a partir de nociceptores loca-lizados na pele e vísceras que podem ser ativados

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SEDAÇÃO E ANALGESIA EM CRIANÇAS

por estímulos mecânicos, térmicos e químicos, cujaresponsividade pode ser modulada por meio da açãode prostaglandinas, cininas, catecolaminas, íons H+,K+ e substância P (um neurotransmissor específicodas fibras condutoras do estímulo doloroso). Taisestímulos são conduzidos através de dois tipos defibras nervosas (fibras A-δ e C) até o corno dorsal dacoluna espinal, onde realizam sinapses com inter-neurônios medulares, podendo ser modulados porpeptídeos opióides. Da medula espinal, os estímulosdolorosos percorrem os tratos espinotalâmicos eespinorreticulares, alcançando estruturas nervosascentrais (formação reticular, tálamo, sistema lím-bico, córtex cerebral), onde são modulados nova-mente via receptores opióides. A interpretação doestímulo doloroso é individual e sofre influência dospadrões culturais, do grau de medo e ansiedade edas experiências dolorosas prévias. A partir dessapercepção da dor pelo SNC, são obtidas as respostasmotoras, autonômicas e comportamentais diante doestímulo doloroso.

A dor desencadeia uma série de respostas neuro-endócrinas e cardiovasculares com o objetivo depreparar o organismo contra a agressão, em umtipo de resposta de “luta ou fuga”.

Assim, ocorre aumento do catabolismo e blo-queio do anabolismo no intuito de se mobilizartodas as reservas metabólicas para a produção deenergia, por meio da secreção de hormônios contra-reguladores como glucagon, hormônio de cresci-mento, catecolaminas e corticosteróides, além deelevação da resistência periférica à insulina. Essasalterações levam à hiperglicemia e a aumento dosníveis de ácido lático e corpos cetônicos, com conse-qüente acidose metabólica e outras alteraçõeshidroeletrolíticas.

No que diz respeito ao metabolismo protéico, obalanço nitrogenado negativo, decorrente do blo-queio do anabolismo, impossibilita a incorporaçãoadequada de proteínas aos tecidos, levando o paci-ente a um processo consumptivo, podendo chegaraté à desnutrição, na dependência da duração doestímulo nocivo e da dor decorrente deste estímulo.Esse balanço nitrogenado também causa uma di-minuição da produção de anticorpos, predispondoao desenvolvimento de infecções.

Paralelamente a essas alterações neuroendócri-nas, há, também, alterações hemodinâmicas de-correntes da secreção aumentada de aminas sim-patomiméticas, no objetivo de preservar a circu-lação em órgãos nobres, como coração e cérebro, emdetrimento dos outros órgãos. Dessa forma, ocorreaumento da resistência vascular periférica, comconseqüente aumento da pós-carga e maior traba-lho cardíaco, levando a maior consumo de oxigênio

pelo miocárdio.Demonstrou-se que crianças sob sedação e anal-

gesia adequadas, após procedimentos cirúrgicos,apresentaram diminuição de complicações pós-operatórias certamente decorrentes do bloqueiodessas reações fisiopatológicas diante da dor,recuperando-se com maior rapidez.

AVALIAÇÃO DA DOR

A dificuldade na avaliação da dor no pacientepediátrico é inversamente proporcional à sua ida-de, de forma que uma criança maior é capaz deexpressar verbalmente sua experiência dolorosa,até mesmo quantificando-a. Já na criança menor, aavaliação depende de uma observação atenta esensível de quem lhe presta assistência.

Nos pacientes inconscientes, incapazes de de-monstrar suas respostas dolorosas, a avaliação dador depende da observação de reações fisiológicas,como sudorese, taquicardia, reflexo pupilar, alte-ração de oximetria, eletroencelografia etc. Taisalterações fisiológicas e sua relação com a intensi-dade do estímulo doloroso ainda não está comple-tamente definida, impossibilitando seu uso comouma avaliação confiável. Além do mais, essas res-postas fisiológicas diante da dor ocorrem em even-tos agudos, não sendo encontradas em pacientes jáadaptados ao estresse de uma estimulação doloro-sa crônica. Exemplo desse tipo de avaliação é aescala de avaliação da sedação CONFORT, que seutiliza de parâmetros clínicos, como pressão arte-rial média e freqüência cardíaca, além da avaliaçãoda consciência, resposta respiratória, movimentos,tônus muscular e tensão facial.

Esse tipo de avaliação por meio de parâmetrosbiológicos pode ser, ainda, utilizado em lactentes,nos quais a dor também pode ser avaliada medianteobservação de alterações comportamentais, comorespostas motoras (movimentos do tronco e dosmembros), expressões faciais e choro, como, porexemplo, a tabela CHEOPS (Children’s Hospital ofEastern Ontario Pain Scale), que se utiliza dessesparâmetros para avaliar a intensidade da dor empacientes pediátricos, em períodos pós-operatórios4,e o escore de analgesia do Departamento de Anes-tesia do Necker-Enfants-Malades.

Sendo a dor uma experiência essencialmentesubjetiva, a avaliação de sua intensidade pode serbaseada na percepção dessa experiência pelo pró-prio paciente. Crianças com mais de 3 anos sãocapazes de compreender o conceito de dor e seusvariados graus, e quando são ensinadas, de formaadequada, a utilizar os instrumentos para avaliara intensidade da dor são capazes de determiná-la

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com objetividade. Baseados nessa capacidade, fo-ram criadas escalas de intensidade de dor parautilização em pré-escolares e escolares, como aescala de Oucher, a escala de intervalos de Nove-Faces e a escala linear de dor4.

Essas tentativas de avaliação, porém, são difi-cultadas pela necessidade de colaboração pelopaciente ou do julgamento subjetivo do obser-vador. Dessa forma, diante das dificuldades deavaliação da dor na criança, devemos encarar oambiente hospitalar e, sobretudo, os procedimen-tos invasivos como potencialmente dolorosos e da-nosos, devendo sempre ser precedidos de sedação eanalgesia.

DROGAS SEDATIVAS E ANALGÉSICAS

Em função do conhecimento cada vez mais cres-cente da fisiopatologia da dor e de suas repercus-sões no paciente pediátrico, diversas categorias dedrogas estão sendo utilizadas para o seu manejo.Obtém-se, dessa forma, diminuição do sofrimentoda criança e da resposta de estresse diante dosestímulos dolorosos, facilitando a realização deprocedimentos diagnósticos e terapêuticos, au-mentando, assim, a probabilidade de sucesso.

O sedativo ideal para o uso na prática médicadeveria preencher os seguintes critérios:

- início rápido da ação — proporcionando rápidasedação após a administração da droga;

- duração da ação — drogas que tenham açãocurta são ideais para procedimentos rápidos, evi-tando-se sedação muito prolongada. Espera-se,também, do sedativo ideal que seus efeitos sejamrapidamente revertidos com a suspensão da droga,evitando-se sedação indesejada;

- duração de ação previsível — proporcionandomonitorização por período determinado, alertandoo médico de alguma alteração no metabolismo ouexcreção da droga quando esse período se estenderalém do previsto;

- sem metabólitos ativos — evitando ação pro-longada e indesejável dos metabólitos ativos;

- múltiplas vias de administração — permitindovários acessos alternativos na ausência de umacesso venoso numa situação de urgência;

- fácil titulação por infusão contínua — medica-mentos com curta meia-vida possibilitam adminis-tração por infusão contínua com titulação dos seusefeitos perante as diferentes intensidades de dor,evitando picos e vales de nível sérico da droga;

- efeitos limitados na função cardiorrespirató-ria — normalmente, um dos grandes receios no usodessas drogas é a depressão respiratória e cardio-vascular;

- efeitos e duração não alterados por doençahepática ou renal — possibilitando o uso em paci-entes com função renal e/ou hepática compro-metidas;

- sem interação medicamentosa — permitindo ouso concomitante com outras medicações;

- amplo índice terapêutico — possibilitando ouso em níveis terapêuticos com grande margem desegurança;

- baixo custo — possibilitando o uso em grandeescala;

- disponibilidade de drogas antagonistas — pos-sibilitando a reversão dos efeitos quando for neces-sário.

A realização da hipnoanalgesia em um pacientepediátrico requer:

1) conhecimento da farmacodinâmica da droga aser utilizada, sobretudo no que diz respeito às suasvias de administração, metabolização, excreção,efeitos adversos e interações medicamentosas;

2) avaliação adequada do paciente — doenças debase, estado hemodinâmico, estado neurológico,função cardiorrespiratória, hepática e renal;

3) habilitação do médico em realizar procedi-mentos de urgência, no que diz respeito à manu-tenção de vias aéreas e ressuscitação cardiorres-piratória;

4) acesso às drogas antagonistas quando estasexistirem;

5) observação clínica durante o período daação da droga, se possível sob monitorizaçãocardíaca, oximetria de pulso e medida do CO2

expirado, além de estreita observação do estadoneurológico, uma vez que a depressão cardior-respiratória, quase sempre, é precedida por umadiminuição do nível de consciência. Essa moni-torização deve ser mantida até o final do efeitoda droga, merecendo os pacientes com doençahepática e/ou renal maior cuidado e por tempomais prolongado.

Se a sedação for eletiva, por exemplo para procedi-mentos de curta duração mas que necessitem desedação profunda, com risco de diminuição dos refle-xos protetores das vias aéreas, deve-se proceder a umperíodo prévio de jejum de no mínimo 4 a 8 horas paraalimentos sólidos e leite, e de 2 a 3 horas para outroslíquidos5, proporcionando maior segurança no que serefere a acidentes aspirativos.

ANESTÉSICOS LOCAIS

A anestesia local adequada é fundamental notratamento da dor na prática pediátrica, sobretudono que diz respeito à realização de procedimentosinvasivos.

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SEDAÇÃO E ANALGESIA EM CRIANÇAS

A utilização da anestesia local deve ser crite-riosa para se evitar os efeitos de superdosagem etoxicidade da droga, como convulsões, depressãocardiovascular por vasodilatação e ação inotrópicanegativa. Normalmente, utiliza-se, nestes tipos deprocedimentos, uma solução de lidocaína a 2% quecontém 20mg/mL da droga; como a dose máximarecomendada de lidocaína para anestesia local é de7mg/dL, o volume máximo a ser administrado é de0,35mL/kg5.

A adrenalina associada ao anestésico local nãodeve ser utilizada em locais de circulação terminal,como dedos e pênis, no sentido de se evitar isque-mia por vasoconstrição e necrose distal.

Atualmente, existe à disposição uma mistura deprilocaína e lidocaína de administração tópica, ocreme EMLA® (euthetic mixture of local anesthe-sics), que deve ser aplicado na forma de um cura-tivo oclusivo sobre a pele por cerca de 30 a 60minutos previamente a procedimentos eletivos,como punções lombares, torácicas, medula óssea,artérias e veias. Essa forma de anestesia local nãoé recomendada em mucosas e em áreas de pelemuito extensas, devido ao risco de desenvolvi-mento de meta-hemoglobinemia, sobretudo quan-do associado a outras drogas que também induzama esse distúrbio.

A área máxima de aplicação recomendada parapacientes pediátricos, em pele intacta e com funçãohepática e renais normais, é a seguinte6: abaixo de10kg,100cm2; acima de 10 a 20kg, 600cm2; acima de20kg, 2.000cm2.

ANALGÉSICOS NÃO-OPIÓIDES

O grupo de analgésicos não-opióides consiste nosantiinflamatórios não-hormonais (AINH) que pro-duzem analgesia por bloqueio periférico da pro-dução de prostaglandinas. São as drogas maiscomumente utilizadas no controle da dor devido abaixa toxicidade, efeitos cardiovasculares e respi-ratórios raros, exceto em situações de envenena-

mento. Porém, o efeito analgésico dos AINH é limi-tado, sendo ineficazes em algumas situações nasquais analgésicos mais potentes devem ser utiliza-dos. Os AINH apresentam, também, ação antipi-rética e são desprovidos de efeitos sedativos.

Os principais efeitos adversos consistem em re-ações de hipersensibilidade, epigastralgia, náu-seas, vômitos, gastrite e úlcera. Alterações renaispor nefrite intersticial, necrose de papila, retençãode água e sódio e hipercalemia também já foramdescritas, podendo levar à insuficiência renal, so-bretudo nos pacientes com função renal previa-mente comprometida.

Insuficiência hepática também já foi relatada,sobretudo com o uso de acetaminofeno em dosestóxicas. Aumento no tempo de sangramento poralteração na função plaquetária é o distúrbio he-matológico mais comum, podendo levar a san-gramentos importantes. Deve-se lembrar que osAINH podem promover o fechamento do ducto arte-rioso em recém-natos.

Os AINH sofrem metabolismo hepático, com for-mação de metabólitos inativos que são excretadospelos rins.

As principais drogas desse grupo de analgésicossão (vide tabela 1):

1) Acetaminofeno – hepatotóxico, quando utili-zado em dose dez vezes maior que a dose tera-pêutica, pelo aumento de um metabólito (N-acetil-imidoquinona) que causa necrose hepatocelular.Contra-indicado em pacientes com deficiência deG-6-PD;

2) Ácido acetil-salicílico (AAS) — relacionado coma síndrome de Reye, quando utilizado em pacientescom infecções por vírus influenza e varicela-zoster.

3) Dipirona — pode causar agranulocitopeniaidiossincrásica;

4) Ibuprofeno — pode causar anemia, granulo-citopenia e alteração da agregação plaquetária;

5) Naproxeno — uso cauteloso em pacientescom doenças gastrintestinais, cardíacas, renais ehepáticas;

Tabela 1 — Antiinflamatórios não-hormonais

Fármaco Dose (mg/kg/dose) / Dose máxima (mg) / Pico/duração (horas)(via de administração) intervalo entre as doses (horas) dose máxima diária (mg)

Acetaminofeno (VO/VR) 10-15 / 4-6 1.000/4.000 1-2/4AAS (VO/VR) 10-15 / 4-6 1.000/4.000 1-2/4Dipirona (VO/IM/EV) 12,5-25 / 4-6 500/2.000 1-2/4Ibuprofeno (VO) 10-20 / 6-8 800/40mg/kg 1-2/6-8Naproxeno (VO) 5-7 / 8-12 500/1.250 2-3/8-12Diclofenaco (VO/VR/IM) 0,5-2 / 8-12 50/100 1-2/6-8

VO = via oral; VR = via retal; IM = intramuscular; EV = endovenoso.

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Tabela 2 — Analgésicos opióides

Fármaco Dose (mg/kg/dose) / Dose máxima (mg) / Pico (minutos) / (via de administração) intervalo entre as doses (horas) dose máxima diária (mg) duração (horas)

Codeína (VO) 0,5-1 / 4-6 60/120 10-30/3-4Morfina (EV/VR/IM/SL) 0,1-0,2 / 4-6 15 5-10 (EV)/3-4

2,6mg/kg/h em infusão contínuaMeperidina (EV/IM/VR) 1-2 / 3-4 100 5(EV)/2-4

0,5mg/kg/h em infusão contínuaFentanila (EV/Transderm/SC/SL) 0,001-0,005 / 1-2 0,05 0,5/1-2

0,01mg/kg/h em infusão contínua

Antagonista: naloxona 0,1mg/kg/dose.VO = via oral; EV = endovenoso; VR = via retal; IM = intramuscular; SL = sublingual; Transderm = transdérmico; SC = subcutâneo.

6) Diclofenaco — relacionado com nefrite inters-ticial, distúrbios hemorrágicos e gastrintestinais.Ainda não está liberado para o uso pediátrico,porém vem sendo utilizado para controle da dor emcrise álgica de pacientes falciformes.

ANALGÉSICOS OPIÓIDES

Os derivados do ópio são usados em analgesia háséculos. Seus efeitos neurológicos incluem sedaçãoe sonolência, porém podem causar, também, eufo-ria, agitação, tremores e até convulsões. Os opiói-des são metabolizados no fígado com formação demetabólitos ativos que são excretados pelos rins.

A ação nos receptores opióides determina o me-canismo de ação, as propriedades clínicas e osefeitos adversos. São conhecidos diversos tipos dereceptores opiáceos: µ (micra 1 e 2), κ (kappa), δ(delta) e σ (sigma), sendo os receptores µ e κ res-ponsáveis pela analgesia supra-espinal e espinal.Há alguns estudos demonstrando que os opióidestambém podem interferir na condução periféricada dor até a medula espinal. A ação nos demaisreceptores causa os efeitos adversos relacionadoscom o uso de opióides7.

Os analgésicos opióides levam a depressão respi-ratória. Essa ação é dose-dependente e potencia-lizada por outros sedativos. Essa depressão écausada por diminuição da resposta central àhipercapnia e hipóxia e por mudanças no padrãoventilatório.

Essas drogas também provocam efeitos relacio-nados à liberação de histamina, tais como pruridoe broncoespasmo, vasodilatação e hipotensão (so-bretudo em pacientes com hipovolemia e choque).

Outros efeitos relacionados com a utilização dosopióides são: alterações cardíacas (taquicardia re-flexa ou bradicardia por ação central), náuseas evômitos, espasmo biliar, constipação, retençãourinária e diminuição do reflexo da tosse.

Tolerância, dependência física e psíquica são

fenômenos associados com o uso de opióides8. Tole-rância ocorre com o uso crônico de uma droga,quando para se atingir o mesmo efeito são neces-sárias doses cada vez maiores da medicação, emdecorrência da adaptação das células neuronais àdroga ou por aumento no seu metabolismo. Talfenômeno é mais freqüente quando os opióides sãoadministrados em infusão contínua e por períodoprolongado, não se constituindo em problema clíni-co antes de 1 a 2 semanas de uso9.

Dependência física é um estado fisiopatológiconeuroquímico no qual o organismo passa a utilizara droga em determinadas vias metabólicas e a suaretirada abrupta causa a síndrome de abstinência.A dependência física pode ocorrer com o uso crônicodos opióides (acima de uma semana ou mais deuso). Diante desse fenômeno, não se deve utilizarnaloxona, bem como a retirada da droga deve serlenta (cerca de dez dias para a retirada total) parase evitar o desencadeamento da síndrome de absti-nência que é caracterizada por dilatação pupilar,instabilidade da temperatura corporal, taquicar-dia, taquipnéia, tremores musculares, má aceita-ção alimentar, vômitos, diarréia, dor abdominal,alterações neurológicas como agitação e até con-vulsões.

Dependência psíquica é um estado psicológico noqual o paciente passa a ter compulsão ao uso dadroga em função de seus efeitos, não sendo obser-vados sinais da síndrome de abstinência quando adroga é retirada abruptamente. Tal fenômeno ocor-re com o uso de opióides, mas é raro durante o usoclínico em analgesia.

Os principais opióides utilizados na pediatriasão (vide tabela 2):

1) Codeína — cuja principal vantagem é a possi-bilidade de utilização da via oral, sendo potencia-lizada quando utilizada com AAS ou acetaminofeno;

2) Morfina — considerada a droga padrão entreos opióides, pode causar convulsões em RN;

3) Meperidina — menor efeito analgésico entre

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os opióides (1/10 da potência da morfina), podendocausar disforia, agitação e convulsões;

4) Fentanila — 100 a 500 vezes mais potente quea morfina, é o opióide de escolha para analgesia emprocedimentos curtos. Possui poucos efeitos car-diovasculares, libera menos histamina, porém po-de causar rigidez da caixa torácica, sobretudo apósrápida infusão endovenosa que pode ser revertidacom o uso de drogas antagonistas ou com rela-xantes musculares.

Os opióides possuem um antagonista completo, onaloxona, que bloqueia o efeito dos opióides emtodos os receptores. Dessa forma, ele reverte não sóos efeitos indesejados do uso da droga, bem como aanalgesia.

BENZODIAZEPÍNICOS (BDZ)

Atualmente, são as drogas sedativas mais am-plamente utilizadas na prática clínica10 devido apotente ação sedativa propriamente dita, amnés-tica, anticonvulsivante e relaxante muscular, nãopossuindo, no entanto, efeito analgésico.

Todos atuam em nível de receptores do ácidogama-aminobutírico (GABA), potencializando seusefeitos inibitórios sobre o SNC.

Seu principal efeito adverso consiste na depres-são respiratória, que depende da dose utilizada, daassociação com outras drogas hipnoanalgésicas(p.e., opióides) e da velocidade de infusão. Outroefeito respiratório é o aumento de secreções dasvias aéreas que essas drogas promovem.

São praticamente desprovidos de efeitos cardio-vasculares. Porém, em situações de intoxicaçãograve ou em pacientes instáveis hemodinamica-mente, com hipovolemia acentuada ou choque, po-dem causar hipotensão. Com relação aos efeitosneurológicos, paradoxalmente, podem levar a qua-dros de excitação, euforia, ansiedade, fotofobia etremores.

Os BDZ são amplamente metabolizados no fíga-do, com formação de metabólitos ativos que sãoexcretados pelos rins.

Os principais BDZ utilizados na prática pediá-trica são (vide tabela 3):

1) Diazepam — duração dos efeitos é prolongadadevido a ação de seu metabólito ativo;

2) Midazolam — BDZ de escolha para sedação decurta duração, possui meia-vida curta, sendo 2 a 4vezes mais potente que o diazepam. Por ser hidros-solúvel, é indolor tanto na administração endove-nosa quanto intramuscular;

3) Lorazepam — ainda não disponível no Brasilpara uso parenteral, é metabolizado pelo sistemaglucoronil-transferase e não pelo sistema p450,não sofrendo alteração em seu metabolismo quan-do associado a outras drogas indutoras desse siste-ma, como anticonvulsivantes, rifampicina e cimeti-dina. Não possui metabólitos ativos.

Os BDZ possuem um antagonista, o flumazenil,que pode ser utilizado em situações de intoxicaçãopelo sedativo.

BARBITÚRICOS

Os barbitúricos eram largamente utilizados co-mo drogas sedativas até meados deste século,quando foram sendo gradualmente substituídospelos BDZ. Atualmente, são pouco utilizados comosedativos propriamente ditos.

O mecanismo de ação dos barbitúricos é seme-lhante ao dos BDZ. Atuam também em nível dereceptores GABA, embora em sítios diferentes dosBDZ, uma vez que não ocorre antagonismo compe-titivo entre si.

Possuem ação depressora do SNC, levando a di-minuição do metabolismo cerebral, do consumo deoxigênio, do fluxo sanguíneo cerebral, com conse-qüente diminuição da pressão intracraniana, efei-to benéfico em determinadas situações clínicas.

São desprovidos de ação analgésica até o mo-mento da perda da consciência; em doses pequenas,podem levar a quadros de hiperalgesia com exacer-bação de estímulos dolorosos. Seus efeitos cardior-respiratórios são dose-dependentes, podendo levara apnéia, diminuição do débito cardíaco por depres-

Tabela 3 — Benzodiazepínicos

Fármaco Dose (mg/kg/dose) / Dose máxima (mg) / Pico (minutos) /(via de administração) intervalo entre as doses (horas) dose máxima diária (mg) duração (horas)

Diazepam (VO/VR/EV} 0,1-0,3 / 2-4 10/sem relato Imediato/2-4Midazolam (EV/IM/VO/SL/ intranasal) 0,1-0,3 / 1-2 5 10-15/1-2

1mg/kg/h em infusão contínuaLorazepan (EV/IM) 0,05-0,2 / 4-8 4/10 20-30/4-8

Antagonista: flumazenil 0,3mg/dose (dose máxima acumulada 3mg).VO = via oral; VR = via retal; EV = endovenoso; IM = intramuscular; SL = sublingual.

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Tabela 4 — Outros sedativos

Fármaco Dose (mg/kg/dose) / Dose máxima (mg) / Pico(minutos) /(via de administração) intervalo entre as doses (horas) dose máxima diária (mg) duração (horas)

Hidrato de cloral (VO/VR) 10-50/4-6 1.000/4.000 15-30/4-12Cetamina (EV) 0,5-2/2-4 sem relato Imediato/1-2Secobarbital (VO/IM/VR) 5-7/sem relato sem relato Sem relatoTiopental (EV) 3-5/sem relato sem relato Imediato/10-15minutosClorpromazina (EV/IM/VO) 0,5-1/4-6 50/2000 Imediato/3-4

VO = via oral; VR = via retal; EV = endovenoso; IM = intramuscular.

Tabela 5 — Sedação e analgesia em situações especiais

Situação Sedação Analgesia Evitar uso

Trauma cranioencefálico Midazolam/tiopental Opióides CetaminaMal asmático Hidrato de cloral/midazolam/ cetamina Fentanila Opióides (exceto fentanila)

/tiopentalHipovolemia/choque Midazolan Fentanila Opióides (exceto fentanila)

/barbitúricosPós-operatórios Hidrato de cloral/midazolam AINH/opióidesInsuficiência hepática Doses mínimas e intervalos máximos Acetaminofeno/BDZInsuficiência renal Doses mínimas e intervalos máximos AINHDistúrbios de coagulação AINHNeutropênicos DipironaCardiopatia Midazolam Fentanila Hidrato de cloral/barbitúricos/

opióides (exceto fentanila)Crise álgica Codeina+acetaminofeno(anemia falciforme) (ou dipirona)

Diclofenaco/meperidina

são do miocárdio e hipotensão por vasodilataçãoperiférica.

Os barbitúricos são metabolizados no fígado,promovendo a indução enzimática, levando a tole-rância e interferindo com a ação de outras drogasque dependem do sistema microssomal para a suametabolização.

Os principais barbitúricos utilizados na práticapediátrica são o secobarbital e o tiopental (videtabela 4).

HIDRATO DE CLORAL

O hidrato de cloral é uma droga sedativa semefeitos analgésicos. É amplamente utilizado naprática pediátrica para promover sedação préviaem procedimentos eletivos, como exames radioló-gicos, ou mesmo procedimentos invasivos, quandoassociados a agentes analgésicos ou anestésicoslocais. Como apresenta um início de ação em cercade 30 a 60 minutos, deve-se administrar uma se-gunda dose com muito cuidado, no sentido de seevitar uma superdosagem e um efeito sedativomaior e mais prolongado.

Em doses terapêuticas, é droga segura e seusefeitos adversos hepáticos, cardiovasculares e res-piratórios só ocorrem em doses tóxicas11. Em casosde alta toxicidade, podem ocorrer depressão mio-cárdica, hipotensão, arritmias e depressão respira-tória grave, semelhante à intoxicação por barbi-túricos. Alterações neurológicas, como delírio,mal-estar, pesadelos e sonambulismo, podem serobservadas. Existe, também, possilibilidade teó-rica de que seu metabólito possa ser carcinogênico,porém a falta de comprovação nesse sentido, soma-da a larga experiência de sua utilização, libera seuuso com segurança5.

Tabela 6 — Sedação e analgesia em procedimentos especiais

Procedimento Sedação Anestesia/analgesia

Exames radiológicos H. cloral/ Necessária?midazolam/secobarbital

Procedimentos invasivos H. cloral/ Anestésicos locais/midazolam fentanila

Intubação traqueal Midazolam/ Fentanilatiopental

Ventilação mecânica H. cloral/ Fentanilamidazolam/diazepam

H. cloral = hidrato de cloral.

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SEDAÇÃO E ANALGESIA EM CRIANÇAS

O principal fator limitante ao uso do hidrato decloral é o sabor desagradável e a ação irritante demucosas, podendo ocorrer náuseas e vômitos quan-do administrados via oral. Evita-se esse efeito uti-lizando-se a via retal (vide tabela 4).

OUTRAS DROGAS

A cetamina (Ketalar®) é anestésico que promoveamnésia anterógrada e analgesia com poucos efei-tos cardiovasculares e respiratórios, embora possacausar taquicardia e aumento da pressão arterial.Apesar de causar aumento na produção de secreçãonas vias respiratórias e de poder desencadearlaringoespasmo, seu efeito na complacência pul-monar e como broncodilatador faz com que possaser indicado em sedação e analgesia de pacientescom mal-asmático12 (vide tabela 5).

Em nível de SNC, a cetamina promove vasodila-tação cerebral, devendo, portanto, ser evitado empacientes com hipertensão intracraniana. Apre-senta, como efeito adverso, alteração na interpre-tação de estímulos auditivos visuais, além de alu-cinações e pesadelos.

A clorpromazina (Amplictil®) é droga do grupodos fenotiazídicos, que são usados com proprie-dades antipsicóticas e antieméticas. Era utilizadacom freqüência em associação com prometazina emeperidina (“coquetel lítico” ou “M-1”), para asedação de pacientes com patologias terminais,cujo uso não é mais recomendado5. Não possuimuita utilidade como sedativo, tendo em vista adisponibilidade de outras drogas com essa finali-dade específica na prática médica. A associaçãocom outras drogas hipnoanalgésicas pode levar aprolongada sedação e risco de depressão respira-tória (vide tabela 4).

O propofol (Diprivan®) é agente sedativo uti-lizado na indução e manutenção da anestesia emadultos que vem sendo ministrado em pacientespediátricos. Rápida sedação é obtida após injeçãoendovenosa (variando desde sonolência leve atéanestesia geral, na dependência da dose utiliza-da). Ocorre rápida recuperação após a interrup-ção da administração. O propofol não possuimetabólitos ativos, sendo tão seguro e eficazquanto o midazolam13. A experiência em criançasainda é pequena, porém seu uso vem crescendo,sobretudo nas unidades de terapia intensivapediátricas, para sedação em procedimentos decurta duração.

O ketorolac é um novo antiinflamatório nãohormonal de potência analgésica superior ao aceta-minofeno, podendo ser utilizado de forma sinérgicacom outros AINH ou com opióides, obtendo-se graus

variados de analgesia. Vem sendo utilizado sobre-tudo em períodos pós-operatórios, e sua principalvantagem é a possibilidade da administração viaendovenosa ou intramuscular.

SEDAÇÃO E ANALGESIA EM SITUAÇÕES EPROCEDIMENTOS ESPECIAIS

O pediatra se depara, freqüentemente, com paci-entes graves ou portadores de doenças crônicas quenecessitam de sedação e/ou analgesia para a reali-zação de procedimentos diagnósticos e terapêu-ticos, como, por exemplo (vide tabela 5):

1) Trauma cranioencefálico ou doença do SNCcom suspeita de hipertensão intracraniana — an-tes de sedar o paciente, verificar a real necessidadedo uso da medicação, tendo em vista a possibilidadede perda do parâmetro clínico para a observação donível de consciência. Se a sedação for indicada,sugere-se o uso de midazolam ou tiopental (peladiminuição da pressão intracraniana). Para anal-gesia, sugere-se o uso de opióides, principalmentea fentanila, pela sua curta duração de ação. Evitaruso de cetamina.

2) Mal asmático — sedação com hidrato de cloral,midazolam e cetamina (pelo efeito broncodila-tador) e analgesia com fentanila (cuidado com arigidez torácica). Evitar uso de opióides libera-dores de histamina.

3) Hipovolemia e/ou choque — sedação commidazolam, analgesia com fentanila. Evitar uso dedrogas que alterem muito a função cardiovascular,como opióides e barbitúricos.

4) Pós-operatórios — sedação com hidrato decloral ou midazolam, analgesia com AINH ou opiói-des.

5) Insuficiência hepática ou renal — utilizar asdrogas em doses mínimas, com intervalos máxi-mos, mantendo cuidadosa observação clínica. Evi-tar uso de acetaminofeno e BDZ nos hepatopatas, eAINH nos pacientes com função renal compro-metida.

6) Cardiopatas — sedação com midazolam eanalgesia com fentanila. Evitar uso de hidrato decloral, barbitúricos e opióides, exceto na crisehipóxica da tetralogia de Fallot, quando o uso deopióides é indicado para diminuir a estenose da viade saída do ventrículo direito.

7) Neutropênicos — evitar uso de dipirona.8) Distúrbios de coagulação — evitar uso de

AINH.9) Crise álgica na anemia falciforme — analgesia

com codeína associada à dipirona ou acetamino-feno. Se não houver melhora, sugere-se o uso dediclofenaco ou meperidina.

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Com relação aos procedimentos, sugere-se14 (ta-bela 6):

1) Exames radiológicos — sedação com hidratode cloral, midazolam ou secobarbital. Verificar realnecessidade do uso de analgésicos.

2) Procedimentos invasivos (punções, biópsias, su-turas) — sedação com hidrato de cloral ou midazolame analgesia com anestésicos locais ou fentanila.

3) Intubação traqueal — sedação com midazo-lam. Ponderar tiopental ou cetamina em situaçõesespeciais. Analgesia, se necessária, com fentanila.

4) Ventilação mecânica — sedação com hidratode cloral, midazolam ou diazepam (pela meia-vidamais longa, evitando doses intermitentes freqüen-tes). Analgesia com fentanila.

CONCLUSÃO

Evitar e tratar a dor de uma criança são, aprincípio, obrigações do pediatra, do ponto de vistaético e humanitário. Além desse aspecto, o trata-mento adequado da dor e da ansiedade gerada pelaabordagem médica proporciona recuperação me-lhor e mais rápida da criança enferma, possibili-tando, ainda, maior probabilidade de sucesso nosprocedimentos invasivos. Dessa forma, o conheci-mento da farmacologia das diversas categorias dedrogas sedativas e analgésicas é, atualmente, obri-gatório para qualquer pediatra, principalmentepara o intensivista.

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