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Análise de Conteúdo

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Laurence Bardin

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  • ANLISE DECONTEDO

  • Laurence 8ardin

    ."

    ANALISE DE."

    CONTEUDO

    2011

  • Ttulo original:

    r:Analyse de Contenu

    Presses Universitaires de France, 1977

    Traduo: Lus Antero Reto e Augusto Pinheiro

    Produo editorial e capa: Casa de Ideias

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Bardin, Laurence

    Anlise de contedo / Laurence Bardin ; traduo Lus Antero Reto, AugustoPinheiro. -- So Paulo: Edies 70, 2011.

    3' reimp. da l' edio de 2011.

    Ttulo original: Lanalyse de contenu.

    ISBN 978-85-6293804-7

    1. Anlise de contedo (Comunicao) r. Ttulo.

    11-03568 CDD-8083

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Anlise de contedo: Retrica 808

    ALMEDINA BRASILSetembro, 2012

    ISBN: 978-85-62938-04-7

    Direitos reservados para todos os pases de lngua portuguesapor Almedina Brasil

    Edies 70 uma editora pertencente ao Grupo Almedina

    EDIOES 70 LDA/ALMEDINA BRASIL

    Alameda Campinas, 1.077,6" andar, Jardim Paulista - So Paulo - SP

    CEP: 01404-001 - Brasil

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    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida,armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrnico ou mecnico, inclusive

    fotocpia, gravao ou qualquer sistema de armazenagem de informaes, sem a permisso expressa e

    por escrito da editora.

  • LAURENCE BARDIN,

    professora-assistente de psicologia na Universidade de Paris V,aplicou as tcnicas da Anlise de Contedo na investigaopsicossociolgica e no estudo das comunicaes de massas.

    Este livro procura ser um manual claro, concreto e operacionaldesse mtodo de investigao, que tanto pode ser utilizado

    por psiclogos e socilogos, qualquer que seja a sua especialidadeou finalidade, como por psicanalistas, historiadores,

    polticos, jornalistas etc.

  • Sumrio

    INTRODUO 11PREFCIO 15

    PRIMEIRA PARTE - HISTRIA E TEORIA 17

    I.EXPOSIO HISTRICA 191. Os antecedentes e a pr-histria 192. O comeo: a imprensa e a medida 213. 1940-1950: a sistematizao das regras e o interesse pela

    simblica poltica 224. 1950-1960: a expanso e a problemtica 255.1960-1975: computadores e semiologia 286. Tendncias atuais 31

    11.DEFINIO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 331. O rigor e a descoberta 342. O campo 373. A descrio analtica 414. A inferncia 445. A anlise de contedo e a lingustica 496. A anlise de contedo e a anlise documental 51

    SEGUNDA PARTE - PRTICAS 53

    I.ANLISE DOS RESULTADOS NUM TESTE DE ASSOCIAODE PALAVRAS: ESTERETIPOS E CONOTAES 571. A administrao do teste 572. Propostas de anlise 58

  • 8 AI\lISE DE CONTEDO

    lI. ANLISE DE RESPOSTAS A QUESTES ABERTAS:A SIMBLICA DO AUTOMVEL 651. As perguntas , , 652. Propostas de anlise 68

    m.ANLISE DE COMUNICAES DE MASSA: O HORSCOPO DEUMA REVISTA , 731. O jogo das hipteses 752. A anlise temtica de um texto 773. Anlise lexical e sinttica de uma amostra 82

    IV. ANLISE DE ENTREVISTAS: FRIAS E TELEFONE 931. A entrevista: um mtodo de investigao especfico 932. A decifrao estrutural 953. Exemplo: uma entrevista sobre as frias 984. Exemplo: um conjunto de respostas sobre a relao com o telefone 107

    TERCEIRA PARTE - MTODO 123L ORGANIZAO DA ANLISE 125

    1. A pr-anlise , 1252. A explorao do material.. 1313. Tratamento dos resultados obtidos e interpretao 131

    11.A CODIFICAO 1331. Unidades de registro e de contexto l342, Regras de enumerao 1383. Anlise quantitativa e anlise qualitativa 144

    Ill. A CATEGORIZAO 1471. Princpios 1472. Exemplos de conjuntos categoriais 1503, Os ndices para computadores 158

    IV,A INFERNCIA , 1651. Polos da anlise 1652. Processos e variveis de inferncia 168

  • SUMRIO 9

    V.A INFORMATIZAO DA ANLISE DAS COMUNICAES 1731. possvel fazer anlise de contedo por computador? 1732. A utilidade da informtica para a anlise de contedo 1743. O que o computador pode ou no fazer 1774. Exemplo: uma anlise de contedo de imprensa 1805. A anlise de resposta a questes abertas 1826. As anlises lexicomtricas 1857. O programa DEREDEC 187

    QUARTA PARTE - TCNICAS 199I. A ANLISE CATEGORIAL 201

    11.A ANLISE DE AVALIAO 2031. Uma medida das atitudes 2032. As diferentes fases da tcnica 2043. Comentrios sobre o mtodo 2104. Variantes e aplicaes da tcnica 21O

    III. A ANLISE DA ENUNCIAO 2171. Uma concepo do discurso como palavra em ato 2172. Condies e organizao de uma anlise da enunciao 2213. Uma abordagem lingustica. A interpretao do implcito 231

    IV.A ANLISE PROPOSICIONAL DO DISCURSO 235

    V.A ANLISE DA EXPRESSO 2471. Os indicadores 2482. Alguns exemplos de aplicao 251

    VI. A ANLISE DAS RELAES 2591. Anlise das coocorrncias 2592. A anlise "estrutural" 2663. A anlise do discurso 275

    Referncias sugeridas 277

  • Introduo

    Para um ser humano, 30 anos uma idade bonita: nascer, crescer, agir. Epara um livro? Escrev-lo, ser til, evoluir? ..H 30 anos, em meados dos anos 1970, assistiu-se a um perodo extre-

    mamente frtil de desenvolvimento das cincias sociais e humanas. A liberda-de de expresso, a efervescncia do pensamento e a exploso da comunicaoobrigavam a estar escuta. Como estar escuta, cientificamente e com rigor,de palavras, de imagens, de textos escritos e discursos pronunciados? Comopassar do uno ao mltiplo? Como compreender, analisar, sintetizar e descre-ver inquritos, artigos de jornais, programas de rdio ou de televiso, cartazespublicitrios, documentos histricos e reunies de trabalho?

    O mtodo da anlise dessas comunicaes ainda no existia, mas a ex-ploso comunicacional, bem como o interesse em compreend-las, j estavapresente. Havia apenas embries de prticas empricas: nos gabinetes de es-tudos de marketing, entre socilogos que levavam a cabo estudos qualitati-vos por meio de entrevistas, o interesse dos psicoterapeutas em encontraremnovos meios de compreenso dos seus pacientes, linguistas preocupadoscom a enunciao ou com a semiologia, etnlogos em busca de equaesestruturais, historiadores procura, nos vestgios dos discursos, de reali-dades humanas passadas. E, paralelamente, um grande interesse pela com-preenso por meio das palavras, das imagens, dos textos e dos discursos:descrever e interpretar opinies, esteretipos, representaes, mecanismosde influncia, evolues individuais e sociais.

    Como fazer isso? Qual era o mtodo? Onde estava o "livro de receitas"?Por vezes, para um ser humano ainda muito jovem, mas que cresce e

    procura o seu lugar e a sua utilidade na prpria vida, surgem de repente vriascircunstncias favorveis. Foi o que aconteceu com este livro.

  • 12 ANLISE DE CONTEDO

    Um pequeno emprego para viver, num setor emergente nesta poca, o deestudos de satisfao junto a consumidores potenciais de um novo produto. Porexemplo: como analisar uma vintena de inquritos a grupos compostos por "do-nas de casa" solicitadas na rua, reunidas volta de uma mesa redonda, onde seoferece uma srie de queijos para degustao? Esses queijos, na verdade, sofeitos da mesma matria, mas apresentam diferentes argumentos de seduo:folha de carvalho, especiarias vermelhas modas, gros de pimenta modos ...Fazer falar, debater ... Registrar fielmente o que dito ... Transcrev-lo em cen-tenas de pginas ... E depois? Analisar metodicamente com vista a elaboraruma sntese fiel e convincente para a empresa que encomendou o estudo?

    Mas como analisar o material verbal obtido?Paralelamente, uma investigao universitria no seio de uma equipe

    multidisciplinar que rene psicossocilogos e linguistas, encarregada de umestudo sobre o papel das representaes sociais induzidas pelo desenvolvi-mento de imagens publicitrias. Como proceder para analisar, e depois teo-rizar, a partir de um material abundante, sobredeterminado de sentido, naausncia quase total de um mtodo tcnico para alm da primeira e originaldemonstrao de Barthes a propsito das relaes entre texto e imagem dasfamosas massas Panzani?

    Como faz-lo? Na Frana, os trabalhos publicados, artigos e obras sobrea prtica deste tipo de anlise eram ainda rarssimos. E em lngua inglesa? NosEstados Unidos, por exemplo? A Amrica, abertura natural para o Oeste,fascinava nessa poca. Mas os Estados Unidos eram ainda de difcil acesso.Seriam necessrias mais duas pocas para que se implantasse a transmissoeletrnica distncia.

    Surgiu ento uma oportunidade durante uma breve escala entre doisavies, em Nova Iorque, aps uma viagem de cunho etnolgico pelas altasmontanhas e profundos vales andinos na Amrica do Sul. Para mim, jo-vem explorador, o regresso civilizao manifestou-se pela visita s livrariasda principal avenida que atravessa Manhattan. Aps o espanhol e o quchua,alguns livros nos quais figurava a extica expresso content analysis pare-ciam poder substituir, no caminho de volta ao Velho Continente, na minhamochila, as bssolas e as botas de montanha que tinham sido teis para osdesfiladeiros cheios de neve e para as florestas virgens escarpadas.

  • INTRODUO l3

    Ser que estas pginas impressas iriam servir de pista para abordar efi-cazmente a anlise da comunicao em cincias sociais e humanas?

    verdade que havia algumas pistas e "receitas" rigorosas. Mas se a cozi-nha norte-americana no se compara com a francesa, o mesmo sucedia com acontent analysis anglo-saxnica, um produto quase desconhecido em Paris.Muito funcionais, as tcnicas propostas, que multiplicavam os conselhos ne-cessrios de descries rigorosas, de fidelidade dos programadores, bem comoa tnica colocada no fisco da propaganda insidiosa dos media ..., eram teis.Mas no eram suficientes face efervescncia multidisciplinar das correntesculturais francesas. Com efeito, tnhamos ento em curso investigaes detipo estrutural, semiolgico, psicanaltico, literrio, que seriam exportadas daFrana para o mundo em geral e para os Estados Unidos em particular.

    Tnhamos tambm muito bons editores. Um deles era aPresses Uni-versitaires de France. Podia-se escrever um "livro de receitas", o que foi con-cretizado em 1977.

    A histria deste livro evoluiu no plano do contedo. Uma parte, cerca deum quarto, foi modificada dez anos depois, em 1987. A "anlise automticado discurso" de Pcheux, prottipo demasiado experimental para ser til deforma concreta, foi suprimida. Foi criado um captulo unicamente dedicado anlise de entrevistas, uma vez que os nossos ensinamentos e prticas de-monstraram a extrema necessidade de descrever, passo a passo, os mtodosmais heursticos de anlise dos contedos temticos, mas tambm das formasenunciativas e estruturais para este material rico e complexo que uma entre-vista, ou uma srie de entrevistas comparveis. Foi introduzida uma sntesesobre as experincias de anlise proposicionais do discurso da equipe deGhiglione, estimulantes apesar da dificuldade de aplicao concreta. Estasmodificaes foram bem recebidas pelos leitores'.

    1. Nos anos 1990, levantou-se uma nova questo quanto evoluo do contedo deste livro.Estava ligada ao aparecimento no mercado de programas informticos de anlise de dadosde material verbal. Ser que se devia dedicar pginas a isso? Como? Vrias razes dificulta-vam a escolha: no terreno, a prtica desses programas revelava-se muito pesada para a pre-parao do texto; alm disso, a interpretao nem sempre era fivel sem um conhecimentorigoroso das operaes efetuadas pelos programas para se apreender o sentido dos resul-tados. A rpida evoluo das capacidades tcnicas implicava multiplicar as atualizaes.Pareceu mais sensato ao autor, cujo saber se baseava em prticas artesanais facilmente ob-servveis, deixar este domnio para as publicaes de artigos especializados.

  • 14 ANLISE DE CONTEDO

    A continuidade, regular, desde cerca de 30 anos - tanto em lngua fran-cesa como espanhola e portuguesa -, da utilidade deste manual surpreendeuo prprio autor. A receita? Qualidade e notoriedade de uma editora, aPresses Universitaires de France? Faro e confiana de um diretor de coleo-iMomento oportuno para a publicao? Interesse pedaggico, sentido do con-creto, por um modesto mtodo, de algum que nunca parou de pr a mo namassa? Discpulos convencidos de que tomaram as rdeas?

    Os agradecimentos vo para todos. Sem esquecer os leitores, que, pelassuas prticas, continuam, entre o artesanato e o conhecimento prtico, a fazerevoluir a anlise de contedo.

    Laurence Bardinlaurence. [email protected]

    2. Paul Fraisse, professor na Universit Ren-Descartes - Paris V.

  • Prefcio

    o que a anlise de contedo atualmente? Um conjunto de instrumentosmetodolgicos cada vez mais sutis em constante aperfeioamento, quese aplicam a "discursos" (contedos e continentes) extremamente diversifica-dos. O fator comum dessas tcnicas mltiplas e multiplicadas - desde o clcu-lo de frequncias que fornece dados cifrados, at a extrao de estruturas tra-duzveis em modelos - uma hermenutica controlada, baseada na deduo:a inferncia. Enquanto esforo de interpretao, a anlise de contedo oscilaentre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade.Absolve e cauciona o investigador por esta atrao pelo escondido, o latente, ono aparente, o potencial de indito (do no dito), retido por qualquer mensa-gem. Tarefa paciente de "desocultao', responde a esta atitude de voyeur deque o analista no ousa confessar-se e justifica a sua preocupao, honesta,de rigor cientfico. Analisar mensagens por esta dupla leitura onde uma se-gunda leitura se substitui leitura "normal" do leigo, ser agente duplo, dete-tive, espio ... Da a investir-se o instrumento tcnico enquanto tal e a ador-locomo um dolo capaz de todas as magias, fazer dele o pretexto ou o libi quecaucione vos procedimentos, a transform-lo em gadget inexpugnvel doseu pedestal, vai um passo ... que prefervel no transpor.

    O maior interesse deste instrumento polimorfo e polifuncional que aanlise de contedo reside - para alm das suas funes heursticas e verifi-cativas - no constrangimento por ela imposto de alongar o tempo de latn-cia entre as intuies ou hipteses de partida e as interpretaes definitivas.Ao desempenharem o papel de "tcnicas de ruptura" face intuio aleatria

  • 16 ANLISE DE CONTEDO

    e fcil, os processos de anlise de contedo obrigam observao de um in-tervalo de tempo entre o estmulo-mensagem e a reao interpretativa.

    Se este intervalo de tempo rico e frtil, ento h que recorrer anlisede contedo ...

    Este livro pretende ser um manual, um guia, um pronturio. Tem porobjetivo explicar o mais simplesmente possvel o que hoje a anlise de conte-do e a utilidade que pode ter nas cincias humanas. Para desempenhar me-lhor esta tarefa foram tomadas algumas opes:

    Descrever a evoluo da anlise de contedo, delimitar o seu campoe diferenci-la de outras prticas (primeira parte: histria e teoria).

    Pr o leitor imediatamente em contato com exemplos simples e con-cretos de anlise; decompondo pacientemente o mecanismo dos pro-cessos (segunda parte: prticas).

    Descrever a textura, ou seja, cada operao de base, do mtodo, fa-zendo referncia tcnica fundamental, a anlise de categorias (ter-ceira parte: mtodos).

    Apresentar, indicando os seus princpios de funcionamento, outras tc-nicas diferentes nos seus processos mas que respondem funo da an-lise de contedo (quarta parte: tcnicas)'.

    No conjunto tentou-se conseguir um equilbrio entre a diversidade (refe-rncia a trabalhos norte-americanos, muitas vezes desconhecidos na Frana;indicao das possibilidades de tratamento informtico; meno de aplicaesa materiais no lingusticos) e a unidade (no incio dos ltimos vinte e cincoanos do sculo XX era necessrio desembaraar a anlise de contedo dos di-versos olhares sobre "o que fala" e marcar a sua especificidade).

    3. Cada uma das quatro partes pode ser abordada independentemente das outras.

  • PRIMEIRA PARTE

    HISTRIA E TEORIA

  • IExposio histrica

    Content analysis should beginwhere traditional modes of

    research end. *LASSWELL, LERNER e POOU

    Descrever a histria da "anlise de contedo" essencialmente referenciaras diligncias que nos Estados Unidos marcaram o desenvolvimento deum instrumento de anlise das comunicaes; seguir passo a passo o cresci-mento quantitativo e a diversificao qualitativa dos estudos empricos apoia-dos na utilizao de uma das tcnicas classificadas sob a designao genricade anlise de contedo; observar a posteriori os aperfeioamentos materiaise as aplicaes abusivas de uma prtica que funciona h mais de meio sculo.Mas tambm pr em questo as suas condies de aparecimento e de exten-so em diversos setores das cincias humanas, e tentar clarificar as relaesque a anlise de contedo mantm ou no com disciplinas vizinhas pelo seuobjeto ou pelos seus mtodos.

    1. OS ANTECEDENTES EA PR-HISTRIA

    Antes de analisar as comunicaes segundo as tcnicas modernas dosculo XX, tornadas operacionais pelas cincias humanas, os textos j

    * A anlise de contedo deve comear onde os modos tradicionais de investigao acabam(N. do T.)H. D. Lasswell, D. Lerner, I.de S. Pool (orgs.), The comparative study of symbols, Stanford,Stanford University Press, 1952.

    1.

  • 20 ANLISE DE CONTEDO

    eram abordados de diversas formas. A hermenutica, arte de interpretaros textos sagrados ou misteriosos, uma prtica muito antiga, O que passvel de interpretao? Mensagens obscuras que exigem uma interpre-tao, mensagens com um duplo sentido cuja significao profunda (a queimporta aqui) s pode surgir depois de uma observao cuidadosa ou deuma intuio carismtica.

    Por detrs do discurso aparente geralmente simblico e polssmico es-conde-se um sentido que convm desvendar. A interpretao dos sonhos, an-tiga ou moderna, a exegese religiosa (em especial a da Bblia), a explicaocrtica de certos textos literrios, at mesmo de prticas to diferentes como aastrologia ou a psicanlise relevam de um processo herrnenutco. Tambm aretrica e a lgica so de agrupar nas prticas de observao de um discurso,prticas estas anteriores anlise de contedo. A primeira estudava as mo-dalidades de expresso mais propcias declamao persuasiva, a segundatentava determinar, pela anlise dos enunciados de um discurso e do seu en-cadeamento, as regras formais do raciocnio certo.

    A atitude interpretativa continua em parte a existir na anlise de conte-do, mas sustentada por processos tcnicos de validao. Certos estudosassemelhavam-se pelo seu objeto retrica (a propaganda, por exemplo), ou lgica pelo seu procedimento (por exemplo, a anlise de um desenvolvi-mento normativo e das suas regras de enunciao), ou at mesmo pelo seuobjetivo (a anlise de contedo no , esperamo-lo", nem doutrinal nemnormativa).

    Para alm destas maneiras de abordar os textos cuja tradio longn-qua, a preciso histrica refere alguns casos geralmente isolados que em cer-ta medida seriam anlises de contedo prematuras. Por exemplo, a pesquisade autenticidade feita na Sucia por volta de 1640 sobre os hinos religiosos.Com o objetivo de se saber se esses hinos, em nmero de noventa, podiamter efeitos nefastos nos Luteranos, foi efetuada uma anlise dos diferentestemas religiosos, dos seus valores e das suas modalidades de apario (fa-vorvel ou desfavorvel), bem como da sua complexidade estilstica. Mais

    2. De fato, o socilogo crtico sabe - e a sua funo precisamente o desvendar crtico - que difcil afastar toda e qualquer implicao ideolgica, mesmo multiplicando as tcnicas derigor e validao.

  • EXPOSiO HISTRICA 21

    recentemente (1888-1892) o francs B. Bourbon, para ilustrar um trabalhosobre "a expresso das emoes e das tendncias na linguagem", trabalhousobre uma parte da Bblia, o Livro do xodo, de maneira relativamente rigo-rosa, com uma preparao elementar do texto e classificao temtica daspalavras-chave. Anos depois (1908-1918), foi feito um estudo sociolgicoprofundo, a respeito da integrao dos emigrantes polacos na Europa e nosEstados Unidos, por Thomas (professor em Chicago) e Znaniecki (antrop-logo polaco). Utilizou-se uma tcnica elementar da anlise de contedo -mais do que sistematizao de uma leitura normal - em um material com-posto por elementos vrios (cartas, dirios ntimos, mas tambm relatriosoficiais e artigos de jornal).

    2. O COMEO: A IMPRENSA EA MEDIDA

    A partir do princpio do sculo, durante cerca de quarenta anos, a anlisede contedo desenvolveu-se nos Estados Unidos. Nesta poca, o rigor cientfi-co invocado o da medida e o material analisado essencialmente jornalstico.A Escola de Jornalismo de Columbia d o pontap inicial e multiplicam-seassim os estudos quantitativos dos jornais. feito um inventrio das rubricas,segue-se a evoluo de um rgo de imprensa, mede-se o grau de "sensaciona-lismo" dos seus artigos, comparam-se os peridicos rurais e os dirios citadi-nos. Desencadeia-se um fascnio pela contagem e pela medida (superfcie dosartigos, tamanho dos ttulos, localizao na pgina). Por outro lado, a Primei-ra Guerra Mundial deu lugar a um tipo de anlise que se amplifica quando daSegunda: o estudo da propaganda.

    O primeiro nome que de fato ilustra a histria da anlise de contedo ode H. Lasswell: fez anlises de imprensa e de propaganda desde meados de1915. Em 1927 editado: Propaganda Technique in the World War.

    O behaviorismo dita a sua lei nas cincias psicolgicas de ento nos Esta-dos Unidos. Rejeita a introspeco intuitiva em benefcio da psicologia com-portamental objetiva.

    Trata-se de descrever o comportamento enquanto resposta a um estmulo,com um mximo de rigor e cientificidade. Tal como a sociologia aps Durkheim,a psicologia distancia-se face ao seu objeto de estudo. O nascimento da anlise

  • 22 ANLISE DE CONTEDO

    de contedo provm da mesma exigncia que se manifesta igualmente nalingustica. Mas a lingustica e a anlise de contedo ignoram-se mutuamente, econtinuam a desenvolver-se ainda por muito tempo tomando caminhos distin-tos, apesar da proximidade do seu objeto, j que uma e outra trabalham nae pela linguagem. Depois de Saussure, Troubetskoy - fonologia (1926-1928) - eBloomfield - anlise distributiva (1933) - rompeu com uma concepo tradicio-nal da lngua: a lingustica torna-se funcional e estrutural.

    3. 1940-1950: A SISTEMATIZAO DAS REGRAS EO INTERESSE PELA SIMBLICA POLTICA

    Nos Estados Unidos, os departamentos de cincias polticas ocuparam umlugar de destaque no desenvolvimento da anlise de contedo. Os problemaslevantados pela Segunda Guerra Mundial acentuaram o fenmeno. Duranteeste perodo, 25% dos estudos empricos que relevam a tcnica de anlise de con-tedo pertencem investigao poltica. Pesquisa esta muito pragmtica e quetem por objetivo especfico o conflito que abala o mundo. Por exemplo, duranteos anos da guerra, o Governo norte-americano exortou os analistas a desmasca-rarem os jornais e peridicos suspeitos de propaganda subversiva (princpalmen-te nazista). Foram empregados vrios processos de despistamento:

    Referenciao dos temas favorveis ao inimigo e percentagem destesem relao ao conjunto dos temas.

    Comparao entre o contedo do jornal incriminado (The Galilean)com o das emisses nazistas destinadas aos Estados Unidos.

    Comparao de duas publicaes suspeitas (Today's Challenge, Fo-rum Observer) com duas publicaes cujo patriotismo era evidente(Reader's Digest e Saturday Evening).

    Anlise de favoritismo/desfavoritismo de vrios livros e peridicosem relao aos dois temas seguintes: "AUnio Sovitica vence" e "As'doutrinas comunistas so verdadeiras" (temas esses divididos emcerca de quinze subtemas).

    Anlise lexical a partir de uma lista de palavras consideradas pala-vras-chave da poltica e propaganda nazista (aplicada s mesmaspublicaes) .

  • eEXPOSiO HISTRICA 23

    H D. Lasswell continua seus trabalhos sobre a anlise dos "smbolos" eas mitologias polticas na Universidade de Chicago e na Experimental Divi-sion for the Study of Wartime Communications, na Biblioteca do Congresso.Aumenta o nmero de investigadores especializados em anlise de contedo:H. D. Lasswell, N. Leites, R. Fadner, J. M. Goldsen, A. Gray, I.L. [anis, A. Ka-plan, D. Kaplan, A. Mintz, I. de Sola Pool, S. Yakobson participaram em TheLanguage of Politics: Studies in Quantitative Semantics (1949).

    Com efeito, o. domnio de aplicao da anlise de contedo diferencia-secada vez mais. Pertencem a este perodo dois exemplos: um, prximo da crti-ca literria, outro, um caso clebre centrado na personalidade de uma mulherneurtica.

    A anlise do romance autobiogrfico Black Boy, de Richard Wright, foiefetuada por R. K. White em 19474 Trata-se de uma anlise estatstica dos va-lores, assinalados ao longo do livro, por anotao margem, codificada com aajuda de trs tipos de smbolos: os fins ou objetivos (ex: alimentao, sexo,amizade ...) as normas (normas de moralidade, de verdade, de civilizao ...), aspessoas (R. Wright, os negros, os brancos ...), smbolos combinveis entre sinuma mesma frase. Para alm disso, esta anlise estatstica fornece informa-es que a anlise subjetiva "normal': por si s, no fazia aparecer.

    A anlise das "cartas de Ienny" (Jenny Gove Masterson)", manifesta amesma preocupao de objetividade e a superioridade (ou a complementa-ridade) de uma tcnica sistemtica em relao a uma apreenso clnica "im-pressionista". Essas cartas, em nmero de 167, so materiais de eleio paraos psicossocilogos, j que, analisadas em 1942 por Baldwin", vm tambma interessar a Allport (que as publica em 1946 como um caso de especial in-teresse para o estudo da personalidade) e a J. M. Paige, que as utiliza de novo

    3. Political Symbol Analysis. Mas Symbol neste caso tem o sentido do significante maior, depalavra-chave, e no o sentido de smbolo em francs. "Um smbolo-chave um termobsico da mitologia poltica". Exemplos de smbolos-chave nos anos 1940 nos Estados Uni-dos: "direitos'; "liberdade'; "democracia'; "igualdade':

    4. R. K. White, "Black Boy: a value-analysis" f. abnorm. soe. Psychol., 1947,42.5. Na realidade este nome um pseudnimo.6. A. L. Baldwin, "Personality structure analysis: a statistical method for investigating the

    single personality" f. abnorm. soe. Phychol., 1942,37.

  • 24 ANLISE DE CONTEDO

    em 19667 para renovar o estudo do seu antecessor, usando as novas possibi-lidades que o computador oferece. A anlise de Baldwin apresenta-se comouma "anlise da estrutura da personalidade" (personal structure analysis),tendo por objetivo funcionar como um "componente da perspiccia mais oumenos brilhante do clnico". Ou, como diz ainda Baldwin, "uma tcnica queproporciona uma avaliao e uma anlise que tero a virtude da objetivi-dade e revelaro tambm os aspectos do material que poderiam ter escapa-do ao exame minucioso do clnico", Entre a tnica colocada na necessidadede objetividade e as medidas de verificao que neste perodo so gerais, atcnica empregada por Baldwin para incrementar a compreenso de umcaso neurtico constitui uma das primeiras tentativas de "anlise de con-tingncia" (ou anlise de coocorrncias, isto , das associaes - duas oumais palavras ou temas - ou excluses presentes no material de anlise). Acontingency analysis ser desenvolvida por Osgood uma quinzena de anosmais tarde e generalizada em seguida graas s possibilidades ampliadaspelo uso do computador.

    Do ponto de vista metodolgico, o final dos anos 1940-195q , sobretu-do, marcado pelas regras de anlise elaboradas por E. Berelson", auxiliado porP. Lazarsfeld. A clebre definio de anlise de contedo, que Berelson d en-to, resume muito bem as preocupaes epistemolgicas desse perodo:

    A anlise de contedo uma tcnica de investigao que tem por finalidadea descrio objetiva, sistemtica e quantitativa do contedo manifesto da co-municao.

    Na verdade, esta concepo e as condies muito normativas e limitantesde funcionamento da anlise de contedo foram completadas, postas em ques-to e ampliadas pelos trabalhos posteriores dos analistas norte-americanos.

    7. J. M. Page, "Letters from [enny: an approach to the clinical analysis of personality struc-ture by computer" P. J. Stone, D, C. Dunphy, M. S, Smith, e D. M. Ogilvie, The general In-quirer: a computer approach to content analysis in the behavioral sciences, Cambridge, MITPress, 1966, pp. 431-451.

    8. B. Berelson e P. F. Lazarsfeld, The analysis of communications content, Universty of Chica-go and Columbia University, Preliminary Draft, Chicago e Nova Iorque, 1948: depois, B.Berelson, Content analysis in communication research, Glencoe, IH, The Free Press, 1952;e B, Berelson, "Content Analysis em G. Lindzey" (org.), Handbook of Social Psychology,Cambridge, Addison- Wesley Publishing Co., 1954.

  • EXPOSiO HISTRICA 25

    No entanto, na Frana, afigura-se que at uma data recente (1973-1974) secontinuou a obedecer de maneira rgida ao modelo berelsoniano. Para nosconvencermos de que assim , basta que observemos as referncias bibliogr-ficas ou as instrues fornecidas pelos raros manuais franceses que se digna-vam a abordar o problema da anlise de contedo. Essa ignorncia soberba queconsistia em negar vinte ou trinta anos de progressos norte-americanos, ou emnegligenciar a contribuio francesa ou estrangeira das cincias conexas an-lise de contedo (a lingustica, a semntica, a semiologia, a documentao, ainformtica), comea, felizmente, a ser substituda por uma insatisfaotanto prtica como terica, suscetvel de impelir os professores ou os tcni-cos para a busca de informaes complementares.

    Quaisquer que sejam os progressos posteriores a Lasswell e a Berelson,os seus critrios marcam a preocupao deste perodo em trabalhar comamostras reunidas de maneira sistemtica, a interrogar-se sobre a validade doprocedimento e dos resultados, a verificar a fidelidade dos codificadores e ata medir a produtividade da anlise. o perodo significativo de uma prticacom uma metodologia nascente, onde as exigncias de rigor e de objetividadepressentidas adquirem um carter obsessivo, suscetvel de encobrir outras ne-cessidades ou possibilidades.

    4. 1950-1960: A EXPANSO EA PROBLEMTICA

    o perodo seguinte caracterizado pela expanso das aplicaes da tc-nica a disciplinas muito diversificadas e pelo aparecimento de interrogaes enovas respostas no plano metodolgico. Na realidade, depois da codificaoimperiosa que atinge o seu apogeu com Berelson, o perodo imediatamenteposterior guerra marcado por anos de bloqueio e desinteresse. Durante al-gum tempo, a anlise de contedo parece ter cado num impasse e uns quantosinvestigadores desiludidos (Berelson, [anis, Lasswell, Leites, Lerner, Pool) pare-cem abandonar a partida. O prprio Berelson chega concluso desencantada:

    A anlise de contedo como mtodo no possui qualidades mgicas e rara-

    mente se retira mais do que nela se investe e algumas vezes at menos; - no

    fim de contas, nada h que substitua as ideias brilhantes.

  • 26 ANLISE DE CONTEDO

    Isto equivale, de certa forma, a negar o que j fora adquirido.Mas no incio dos anos 1950, o Social Science Research Council's Com-

    mittee on Linguistics and Psychology convocou diversos congressos sobre osproblemas da "Pscolingustica" O ltimo, conhecido como Allerton HouseConference, por causa do local da reunio (Illinois), teve lugar em 1955 e umaparte das contribuies foi publicada em 1959, sob a orientao de L de SolaPool", que se torna o nome marcante daquele decnio nos sucessivos readers"norte-americanos.

    Os participantes descobrem ento duas coisas: os investigadores e tcni-cos provenientes de horizontes muito diversos interessam-se doravante pelaanlise de contedo; se os problemas precedentes no forem resolvidos, novasperspectivas metodolgicas, no entanto, vo eclodindo. O congresso manifes-ta, pois, um interesse redobrado. A anlise de contedo entra, de certo modo,numa segunda juventude. A etnologia, a histria, a psiquiatria, a psicanlise, alingustica, acabam por se juntar sociologia, psicologia, cincia poltica,aos jornalistas, para questionar essas tcnicas e propr a sua contribuio.

    Desenvolvem-se novos considerandos metodolgicos e epistemolgicos.No plano epistemolgico, confrontam-se duas concepes, dois "modelos" decomunicao: o modelo "instrumental': representado por A. George e G.Mahl, e o modelo "representacional', defendido por G. E. Osgood. Eis como Lde Sola Pool resume a orientao de cada uma dessas concepes:

    De maneira grosseira, arrogamo-nos o direito de dizer que "representacio-nal" significa que o ponto importante no que diz respeito comunicao orevelado pelo contedo dos itens lexicais nela presentes, isto , que algo naspalavras da mensagem permite ter indicadores vlidos sem que se consideremas circunstncias, sendo a mensagem o que o analista observa. Grosso modo,"instrumental" significa que o fundamental no aquilo que a mensagemdiz primeira vista, mas o que ela veicula, dados o seu contexto e as suascircunstncias.

    No plano metodolgico, a querela entre a abordagem quantitativa e aabordagem qualitativa absorve certas cabeas. Na anlise quantitativa, o queserve de informao a frequncia com que surgem certas caractersticas do

    9, L de Sola Pool (org.), Trends in content analysis, Urbana, Illinois University Press, 1959.10. Reader: recolha de textos.

    26

  • EXPOSiO HISTRICA 27

    contedo. Na anlise qualitativa a presena ou a ausncia de uma caracters-tica de contedo ou de um conjunto de caractersticas num determinado frag-mento de mensagem que tomada em considerao".

    A um nvel mais estritamente tcnico, Osgood prope ou aperfeioadiversos procedimentos: a anlise das asseres avaliadoras de uma mensa-gem (Evaluative assertion analysis), a anlise das coocorrncias (Contingencyanalysis), e, depois de W. Taylor, o mtodo Cloze (Cloze Procedure)", co-nhecido, alis, o importante trabalho sobre "a medida das significaes?"efetuado nesta poca. A tnica colocada nas orientaes de valor, afetivasou cognitivas, dos significantes ou dos enunciados de uma comunicao;tendo por pressuposto que essas orientaes so bipolarizadas, passveis demedida por intermdio de escalas e que algumas das dimenses considera-das so universais, qualquer que seja a cultura do locutor.

    De fato, para alm dos aperfeioamentos tcnicos, duas iniciativas"desbloqueiam", ento, a anlise de contedo. Por um lado, a exigncia deobjetividade torna-se menos rgida, ou melhor, alguns investigadores in-terrogam-se acerca da regra legada pelos anos anteriores, que confundiaobjetividade e cientificidade com a mincia da anlise de frequncias. Poroutro, aceita-se mais favoravelmente a combinao da compreenso clni-ca, com a contribuio da estatstica. Mas, alm disso, a anlise de conte-do j no considerada exclusivamente com um alcance descritivo (cf. osinventrios dos jornais do princpio do sculo), pelo contrrio, toma-seconscincia de que a sua funo ou o seu objetivo a inferncia. Que estainferncia se realize tendo por base indicadores de frequncia, ou, cadavez mais assiduamente, com a ajuda de indicadores combinados (cf. anli-se das coocorrncias), toma-se conscincia de que, a partir dos resultadosda anlise, se pode regressar s causas, ou at descer aos efeitos das carac-tersticas das comunicaes.

    11. A. L. George, "Quantitatve and qualitative approaches to content analyss', in I. de Sola

    Pool, op. cit., 1959, pp. 7-32.

    12. C. E. Osgood, "The representational model and relevant research methods', in I. de Sola

    Pool, op. cit., 1959, pp. 33-88.

    13. C. E. Osgood, G. J. Suei, P.H. Tannenbaum, The measurement of meaning, Urbana, Univer-sity, Illinois University Press, 1957.

  • 28 ANLISE DE CONTEDO

    Se analisarmos a situao em finais dos anos 1950, apercebererno-nos deque, quantitativamente, a anlise de contedo progrediu conforme uma razogeomtrica, A partir do critrio numrico de estudos por ano, constata-se quea evoluo se processa da seguinte maneira: 2,5 estudos por ano em mdiaentre 1900 e 1920, 13,3 entre 1920 e 1930, 22,8 entre 1930 e 1940, 43,3 entre1940 e 1950, mais de cem estudos por ano entre 1950 e 196014

    5. 1960-1975: COMPUTADORES ESEMIOLOGIA

    Nos anos 1960 e incio dos anos 1970, trs fenmenos primordiais afe-tam a investigao e a prtica da anlise de contedo. O primeiro o recursoao computador; o segundo, o interesse pelos estudos que dizem respeito co-municao no verbal e o terceiro a inviabilidade de preciso dos trabalhoslngustcos.

    O primeiro "crebro electrnco" nasceu em 1944; em 1960 surge "a se-gunda gerao de computadores': graas aos transistores, qual se sucede rapi-damente a terceira gerao, em 1966, com os circuitos integrados. Atualmente,fala-se j da quarta gerao. Alm de o tratamento informtico permitir assimi-lar rapidamente quantidades de dados impossveis de manipular manualmentee permitir testes estatsticos antes impraticveis, o uso do computador tem con-sequncias nas questes privilegiadas da anlise de contedo. O computadorvem oferecer novas possibilidades, mas a realizao de um programa de anli-se exige um acrscimo de rigor em todas as fases do procedimento. A primeiraobra importante a dar conta das novas anlises pelo computador e a tentarresponder s dificuldades que elas suscitam apareceu em 1966, sob o ttulo deGeneral Inquirer", Uma vez que permite apurar a contagem por frequnca, ocomputador leva-nos a pr questes sobre a ponderao ou a distribuio dasunidades de registro, assim como a ultrapassar a dicotomia anlise quantitati-va/anlise qualitativa. Exige-se uma preparao dos textos a tratar e, por

    14. F. E. Barcus, "Communications content: analysis of the research, 1900-1958" unpublisheddoctor's dissertation, University of Illinois, 1959; citado por O. R. Holsti, Content analysisfor the social sciences and humanities, Addison- Wesley, 1969.

    15. P J. Stone, D. C. Dunphy, M. S. Smith, D, M, Ogilvie, The general inquirer: a compu terapproach to content analysis in the behavioral sciences, Cambridge, MIT Press, 1966,

  • EXPOSiO HISTRICA 29

    conseguinte, uma definio mais precisa das unidades de codificao, alm

    de tornar operacionais procedimentos de anlise automtica das unidades

    de contexto, quando o sentido de uma unidade de registro ambguo. Desse

    modo, o analista obrigado a apelar para os progressos da lingustica, a fim

    de formular regras justificadas. Uma parte importante desses esforos de-dicada a atualizar "dicionrios", isto , quadros capazes de referenciar e

    avaliar as unidades do texto em categorias ou subcategorias. Isto, de forma

    pertinente tanto relativamente aos materiais como aos objetivos visados,

    tambm generalizvel aos materiais e objetivos similares. Finalmente, os esta-

    tstcos daro daqui em diante o seu contributo, uma vez que o tratamento porcomputador facilita a utilizao de testes estatsticos ou permite tratamentoscom muitas variveis (do tipo da anlise fatorial).

    As novas tcnicas so aplicadas a "textos" muito diversos dentro do qua-

    dro de disciplinas cada vez mais variadas, como o testemunha o contedo dosartigos resultantes de investigaes automatizadas de procedimento do grupodo General Inquirer:

    A mudana social nos grupos de auto anlise (estudo de pequenosgrupos).

    As relaes internacionais (cincias polticas).

    A linguagem psictica; a temtica do psicoterapeuta no decorrer dassuas entrevistas (psicologia clnica).

    As caractersticas de cartas de "candidatos ao suicdio"; a percepoda prpria identidade, nos estudantes (psicologia social).

    A relao entre o uso do lcool e o contedo temtico dos contospopulares (antropologia) etc.

    Enquanto surge o resultado do conjunto dos softwares, feitos porStone e seus colaboradores, intitulado General Inquirer, rene-se umcongresso na Filadlfia (1967) (The Annenberg School of Communica-tions). Esse congresso rene 400 investigadores, sendo as suas comuni-caes publicadas em 1969, sob a direo de G. Gerbner, O. R. Holsti, K.

  • 30 ANLISE DE CONTEDO

    Krippendorff, W. J. Paisley e P. J. Stone". Uma parte importante das dis-cusses foi consagrada s diferentes contribuies do computador. Otecnicismo dessas discusses torna-se cada vez mais exato: problemas de"reconhecimento", contextos de significao, regras de "desambiguao","cobertura da informao" e tambm, num plano estritamente material,contribuies tcnicas a fim de adaptar a mquina s operaes rigoro-sas requeridas pelas anlises.

    Contudo, a adaptao da anlise de contedo ao computador (ou vice--versa) no cobre a totalidade dos trabalhos da Annenberg School Conferen-ce. No plano metodolgico e terico, alguns temas de reflexo abordados em1955 na Allerton House Conference continuam a suscitar estudos: a ques-to da inferncia, devido s caractersticas do contedo das causas ou dosefeitos da mensagem; a formalizao de sistemas de categorias standard. Anecessidade de normas ou de critrios de comparao exteriores ao ncleoterico torna-se um novo centro de interesse, em 1967, Em contrapartida, osproblemas de sistemas de enumerao e de unidades de anlise, no centro dasdiscusses em 1955, despertam muito menos interesse, ou, devido ao uso docomputador, so pelo menos equacionados de forma diferente.

    Essa evoluo geral tcnica (utilizao do computador) e metodol-gica (prosseguimento das investigaes dos anos anteriores) interna aodesenvolvimento da anlise de contedo. Nos anos 1960, outras tendn-cias, desta vez externas, afetam o seu movimento. Trata-se do florescimen-to e at da "invaso" do campo cientfico por disciplinas afins, tais como asemiologia e a Iingustica. No primeiro caso, uma espcie de inflao anr-quica explora o campo de sistemas de signos no lingusticos, at a inex-plorado. O territrio semi tico, mal definido, invasor, mas portador deum novo dinamismo, vem, por meio dos seus novos objetos (a imagem, atipografia e a msica, por exemplo) ou dos seus fundamentos tericos (oestruturalismo, a psicanlise, por exemplo) perturbar o movimento relati-vamente linear da anlise de contedo. A dificuldade com a lingustica de outra ordem: a anlise de contedo confrontada (e eventualmente

    16. G. Gerbner, O. R. Holsti, K. Krippendorff, W J. Paisley, P. J. Stone, The analysis of commu-nication contento Developments in scientific theories and computer thecniques, Iohn Wiley &Sons, Nova York, 1969.

  • EXPOSiO HISTRICA 31

    comparada) com uma disciplina solidamente constituda e metodologica-mente confirmada, mas em que a finalidade diferente.

    Face a este antagonismo, a anlise de contedo atual recua, ou melhor,protege-se, continuando basicamente na sua perspectiva, uma vez que se julgaameaada de dissoluo ou de recuperao. Contudo, na Frana, por exemplo,os analistas atuais viram-se para o exterior, para Le cru et le cuit, de Lvi--Strauss, para a anlise estrutural do discurso de A. Greimas, para as reflexessobre a nossa mitologia de R. Barthes e para a anlise semntica de J. Kriste-va ... e outros, como M. Pcheux, exploram a sua formao lingustica paratentar a automatizao da anlise do discurso.

    6. TENDNCIAS ATUAIS

    Aps meados dos anos 1970, a proliferao dos computadores pessoais eas experincias em inteligncia artificial aumentam a esperana nas possibili-dades informticas. Por influncia de uma lingustica mais aberta, e graastambm s investigaes levadas a cabo por certo tipo de anlise do discurso,a experimentao informtica, depois de ter ultrapassado os obstculos ante-riores de programao e de ter relativamente dominado as descries lexicais,concentra-se na apresentao das estruturas sintticas dos textos.

    A anlise de contedo, se multiplica as aplicaes, marca um pouco opasso, ao concentrar-se na transposio tecnolgica, em matria de inovaometodolgica. Mas observa com interesse as tentativas que se fazem no cam-po alargado da anlise de comunicaes: lexicometria, enunciao lingustica,anlise da conversao, documentao e bases de dados etc.

  • 11

    Definio e relao com as outras cincias

    SOU investigador socilogo e o meu trabalho visa determinar a influnciacultural das comunicaes de massa em nossa sociedade. Sou psicotera-peuta e gostaria de compreender o que as palavras dos meus "clientes" - osseus balbcios, silncios, repeties ou lapsos - so suscetveis de revelar noseu rumo para a superao das suas angstias ou obsesses. Sou historiador edesejaria saber, baseando-me nas cartas enviadas famlia antes da catstrofe,a razo pela qual determinado batalho se deixou massacrar, durante aPrimeira Guerra Mundial. Sou psiclogo e gostaria de analisar as entrevistasque efetuei com crianas de uma turma para avaliar o seu grau de adapta-o. Estudo literatura, e ao debruar-me sobre a obra de Baudelaire tentodelinear, atravs de Fleurs du Mal, de poemas em prosa e notas ntimasencontradas, a estrutura temtica do seu imaginrio. Sou poltico e candi-dato desditoso, confio a um grupo de estudos a tarefa de desmontar a me-cnica da propaganda do meu rival, de maneira que no futuro possa da tirarpartido. Sou publicista, e, pretendendo uma melhor adequao de determina-da campanha ao seu fim, peo a um gabinete de estudos que realize umaanlise comparativa de temas associados ao produto por altura das entrevis-tas de opinio e de temas utilizados na campanha atual. Para cada um doscasos e para muitos outros, as cincias humanas facultam um instrumento: aanlise de contedo de comunicaes. Esta tcnica, ou melhor, estas tcnicas'implicam um trabalho exaustivo com as suas divises, clculos e aperfeioa-mentos incessantes do mtier.

    1. P. Henry e S. Moscovici, em "Problemes de l'analyse de contenu', in Langage, Setembro1968, n. Il, definem a anlise de contedo "como um conjunto dspar de tcnicas ..::

  • 34 ANLISE DE CONTEDO

    Por que ento esse trabalho de Penlope, diria o filsofo que no se inco-moda com tais instrumentos, ou o profano que os desconhece? Por que esses"pacientes rodeios': essas enumeraes de uma preciso minuciosa assentadasno estado atual do progresso das tcnicas de anlise das mensagens, essencial-mente no inventrio metdico e no clculo de frequncas estatsticas?

    1. O RIGOR EA DESCOBERTA

    Apelar para esses instrumentos de investigao laboriosa de documentos situar-se ao lado daqueles que, de Durkheim a P. Bourdieu passando porBachelard, querem dizer no " iluso da transparncia" dos fatos sociais,recusando ou tentando afastar os perigos da compreenso espontnea. igualmente "tornar-se desconfiado" relativamente aos pressupostos, lutarcontra a evidncia do saber subjetivo, destruir a intuio em proveito do"construdo", rejeitar a tentao da sociologia ingnua, que acredita poderapreender intuitivamente as significaes dos protagonistas sociais, mas quesomente atinge a projeo da sua prpria subjetividade. Esta atitude de "vi-gilncia crtica" exige o desvio metodolgico e o emprego de "tcnicas deruptura" e afigura-se tanto mais til para o especialista das cincias huma-nas quanto mais ele tenha sempre uma impresso de familiaridade face aoseu objeto de anlise, ainda dizer no " leitura simples do real", sempresedutora, forjar conceitos operatrios, aceitar o carter provisrio de hip-teses, definir planos experimentais ou de investigao (a fim de despistar asprimeiras impresses, como diria P. H. Lazarsfeld).

    Isto, sem que se caia na armadilha (do jogo): construir por construir,aplicar a tcnica para se afirmar de boa conscincia, sucumbir magia dosinstrumentos metodolgicos, esquecendo a razo do seu uso. Com efeito, danecessidade pertinente do utenslio justificao de prestgio do instrumento--gadget medeia apenas um passo ... Da esta "falsa segurana dos nmeros" quePierre Bourdieu estigmatiza, a propsito das estatsticas.

    No entanto, desde que se comeou a lidar com comunicaes que se pre-tende compreender para alm dos seus significados imediatos, parecendo tilo recurso anlise de contedo.

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 35

    De maneira geral, pode dizer-se que a sutileza dos mtodos de anlise decontedo corresponde aos seguintes objetivos:

    A superao da incerteza: o que eu julgo ver na mensagem estar lefetivamente contido, podendo esta "viso" muito pessoal ser parti-1hada por outros? Por outras palavras, ser a minha leitura vlida egeneralizvel?

    E o enriquecimento da leitura: se um olhar imediato, espontneo, jfecundo, no poder uma leitura atenta aumentar a produtividade ea pertinncia? Pela descoberta de contedos e de estruturas que con-firmam (ou infirmam) o que se procura demonstrar a propsito dasmensagens, ou pelo esclarecimento de elementos de significaessuscetveis de conduzir a uma descrio de mecanismos de que apriori no possuamos a compreenso.

    Esses dois polos, desejo de rigor e necessidade de descobrir, de adivi-nhar, de ir alm das aparncias, expressam as linhas de fora do seu desenvol-vimento histrico e o aperfeioamento que, atualmente, ainda faz a anlise decontedo oscilar entre duas tendncias. Historicamente, como j se viu, foinos Estados Unidos, no contexto behaviorista das cincias humanas e por in-teresse dos governos em adivinhar as orientaes polticas e estratgicas dospases estrangeiros, com a ajuda de documentos acessveis (imprensa, rdio),que se fez do analista um detetive munido de instrumentos de preciso. Meto-dologicamente, confrontam-se ou completam-se duas orientaes: a verifica-o prudente ou a interpretao brilhante.

    Por outras palavras, a anlise de contedo de mensagens que deveria seraplicvel - com maior ou menor facilidade, certo - a todas as formas de co-municao, seja qual for a natureza do seu suporte (do tam-tam imagem,tendo evidentemente como terreno de eleio o cdigo lingustico), possuiduas funes, que na prtica podem ou no dissociar-se:

    Uma funo heurstica: a anlise de contedo enriquece a tentativaexploratria, aumenta a propenso para a descoberta. a anlise decontedo "para ver o que d':

    Uma funo de "administrao da prova". Hipteses sob a forma dequestes ou de afirmaes provisrias, servindo de diretrizes, apela-ro para o mtodo de anlise sistemtica para serem verificadas no

  • 36 ANLISE DE CONTEDO

    sentido de uma confirmao ou de uma infirmao. a anlise decontedo "para servir de prova"

    Na prtica, as duas funes da anlise de contedo podem coexistir demaneira complementar. Tal produz-se, sobretudo, quando o analista se de-dica a um domnio da investigao ou a um tipo de mensagens pouco explo-radas, onde faltam ao mesmo tempo a problemtica de base e as tcnicas autilizar. Neste caso, as duas funes interagem, reforando-se uma outra.A anlise "s cegas" - aplicando de maneira quase aleatria (pelo mtodo detentativa e erro) procedimentos de inventrio e de classificao, por exem-plo (primeiro os mais fceis de manejar) - pode fazer surgir hipteses que,servindo ento de guias, conduziro o analista a elaborar as tcnicas maisadequadas sua verificao, Enquanto que, por outro lado, os analistas jorientados partida para uma problemtica terica podero, no decorrer dainvestigao, "inventar" novos instrumentos suscetveis, por sua vez, de fa-vorecer novas interpretaes. Isso explica que, aquando destes procedimen-tos de "leituras sistemticas" - mas no ainda sistematizadas -, h muitasvezes uma passagem incessante do corpo terico (hipteses, resultados),que se enriquece ou se transforma progressivamente, para as tcnicas que seaperfeioam pouco a pouco (lista de categorias, quadros, matrizes, mode-los). Esse vaivm contnuo possibilita facilmente a compreenso da frequen-te impresso de dificuldade no comeo de uma anlise, pois nunca se sabeexatamente "por qual ponta comear"

    A anlise de contedo (seria melhor falar de anlises de contedo) ummtodo muito emprico, dependente do tipo de "fala" a que se dedica e do tipode interpretao que se pretende como objetivo. No existe coisa pronta emanlise de contedo, mas somente algumas regras de base, por vezes dificil-mente transponveis. A tcnica de anlise de contedo adequada ao domnio eao objetivo pretendidos tem de ser reinventada a cada momento, exceto parausos simples e generalizados, como o caso do escrutnio prximo da decodi-ficao ede respostas a perguntas abertas de questionrios cujo contedo avaliado rapidamente por temas.

    Contudo, trs quartos de sculo de investigao, de estudos empricos oude interrogaes metodolgicas fornecem atualmente um leque de modelos, a

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 37

    partir dos quais podemos nos inspirar, e um quadro de funcionamento que conveniente colocar antes de ilustrar a prtica da anlise com exemplos.

    O que ou no a anlise de contedo? Onde comea e acaba a anlise decontedo? necessrio definir o seu campo (determinar uma "linha de fron-teira", como diria Roland Barthes). Para que serve a anlise de contedo? preciso dizer por que razo e com que finalidade recorremos a este instrumen-.to. Como ela funciona? necessrio familiarizarmo-nos com a sua utilizao efornecer um modelo para essa utilizao. Sobre que materiais funciona a an-lise de contedo? preciso indicar os lugares possveis do seu territrio ...

    O qu, por qu, como, onde ...

    2. O CAMPO

    A anlise de contedo um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes.No se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou,

    com maior rigor, ser um nico instrumento, mas marcado por uma grandedisparidade de formas e adaptvel a um campo de aplicao muito vasto: ascomunicaes.

    Documentos e objetivos dos investigadores, podendo ser bastante dife-rentes os procedimentos de anlise, s-le-o, obrigatoriamente, conforme setrate de:

    pr em evidncia a "respirao" de uma entrevista no diretiva; desmascarar a axiologia subjacente aos manuais escolares; estabelecer uma tipologia das aspiraes maritais, nos anncios ma-

    trimoniais do chasseur franais; medir a implicao do poltico nos seus discursos; seguir a evoluo da moral da nossa poca, por meio dos anncios

    de uma revista; radiografar a rede das comunicaes formais e informais de uma

    empresa a partir das ordens de servio ou das chamadas telefnicas; avaliar a importncia do "interdito" na sinalizao urbana; encontrar o inconsciente coletivo, por detrs da aparente incoerncia

    dos grafites inscritos em locais pblicos; pr em relevo o esqueleto ou a estrutura da narrativa das histrias

    humorsticas;

  • 38 ANLISE DE CONTEDO

    fazer o recenseamento do repertrio semntico ou sintaxe de base deum setor publicitrio;

    compreender os esteretipos do papel da mulher, no enredo fotono-velstico;

    provar que os objetos da nossa vida cotidiana funcionam como umalinguagem; que o vesturio mensagem, que o nosso apartamento"fala" etc.

    (Estes so alguns exemplos citados a ttulo ilustrativo, da infinidade deanlises de contedo possveis.)

    Desde mensagens lingusticas em forma de cones at "comunicaes"em trs dimenses, quanto mais o cdigo se torna complexo, ou instvel, oumal explorado, maior ter de ser o esforo do analista, no sentido de umainovao com vista elaborao de tcnicas novas. E quanto mais o objetoda anlise e a natureza das suas interpretaes forem invulgares e mesmoinslitas, maiores dificuldades existiro em colher elementos nas anlises jrealizadas, para nelas se inspirar. E mais ainda, porque cada investigadortem repugnncia em descrever a sua hesitante alquimia, contentando-secom a exposio rigorosa dos resultados finais, evitando assim explicitar ashesitaes dos cozinhados que os procederam, com grande prejuzo para osprincipiantes que no encontram modelos, receitas acabadas, logo que sededicam a anlises que, pelo seu material ou pelo seu objetivo, se afastam,por pouco que seja, das vias tradicionais.

    De fato, se tentamos nos distanciar dos mtodos de anlise de contedo edo domnio em que estes podem ser explorados, apercebemo-nos de que ocampo de aplicao extremamente vasto, Em ltima anlise, qualquer co-municao, isto , qualquer veculo de significados de um emissor para umreceptor, controlado ou no por este, deveria poder ser escrito, decifrado pelastcnicas de anlise de contedo.

    P.Henry e S. Moscovici/, dizem:

    (...) tudo o que dito ou escrito suscetvel de ser submetido a uma anlisede contedo.

    2. P.Henrye S, Moscovici, "Probleme de l'analyse de contenu', Langage, Setembro 1968, n. 11.

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 39

    Esses autores alargam potencialmente (embora com reticncias) este do-mnio j muito diversificado, acrescentando em nota:

    Exclumos do campo de aplicao da anlise de contedo tudo o que no propriamente lingustico, tal como filmes, representaes pictricas, com-portamentos (considerados "simblicos") etc., embora em certos aspectos otratamento destes materiais levante problemas semelhantes aos da anlise decontedo ...

    Ora, quaisquer que sejam as dificuldades de aplicao ou de transposi-co das tcnicas da anlise de contedo para as comunicaes no lingusticase os exageros a que por vezes conduz a recente moda da semiologia, parecedifcil recusar-se ao vasto campo das comunicaes no lingusticas (ao qual-e aplica, por comodidade, os termos do campo semiolgico ou semitico) osenefcios da anlise de contedo.

    De que modo se poder passar em revista de maneira exaustiva os dom-nios da aplicao potencial das tcnicas da anlise de contedo, quaisquer quesejam os procedimentos a utilizar? Numa primeira fase, contentemo-nos comsistematizar o conjunto dos tipos de comunicaes, segundo dois critrios ( rovvel que existam outros igualmente adequados):

    a quantidade de pessoas implicadas na comunicao; a natureza do cdigo e do suporte da mensagem.

    Uma classificao segundo estes dois critrios pode resumir-se numuadro de dupla entrada. Indicamos para cada caso alguns exemplos, a t-

    rulo de ilustrao'.Por conseguinte, parece difcil definir a anlise de contedo a partir do

    seu territrio, pois, primeira vista, tudo o que comunicao (e at signlf-cao) parece suscetvel de anlise. Poder-se-, pelo menos, descobrir umaunidade ao nvel das suas regras de funcionamento?

    Cf. quadro na pgina seguinte.

  • Dom

    nios

    possveisda

    aplic

    ao

    daan

    lise

    deconte

    do

    Qua

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    Jornais,

    livros,

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  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 41

    3. A DESCRiO ANALTICA

    A descrio analtica funciona segundo procedimentos sistemticos e obje-tivos de descrio do contedo das mensagens.

    Tratar-se-ia, portanto, de um tratamento da informao contida nasmensagens. conveniente, no entanto, precisar de imediato que em muitoscasos a anlise, como j foi referido, no se limita ao contedo, embora tomeem considerao o "continente".

    A anlise de contedo pode ser uma anlise dos "significados" (exemplo: aanlise temtica), embora possa ser tambm uma anlise dos "significantes"(anlise lexical, anlise dos procedimentos). Por outro lado, o tratamento descri-tivo constitui uma primeira fase do procedimento, mas no exclusivo da anli-se de contedo. Outras disciplinas que se debruam sobre a linguagem ou sobrea informao tambm so descritivas: a lingustica, a semntica, a docu-mentao. No que diz respeito s caractersticas sistemtica e objetiva, semserem especficas da anlise de contedo, foram e continuam sendo suficiente-mente importantes para que se insista nelas.

    Este aspecto de manipulao objetiva aparecia numa definio do Hand-book of Social Psychology' de Lindzey (primeira edio) uma vez que a anlisede contedo era apresentada como "uma tcnica que consiste em apurar des-cries de contedo muito aproximativas, subjetivas, para pr em evidnciacom objetividade a natureza e as foras relativas dos estmulos a que o sujeito submetdo'",

    Esta definio corresponde a uma primeira exigncia histrica, de for-necer prtica da psicossociologia um aval de objetividade cientfica. No setrata de renegar este aspecto da tcnica, sempre vlido em cincias humanas,mas de compreender que no o nico objetivo da anlise de contedo.

    Algumas outras definies tm do mesmo modo insistido no aspectomanifesto das comunicaes e no carter sistemtico e quantitativo dosprocedimentos.

    4. Ao que parece, atualmente na Frana o mtodo de anlise de contedo est dependenteessencialmente de duas disciplinas: a Psicologia Social e a Sociologia.

    5. Note-se o vocabulrio behaviorista.

  • 42 ANLISE DE CONTEDO

    A definio de anlise de contedo dada por Berelson, h cerca de vinteanos, continua sendo o ponto de partida para as explicaes que todos osprincipiantes reclamam, a qual ele classificou do seguinte modo: "uma tcnicade investigao que atravs de uma descrio objetiva, sistemtica e quantita-tiva do contedo manifesto das comunicaes tem por finalidade a interpre-tao destas mesmas comunicaes". Os analistas principiantes debitam deboa vontade as famosas regras, s quais devem obedecer as categorias de frag-mentao da comunicao para que a anlise seja vlida, embora essas regrassejam, de fato, raramente aplicveis. As regras devem ser:

    homogneas: poder-se-ia dizer que "no se mistura alhos com bugalhos", exaustivas: esgotar a totalidade do "texto"; exclusivas: um mesmo elemento do contedo no pode ser classi-

    ficado aleatoriamente em duas categorias diferentes; - objetivas:codificadores diferentes devem chegar a resultados iguais;

    adequadas ou pertinentes: isto , adaptadas ao contedo e ao objetivo.

    Ainda em virtude da fragmentao objetiva e do comentrio irnico deViolette Morin, "point ne sert de compter, il fault couper point" [de nadaserve contabilizar, mas antes cortar a preceito l, o analista, no seu trabalho depoda, considerado aquele que delimita as unidades de codificao, ou asde registro, Estas, consoante o material ou cdigo, podem ser: a palavra, a fra-se, o minuto, o centmetro quadrado. O aspecto exato e bem delimitado docorte tranquiliza a conscincia do analista. Quando existe ambiguidade na re-ferenciao do sentido dos elementos codificados, necessrio que se defi-nam unidades de contexto, superiores unidade de codificao, as quais,embora no tendo sido tomadas em considerao no recenseamento dasfrequncas, permitem contudo compreender a significao dos itens obti-dos, repondo-os no seu contexto.

    Este procedimento pertinente em certos casos (embora levante grandesproblemas ao.nvel da imagem, a qual indivisvel por natureza) e no haveriarazo para o pr em causa se, apesar de tudo, ele fosse produtivo.

    Este tipo de anlise, o mais generalizado e transmitido, foi cronologica-mente o primeiro, podendo ser denominado anlise categorial. Esta pretende

  • es

    DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 43

    tomar em considerao a totalidade de um "texto", passando-o pelo crivo daclassificao e do recenseamento, segundo a frequncia de presena (ou deausncia) de itens de sentido. Isso pode constituir um primeiro passo, obede-cendo ao princpio de objetividade e racionalizando por meio de nmeros epercentagem uma interpretao que, sem ela, teria de ser sujeita a aval. omtodo das categorias, espcie de gavetas ou rubricas significativas que per-mitem a classificao dos elementos de significao constitutivos da mensa-gem. , portanto, um mtodo taxonmico bem concebido para satisfazer oscolecionadores preocupados em introduzir uma ordem, segundo certos crit-rios, na desordem aparente.

    Este procedimento simples, se bem que algo fastidioso quando feitomanualmente.

    Imagine-se certo nmero de caixas, por exemplo de sapatos, dentro dasquais so distribudos objetos, como aqueles, aparentemente heterclitos, queseriam obtidos se se pedisse s passageiras de um trem que esvaziassem asbolsas. A tcnica consiste em classificar os diferentes elementos nas diversasgavetas segundo critrios suscetveis de fazer surgir um sentido capaz de in-troduzir alguma ordem na confuso inicial. evidente que tudo depende, nomomento da escolha dos critrios de classificao, daquilo que se procura ouque se espera encontrar.

    O exemplo escolhido (objetos contidos nas bolsas das senhoras) podeparecer metafrico: esses objetos no constituem uma verdadeira comuni-cao, na medida em que no correspondem a um conjunto de significa-es voluntariamente codificadas pelo emissor; so ndices. Contudo, inextremis, o analista semilogo pode consider-los uma mensagem e sub-met-los anlise de contedo para os fazer falar. Como proceder entoe segundo qual objetivo? Uma repartio seguida de um desconto de frequncia decada "gaveta" pode ser realizada segundo o critrio do valor mercantilde cada objeto: caixa de p facial, mao de cigarros, caneta etc., sero divi-didos segundo o preo estimado para cada um deles. A classificao podeainda ser feita sob o critrio da funo dos objetos: objetos de maquiagem,dinheiro ou seus substitutos etc. A finalidade dessa classificao deduzir dacertos dados, que dizem, por exemplo, respeito situao sociocultural das se-nhoras observadas, em determinada hora, ou em determinado local de utili-zao do transporte.

  • 44 ANLISE DE CONTEDO

    possvel ir ainda mais longe no procedimento: estabelecer a estrutura--tipo ou modal do contedo de uma bolsa de senhora; ou ainda referenciar asregras de associao (certo objeto fica sempre junto a um outro), ou de equi-valncia (encontra-se tal objeto ou o seu substituto), ou ainda de excluso(certo objeto substitudo com frequncia significativa por outro), Aproxima-mo-nos ento de um tipo de anlise muito mais recente: a anlise de contin-gncia ou anlise estrutural.

    Este exemplo no est, assim, to distante da realidade como pode pare-cer, uma vez que ainda h pouco tempo os socilogos planejaram realizar umaanlise de contedo dos caixotes de lixo, Esta anlise pode, efetivamente, nosensinar muito sobre o comportamento dos habitantes de determinado bairro,sobre o seu nvel socioeconmico, as formas de desperdcio numa sociedadede abundncia, ou sobre a evoluo dos hbitos de consumo num perodo decrise, por exemplo.

    4. A INFERNCIA

    Recapitulemos: a anlise de contedo aparece como um conjunto de tc-nicas de anlise das comunicaes que utiliza procedimentos sistemticos e obje-tivos de descrio do contedo das mensagens. Mas isso no suficiente paradefinir a especificidade da anlise de contedo,

    Retomemos os dois exemplos, mais ou menos metafricos, anteriormen-te citados. Nos dois casos (objetos contidos nas bolsas e dejetos encontradosnos caixotes de lixo), o interesse no est na descrio dos contedos, massim no que estes nos podero ensinar aps serem tratados (por classificao,por exemplo) relativamente a "outras coisas':

    Esses saberes deduzidos dos contedos podem ser de natureza psicolgi-ca' sociolgica, histrica, econmica ...

    portanto necessrio completarmos os segmentos de definies j ad-quiridas, pondo em evidncia a finalidade (implcita ou explcita) de qualqueranlise de contedo:

    A inteno da anlise de contedo a inferncia de conhecimentos relati-vos s condies de produo (ou, eventualmente, de recepo), inferncia estaque recorre a indicadores (quantitativos ou no).

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 45

    o analista como um arquelogo. Trabalha com vestgios: os "documen-tos" que pode descobrir ou suscitar". Mas os vestgios so a manifestao deestados, de dados e de fenmenos. H qualquer coisa para descobrir por egraas a eles. Tal como a etnografia necessita da etnologia para interpretar assuas descries minuciosas, o analista tira partido do tratamento das mensa-gens que manipula para inferir (deduzir de maneira lgica)? conhecimentossobre o emissor da mensagem ou sobre o seu meio, por exemplo. Tal comoum detetive, o analista trabalha com ndices cuidadosamente postos em evi-dncia por procedimentos mais ou menos complexos. Se a descrio (a enu-merao das caractersticas do texto, resumida aps tratamento) a primeiraetapa necessria e se a interpretao (a significao concedida a estas caracte-rsticas) a ltima fase, a inferncia o procedimento intermedirio, que vempermitir a passagem, explcita e controlada, de uma outra.

    O aspecto inferencial da anlise de contedo que, acrescido das outrascaractersticas, fundamenta a sua unidade e a sua especificidade foi realadoquando da Allerton House Conference".

    Essas inferncias (ou dedues lgicas) podem responder a dois tipos deproblemas:

    o que levou a determinado enunciado? Este aspecto diz respeito scausas ou antecedentes da mensagem;

    quais as consequncias que determinado enunciado vai provavelmen-te provocar? Isto refere-se aos possveis efeitos das mensagens (porexemplo: os efeitos de uma campanha publicitria, de propaganda).

    6. Dois tipos de documentos podem ser submetidos anlise: documentos suscitados pelas necessidades de estudo (por exemplo: respostas a ques-

    tionrios de inquritos, testes, experincias etc.). documentos naturais, produzidos espontaneamente na realidade (tudo o que comu-

    nicao, como vimos anteriormente);7. Inferncia: operao lgica, pela qual se admite uma proposio em virtude da sua ligao

    com outras proposies j aceitas como verdadeiras.Inferir: extrair uma consequncia (Petit Robert, Dictionnaire de la langue Franaise, S. N.L., 1972).

    8. Ver o primeiro captulo deste livro.

  • 46 ANLISE DE CONTEDO

    Podemos, por conseguinte, inferir a partir da procedncia (o emissor e asituao na qual este se situa) e a partir do destinatrio da comunicao, em-bora este caso seja mais raro e incerto, Tal como Pool se inteira das atasprincipais dos congressos, procura-se, por exemplo, adivinhar as intenesmilitares que esto por trs dos discursos de propaganda estrangeira (A. Ge-orge); tenta-se descobrir estados de tenso em diferentes momentos, por meiodas palavras de um grande homem histrico (J. Garraty); tenta-se medir ograu de ansiedade a partir das perturbaes da linguagem de um doente (G.Mahl); ou ainda, deseja-se pr em evidncia as avaliaes (opinies, juzos,tomadas de posio conscientes ou no) e as associaes subjacentes de umindivduo, a partir dos seus enunciados (C. Osgood).

    Esses fatos, deduzidos logicamente a partir de certos ndices seleciona-dos e fornecidos pela fase descritiva da anlise de contedo, podem ser denatureza muito diversa. Alguns autores franceses chamam-lhes condies deproduo:

    Qualquer anlise de contedo visa, no O estudo da lngua ou da linguagem,mas sim a determinao mais ou menos parcial do que chamaremos as con-dies de produo dos textos, que so o seu objeto. O que tentamos carac-terizar so estas condies de produo e no os prprios textos. O conjuntodas condies de produo constitui O campo das determinaes dos textos",

    o termo condies de produo suficientemente vago para permitirpossibilidades de inferncia muito variadas: variveis psicolgicas do indiv-duo emissor, variveis sociolgicas e culturais, variveis relativas situao decomunicao ou do contexto de produo da mensagem. Esta denominaoleva apenas em considerao a produo, deixando de lado as possibilidadesde inferncia sobre a recepo da mensagem. Poder-se- preferir a denomina-o mais neutra de variveis inferidas.

    Qualquer que seja o termo utilizado, parece que o fundamento da espe-cificidade da anlise de contedo (e os trabalhos atuais produzidos acercadeste assunto indicam certo consenso) reside nesta articulao entre:

    9, P Henrye S. Moscovici, "Problrnes de l'analyse de contenu', em Langage, Setembro 1968,n. lI.

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 47

    a superfcie dos textos, descrita e analisada (pelo menos alguns ele-mentos caractersticos); e

    os fatores que determinaram estas caractersticas, deduzidos logica-mente.

    Ou, por outras palavras lO, o que se procura estabelecer quando se realizauma anlise conscientemente ou no uma correspondncia entre as estrutu-ras semnticas ou lingusticas e as estruturas psicolgicas ou sociolgicas (porexemplo: condutas, ideologias e atitudes) dos enunciados. De maneira bastan-te metafrica, falar-se- de um plano sincrnico ou plano "horizontal" paradesignar o texto e a sua anlise descritiva, e de um plano diacrnico ou plano"vertical", que remete para as variveis inferi das.

    Na realidade, este processo dedutivo ou inferencial a partir de ndicesou indicadores no raro na prtica cientfica. O mdico faz dedues sobrea sade do seu cliente graas aos sintomas, do mesmo modo que o graflogoque pretende proceder com seriedade infere dados sobre a personalidade doseu cliente a partir de ndices que se manifestam com frequncia suficiente,ou em associao significativa com outros ndices, na grafia do escritor. Omesmo se passa com a anlise de contedo, mas a superficialidade do pro-cedimento analtico est estreitamente relacionada com a diligncia normal,habitual, de leitura e de compreenso da mensagem. O graflogo pode tiraras suas concluses sem se preocupar com o sentido do manuscrito que temdiante de si. O arquelogo pode completar conhecimentos histricos pormeio da anlise de uma nfora, sem que seja obrigado a servir-se dela. Pelocontrrio, a tentativa do analista dupla: compreender o sentido da comu-nicao (como se fosse o receptor normal), mas tambm, e principalmente,desviar o olhar para outra significao, outra mensagem entrevista por meioou ao lado da mensagem primeira. A leitura efetuada pelo analista, do con-tedo das comunicaes, no , ou no unicamente, uma leitura " letra",mas antes o realar de um sentido que figura em segundo plano. No se tra-ta de atravessar significantes, para atingir significados, semelhana da de-cifrao normal, mas atingir atravs de significantes, ou de significados

    10. A. Lvy, Prefcio de Sujet(s) et object(s) de l'analyse de contenu, Ep, 1964, nmero especialde Connexions, n. 12.

  • Leitura normal ....

    48 ANLISE DE CONTEDO

    (manipulados), outros "significados" de natureza psicolgica, sociolgica,poltica, histrica etc.

    (Se) (So) (Se), ~ (So)

    Variveis inferidas

    Anlise de contedo

    Suponhamos um exemplo: pretendo medir o grau de ansiedade de umsujeito - no expresso por ele conscientemente na mensagem que emitiu -exigindo isto, a posteriori, uma transcrio escrita da palavra verbal e mani-pulaes vrias. Posso decidir-me pela adoo de um indicador de naturezasemntica. Por exemplo (ao nvel dos significados), anotar a frequncia dostermos ou dos temas relativos ansiedade, no vocabulrio do sujeito. Ouento posso servir-me, se isso me parecer vlido, de um indicador lingusti-co (ordem de sucesso dos elementos significantes, extenso das "frases"),ou paralingustico (entoao e pausas).

    Definitivamente, o terreno, o funcionamento e o objetivo da anlise decontedo podem resumir-se da seguinte maneira: atualmente, e de modo ge-ral, designa-se sob o termo de anlise de contedo:

    Um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes visando obter por pro-cedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens indica-dores (quantitativos ou no) que permitam a inferncia de conhecimentos relativoss condies de produo/recepo (variveis inferidas) dessas mensagens.

    Pertencem, pois, ao domnio da anlise de contedo todas as iniciativasque, a partir de um conjunto de tcnicas parciais mas complementares, consis-tam na explicitao e sistematizao do contedo das mensagens e da expressodeste contedo, com o contributo de ndices passveis ou no de quantificao, apartir de um conjunto de tcnicas, que, embora parciais, so complementares.Esta abordagem tem por finalidade efetuar dedues lgicas e justificadas, refe-rentes origem das mensagens tomadas em considerao (o emissor e o seucontexto, ou, eventualmente, os efeitos dessas mensagens). O analista possui asua disposio (ou cria) todo um jogo de operaes analticas, mais ou menosadaptadas natureza do material e questo que procura resolver. Pode utili-zar uma ou vrias operaes, em complementaridade, de modo a enriquecer

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 49

    os resultados, ou aumentar a sua validade, aspirando assim a uma interpretaofinal fundamentada. Qualquer anlise objetiva procura fundamentar impres-ses e juzos intuitivos, por meio de operaes conducentes a resultados de con-fiana.

    Para completar a definio, falta-nos delimitar o seu campo de ao emcomparao com as cincias conexas. H duas prticas cientficas intimamen-te ligadas anlise de contedo, quer pela identidade do objeto, quer pela pro-ximidade metodolgica: a lingustica e as tcnicas documentais.

    5. A ANLISE DE CONTEDO EA L1NGuSTICA

    Aparentemente, a lingustica e a anlise de contedo tm o mesmo obje-to: a linguagem. Na verdade, no nada assim: a distino fundamental pro-posta por F. de Saussure entre lngua e fala, e que fundou a lingustica, marcaa diferena. O objeto da lingustica a lngua, quer dizer, o aspecto coletivo evirtual da linguagem, enquanto que o da anlise de contedo a fala, isto , oaspecto individual e atual (em ato) da linguagem. A lingustica trabalhanuma lngua terica, encarada como um "conjunto de sistemas que autori-zam combinaes e substituies regulamentadas em elementos defini-dos ..:'ll. O seu papel resume-se, independentemente do sentido deixado semntica, descrio das regras de funcionamento da lngua, para alm dasvariaes individuais ou sociais tratadas pela psicolingustica e pela sociolin-gustica. Pelo contrrio, a anlise de contedo trabalha a fala, quer dizer, aprtica da lngua realizada por emissores identificveis. Retomando a met-fora do jogo de xadrez utilizada por F. de Saussure, a lingustica no procurasaber o que significa uma partida, antes tenta descrever quais as regras quetornam possvel qualquer partida. A lingustica estabelece o manual do jogoda lngua; a anlise de contedo tenta compreender os jogadores ou o am-biente do jogo num momento determinado, com o contributo das partes ob-servveis. Contrariamente lingustica, que apenas se ocupa das formas e dasua distribuio, a anlise de contedo leva em considerao as significaes(contedo), eventualmente a sua forma e a distribuio desses contedos eformas (ndices formais e anlise de coocorrncia).

    11. M. Pcheux, Analyse automatique du discours, Dunod, 1966.

  • 50 ANLISE DE CONTEDO

    O trabalhar a fala e as significaes que diferenciam a anlise de contedoda lingustica, embora a distino fundamental resida em outro lado. A lin-gustica estuda a lngua para descrever o seu funcionamento. A anlise decontedo procura conhecer aquilo que est por trs das palavras sobre asquais se debrua. A lingustica um estudo da lngua, a anlise de contedo uma busca de outras realidades por meio das mensagens.

    Por outro lado, para encerrar essa tentativa de diferenciao entrelingustica e anlise de contedo, procuremos situar, grosso modo, o lu-gar da semntica, da sociolingustica, da lexicologia, da estatstica lin-gustica e da anlise do discurso. A semntica o estudo do sentido dasunidades lingusticas, funcionando, portanto, como o material principal daanlise de contedo: os significados. Descreve, no entanto, os conceitos dosentido lingustico (ao nvel da lngua e no da fala). A sociolingustica mo-vimenta-se da lngua para as palavras, de modo a estabelecer de uma ma-neira sistemtica de correlaes (covarincia) entre estruturas lingusticas esociais. Est, por conseguinte, prxima da anlise de contedo, na medidaem que deixa a esfera dessocializada da lingustica e tenta descrever corres-pondncias entre caractersticas "linguajeiras" e grupos sociais. Tem contu-do em considerao um conjunto lingustico (geral) para o pr em paralelo(covarincia) com um conjunto social (geral). A anlise de contedo, porseu lado, visa o conhecimento de variveis de ordem psicolgica, sociolgi-ca, histrica etc., por meio de um mecanismo de deduo com base em indi-cadores reconstrudos a partir de uma amostra de mensagens particulares.A lexicologia, estudo cientfico do vocabulrio, e a estatstica lexical, aplica-o dos mtodos estatsticos descrio do vocabulrio, aproximam -se daanlise de contedo por funcionarem com unidades de significaes sim-ples (a palavra) e por remeterem para classificaes e contabilizao por-menorizadas de frequncias. Essas cincias podem ser teis anlise decontedo (normas de comparao e ndices de inferncia), mas sua analogia puramente tcnica e limitada. A anlise do discurso trabalha, tal como aanlise de contedo, com unidades lingusticas superiores frase (enuncia-dos). Mas como o seu objetivo releva da mesma dimenso que o objetivopuramente lingustico do qual ela deriva por extenso - formular as regrasde encadeamento das frases, quer dizer, ao fim e ao cabo descrever as unida-

  • DEFINiO E RELAO COM AS OUTRAS CINCIAS 51

    des (as macrounidades que so os enunciados) e a sua distribuio - difcilsitu-la na contiguidade (e mesmo no lugar) da anlise do contedo.

    6. A ANLISE DE CONTEDO EA ANLISE DOCUMENTAL

    o peso do desenvolvimento das tcnicas documentais tem-se mantidorelativamente discreto no campo cientfico. A documentao permanece umaatividade muito circunscrita e a anlise documental, pouco conhecida do pro-fano, um assunto para especialistas. No entanto, alguns procedimentos detratamento da informao documental apresentam tais analogias com umaparte das tcnicas da anlise de contedo que parece conveniente aproxim--los para melhor os diferenciar. A finalidade sempre a mesma, a saber, escla-recer a especificidade e o campo de ao da anlise de contedo.

    Se a esta suprimirmos a funo de inferncia e se limitarmos as suas pos-sibilidades tcnicas apenas anlise categorial ou temtica, podemos, efetiva-mente, identific-la corno anlise documental.

    O que a anlise documental? Podemos defini-la como "uma operaoou um conjunto de operaes visando representar o contedo de um do cu -mento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar, num estado ul-terior, a sua consulta e referenciao?", Enquanto tratamento da informaoontida nos documentos acumulados, a anlise documental tem por objetivodar forma conveniente e representar de outro modo essa informao, por in-termdio de procedimentos de transformao. O propsito a atingir o arma-zenamento sob uma forma varivel e a facilitao do acesso ao observador, detal forma que este obtenha o mximo de informao (aspecto quantitativo),com o mximo de pertinncia (aspecto qualitativo). A anlise documental ,ortanto, uma fase preliminar da constituio de um servio de documenta-

    co ou de um banco de dados.A anlise documental permite passar de um documento primrio (bru-

    to) para um documento secundrio (representao do primeiro). So, porexemplo, os resumos ou abstracts (snteses do documento segundo certas

    2. J. Chaumier, Les techniques documentaires, PUF, 1974, S. ed., 1989, e J. Chaumier, Le traite-ment linguistique de l'information, Enterprise moderne d'Edition, 3. ed., 1988.

  • 52 ANLISE DE CONTEDO

    regras); ou a indexao", que permite, por classificao em palavras-chave,descritores ou ndices, classificar os elementos de informao dos documen-tos, de maneira muito restrita. Esta foi uma prtica corrente desde os finais dosculo XIX (classificao por "assuntos" das bibliotecas, classificao decimaluniversal - CDU). Esta indexao regulada segundo uma escolha (de ter-mos ou de ideias) adaptada ao sistema e ao objetivo da documentao emcausa, Por meio de uma entrada que serve de pista, as classes permitem dividira informao, constituindo as "categorias de uma classificao, na qual estoagrupados os documentos que apresentam alguns critrios comuns, ou quepossuem analogias no seu contedo'

  • PRTICAS

    SEGUNDA PARTE

  • Depois desta primeira parte que situa a anlise de contedo atual no planocronolgico e epistemolgico, decidimos remeter o leitor para algunsexemplos representativos daquilo que se pode pr em prtica no campo dapsicologia (principalmente em psicologia social) e da sociologia. Estes exem-plos, tratados de forma simples e sem pretenses, visam iniciar o novato natarefa seguinte: o jogo entre as hipteses, entre a ou as tcnicas e a interpreta-o. Isto porque a formao em anlise de contedo se faz pela prtica. Estesexemplos no so para serem tomados como modelo, mas como ilustraesque permitiro uma compreenso dos mecanismos. Para facilitar esta passa-gem pelo empirismo, ns mesmos concebemos e praticamos pacientementeessas anlises com um olhar "retrospectivo': numa espcie de auto-observa-o, de modo a esclarecer o desenrolar do procedimento, sem que nos tenha-mos orientado como habitualmente, para a produo dos resultados.

    A maior parte das tcnicas propostas do tipo temtico e frequencial (omtodo mais fcil, mais conhecido e mais til numa primeira fase de aborda-gem da maioria dos materiais). No entanto, outros indicadores, mais formaisou estruturais, aparecem aqui e ali, deixando assim entrever desde a primeiraabordagem a possibilidade de outros ndices.

  • IAnlise dos resultados num testede associao de palavras:esteretipos e conotaes

    1. A ADMINISTRAO DO TESTE

    A fim de serem estudados os esteretipos sociais espontaneamente parti-lhados pelos membros de um grupo relativos a certas profisses, pases ounomes prprios, aplicou-se um teste de associao de palavras a uma amostrade indivduos.

    Um esteretipo "a ideia que temos de ..:', a imagem que surge esponta-neamente, logo que se trate de ... a representao de um objeto (coisas,pessoas, ideias) mais ou menos desligada da sua realidade objetiva, partilha-da pelos membros de um grupo social com alguma estabilidade. Correspondea uma medida de economia na percepo da realidade, visto que uma com-posio semntica preexistente, geralmente muito concreta e imagtica, or-ganizada em redor de alguns elementos simblicos simples, substitui ouorienta imediatamente a informao objetiva ou a percepo real. Estruturacognitiva e no inata (submetida influncia do meio cultural, da experin-cia pessoal, de instncias e de influncias privilegiadas como as comunica-es de massa), o esteretipo, no entanto, mergulha as suas razes no afetivoe no emocional, porque est ligado ao preconceito por ele racionalizado,justificado ou criado.

    O teste por associao de palavras, o mais antigo dos testes projetivos.Permite, em psicologia clnica, ajudar a localizar as zonas de bloqueamento ede recalcamento de um indivduo. Este teste aqui utilizado para fazer surgir

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    espontaneamente associaes relativas s palavras exploradas ao nvel dos es-teretipos que criam. A aplicao do teste simples. Pede-se aos sujeitos queassociem, livre e rapidame