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Artigo científico: um gênero textual caleidoscópico D.E.L.T.A., 33.3, 2017 (811-842) D E L T A Análise interlinguística de gêneros textuais: contribuições para o ensino e a tradução Interlinguistic analysis of textual genres: contributions to teaching and translating Florencia MIRANDA (Universidad Nacional de Rosario, Argentina – Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, Portugal) http://dx.doi.org/10.1590/0102-445056244276863621 RESUMO Este artigo se situa na linha do interacionismo sociodiscursivo (Bronckart 1997 e 2008b, entre outros) e tem o objetivo de propor uma via específica de estudo de gêneros textuais: a análise de gêneros em uma perspectiva comparativa interlinguística. O trabalho começa refletindo sobre a noção de gênero textual e a concepção específica do interacionismo sociodiscursivo sobre os gêneros. Depois, as características da abordagem comparativa de gêneros são apresentadas. Finalmente, observam-se algumas potencialidades e contribuições significativas dessa abordagem para o ensino de línguas e para a tradução. Os dados para alimentar a discussão e exemplificar as questões tratadas surgem de projetos de pesquisa desenvolvidos em Portugal e na Argentina sobre gêneros diversos (e vinculados a diferentes atividades sociais / de linguagem) produzidos em português e espanhol. Palavras-chave: Gêneros textuais; Análise interlinguística; Interacionismo sociodiscursivo; Português e espanhol.

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Artigo científi co: um gênero textual caleidoscópico

D.E.L.T.A., 33.3, 2017 (811-842)

D E L T A

Análise interlinguística de gêneros textuais: contribuições para o ensino e a tradução

Interlinguistic analysis of textual genres: contributions to teaching and translating

Florencia MIRANDA (Universidad Nacional de Rosario, Argentina –

Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, Portugal)

http://dx.doi.org/10.1590/0102-445056244276863621

RESUMO

Este artigo se situa na linha do interacionismo sociodiscursivo (Bronckart 1997 e 2008b, entre outros) e tem o objetivo de propor uma via específi ca de estudo de gêneros textuais: a análise de gêneros em uma perspectiva comparativa interlinguística. O trabalho começa refl etindo sobre a noção de gênero textual e a concepção específi ca do interacionismo sociodiscursivo sobre os gêneros. Depois, as características da abordagem comparativa de gêneros são apresentadas. Finalmente, observam-se algumas potencialidades e contribuições signifi cativas dessa abordagem para o ensino de línguas e para a tradução. Os dados para alimentar a discussão e exemplifi car as questões tratadas surgem de projetos de pesquisa desenvolvidos em Portugal e na Argentina sobre gêneros diversos (e vinculados a diferentes atividades sociais / de linguagem) produzidos em português e espanhol. Palavras-chave: Gêneros textuais; Análise interlinguística; Interacionismo sociodiscursivo; Português e espanhol.

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ABSTRACT

This article places itself within socio-discursive interactionism (Bronckart 1997 and 2008b, among others) and aims at suggesting a specifi c way of studying textual genres: genre analysis from an interlinguistic comparative perspective. First, the work refl ects on the notion of textual genre and the specifi c understanding of genres by socio-discursive interactionism. Then, it presents characteristics of the comparative approach of genres. Finally, it observes some signifi cant possibilities and contributions of this approach to the teaching of languages as well as to translation. The data used to stimulate discussion and exemplify these issues come from research projects, developed in Portugal and Argentina, about different genres (related to diverse social and language activities), in Portuguese and Spanish.

Key-words: Textual genres; Interlinguistic analysis; Socio-discursive interactionism; Portuguese and Spanish.

Introdução

O presente artigo, situado na corrente teórico-epistemológica do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart 1997, 2006, 2008b, entre outros), tem o objetivo de propor uma linha específi ca de análise de gêneros textuais em uma perspectiva comparativa interlinguística. No âmbito do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) existem antecedentes signifi cativos tanto no estudo dos gêneros quanto nos estudos comparativos de fenômenos linguísticos e discursivos diversos; porém, a análise interlinguística de gêneros constitui um terreno ainda pouco explorado.

O ISD é uma corrente que se inscreve no Interacionismo social, representado por Vygotsky, Mead e Voloshinov, entre outros (Bronckart 2006: 9). Essa corrente foi iniciada por um grupo de pesquisadores da Univesidade de Genebra na década de 1980 sob a direção de Jean-Paul Bronckart e atualmente conforma um espaço de pensamento, estudo e intervenção no qual confl uem as práticas de pesquisadores e professores de diferentes países. Dentre os postulados do ISD, sobressai aquele que atribui à linguagem e, em especial, às “práticas de linguagem situa-das” (textos e discursos), um papel destacado enquanto instrumentos fundamentais do desenvolvimento humano. Além disso, o ISD postula

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a necessidade de teorizar tanto as práticas quanto os problemas de in-tervenção nas práticas. Trata-se de uma perspectiva integral, que leva em consideração aspectos psicológicos, socio-históricos, culturais e linguísticos.

O objetivo deste trabalho é sistematizar um campo e uma experi-ência de pesquisa que vem se conformando no âmbito do ISD sobre o estudo interlinguístico de gêneros textuais, tanto no Centro de Linguís-tica da Universidade Nova de Lisboa (Portugal) como no Centro de Estudos Comparativos da Universidade Nacional de Rosario (Argen-tina). A proposta concreta é realizar uma caracterização global dessa área de estudos que atualmente se encontra em fase de consolidação. Além disso, o artigo pretende discutir o papel que essa área pode as-sumir nos âmbitos de intervenção constituídos pelo ensino de línguas estrangeiras e pela tradução. Para tanto, primeiramente apresentarei a noção de gênero textual como se concebe no quadro do ISD. Em se-guida, abordarei brevemente a análise linguística de gêneros. Depois exporei os pontos principais da área da análise comparativa (interlin-guística) de gêneros. E, fi nalmente, observarei algumas contribuições e potencialidades dessa classe de estudos para o ensino e a tradução. Os exemplos que ilustram a refl exão são produto de estudos realizados em dois âmbitos de pesquisa: um pós-doutorado desenvolvido de 2008 a 2013 no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, Portugal, e dois projetos de pesquisas grupais desenvolvidos desde 2009 no Centro de Estudos Comparativos da Universidade Nacional de Rosario, na Argentina1.

1. A noção de gênero textual

Tal como aconteceu no quadro de outras perspectivas teóricas, os pesquisadores situados no ISD basearam suas primeiras refl exões acer-

1. A pesquisa de pós-doutorado (2008-2013) foi realizada com bolsa da Fundação para a Ciência e a Teconologia de Portugal, sob o título: “Análise linguística comparativa de géneros textuais (português / espanhol)”. Os projetos da Universidade Nacional de Ro-sario (UNR) são: “Análisis interlingüístico de géneros textuales: el caso del resumen de ponencia” (período 2009-2012) e “Análisis de géneros textuales para la enseñanza de la lengua extranjera y la traducción (portugués/español)” (período 2011-2015). A partir de 2015 iniciamos na UNR um novo projeto na mesma área.

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ca dos gêneros nos textos de Mikhail Bakhtin. De fato, nos trabalhos produzidos desde meados da década de 1980 e até há pouco tempo, a referência a Bakhtin era quase permanente (ver, por exemplo, Bronckart1997 e 2006 ou Schneuwly 1994). Contudo, nos últimos anos, Bronckart foi assumindo uma distância cada vez mais explícita em relação aos textos bakhtinianos e, ao mesmo tempo, uma grande proxi-midade às concepções de Valentin Voloshinov (Machado, 2004: 322). Esse movimento explica-se pelo fato de Bronckart ter desenvolvido, junto a Cristian Bota, um estudo profundo e prolongado sobre a vida e a obra de ambos os pensadores russos (Bronckart e Bota 2011) e, em especial, sobre a noção de gênero para cada um deles (Bota e Bronckart 2008). Na sequência de tais trabalhos, o ISD assume hoje que sua noção de gênero é especialmente herdeira da concepção presente nas obras de Voloshinov produzidas nos anos 1920.

Embora o presente artigo não seja o espaço apropriado para apro-fundar na discussão sobre a “paternidade” das obras e os conceitos de Bakhtin e de Voloshinov2, é preciso levar em consideração que o assunto é complexo e tem implicações epistemológicas ou mesmo metodológicas. Todavia, para o desenvolvimento deste artigo, o que interessa é apenas explicitar a existência da controvérsia e mencionar alguns dos aspectos que o ISD retoma de forma explícita de Voloshinov. Nesse sentido, sabemos hoje, como sublinha Bronckart (2009), que nos anos 1920, Voloshinov retomou a noção de gênero de Jakubinski e aprofundou, por um lado, a generalização de seu emprego e, por outro lado, a relevância de seu caráter principalmente social.

Jakubinski (1923) avait certes introduit la notion de « genres de la parole » et posé une distinction entre dialogues de la vie quotidienne et « parole publique » (voir Brandist, 2003: 66), mais l’apport de Voloshinov en ce domaine a été, d’une part de procéder à une véritable généralisation de la notion de genre, en posant que toute production verbale, qu’elle relève des échanges quotidiens ou de l’ambition littéraire, relève nécessairement d’un genre, d’autre part de mettre l’accent sur la dépendance des genres à l’égard des situations de communication, ou de souligner le statut fondamentalement social des genres (Bronckart 2009: 35)

2. Vale notar que no Brasil ainda circula a edição da obra “Marxismo e fi losofi a da lin-guagem” com a autoria atribuída a Bakhtin (ou a Bakhtin/Voloshinov).

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Além desses aspectos, a infl uência de Voloshinov se observa também no programa metodológico “descendente” assumido pelo ISD para o estudo da linguagem:

Sur la base de l’ensemble de ces prises de position, Voloshinov a alors énoncé son célèbre programme méthodologique, dont la logique est fonda-mentalement “descendante” : - analyser d’abord les épisodes d’interaction verbale dans leur cadre social concret ; - analyser ensuite les genres de textes mobilisés dans ces interactions ; - procéder enfi n à l’examen des propriétés linguistiques formelles de chacun des genres (Bronckart 2010: 16)

A noção de gênero preenche um espaço central no programa me-todológico de Voloshinov e, portanto, no ISD. Contudo, a análise dos gêneros não é o objeto exclusivo nem a tarefa principal dessa corrente. A centralidade dos gêneros como categoria e como objeto de estudo tem a ver com o fato de os gêneros articularem a dimensão praxeológica, a dimensão epistêmica e a dimensão semiótica das práticas humanas. Esse papel de articulação implica que tanto a análise das práticas quanto a análise linguística (ou ambas integradas) devem necessariamente levar em consideração a diversidade de gêneros. Em última análise, na perspectiva do ISD, o estudo dos gêneros é uma condição não apenas para o conhecimento dos gêneros em si mesmos, mas também para desenvolver qualquer estudo sobre as práticas sociais de linguagem ou sobre as formas linguísticas.

Ora bem, qual a defi nição de gênero própria do ISD? Para res-ponder isso, proponho distinguir três âmbitos ou planos de apreensão: psicológico, social e semiótico. Apesar de essa não ser uma distinção proposta pelos pesquisadores mais emblemáticos do ISD, ela permitirá reunir as diferentes defi nições que já têm sido dadas nesse âmbito. Como é evidente, a distinção que introduzo é meramente metodológi-ca, já que esses três planos funcionam nas práticas de linguagem reais sempre de forma interrelacionada.

No que diz respeito ao plano psicológico (ou, se preferirmos, psico-cognitivo), os gêneros constituem instrumentos disponíveis e necessários para a organização do uso da linguagem em unidades de comunicação, ou seja, em textos. Nesse sentido, todo texto é produzido e interpretado a partir de “modelos de gêneros” que os agentes (pro-

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dutores e receptores) conhecem e reconhecem. No quadro do ISD foi descrito especialmente o papel dos gêneros no processo de produção, sendo a compreensão de textos uma área que assumidamente ainda precisa de maior desenvolvimento. Para o caso da produção de textos, então, Bronckart (2004b: 105) descreve um procedimento psicológico duplo (ou de duas faces), que envolve, por um lado, a adoção de um modelo de gênero considerado apropriado para a situação de ação de linguagem (ou de comunicação) e, por outro lado, a adaptação desse modelo aos parâmetros específi cos da situação.

Assume-se a tese do gênero como instrumento psicológico, no sentido vygotskyano, que foi proposta por Schneuwly (1994). Ela fundamenta-se na ideia de que as atividades humanas são mediadas por instrumentos, que por sua vez representam ou mesmo materializam de certa forma a atividade. Uma atividade é constituída na articulação de três pólos: o sujeito, a situação e o instrumento material ou simbólico, ao qual se associa um determinado esquema de utilização. O gênero seria em cada situação um instrumento simbólico que o sujeito põe em funcionamento, mobilizando conhecimentos específi cos.

No plano social, estes instrumentos são o resultado das práticas de linguagem das gerações passadas e dos contemporâneos. De modo que eles são criados e recriados nas e pelas próprias práticas coleti-vas para possibilitar a comunicação linguística. Nesse sentido, vale a pena lembrar a célebre afi rmação bakhtiniana sobre a necessidade dos gêneros para a comunicação verbal: “Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um dos nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível”, (cf.: Bakhtin ([1979] 1992: 302).

Além disso, e ainda no âmbito das práticas coletivas ou sociais, os gêneros se associam a atividades de linguagem diversas (cotidiana, jornalística, acadêmica, publicitária, jurídica, comercial etc.), confor-mando “campos genéricos” ou grupos de gêneros vinculados a essas atividades. Isto é o que nos permite falar – e sempre no plural – em “gêneros literários”, “gêneros acadêmicos”, “gêneros jurídicos”, etc. No entanto, e tal como mostramos em trabalhos anteriores (por exemplo, Miranda 2012), a relação entre gêneros e atividades não é biunívoca

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nem estável. De fato, um mesmo gênero pode articular no seu interior formas de linguagem vinculadas a diversas atividades3 ou ainda, como refere Bronckart (2008b: 43), há, por um lado, gêneros que podem corresponder a diferentes práticas e, por outro lado, gêneros que tendo sido elaborados no quadro de um determinado campo prático podem ser reutilizados e reelaborados depois em outros campos e em outras práticas singulares.

Do ponto de vista psicossocial, os gêneros organizam-se em uma “nebulosa”, para a qual, retomando o trabalho de Genette (1982), Bronckart (2004b: 105) recorre à noção de arquitextualidade4. O arqui-texto corresponde ao repertório de gêneros disponíveis em uma dada comunidade. Trata-se de um repertório social que, apesar de mostrar relativa estabilidade, é sempre mutável (especialmente no plano semi-ótico). Com efeito, os gêneros são cristalizações momentâneas, que se modifi cam com a história porque as atividades humanas e os recursos das línguas naturais vão mudando.

A imagem de uma nebulosa proposta por Bronckart (1997: 76) busca explicitar que a distinção de gêneros pode mostrar zonas mais nítidas ou fronteiras mais difusas, já que existem gêneros claramente identifi cados ou identifi cáveis e formas genéricas menos estabilizadas. Daí que as classifi cações de gêneros sejam sempre insatisfatórias e, por isso, em última análise, uma classifi cação total dos gêneros é impossível de se realizar. Ora, cada membro da comunidade tem um conhecimento parcial desse repertório de gêneros (pois ninguém conhece nem domi-na todos os gêneros em uso em uma determinada comunidade). É um conhecimento que se vai desenvolvendo e alargando de acordo com as experiências textuais dos falantes. Além disso, segundo Bronckart (2004b: 104), os gêneros disponíveis no arquitexto recebem diversas avaliações sociais, fazendo com que os gêneros sejam portadores de diferentes indexações sociais: podem ser adequados (ou não) para uma determinada atividade, ser pertinentes (ou não) para uma situação

3. Para um exemplo dessa articulação interna, ver nossos trabalho sobre os rótulos de vinho, Miranda e Coutinho (2010) e Miranda (2011).4. Convém esclarecer que na obra de 1997 (traduzida para o português em 1999 e reeditada também anos mais tarde), Bronckart utiliza o termo “intertexto” para falar da nebulosa de gêneros; porém, em trabalhos posteriores o autor substitui esse termo por “arquitexto”, assumindo que a intertextualidade é uma relação entre “textos” e a arquitextualidade é, na esteira de Genette, a relação entre o texto e seu gênero.

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comunicativa particular e ter um maior ou menor valor cultural (ou prestígio) associado.

No plano semiótico, os gêneros são confi gurações de opções (semio)linguísticas relativamente estabilizadas e conforman “formatos textuais”. Nesse sentido, é possível identifi car características linguísti-cas específi cas de cada gênero textual, embora não sejam características “exclusivas” (Miranda 2010). Importa mencionar que Bronckart foi mostrando diferentes atitudes em relação à possibilidade de se realiza-rem descrições dos traços linguísticos dos gêneros. Em 1997, o autor mostrava certo receio nesse sentido (Bronckart 1997: 138), mas em meados dos anos 2000, Bronckart começa a aceitar a possibilidade de uma descrição linguística dos gêneros (por exemplo, Bronckart 2004a: 120), até chegar mais tarde mesmo a assumir que a caracterização lin-guística de gêneros constitui, de fato, uma linha de estudo específi ca dentro do ISD (Bronckart 2008a: 41 e 2013). Atualmente, existe uma importante quantidade de estudos centrados na descrição de gêneros diversos que se situam nesse quadro teórico5.

Um dos aspectos que convém explicitar no âmbito do presente ar-tigo é a opção do ISD de considerar os gêneros como sendo “de texto” ou “textuais” e não “do/de discurso” ou “discursivos”. Embora não seja uma decisão isolada, já que outras correntes também defenden essa opção terminológica (por exemplo, Rastier 2001), no ISD a decisão é deliberada e já foi várias vezes fundamentada (Bronckart 2004b: 101). Dentre as razões que justifi cam esta opção, destaca-se o fato de se considerar que discurso e texto são duas realidades diferentes e não duas formas de ver um mesmo objeto. A noção de discurso retoma-se dos trabalhos de Benveniste e de Saussure (2002), e corresponde à utilização do sistema da língua em situações concretas. O discurso é a língua em uso. Já o texto, por seu lado, é concebido como uma unidade comunicativa que mobiliza unidades de, pelo menos, uma língua natural e, eventualmente, outras unidades semióticas. Portanto, o texto não é apenas uma unidade linguística (ou discursiva), mas uma unidade da comunicação linguística, uma unidade semiótica. Para a

5. Sobre essa questão, cabe referir que os pesquisadores do ISD mais vinculados à didática das línguas têm mostrado desde o início menos receio à descrição linguística dos gêneros. Isso se explica, provavelmente, por causa da necessidade de identifi car e descrever a orga-nização linguística dos gêneros para poder “transformá-los” em objetos de ensino.

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produção de um texto é preciso, já vimos, adotar e adaptar um “modelo de gênero”, quer dizer, um determinado “formato” que corresponde a uma confi guração de unidades semióticas relativa e momentaneamente cristalizada. Esses “formatos textuais” mobilizam elementos de ordem discursiva, mas podem incluir também elementos semióticos de outra natureza (icônica, sonora, cinética etc.). Os gêneros são instrumentos semióticos complexos, ou seja, em palavras de Schneuwly (1994: 161), “uma confi guração estabilizada de vários subsistemas semióticos (so-bretudo linguísticos, mas também paralinguísticos)”. É por causa dessa complexidade que esse autor até propõe a metáfora do gênero como “megainstrumento”. Em suma, os gêneros são de “texto” e não “do/de discurso” porque se trata de formatos textuais com relativa estabilidade que envolvem discurso e outros elementos textuais não discursivos.

Para fechar este segmento sobre a noção de gêneros no ISD, uma última questão que interessa abordar é a diferença entre “gêneros” e “tipos” de texto. Primeiramente, convém referir que no ISD se em-pregou a expressão tipo de texto durante a década de 1980, em pleno auge dos estudos de tipologização, tal como em várias correntes das ciências da linguagem. Só que essa expressão era utilizada para referir aquilo que hoje se conhece no ISD como “tipos de discurso”, ou seja, certas formas recorrentes de utilização da língua6. Já nos anos 1990, a expressão foi explicitamente abandonada no ISD (Bronckart 1997: introdução), mas ela permanece em outros quadros teóricos. Por isso, vale a pena fazer uma distinção clara entre a noção de tipo de texto e a de gênero de texto.

Em primeiro lugar, a expressão tipo de texto pode ser empregada com um sentido não teórico ou cotidiano para referir qualquer classe de textos, sem importar os critérios que estão na base dessa classifi cação: há textos curtos e compridos, há textos de fácil ou difícil leitura ou audição, há textos atuais e textos antigos, etc. Essa possibilidade de se referir a objetos tão diversos não é viável com a expressão gênero de texto, que só conhece um uso técnico ou especializado. Assim, para um falante qualquer – sem ser um membro da comunidade científi ca dos estudos da linguagem – o termo gênero em relação aos textos (ou ainda ao discurso) não tem nenhum signifi cado reconhecível. Isto im-

6. Sobre a noção de tipos de discurso no ISD, ver Bronckart (1997: cap. 5).

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plica uma vantagem para os teóricos, uma vez que podem discutir o alcance dessa noção sem dever lidar com a “interferência” dos valores atribuídos socialmente à expressão em causa. É importante dizer que isto não signifi ca que os falantes não reconheçam os gêneros, mas que os falantes não utilizam o termo gênero no dia-a-dia para se referirem a isso que estão reconhecendo (uma notícia, um bilhete, um e-mail etc.). De fato, é mais provável que eles utilizem para isso o termo “tipo”.

Em segundo lugar, no âmbito dos estudos linguísticos – e, em particular nas primeiras correntes da linguística textual7 –, a noção de gênero foi durante algum tempo resistida, porque se associava ao estudo dos textos literários. Como sabemos, a “rivalidade” entre a lin-guística e a literatura, que dominou parte do século XX (e, por incrível que pareça, ainda permanece em algumas instituições), fez com que se considerasse necessário diferenciar para o estudo entre os textos literários e os textos não literários; como se, por um lado, se tratasse de dois conjuntos de textos com sufi ciente homogeneidade e, por outro, como se os textos literários não tivessem características comuns com os textos não literários.

As noções de tipo e de gênero inscrevem-se em diferentes tradições disciplinares. Ora, dessas duas tradições (a linguística e a literária) foi o campo da Teoria da Literatura que sempre lidou com textos empíricos: as obras literárias. Essa característica não é menor, pois demonstra que a noção de gênero – contrariamente à noção de tipo – tem sido mais frequentemente vinculada aos textos enquanto objetos empíricos.

Em terceiro lugar, as noções diferenciam-se em relação aos objetos que designam. Assim, enquanto a noção de tipo tem sido geralmente utilizada para nomear estruturas estáveis ou fi xas, no sentido de que não se modifi cam com o tempo (tais como a narração, a descrição, a argumentação etc.), a noção de gênero dá conta de estruturações dinâ-micas, que se alteram com o tempo e que estão culturalmente marca-das8. Dessa forma é assumida hoje a noção de gênero – com pequenas

7. Para uma caracterização das diversas correntes da linguística textual, ver Conte (1989) e Miranda (2010).8. Vale explicitar que a expressão tipo de texto também tem sido utilizada para designar as formas de texto com inscrição e função social reconhecível para as quais hoje se prefere o termo gênero. Isto não faz mais do que abonar a confusão que implica o emprego do termo “tipo” para dar conta de estruturações que não podem ser fechadas em uma tipologia.

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diferenças – em várias correntes dos estudos textuais e discursivos (ver, por exemplo, Adam 2008, Bazerman 2005, Maingueneau 2004, Rastier 2001, etc.) e também no ISD.

Em suma, a noção de gênero textual dá conta de um instrumento simbólico socialmente construído, que constitui uma confi guração de elementos semióticos (linguístico-discursivos ou ainda de outra natureza) com estabilidade relativa a uma época e uma organização sociocultural. Os gêneros associam-se sempre a práticas e objetivos sociais, e mudam em função das mutações inevitáveis da sociedade. Portanto, o estudo dos gêneros implica a necessidade de delimitar o ambiente observado. É sobre essa questão que avançaremos nos próximos itens.

2. Nota sobre a análise dos gêneros

A análise de gêneros textuais é uma área que está presente no ISD de várias maneiras e tem mostrado um desenvolvimento muito grande nas últimas duas décadas. Em primeiro lugar, e como já referimos, o ISD retoma para o estudo da linguagem o programa metodológico enunciado por Volosinhov na seguinte passagem:

El lenguaje vive y se genera históricamente en la comunicación discursiva concreta, y no en un sistema lingüístico abstracto de formas, ni tampoco en la psique individual de los hablantes. Por consiguiente, un orden metodoló-gicamente fundado del estudio del lenguaje debe ser el siguiente: 1) formas y tipos de interacción discursiva en relación con sus condiciones concretas; 2) formas de enunciados concretos, de algunas actuaciones discursivas en estrecha relación con la interacción cuyos elementos son estos enunciados, esto es, los géneros de las actuaciones discursivas […]; 3) a partir de ahí, una revisión de las formas del lenguaje tomadas en su versión lingüística habitual. (Voloshinov ([1929] 2009: 155) (grifo meu)

Nesse programa, o estudo dos gêneros não é um fi m em si mesmo, mas um passo necessário para compreender o funcionamento da lin-guagem e das línguas. Ou seja, da perspectiva interacionista, analisar gêneros é uma condição para realizar qualquer estudo linguístico.

Em segundo lugar, a análise de gêneros também constitui um cam-po de pesquisa próprio no âmbito do ISD. Um dos objetivos é a identi-

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fi cação dos recursos do sistema da língua que dependem da dimensão praxeológica da linguagem, porque uma das hipóteses de pesquisa é, como indica Bronckart (2008a: 41), que os recursos que obedecem aos gêneros seriam diferentes dos que dependem dos “tipos de discurso”, já que estes últimos estariam articulados à dimensão epistêmica da linguagem. Um outro objetivo é o próprio conhecimento de gêneros diversos – seu funcionamento social, sua organização semiótica, etc. – e, por isso, há cada vez mais pesquisas nessa direção9.

Em terceiro lugar, a descrição dos gêneros é fundamental na ver-tente de intervenção didática do ISD. Com efeito, a presença da noção de gênero no ensino de línguas é justifi cada a partir da relevância que se dá aos gêneros nas práticas de linguagem e no modo de conceber o próprio ensino de línguas. Em um trabalho conjunto, Bronckart e Dolz explicitam claramente essas razões, já que assumem a pré-existência de uma atividade de linguagem coletiva que se concretiza em múltiplos e diversos gêneros de texto que estão adaptados a determinadas situações e eventos comunicativos. É por isso que os autores afi rmam: “[…] la fi nalidad general de la enseñanza de lenguas apunta al dominio de los géneros, en tanto instrumentos de adaptación y participación en la vida social/comunicativa, y a los aprendizajes relativos a la sintaxis o al léxico como apoyo técnico para esa fi nalidad global” (Bronckart e Dolz 2007: 158). Esta formulação é interessante porque situa os gêneros como sendo, ao mesmo tempo, objeto e objetivo do ensino de línguas. Para tanto, é necessário elaborar “modelos didáticos” dos gê-neros. Eles constituem caracterizações ou descrições que servem como ferramenta para o ensino, fornecendo os traços próprios dos gêneros relevantes para ensinar a produzir (ou compreender10) os textos (De Pietro e Schneuwly 2003 e Cristóvão 2007, entre outros).

Considerando, então, que a análise de gêneros preenche um es-paço de relevância e conta com uma trajetória signifi cativa no quadro do ISD, a proposta de alargar essa área para um campo de estudos

9. Para uma síntese sobre os estudos desenvolvidos no Brasil, ver Machado e Guimarães (2009).10. Acrescento esse parêntese porque os modelos didáticos nascem como instrumentos para o ensino da produção de textos. Porém, considero que esse mesmo instrumento é válido (ou mesmo necessário) para o trabalho didático de compreensão de textos.

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comparativos não surpreende. No próximo item, comentaremos as características globais desse “novo” campo.

3. Para uma abordagem comparativa (interlinguística) de gêneros

Uma das características principais dos gêneros é, como vimos, sua inscrição socio-histórica e cultural – aliás, esta é uma diferença funda-mental com os “tipos de texto”. É isso o que faz com que eles sejam dinâmicos, mudando ao longo da história, mas também divergindo em função do quadro social em que se produzem e reproduzem. Assim, é compreensível que em cada sociedade ou comunidade linguística os gêneros assumam propriedades semióticas e de uso singulares. O caso extremo é aquele dos gêneros que só existem em uma determinada cultura (ver, por exemplo, a discussão sobre a noção de “competência genérica” em Maingueneau 1998: 44-46); mas mesmo aqueles que existem em sociedades ou comunidades diferentes mostram em cada caso traços de singularidade.

Esta singularidade situada dos gêneros já tem sido objeto de es-tudo em outras correntes teóricas. Por exemplo, uma linha que vem estudando a realização singular de um mesmo gênero em diversas línguas é a chamada Retórica Contrastiva (por exemplo, Grabe e Ka-plan, 1996), que se debruça sobre a produção de gêneros escritos em diferentes culturas. Também, uma proposta compatível com a nossa, mas não especifi camente orientada para a problemática dos gêneros, é a perspectiva da “comparação diferencial” na Análise do Discurso defendida por Heidmann (2010a). Esta última proposta nasce como um alargamento para o campo da Análise do Discurso de um procedimento comparativo inicialmente centrado na análise de textos literários e enquadrado no campo da Literatura Comparada.

Em seu trabalho, Heidmann (2010a: 64-68) coloca três princípios epistemológicos e metodológicos que norteiam o procedimento compa-ratista e que retomarei aqui para caracterizar a análise interlinguística de gêneros, a saber: 1) o caráter diferencial, não universalizante dos estudos comparados; 2) a necessidade de construção dos comparáveis; e 3) a relação não hierárquica entre os comparáveis. Recuperarei agora

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esses princípios – complementando, alargando ou especifi cando as-pectos metodológicos – em função do quadro teórico em que me situo (o ISD) e do objeto de análise que no momento estou considerando, os gêneros textuais. Divido essa caracterização dos fundamentos episte-mológicos e metodológicos do estudos comparativos interlinguísticos de gêneros em dois grupos: os aspectos gerais da concepção defendida e os aspectos específi cos para o desenvolvimento de pesquisas.

3.1. Aspectos epistemológicos e metodológicos gerais

3.1.1. Abordagem descendente

De acordo com os princípios do Interacionismo Social – e do ISD em particular –, assumo que o estudo de gêneros em perspectiva comparada deve respeitar um percurso de análise “descendente”, tal como formulado por Voloshinov e referido supra. Esta abordagem descendente implica um percurso que vai do ambiente social para a organização semiótica dos textos. Assim, o estudo dos gêneros deve partir de uma observação cuidadosa do funcionamento socio-histórico (e, portanto, cultural) dos gêneros para, depois, descrever os traços (semio)linguísticos convergentes e divergentes.

Trata-se, então, de compreender que um mesmo gênero pode ser instrumento em diversas comunidades, mas que esse gênero será inevitavelmente singular em cada espaço porque está vinculado com um “ambiente” (social, histórico, cultural…) particular. Sendo assim, o estudo dos gêneros em perspectiva comparada toma como premissa que os gêneros são elaborados e reelaborados por um coletivo socio-histórico com traços próprios. Portanto, a realização de um “mesmo” gênero (até com idêntico nome ou com equivalente função socio-comunicativa) não implica objetos iguais.

3.1.2. Caráter diferencial, não universalizante

Na esteira da proposta desenhada por Heidmann (2010a), assumo que os estudos comparativos (no caso, de gêneros textuais) não devem pretender apreender (ou mesmo construir) o que haveria de “universal”

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e “imutável” nos objetos comparados. Antes, trata-se de compreender o que há de singular e necessariamente diferente em cada caso. Em palavras da autora, trata-se de “reconhecer que, apesar do traço co-mum, percebido em primeiro lugar, os fenômenos ou textos a serem comparados são fundamentalmente diferentes. Trata-se, então, de se perguntar em que eles são diferentes com relação ao traço comum observado” (Heidmann, 2010a: 65). A comparação tem, portanto, o objetivo de diferenciar e compreender essa diferença. No caso do estudo de gêneros, é a prática que produz o gênero, o próprio nome do gênero ou algum aspecto selecionado do gênero que se apresenta como um possível “traço comum” que possibilita a comparação.

Além disso, o caráter diferencial e contrastivo (não “universali-zante”) do procedimento comparativo permite compreender o papel instrumental dos gêneros (enquanto ferramenta semiótica socialmente construída) e observar as características vinculadas ao meio ambiente em que se utiliza como instrumento indispensável para a produção e compreensão textual. Como dissemos, a ideia de que um “mesmo” gênero se utiliza em diversas comunidades fi ca questionada por causa da relação constitutiva entre os gêneros e a comunidade de linguagem. A análise diferencial pode permitir observar as zonas de singularidade e as zonas de proximidade entre gêneros que, realizados em espaços diferentes, aparentam ser o “mesmo”.

3.1.3. A “construção dos comparáveis”

De acordo com Heidmann (2010a: 66), uma exigência epistemo-lógica fundamental do procedimento comparativo é a construção dos eixos de comparação. Isto signifi ca identifi car o traço comum e ao mesmo tempo os traços diferenciais que são objeto da comparação. Aliás, como também a autora explicita, a construção desse objeto (comparativo, no caso) é uma necessidade de qualquer pesquisa em ciências humanas. Em palavras da autora:

A necessidade de “construir os comparáveis” depende de uma evidência epistemológica que tendemos a esquecer quando permanecemos no interior de um campo de investigação disciplinar homogêneo e único, a saber, o fato de que todas as teorias, todas as noções e unidades de análise, todas as identidades são construções de objeto.(Heidmann 2010a: 66)

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Claro que nos estudos linguísticos em geral, como bem explicitou Saussure sempre “é o ponto de vista que cria o objeto”, mas no caso da perspectiva comparatista o objeto é necessariamente construído articulando dois elementos: um traço comum e algum(ns) traço(s) diferencial(is). No estudo interlinguístico dos gêneros textuais temos desde o início defi nido um elemento comum, o gênero, e um traço diferencial, a língua. Porém, as diferenças que iremos encontrar no estudo comparado não se situam apenas no plano linguístico. Como já constatamos em diversos trabalhos (e mostraremos mais abaixo), o funcionamento psicossocial do gênero em cada comunidade apresenta características particulares, de modo que as divergências linguísticas/discursivas na realização dos gêneros geralmente não se explicam pelos recursos disponíveis nos sistemas linguísticos. Assim, os “compará-veis” no estudo interlinguístico de gêneros envolvem tanto elementos semióticos, como elementos próprios da situação de ação em que se mobiliza o gênero em questão. Em suma, quando analisamos um gênero em perspectiva comparada interlinguística não observamos apenas os traços da organização semiótica (interna), mas também o modo como esse gênero é utilizado em cada comunidade.

3.1.4. A relação não hierárquica

Um último aspecto que Heidmann (2010a: 67) menciona é a ne-cessidade de colocar os textos ou os fenômenos a comparar em uma “relação não hierárquica”. A autora faz esta observação questionando os conceitos de “infl uência” e de “dependência” muito presentes nos estudos literários de índole comparatista, mas também quando refl ete sobre o estudo de traduções (Heidmann 2010b). O argumento principal da autora é que para haver comparação é preciso evitar as relações hierárquicas que acabam imprimindo um valor avaliativo à análise. Embora esse risco de hierarquização seja menos possível no estudo interlinguístico de gêneros, é importante ter presente a necessidade de se realizar uma observação comparada não avaliativa. Isto é possível quando se compreendem bem as características próprias do quadro social de produção dos textos.

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3.2. Aspectos metodológicos específi cos

3.2.1. Corpus

O estudo de um gênero é realizado a partir de um corpus. Aqui a possibilidade de introspeção, de confi ar na intuição dos falantes ou mesmo de realizar inquéritos ou entrevistas parece inviável ou insufi -ciente. Assim, um gênero deve ser analisado observando textos reco-nhecidos como exemplares desse gênero. Assumo a noção de corpus, na esteira de Rastier (2004), como um conjunto organizado de textos completos, documentados e, eventualmente, etiquetados11. Ou seja, não se trata apenas de reunir alguns textos para considerar que temos um corpus de análise. Os textos devem ser reunidos em função de critérios explícitos e os dados das condições de produção/circulação devem ser claramente registrados.

A análise interlinguística de gêneros textuais exige a observação de um corpus bilingue ou plurilingue, contendo textos do mesmo gênero em duas ou mais línguas. Pode ser um “corpus comparável”, ou seja, um corpus de textos do mesmo gênero produzido em línguas diferentes ou então um “corpus paralelo”, quer dizer, um corpus reunindo textos do mesmo gênero na língua original e suas traduções para outra(s) língua(s)12. Em qualquer caso, o corpus tomará o parâmetro comum do gênero dos textos e será constituído a partir de critérios situacionais explícitos e convergentes (época, espaço, produtores, destinatários, suporte…) e, eventualmente, temáticos (isto é, podemos reunir textos que tematizam um mesmo assunto).

É preciso assumir que o corpus nunca será completamente repre-sentativo da extrema diversidade de realizações dos gêneros, daí a im-portância da delimitação do corpus partindo de critérios psicossociais. A quantidade de textos do corpus dependerá do gênero em estudo, do objetivo da pesquisa e dos critérios considerados.

11. Em palavras de Rastier (2004) : “Un corpus est un regroupement structuré de textes intégraux, documentés, éventuellement enrichis par des étiquetages, et rassemblés : (i) de manière théorique réfl exive en tenant compte des discours et des genres, et (ii) de manière pratique en vue d’une gamme d’applications”. 12. Sobre a distinção entre “corpus paralelo” e “corpus comparável”, consultar, por exemplo, Abaitua (2002) e Hallebeek (1999).

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3.2.2. Objetivos e análises

O estudo de gêneros textuais em perspectiva comparada inter-linguística pode se orientar para alguns dos seguintes objetivos: a) a descrição global de um gênero tal como ele se realiza em duas ou mais comunidades linguísticas diferentes ou b) o estudo local de algum aspecto específi co da realização do gênero em diversas comunidades linguísticas. No primeiro caso, a análise será mais abrangente e, por isso, menos profunda; mas a caracterização global exige aceitar que não é possível dar conta de todos os detalhes da estruturação e fun-cionamento dos gêneros. No segundo caso, o estudo pode aprofundar mais na descrição de certos fenômenos (enunciativos, temáticos, com-posicionais, situacionais etc.).

Em qualquer um desses casos, a caracterização dos fenômenos observados (processos, mecanismos, unidades) deve aspirar a ser dinâmica, ou seja, ser capaz de mostrar recorrências e possíveis varia-ções. De fato, se defendemos a ideia de que os gêneros são categorias mutáveis, heterogêneas e fl uidas, uma descrição completamente rígida ou estática é incongruente. Além disso, assumindo o olhar diferencial e não universalizante, procuraremos destacar nas análises o que os gêneros têm de singular em cada comunidade de linguagem.

3.2.3. Instrumentos

Para realizar a análise dos textos do corpus é necessário contar com instrumentos de descrição que incluam tanto os aspectos situacionais como os semióticos. No âmbito do ISD, foram propostos dois modelos complementares de análise de textos: o modelo da ação de linguagem, que permite descrever os parâmetros psicossociais da produção tex-tual, e o modelo da arquitetura textual, que aporta categorias para a caracterização dos traços linguísticos/discursivos. Esses instrumentos constituem o que podemos denominar a “versão clássica” do ISD e podem ser esquematizados como se apresenta no quadro (1).

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Quadro 1 – Modelo “clássico”do Interacionismo Sociodiscursivo13

ÃO

DE

LIN

GU

AG

EM

Contexto de produção

Contexto físico

Espaço de produçãoTempo de produçãoEmissor (ou Agente-produtor) Receptor (eventualmente, interlocutor)

Contexto sócio-subjetivo

Lugar social (âmbito ou esfera)Papel social do emissor (enunciador)Papel social do receptor (destinatário)Finalidade(s)

Conteúdo temático, ou referente Conhecimentos

Recurso ao arquitexto – escolha do gênero de texto considerado adequado

TEX

TO Arquitetu-ra interna dos textos

Infraestrutura geral

Plano de texto Tipos de discurso – Discurso interativo e discurso teórico (ordem do expor)– Relato interativo e narração (ordem do contar)Modalidades de articulação entre os tipos de discurso– Encaixe / Fusão / Outras possibilidadesSequências– Narrativa/Descritiva/Injuntiva/Explicativa/ Argumentativa/DialogalOutras formas de planifi cação– Esquematização e Script

Mecanismos de textualização

ConexãoOrganizadores textuais que marcam articulações da progressão temática

Coesão nominal

Introdução e retoma de temas e/ou personagens novos

Coesão verbal

Organização temporal e/ou hierárquica dos proces-sos, tempos verbais e outras unidades com valor temporal (advérbios e organizadores textuais, principalmente)

Mecanismos de respon-sabilização enunciativa

Distribuição de vozes

Instância supra-ordenada (narrador/expositor ou textualizador)Instâncias infra-ordenadas (voz do autor, vozes de personagens e vozes sociais)

Marcação de modalizações

Modalizações lógicas / deônticas / apreciativas / pragmáticas

Essa versão “clássica” já recebeu algumas modifi cações. Por exem-plo, o próprio Bronckart em apresentações mais recentes (Bronckart

13. Para uma apresentação extensa desse instrumento, ver Bronckart (1997).

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2010 e 2013) mostrou uma versão que, por exemplo, não distingue os mecanismos de coesão verbal, que o autor prefere, agora, vincular di-retamente aos tipos de discurso. É importante reconhecer que o modelo do ISD apresenta os aspectos principais e recorrentes de qualquer texto, mas que em certas situações de pesquisa é preciso complementar esse instrumento com outras contribuições. Nesse sentido, há pelo menos duas questões que não são explicitadas neste instrumento de base e que para a análise textual é importante considerar: os elementos não verbais e as diversas formas de interação textual e genérica.

Foi no quadro de um estudo que precisava de categorias para lidar com essas duas questões que propus a grade de análise de textos e/ou de gêneros textuais que apresento no quadro (2). Esse instrumento retoma o modelo de base do ISD e alguns trabalhos consolidados no campo das teorias do texto e do discurso (por exemplo, os trabalhos de Adam 2001 e 2008, e Maingueneau 1998 e 2002), mas sugere uma reorganização e um alargamento das dimensões situacional (incluindo as fases de circulação e recepção textual) e semiolinguísticas (consi-derando seis categorias diferentes).

Quadro 2 – Grade para análise de textos e/ou gêneros

DIMENSÃO SITUACIONAL

CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

CONDIÇÕES DE CIRCULAÇÃO

CONDIÇÕES DE RECEPÇÃO

Contexto físico

Contexto sócio-

subjetivo

Contexto físico

Contexto sócio-

subjetivo

Contexto físico

Contexto sócio-

subjetivo

Sujeito/s

Temporalidade

Espaço/s

Suporte/s

Finalidade/s (Objetivo/Função)

Outros parâmetros relevantes

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(SUB)DIMENSÕES SEMIOLINGUÍSTICAS

TEMÁTICA

Tema(s). Progressão temática Léxico e fraseologias (ou expressões ritualizadas)Coesão nominal e verbalFicção/não fi cção

ENUNCIATIVA

Dêixis temporal / organização do tempoDêixis espacial / referências espaciaisSujeitos: - eu / outro(s) (dêixis pessoal)- Imagens - ResponsabilizaçãoModalização

COMPOSICIONAL

Plano de texto (seções)Tipos de discurso e articulações entre tipos de discurso Estrutura sequencial: Sequências prototípicas e outras formas de planifi cação Estruturação frástica e transfrástica Estruturação morfológica Estruturação grafo-fônica

ESTRATÉGICA-INTENCIONAL

Objetivos / Sub-objetivos (atos de linguagem) Estratégias e processos discursivos Figuras de linguagem

DISPOSICIONAL-APERESENTAÇÃO

MATERIAL

Segmentação e organização das seções Suporte escrito: Formatação tipográfi ca, cromática, etc. Suporte oral (ou audiovisual): variações de ritmo, entonação, tom, etc. Sons. Gestos e movimentos.

INTERATIVA

Relações entre as diferentes seções do plano de textoRelações entre diversos sistemas semióticos (verbais – não verbais) Intertextualidade Discurso relatadoIntertextualizaçãoOutras interações (como as referências metatextuais ou metagené-ricas)

Fonte: Adaptado de Miranda (2010)

Qualquer um desses instrumentos – ou outros que possam ser propostos seguindo os mesmos postulados epistemológicos – pode ser utilizado tanto para analisar textos singulares quanto para analisar gêneros textuais. Nesse último caso, precisamos reunir um corpus de textos de acordo com critérios situacionais claramente estabelecidos, como antes mencionei, e identifi car regularidades e variações. Isto é válido também para a análise interlinguística de gêneros textuais. Essa análise pode ser realizada sobre a totalidade dos aspectos envolvidos

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na estruturação dos textos/gêneros, a fi m de caracterizar os gêneros de forma global, ou sobre eixos específi cos.

4. Análise comparativa de gêneros, ensino de línguas e tradução

Para quem assume a relação indissociável entre as línguas, os gêneros e a vida social, é quase uma evidência que o ensino de lín-guas (estrangeiras, segundas, de herança, adicionais…) e a tradução constituem dois campos que só podem resultar benefi ciados a partir do estudo comparativo dos gêneros. Aprender uma língua implica conhecer (para a produção e para a compreensão) como se estruturam os textos de acordo com os gêneros em uso na sociedade que fala essa língua. Saber traduzir, por seu lado, também signifi ca ter conhecimentos sobre os modos de realização particular dos gêneros, tanto na sociedade que produz o texto-fonte, quanto na sociedade que recebe o texto-alvo.

O ensino de línguas e a tradução constituem campos em que de-fi nitivamente o foco não está (e não pode estar) colocado apenas nos sistemas das línguas, mas antes no exercício do sistema. Assumindo a distinção clássica de Coseriu ([1952] 1978) entre “sistema, norma e fala”, podemos considerar que o professor de línguas e o tradutor situam sua prática no espaço da “fala” (isto é, da produção/compreensão de textos orais, escritos, multimodais…) e da “norma” (ou seja, dos usos linguísticos que são reconhecidos como próprios da comunida-de. Trata-se do que é recorrente, do que se repete…. É aquilo que é assumido como “normal” para uma determinada comunidade de fala, mesmo que para outra comunidade que utiliza o mesmo sistema isso pareça “anormal” ou “fora da norma”14). Os gêneros confi guram, de fato, um âmbito normativo para os falantes. Ora, essa “norma” dos gêneros – que os falantes precisam conhecer para produzir e com-preender textos – não é invariante, universal ou estável nas diversas comunidades de linguagem.

14. Vale explicitar que a noção de “norma” para Coseriu não corresponde, portanto, à noção de “norma padrão” ou à ideia da “norma” como um “modelo (correto) de fala”.

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Em trabalhos realizados no quadro de nossas pesquisas sobre gêneros produzidos em português e em espanhol, temos comprovado que existem divergências no uso das línguas em um mesmo gênero que não se explicam pelas formas disponíveis em ambos os sistemas linguísticos. Além disso, as divergências não são todas da mesma classe (lexicais, sintáticas, pragmáticas, discursivas etc.), mas variam de acordo com os gêneros. Vejamos alguns exemplos.

Em Miranda (2008a), analisei um corpus de textos que circulam na imprensa, mas que não são jornalísticos, produzidos em português brasileiro, português europeu e espanhol argentino. Esses textos per-tenciam aos seguintes gêneros: anúncio publicitário, horóscopo, receita de cozinha, passatempo e teste. O eixo de estudo foram as formas de tratamento alocutivo utilizadas nesses gêneros nas três variedades linguísticas em foco. A análise mostrou que não existe equivalência no emprego das formas de tratamento nos gêneros e nas línguas ou varie-dades observadas. Assim, por exemplo, a forma “você”, que se utiliza de maneira exclusiva nos anúncios publicitários brasileiros, é utilizada só parcialmente nos anúncios portugueses – onde “você” ganha um valor de maior distância/formalidade, mas também de neutralidade no tratamento, e convive com a forma mais próxima/informal “tu” – e não se pode considerar equivalente à forma “vos” do espanhol da Ar-gentina, que assume um valor mais próximo/informal ou ainda neutro, e que convive com a forma “usted”, utlizada para o tratamento mais distante/formal. Essa singularidade no uso das formas de tratamento foi verifi cada, aliás, nos diversos gêneros em análise, mas diverge dos valores que as mesmas formas assumem em outros gêneros textuais.

Em Miranda e Coutinho (2010) e em Miranda (2011), analisamos um corpus comparado de textos do gênero rótulo (e contrarrótulo) de garrafas de vinho produzidos em Portugal e na Argentina. Como resulta-do, verifi camos, por exemplo, que existem divergências no emprego de certas construções sintáticas. Assim, nos textos argentinos ocorrem com alta frequência construções predicativas (preposicionais e adjetivais, em particular) que se apresentam sem realização de sujeito, e mesmo sem verbo. Vejamos, por caso, os seguintes segmentos:

(a) De color rojo oscuro con matices violetas. Presenta aromas especiados y equilibrados con notas de ciruela y mora maduras y vainilla.

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(b) Presenta un intenso color rojo rubí con matices violáceos. De gran expresión aromática se destacan frutos del bosque como frambuesa, frutillas y moras. Buena persistencia en boca y fi nal armónico. Ideal para acompañar carnes asadas o a la parrilla y pastas con salsas condimentadas.

Esse tipo de construção predicativa sem sujeito expresso nem desinencial não se verifi cou no subcorpus de textos portugueses, onde encontramos frases como:

(c) É um vinho equilibrado, com persistência e de uma suavidade que facilita o seu consumo.

(d) Vinho tinto de cor granada.

(e) Este vinho de cor rubi…

A preferência por uma classe de construção ou por outra não se justifi ca pelas possibilidades sistemáticas das línguas espanhola e por-tuguesa. Portanto, só pode ser compreendida enquanto opção particular (“normal?”) da realização do gênero em cada comunidade.

Outro gênero que estudamos em perspectiva comparada interlin-guística (português/espanhol) é o “resumo de comunicação” para evento científi co (Cariello 2015, e Miranda 2013, 2015 entre outros). Nesse caso, constatamos que o gênero apresenta convergências ao nível da estruturação global, mas singularidades de nível local, a saber: seleção lexical divergente (ligada, em certos casos, a concepções socioculturais diferentes, a áreas disciplinares distintas ou a diversas tradições acadê-micas em cada comunidade), preferência por certas formas verbais (por exemplo, no caso do emprego da voz passiva sintética em espanhol e analítica em português), emprego divergente dos demonstrativos em expressões referenciais (emprego de uma forma em espanhol “este/esta” e de duas formas em português brasileiro com o mesmo valor referencial “este-esse/esta-essa”), etc.

Por outro lado, alguns estudos de nosso projeto têm mostrado que uma divergência entre gêneros realizados em português brasileiro e espanhol argentino pode ser a mobilização de diferentes “tipos de

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discurso”15. Por exemplo, Vallejos (2015) analisa um corpus de vídeos publicitários de hotéis da Argentina e do Brasil e observa que nos textos produzidos em espanhol ocorrem segmentos de discursos da ordem do contar (narração e relato interativo), o que não se verifi ca nos textos brasileiros (onde só encontra discursos da ordem do expor). Segundo a autora, para construir a imagem do hotel na comunidade hispano-falante, parece ser recorrente o recurso à menção de fatos históricos, tanto particulares (do próprio dono do hotel) quanto gerais (da história do país). Esse valor argumentativo da história/tradição talvez possa ser menos relevante em termos de estratégia publicitária para público brasileiro, em função de características socioculturais próprias.

Ainda em relação aos tipos de discurso, mas em um âmbito com-pletamente diferente, Barbosa (2013) analisa o gênero jurídico “petição inicial” realizado em português brasileiro e espanhol argentino. Barbosa comprova que existem divergências na mobilização dos tipos de discur-so da ordem do expor. De acordo com os dados da autora, nos textos argentinos ocorrem certas marcas de discurso interativo (em particular, a presença da voz do enunciador a partir de unidades que remetem à primeira pessoa), enquanto nos textos brasileiros tais marcas não ocor-rem, mostrando preferência pela mobilização do discurso teórico. Tal divergência na produção desses textos jurídicos exige aos tradutores, por exemplo, compreender que a “passagem” (ou a retextualização) de uma língua para a outra não implica apenas decisões de ordem lexical ou morfossintática, mas opções de organização discursiva que é preciso conhecer, ponderar e defi nir.

Como vemos nos exemplos brevemente comentados, a zona diferencial ou de singularidade pode variar em cada gênero quando

15. Os tipos de discurso são defi nidos no quadro do ISD (Bronckart 1997, cap. 5) como segmentos que entram necessariamente na composição dos gêneros (e, portanto, de cada texto empírico) e traduzem mundos discursivos particulares (ou diferentes “atitudes de locu-ção”). Na base dessa noção encontra-se a “tipologia dos discursos” de Simonin-Grumbach (1975), que visava identifi car o conjunto de unidades linguísticas dos mundos ou planos enunciativos e descrever suas operações psicológicas constitutivas. Na proposta do ISD, defende-se a existência de quatro tipos de discurso: por um lado, discurso interativo e discurso teórico (que se situam na ordem do expor) e, por outro lado, narração e relato interativo (da ordem do contar), sendo que a identifi cação de cada um deles é possível a partir das unidades linguísticas que neles ocorrem (tempos verbais predominantes, unidades com valor dêitico ou anafórico, etc). Sobre a relação entre os gêneros textuais e os tipos de discurso, ver Miranda (2008b).

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realizado em português e espanhol; já que o contraste pode ser dado a nível mais global ou mais local, e no âmbito de qualquer dimensão (situacional, enunciativa, temática, composicional, estratégica etc.). Por isso, a forma de conhecer as particularidades dos gêneros em cada língua/sociedade é avançar na concretização de pesquisas com um olhar comparatista.

Para o ensino das línguas, o conhecimento dos traços próprios que os gêneros assumem em diferentes comunidades é fundamental porque permite fornecer elementos para os professores explorarem a produção e a compreensão textual com seus alunos evitando a visão etnocêntrica que primariamente pode surgir em professores e alunos enquanto membros de uma cultura. Além disso, e tal como revelam professores de português como língua estrangeira na Argentina em uma enquete realizada em 2011, os docentes podem não ter conhecimentos teóricos específi cos sobre todos os gêneros que devem ensinar, e aca-bam recorrendo, então, a seu conhecimento empírico – como usuários da língua materna (ou de outras línguas estrangeiras conhecidas) – para ensinar a produzir esses gêneros em português.

Por outro lado, o desenvolvimento de estudos comparados pode contribuir para compreender melhor as zonas críticas para a aprendiza-gem da língua estrangeira. Ou seja, identifi car aspectos que precisam ser trabalhados de forma mais detalhada com determinados alunos. Assim, por exemplo, com os dados obtidos em pesquisas comparatistas é possível elaborar materiais didáticos específi cos para estudantes de origens diferen-tes ou com objetivos vinculados a áreas de especialidade diversas.

Ademais, tomando em consideração que os gêneros têm assumi-do um lugar central não apenas em situações de ensino de línguas, mas também em âmbitos de avaliação ou certifi cação – por exemplo, no exame CELPE-Bras –, os estudos comparatistas podem fornecer subsídios para entender melhor que questões podem resultar mais ou menos complexas em situação de avaliação. Isso porque há aspectos da construção textual ou do uso da língua que são transgenéricos e/ou transculturais e aspectos (ou mesmo gêneros) que são mais dependentes do contexto social. Um exemplo (extremamente problemático) para refl etir nesse sentido é o caso da seguinte proposta do exame CELPE-Bras de 2013/2:

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“Você vai assistir duas vezes um vídeo sobre o Céu de Brasília […]: Como funcionário do Instituo do Patrimônio Histórico Nacional […] que recebeu a solicitação do arquiteto […] você precisa montar um processo a fi m de dar encaminhamento ao pedido. Escreva a introdução desse processo a ser enviado à presidência do Ipahn para solicitar o reconhecimento do céu de Brasília como Patrimônio Natural da Humanidade, apresentando os objetivos da solicitação e justifi cando a sua importância.”16

Para realizar a tarefa solicitada, o estrangeiro que está sendo avaliado deve ter algum conhecimento sobre o que é “um processo” nessas circunstâncias e em particular sobre a seção introdutória. Con-sidero este exemplo como um caso extremo, porque duvido que todos os professores de português como língua estrangeira – pelo menos no meu entorno – saiba ensinar (ou mesmo produzir!) esse gênero. Não sou a favor desse uso excessivo dos gêneros, menos ainda em situações de avaliação. Porém, o exemplo permite mostrar (talvez com certo exagero) que a refl exão sobre o uso da língua em diferen-tes gêneros está diretamente vinculado às práticas sociais situadas. É isso que precisa ser objeto de ensino nas aulas de língua estrangeira. Os estudos de caráter comparatista permitem mostrar e compreender melhor essa realidade.

No caso da tradução, os estudos comparados de gêneros também contribuem para elaborar materiais de consulta para os tradutores. Como se sabe, os dicionários, por exemplo, não conseguem resolver todas as dúvidas que os profi ssionais encontram na prática, na medida em que esses instrumentos não dão conta da especifi cidade do emprego dos termos em diferentes gêneros textuais. O mesmo acontece com as gramáticas, pois elas não descrevem todos os usos possíveis das formas de uma determinada língua, observando a diversidade de gêneros.

Face ao exposto, os estudos comparados de gêneros apresentam pelo menos três grandes potencialidades para a intervenção social: 1) A identifi cação de áreas críticas para a aprendizagem de línguas e para a tradução; 2) A elaboração de materiais didáticos (para o ensino das línguas e para a formação dos tradutores) e de materiais auxiliares (para os professores e para os tradutores); 3) A identifi cação de critérios para as situações de avaliação de capacidades de linguagem.

16. Material disponível em http://www.ufrgs.br/acervocelpebras/acervo/2013.

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Considerações fi nais

Este trabalho teve a intenção de delimitar uma área de pesquisa específi ca, que estamos desenvolvendo a partir dos postulados, con-cepções e instrumentos do Interacionismo Sociodiscursivo: a análise comparativa interlinguística de gêneros textuais. Essa área ainda em construção apresenta um potencial inegável para os campos do ensino de línguas estrangeiras e para a tradução, já que observa como os gêneros (orais ou escritos) se realizam em distintas comunidades de linguagem.

A perspectiva exposta assume uma abordagem descendente (par-tindo do social para o propriamente linguístico) e um caráter diferencial na observação e caracterização dos fenômenos em estudo. A noção de gênero e os instrumentos de análise são retomados dos desenvolvi-mentos próprios do ISD.

Para a discussão sobre a relevância dos estudos comparados e a relação entre as línguas, os gêneros e a vida social, propusemos uma exemplifi cação breve, mostrando casos de gêneros diversos realiza-dos em duas línguas próximas (português e espanhol). A vantagem de mostrar o potencial nessas línguas é que fi ca em evidência que os traços singulares dos gêneros se ligam mais às práticas sociais do que a liberdades ou restrições dos sistemas linguísticos. Todavia, essa perspectiva de estudo é válida e necessária para a análise comparada de gêneros produzidos em quaisquer comunidades. Aliás, os mesmos procedimentos metodológicos podem ser apropriados ainda para apro-fundar os estudos comparativos intralinguísticos (Miranda 2006), ou seja, confrontando variedades de uma mesma língua natural, tal como mostrei de passagem no caso do português brasileiro e o português europeu.

No que diz respeito ao ensino de línguas e à tradução, os estudos comparativos dos gêneros têm o enorme potencial de fornecer dados consistentes para a elaboração de materiais didáticos e materiais de consulta para professores e tradutores. Nesse sentido, é possível e pre-ciso construir “modelos comparados de gêneros” para o ensino e para a tradução. Esses “modelos” constituem – tal como no caso dos “modelos didáticos” tradicionalmente elaborados no âmbito do ISD (De Pietro e Schneuwly 2003; Schneuwly e Dolz 2004, Cristóvão 2007, entre outros) – descrições das características de funcionamento psicossocial

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e organização semiótica interna dos gêneros analisados. A particula-ridade desses modelos é que eles salientam os traços contrastantes ou diferenciais da realização dos gêneros em cada espaço social.

Recebido em: 01 de outubro de 2014 Aprovado em: 01 de agosto de 2015

E-mail: fl [email protected]

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