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EDUCAÇÃO EM DEBATE Josefa Jackline Rebelo! Maria das Dôres Mendes Sequndo/ Análise da crise estrutural do capital à luz de István Mésaáros' Resumo o objetivo deste trabalho é apresentar as contribuições de István Mészáros, um dos mais importantes intelectuais marxistas da atualidade, sobre a análise da crise inédita do capital, definida como uma crise de natureza estrutural, destacando os conceitos de riqueza, produção destrutiva e reorientação socialista. Para a realização deste artigo nos baseamos na obra Para além do Capital em que o autor desenvolve um exame rigoroso e crítico sobre o processo de produção de riquezas e os limites estruturais do sistema do capital. Palavras-chave: crise estrutural do capital, produção de riquezas, socialismo. Abstract An analysis of capitalism from István Mészáros viewpoint The article focuses upon an analysis of the structural crisis of the capitalist system as presented by István Mészáros, one of the most important Marxist intellectuals of our times. The author points out the concepts of wealth, destructive production and socialist reorientation. The study was based on the book Beyond Capital, in which Mészáros rigorously examines the wealth production process, as well as the structurallimits of capitalismo Keywords: structural crisis of the capital, weath production, socialismo I Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected] 2 Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Doutoranda em Educação Brasileira na Universidade Federal do Ceará. E- mail: [email protected] J Este artigo resulta dos estudos realizados dentro da programação de revisão bibliográfica da linha de pesquisa Trabalho e formação docente do pedagogo, vinculada ao Projeto de Pesquisa Trabalho, Educação e Luta de Classes do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário - IMO da Universidade Estadual do Ceará, reconhecido pela CAPES. 43 EDUCAÇAo EM DEBATE. Ano 26. V I - N°. 47 - 2004

Análise da crise estrutural do capital àluz de István ... · EDUCAÇÃO EM DEBATE Josefa Jackline Rebelo! Maria das Dôres Mendes Sequndo/ Análise da crise estrutural do capital

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  • EDUCAÇÃOEM DEBATE

    Josefa Jackline Rebelo!Maria das Dôres Mendes Sequndo/

    Análise da crise estrutural docapital à luz de István Mésaáros'

    Resumo

    o objetivo deste trabalho é apresentar as contribuições de István Mészáros, um dos mais importantesintelectuais marxistas da atualidade, sobre a análise da crise inédita do capital, definida como uma crise denatureza estrutural, destacando os conceitos de riqueza, produção destrutiva e reorientação socialista. Para arealização deste artigo nos baseamos na obra Para além do Capital em que o autor desenvolve um exame rigorosoe crítico sobre o processo de produção de riquezas e os limites estruturais do sistema do capital.

    Palavras-chave: crise estrutural do capital, produção de riquezas, socialismo.

    Abstract

    An analysis of capitalism from István Mészáros viewpoint

    The article focuses upon an analysis of the structural crisis of the capitalist system as presented by IstvánMészáros, one of the most important Marxist intellectuals of our times. The author points out the concepts ofwealth, destructive production and socialist reorientation. The study was based on the book Beyond Capital, inwhich Mészáros rigorously examines the wealth production process, as well as the structurallimits of capitalismo

    Keywords: structural crisis of the capital, weath production, socialismo

    IProfessora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:[email protected]

    2 Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Doutoranda em Educação Brasileira na Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected]

    J Este artigo resulta dos estudos realizados dentro da programação de revisão bibliográfica da linha de pesquisa Trabalho e formaçãodocente do pedagogo, vinculada ao Projeto de Pesquisa Trabalho, Educação e Luta de Classes do Instituto de Estudos e Pesquisas doMovimento Operário - IMO da Universidade Estadual do Ceará, reconhecido pela CAPES.

    43EDUCAÇAo EM DEBATE. Ano 26. V I - N°. 47 - 2004

  • Na obra 'Para Além do Capital' (2002)István Mészáros" desenvolve uma análise sobrea crise estrutural do capital, propondo, emcontrapartida, a afirmação da produtividade dovalor de uso em função das necessidades huma-nas, só é possível em uma nova sociabilidade,radicalmente diferente da atual que vem histori-camente priorizando a produção de riqueza comofinalidade da acumulação do capital.

    István Mészáros explica o atual momentodo capitalismo caracterizando-o por produçãodestrutiva e de precarização do trabalho. Assim,inspirado em Marx, Mészáros elabora, no con-junto de sua obra, profundas reflexões críticassobre esse sistema e suas formas de controle so-cial, definidas como mecanismos de funcionamen-to sociometabólico do capital.

    Nesses termos, Mészáros entende que oadvento do capitalismo altera o processo deprodução do mundo antigo, que tinha por fina-lidade, em alguma medida, satisfazer as necessi-dades humanas e o subordina ao interesse deauto-realização ampliada do capital, destinadoexclusivamente à troca. Dessa forma, o modo deprodução capitalista rompe com as práticas pro-dutivas do mundo antigo.

    No capitalismo, o homem se torna objeto,tornando a produção de riqueza a finalidade dahumanidades. Para alcançar essa finalidade, foinecessário separar o valor de uso do valor detroca. De acordo com o autor, o grande segredoda dinâmica do capital foi a disjunção entre ne-cessidade e produção de riqueza, orientada parao valor de troca, independente dos limites dasnecessidades genuinamente humanas. Em suaspalavras, "o capital estava orientado para a pro-dução e a reprodução ampliada do valor de troca"(MÉSZÁROS, 2002, p.60S).

    A respeito desse propósito Mészáros(idem, p.606) acrescenta: a organização e a divi-são do trabalho tinham que ser fundamental-mente diferentes em sociedades nas quais o va-lor-de-uso e as necessidades exerciam as funçõesreguladoras decisivas.

    Esse traço marca o caráter historicamenteexcepcional do capitalismo, em que se estabe-

    -~e os meios de produção e o..c-"~"".",,,-,,a.:: a partir de dois aspectos

    o - =- - italista de produção e distri-buição eve, . eiramente, no curso do seudesdobramen 0_ •s órico, que subjugar as vá-rias determinações naturais espontâneas aosimperativos materiais do seu próprio funcio-namento.

    2) O capitalismo consiste na separação postana relação entre trabalho assalariado e o capi-tal, negando o sentido ontológico do trabalhoenquanto interaçâo eterna do homem com anatureza" (idem, 2002, p. 608).

    Segundo os defensores desse modo de pro-dução, o distanciamento entre o homem e ascondições naturais e inorgânicas constitui umpressuposto do próprio modo operante do me-tabolismo do capital, compreendido como umpostulado que emana da inalterada naturezahumana.

    Em contraposição, Mészáros fala da re-construção da unidade entre as condições orgâ-nicas e inorgânicas, que há muito tempo foi per-dida. No entanto, esta unidade não se dá maisno peso da escassez, inicialmente natural, masé causada pelos homens de forma paradoxal eassistida.

    Acrescenta que a interação criativa do ho-mem com a natureza não é um desafio tecno-lógico, mas social. Esta interação deve ser desti-nada não mais para uma minoria do poder e nempara o atendimento da demanda alienante damercadoria, mas em função do atendimento dasnecessidades da humanidade.

    O desenvolvimento do capital impôs àhumanidade a produção da riqueza que tudoabsorve, e na qual desaparece o caráter real dariqueza, sendo substituída por uma concepçãoreificada em que as relações são igualmentefetichizadas. A concepção de riqueza se baseia,portanto, na valorização material pela definiçãodo conceito de propriedade, passando a ser iden-tificada como uma mercadoria produzida exclu-

    4 lsrván Mészáros nasceu em Budapeste, Hungria em 1930. Quando cursou filosofia tornou-se discípulo de Georg Lukács. ProfessorEmérito na Universidade de Sussex, na Inglaterra, é autor de importantes livros, dentre os quais: Para além do capital e O Século XXI;Socialismo ou barbárie ? Publicados no Brasil em 2002 e 2003, respectivamente.

    5 Segundo Carconholo (1993, p.3) "todo valor é riqueza, mas nem toda riqueza é valor. A riqueza é uma categoria ontológica, estápresente em todas as formas históricas. No capitalismo se transforma em valor e não-valor".

    li • tARX. KarI.O Capital. 1982, p. 58.

    2M Di:.êATE. Ano 26. V I - N. 47 - 2004

  • sivamente para a troca. O trabalho humano tor-na-se mercadoria, consumida pelo capitalista,com objetivo de produção e acumulação de ri-quezas. Para Mészáros (idem, p. 610), a repro-dução capitalista se fundamenta: "no trabalhoacumulado, objetivado, alienado que assume aforma de ativos do capital legalmente protegi-dos e de valor de troca sempre em expansão". Oautor explica que,

    Sob o comando do capital, o sujeito que tra-balha não mais pode considerar as condiçõesde sua produção e reprodução como sua pró-pria propriedade. Elas não mais são os pressu-postos auto-evidentes e socialmente salva-guardados do seu ser, nem os pressupostosnaturais do seu eu como constitutivos da "ex-tensão externa de seu corpo". Ao contrário,elas agora pertencem a um "ser estranho",rei ficado, que confronta os produtores comsuas próprias demandas e os subjuga aos im-perativos materiais de sua própria constitui-ção. Assim, a relação original entre sujeito e oobjeto da atividade produtiva é completa-mente subvertida, reduzindo o ser humanoao status desumanizado de uma mera "condi-ção material de produção". O "ter" domina o"ser" em todas as esferas da vida (MÉSZÁROS,2002, p. 611)

    Embora Mészáros reconheça que as pers-pectivas da emancipação humana são inseparáveisdo avanço da produtividade historicamente viá-vel, adverte que, em um estágio de produção ge-neralizada da mercadoria, o fetichismo daquantificação domina completamente a dimen-são qualitativa no processo de produção. Essemodo particular de reprodução é sobrecarregadopor uma contradição, por um fim explosivo, quetransforma as potencialidades das forças produ-tivas em realidades destrutivas, alocando umaporção cada vez maior da riqueza social para aprodução do desperdício institucionalizado.

    Dentro da lógica do capital, as necessida-des de existência da humanidade são postas emúltimo e inatingível plano. O que interessa sãoas necessidades de reprodução e acumulação docapital. A possibilidade de um movimento soci-alista, radicalmente re-articulado, deve pautar-se na perspectiva de emancipação humana, noqual o sujeito poderia ser reconhecido em suatotalidade e a riqueza da produção é realizada

    em função das necessidades dos produtores as-sociados livremente. észáros (2003) advogaque este é o grande desafio histórico do futuroda humanidade.

    A produção ou é conscientemente controladapelos produtores associados a serviço de suasnecessidades, ou os controla impondo-os seuspróprios imperativos estruturais como pre-missas da prática social da quais não se podeescapar. Portanto, apenas a auto-realizaçãopor meio da riqueza da produção (e não pelaprodução da riqueza alienante e reífícada),como a finalidade da atividade-vital dos indi-víduos sociais, pode oferecer uma alternativaviável à cega espontaneidade auto-reprodutivado capital e suas conseqüências destrutivas.Isto significa a produção e a realização de to-das as potencialidades criativas humanas, as-sim como a reprodução continuada das con-dições intelectuais e materiais de intercâm-bio social (MÉSZÁROS, 2002, p. 613).

    Nesse contexto, a grande preocupação deMészáros é levantar questões de como tornarnovamente o ser humano a finalidade da pro-dução. Para ele, o avanço histórico, representa-do pelo capitalismo, é um retrocesso real se con-siderado em relação ao seu impacto na diaiéticada necessidade e da produtividade, isto porquenão remove apenas determinações orientadaspara as necessidades, mas também inviabiliza ocontrole das tendências destrutivas que emergemda expansão quantitativa e ilimitada do capital.Assim, devido ao próprio movimento do capital,não há qualquer possibilidade de o capitalistadirecionar a produção de riqueza para o atendi-mento das verdadeiras e dignas necessidadeshumanas. Este é o seu limite estrutural. A supe-ração desse limite só pode acontecer quando arelação entre 'necessidade - qualidade - uso' ocu-par a centralidade na reorientação da produção edistribuição socialista, tornando essa relação umcritério aplicado em todos os aspectos na novasociabilidade, inclusive articulando às exigênci-as materiais elementares às dimensões da repro-dução cultural.

    Salienta também que as forças produtivasjá avançaram significativamente, possibilitandotornar o ser humano objetivo maior da produção,mas, para rever o sentido da riqueza e do valor, é

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  • preciso redefinir radicalmente o sentido capita-lista de propriedade.

    Mészáros interpreta que os seres humanossão peças e engrenagens do mecanismo geral dosistema produtivo capitalista. Nesse sentido, assuas qualidades humanas e os instrumentos (má-quinas) têm os mesmos critérios de avaliaçãopara o processo de eficácia na produção. Com opropósito de alcançar maior lucratividade, seopta pelos procedimentos mecânicos, conside-rados os mais facilmente administráveis.

    Igualmente a tarefa da reprodução social e dointercâmbio metabólico com a natureza é de-finida de modo feitichizada como a repro-dução das condições objetivas - alienadas deprodução, das quais os seres humanos quesempre padecem nada mais são senão umaparte estritamente subordinada, enquanto umfator material de produção (MÉSZÁROS,2002, p. 611).

    Acrescenta que todas as contradições setornam agudas no "capitalismo avançado", ouseja, quanto mais desenvolvido o capitalismo,mais pronunciada a contradição entre trabalhoprodutivo e não produtivo.

    Essa contradição emerge, em primeiro lu-gar, do caráter explorador do trabalho no pro-cesso de produção e da necessidade de encon-trar uma forma de controle adequada à perpetu-ação do capital. Mészáros recorre a Marx paraexpor essas contradições, compreendidas, por umlado, como um processo social de trabalho paraa elaboração de um produto e, por outro, comoum processo de valorização do capital.

    Nesse contexto, Mészáros advoga que ocapitalismo não se sustenta por si mesmo indefi-nidamente, desmistificando a tese de seus de-fensores que dizem ser as práticas produtivas docapital eternas, já que, segundo ele, esse modode produção tem poucos séculos na história dahumanidade.

    Mészáros sustenta a tese de que o capita-lismo está experimentando uma profunda crise,diferente das crises anteriores, as chamadas 'cri-ses cíclicas tradicionais'.

    Trata-se de uma crise estrutural do capital,denunciada nas estratégias de sobrevivência docapitalismo, mediante uma produção altamentede trutiva, desemprego em massa e precarização

    - ternativa, sugere Mészárosialista, considerada não

    como - como uma alternativa vi-ável à nrradiçôes do capitalismo.Considera - soluções testadas pelo ca-pitalismo, que intacto o quadro dadesigualdade estru ural. Consistem, segundo ele,em soluções por dentro da ordem do capital paratorná-lo mais "humano, democrático e cidadão".

    A crítica socialista ao capitalismo não podeser formulada com base apenas na perspectivade retomar as formas de produção anteriores aocapitalismo, pois estas apresentam limitaçõesestruturais que impediriam o atendimento dasdemandas das necessidades humanas. Defendeque torna-se imprescindível, portanto, articulara crítica socialista sobre as relações de valor àafirmação do papel positivo do valor de uso comuma indicação de saídas viáveis das contradiçõesdas formas de produção pré-capitalistas. A esserespeito Mészáros (2002, p. 610) afirma;

    Não é, portanto, de modo algum acidentalque, na teoria de Marx, a maior ênfase na de-terminação orientadora do valor de uso emuma sociedade socialista futura é inseparávelda questão do desenvolvimento em todos osaspectos das necessidades e capacidades produtivasdo indivíduo social. Tal desenvolvimento ape-nas é possível na estrutura irrestrita - ou seja,não mais determinada por interesse e confli-tos de classes - da "relação universal" do "in-tercâmbio universal" e capacidades e realizações hu-manas, enquanto oposto ao valor de troca univer-salmente dominante.

    Em síntese, a tese de Mészáros (2002) éque o sistema sociometabólico do capital tornou-sepoderoso e abrangente, chegando ao seu limiteincontrolável. Assim sendo, o capital se mostraum sistema que não tem limites para sua expan-são e como iniciativa para superá-lo seria pre-ciso a eliminação do conjunto dos elementos queo compõem. Todavia, segundo Mészáros, todasas tentativas de superação desse processo, sederam na atual concepção do capital através dasocial-democracia que assumiu a linha de menorresistência ao capital.

    Ao fazer instigantes reflexões sobre a ló-gica que preside a sociedade contemporânea ca-pitalista, manifestada sobre uma nova roupagem

    c-, . 'o EM DEBATE. Ano 26. V. I - N°. 47 - 2004

  • liberal, global e consensual, Mészáros acreditaque, poderemos reverter a barbárie que se anun-cia propondo uma nova sociabilidade para alémdo capital.

    Bibliografia

    CARCANHOLO, Reinaldo. A dialética da mercado-ria: Guia de Leitura. O Capital: Ciclos, Circulaçãoe Rotação. Roteiro de Estudo. Cadernos ANGE.Textos Didáticos. N° 4. Espírito Santo: UFES/Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1993.

    MARX, Karl. O capital. Livro 1, volume I, SãoPaulo: DIFEL, 1982MÉSZÁROS, István. Para além do capital. Tra-dução: Paulo César Castanheira e Sérgio Lessa.São Paulo: Editora Unicamp e Boitempo Edito-rial, 2002.

    .0 século XXI: socialismo ou barbárie? São---Paulo: Editora Unicamp e Boitempo Editorial,2003.TEIXElRA, Francisco José Soares. Pensando comMarx, uma leitura crítico-comentada de O capital. SãoPaulo: Ensaio, 1995.

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