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R EPÓRTER DA T ERRA |MARÇO DE 2005 1 Fartura e violência compõem o cenário na região Norte do Brasil Produção coletiva e investimentos: bons resultado em Mato Grosso Assentamento capixaba produziu, em 2004, 12.324 sacas de café Presidente do Incra reafirma urgência da Reforma Agrária ANO I | N° 2 | MARÇO DE 2005 DOUGLAS MANSUR

ANO I | N° 2 | MARÇO DE 2005nucleopiratininga.org.br/wp-content/...mar2005.pdf · mar que a reforma agrária possi-bilita crescimento econômico para o município. Ela pode ser

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1Fartura e violênciacompõem o cenáriona região Nortedo Brasil

Produção coletivae investimentos:bons resultadoem Mato Grosso

Assentamentocapixaba produziu,em 2004, 12.324sacas de café

Presidente doIncra reafirmaurgência daReforma Agrária

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2REPÓRTER DA TERRA - Rua Júlio Otoni, 571, Santa Teresa (RJ), CEP. 20.250-040 - http://www.ceris.org.br / [email protected]ção Editoral: Núcleo Piratininga de Comunicação | Edição: Claudia Santiago (Mtb.14.915-RJ) / Isaías B. de Araújo (Mtb. 25.546-RJ) | Projeto Gráfico: NúcleoPiratininga de Comunicação e Estúdio Metara | Programação Visual e Produção Gráfica: Estúdio Metara | Revisão: Rosângela Gil | Com a participação de: Gustavo Barreto(RJ), Reginaldo Moraes (SP), Sérgio Domingues (SP), Tânia Jandira (RJ) e Vito Giannotti (RJ) | Reportagens: Rogério Almeida (PA), Najla Passos (MT), Suelide Freitas (ES), Caio Teixeira (SC), Helóisa de Souza (PB) e Manuel Amaral (SP) | Impressão e fotolitos: Folha Dirigida

EDITORIAL

--A edição nº 2 do Repórter da

Terra vem ao mundoregada pelas lágrimas dos

camponeses do Pará pelo assassi-nato da Irmã Dorothy Stang amando de fazendeiros que desma-tam, escravizam e assassinam. Foiproduzida sob o impacto do au-mento da violência contra lideran-ças populares que tirou a vida, noúltimo mês, do trabalhador ruralDaniel Soares de Souza, no Pará ede, pelo menos dois, trabalhado-res sem-teto, durante desocupaçãourbana em Goiânia.

A violência contra os sem-ter-ra, os sem-teto e os que lutam aoseu lado, não é resultado de con-flitos localizados, mas de proble-mas estruturais graves que têmcomo seu carro-chefe a alta con-centração de muita terra nas mãosde pouca gente.

Nas suas andanças Brasil afora,os repórteres da terra têm sido tes-temunhas das dificuldades e pro-blemas que os trabalhadores ruraisacampados ou assentados enfren-tam: a grilagem de terra e a vio-lência física e psicológica são al-guns exemplos. A lista de assassi-natos e de ameaçados não pára decrescer. São padres, freiras, bispos,trabalhadores rurais e funcionári-os públicos, fiscais do Ministério doTrabalho e do Ibama.

Dificuldadese realizações daReforma Agrária

POR MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER

Porto Alegre - A riqueza pro-duzida pela agricultura fa-miliar foi responsável por

27% do Produto Interno Bruto(PIB) do Rio Grande do Sul, em2003, enquanto que oagronegócio (voltado principal-mente para a exportação) repre-sentou 23% do PIB gaúcho. Ascadeias produtivas vinculadas aotrabalho no campo representarammetade do PIB do Estado, enquan-to que, em nível nacional, essaparticipação foi calculada em 33%.Os números apresentados no dia 10de março, durante reunião da Co-missão de Agricultura, Pecuária eCooperativismo da AssembléiaLegislativa do RS, são resultado deuma pesquisa inédita realizada pelaFundação Instituto dePesquisas Econômicas(Fipe), da Universidadede São Paulo (USP), apedido do Ministério doDesenvolvimento Agrá-rio (MDA). O estudoteve como objetivoquantificar a renda gera-da pelas cadeias produ-tivas ligadas à agricultura familiar.

A audiência pública contou coma presença do ministro MiguelRossetto (Desenvolvimento Agrá-rio). A metodologia e os critériosutilizados na pesquisa foram deta-lhados pelo professor JoaquimJosé Martins Guilhoto, da Facul-dade de Economia e Administra-ção da USP. O primeiro estudo so-bre o PIB das cadeias produtivasda agricultura familiar no Brasil foidivulgado em dezembro de 2004pelo MDA. O levantamento regi-onal realizado no Rio Grande doSul, um dos principais produtoresde alimentos do país, mostrou quea média da participação da agricul-tura familiar do RS (23,5%), noperíodo de 1995 a 2003, é 2,5 ve-zes superior a da média nacional(9,3%). Já o agronegócio, tem par-ticipações semelhantes (19,4% no

Agriculturafamiliar gera maisriqueza do queo agronegócio noRio Grande do Sul

RS e 19,1% em nível nacional).

Desmontando alguns mitosA pesquisa da Fipe também re-

velou que a agricultura familiar noRS, nos últimos oito anos, cresceu52%, enquanto a variação do PIBgaúcho chegou a 25% e a do PIBnacional apenas 16%. Na avalia-ção de Joaquim Guilhoto, estesdados desmentem alguns mitos ecomprovam que a agricultura fa-miliar tem uma real importânciaeconômica, não cumprindo ape-nas a função de garantir a subsis-tência dos pequenos agricultores.O setor é responsável, por exem-plo, por 97% na produção de mi-lho, 99% dos laticínios, 74% domilho e 58% da soja.

Para o ministro Miguel Rossetto,a pesquisa da Fipe apresenta, en-

tre outros méritos, apossibilidade de quali-ficar as políticas públi-cas para o setor.Rossetto destacou ain-da que a agricultura fa-miliar integra hoje maisde 4 milhões de produ-tores em todo o país,sendo 440 mil no Rio

Grande do Sul. Para ele, trata-sede um segmento com grande ca-pacidade de respostas econômicas,gerador de renda, produtor de ali-mentos e distribuidor de riqueza.“Esta é a verdadeira modernidadeque o país precisa”, resumiu. Poroutro lado, o titular do MDA re-conheceu que existem problemasque devem ser enfrentados, entreeles a questão dos insumos.Rossetto defendeu a necessidadede se pensar uma cadeia produti-va equilibrada, para que não hajaconcentração de renda em apenasum setor. Daí a importância que oMDA vem dando à agricultura fa-miliar, justificou Rossetto, desta-cando o aumento de recursos fe-derais que saltaram de R$ 2,4 paraR$ 7 bilhões este ano.

Texto publicado na Agência Carta Maior(www.agenciacartamaior.com.br),em 10/03/2005

O setor éresponsável,

por exemplo, por97% na produçãode milho, 99% doslaticínios, 74% domilho e 58% da soja.

Estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas(Fipe) revela que a agricultura familiar é responsávelpor 27% do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grandedo Sul, um dos principais produtores de alimentos do país.O agronegócio exportador gera 23% do PIB gaúcho.

Reforma Agráriaé o caminho

Para o Repórter da Terra, aReforma Agrária é o caminhopara impedirmos que crimescomo os que ocorreram em feve-reiro de 2005 continuem aconte-cendo. O Brasil tem terra e recur-sos naturais para que todos cons-truam suas vidas.

Por isso, trazemos para nossosleitores notícias da Reforma Agrá-ria, de modo especial o que debom está sendo feito nos assenta-mentos. Mostramos as inúmeraspossibilidades de vida na zonarural quando o trabalhador temum pedaço de terra para nela vi-ver e produzir.

Com o que nossos repórterestêm presenciado, é possível afir-mar que a reforma agrária possi-bilita crescimento econômico parao município. Ela pode ser um ele-mento decisivo para o desenvol-vimento de inúmeras regiões doBrasil que fazem da produçãoagrícola sua principal atividade,beneficiando as pessoas e comu-nidades da própria região. E, tam-bém, o único caminho para pôrfim a massacres e atentados con-tra a vida e a cidadania dos cam-poneses, que precisam, urgente-mente, cessar.

OPINIÃO

Este jornal é parte do processo de monitoramento, diálogocom a sociedade e formação, desenvolvido pelo Projeto Nacional

de Formação nas Áreas de Reforma Agrária.

Capa: Rita de Cássia S. de Souza, 29, filha de assentado e professora da EscolaEstadual 27 de Outubro, que funciona no interior do Assentamento Georgina, noEspírito Santo. | Foto: Sueli de Freitas

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Pa

ráConflitos e sonhos se misturam

na região Norte do PaísEles saíram do Ceará, do Maranhão, do Tocantinse, junto com os paraenses, estão construindo umaalternativa econômica para si e suas famílias

POR ROGÉRIO ALMEIDA

C onsiderada por pesquisado-res ainda como uma fron-teira aberta, a Amazônia

recebe pessoas de variadas regiõesdo Brasil e do mundo. Uns buscamum Eldorado. Há os que procuramum trabalho. Muitos desejam umpedaço de terra para sobreviver.

A Ilha de Mosqueiro, com 27mil habitantes, é um pedacinho dechão. Duas horas de viagem deônibus a separa da capital Belém.Nela, 91 famílias de cearenses,maranhenses, piauienses e paulis-tas foram assentadas em 1999.Hoje já são 123. O aumento donúmero de famílias no assenta-mento explica-se pela presença deagregados e filhos que se casam.

Essa história começa em 3 demaio de 1999, quando as famíliassem terra ocuparam a área de 408hectares da Fazenda Taba de umaantiga companhia de aviação da

Amazônia. Antes de ser ocupada,a fazenda se dedicava à extraçãoirregular de pedra e areia, e manti-nha 60 pés de coco de forma des-cuidada. Hoje, a extração de coco éparte da renda de algumas pessoasdo projeto de assentamento. A áreaestá regularizada. Os nomes dasruas ajudam a manter viva a cha-ma dos que tombaram na luta pelaterra. Oziel Pereira, Lourival Cos-ta, Manoel Gomes de Souza, mor-tos no Massacre do Eldorado, sãoalguns dos militantes lembrados.

O nome do assentamento, Már-tires de Abril, é uma homenagemaos 19 trabalhadores rurais semterra mortos pela Polícia Militar nodia 17 de abril de 1996, no imor-talizado Massacre de Eldorado doCarajás, sudeste do estado. Até acriação do assentamento pelo Incraforam anos de liminares de rein-tegração de posse, ações da PM,preconceito da população local epichação por parte da imprensa.

Mamede Gomes de Oli-veira tem 50 anos. Émaranhense casado

com a paraense Teófila Nunesde 52 anos. Desde jovem inte-grou comunidades eclesiais debase. É agricultor e apicultor.Mamede explica que os lotes deprodução estão repletos de plan-tio de culturas de longo prazo,como o cupuaçu e açaí. Apon-tando para o açude na área, elediz que tem gente que quer tra-balhar com peixe.

Teófila, tratada carinhosamen-te de Téo, está concluindo o cur-so de graduação em pedagogia naUniversidade Federal do Pará. Eladivide o tempo em múltiplas ati-vidades. Ação no assentamento,estudo, reuniões e a casa.

Maria Raimunda: o loteestá no nome dela

Maria Raimunda é goiana.Tem 34 anos e dois filhos. Nas-ceu em Araguaína, hoje estadodo Tocantins. Com 15 anos se

mudou para Marabá, sudeste doPará, antes de ir morar emTomé-Açu, onde em 1999 tevecontato com o MST. Subverten-do a tradição machista, o lote daterra é em nome dela.

Ela lembra espinhosos mo-mentos no início do acampa-mento. Raimunda recorda quena escola que os filhos freqüen-tam sofriam preconceito de pro-fessores e colegas da sala. A as-sentada narra que o mesmo sófoi superado após uma visita dadiretora da escola e alunos aoassentamento. Ao verificarem arealidade do assentamento, eserem presenteados com váriashortaliças, a impressão mudou.

Augusto Santos: das ruasde Belém ao assentamento

O cearense Augusto Santos de53 anos morava nas ruas deBelém até 1999. Vivia de peque-nos trabalhos em carpintaria nomercado do Ver o Peso. Santosconta que trabalhou em cons-trução civil em grandes projetosem Tucuruí, na década de 70.Foi garimpeiro em Goiás e lavra-dor em Juazeiro.

Hoje, em seu quintal há pés debanana, jambo, graviola, limão,mamão. Num roçado cultiva fei-jão e macaxeira. Ao falar dos de-safios nos conta que: “Olha, agente aqui tem um pouso. Tenhoa minha casa. Às vezes aqui agente sofre umas tormentas. Sóque a gente não pode largar a

terra. A nossa luta é isso”,diz Maria Raimunda.

HISTÓRIAS DE VIDA

Organizados em núcleos deprodução de base, as famí-lias são responsáveis des-

de o processo de organização doacampamento à semeação e divul-gação de valores que inspirem aação coletiva. As casas são trata-das com esmero. As plantas orna-mentais e frutíferas cercam as re-sidências. Nos quintais assentadoscriam pequenos animais.

O assentamento conta uma es-cola para crianças, alojamento, re-feitório e espaço para reuniões. Nofim do ano as celebrações forammarcadas por almoços comunitá-rios. Boa parte da ceia veio dos dezNúcleos de Produção de Base queoscilam entre sete e dezparticipantes cada um.

PRODUÇÃO

Mamede e Téo: luta,família e estudo

A produção é planejada em trêsplanos: curto, médio e longo pra-zo. Estes núcleos de base ajudama construção da democracia do as-sentamento. Fica sob sua respon-sabilidade a coordenação do assen-tamento.

A Associação dos Produtores doAssentamento Mártires de Abril(Aproama) também é compostapelos núcleos. Neles encontramosdesde a horta, passando pela cria-ção de porcos e galinhas, até a pes-ca. Técnicos contratados pela Pre-feitura de Belém prestam assesso-ria aos assentados.

Núcleos planejamo plantio, a criaçãode animais e a pesca

A s terras da Amazônia sãofamosas pela fartura de

riquezas: minerais, vegetais,animais e por possuir a maiorreserva de água doce doplaneta. Nessas mesmas terras,também ricas em variedadesocial - pescadores,ribeirinhos, extrativistas,indígenas -, ocorreramgrandes projetos econômicos.

Tais projetos colaborarampara graves feridas na região,entre elas a concentração daterra em mãos de poucaspessoas, empresasinternacionais, empresários dericas regiões do país e mesmolocais. Na história daAmazônia, em particular, noPará, o segundo estado em

Fartura e violênciaextensão territorial, talmodelo de concentração daterra tornou o estado o maisviolento da luta pela terra noBrasil. Os alvos da violênciana luta pela terra sãotrabalhadores e trabalhadorasrurais.

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o Produção coletiva einvestimentos garantemsucesso da Reforma AgráriaOito famílias assentadas na fronteirado Brasil com a Bolívia aprendem que,juntas, podem multiplicar os recursosdestinados à Reforma Agrária.É um número pequeno, mas revela dois aspectosque merecem atenção: a produção coletivae o investimento público em assentamentos

mudam, para melhor, a vida dos envolvidosno projeto. Em pouco mais de dois anos,já produzem uma média mensal de 14 mil litrosde leite, colhem 30 alqueires de milho e outroscinco de arroz. Assim, garantem uma rendafamiliar digna. Conquistam a esperança nofuturo. E exercem, enfim, a cidadania brasileira.

POR NAJLA PASSOS

Os irmãos Osmar, Sônia eMarisa Tolomeu são mi-neiros. Ramon Rosa tam-

bém. Rosalino Dias Francisco émato-grossense. Cladir AdãoBabinski, catarinense. O casalValmir e Zélia Ferrari dos Santos,capixaba. Suas histórias de vida sãomuito parecidas. Também comunsa muitos outros brasileiros. Migra-ram de suas cidades de origem embusca de uma vida mais digna.Lutaram de várias formas, em vá-rias frentes, por diferentes cantosdo país.

Mas foi na faixa de fronteira doBrasil com a Bolívia que consegui-ram exercer, de fato, a condição decidadãos brasileiros. Isso porquetiveram acesso a um pedaço de ter-ra no Projeto de AssentamentoFlorestan Fernandes, localizado nomunicípio de Araputanga (350Km de Cuiabá-MT).

Os resultados são excelentespara uma experiência que teve iní-

cio há pouco mais de dois anos.Todos têm casa para morar e umarenda familiar no final do mês.Renda essa, inclusive, su-perior a da maioria dapopulação brasileira. Or-ganizados em um GrupoColetivo que congregaum total de oito famílias,garantem uma produçãomédia mensal de 14 millitros de leite.

Para o próximo mês,vislumbram a colheita de30 alqueires de milho e cinco dearroz. Sem contar que cultivamhorta e pomar para diversificar aalimentação das famílias. Criamporcos e galinhas. Comercializambezerros. Asseguram educação dequalidade para suas crianças. Au-xiliam as outras 147 famílias quevivem no assentamento. Têm es-perança no futuro.

Sonho coletivoOs irmãos Tolomeu começaram

a sonhar com a formação de um

Grupo Coletivo de Assentados em1997, quando ainda viviam em umacampamento do MST. “No acam-

pamento, já pudemosnotar que, sozinhos,não somos ninguém.Começamos, então, aconvencer outros aembarcar no nossosonho”, lembra SôniaTolomeu, coordena-dora do Florestan Fer-nandes.

Segundo ela, noano seguinte, o Instituto Nacionalde Colonização e Reforma Agrária(Incra) desapropriou a FazendaSantana, para onde foram transfe-ridos. Mas o parcelamento só saiu,de fato, em 2002. “Foi quando ti-vemos acesso ao financiamento doPrograma Nacional de AgriculturaFamiliar (Pronaf). E foi quando ti-vemos certeza de que precisaríamosnos unir para avançar. Passamos,então, a dividir a terra, os recursos,os equipamentos, a vida”, conta seuirmão, Osmar.

“Quando tivemosacesso ao

financiamentodo Pronaf,

tivemos certeza deque precisaríamos

nos unirpara avançar”

Com os financiamentosdo Pronaf, as oito

famílias compraram umtrator e cem vacas leiteiras.Perfuraram poços artesianos.Araram a terra. Construíramsuas casas. Asseguraramenergia para o grupo.Venderam os bezerrosparidos para garantir novosinvestimentos. Trabalharamde sol a sol. Hoje, colhem osresultados. Contabilizam220 vacas leiteiras, dezenasde bezerros de corte, 35hectares de área plantada,pequenas hortas e pomares,criações de porcos egalinhas.

Frutos dofinanciamentocomeçam a sercolhidos

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Tanque de resfriamentoassegura lucro e integraçãocom outros produtores

A aquisição de um tanque deresfriamento de leite mu-dou a dinâmica da vida das

oito famílias do Grupo Coletivo doAssentamento Florestan Fernan-des. Com capacidadepara até 2 mil litros, otanque permite que osmoradores armazenema produção diária e dis-putem preços melhoresno mercado.

“Quando vendíamoso leite para os laticíniosde Araputanga, com entrega diária,recebíamos R$ 0,40 centavos porlitro. Com a aquisição do tanque,conseguimos negociar a venda paraum laticínio de outro município. Ecomo eles só vêm buscar o produ-to de quatro em quatro dias, nospagam R$ 0,50 pelo litro”, explicao assentado Osmar Tolomeu.

Sistema de agrovilas reforçalaços de solidariedadeNa casa da assentada Zélia

Ferrari dos Santos nemsempre tem água fresca

para oferecer aos visitantes. Masisso não chega a ser um problema.Em um instante, ela corre até acasa do vizinho e volta com umvidro bem gelado.

“O sistema de agrovilas implan-tado no Projeto de AssentamentoFlorestan Fernandes se transfor-mou em modelo para a região les-te de Mato Grosso porque favo-rece a solidariedade. Quem temmais ajuda quem tem menos”,afirma o assentado Valmir Evan-gelista dos Santos.

Para Valmir, a implantação do

sistema de agrovilas também sig-nifica economia. “Como as resi-dências estão próximasumas das outras, é maisfácil distribuir água,energia e até abrir estra-das. É por isso que játemos uma infra-estru-tura razoável e multipli-camos os recursos go-vernamentais”, explica.

A coordenadora doassentamento, SôniaTolomeu, conta que ostécnicos do ProgramaLuz Para Todos, do Governo Fe-deral, ficaram bastante satisfeitoscom a planta do Florestan Fernan-

des. “Para eles, ficou muito maisfácil distribuir os postes de ilumi-

nação, já que a distân-cia entre as casas é bemmenor do que em ou-tros assentamentos “.

Segurança maiorOsmar Tolomeu apon-

ta uma outra vantagemdo modelo: a seguran-ça. Segundo ele, na fai-xa de fronteira do Bra-sil com a Bolívia é co-mum a existência de

milícias armadas, contratadas pe-los grandes latifundiários, paraaterrorizar famílias sem-terra e de

pequenos produtores. “Morandopróximos, estamos mais protegi-dos”, sintetiza.

Tolomeu lembra que terras loca-lizadas na faixa de fronteira perten-cem à União. Em Mato Grosso, aquase totalidade delas foi griladapor grandes latifundiários, duran-te a expansão agrícola dos anos 70,favorecida pela Ditadura Militar.

“Esses latifundiários sabem quenão têm direito legal às terras queocupam. Por isso, fazem qualquercoisa para explorá-las por maistempo. Inclusive contratar pisto-leiros. Mas nós não sucumbimos.Sabemos que, juntos, também so-mos fortes”, conclui.

Na fronteirado Brasil com

a Bolívia é comuma existência de

milícias armadas,contratadas

pelos grandeslatifundiários

para aterrorizarfamílias sem-terra

Um municípioque só produz leite

Criado em 1981, em área ha-bitada anteriormente pelos

índios bororos, o município deAraputanga possui uma exten-são territorial de 1.602,17 Km2.A população, entretanto, nãochega a 15 mil habitantes. “EmAraputanga, prospera o grandelatifúndio”, afirma o assentadoOsmar Tolomeu.

A economia da cidade é cen-trada na produção leiteira. “Porisso, o custo de vida no municí-pio é tão alto. Todos os demaisalimentos vêm de outras regi-ões do país”, explica Tolomeu.

Assentados queremdiversificar produçãopara atenderpopulação local

O técnico do Pronaf, Odir Cam-pos Soares, afirma que a aquisiçãodo tanque foi fundamental para osassentados assegurarem a vendado leite produzido. “A legislação

prevê que, a partir dopróximo ano, o produ-tor que não resfriar oleite estará fora do mer-cado”, esclarece.

Conforme Osmar, otanque foi adquiridoatravés de uma linha definanciamento do BN-

DES. Deverá ser pago em 48 me-ses. “Sozinho, um assentado ja-mais poderia comprar um equipa-mento deste porte, que custa cer-ca de R$ 20 mil e os recursos libe-rados pelo Pronaf somam R$15mil. Por isso, é tão importante aimplementação de grupos coleti-vos”, justifica.

“Sozinho, umassentado jamaispoderia comprarum equipamentoque custa cercade R$ 20 mil”.

No supermercado da cidade,os exemplos são muitos. Umquilo de arroz custa R$8,37. Ode feijão, 2,69. O quilo da bana-na sai por R$ 2,19. O de tomate,R$ 3,20. O litro da gasolina che-ga a assustar: R$ 2,83. “Insumos,produtos agrícolas, tudo é mui-to caro”, reclama o assentado.

Segundo ele, o projeto deGrupo Coletivo do FlorestanFernandes é diversificar cadavez mais a produção. “Temosconsciência que se oferecermosprodutos de qualidade, variadose a baixo custo para conseguir-mos fazer a população enten-der a importância da ReformaAgrária”, diz.

Arroz .............. R$8,37

Feijão ............. R$2,69

Banana ......... R$ 2,19

Tomate .......... R$ 3,20

Preço dosprodutos nosupermercadoda cidade(por Kg)

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oAvanços na produção

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an

to Reforma Agrária desenvolvea economia dos capixabasOs assentamentos da região do KM 41 produzem principalmente café e pimenta do reino.Pesquisa feita junto a 237 famílias que têm produção consolidada, em 2004 a produção de caféfoi de 12.324 sacas, numa área de 289 hectares de terra.

A produtividade média foi de 42 sacas de café por hectare. Essa produção foi vendida por um preçomédio de R$ 110,00 a saca, o que perfaz um total de R$ 1,35 milhão de reais. A renda bruta anualfoi de R$ 5.620,00 por família, ou renda média de R$ 476,00 mensais.

POR SUELI DE FREITAS

Na madrugada do dia 27 de outubro de 1985, aproximada-mente 370 famílias de doze

municípios do Norte do Espírito San-to ocuparam a Fazenda Georgina,uma propriedade localizada no distri-to de Nestor Gomes, em São Mateus,a 220 KM de Vitória. Nascia ali o Mo-vimento dos Trabalhadores RuraisSem-Terra (MST) no Espírito Santo.A conquista da terra veio no ano se-guinte, com a formalização do primei-ro assentamento na região.

mento, conhecida como SãoVicente –; o Vale da Vitória, queabriga 39 famílias; o Córrego daPrata, com 17, e Juerana, com 18famílias. O quinto e mais recenteassentamento da região é Zumbidos Palmares, com 151 famílias.

“O KM 41 não tinha pratica-mente nada. Minha irmã tinha umpequeno bar, muito humilde, quefoi comprado pelo meu pai e a gen-te se instalou ali em março de1986. A chegada dos sem-terradeu um impacto muito grande àregião, porque o governo injetou

dinheiro através de proje-tos para os assentamen-tos”, diz o comercianteAntônio Zampirolli, 38anos, natural de NovaVenécia. Hoje ele é dono deuma rede de supermerca-dos, com lojas no KM 41,no KM 35 da mesma ro-dovia e na sede de SãoMateus.

A expansão dos negóci-os da família Zampirolli co-meçou em 1989. O humil-de bar foi transformado emmercearia e restaurantepara atender também aostrabalhadores que atua-vam no asfaltamento darodovia. Mais tarde, a mer-cearia ganhou status de su-permercado, a primeiraloja da rede. “Hoje 60% daclientela dessa loja vêm dosassentamentos da região.Em época de colheita asvendas aumentam bastan-te”, conta.

Toda a região ganhouAntônio não foi o úni-

co da família que viu seusnegócios expandirem. Seuirmão, Moizés Zampirolli,35 anos, que era pedreiroem Nova Venécia, hoje édono de uma loja de ma-terial de construção. “O

crescimento da região em funçãodos assentamentos nos ajudoumuito. O comércio aqui era de pe-queno porte. Tudo que você pre-cisava comprar tinha que ir a SãoMateus ou a Nova Venécia. Hoje,você pode comprar no KM 41 ele-trodomésticos, material de cons-trução, material para irrigação,produtos de supermercados, te-mos tudo na região. Começamoscom um simples bar, com umaportinha”, lembra ele.

A oportunidade de novos ne-gócios também foi percebida pelafamília de Marcelo Negris, 37anos, que trabalha com materialde construção, materiais para ir-rigação, adubo e outros produtosagropecuários, além de ter um su-permercado. “A minha famíliamora aqui há mais de 30 anos.Nós éramos apenas produtoresrurais. A região era muito carentepara aquisição de alguns produtos.A gente viu essa necessidade e foiimplantando o comércio e adap-tando de acordo com as condiçõesda época. Isso teve muito a vercom a chegada dos assentamentos.Aqui era uma região de pequenosproprietários de terra e o consu-mo era muito baixo. Com a che-gada dos sem-terra, a figura regio-nal mudou totalmente. O comér-cio teve que se adequar à procurados produtos”, conta.

Os assentamentos da regiãodo KM 41 produzem

principalmente café e pimentado reino para comercialização.De acordo com uma pesquisafeita pela assessoria técnica daregião junto a 237 famílias quetêm produção consolidada, em2004 a produção de café foi de12.324 sacas, numa área de289 hectares de terra. Aprodutividade média foi de 42sacas de café por hectare. Essaprodução foi vendida por umpreço médio de R$ 110,00 asaca, o que perfaz um total deR$ 1,35 milhão de reais. Arenda bruta anual foi de R$5.620,00 por família, ou rendamédia de R$ 476,00 mensais.

Café e pimenta garantemrenda das famílias

Já a produção de pimentado reino seca no ano passadofoi de 146.940 quilos em 19hectares de terra, gerando umarenda mensal média de R$141,00 por mês para cada umadas 289 famílias queplantaram o produto.A perspectiva de produçãopara 2005 é de aumento de12% na produção de café e30% na de pimenta.

O plantio de outrosprodutos - como mandioca,milho e feijão - é, sobretudo,para o consumo das famílias,assim como a criação de aves epeixes em lagos construídospróximos às casas.

O peso do assentamentoSegundo o secretário de Agri-

cultura da Prefeitura de São Ma-teus, Welington Secundino, o dis-trito de Nestor Gomes é respon-sável hoje por 70% da produçãoagropecuária do município. Opeso dos assentamentos nessaprodução é estimado em 10%, oque é considerado um desempe-nho “muito bom” pelo secretário.“É o distrito mais forte no setorde agropecuária. A chegada dossem-terra gerou emprego e rendana região. Hoje você vê o desen-volvimento econômico e social”,avalia. O secretário acrescenta queos assentados conseguiram “se en-trosar bem com os moradores dolocal e hoje estão inseridos comopequenos agricultores”. Segundoele, antes dos assentamentos pre-valecia na região a pecuária de cor-te e leite, que tinha baixa produti-vidade, e extração de madeira.

Marcelo Negris, comerciante da região

Plantação de pimentado reinoApós 20 anos dessa primeira

ocupação organizada pelo Movi-mento, a vida naquela localidade,mais conhecida como KM 41, ébem diferente do que existia quan-do da chegada dos sem-terra.

A região abriga, hoje, cinco as-sentamentos: o Georgina, ondeforam cadastradas 80 famílias –mais cinco que ocupam uma áreadevoluta no interior do assenta-

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“Eu vim para cá aos nove anos,quando ainda era ocupação.

Hoje tenho 29, fiz pedagogia, comlicenciatura plena em Pedagogia daTerra – num convênio do Incracom o MST e Universidade Fede-ral do Espírito Santo – e agora es-tou tentando uma pós-graduaçãoem séries iniciais e educação infan-til”, conta a professora Rita de Cás-sia Santos de Souza, da Escola Es-tadual de Ensino Fundamental 27de Outubro, que funciona no in-terior do Assentamento Georgina.

Até a ocupação, o pai de Rita tra-balhava como bóia-fria, cortandoeucalipto, e a mãe numa empresade capina. “Para a minha famíliafoi um processo de reflexão e mu-dança muito grande. Vivemos ummovimento glorioso. Deixamos deser desempregados, de ser humi-lhados, porque meu pai já estavacom problemas de saúde e não eramais requisitado para o trabalho,sempre estava em segundo lugar.Ele estava meio desesperado. Vin-do para a ocupação, ele recuperou

a vontadede lutar,a auto-estima”.

Filhos de assentados têmformação superior ou técnica

De domésticaa agente de saúde

Anita de Souza Costa cuidava dasua casa até chegar à ocupação daFazenda Georgina, em 1985. Láentrou para a equipe da saúde, cui-dando da higiene das crianças,dando assistência às mulheres grá-vidas e encaminhando doentespara atendimento médico. Depoisde passar por treinamento e cur-sos na área de saúde, Anita hojetrabalha na Farmácia comunitáriaque atende à região.

“A nossa equipe é formada porseis pessoas. Os remédios são ho-meopáticos e fitoterápicos. Usamosa matriz fornecida pela Pastoral daSaúde, que também nos dá treina-mento. Também fazemos massa-gem e distribuímos preservativosfemininos e masculinos”, conta ela.

Aliando o trabalho comunitáriocom seus conhecimentos na áreade saúde, Anita fez concurso para

a rede municipal e hácinco anos se tornouagente de saúde comu-nitária. Nessa função,ela visita as famílias daregião, faz palestras e dáorientações sobre exa-

mes preventivos para homens emulheres.

São Mateus foi o berçodo MST no Espírito Santo

O distrito de Nestor Gomesabriga o Centro Integrado de

Desenvolvimento dos Assentadose Pequenos Agricultores (CIDAP)do Espírito Santo. Uma associaçãosem fins lucrativos que viabilizaprojetos para os assentamentos.

Entre os projetos a serem de-senvolvidos no CIDAP e que jáforam aprovados pelo GovernoFederal está o Centro Irradiadorde Manejo da Agrobiodiversida-de em Assentamentos de Refor-ma Agrária, com financiamentoda Fundação Nacional do MeioAmbiente e do Incra. A propostaé capacitar agricultores e técni-cos, implantar unidades de pro-dução sustentável, apoiar estra-

tégias de beneficiamento e co-mercialização, bem como estimu-lar as ações de correção do passi-vo ambiental na região. O proje-to vai beneficiar cerca de 340 fa-mílias do entorno do CIDAP ecomeçará a ser desenvolvido jáneste primeiro semestre.

Um outro projeto é o que criaum Centro de Pesquisa Agroeco-lógica, com financiamento doMinistério da Ciência e Tecnolo-gia. O projeto é da Confederaçãodas Cooperativas para ReformaAgrária no Brasil (Concrab) epretende estabelecer unidades depesquisa, uma delas no CIDAP,para dar respostas tecnológicas àsdemandas de cada região.

Associação viabiliza projetospara os assentamentos

A ocupação da FazendaGeorgina, em 27 de outu-bro de 1985, consolidou a

instalação do Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem-Terra noEspírito Santo. A decisão de trazero MST para o Estado foi tomada apartir da participação de liderançasdos sindicatos rurais, integrantes daComissão Pastoral da Terra e agen-tes de pastoral das ComunidadesEclesiais de Base (CEBs) no 1º En-contro Nacional do MST, em 1984,em Cascavel.

O primeiro passo foi a organiza-ção dos grupos em todo o Norte doEstado, em 1984. No ano seguinteaconteceu a primeira experiênciade ocupação.

“Nós estávamos em Rio Bananal,eu era meeiro, fazíamos algumasreuniões. Então a gente sabia daocupação, mas não tinha bem a cer-teza para onde iríamos, pois nomeio do pessoal tinha muita genteque vacilava. Eu tinha assistido al-gumas reuniões. Lá no semináriotinha o padre João que fazia reuni-ões. Eu não dava muito crédito. Umdia chegou um companheiro e fa-lou: ‘Nós vamos fazer uma ocupa-ção’. Eu disse: ‘Rapaz, o poder estánas mãos dos homens. Se nós en-trarmos lá, o que vamos resolver?’.Eu fiquei com aquilo na cuca. Aminha filha que também fazia reu-niões onde ela trabalhava comoprofessora começou a me incenti-var. Aí marcaram o dia”, conta oassentado Antenor Mendes de Oli-veira, hoje com 78 anos.

O despejo por ordem judicial veioem 4 de novembro de 1985. Ossem-terra ficaram acampados àsmargens da rodovia que liga SãoMateus aNova Venécia

por 49 dias. Depois foram desloca-dos para uma área do Governo doEstado, onde hoje existe o Assenta-mento Vale da Vitória. A posse for-mal da Fazenda Georgina aconteceusomente no dia 06 de maio de 1986.

A cruz no trecho conhecidocomo 27 de outubro, no interior daFazenda Georgina, é o marco des-sa primeira ocupação de terras doMST no Espírito Santo. “Antiga-mente, quando se fazia a ocupação,a Pastoral da Terra acompanhava,a Igreja estava muito presente. Nãose tinha o símbolo do MST, comotemos a bandeira hoje. Então a cruzera fincada, era o marco do assenta-mento”, conta a professora assenta-da Rita de Cássia Santos de Souza.

Lembrançasda luta no movimento

Assim como Seu Antenor, o ex-vaqueiro Sebastião Rosa da Silva,66 anos, de Santa Maria, que ficaentre Boa Esperança e São Mateus,começou a participar de um gru-po que tratava da reforma agráriae participou da primeira ocupaçãodo MST no Espírito Santo. “Pramim mudou tudo a partir da ocu-pação. Tinha oito filhos pequenos.Eu vim viúvo para cá, trabalhavae tinha que cuidar deles. Nuncaentreguei os pontos. Graças aDeus, me acho muito feliz porquese eu não tivesse vindo para a ocu-pação minha vida ia ser apertada.Hoje tenho filho encaminhado nomovimento. Tenho uma filha quefoi da liderança, estudou e é pro-fessora. Outra também é formadana área de saúde, estudou no RioGrande do Sul. Tenho um filhomais novo que também estudouno Rio Grande do Sul e trabalhano CIDAP. E por aí a gente vai le-vando a vida. Todos têm uma for-mação e ajudam no movimento.

“Minha vida é essa. É lutar paraver a melhora dos outros que es-tão pra trás. Quanta terra tem nasmãos de gente que não necessita deterra e quantas pessoas passamfome por falta de um pedaço de ter-ra para trabalhar”, reflete ele.

O desenvolvimento resultante dos assentamentos na regiãodo KM 41 não se restringe à economia. A organização dostrabalhadores no MovimentoSem-Terra tambémproporciona o desenvolvimentosocial, com destaque paraa formação educacional dosfilhos dos assentados.

Akeles Carolini, técnico agrícolae filho de assentado

AnitaCostatrabalhanafarmácia.

Presença da Igreja. Cruz marcalocal da primeira ocupação noEspírito Santo, em 27/10/85

Antenor Mendes de Oliveira, 78 anos

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a Cooperativa produz 360 millitros de leite por dia

POR CAIO TEIXEIRA

A Cooperativa de Comercia-lização do Extremo-oesteLtda. (Cooperoeste) tem

um patrimônio avaliado em R$ 25milhões. Os bons resultados eco-nômicos foram conquistados commuitas dificuldades. Eles não sãoconseqüência de nenhum planoeconômico mirabolante, nem degrandes investimentos estrangei-ros. Ao contrário, o empreendi-mento cresceu apesar das turbu-lências e instabilidades do merca-

do e da falta de apoio dos gover-nos. Celestino Persch, presidenteda cooperativa, lembra que, em1997, justamente quando tinham,a custo de muito trabalho, mon-tado uma estrutura para a produ-ção de leite, o governo cortou oscréditos. “Na época muitas famíli-as abandonaram seus lotes no as-sentamento por não conseguiremenxergar perspectivas e quem saiuse arrependeu”.

As dificuldades são desafiosNa região Sul do Brasil, a lei es-

tabelece em 12,5 hectares por fa-mília, o módulo parafins de reforma agrária.É pouco, principalmen-te se levarmos em contaque a maioria dos lotesfica em terreno aciden-tado, de difícil manejo.Em alguns lotes, só seaproveita a metade daterra com a produção. Orestante é íngreme de-mais para qualquer tipode cultivo ou criação. Omovimento dos traba-lhadores rurais luta,hoje, para aumentar otamanho do lote, redu-zindo o número das fa-mílias em cada assenta-mento para que caiba a

cada uma delas, uma porção deterra maior.

Outro complicador é o crédito.No início, os assentados tinham oProcera, um programa de créditosubsidiado para a reforma agráriae contavam com assistência técni-ca da Empresa de PesquisaAgropecuária e Extensão Rural deSanta Catarina (Epagri), mas ogoverno Fernando Henrique Car-doso cortou tudo em 1997.

No atual governo, o crédito estávoltando devagar, sem subsídios,com juros altos e valor limitado.Dificuldade, no entanto, é umapalavra que não se ouve nos as-sentamentos. Em seu lugar, osagricultores preferem usar a ex-pressão “desafio”.

A cultura de enfrentar desafiose superá-los, desde os tempos deacampados, contagiou a região e acooperativa que começou com osassentamentos, hoje congrega amaioria dos pequenos agricultoresda região que não tem origem nomovimento.

Lotes pequenos tiramos filhos do campo

Celestino admite que o objeti-vo inicial foi alcançado pelos queconquistaram seu pedaço de terrae estão produzindo. “É preciso am-pliar a Reforma Agrária pois os lo-

Há 20 anos era um sonho.Uma terra vazia, improdutiva,e muita vontade de lutar porela. Hoje, a Cooperoeste, comsede em São Miguel d’Oeste,próximo à fronteira de SantaCatarina com a Argentina,é um modelo de produção.Seu parque industrial temcapacidade de processar e embalar até 360.000 litrosde leite longa vida por dia.A cooperativa reúneagricultores de váriosmunicípios. A organizaçãoda produção é a partirdos assentamentosou comunidades.

tes são muito pequenos e a novageração não tem espaço para pro-duzir.”, diz. Assim, os filhos dos pi-oneiros acabam indo embora paraa cidade retomando o ciclo doêxodo rural. Para Celestino, a Re-forma Agrária é importante parafixar o homem no campo.

Há, hoje, cerca de 500 jovensna região. “Os pais ficam velhos eos filhos devem ocupar seu lugar.Não vamos abandonar o que foiconquistado com tanta luta e paraisto, é preciso garantir que os jáassentados tenham financiamen-to adequado para que os agricul-tores possam permanecer na ter-ra”, conclui.

“É preciso ampliara Reforma Agrária poisos lotes são muito pequenose a nova geração não temespaço para produzir.”

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Leite e derivados são atual-mente os principais produtosdas pequenas propriedades

em São Miguel e cidades vizinhas:lá são produzidos doce de leite empotes, mais de 40 mil quilos de cre-me de leite, mais de 10 mil litros debebida láctea em três sabores, 12mil quilos de manteiga, 7 mil peçasde queijo prato e mussarela.

A opção pelo produto foi frutode muitos estudos que acabarampor demonstrar a sua rentabilidade.

O presidente da Cooperoeste,Celestino Persch, revela que umaexperiência com plantação de pas-tagem para alimentação do gado,aumentou de 8 para 13 litros aprodução diária por vaca, em me-nos de um ano. Eliseu Arpini, umdos que adotou o plantio de aveiapara pasto, comemora, além de teraumentado a lucratividade do seutrabalho na terra, colheu, na últi-ma safra, quatro toneladas de se-mentes livres de substâncias noci-vas à saúde e que não criam de-pendência econômica com as mul-tinacionais dos trangênicos.

A defesa da saúde e do meioambiente é um princípio do as-sentamento 25 de Maio e da Co-operoeste. Além do rigor no con-trole de qualidade feito em con-junto com o Ministério da Agri-cultura, há uma preocupação como meio ambiente. Todos os deje-tos industriais são tratados antesde serem devolvidos à natureza demodo a não poluir o ambiente. Oprocesso de purificação da águausada na produção é ecológicocom utilização de bactérias queconsomem a gordura. Um siste-ma de tanques de decantaçãocompleta o tratamento.

Solidariedadegarantiu a produçãoA Cooperoeste presta serviços de

processamento e embalagem deleite longa vida para outras coo-perativas da região. Quando defi-niram que o leite era o grande ne-gócio para a região e resolveraminvestir nesse produto, os fabrican-tes das máquinas de embalar senegaram a fazer negócio com oMST alegando falta de garantias.As máquinas são alugadas.

A cooperativa uruguaia Cona-prole, uma das grandes do laticí-

A Reforma Agrária mudoua produção em São Miguel

nio no Mercosul, firmou convêniocom a Cooperoeste para embalarparte de sua produção de leite lon-ga vida. Com o contrato garanti-do, foi possível fechar o negóciodas máquinas de embalar. Todas asdemais máquinas da parte de pro-cessamento de pasteurização e es-terilização do leite são proprieda-de da cooperativa.

O melhor de tudo, conta AdelarBavaresco, coordenador financei-ro da Cooperoeste, é que hojeapenas cerca de 3% do movimen-

to financeiro da cooperativa de-pendem de financiamento bancá-rio. “O negócio funciona com re-cursos próprios sem precisar pa-gar juros a bancos.” Adelar diz,sorrindo, que a situação se inver-teu. Quando eles precisavam, ne-nhum banco queria emprestardinheiro para os investimentos.“atualmente, todo o dia os bancosbatem na porta oferecendo finan-ciamentos. Felizmente, agora so-mos nós que não precisamos mais”.

Ela fica no interiorde São Miguel d’Oeste,tem 190 agricultoresassociados e abastece osmunicípios de São Migueld’Oeste, Pinhalzinho,Maravilha e Chapecó.

A Associação 25 de Maio, for-mada por três assentamentos

e uma comunidade que já existiano local, conta com uma pequenaindústria, com máquinas para es-terilização, pasteurização e emba-lagem de leite tipo C. Começouproduzindo 9.000 litros por mês e,hoje produz 250.000 litros/mês.Quando os associados tomaram adecisão de investir na industriali-

Associação deprodutores abastecequatro municípios

“A produção coletiva dos Persch é uma semente bem plantada”

zação, tinham um único medo: aaceitação do produto, por contado preconceito com os Sem Ter-ra, em geral associados pela im-prensa à imagem de desordeirose bandidos. Hoje, 100% da pro-dução é vendida. Terra Viva, amarca de todos os produtos daAssociação, é apreciado porqueseus produtos não contêmagrotóxicos ou insumos artifici-ais e custa o mesmo que os ou-tros.

Ocupação coletivaainda é uma semente

No assentamento 25 de maio,a maioria das famílias ocupa aterra de maneira individual. Cadafamília tem o seu lote e o explora

como entende melhor.Uns poucos, como as famílias

dos cinco irmãos Persch, resolve-ram ocupar a terra de forma co-letiva. Seno, Roberto, Vicente,Alfonso e Celestino, juntaram oslotes e o exploram como se fosseuma propriedade única, dividin-do tudo, como uma pequena co-

operativa. O modelo deu certo eos negócios prosperam. Hoje elesconseguem industrializar suaprodução de pepinos em conser-va, bem como a de outros agri-cultores da região. Os 200.000vidros de conserva produzidospor safra/ano quase não atendea demanda da região sul do país.

O plantio de pastagem para o gado de leite gera aumento de até 80%na produção diária.No momento, há 15 assentamentos no estado de SantaCatarina, treze do MST e dois do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens.São, no total, 540 famílias assentadas

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POR HELOISA DE SOUSA

Além de mandioca, inhame,melancia, mamão, coco ver-de, banana, outras experi-

ências estão ganhando espaço noassentamento Teixeirinha, localiza-do em Pitimbú, a 30 quilômetrosde João Pessoa, capital da Paraíba.

O assentado Luiz Braz da Silvacriou um viveiro de camarão emseu lote e pretende fazer um bom

Assentado apostaem viveirosde camarão

Monocultura da cana e especulação imobiliária nãoimpediram desenvolvimento de projeto de Reforma Agrária

Os assentados da área litorânea doestado da Paraíba geralmentepassaram por um processo doloroso

antes de terem o direito à terra, emboraa região seja extremamente rica.

Em virtude das grandes plantações de cana-de-açúcare da valorização de terras para o turismo, a história desses

assentamentos é marcada por muita violência.

Para quem passou fome, serassentado é ter dignidade

José Pereira da Silva, o Zé Perei-ra, vive há dez anos no assenta-

mento Teixeirinha. “Para quempassou fome como eu, ser assen-tado hoje é ter dignidade”, afirma.

Filho de agricultor, Zé Pereiratrabalhou no corte da cana desdeos nove anos de idade. Diz quecolher a mandioca, o inhame, omamão e uma diversidade de fru-tas que ele mesmo plantou causaalívio e satisfação.

negócio na semana-santa, quandoaumenta o consumo de pescado efrutos do mar.

A história de vida de Luiz Brazse confunde com a história do pró-prio assentamento. Lutou pela ter-ra, passou por prisões e torturas. Ehoje, o açúde em que se escondeudurante tantas vezes da políciadurante a luta pela terra, dá lugara oito viveiros de camarão que elemesmo construiu. “Não tenho do

que reclamar, aqui meu maior pra-zer é trabalhar a terra”, diz o agri-cultor com muita tranqüilidade.

Luiz Braz nos mostra com orgu-lho os camarões graúdos que ha-bitam os viveiros, construídos portécnica artesanal. Ele espera ven-der cada quilo de camarão pordoze reais. Tem vontade de ampli-ar sua criação para peixe. “Cama-rão é um bom negócio porque éum artigo caro e dá pra ganhar um

dinheirinho. Veja, se eu tirar da-qui 1.000 quilos de camarão, jáganho 12.000 reais e já invisto emoutras culturas.”

Nos assentamentos de reformaagrária da Paraíba, além de histó-rias de lutas, encontramos fortesrelações de solidariedade entre osassentados e preocupação com no-vas formas de lidar com a terra, derespeito ao meio ambiente e aosconsumidores.

1º de Marçocomemora 12 anosO Assentamento 1° de Março

está em festa. Em 2005 com-pletam 12 anos que o acampa-mento foi instalado. Ali, hoje, 32famílias sobrevivem de sua própriaprodução.

O 1º de Março fica a poucosmetros do mar e tem uma produ-ção muito grande de manga e cocoverde, mamão, banana, além demandioca e inhame. O assentadoManoel Inácio da Silva, emboracontente com a vida que leva, achaque ainda há muito o que melho-rar. “É bem verdade que ainda pre-cisamos melhorar em muita coisa,mas aqui temos água, casa, ener-gia e terra para plantar, além desta

beleza verde que você vê”.A festa de aniversário foi pen-

sada nos mínimos detalhes. Paracomeçar, um torneio de futebolenvolvendo oito assentamentos daregião, quebra-panela, corrida desaco e uma missa para celebrar asvitórias e conquistas.

Para o presidente da Associaçãodo assentamento, eles têm muito oque comemorar. “Só o fato de ter-mos um pedaço de terra pra plan-tar já nos dá motivos suficientespara comemorarmos”, revela EliseuAntônio dos Santos, que chegou noassentamento só com a roupa docorpo e a esperança de transformara realidade em que vivia.

Uma casa e um lotefazem diferença

“Construímos toda uma vidaaqui dentro, muitos de nós casouaqui e formou uma família. Aquinão pagamos aluguel e temos oque oferecer aos nossos filhos. Pre-cisamos ainda melhorar, mas jácrescemos muito”.

Faltam incentivos para a refor-ma agrária. Porém, o fato de con-seguir uma casa e um lote paraproduzir já faz uma diferençaenorme na vida dessas pessoas.Quando elas alcançam sucesso naprodução, as suas vidas mudamcompletamente.

Feira livraassentados dosatravessadoresJuntamente com outros assenta-

mentos da região, os agricul-tores do Teixeirinha e do 1º deMarço, realizam uma feira todosos finais de semana, na cidadede Pitimbú.

Antônio José da Silva,diz que o maior proble-ma é a falta de transpor-te. “Quem tem um car-rinho vem. Quem nãotem fica difícil, porque secom o lucro que a gentetem, ainda for tirar di-nheiro para aluguel decarro não vale a pena”. Iracy Silvaexplica que a Prefeitura se compro-meteu em disponibilizar o trans-porte, mas até agora nada fez.

Antes, a produção era vendidapara os atravessadores que ficavamcom cerca de 40% do lucro. “Oatravessador vinha aqui pegavanossa produção, o maracujá, por

exemplo, comprava aR$ 4,00 um cento e re-passava nas ferais públi-cas e no Ceasa por R$8,00”, conta João Iná-cio da Silva.

A feira gera uma ren-da extra para os agricul-tores que conseguemter um lucro mensal de

250 reais em média. “Além do pre-ço baixo, as pessoas da cidade po-dem consumir um produto orgâ-nico e de boa qualidade”, afirmaEliseu Antônio dos Santos, assen-tado há 10 anos no 1° de Março.

Para Elisabeth dos Santos, fre-guesa, a feira é uma boa opção: “Asfrutas são fresquinhas e baratas”.

Segundo o técnico agrícolaLourival Freire, a feira proporcio-nou melhor qualidade de vida noassentamento, porque trouxe,além de uma renda extra, a ale-gria de sobreviver da própria pro-dução.

“A vida é difícil, mas a ReformaAgrária e a luta pela terra é o quenos faz viver e nos deixa alegres”,encerra Seu Luiz Braz.

Segundo osassentados,

a presença deturistas no verãotambém aumenta

as vendas.

Braz cria camarão para vender na cidade

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Sucos e polpas de frutas

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POR MANUEL AMARAL

O Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra(MST) ainda não havia

sido criado quando Dona AntoniaBelarmina Santos, veio de ÁguasBelas, Pernambuco, para São Pau-lo em 1983. Mas foi no movimen-to que ela encontrou a paz de es-pírito e a alegria de trabalhar a ter-ra novamente. Com cinco filhos esem marido, enfrentou dois traba-lhos para pagar aluguel e susten-tar a família. Quando não pôdemais pagar o aluguel foi morar emum barraco numa favela de Perus.Neste barraco ficou por quatroanos. O maior medo dela era deos “filhos se envolver com o quenão presta”. Por isso, diz ela, “eraeles completar 13 anos e eu botan-do todo mundo pra trabalhar. Elestudinho têm carteira registradadesde os 13 anos”.

Servir como exemplo e mostrara importância do trabalho foi omelhor que Dona Antonia fez paraseus filhos. “A maior educação queeu dei pros meus filhos foi essa, tra-balhar e dar valor à vida”.

Foi com esse espírito que ela che-gou ao assentamento do MST naaltura do Km 27 da Via Anhangue-ra, em Cajamar, Grande São Pau-lo, em meados de 2002. Eram asprimeiras semanas do acampamen-to. Convidada por uma amiga, foipor curiosidade. Diz quesempre via na televisãoe achava um horror,muita baderna. Foi con-ferir.

Mas o que encontroufoi algo muito diferen-te do que a televisãomostra. Encontrou or-ganização, companheirismo, ami-zade, respeito e muita solidarieda-de. Agora Dona Antonia se per-gunta “como é que jornalista con-segue capturar tanta coisa ruim,tanta imagem ruim pra mostrar”.Sem trabalho, sem renda e depen-dendo dos filhos para sobreviver,largou a casa e tudo mais e foimorar no acampamento.

Construir e plantarTrês dias depois de receber o

convite para ficar no acampamen-to Dona Antonia foi construir seubarraco. Ficou surpresa com a so-lidariedade de todos. “A turma aju-

A história deuma mulher brasileira

No assentamento Irmã Alberta, Dona Antonia conquistou terra e dignidade

dou. Aqui é um companheirismoe tanto. Quando chega uma pes-soa todo mundo ajuda. Ninguémdeixa ninguém sofrer sozinho,todo mundo colabora”.

Por isso Dona Antonia não per-deu tempo. Assim que chegou jálevantou as mangas e começou atrabalhar. Já foi capinando a roçae plantando. “Se era pra trabalhareu mandei brasa. Arrumei umarama de mandioca, plantei; arru-mei uma rama de batata, plantei.Já plantei um canteirinho de ver-dura, plantei andu...” A disposiçãodela surpreendeu muitas pessoas.Gente que não acreditava que po-deriam conquistar a terra. Mas elanão desistiu e incentivava todos aplantar. Muita gente falava quenão iria plantar pois sairia logodaquelas terras. “Eu falava, gente,se a gente sair, fica aí. A gente va-mos (sic)mostrar quem somos. Va-mos mostrar nossa imagem, né. Eassim eu continuei”.

Semente para todosNão foi apenas incen-

tivo que Dona Antoniatrouxe na bagagem.Trouxe também conhe-cimento prático. Criadana roça, desde pequenaaprendeu a armazenargrãos e protegê-los daspragas e dos ratos. E já foi ensinan-do a todos como fazer. No iníciomuita gente perdeu o que plantou

porque não sabia comoarmazenar. Estragoumuita semente. Foi comseus ensinamentos queas pessoas foram apren-dendo como guardar assementes para o próxi-mo plantio ou mesmo

para não passar necessidades.Como não podiam construir umarmazém adequado, com recipien-tes próprios para esse fim, tiveramque recorrer à criatividade. A so-lução veio na forma de garrafasdescartáveis de refrigerantes. Elasconservam bem as sementes por-que são vedadas. Não entra ar.Pode armazenar por dois ou trêsanos, ensina. “Já tenho sementecom dois anos”. Para saber se asemente ainda está boa, DonaAntonia pega alguns grãos e plan-ta para ver se brota.

Orgulhosa do seu trabalho, dizque tem cerca de 200 quilos de se-

mentes armazenadas. Tem váriostipos de milho, oito a dez tipos defeijão, tem semente de andu, degirassol, de soja, de amendoim,quiabo, abóbora, e várias hortali-ças. Dona Antonia não regateiacom ninguém. Diz que se a pessoanão tem a semente para plantar eladá. Foi assim que fez na primeirasemeadura.

No início muitas pessoas queri-am plantar mas não tinham se-mente. E não tinham confiança de

comprar nos mercadospróximos ao acampa-mento. O medo era deusar produtos transgê-nicos. “Hoje a gentecompra mas não sabe oque tá comprando. Távendo uma coisa e nãoé aquilo que você tá en-

xergando”. Então dona Antoniamandou buscar fora. Pediu parauma irmã que mora emAlagoas comprar dospequenos produtores assementes necessáriaspara a semeadura. Che-garam 150 quilos queforam distribuídos paratodos conforme cadaum tinha condições de plantar.Dois quilos para um, três para ou-tro, um para outro. Conta com ale-gria por ter ajudado aquelas pes-soas que a acolheram com simpa-tia e amizade.

Direito de estudar aos 50“Me criei só na roça. Meu pai

não aceitava outra coisa senão tra-balhar na roça com ele”. Sendomulher e tendo que trabalhar des-de os cinco anos Dona Antonianunca foi à escola. O que apren-deu foi plantar, colher e armaze-nar a colheita. Aprendeu o essen-cial para continuar reproduzindoa vida que seus pais tiveram. Por

isso quando teve a oportunidadede aprender a ler e escrever nãoperdeu tempo.

Diz que nunca havia pensadoque depois dos 50 anos pudesse tera chance de estudar. E no acam-pamento essa chance apareceu.Dona Antonia estudou por seismeses em 2004 e sempre fala oquanto “estudar é importante. Jávivi 50 anos e quero viver mais ou-tros 50 pra aprender...Já aprendimuita coisa aqui dentro. Mesmona prática, muitos companheirosque não sabiam nem pegar numaenxada, eu acabo ensinando a elese acabo aprendendo mais do queeu já sabia”. Para essa mulher de56 anos estudar também se faz nodia a dia. O aprender e fazer, fazere aprender são as duas faces damesma moeda.

Fim das dores de cabeçaRealmente a vida de

Dona Antonia mudoumuito desde que entroupara o Movimento dosSem Terra. Ela costu-mava ter dores de cabe-ça, ficar estressada, per-dia o sono etc... Issotudo mudou depois que

veio morar no assentamento IrmãAlberta. Não tem mais as dores decabeça e não fica mais estressadae dorme tranqüila. Tem tudo oque precisa e ainda estuda. Dizcom a ingenuidade de quem jápassou dos cinqüenta e conhecea vida que “a gente tem cabeçanão é para doer, é pra outras coi-sas, é pra pensar”. E confirma suaconfiança no assentamento e naluta pela terra. Afirma que nãopensa nada negativo, só pensa-mentos positivos e diz ainda que“se você espera um paraíso na ter-ra, era esse o paraíso que eu es-perava”.

D. Antôniatem cerca

de 200 quilosde sementes

armazenadas.

“A maioreducação que

eu dei pros meusfilhos foi essa,trabalhar e darvalor à vida”.

“A gentetem cabeça não épara doer, é praoutras coisas,é pra pensar”.

Dona Antônia conta orgulhosa que desde que veio parao assentamento sua vida mudou. Aos 50 anos voltoua estudar. Hoje tem 200 quilos de sementes armazenadas,não sente mais as dores de cabeça que a maltratavamquando morava na favela de Perus e dorme tranqüila.Do que mais precisam os seres humanos? Dona Antônianão precisa de mais nada: “se você espera um paraísona terra, era esse o paraíso que eu esperava”, diz.

DOUGLAS MANSUR

Dona Antonia e sua estante de sementes

Page 12: ANO I | N° 2 | MARÇO DE 2005nucleopiratininga.org.br/wp-content/...mar2005.pdf · mar que a reforma agrária possi-bilita crescimento econômico para o município. Ela pode ser

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POR LIANA MELO

REPÓRTER DA TERRA – No Brasil,apenas 1% do total depropriedades rurais abrange 45%da área agrícola. A Reforma Agráriaseria uma forma de dividir essebolo de uma forma maisigualitária?Rolf Hackbart - É um dos instru-mentos fundamentais para viabilizaro desenvolvimento econômico do País,não só social. É uma forma de dividir,de desconcentrar a riqueza, a renda eo poder no País. Sem estadesconcentração não ha-verá desenvolvimento eco-nômico com justiça social.Não basta ter crescimentoeconômico. É preciso queele venha acompanhadode redistribuição da renda.No caso da propriedade edo uso dos imóveis ruraisno Brasil, os indicadoressão altíssimos e nosso go-verno está trabalhando intensamentepara reduzir a concentração da propri-edade do uso da terra no Brasil.

RT - Na história da República, aReforma Agrária sempre foi umtema polêmico. O sr. acredita que ogoverno Lula terá condições e forçapolítica para enfrentar esse desafio?Rolf - O governo Lula tem condiçõespolíticas para fazer a Reforma Agrária.Nunca se viveu uma conjuntura tão fa-vorável. É um programa de governo eexiste uma decisão política deimplementá-la. A sociedade brasileirana sua grande maioria é favorável àReforma Agrária. Temos movimentossociais organizados no País inteiro. To-dos com uma história de luta pela Re-forma Agrária. Precisamos resolver al-guns problemas para agilizar essa re-forma. Como, por exemplo, o fortale-cimento do Incra. Nós, inclusive,estamos contratando mais funcionári-os e comprando equipamentos. Só queo Judiciário precisa ser célere e mais rá-pido nas suas decisões. Em vários esta-dos do País, como São Paulo, Goiás e

Mato Grosso, o poder Judiciário e mes-mo alguns juízes não estão decidindoos processos que estamos encaminhan-do para a Reforma Agrária.

RT - Segundo informações dopróprio Incra, o governo Lulaassentou 81.254 famílias no ano de2004 contra 36.301, no anoanterior. A meta de 145 mil famíliasainda não foi cumprida. O sr.acredita que essas metas sãorealistas?Rolf - O 2º Plano Nacional da Refor-ma Agrária estabelece a meta de 400mil famílias nos quatro primeiros anos

do governo Lula. Nós es-tamos cumprindo essameta. Em vários estados,inclusive, a meta já foisuperada. Estou conven-cido de que o trem da Re-forma Agrária está an-dando. E a locomotiva éa obtenção de terras. De-pois é que vem a assistên-cia técnica, a saúde, a ali-

mentação, a qualidade dos assenta-mentos. Estamos trabalhando commeta factíveis e nós estamos traba-lhando para cumprí-las.

RT - Na sua opinião, o volume deassentamentos feitos até agora étímido ou ousado?Rolf - O volume dos assentamentosfeito até agora é o que a capacidadeoperacional do Incra permite. Nós nãosó estamos preocupados com o volu-me de assentamentos, mas tambémcom a qualidade desses assentamen-tos. Nós estamos trabalhando comuma Reforma Agrária planejada a par-tir de territórios, integrando os assen-tamentos à economia regional. Nãoestamos fazendo como em governoanteriores que jogaram as famílias.Essas famílias precisam ter casa, ter-ra, assistência técnica, crédito, educa-ção, saúde e a possibilidade de escoarsua produção.

RT - Como está a situaçãodos assentamentos com relação à infra-estrutura básica comoenergia, saneamento básico,educação e saúde?

Rolf - Hoje, o Incra trabalha com6.542 assentamentos, segundo umapesquisa recente feita pelo ProgramaNacional de Educação na ReformaAgrária, em todos os estados do País.Isso representa em torno de 400 milfamílias. No geral, os assentamentosno Brasil, dado a forma como foramfeitos, estão em péssimas condições deinfra-estrutura básica. Falta energiaelétrica, saneamento básico, educaçãoe saúde. Nossa prioridade está sendoassistência técnica. Em vários estados,estamos cobrindo 100% dos assenta-mentos. A energia elétrica está sendosuprida através do programa Luz paraTodos. Na educação, esta-mos trabalhando commais de cem mil alunoseste ano, através do Pro-grama Nacional de Educa-ção na Reforma Agrária, oPronera. E ainda estamosagilizando o atendimentoà saúde. Essas são as nos-sas prioridades para recu-perar os assentamentos eviabilizá-los dos pontos devista econômico e social.

RT - Os movimentos sociais docampo são aliados ou adversáriosnessa luta pela democratização douso da terra?Rolf - Os movimentos sociais são ali-ados na luta pela democratização douso da terra, na luta pela ReformaAgrária e na implementação do 2º Pla-no Nacional de Reforma Agrária.Acho muito bom que existam muitosmovimentos sociais no Brasil. Assim,nós temos com quem dialogar, comquem negociar e fazer parcerias paraimplementar as políticas públicas des-ta reforma.

RT - Nos meses que antecederam oassassinado da missionáriaamericana Dorothy Stang, ogoverno tinha cedido às pressõesdos madeireiros do Pará ao liberarà extração de madeira naquelaregião. Não estaríamos correndo orisco de ceder também às pressõesdos latifundiários e retardar aindamais a Reforma Agrária?

Rolf - O que o Ministério do MeioAmbiente fez foi liberar a extração demadeira em planos de manejo já li-berados pelo Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos Natu-rais Renováveis, o Ibama, no gover-no do Pará. São ao todo 17 planos quejá tinham sido aprovados. O governonão cedeu à pressão nenhuma e nósnão estamos correndo o risco de ce-der às pressões de latifundiários e re-tardar ainda mais a Reforma Agrária.Ao contrário. O aumento recente daviolência no estado do Pará é o resul-tado da ação da União naquele esta-do. Criamos reservas extrativistas,

implementamos projetosque viabilizam o desenvol-vimento sustentável. Re-centemente, conseguimosretomar áreas da União noPDS Esperança para o as-sentamento das famíliasjustamente na região ondea irmã foi assassinada. En-tão é uma ação do Estadoque vai continuar.

RT - Qual o impacto que oassassinato da missionáriaamericana tem para o Brasil a nívelinternacional?Rolf - Vamos dar continuidade aotrabalho que o Incra já vinha fa-zendo na região para implementar aReforma Agrária. Retomar as terrasda União e fazer o ordenamento fun-diário naquele Estado. A carta da irmãagradecendo ao trabalho do Incra re-vela o início da presença do Estadonaquela região. A importante luta dairmã revela a necessida de viabilizarum novo modelo econômico susten-tável na região. Ela esteve várias ve-zes aqui em Brasília. Sua contribui-ção foi importante e fundamental,assim como a de dezenas de lideran-ças rurais.Não posso deixar de citar, por exem-plo, o caso do Dema. Ele foi uma li-derança importantíssima no Norte doPaís, assim como o atual presidente oSindicato dos Trabalhadores Ruraisnaquela região. Vamos garantir o or-denamento fundiário no Pará, assimcomo o respeito à lei.

ENTREVISTA COM ROLF HACKBART

O País está vivendo um momento propício para fazer a

reforma agrária. A opinião é do presidente do Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf

Hackbart. Considerado pelos movimentos sociais rurais um

aliado histórico na luta pela democratização do uso da

terra, ele está convencido de que o governo Lula tem todas

as condições de pagar, enfim, a dívida social com o homem

do campo. Só que o Judiciário precisa ser mais rápido nas

suas decisões. Em alguns estados, segundo ele, juízes andam

engavetando processos, no lugar de apreciá-los.

Crescimentoeconômico.

É preciso queele venha

acompanhado de redistribuição

de renda

Essas famíliasprecisam ter casa,terra, assistênciatécnica, crédito,educação, saúdee a possibilidade

de escoarsua produção.

“ReformaAgrária:o trem estáandando”

Rolf Hackbart, presidente do Incra