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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” APELAÇÃO CIVIL NO DIREITO COMPARADO AUTOR EDSON RODRIGUES BAPTISTA ORIENTADOR Prof. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2010

APELAÇÃO CIVIL NO DIREITO COMPARADO - AVM - Pós ... · processual civil brasileira, e, se o efeito devolutivo do recurso de apelação foi genericamente consagrado pelas legislações,

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

APELAÇÃO CIVIL NO DIREITO COMPARADO

AUTOR

EDSON RODRIGUES BAPTISTA

ORIENTADOR

Prof. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

APELAÇÃO CIVIL NO DIREITO COMPARADO

Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes - Instituto a Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil.

Por: Edson Rodrigues Baptista

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RESUMO

O estudo apresentado nesta monografia refere-se ao instituto da apelação civil no direito comparado e seus reflexos no direito brasileiro. O objetivo do estudo é demonstrar os principais aspectos deste recurso cível, cingindo-se sobre seus principais pontos, tais como prazo de interposição, legitimidade recursal, procedimento, requisitos de admissibilidade e efeitos decorrentes de sua interposição, enfocando, em especial, a presença desses aspectos no direito comparado, buscando investigar as semelhanças existentes entre a sistemática processual adotado no ordenamento pátrio com as legislações de outros países, se existe algum país que se distancia do modelo de apelação adotado pela lei processual civil brasileira, e, se o efeito devolutivo do recurso de apelação foi genericamente consagrado pelas legislações, entre os quais o Brasil.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada nesta monografia foi a pesquisa bibliográfica.

Utilizou-se como fonte de consulta de consulta livros, monografias, artigos e

publicações eletrônicas que abordam o tema em análise.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................ 06

CAPÍTULO I

DOS RECURSOS: NOÇÕES PRELIMINARES.............................................. 08

1.1 CONCEITO............................................................................................... 08

1.2 NATUREZA JURÍDICA.......................................................................... 09

1.3 EFEITOS DECORRENTES DOS RECURSOS......................................... 12

1.4 ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS..................................................... 14

CAPÍTULO II

DO RECURSO DE APELAÇÃO.................................................................... 18

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS........................................................................ 18

2.2 CONCEITO................................................................................................ 19

2.3 PRAZO, LEGITIMIDADE, ADMISSIBILIDADE E PROCEDIMENTO....... 21

2.4 EFEITOS DA APELAÇÃO........................................................................ 24

CAPÍTULO III

APELAÇÃO NO DIREITO COMPARADO...................................................... 27

3.1 DIREITO ITALIANO.................................................................................. 27

3.2 DIREITO ESPANHOL............................................................................... 28

3.3 DIREITO BELGA....................................................................................... 29

3.4 DIREITO ARGENTINO.............................................................................. 30

3.5 DIREITO PORTUGUÊS............................................................................ 30

3.6 DIREITO AUSTRÍACO.............................................................................. 32

3.7 DIREITO ALEMÃO.................................................................................... 33

CONCLUSÃO........................................................................................................ 35

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 37

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INTRODUÇÃO

O processo, instrumento do exercício da ação, é o meio de atuação da

jurisdição, que objetiva a formulação e a aplicação prática da norma jurídica ao caso

concreto. Neste sentido, o ordenamento jurídico e os jurisdicionados necessitam do

processo como meio de formulação de um provimento para a solução dos conflitos

intersubjetivos, sendo que pela autonomia do direito da ação, o processo se constitui

em uma relação jurídica diversa da relação de direito material discutida.

Entretanto, decisões injustas ou errôneas, referentes à apreciação da

questão do mérito ou relativas às questões eminentemente processuais, poderão

advir no decorrer do processo. Os fundamentos dos recursos repousam justamente

nestes motivos. Neste enfoque o recurso, além de ser um ônus processual, é

necessidade para que haja um controle e aperfeiçoamento do provimento

jurisdicional. Em confronto, argumenta-se que a existência de decisões conflitantes

geraria insegurança jurídica e procrastinações inúteis ao processo.

Assim sendo, o presente estudo busca apresentar uma análise dos

principais aspectos relativos ao recurso de apelação no âmbito do direito comparado

e seus reflexos no direito brasileiro, instituto este capaz de impugnar eventuais erros

ou injustiças derivadas das decisões judiciais, sendo, portanto, indispensáveis para

proporcionar um processo justo.

O objetivo é demonstrar os principais aspectos da apelação civil no direito

comparado e seus reflexos no sistema processual civil pátrio, buscando investigar se

existentes semelhanças entre a sistemática processual adotado no ordenamento

pátrio com as legislações de outros países, se existe algum país que se distancia do

modelo de apelação adotado pela lei processual civil brasileira, e, se o efeito

devolutivo do recurso de apelação foi genericamente consagrado pelas legislações,

entre os quais o Brasil.

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Assim sendo, inicialmente será objeto de estudo a teoria dos recursos

civis no sistema processual brasileiro, analisando-se os principais tópicos relativos

aos seus princípios informativos, sua natureza jurídica, classificações, requisitos e os

efeitos de sua existência e julgamento, aplicáveis em tese a todas as espécies de

recursos. Em seguida será analisado as principais características do recurso de

apelação no direito brasileiro, apontando-se prazo de interposição, legitimidade,

procedimento, requisitos de admissibilidade e seus efeitos. E, por fim, serão

abordadas as mudanças características do instituto da apelação no direito

comparado.

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CAPÍTULO I

DOS RECURSOS: NOÇÕES PRELIMINARES

1.1 CONCEITO

A palavra recurso é proveniente do latim (recursos, us), e nos dá a idéia

de repetição de um caminho já utilizado. Em sentido estrito significa a faculdade de

provocar o reexame de uma decisão judicial. Esse reexame, de regra, é procedido

por um grau jurisdicional superior àquele que prolatou o decisório impugnado. Nossa

doutrina, contudo, atribui múltiplos conceitos ao recurso. Ovídio Baptista conceitua

recurso como

o procedimento através do qual à parte, ou quem esteja legitimado a intervir na causa, provoca o reexame das decisões judiciais, a fim de que elas sejam invalidadas ou reformadas pelo próprio magistrado que as proferiu ou por algum órgão de jurisdição superior.1

Para Affonso Fraga, o recurso é o ato judicial pelo qual as partes, ou

quem se julgar prejudicado pela sentença, pedem sua reforma, no todo ou em parte,

na mesma instância ou na instância superior. 2

Pedro Batista Martins definiu o recurso como sendo o poder que se

reconhece à parte vencida, em qualquer incidente ou no mérito da demanda, de

provocar o reexame da questão decidida, pela mesma autoridade judiciária ou por

outra de hierarquia superior. 3

1 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. v. 1. 5. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 409. 2 FRAGA, Affonso. Instituições do processo civil do Brasil. v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1941. p. 7-8. 3 BATISTA MARTINS, Pedro. Recursos e processos da competência originária dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p. 144.

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Conforme José Carlos Barbosa Moreira, recurso é o remédio voluntário,

idôneo a ensejar no mesmo processo a reforma, a invalidação, o esclarecimento, ou

a integração de decisão judicial que se impugna. 4

Já Sérgio Bermudes define o recurso como o direito de provocar, no

mesmo processo, o reexame de uma decisão judicial, pelo órgão que a proferiu, ou

por outro hierarquicamente superior, visando obter sua reforma, total ou parcial, e

impedir a formação da coisa julgada. 5

Tomando por base os conceitos acima mencionados, concluímos que

recurso é o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade

judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter a sua reforma ou

modificação: é meio idôneo a ensejar o reexame da decisão dentro do mesmo

processo em que foi proferida, antes da formação da coisa julgada.

2.2 NATUREZA JURÍDICA

A doutrina não é unânime quanto a natureza jurídica dos recursos.

Destacam-se como principais duas diametralmente opostas entre si, quais sejam: a

de o recurso ser uma ação autônoma do processo que deu origem à decisão

impugnada, ou se caracterizar como continuação do exercício do direito de ação, em

fase posterior do mesmo processo.

A primeira corrente entende que a ação tem sua gênese antes de iniciado

o processo, pois é este justamente o exercício prático do direito de ação, ao passo

que o recurso se origina de fator endoprocessual, vale dizer, da própria decisão

judicial impugnada. O doutrinador alemão Gilles critica a idéia de o recurso ser uma

seqüência do procedimento, pois, segundo o autor, o recurso:

4 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao CPC. v. 5. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 265-266. 5 BERMUDES, Sérgio. Comentários ao CPC. v. 7. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 25.

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Tem o seu próprio objetivo, diferente da finalidade da ação principal. O objeto litigioso (Streitgegenstand) na ação principal não coincide com o objeto litigioso do recurso (Streitgegenstand des Rechtsmittels). Enquanto naquela, o que se busca é um provimento de mérito em virtude lesão ou ameaça de lesão a direito que o autor julga possuir e do qual se crê titular, no recurso o objetivo do recorrente é, num aspecto imediato, desconstituir a decisão impugnada por errônea ou injusta e, mediatamente, a reapreciação da res in iudicium deducta.6

Entretanto, a doutrina dominante, e nos parece mais sensata esta

posição, defende a idéia de que o recurso é continuação do procedimento

processual, sendo uma modalidade do direito de ação exercida no 2º grau de

jurisdição. Ugo Rocco doutrina que:

o direito de impugnar está compreendido no direito de ação. Nega, no entanto, autonomia a esta ação de impugnação, salientando que ela pressupõe sempre o exercício de outras faculdades que as normas processuais consideram cronologicamente precedentes ao recurso.7

A própria Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-Lei nº 4.657/1942,

estabelece em seu artigo 6º, §3º, a definição de coisa julgada como sendo “a

decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Desta forma, tem-se que a concretização da coisa julgada, instituto que

coloca um ponto final no processo, permitindo o alcance de um estado jurídico

consolidado, somente se dará quando não houver mais a possibilidade de

interposição de recurso, exatamente pelo fato de que esse tende a prolongar a

relação processual existente.

Por outro lado, também do texto da norma pode-se extrair que o remédio

processual que venha a incidir sobre a autoridade da coisa julgada, visando a

desconstituição do estado jurídico alcançado, não é um recurso.

6 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais: teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 188. 7 Ibid., p. 190-191.

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Esse é exatamente o caso da Ação Rescisória, que tem como objetivo a

alteração do estado jurídico já consolidado com a coisa julgada, enquanto o recurso,

ao revés, objetiva fazer com que seja evitado este estado jurídico, retardando a

ocorrência da coisa julgada material. Daí, tem-se que o traço característico

evidenciador da diferença entre recurso e ação autônoma de impugnação não é

propriamente a matéria que enseja uma ou outra medida, mas sim o exercício e a

época do exercício da medida.

O juízo “ad quem” pode julgar livremente um recurso, por exemplo,

reconhecendo o direito de recorrer, mas negando provimento, ao passo que isto

jamais poderá ocorrer em se tratando de ação autônoma de impugnação de

conteúdo rescisório. Não há como o juiz, reconhecendo existir o direito à revogação,

decidir que não deve ser anulada a sentença.8

Rosenberg, Schwab e Gottwald fazem uma colocação muito contundente

contra a tese de Gilles, entendendo haver a possibilidade da renúncia ao direito e

reconhecimento jurídico do pedido na instância recursal, que versariam

necessariamente sobre o mesmo objeto litigioso já decidido em primeiro grau de

jurisdição.9

Desta forma, mesmo se encontrando em fase recursal, o que está sendo

decidido envolve o mesmo objeto pretendido que foi demandado em juízo com a

ação de conhecimento. Entretanto, não há como reconhecer o pedido ou renunciar

ao direito num processo de execução ou cautelar, exatamente por se tratarem de

ações diversas da de conhecimento, com lide própria, não tendo o condão de influir

no julgamento da causa principal.

Assim, conclui-se que não há como atribuir aos recursos a natureza

jurídica de ações autônomas de impugnação, pois existem relevantes diferenças

entre os dois institutos. Aliás, é exatamente o fator de se continuar ou não na

mesma relação processual que determina se estamos diante de um recurso ou de

uma ação autônoma de impugnação. Nelson Nery Junior afirma que: 8 CALAMANDREI apud NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 220-221. 9 NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 196.

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[...] se a impugnabilidade da decisão judicial se verifica no mesmo processo, em continuação do procedimento onde ela foi proferida, estaremos diante de um recurso; ao revés, se a impugnabilidade se verifica em processo distinto, nada tendo a ver com a continuação do procedimento de onde adveio a decisão impugnada, estaremos diante de uma ação de impugnação.10

Outra corrente doutrinária atribui ao recurso à natureza de ônus

processual. Significa que, a parte sucumbente, após uma decisão a ela

desfavorável, para buscar obter um resultado mais vantajoso, terá o ônus de

recorrer, atendidos os pressupostos de admissibilidade e, ainda, arcando com as

custas processuais.

Nesse aspecto, importante se faz mencionar a diferença entre ônus e

dever, pois “o dever é a imposição destinada à satisfação de um interesse alheio. O

ônus, ao revés, destina-se à satisfação de um interesse próprio, nisso diferindo do

dever.”11

Considerando o exposto, tem-se por mais adequado, o entendimento que

atribui aos recursos a natureza jurídica de prolongamento do exercício do direito de

ação.

2.3 EFEITOS DECORRENTES DOS RECURSOS

O recurso interposto pela parte inconformada produzirá, em princípio, dois

efeitos básicos, quais sejam o devolutivo e o suspensivo.

O efeito devolutivo, que é comum a todas as espécies recursais, devolve-

se a matéria impugnada ao conhecimento do tribunal para que este possa reapreciar

a questão já decidida e julgá-la novamente. Para alguns doutrinadores, o efeito

devolutivo pode ser dividido em próprio, quando a apreciação da matéria por parte

do tribunal depende tão somente do recurso interposto; ou impróprio, quando o

recurso interposto depende de outro recurso para ser conhecido.

10 Ibid., p. 199. 11 Ibid., p. 206.

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O efeito suspensivo impede que a decisão impugnada produza efeitos,

enquanto pendente o julgamento do recurso interposto. Conforme coloca Vicente

Greco Filho, o efeito suspensivo significa o poder que o recurso tem de impedir que

a decisão recorrida produza sua eficácia própria.12 Esse efeito não está presente em

todas as espécies recursais. O Código de Processo Civil prevê efeito suspensivo,

como regra, apenas para a apelação, salvo os casos do art. 520, e para os

embargos infringentes, quando opostos contra decisão de apelação que já continha

efeito suspensivo e contra decisão em ação rescisória.

Além desses dois efeitos básicos, existem os efeitos intrínsecos aos

recursos, que consistem em impedir a preclusão e ensejar a competência do tribunal

ad quem. Significa dizer que o recurso interposto obsta o trânsito em julgado da

decisão, vez que esta será submetida a uma nova análise, podendo ser modificada,

mantida, complementada, ou ainda anulada, deixando, portanto, a decisão impugnada

de se tornar definitiva até o julgamento do recurso.

O art. 467 do Código de Processo Civil dispõe, objetivamente, que o

recurso impede a concretização da coisa julgada, assim definindo o instituto: “Art.

467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível

a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

Além disso, a interposição de um recurso produz outro efeito no campo da

jurisdição, de ordem processual, qual seja: o de liberar a competência do tribunal ad

quem para interferir no processo. No caso de uma apelação, por exemplo, o tribunal

não tem competência jurisdicional para decidir sobre o processo que está sendo

julgado em 1ª instância, ao tempo que, interposta a apelação, é liberada a

competência do tribunal, e ele é instigado a interferir no processo.

O mesmo ocorre com o recurso extraordinário pois, enquanto não

interposto o apelo, não é despertada a competência do Supremo para intervir no

caso concreto.

12 Ibid., p. 284.

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2.4 ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS

Os recursos para serem apreciados precisam observar determinadas

condições, determinados requisitos, ao que se denomina juízo de admissibilidade

dos recursos, que consiste na atividade pela qual o juiz ou tribunal verifica se os

pressupostos necessários para a interposição do recurso encontram-se presentes

ou não. Assim sendo, no juízo de admissibilidade, cuja competência é do tribunal ad

quem, é aferida a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso.

O Código de Processo Civil, cita como pressupostos recursais os

seguintes: cabimento, legitimidade para recorrer, interesse em recorrer,

tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou

extintivo do poder de recorrer. Ausente um desses pressupostos recursais, o tribunal

não receberá o recurso. Por outro lado, pressentes esses pressupostos recursais, o

tribunal tomará conhecimento do recurso e irá recebê-lo, passando a examinar a

questão do mérito.

Entende Vicente Greco Filho que “os pressupostos dos recursos não são

mais do que as condições da ação e os pressupostos processuais reexaminados em

fase recursal e segundo as peculiaridades dessa etapa do processo.”13

A doutrina, didaticamente, classifica os pressupostos recursais em

objetivos e subjetivos. Os primeiros, dizem respeito ao recurso, considerado em

relação a ele mesmo, a saber, a adequação recursal, a tempestividade, a

regularidade procedimental e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo de direito

e o preparo; os pressupostos subjetivos, dizem respeito à parte recorrente, ou seja,

compreende a legitimidade e o interesse em recorrer.14

Há, ainda, na doutrina, quem classifique os requisitos de admissibilidade

dos recursos em intrínsecos e extrínsecos. Os requisitos intrínsecos dizem respeito

a existência do poder de recorrer, são eles: o cabimento (possibilidade jurídica do

pedido), a legitimação para recorrer (legitimidade ad causam), o interesse em 13 Ibid., p. 274. 14 Ibid., p. 274-275.

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recorrer (interesse processual). Os requisitos extrínsecos não compõem o conteúdo

da decisão que se busca impugnar, estão relacionados aos fatores externos à

decisão recorrida, são eles: a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência

de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo. 15

2.4.1 Pressupostos Subjetivos

Os pressupostos recursais subjetivos, conforme mencionado

anteriormente, são aqueles relacionados à pessoa do recorrente. Consistem na

legitimidade para recorrer, na capacidade para recorrer e no interesse em recorrer.

De acordo com o art. 499 do Código de Processo Civil, têm legitimidade

para recorrer às partes, o terceiro prejudicado e o Ministério Público – seja atuando

como parte, seja atuando como órgão interveniente (art. 499, § 2º, CPC).

A legitimidade de recorrer é da parte vencida, no todo ou em parte.

Havendo sucumbência recíproca, ambas as partes serão legitimadas para recorrer.

Nos casos de litisconsórcio, seja ativo ou passivo, quaisquer destes tem legitimidade

para recorrer. Com relação ao terceiro prejudicado, que é aquele que poderia ter

ingressado no processo durante o trâmite no 1° grau de jurisdição, seja como

assistente (simples ou litisconsorcial), seja como litisconsorte, este deverá provar o

prejuízo jurídico, ou seja, deverá comprovar que esse prejuízo é conseqüência da

sentença proferida (art. 499, § 1º, CPC).

A capacidade de recorrer diz respeito a capacidade de estar em juízo, ou

seja, o recorrente deve ter capacidade processual.

O interesse em recorrer está ligado ao prejuízo, ao gravame, que a parte

sofreu com a sentença. Para Barbosa Moreira, citado por Gilson Delgado Miranda e

Patrícia Miranda Pizzol, o interesse em recorrer deriva da utilidade e necessidade do

recurso. O recurso “deve ser apto a gerar uma situação mais vantajosa para o

recorrente do que aquela gerada pela decisão impugnada”, e ainda, “deve ser o

15 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 260.

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necessário para a obtenção do resultado mais vantajoso, ou seja, a via adequada

para tanto.”16 Os autores fazem um paralelo do interesse em recorrer com o

interesse de agir, o qual resumem como “a utilidade do provimento jurisdicional

pleiteado, compreendendo necessidade + adequação.”17

2.4.2 Pressupostos Objetivos

Os pressupostos recursais objetivos são aqueles que dizem respeito ao

recurso em si mesmo. São eles: adequação recursal, tempestividade, regularidade

procedimental, inexistência de fato impeditivo ou extintivo de direito e o preparo.

A adequação recursal é o cabimento, ou seja, é necessário que o ato

impugnado seja suscetível de impugnação através de um determinado recurso.

Cabe dizer que cada ato decisório tem um recurso que lhe é próprio e somente

através desse recurso poderá ser impugnado.

Os recursos, para que possam ser conhecidos, pendendo ainda do

preenchimento dos demais requisitos, devem ser tempestivos, ou seja, interpostos

dentro do prazo legal (art. 177, CPC). “Preocupa-se o legislador em estipular um

prazo para a interposição dos recursos, a fim de que as demandas judiciais não se

prolonguem por um período indeterminado.”18

“O prazo de interposição dos recursos é próprio, fatal, improrrogável, ou

seja, prazo que, se descumprido, determina a perda do direito de recorrer, com a

preclusão ou o trânsito em julgado da decisão, conforme o caso.”19

O Ministério Público e a Fazenda Pública possuem prazos em dobro para

recorrer (art. 188, CPC), assim como os litisconsortes, quando tiverem diferentes

procuradores (art. 191, CPC). Para o STF, não se conta o prazo em dobro para

recorrer, quando um só dos litisconsortes haja sucumbido (Súmula 641). Também é

16BARBOSA MOREIRA apud MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Processo civil: recursos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 32. 17 Ibid., p. 32 18 Ibid., p. 34. 19 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 276.

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computado em dobro o prazo para recorrer das pessoas jurídicas de direito público (DL

nº 779/69). Tal não ocorre com as empresas públicas e sociedades de economia mista

(art. 173, § 1º, CF).

A regularidade procedimental consiste na exigência de que o recurso seja

apresentado de acordo com a forma estabelecida em lei. O recurso deve ser

fundamentado, com indicação das razões de fato e de direito para o pedido de nova

decisão, isto é, com sua motivação, necessária para que o recorrido possa

apresentar contra-razões e o tribunal possa decidir. Assim sendo, a forma revista em

lei e a fundamentação do recurso são pressupostos essenciais para a

admissibilidade do mesmo.

A inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer

também deve ser examinada. Trata-se de requisitos negativos de admissibilidade

dos recursos. Um dos impedimentos recursais é a renúncia, ato unilateral que

consiste na manifestação de vontade de não recorrer contra determinada decisão

judicial já proferida. Outro impedimento, também ato unilateral, é a desistência do

recurso já interposto. Ambos possuem efeitos idênticos, mas a renúncia é anterior à

interposição do recurso, enquanto que a desistência é posterior. Pode ocorrer,

também, a aceitação da decisão, que pode ser expressa ou tácita, e corresponde à

prática de ato incompatível com a vontade de recorrer. Ocorre aceitação tácita, por

exemplo, quando a parte sucumbente cumpre a obrigação a que foi condenada

Trata-se de fato impeditivo do poder de recorrer, configurando a figura da preclusão

lógica.

Por fim, no momento da interposição do recurso, há de ser comprovado o

preparo, que consiste no pagamento das custas referentes ao processamento do

recurso. O não pagamento do preparo implica na deserção do recurso, o que fará

com que este não seja conhecido, impossibilitando, inclusive, nova interposição,

tendo em vista a preclusão consumativa. Os recursos de agravo retido e embargos

de declaração, por expressa previsão legal, não estão sujeitos ao pagamento do

preparo.

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CAPÍTULO II

DO RECURSO DE APELAÇÃO

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

A apelação tem sua origem no Direito Romano no período da cognitio

extra ordinem, com a oficialização do judiciário e a inserção dos juízes em pirâmides

hierárquicas comandadas pelo Imperador. A appellatio poderia ser interposta contra

a sentença como meio de obter o reexame de decisões com base em error in

judicando, mas muitas vezes o que se objetivava era a invalidação da decisão. A

appellatio era interposta, oralmente ou através dos libelli appellatorii, pelas partes ou

terceiro prejudicado perante o Juízo a quo que poderia admiti-la ou não. Desse

indeferimento caberia a chamada appellatio secundária ao Juízo ad quem.20

No Brasil, a matéria referente à apelação foi regulada sucessivamente

pelas Ordenações Filipinas, pelo Regulamento 737, de 25 de novembro de 1850,

que disciplinou o processo civil e comercial, e após, pelos Códigos estaduais de

processo:

No Código do Estado da Bahia, a apelação era cabível em face ele sentenças definitivas, ou interlocutórias com forma de definitiva, proferidas em primeira instância, e cujo valor excedesse a alçada do juiz, desde que por disposição expressa da lei não fosse outro recurso admitido (art. 1.248). Detinham legitimidade para interpor o recurso as partes e o terceiro prejudicado, devendo a petição ser interposta, no prazo de 10 dias, perante o prolator da sentença. Já no Código de São Paulo, a apelação era cabível em face de decisões de primeira instância definitivas, ou interlocutórias com força de definitiva, salvo se a lei denegasse qualquer recurso ou admitisse outro (art. 1.106). Detinham legitimidade recursal as partes e o terceiro prejudicado, devendo a petição ser interposta, no prazo de 5 dias, perante o prolator da sentença.21

20 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. rev. t. III. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 154. 21 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. A apelação no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 89-90.

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Com o advento do Decreto-lei nº 1.608, de 18.09.1939, houve a

reunificação da legislação processual civil, o qual instituiu o Código de Processo

Civil de 1939, que restringia a apelação somente aos casos de sentença definitiva.

As sentenças terminativas eram impugnáveis por meio de agravo de petição.

Com a promulgação do novo Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de

11 de janeiro de 1973, nos termos do art. 513, tornou-se possível a interposição de

apelação contra qualquer sentença, seja terminativa ou definitiva,

independentemente do processo (de conhecimento, cautelar ou de execução), do

procedimento adotado (comum ou especial), de ser processo de jurisdição

contenciosa ou voluntária, ou do valor da causa.

2.2 CONCEITO

A apelação, segundo Vicente Greco Filho, é um recurso ordinário cabível

contra as sentenças em primeiro grau de jurisdição.22 A sentença é o ato do juiz que

põe fim ao processo, com ou sem resolução do mérito. Para fins de apelação,

portanto, a sentença é o ato terminativo do processo, independentemente de seu

conteúdo, seja ele enquadrável nas hipóteses do art. 267 ou nas hipóteses do art.

269 do Código de Processo Civil.

O art. 267 aponta as causas determinadoras da sentença meramente

terminativa, que é aquela sentença na qual o juiz decide apenas quanto ao

processo, e não quanto ao mérito, motivo pelo qual essa sentença não tem qualquer

repercussão na relação material, nem antes e nem após o seu trânsito em julgado

(coisa julgada formal).

O art. 269, do CPC, retrata a sentença de mérito ou definitiva, isto é,

aquela sentença na qual o juiz decide quanto ao processo e quanto ao direito

material, razão pela qual essa sentença, ao transitar em julgado, produz a coisa

julgada material.

22 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 315-321.

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Nesse sentido, leciona Theotonio Negrão:

Toda sentença é apelável. E sentença, se acordo com a definição que se deu o artigo 162 §1º, é o ato pelo qual o juiz, com ou sem apreciação do mérito da causa (arts. 269 e 267, respectivamente), põe termo ao processo. Assim, não basta que decida uma causa; é necessário, também, que ponha termo ao processo (de conhecimento, de execução, cautelar, principal, acessório – mas processo).23

No mesmo sentido leciona Ovídio Batista da Silva afirmando ser a

apelação o recurso cabível contra as sentenças, assim considerado o provimento

judicial através do qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da

causa (art. 162, § 1º, CPC). Se o provimento do juiz tiver posto fim à relação

processual, ainda que seu fundamento tenha sido a inépcia da petição inicial ou o

desinteresse das partes em dar andamento adequado do processo, de modo que o

mérito da causa não seja sequer tocado, pouco importa, o recurso cabível contra um

tal provimento judicial será sempre o de apelação.24

De forma semelhante aduz Humberto Theodoro Junior que a apelação é o

recurso oponível à sentença, isto é, à decisão que o juiz profere pondo fim ao

processo. Seu objetivo é obter um rejulgamento pelo Tribunal superior ao juiz que

sentenciou em primeiro grau de jurisdição. A possibilidade de decisão desse recurso

é o mais amplo possível. Todas as questões discutidas em primeira instância, senão

estiverem preclusas, podem voltar à baila através da apelação, quer no campo do

mérito, que no das preliminares processuais. Recorrendo-se a uma sentença

definitiva, a parte poderá argüir: a) invalidade da sentença, por qualquer defeito

processual: incompetência, cerceamento de defesa, ausência do Ministério Público,

inobservância de algum pressuposto processual ou ausência de condição da ação;

b) injustiça da sentença, derivada do erro do juiz na apreciação dos fatos ou das

teses jurídicas aplicáveis à solução da lide: equívoca valorização da prova, aplicação

da norma legal pertinente, exegese jurídica incorreta.25

23 NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 37 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 587. 24 SILVA, Ovídio Baptista da. Op. cit., p. 356. 25 THEODORO JUNIOR, Humberto. Recurso: direito processual ao vivo. v. 2. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p. 14-15.

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Tem-se, pois, que a apelação possui aplicação bastante ampla, visando a

correção tanto de vícios de natureza processual e procedimental (errors in

procedendo) como para atacar a justiça da decisão, decorrente da interpretação

equivocada dos fatos, da valoração errônea das provas, bem como da aplicação da

norma legal inadequada ao caso concreto (errors in judicando). Em suma, todo e

qualquer defeito presente na sentença é passível de ser alegado por meio da

apelação.26

Segundo Pontes de Miranda:

A apelação é a impugnativa à sentença que realiza, assim histórica como sistematicamente, a técnica política da dupla cognição judicial, dupla discussão e duplo julgamento, um substitutivo do outro, sobre o mesmo pedido. É o recurso-tipo, e no sentido estrito de recurso. Supõe que se haja chegado à convicção de ser essencial à segurança jurídica das pessoas plena cognição de dois juízes diferentes. Dá-se a reiteração do exame, a reapresentação da prestação jurisdicional, que a parte, apelando, recusou.27

Para Ernani Fidélis dos Santos a apelação é o recurso de primeiro grau

mais abrangente de todos, pois é forma de impugnar sentenças, isto é, decisões

que, se transitadas, extinguem o processo.28

2.3 PRAZO, LEGITIMIDADE, ADMISSIBILIDADE E PROCEDIMENTO

A apelação é interposta pela parte sucumbente no prazo de 15 dias,

sempre de forma escrita, ao contrário de algumas legislações antigas e, ainda hoje

em ordenamentos estrangeiros, que admitem a interposição oral, porém, com

exigência da fundamentação imediata. Além da parte vencida, também possuem

legitimidade para recorrer o terceiro prejudicado e o Ministério Público, seja na

26 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. A apelação e seus efeitos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 09. 27 PONTES DE MIRANDA. Op. cit., p. 141. 28 SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. v.1. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 530.

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condição de parte ou na condição de fiscal da lei, conforme a regra disposta no art.

499 do Código de Processo Civil.

Antes de ser apreciado o mérito, analisa-se a admissibilidade da

apelação, ou seja, se verificará a presença ou a ausência de alguns requisitos

necessários à sua interposição. São pressupostos de admissibilidade: o cabimento

do recurso, a legitimidade para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, a

inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, o preparo e a

regularidade formal.

Se o juízo da admissibilidade da apelação for negativo, há

inadmissibilidade do recurso, ou seja, a apelação não será conhecida, fazendo com

a decisão recorrida seja mantida. De outro lado, preenchidos todos os requisitos de

admissibilidade, a apelação será conhecida, passando-se em seguida ao exame das

suas razões e de seu pedido. Pode ocorrer da apelação, apesar de conhecida, não

ser provida, caso o tribunal considere não haver motivos para a reforma ou

invalidação da decisão recorrida.

Nos termos § 1º do art. 518 do Código de Processo Civil, o juiz não

receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com

súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Este

dispositivo consagra a chamada súmula impeditiva de recurso em primeiro grau de

jurisdição, pela qual se a decisão estiver em conformidade com Súmula do STJ ou

do STF, o juiz denegará seguimento à apelação, podendo o apelante interpor

Agravo de Instrumento e tentar demonstrar que efetivamente, a súmula utilizada

pelo juiz de primeiro grau como razão para decidir não se aplica à hipótese do autor.

Como destaca Luciano Athayde Chaves:

A alteração trazida pela Lei n. 11.276, como se observa, mantém a tendência de reduzir o acesso aos tribunais, nas causas cujas matérias já encontram balizamento jurisprudencial bastante, o que também se observou na minirreforma estabelecida pela Lei n. 10.352, que limitou o cabimento da remessa obrigatória ‘quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior

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competente (art. 475, § 3º, CPC). [...] A defesa desse modelo – em substituição à súmula vinculante -, especialmente feita pelas associações de magistrados e outras instituições relacionadas com o Poder Judiciário, tem em ira o fato de que, ao contrário da súmula vinculante, a impeditiva de recursos salvaguarda a independência do julgador no exame da matéria controvertida submetida ao seu crivo, já que não estaria vinculado ao entendimento das cortes superiores.29

De outro lado, a súmula impeditiva de recurso é dirigida às controvérsias

jurídicas, pois dificilmente se aplicará para matéria fática, que é livremente apreciada

pelo juiz segundo o seu livre convencimento motivado (art. 131, CPC).

As razões de apelação, que podem constar da própria petição ou ser

oferecidas em peça anexa, compreendem a indicação dos error in procedendo, ou in

iudicando, ou de ambas as espécies, que ao ver do apelante viciam a sentença. Se

o apelante suscita, sendo possível (art. 517, CPC), novas questões de fato, cabe-lhe

demonstrar que a decisão apelada se revela injusta à luz dos elementos agora

trazidos aos autos, desde que pudesse estar em harmonia com o material que o juiz

a quo apreciou.

A apelação pode servir de veículo à impugnação da validade da sentença,

e nesta hipótese tem apenas função rescindente, pois se provida, suprime a decisão

apelada, sem substituí-la, e assim o processo volta, para novo julgamento, ao juízo

de primeiro grau.

Nada obsta, porém, a que o apelante, depois de pedir a anulação da

sentença, peça, a título secundário, a reforma dela, para o caso de não ser acolhida

o primeiro pedido. Quer se pretenda a anulação, quer a reforma da sentença, o

pedido do apelante pode ter todo o conteúdo por ele impugnável ou apenas em

parte. Se o apelante não especifica a parte em que impugna a sentença, deve

entender-se que a apelação abrange tudo aquilo que poderia ser objeto do recurso.

Não é imprescindível que o apelante indique o órgão ad quem, nem tem importância

alguma o eventual erro na indicação.

29 CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum: reflexos no direito judiciário do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 109.

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A competência para o julgamento do recurso está fixada na lei, e cabe ao

juiz proceder oportunamente ao encaminhamento correto, nada importando o que

haja dito o recorrente. Também para o órgão ad quem, o dado relevante é a

determinação legal da competência: se o apelante se equivocou, e não lhe corrigiu o

erro o órgão a quo, nem por isso o tribunal incompetente julgará o recurso, ou

deixará de remeter os autos ao tribunal competente para julgá-lo. Deve ainda a

petição vir assinada pelo procurador habilitado. A falta da assinatura do advogado

prejudica o recurso, mas considera relevável, porém, a simples omissão em

subscrever as razões oferecidas em anexo, se assinada a petição de interposição.

A apelação, nos termos do art. 514 do Código de Processo Civil, é

endereçada ao juiz prolator da sentença recorrida, a quem caberá examinar a

admissibilidade do apelo, antes de encaminhá-la ao tribunal competente. Da decisão

denegatória de seguimento à apelação, caberá agravo de instrumento.

Cabe mencionar que, ao conferir uma nova redação ao caput do art. 296

do Código de Processo Civil, a Lei nº 8.952/94, instituiu em nosso sistema a

apelação na qual o juiz poderá exercer, no prazo de 48 horas, o juízo de retratação.

Também a Lei nº 11.277/06, ao incluir, em nossa lei processual civil, o art. 285-A,

criou a hipótese de indeferimento da inicial, que corresponde a uma sentença de

mérito, motivo pelo qual o recurso adequado para a impugnação é a apelação (art.

285-A, §1º, CPC), observando-se que, nesta apelação, o juiz, no prazo de cinco

dias, poderá exercer o juízo de retratação. Em resumo, enquanto na apelação

regenciada no art. 296 do Código de Processo Civil, o prazo para o juiz exercer o

juízo de retratação é de 48 horas, na apelação prevista no art. 285-A, §1º, o prazo

para o juiz exercer o juízo de retratação é de cinco dias.

2.4 EFEITOS DA APELAÇÃO

A apelação será recebida no efeito devolutivo e suspensivo, salvo nas

hipóteses elencadas nos incisos do art. 520 do Código de Processo Civil, em que o

apelo será recebido apenas no efeito devolutivo.

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Além das hipóteses previstas nos arts. 520 e 1.184 do Código de

Processo Civil, o recurso de apelação também só será recebido apenas no efeito

devolutivo nas sentenças proferidas nas seguintes ações: que envolvam relações

locatícias (art. 58, V, Lei 8.245/91); na hipótese do art. 90 da Lei 11.101/05

(falências); que cancelam a naturalização de estrangeiros (art. 33 da Lei 818/49);

que concedem o pedido de assistência judiciária (art. 17 da Lei 1.060/50); que

julgam procedente a ação de busca e apreensão relativa a bem adquirido

fiduciariamente (art. 3º, § 5º, DL 911/69); que tratam dos benefícios da previdência

(art. 130, Lei 8.213/91); de mandado de segurança com sentença de procedência,

exceto quando se tratar de sentença que tinha determinado a reclassificação

funcional, em decorrência do disposto no parágrafo único do art. 5º e do art. 7º da

Lei nº 4.348/64, com fundamento no parágrafo único do art. 12 da Lei nº 1.533/51;

que correm perante a justiça da infância e da juventude, exceto quando se tratar de

adoção feita por estrangeiro, ou quando, à critério do magistrado, houver perigo de

dano irreparável ou de difícil reparação (art. 198, VI da Lei nº 8.069/90);

discriminatórias (art. 21, Lei nº 6.383/76); que foram propostas perante o juizado

especial cível, podendo, entretanto, o juiz atribuir efeito suspensivo, a fim de evitar

dano irreparável à parte (art. 43, Lei nº 9.099/95); em que se decretar a medida

cautelar fiscal, exceto se o demandado oferecer garantias (art. 17, da Lei nº

8.397/92); de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de

reforma agrária, quando a apelação for interposta pelo expropriado (art. 13 da LC

76/93).

O recebimento da apelação no efeito suspensivo impede que se deflagre

a execução provisória da sentença, até que o pedido seja reapreciado pelo juízo ad

quem e isto incentiva o perdedor a recorrer. Com a apelação recebida no efeito

suspensivo, a sentença recorrida pode ser considerada mera declaração da situação

jurídica, posto que não se reflete no mundo jurídico enquanto não julgado o recurso

dela interposto.

No que tange a extensão do efeito devolutivo da apelação, há de se

observar que o art. 515, caput, do Código de Processo Civil, consagra o princípio

tantum devolutum quantum apellattum, segundo o qual o julgamento do tribunal

deve restringir-se ao objeto da apelação, ou seja, ao tribunal só cabe apreciar a

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26

matéria em relação à qual se pede o reexame. Assim sendo, fica vedado ao tribunal

o exame das outras questões não compreendidas na apelação, sobre os quais o

silêncio das partes fez com que sobre elas se consumasse a coisa julgada.

Impede-se, pela observância do princípio tantum devolutum quantum

apellattum, a reformatio in pejus, ou seja, que o acórdão prejudique o apelante, ou

que se favoreça a parte que não recorreu da sentença. Isto significa que, em função

do seu próprio recurso, a parte que recorreu não poderá vir a ser prejudicada, isto é,

não deverá ver piorada, pelo julgamento do recurso, a sua situação jurídica, tal como

na sentença.

Cabe mencionar que até o advento da Lei 10.352/01, o tribunal ao julgar

um recurso de apelação de sentença terminativa deveria analisar unicamente se

aquele processo realmente deveria encerrar-se sem o julgamento do mérito.

Contudo a referida lei, acrescentou um parágrafo 3º ao art. 515 do Código de

Processo Civil, modificando profundamente a matéria ao dispor que: “§ 3º. Nos

casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode

julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e

estiver em condições de imediato julgamento.”

Assim, ao dar provimento a recurso de apelação, interposto contra

sentença de extinção do processo sem conhecimento do mérito, pode o tribunal

decidir desde logo o mérito, desde que a causa verse matéria exclusivamente de

direito. Sendo assim, o caráter definitivo da sentença apelada passou a deixar de

constituir pressuposto indispensável para que o Juízo ad quem entre no exame do

mérito da causa.

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CAPÍTULO III

A APELAÇÃO NO DIREITO COMPARADO

3.1 DIREITO ITALIANO

No direito italiano, o recurso de apelação é cabível em face de sentença

de primeiro grau, sendo a recorribilidade a regra, salvo nas exceções

expressamente previstas no art. 339 da lei processual italiana. Possuem legitimidade

para interpor o recurso as partes e o Ministério Público, sendo vedada a interposição

por terceiros. O prazo é de 30 dias e a petição do recurso deve conter a exposição

sumária dos fatos, dos motivos específicos da impugnação e do pedido.30

O recurso de apelação deve ser interposto diretamente perante o tribunal,

sob a forma principal ou adesiva, e, não obstante a sua interposição, as sentenças

de primeiro grau são provisoriamente executáveis. Na petição do recurso é vedado

postular nova demanda, suscitando nova causa de pedir ou pedido, salvo na

hipótese de ser suscitada nova argumentação jurídica ou qualificação jurídica aos

fatos jurídicos descritos na inicial.31

A lei processual italiana não especifica os motivos que amparam as

razões recursais, sendo o efeito devolutivo delimitado pela parte na impugnação.

Assim,

a apelação parcial implica aceitação da parte não impugnada da sentença, com o conseqüente trânsito em julgado do que não foi objeto do recurso, Além disso, prevê que as demandas e exceções não acolhidas na sentença, se não forem expressamente repropostas na apelação, serão consideradas renunciadas (artigo 346).32

30OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Op. cit., 84-85. 31 Ibid., p. 84. 32 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Op. cit., p. 66.

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A decisão do tribunal pode ser substitutiva (confirmação ou reforma) ou

rescindente (anulação), sendo lícito, em tese, que o tribunal examine o mérito da

demanda quando do julgamento da apelação interposta.

3.2 DIREITO ESPANHOL

No direito espanhol, o recurso de apelação possui características

semelhantes ao recurso brasileiro. A apelação serve a uma revisão do primeiro

julgamento, nos limites da impugnação, e em regra não admite a dedução de novos

fatos nem o requerimento de novos meios de prova.

Apenas em hipóteses específicas são admitidas novas provas no recurso

de apelação, que em regra, não implicam na introdução de novos elementos, visam

apenas complementar a atividade instrutória de primeiro grau. Essas hipóteses

encontram-se previstas nos arts. 862 e 863 da lei processual espanhola, sendo as

seguintes: a) quando o tribunal reforma decisão do primeiro grau, que indeferira a

produção de alguma prova; b) quando, por qualquer causa não imputável à parte

que requereu a prova, esta não pôde ser produzida perante o juiz a quo; c) se a

prova é relativa a algum fato novo ocorrido após o término da fase instrutória, desde

que este fato tenha influência decisiva para a causa; d) se o fato, apesar de já ter

ocorrido durante o primeiro grau, só tiver chegado ao conhecimento da parte

posteriormente, e for igualmente decisivo para a causa; e) quando se permite ao réu

revel produzir as provas que entende necessárias, caso ingresse nos autos após a

fase instrutória.33

Na sistemática processual espanhola, via de regra, o recurso de apelação

tem apenas efeito devolutivo, sendo permitindo a execução provisória do julgado,

salvo hipóteses específicas, cujo regime dos efeitos é determinado pela própria lei.

33 Ibid., p. 76.

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As disposições estão contidas nos artigos 383 a 385 da Ley de Enjuiciamiento Civil, determinam o efeito devolutivo a apelação, caso não seja disposto contrariamente pelo juiz. Nos casos de condenação a uma quantia líquida ou cuja liquidação dependa tão-somente de operação aritmética, não há efeito suspensivo (artigo 385). O mesmo artigo prevê também a possibilidade de execução provisória de "sentencias de objeto o naturaleza diferente", caso o juiz considere que o prejuízo decorrente de sua execução não seja irreparável. Em qualquer caso, a execução provisória depende sempre de requerimento da parte interessada.34

A atribuição do efeito suspensivo ao recurso é obrigatória nas apelações

contra sentenças que versem sobre paternidade, maternidade, filiação, divórcio,

capacidade, estado civil ou direitos honoríficos.

No ordenamento espanhol, há ainda a previsão de que a parte vencida

pode requerer a concessão do efeito suspensivo, devendo o juiz assim determinar

se houver risco de prejuízo irreparável, cabendo à parte que o requereu prestar

fiança.

3.3 DIREITO BELGA

No direito belga o recurso de apelação serve para sanar as falhas

cometidas pelo juiz, por meio do reexame da causa, para suprir deficiências das

partes, prolongar os debates e recolocar em discussão a totalidade dos motivos

deduzidos em primeiro grau. O recurso também é cabível contra as decisões

interlocutórias, casos em que o órgão responsável pelo julgamento do recurso que

reformar a decisão, deve remeter o processo ao primeiro grau.

No ordenamento belga, no recurso de apelação são admitidas novas

demandas, desde que relacionadas de alguma forma aos atos e fatos já deduzidos

na ação originária, sendo o próprio apelante que fixa os limites nos quais o juiz da

apelação decidirá, quer em relação ao objeto (capítulos da sentença), quer em

relação às partes. Disso decorre que a apelação belga beneficia só aquele que a

interpôs, e não pode prejudicar a situação do recorrente.

34 Ibid., p. 76.

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3.4 DIREITO ARGENTINO

A apelação argentina no direito processual argentino serve a um reexame

da causa proposta em primeiro grau, sendo o recurso cabível contra sentença

definitiva, sentença interlocutória e as providências simples causadoras de prejuízo

não pode ser reparado pela sentença definitiva. São legitimados para interpor o

recurso as partes, os terceiros juridicamente interessados e o Ministério Público. O

prazo de interposição é de 5 dias, sendo admitida a prorrogação por vontade das

partes. O recurso pode ser interposto sob a forma escrita ou verbalmente perante o

juízo prolator da decisão recorrida, devendo ser indicado o fundamento recursal

específico, não sendo o recolhimento recursal causa impeditiva do exame do mérito

recursal.35

A análise dos requisitos de admissibilidade é realizado pelo juízo prolator

da decisão recorrida e da sua decisão de inadmissibilidade da apelação é cabível

recurso. De regra, a apelação é recebida em ambos efeitos, salvo nas hipóteses de

alimentos e de medidas cautelares. O objeto do reexame pelo tribunal é o mesmo

examinado na primeira instância, respeitada a limitação fixada pelo apelante no

recurso (tantum devolutum quantum appellatum).36

3.5 DIREITO PORTUGUÊS

No direito português o recurso de apelação é cabível da sentença final e

do despacho saneador que conheçam do mérito da causa, abrangendo em princípio

tudo que na decisão for desfavorável ao recorrente. É também o recurso cabível nas

ações de execução cuja sentença conhecer do objeto da liquidação ou dos

embargos do executado e da que graduar os créditos, conforme estabelece o art.

992 da lei processual portuguesa. Como regra geral, o objeto do recurso se limita ao

reexame dos fatos alegados, do pedido formulado, da prova produzida e da

subsunção dos fatos ao direito. Nas situações em que a apelação versa sobre

35 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Op. cit., 87. 36 Ibid., p. 87.

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31

matéria processual, o seu eventual acolhimento determina a devolução da causa ao

juiz a quo.

Detém legitimidade recursal as partes e terceiros juridicamente

interessados. O prazo para a interposição da apelação é de 10 dias, devendo o

recurso ser interposto por meio de petição perante o órgão jurisdicional prolator da

sentença recorrida, devendo haver a indicação do juízo a que é dirigida, da

manifestação da vontade de recorrer, da individualização da decisão recorrida, da

espécie recursal e do pedido. Ausentes as razões recursais ou quando deficientes

ou obscuras, é permitido ao juiz ou ao relator convidar o recorrente a apresentá-las,

completá-las ou esclarecê-las, sob pena de não conhecimento do recurso.37

Interposto o recurso, compete ao juízo prolator da decisão recorrida

efetuar o exame dos requisitos de admissibilidade. Do juízo negativo de

admissibilidade, é cabível recurso. A decisão do tribunal pode ser substitutiva

(manutenção ou reforma) ou rescindente, determinando-se, nesta última hipótese a

remessa dos autos à instância inferior, no caso de deficiência, obscuridade,

contradição ou falta de fundamentação das respostas do tribunal coletivo.38

Em regra, o recurso de apelação é recebido nos efeitos devolutivo e

suspensivo, ressalvadas as exceções legais apontadas no art. 692 da lei processual,

sendo exigido para estas hipóteses requerimento do autor. São elas: a) quando a

sentença se baseia em documento assinado pelo réu; b) quando a sentença ordena

demolições, reparações ou outras providências urgentes; c) quando arbitra

alimentos, fixa a contribuição do cônjuge para as despesas domésticas ou condena

em indenização cuja satisfação seja essencial para garantir o sustento ou habitação

do lesado; d) quando a suspensão da execução seja suscetível de causar à parte

vencedora prejuízo considerável.

Se há requerimento de recebimento só no efeito devolutivo, a sentença

pode ser provisoriamente executada.

37 Ibid., p. 86. 38 Ibid., p. 87.

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3.6 DIREITO AUSTRÍACO

O direito austríaco adota a apelação como revisão do primeiro

julgamento, que é feito somente com base no material já existente, e à semelhança

do modelo brasileiro, o processo será devolvido ao juiz de primeiro grau sempre que

as demandas de mérito não tenham sido completamente decididas pela sentença

impugnada. No entanto, se as partes concordarem e assim o requererem, poderá

permanecer no segundo grau e ali ser totalmente julgada. O mesmo ocorre se o

órgão ad quem não considerar necessária uma nova instrução, porém o tribunal

poderá alterar somente os fatos expressamente indicados no recurso.

A respeito da apelação no sistema austríaco, relata Ricardo de Carvalho

Aprigliano que:

Há uma disposição no Código de Processo austríaco que determina que o juiz da apelação deve usar como fundamento da sua decisão os resultados instrutórios fixados nos atos processuais de primeira instância e na sentença de primeira instância que não tenham sido censurados pelos motivos da apelação, enquanto tais resultados não forem corrigidos pelo procedimento da apelação. Isso significa que os fatos não indicados como motivos da apelação, ou que não sejam objeto da apelação, são vinculantes para o juiz ad quem e podem ser por ele .usados na decisão do recurso.39

O código de processo austríaco dispõe que:

Na discussão perante o juiz da apelação, não pode, salvo o pedido de condenação nas despesas do juízo de apelação, ser proposta nenhuma demanda nova, nem nenhuma nova exceção (art. § 1º, art. 482). As circunstâncias de fato e as provas que, conforme o conteúdo da sentença e dos outros atos processuais, não foram deduzidas em primeira instância podem, durante o processo de apelação, ser adotadas unicamente com o escopo de ilustrar ou confrontar os motivos deduzidos na apelação. Pode-se igualmente fazer referência a tais novas alegações só quando essas forem precedentemente comunicadas ao adversário por meio do ato de apelação ou dos escritos preparatórios (art. 482, § 2º).40

39 APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho. Op. cit., p. 82. 40 Ibid., p. 83.

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Assim, no direito austríaco, o recurso de apelação pode ter objeto mais

reduzido do que a própria ação originária, mas jamais tal objeto pode ser ampliado.

São expressamente vedadas novas demandas e exceções

3.7 DIREITO ALEMÃO

No direito alemão o recurso de apelação é cabível em face de sentença

definitiva proferida por órgão jurisdicional de primeira instância, sendo conferido ao

órgão ad quem a possibilidade de prosseguir o julgamento da apelação se a causa

estiver madura para tal julgamento, isto é, se as circunstâncias do caso concreto o

autorizarem. Em se tratando de controvérsias de natureza patrimonial, a apelação

somente é admissível quando o gravame exceder a certo valor.

A apelação pode ser interposta de forma principal ou adesivo, sendo

legitimados para interpor o recurso as partes, sendo, ainda, indispensável a

presença da sucumbência, para que reste configurado o interesse em recorrer. O

recurso dever ser interposto por escrito, no prazo de um mês, e dirigida ao tribunal

de hierarquia superior, e não perante o juízo prolator da decisão recorrida. A petição

recursal deve conter: a designação da sentença recorrida; a declaração de que se

interpõe o recurso em face da sentença; a indicação do apelante e do apelado; a

assinatura do advogado legalmente constituído; indicação das razões recursais; e a

formulação do pedido. As razões recursais devem indicar a extensão do pedido e os

fundamentos invocados que o justifiquem.41

O exame dos requisitos de admissibilidade é realizado pelo tribunal

hierarquicamente superior ao juízo que proferiu a decisão recorrida, podendo agir ex

officio. Ausente algum pressuposto, é lícito ao tribunal declarar a inadmissibilidade

do recurso de apelação. De outro lado, presentes os requisitos, o tribunal passa a

analisar o mérito recursal, avaliando se a impugnação é fundada ou infundada.42

41 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Op. cit., p. 82. 42 Ibid., p. 83.

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A decisão do tribunal deve respeitar os limites fixados pelas partes,

podendo ser analisados todos os pontos suscitados, ainda que a primeira instância

não tenha deliberado sobre eles. A decisão proferida pelo tribunal de apelação

substitui a decisão recorrida. É possível, no entanto, que o tribunal da apelação se

limite a anular a sentença recorrida, determinando a remessa dos autos à instância

inferior, para que outra sentença seja proferida. Isso pode ocorrer nas hipóteses em

que a primeira instância não tenha analisado por completo a lide, ou quando restar

configurada no procedimento uma deficiência essencial que tenha o condão de

macular o processo.43

43 Ibid., p. 83.

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CONCLUSÃO

O estudo do recurso de apelação demonstra que este instituto é um

instrumento essencial à atuação jurisdicional e à garantia individual de um processo

justo, posto que a parte vencida, inconformada com a decisão, tem a seu dispor os

meios de impugnação necessários à realização efetiva de sua garantia

constitucional ao exercício do direito, assegurado pelo princípio do devido processo

legal.

O recurso de apelação, disciplinado nos arts. 513 a 521 do Código de

Processo Civil é o recurso adequado para se impugnar a sentença, seja a

terminativa ou a definitiva (art. 267 e 269, CPC).

Para que o mérito da apelação seja analisado, é imprescindível que

estejam presentes os requisitos de admissibilidade previstos no Código de Processo

Civil, tais como cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, regularidade

formal, preparo, ausência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer.

O Código de Processo Civil assegura legitimidade para interpor o recurso

de apelação às partes, ao Ministério Público e ao terceiro juridicamente interessado,

tal qual ocorre no sistema processual argentino. No entanto, essa sistemática

processual brasileira difere de alguns países, como por exemplo, no sistema italiano,

que mais se distancia do brasileiro, apenas as partes e o Ministério Público detém

legitimidade para interpor o recurso de apelação.

O recurso de apelação, no ordenamento pátrio, é recebido no efeito

devolutivo e suspensivo. Pelo efeito devolutivo opera-se a devolução da matéria

impugnada no recurso. A profundidade do efeito devolutivo da apelação é a mais

ampla possível, podendo ser analisadas todas as questões suscitadas e discutidas

no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, a teor do art.

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515, § 1º do Código de Processo Civil. O efeito devolutivo da apelação foi

consagrado pela legislação de inúmeros países.

Apesar de, em sede recursal, ser defeso às partes inovar na causa,

permite a lei processual civil brasileira, no art. 517, que, presente o motivo de força

maior, as questões novas de fato possam ser suscitadas na apelação. No entanto,

este dispositivo não autoriza que as partes suscitem nova causa de pedir ou alterem

o objeto da demanda.

Nos termos do art. 515, § 3º do Código de Processo Civil, afastada a

sentença terminativa em sede de apelação, é lícito ao tribunal apreciar, desde logo,

o mérito da causa, contanto que o processo esteja “maduro para julgamento”, o

mesmo ocorre no direito alemão.

Diante do exposto, pode-se observar que o instituto da apelação no direito

comparado possui na sua grande maioria características muito semelhantes ao

recurso brasileiro.

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