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CINCIA POLTICA
2010
Ricardo Corra Coelho
Ministrio da Educao MEC
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES
Diretoria de Educao a Distncia DED
Universidade Aberta do Brasil UAB
Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP
Bacharelado em Administrao Pblica
C672c Coelho, Ricardo CorraCincia poltica / Ricardo Corra Coelho. Florianpolis : Departamento de Cincias da
Administrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2010.159p. : il.
Inclui bibliografiaBacharelado em Administrao PblicaISBN: 978-85-7988-007-0
1. Cincia poltica Estudo e ensino. 2. Cincia poltica Filosofia. 3. Administrao pblica.4. Educao a distncia. I. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior(Brasil). II. Universidade Aberta do Brasil. III. Ttulo.
CDU: 32
Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071
2010. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.
A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do(s) respectivos autor(es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e
gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o
contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos.
A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem autorizao
expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos
1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.
PRESIDENTE DA REPBLICA
Luiz Incio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAO
Fernando Haddad
PRESIDENTE DA CAPES
Jorge Almeida Guimares
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
REITORlvaro Toubes Prata
VICE-REITORCarlos Alberto Justo da Silva
CENTRO SCIO-ECONMICO
DIRETORRicardo Jos de Arajo Oliveira
VICE-DIRETORAlexandre Marino Costa
DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO
CHEFE DO DEPARTAMENTOGilberto de Oliveira Moritz
SUBCHEFE DO DEPARTAMENTORogrio da Silva Nunes
SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA
SECRETRIO DE EDUCAO A DISTNCIACarlos Eduardo Bielschowsky
DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA
DIRETOR DE EDUCAO A DISTNCIACelso Jos da Costa
COORDENAO GERAL DE ARTICULAO ACADMICANara Maria Pimentel
COORDENAO GERAL DE SUPERVISO E FOMENTOGrace Tavares Vieira
COORDENAO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOSFrancisco das Chagas Miranda Silva
COORDENAO GERAL DE POLTICAS DE INFORMAOAdi Balbinot Junior
COMISSO DE AVALIAO E ACOMPANHAMENTO PNAP
Alexandre Marino CostaClaudin Jordo de CarvalhoEliane Moreira S de Souza
Marcos Tanure SanabioMaria Aparecida da SilvaMarina Isabel de Almeida
Oreste PretiTatiane Michelon
Teresa Cristina Janes Carneiro
METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIA
Universidade Federal de Mato Grosso
COORDENAO TCNICA DED
Tatiane MichelonTatiane Pacanaro Trinca
Soraya Matos de Vasconcelos
AUTOR DO CONTEDO
Ricardo Corra Coelho
EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOS CAD/UFSC
Coordenador do ProjetoAlexandre Marino Costa
Coordenao de Produo de Recursos DidticosDenise Aparecida Bunn
Superviso de Produo de Recursos Didticosrika Alessandra Salmeron Silva
Designer InstrucionalAndreza Regina Lopes da Silva
Denise Aparecida Bunn
Auxiliar AdministrativoStephany Kaori Yoshida
CapaAlexandre Noronha
IlustraoAdriano Schmidt Reibnitz
Igor BaranenkoLvia Remor Pereira
Projeto Grfico e FinalizaoAnnye Cristiny Tessaro
DiagramaoRita Castelan
Reviso TextualClaudia Leal Estevo Brites Ramos
Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.
PREFCIO
Os dois principais desafios da atual idade na reaeducacional do Pas so a qualificao dos professores que atuamnas escolas de educao bsica e a qualificao do quadrofuncional atuante na gesto do Estado brasileiro, nas vriasinstncias administrativas. O Ministrio da Educao estenfrentando o primeiro desafio com o Plano Nacional de Formaode Professores, que tem como objetivo qualificar mais de 300.000professores em exerccio nas escolas de ensino fundamental e mdio,sendo metade desse esforo realizado pelo Sistema UniversidadeAberta do Brasil (UAB). Em relao ao segundo desafio, o MEC,por meio da UAB/CAPES, lana o Programa Nacional de Formaoem Administrao Pblica (PNAP). Esse Programa engloba umcurso de bacharelado e trs especializaes (Gesto Pblica, GestoPblica Municipal e Gesto em Sade) e visa colaborar com oesforo de qualificao dos gestores pblicos brasileiros, comespecial ateno no atendimento ao interior do Pas, atravs dosPolos da UAB.
O PNAP um Programa com caractersticas especiais. Emprimeiro lugar, tal Programa surgiu do esforo e da reflexo de umarede composta pela Escola Nacional de Administrao Pblica(ENAP), pelo Ministrio do Planejamento, pelo Ministrio da Sade,pelo Conselho Federal de Administrao, pela Secretaria deEducao a Distncia (SEED) e por mais de 20 instituies pblicasde ensino superior, vinculadas UAB, que colaboraram naelaborao do Projeto Poltico Pedaggico dos cursos. Em segundolugar, esse Projeto ser aplicado por todas as instituies e pretendemanter um padro de qualidade em todo o Pas, mas abrindo
margem para que cada instituio, que ofertar os cursos, possaincluir assuntos em atendimento s diversidades econmicas eculturais de sua regio.
Outro elemento importante a construo coletiva domaterial didtico. A UAB colocar disposio das instituiesum material didtico mnimo de referncia para todas as disciplinasobrigatrias e para algumas optativas. Esse material est sendoelaborado por profissionais experientes da rea da AdministraoPblica de mais de 30 diferentes instituies, com o apoio de equipemultidisciplinar. Por ltimo, a produo coletiva antecipada dosmateriais didticos libera o corpo docente das instituies para umadedicao maior ao processo de gesto acadmica dos cursos;uniformiza um elevado patamar de qualidade para o materialdidtico e garante o desenvolvimento ininterrupto dos cursos, semparalisaes que sempre comprometem o entusiasmo dos alunos.
Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importantepasso em direo democratizao do ensino superior pblico ede qualidade est sendo dado, desta vez contribuindo tambm paraa melhoria da gesto pblica brasileira, compromisso deste governo.
Celso Jos da Costa
Diretor de Educao a Distncia
Coordenador Nacional da UAB
CAPES-MEC
SUMRIO
Apresentao.................................................................................................... 9
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Poder...................................................................................................... 13
A tipologia clssica das formas de poder............................................... 14
A tipologia moderna das formas de poder............................................... 18
Caractersticas do Poder do Estado........................................................ 27
Organizao do Estado........................................................................ 29
A preponderncia do executivo e o papel da Administrao Pblica.......38
Unidade 2 Fundamentos tericos da Cincia Poltica
Fundamentos tericos da Cincia Poltica..................................................... 47
O pensamento liberal........................................................................... 50
O pensamento marxista......................................................................... 61
8Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Unidade 3 Formas de governo e regimes polticos
Formas de governo e regimes polticos............................................................ 81
Democracia e autocracia................................................................................... 83
Tipos de autocracias............................................................................................ 87
Regimes autocrticos totalitrios............................................................... 88
Regimes autocrticos autoritrios............................................................... 95
Regimes autocrticos liberais............................................................... 101
Tipos de democracias...........................................................................................110
Regimes democrticos liberais............................................................... 113
Regimes democrticos no liberais............................................................... 120
Unidade 4 Representao e sistemas partidrios
Representao Poltica................................................................................... 127
Eleies Majoritrias e Eleies Proporcionais......................................... 132
O sistema de representao proporcional..................................................... 136
O sistema de representao majoritria na composio dos parlamentos..... 141
Consideraes finais................................................................................. 155
Referncias.................................................................................................... 157
Minicurrculo.................................................................................................... 160
9Mdulo 2
Apresentao
APRESENTAO
Caro estudante,
Neste curso, voc est estudando vrias disciplinas dediferentes reas de conhecimento. Cincia Poltica uma delas.Voc provavelmente est se perguntando:
Por que estudar Cincia Poltica em um curso deBacharelado em Administrao Pblica?
Que contribuio esta disciplina poder trazer para aminha formao?
Essas perguntas so extremamente relevantes e devem serrespondidas desde j para que voc possa melhor aproveitar oestudo dos contedos que viro a seguir.
A Cincia Poltica parte necessria dos currculos deformao em Administrao Pblica porque o seu objeto precisamente o poder do Estado, e o Estado o campo de trabalhodo administrador pblico. Na condio de agente do Estado, oadministrador pblico exerce sempre algum poder sobre a sociedade,que ser maior ou menor de acordo com o grau hierrquico queocupar na Administrao.
Por essa razo, a Cincia Poltica tem uma importantecontribuio a oferecer ao administrador pblico em todos os nveis.
No entanto, o campo de estudo da Cincia Poltica muitovasto, no s porque as relaes entre Estado e sociedade tmmltiplos aspectos, como tambm porque as relaes de poderpermeiam todas as interaes dos indivduos e grupos na sociedade.
10Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Por isso, ser necessrio focarmos o nosso estudo naqueles temasde reflexo da Cincia Poltica mais diretamente relacionados ao do administrador pblico.
Esta disciplina est dividida em quatro unidades.
Na Unidade 1, voc estudar alguns conceitos bsicos daCincia Poltica que sero utilizados durante toda esta disciplinano estudo das relaes entre o Estado e a sociedade.
Na Unidade 2, voc estudar algumas das teoriasfundamentais da Cincia Poltica. Essas teorias no apenas soimportantes para uma compreenso mais apurada das relaesentre Estado e sociedade e das funes da Administrao Pblica,como tambm so o fundamento das ideologias, das vises demundo e dos projetos polticos que se encontram em disputa nasdemocracias contemporneas.
Na Unidade 3, voc estudar as principais formas de governoe de regimes polticos existentes nas sociedades contemporneas.As diferentes formas de organizao do governo e dos regimespolticos tm impactos diretos no funcionamento da AdministraoPblica, nas polticas pblicas implementadas e nas relaes entreo Estado e os agentes privados no mercado, que afetam diretamenteo dia a dia do administrador pblico.
Por fim, na Unidade 4, voc estudar as formas derepresentao poltica e de organizao dos sistemas partidrios,que so mecanismos essenciais de funcionamento das democraciascontemporneas e que tm influncia direta na dinmica polticadas nossas sociedades.
Ao final desta disciplina, voc dever ter desenvolvido umconhecimento mais amplo e integrado sobre o funcionamento dosistema poltico e sua relao com a vida das pessoas na sociedade,em geral, e com a Administrao Pblica, em particular.
Bom estudo!
Professor Ricardo Corra Coelho
11Mdulo 2
Apresentao
UNIDADE 1
OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM
Ao finalizar esta Unidade voc dever ser capaz de:
Discutir o conceito de poder e utiliz-lo com adequao e preciso; Identificar como o poder poltico exercido pelo Estado; Diferenciar poderes de Estado de funes do Estado; Diferenciar Estado de governo; e Compreender o papel da Administrao Pblica no seio do Estado.
CONCEITOS BSICOSDA CINCIA POLTICA
12Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
13Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
PODER
Caro estudante,No dia a dia usamos indistintamente alguns termos sematentarmos para o seu contedo especfico. Por exemplo,frequentemente empregamos a palavra governo como seela fosse sinnimo de Estado. Em geral, confundimosgoverno com Administrao Pblica. E colocamos em p deigualdade o poder econmico com o poder poltico. Almdisso, grande parte das pessoas no tem uma ideia clara docontedo das palavras poder e poltica, embora asutilizem com frequncia no seu cotidiano.Se voc nunca estudou Cincia Poltica deve provavelmentese encontrar entre essa maioria o que absolutamentenatural. No entanto, para que possamos desenvolver umconhecimento mais slido e sistemtico da poltica, temosde empregar essas palavras com rigor, isto , utiliz-las comoconceitos que tm aplicao e contedo especficos.Tratemos, ento, de precisar os termos que iremos utilizar nestadisciplina, comeando pelo conceito fundamental de poder.Bons estudos!
O poder supe quatro elementos. So eles:
Sujeito: pode ser um indivduo, um grupo ou umaorganizao que exerce o poder.
Objeto: pode ser um indivduo, um grupo ou umaorganizao sobre o qual o poder exercido.
Meio: pode ser um bem ou um recurso que o sujeitoutiliza para exercer poder sobre o objeto.
Fim: o objetivo ou a finalidade com que o poder exercido pelo sujeito sobre o objeto.
vUma organizao no outra coisa seno umgrupo de pessoas agindo
de forma articulada em
torno de um objetivo
comum.
14Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Ao longo da histria, os tipos de poder foram definidos eclassificados basicamente de duas formas: de acordo com os meiospelos quais ele exercido; ou de acordo com os fins do seu exerccio.A tipologia clssica define as formas de poder de acordo com osfins, enquanto a tipologia moderna o define conforme os meios.
A TIPOLOGIA CLSSICA DAS FORMAS DE PODER
Aristteles formulou a tipologia clssicadas formas de poder com base no interesse emfavor do qual o poder exercido:
Poder paterno: exercido pelo pai sobreo filho no interesse do filho.
Poder desptico: exercido pelo senhorsobre o escravo no interesse do senhor.
Poder poltico: exercido pelos governan-tes sobre os governados no interesse deambos.
Para que voc possa ter a dimenso dacontribuio da t ipologia clssica, ouaristotlica, para a Cincia Poltica e da suaimportncia para a compreenso da polticanos dias de hoje, vamos examin-la luz doselementos, j referidos, que compem asrelaes de poder.
Aristteles considera apenas trs dosquatro elementos sujeito, objeto e fim ,
deixando de lado o meio, que somente ser considerado na tipologiamoderna. Como se pode observar na definio das trs formas depoder sintetizadas no Quadro 1. O poder paterno exercido no interessedo objeto de seu exerccio o filho , o poder desptico, exercido no
Aristteles
Filsofo grego do scu-
lo IV a.C., nasceu em
Estagira, na Macednia,
em 384 a.C., e morreu
em Eubeia, na Grcia,
em 322 a.C. Aristteles
foi preceptor do f i lho do rei Fel ipe, da
Macednia, que posteriormente ir ia se
tornar Alexandre, o Grande. Fez de sua
escola um centro de estudos, em que os
mestres se distribuam por especial ida-
de, inclusive em cincias posit ivas.
Aristteles frequentou a academia de
Plato, sendo considerado o seu discpu-
lo mais i lustre. Foi autor de diversas
obras, entre as quais A Poltica. Disponvel
em: . Acesso em: 3 dez. 2009.
Saiba mais
15Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
interesse do sujeito que o exerce o senhor , e o poder poltico, nointeresse do sujeito e do objeto governantes e governados.
Quadro 1: Tipologia aristotlica das formas de poderFonte: Elaborado pelo autor
Entre as trs formas de poder da tipologia clssica, o poderpoltico , sem dvida, o mais complexo, pois exercido no interessedos dois agentes envolvidos na relao sujeito e objeto e nodo lado de um s deles sujeito ou objeto.
Diante da definio aristotlica de poder poltico, voc
certamente ir se perguntar: ser que Aristteles acreditava
que o poder poltico seria, sempre, exercido no interesse de
governantes e governados?
A resposta no. Para Aristteles, o poder poltico deve serexercido no interesse de ambos, mas nem todos os governos oexercem dessa forma. Aristteles era bem consciente de que alguns na verdade, muitos governantes exercem o poder no seu prpriointeresse, tal como o senhor exerce o poder sobre os seus escravos,isto , despoticamente, e no no interesse de ambos, como deveriaser. Para dar conta desse problema, Aristteles criou outra tipologia a das formas de governo cujo critrio de classificao seria o mesmoda tipologia das formas de poder, ou seja, a finalidade interesse doexerccio do poder dos governantes sobre os governados.
A tipologia aristotlica das formas de governo agrega umavarivel a mais tipologia das formas de poder o nmero degovernantes porm segue dividida em trs categorias:
TIPOS DEPODER
paterno
desptico
poltico
SUJEITO
p a i
senhor
governantes
OBJETO
fi lho
escravo
governados
FIM
interesse de objeto
interesse de sujeito
interesse do sujeito e do objeto
16Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
o governo de um s; o governo de poucos; e o governo de muitos.
Para compreender melhor essa classificao, observe oQuadro 2, a seguir:
Quadro 2: Tipologia aristotlica das formas de poder polticoFonte : Elaborado pelo autor
Para Aristteles, o bom governo sempre orientado parasatisfazer o interesse de todos governantes e governados podendoser exercido:
por um s indivduo, o rei, no caso da monarquia; por uma minoria, os melhores, no caso da aristocracia;
ou
pela maioria, no caso da politeia, que significa o governoda plis cidade-Estado.
J o mau governo , is to , as formas de governodegeneradas, sempre orientado para satisfazer o interesse do(s)governante(s) e tambm pode ser exercido:
por um s indivduo, isto , pelo tirano, que exerce opoder em seu prprio interesse, em detrimento dosinteresses dos governados), no caso da tirania;
por uma minoria, isto , pelos mais ricos, que exerce opoder em seu prprio interesse, em detrimento dosinteresses da maioria mais pobre, no caso daoligarquia; ou
Boa forma de governo exercida no interes-se de governantes e go-vernados
Monarquia
Aristocracia
Pol iteia
Quantidade degovernantes
Um
Poucos
Muitos
Forma degenerada degoverno exercidaapenas no interessedo governante
T irania
Oligarquia
Democracia
17Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
pela maioria que exerce o poder em seu prpriointeresse, em detrimento dos interesses da minoria, nocaso da democracia.
Ao analisar a tipologia das formas de governo de Aristteles,precisamos ter bem claro que o termo democracia tinha, naantiguidade, um significado muito diferente do que tem hoje.No tempo de Aristteles, democracia significava tirania da maioriasobre a minoria, mas a partir do sculo XX passou a ser entendidocomo o governo da maioria que respeita os direitos da minoria.Portanto, neste ponto do nosso estudo, o que importa que vocsaiba que, para Aristteles, assim como para vrios pensadores daantiguidade, a democracia tinha uma conotao negativa, enquantopara ns possui uma conotao positiva.
Agora que voc j conhece a tipologia clssica das formas de
poder, podemos avanar em nosso estudo. Mas antes de
examinarmos a tipologia moderna das formas de poder, que
baseada nos meios, convm fazer algumas consideraes.
Na sua formulao mais geral e abstrata, o poder fazreferncia capacidade que um indivduo, ou grupo de indivduos,tem de influenciar o comportamento de outras pessoas. O poderno algo material como o ouro, as terras, o trigo ou a gua ou seja, no um bem ou um recurso do qual os indivduos possamse apropriar. Recursos e bens so meios que podem e,frequentemente, so utilizados pelos seus detentores para influenciaro comportamento de outras pessoas, todavia no se confundemcom o poder em si prprio.
Precisamos ter em mente que o poder no se detm,mas se exerce.
vEssa diferena bastante complexa eser devidamente
tratada na Unidade 3
desta disciplina.
18Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Assim, quando dizemos que uma pessoa poderosa, estamosnos referindo influncia que ela exerce sobre o comportamento
de outros indivduos, e no aos instrumentos ebens de que ela dispe.
Uma pessoa pode deter muita riqueza edinheiro sem exercer, por esses meios, influnciasobre o comportamento de outrem. Esta pessoapode certamente ser considerada rica, mas nopoderosa.
Um indivduo dotado de grande forafsica ou munido de muitas armas, mas que noas utiliza para influenciar o comportamento dosoutros, deve ser certamente considerado forte,mas no poderoso.
Da mesma forma, uma pessoa que tenhacultura muito ampla e uma inteligncia muitogrande, mas no as utiliza para influenciar ocomportamento das demais, s pode serconsiderada culta e inteligente, mas no poderosa.
Portanto, o que define o poder o seuexerccio e sua influncia sobre o comportamentodas pessoas. E como todo poder sempreexercido por determinados meios, esses meiostornam-se fundamentais na definio modernados tipos de poder.
A TIPOLOGIA MODERNADAS FORMAS DE PODER
Baseado em Weber, o pensador italianoNorberto Bobbio formulou a tipologia modernadas formas de poder, construida a partir dos meiospelos quais o poder exercido.
Max Weber (1864-1920)
Socilogo, historiador e
poltico alemo que, jun-
to com Karl Marx e mile
Durkheim, considerado
um dos fundadores da
sociologia e dos estudos
comparados sobre cultura e religio.
Para Weber, o ncleo da anlise soci-
al consistia na interdependncia en-
tre rel igio, economia e sociedade.
Disponvel em: . Acesso em: 4 dez. 2009.
Norberto Bobbio (1909-2004)
Formado em filosofia e
em direito, foi profes-
sor universitrio e jor-
nalista. Fez parte do
movimento da Resis-
tncia: l igou-se a gru-
pos liberais e socialistas que comba-
tiam a ditadura do fascismo. Seus es-
tudos recaem sobre a filosofia do di-
reito, a tica, a fi losofia poltica e a
histria das ideias. Nela se discutem
as ligaes entre razes de Estado e
democracia, alm de temas fundamen-
tais, como a tolerncia relacionada ao
preconceito, ao racismo e questo da
imigrao na Europa atual, obrigada a
conviver com diferentes crenas religi-
osas e polticas.
Saiba mais
19Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
O poder econmico exercido por todo aquele quese vale da posse de certos bens, necessrios ouconsiderados necessrios, numa situao de escassez,para induzir aqueles que no os possuem a certocomportamento, que pode ser, principalmente, certotipo de trabalho. (BOBBIO, 1984, p. 7).
O poder ideolgico funda-se sobre a influncia quebaseado na influncia que as ideias formuladas de certamaneira, ou emitidas em certas circunstncias, por umapessoa revestida de autoridade, e difundidas por certosmeios, tm sobre o comportamento dos comandados.(BOBBIO, 1984, p. 7).
O poder poltico fundamentado na posse dosinstrumentos atravs dos quais se exerce a fora fsica,isto , atravs das armas de qualquer espcie e grau.(BOBBIO, 1984, p. 8).
A partir dessas definies sumrias de poder econmico,poder ideolgico e poder poltico, podemos, agora, desenvolver cadauma delas por meio de exemplos.
Poder econmico
Um proprietrio de terras exerce poder econmico sobreos trabalhadores rurais sem terra ao induzi-los atrabalhar de uma determinada forma em suas terras(cortando cana ou colhendo caf), por umdeterminado perodo de tempo (uma jornada de oitohoras), em troca de um pagamento.
Uma empresa industrial exerce poder econmico sobreos seus operrios ao condicion-los a umadeterminada rotina e jornada de trabalho (40 horasde trabalho semanal) nas suas fbricas em troca dopagamento de um salrio mensal.
20Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Um banco exerce poder econmico sobre empresasagrcolas, industriais, comerciais ou de prestao deservios quando lhes empresta o dinheiro de quenecessitam para desenvolverem suas atividades emtroca do pagamento peridico do emprstimo a umadeterminada taxa de juros.
Como destaca Bobbio (1984, p. 7), na posse dos meios deproduo reside uma enorme fonte de poder por parte daquelesque os possuem em relao aos que no os possuem, sejam essesmeios de produo terras, mquinas ou dinheiro.
Tomemos, mais uma vez, o exemplo do proprietrio de terrasque exerce poder econmico sobre o trabalhador agrcola sem terra,para deixar bem claro um ponto relevante. O poder que o primeiroexerce sobre o segundo funda-se essencialmente na posse de umbem necessrio e escasso (a terra), e no na coero fsica comoera o caso do poder exercido pelo senhor sobre o trabalhador escravo,durante o Perodo Colonial e o Imprio, no Brasil nem em qualquerobrigao de ordem moral ou baseada nos costumes como era ocaso do servo da gleba que, durante a Idade Mdia, na Europa,trabalhava nas terras do seu senhor sem receber qualquer remunerao.
Poder ideolgico
As religies e seus sacerdotes exercem poder ideolgicosobre seus fiis por meio dos seus valores expressosem palavras que condicionam o seu comportamento.
Testemunhas de Jeov recusam-se a receber transfusode sangue porque sua religio probe essa prticaainda que ela seja recomendada pelos mdicos.
Seguidores de diversas denominaes evanglicaspagam voluntariamente o dzimo s suas igrejas porqueisso lhes requerido pelos pastores, e alguns deixamde cortar os cabelos e s usam roupas de mangascompridas porque assim lhes determina a religio.
21Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Catlicos mantm-se castos, praticam a caridade eassistem ao culto dominical porque assim a religiolhes determina.
Muulmanos abstm-se de alimento durante o dia noperodo do Ramad em obedincia s orientaes doprofeta Maom.
Lideres polticos, sindicais e intelectuais tambmexercem poder ideolgico ao inf luenciar ocomportamento das pessoas por meio de ideias epalavras, levando-as a votar em um determinadocandidato ou partido; aderir a uma greve; integrar ummovimento; ou participar de uma manifestao pblica.
Os meios de comunicao de massa como jornais,revistas, redes de rdio e de televiso exercemigualmente poder ideolgico sobre os seus leitores,ouvintes e espectadores, quando esses incorporam osargumentos e raciocnios veiculados por aqueles meiose agem de acordo com eles. Esse comportamento podeser o ato de sustentar e votar em um determinadocandidato em uma eleio; contribuir com seu dinheiroou seu trabalho para alguma campanha; ou consumirou se negar a consumir um determinado produto.
Esses exemplos mostram duas coisas muito importantes.A primeira que o poder ideolgico influencia o comportamentodos indivduos independentemente do uso de coero fsica sobreeles, ou da sua necessidade material. E a segunda que o exercciodo poder ideolgico sobre os indivduos tambm influencia o seucomportamento poltico e econmico, sem, contudo, se confundircom o poder poltico e econmico que exercido sobre eles. fundamental que voc tenha essa diferena em mente para podercompreender o significado e a amplitude do exerccio do poderpoltico, que o objeto central da nossa matria: a Cincia Poltica.
22Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Poder poltico
O Estado exerce poder poltico sobre o indivduo quando ofora a:
Pagar impostos: caso um indivduo deixe de cumpriresta obrigao, pode ter os seus bens arrestados ouser preso.
Cumprir as leis: caso contrrio, o indivduo podeser multado, privado de determinados direitos,encarcerado ou mesmo executado, dependendo dalegislao de cada pas.
Matar ou morrer: em caso de guerra, o indivduo forado a conquistar ou defender terr i trios,arriscando a sua prpria vida e exterminando a dosseus adversrios. Na guerra, insubordinaes soseveramente punidas e traies ou crimes de guerrano so prescritveis, como os crimes comuns.
O uso ou a ameaa do uso da fora , portanto, o meio peloqual o poder poltico se exerce. Mas se esta a condio necessriapara o seu exerccio, ela no , contudo, condio suficiente paraqualificar o poder exercido pela fora como poder poltico. Seno,teramos que qualificar como exerccio do poder poltico o uso dafora por criminosos que sequestram, torturam e matam o queseria um absurdo para qualquer pessoa de bom senso,independentemente de seus conhecimentos de Cincia Poltica.
Para diferenciar o poder poltico, exercido pelo Estado, dopoder exercido por outros grupos, que controlam territrios eindivduos unicamente com base no uso da fora fsica, necessriointroduzirmos as noes fundamentais de legitimidade e demonoplio.
De acordo com Weber, o que caracteriza o Estado e o poderpoltico, que por ele exercido, o monoplio do uso legtimo dafora fsica sobre os indivduos que integram uma sociedade.
23Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Enquanto mfias, quadrilhas e outras organizaes armadasdisputam entre si o controle sobre territrios e os indivduos queneles se encontram pelo simples uso da fora, o Estado se diferenciadaquelas pela legitimidade com que se encontra investido paraexercer, exclusivamente e em ltima instncia, a fora fsica sobretodos os indivduos de uma sociedade.
Nas sociedades em que no existe uma instncia que exeracom exclusividade a fora fsica sobre os seus membros, no sepode rigorosamente falar da existncia de um Estado, configurando,antes, uma situao de anarquia. E em sociedades em que,hipoteticamente, houvesse uma instncia que monopolizasse o usoda fora, mas no tivesse a legitimidade do seu poder reconhecidapelo conjunto da populao que a ele se encontra submetida,tampouco se poderia rigorosamente falar da existncia de umEstado, pois o poder exercido equivaleria ao de um dspota sobreuma populao escrava.
Portanto, para que se possa justamente falar de Estadoe de exerccio de poder poltico, certa dose deconsentimento dos dominados (governados) do uso dafora pelos dominantes (governantes) se faz semprenecessria.
Como voc j deve ter percebido, Estado e poder polticoso termos indissociveis e o que diferencia o exerccio do poderpoltico do simples uso da fora bruta so a exclusividade elegitimidade que o Estado possui para recorrer ao uso da forafsica sobre as pessoas nas sociedades civilizadas.
Diante desta definio de poder poltico aparentemente to
restritiva, pois centrada no Estado , voc provavelmente se
colocar as seguintes questes:
24Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
a) Ser mesmo que apenas o Estado que exerce poder
poltico na sociedade?
b) E os partidos, sindicatos, associaes, grandes empresas
e jornais no exercem tambm poder poltico?
Com base no que voc j estudou at aqui, procure responder
essas questes nas linhas abaixo antes de avanarmos em
nosso estudo.
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Se voc teve dificuldade em encontrar respostas claras edefinitivas para essas perguntas, no se preocupe, pois estasrespostas so mesmo complexas. Por isso, vamos tentar, a partir deagora, esclarec-las.
De acordo com a tipologia moderna das formas de poder segundo a qual o poder poltico se baseia na fora fsica e se exercede forma legtima e exclusiva a resposta para a primeira perguntas pode ser:
Sim, apenas o Estado exerce o poder poltico nassociedades contemporneas e civi l izadas, poisnenhuma outra organizao nessas sociedades tem aexclusividade e legitimidade para empregar a forasobre os indivduos.
Em relao segunda pergunta e conforme amesma definio de poder poltico a resposta tem de ser,inequivocamente:
25Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
No! Partidos, sindicatos, associaes, grandesempresas industriais, comerciais, de servios e decomunicao agem, sim, politicamente, mas sua aotem por objetivo influenciar o Estado, mas no exercero poder poltico isto , utilizar a fora de formalegtima e exclusiva no lugar do Estado.
Vamos esclarecer esse ponto?
Partidos polticos so organizaes que, por definio,procuram exercer o poder poltico, mas s o exercem, de fato, quandotm o controle do Estado. Nos perodos em que se encontram forado Estado, os par tidos polt icos procuraram influenciar ocomportamento dos indivduos a partir de suas ideias, propostas epropaganda poltica. Nesses casos, os partidos influenciam osistema poltico, exercendo poder ideolgico, mas no poder poltico.Weber (1994, p. 35) qualifica a ao dos partidos como aopoliticamente orientada, diferenciando-a da ao polticapropriamente dita.
Sindicatos e grandes empresas, em qualquer ramo deatividade, organizam-se em torno de suas atividades e interesseseconmicos. Consequentemente, o poder que exercem na sociedade, tambm, fundamentalmente econmico. Mas isso no quer dizerque seu poder e influncia estejam restritos ao campo da economia.Sindicatos e empresas tambm procuram intervir no plano dasideias e, de fato, exercem poder ideolgico.
Sindicatos procuram associar defesa dos interesseseconmicos das categorias profissionais que representam, interessese valores mais amplos, como a igualdade, a cidadania etc.E empresas tambm procuram associar sua imagem a defesa deinteresses colet ivos, e no apenas corporativos, como aresponsabilidade social, ambiental etc. Mas nem sindicatos, nemempresas, nem qualquer associao da sociedade civil procura
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Cincia Poltica
exercer as funes do Estado isto poder poltico. O que todosprocuram influenciar a ao do Estado; mas no agir emsubstituio a ele.
Ficou claro? Se voc ainda tem dvida a esse respeito, deve
retomar a leitura de pontos anteriores, ou esclarec-la com o
seu professor ou tutor. Mas se voc j tem essas questes claras,
podemos, ento, seguir adiante em nosso estudo, examinando
em maior profundidade o poder exercido pelo Estado nas
sociedades contemporneas.
27Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
CARACTERSTICAS DO PODER DO ESTADO
Esclarecida a relao indissocivel entre o exerccio do poderpoltico e a ao do Estado, vamos agora examinar aquilo quecaracteriza o poder estatal. De acordo com Bobbio (1984), as suascaracterst icas fundamentais so trs: a exclusividade,a universalidade e a inclusividade.
A Exclusividade refere-se :
...tendncia que os detentores do poder poltico manifes-tam em no permitir, em seu mbito de domnio, a forma-o de grupos armados independentes, e em subjugar oudesbaratar aqueles que venham a se formar, e tambmatentar para as infiltraes, as ingerncias ou agresses degrupos polticos externos. (BOBBIO, 1984, p. 10)
Essa definio refere-se, em outros termos, ao cartermonopolista do Estado descrito por Weber.
A Universalidade diz respeito
capacidade que tm os detentores do poder poltico, e seles, de tomar decises apropriadas e efetivas para toda acomunidade no que toca distribuio e destino dos recur-sos no apenas econmicos. (BOBBIO, 1984, p. 10)
Isto que dizer que o Estado toma decises em nomede toda a coletividade que ele representa, e no apenasda parte que exerce o poder.
28Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
A Inclusividade refere-se
...possibilidade de intervir imperativamente em toda apossvel esfera de ao dos membros do grupo, direcionando-os para um fim desejado ou dissuadindo-os de um fim nodesejado atravs do ordenamento jurdico, ou seja, atravsde um conjunto de normas primrias dirigidas aos mem-bros do grupo e de normas secundrias dirigidas a funcio-nrios especializados, autorizados a intervir no caso de vi-olao das primeiras. (BOBBIO, 1984, p. 10)
Isto quer dizer que, em princpio, nenhuma esfera davida social se encontra isenta da interferncia estatal,embora no signifique que o Estado tenha de intervirou regular tudo. Signif ica, no entanto, que prerrogativa do Estado definir as reas em que ele queir ou no intervir, conforme o tempo, as circunstnciase o interesse pblico.
29Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
ORGANIZAO DO ESTADO
O carter, universal, inclusivo e exclusivo do poder do Estadono o impede de exercer suas diferentes funes por meio dediferentes instituies. De acordo com Montesquieu, o filsofoiluminista francs que se notabilizoucomo o formulador da teoria daseparao dos poderes, o Estadopossui trs funes fundamentais, dasquais decorrem todas as suas aes.So elas as funes legis lat iva,executiva e judiciria.
Funo legislativa: refere-se prerrogativa deinst i tuir as normas e oordenamento jurdico queregem as relaes doscidados entre si e destescom o Estado.
Funo executiva: exerce-se por meio de um conjuntode instrumentos administrativos e coercitivos tendo emvista assegurar o cumprimento das normas.
Funo judiciria: diz respeito prerrogativa dejulgar a adequao, ou inadequao, dos casos e atosparticulares s normas gerais.
Ao recomendar que as diferentes funes do Estado fossemexercidas por diferentes corpos, Montesquieu se contraps ao poder
Charles-Louis de Secondat (1689-1755)
Grande filsofo poltico do
Iluminismo, conhecido como ba-
ro de Montesquieu. Escreveu um
relatrio sobre as vrias formas
de poder, em que explicou como
os governos podem ser preserva-
dos da corrupo. Definiu trs ti-
pos de governo existentes: republicanos,
monrquicos e despticos; e organizou um siste-
ma de governo que evitaria o absolutismo, isto ,
a autoridade tirnica de um s governante.
Fonte: . Acesso em: 4 dez. 2009.
Saiba mais
30Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
absoluto que os monarcas europeus exerciam em seu tempo. Suapreocupao era a de evitar a excessiva concentrao deincumbncias nas mos de um nico indivduo (o rei), ou em umnico organismo (a assembleia), pois isso lhe parecia perigoso portender ao abuso de poder por parte dos governantes, e atentar contraa liberdade dos governados.
Ao propor a diviso funcional do poder, Montesquieu nopretendia dividir o poder do Estado o que seria contraditrio como carter monopolista do poder estatal , mas apenas separarfunes diferentes em corpos distintos dentro do mesmoEstado. Portanto, quando falamos em separao dos PoderesLegislativo, Executivo e Judicirio e essa a terminologiausualmente empregada pelos constitucionalistas e pelos polticos estamos cometendo uma impreciso conceitual, pois o poder unoe indivisvel. O que seguramente pode e deve ser dividido soas funes do poder por diferentes instituies do Estado.
A ideia de distribuir o exerccio do poder do Estado emdiferentes rgos independentes e especializados no desempenhode funes especficas acabou sendo adotada em todos os Estadosdo Ocidente e em todas as democracias. No Brasil, assim comonas demais democracias, as funes do Estado encontram-seconstitucionalmente distribudas entre os Poderes Executivo,Legislativo e Judicirio, e as competncias e atribuies de cadaPoder definidas e delimitadas pela Constituio Federal.
Neste ponto, voc pode estar se perguntando:
As competncias que a Constituio atribui a cada um dostrs Poderes correspondem exatamente a cada uma das trs
funes do poder, descritas por Montesquieu?
No h casos em que, por exemplo, o Poder Executivo exercefuno legislativa, o Poder Legislativo funo judiciria e o
Poder Judicirio funo legislativa?
31Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Procure responder essas duas questes nas linhas abaixo:
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Como veremos a seguir, o Poder Executivo encontra-se,certamente, incumbido de funes executivas, mas tambm lhecompete exercer outras funes. Da mesma forma, o PoderLegislativo est fundamentalmente incumbido da funo legislativa,mas pode constitucionalmente exercer outras funes, assim comoo Poder Judicirio, ao qual cabe a funo judiciria, pode tambmexercer outra funo em determinadas circunstncias.
Portanto, a resposta para a primeira pergunta deve ser no,e para a segunda deve ser, necessariamente, sim. Vamosconsiderar essas situaes nos exemplos a seguir:
Quando o Presidente da Repblica que exerce o PoderExecutivo auxiliado pelos ministros de Estado faz um decreto regulamentando uma lei, est editandonormas completares e, portanto, exercendo funolegislativa. Da mesma forma, quando a Receita Federal rgo do Poder Executivo aplica uma multa a umcontribuinte, est exercendo funo judiciria, poisest julgando inadequado um ato particular a uma leigeral, isto , o contribuinte X punido por no terrecolhido os seus impostos conforme determina alegislao tributria vigente.
Quando o Senado Federal rgo do Poder Legislativo julga o Presidente da Repblica em um processo deimpeachment, est exercendo funo tipicamentejudiciria, e no legislativa. Isso ocorreu no Brasil em1992, quando o Senado brasileiro assumiu funesde uma corte judicial, apreciando o processo movido
32Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
pelo Procurador-Geral da Repblica contra o entopresidente Fernando Collor por crime deresponsabilidade e manifestando-se, finalmente, pelacassao do seu mandato.
Da mesma forma, quando o Supremo Tribunal Federal rgo superior do Poder Judicirio julgoua constitucionalidade do decreto que determinoua demarcao contnua das terras da reserva indgenaRaposa Serra do Sol, em Roraima, exerceu funolegislativa aos fixar condies de acesso do PoderPblico quelas reas, que no estavam previstas nodecreto em julgamento.
Por tanto, Poderes Executivo, Legislativo e Judicirioe funes executiva, legislativa e judiciria so termos estreitamenterelacionados, mas no so sinnimos. Os primeiros, grafadossempre com iniciais maisculas, referem-se s estruturashierrquicas do Estado, que so constitucionalmente dotadas deautonomia umas em relao s outras. As segundas referem-se distinta natureza dos diferentes atos do Estado, independentementedo Poder constitudo de onde emanam.
Uma vez entendida a diferena e as relaes entre os Poderes
de Estado e as funes do Estado, podemos seguir em nosso
estudo. E, em caso de dvida, no hesite em consultar seu tutor.
Da mesma forma que o poder do Estado pode serfuncionalmente distribudo entre diferentes instncias sem perderas suas caractersticas monopolistas, o Estado tambm pode seorganizar em mais de uma esfera legislativa, executiva e judiciria.No mundo contemporneo, existem dois tipos de Estado quantoa sua organizao interna: Estados unitrios e Estados federativos.
33Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Os Estados unitrios, como o prprio nome indica, possuemuma nica esfera de organizao pol t ico-administrat iva.Essa unicidade expressa na existncia de:
uma nica ordem poltica; uma nica ordem jurdica; e uma nica ordem administrativa.
A Frana, o Chile e Israel, entre tantos outros, so exemplosde Estados unitrios, cujo poder encontra-se centralizado nasinstncias poltico-jurdico-administrativas nacionais. NessesEstados podem existir autoridades locais, ou at mesmo regionais,mas essas no gozam de autonomia poltica, isto , no tm aprerrogativa de governarem-se de acordo com as suas prpriasnormas, e de formularem as suas prprias polticas. Em Estadosunitrios, as autoridades regionais exercem o poder de formadesconcentrada, mas no descentralizada, pois o centro do poder um s.
Somente nos Estados federativos existem diferentes centrosde poder e efetiva autonomia das diferentes esferas de governo umasem relao s outras como a nacional, as estaduais e asmunicipais, no caso do Brasil. Nos Estados federativos, a separaoentre Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, existente na esferafederal, tambm se reproduz nas esferas subnacionais.
A Constituio Federal brasileira, de 1988, inovou em relaos demais constituies dos Estados federativos do mundo ao incluiros municpios e o Distrito Federal como membros da federaobrasi leira. O perf i l sui generis da federao encontra-se,resumidamente, apresentado no Quadro 3 a seguir:
34Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Quadro 3: Distribuio dos Poderes entre as diferentes esferas da federaobrasileiraFonte: Elaborado pelo autor
Como voc pode perceber no quadro apresentado, emboraa Constituio Federal brasi leira assegure aos municpiosautonomia em relao aos estados, essa autonomia parcial, umavez que restrita aos Poderes Executivo e Legislativo, j que na esferamunicipal no existe um Poder Judicirio prprio, o que torna osmunicpios dependentes dos tribunais estaduais.
Deixemos, agora, de lado o caso brasileiro para retornarmosao estudo da organizao do Estado em termos mais gerais.Retomemos o ltimo ponto: o da federao.
A organizao federativa de Estado foi inventada nos EstadosUnidos aps a sua guerra de independncia com a Inglaterra, noltimo quartel do sculo XVIII. At o surgimento da federaoamericana, o mundo s conhecia duas formas bsicas deorganizao do Estado a repblica e a monarquia as quais seacrescentava uma terceira forma em casos especiais o imprio.Examinemos cada uma delas antes de analisarmos a originalidadetrazida pela inveno da federao.
Repblica: a caracterstica bsica desta forma deEstado que nela a mais alta funo da estruturahierrquica de poder seja ela ocupada por uma nica
OrdenamentoJurdico
Poder Executivo
Poder Legislativo
Poder Judicirio
ConstituioFederal
Presidenteda Repblica
CongressoNacional: Senado Federal Cmara dosDeputados
Tribunaisfederais
ESFERAS
Constituiesestaduais
Governadoresde Estado
AssembleiasLegislativas eCmaraDistrital, nocaso do DistritoFederal
Tribunaisestaduais
Leis orgnicasmunicipais
Prefeitosmunicipais
Cmarasmunicipais
(inexistente)
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL
35Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
pessoa ou por um grupo de pessoas (como no caso daSua) , resulta da escolha do povo por meio deeleies diretas ou indiretas (neste caso, por meio deuma assembleia composta de seus representantes).Na Antiguidade e durante toda a Idade Mdia, a formarepublicana de Estado foi adotada apenas pelosEstados pequenos em territrio e em populao ,devido, entre outras coisas, dificuldade, senoimpossibilidade, de reunir um povo que se encontrasseespalhado sobre um grande territrio para deliberarsobre a coisa pblica (que em latim, escreve-se respublica, donde a origem do termo repblica). NaAntiguidade, Roma e Atenas organizaram-se comorepblicas durante certo perodo, assim como Venezae Genebra durante a Idade Mdia e Renascena.
Monarquia: nesta, o acesso ao topo da hierarquia doEstado se d por direito hereditrio, portanto, sem ainterveno da escolha popular. Essa forma deorganizao do poder era comum tanto aos pequenosEstados (como o caso do Principado de Mnaco atos dias de hoje), quanto aos Estados de maior extensoterritorial (como era a Frana durante o Antigo Regime).
Imprio: uma forma de organizao do Estado queemergiu em resposta aos problemas surgidosda expanso do poder de um Estado sobre amplosterr i trios, abrangendo culturas e real idadespolticas muito diversas. Este foi o caso da Roma,na Antiguidade, em que o imprio veio suceder arepblica. E tambm o da Rssia, a partir do sculoXVI, quando imprio sucedeu a monarquia. Essa formade organizao dos grandes Estados sobreviveu at aPrimeira Guerra Mundial, quando o Imprio Otomanoe o Imprio Austro-Hngaro se dissolverem em Estadosrepublicanos menores, e o Imprio Russo se transformouna Unio das Repblicas Socialistas e Soviticas.
36Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Se compararmos as trs formas de Estado, que acabamosde examinar, com a Federao, inventada pelos americanos,veremos que entre as grandes novidades trazidas por esta destacam-se:
compatibilizao da repblica com um Estado queestende seu domnio por um amplo territrio;
inveno do presidencialismo, que significa, grossomodo, a constituio de um monarca temporrio porescolha popular, isto , o exerccio por tempodeterminado da mais alta magistratura por uma nicapessoa escolhida por meio de eleies; e
criao de um ordenamento estatal composto por duasesferas de governo autnomas, regido por umaconstituio que determina a distribuio dascompetncias entre a Unio e os Estados membros. Esteponto dever ficar mais claro nas explicaes a seguir.
Aqui, cabe ainda destacar que, logo no incio da suaindependncia, os Estados Unidos se constituram, no como umafederao, mas como uma confederao, a exemplo do que ocorriacom os pequenos Estados na Antiguidade.
Na antiga Grcia, as diferentes cidades-Estado, comoAtenas, Espar ta, Tebas e Corinto, costumavam se unirtemporariamente em uma confederao com a finalidade deenfrentarem, juntas, um inimigo poderoso, como foi o caso daguerra contra os persas.
Seguindo o exemplo dos antigos gregos, as treze colniasamericanas assinaram, em 1777, os Artigos da Confederao coma finalidade de se fortalecerem na guerra de independncia queento travavam contra a sua antiga metrpole, a Gr-Bretanha.
Mas a forma de unio sob uma confederao se mostrouum instrumento muito frgil para mant-las unidas, e uma uniomais duradoura lhes pareceu necessria para assegurar aindependncia conquistada. Foi por isso que a conveno dos
37Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Estados americanos, reunida em Filadlfia, em 1787, assinou aConstituio dos Estados Unidos, instituindo a federao, tal comoa conhecemos hoje em dia.
As principais diferenas entre a federao e a confederaoso as seguintes:
na federao, a unio dos estados-membros perma-nente e indissolvel, enquanto na confederao a unioentre Estados temporria, havendo direito seces-so, isto , ao desligamento de um Estado da confede-rao;
a federao possui personalidade jurdica nos planosinterno e externo, enquanto a confederao s tem per-sonalidade jurdica externa, isto , no plano interna-cional;
na federao, a Unio, ou seja, os Poderes federais,tem presena ativa dentro dos Estados, enquanto aconfederao no tem presena nem age diretamentedentro dos Estados que a compem; e
finalmente, a federao um Estado composto, en-quanto a confederao uma composio de Estados.
Depois dos Estados Unidos, a forma federativa deorganizao do Estado foi adotada por diversos pases de grandeextenso territorial, como o Canad, o Brasil, a Austrlia, a Rssiae a ndia.
Outros pases, nem to grandes assim, acabaram tambmpor adotar a forma federativa para acomodar as diferentes tradiespolticas das regies que os compem, como a Alemanha e a Itlia,aps a Segunda Guerra Mundial.
E outros ainda, apesar de pequenos, tornaram-se federaespara acomodar a sua diversidade cultural sob uma nica organizaoestatal, como a Blgica e a Sua (esta, embora mantenha o nomeoriginal de Confederao Helvtica, , de fato, uma federao).
38Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Nasceu em Genebra, na Sua. Es-
creveu o Discurso Sobre as Cincias
e as Artes, tratando nele da mai-
or ia dos temas importantes em
sua fi losofia. Em 1755, publicou
o Discurso Sobre a Origem da Desi-
gualdade Entre os Homens. Em 1761, veio luz
A Nova Helosa , romance epistolar que obteve
grande sucesso. No ano seguinte, saram duas
de suas obras mais importantes: o ensaio
Do Contrato Social e o tratado pedaggico Emlio,
ou da Educao. Em 1762, foi perseguido por con-
ta de suas obras, consideradas ofensivas mo-
ral e rel ig io, e obrigado a exi lar-se em
Neuchtel (Sua) . Disponvel em: . Acesso em: 4 dez. 2009.
Saiba mais
A PREPONDERNCIA DO EXECUTIVOE O PAPEL DA ADMINISTRAO PBLICA
Qualquer que seja a forma assumida pelo Estado unitriaou federativa , o Poder Executivo, ou, mais precisamente, o governoe o conjunto de instituies subordinadas ou vinculadas ao chefede governo, que exercem as funes executivas, tm papelpreponderante.
Esse destaque do Executivo emrelao aos demais Poderes no significaque suas funes sejam maisimportantes do que as exercidas pelosdemais Poderes do Estado. Algunspensadores da poltica consideravamque os outros Poderes exerciam funesmais nobres que o Executivo. Porexemplo, para Rousseau (1712-1778) o Poder Legislativo o poder central efundamental de todo Estado, j que a elecabe a funo de elaborar e aprovar asleis que sero seguidas por toda acoletividade. Para Montesquieu, poroutro lado, esse papel fundamental cabiaao Poder Judicirio, devido a sua funode mediar a relao entre aquele quemanda (o governante) e aquele quelegisla (a assembleia).
39Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
Como ento explicar a preponderncia do Executivo sobre os
demais poderes do Estado?
Uma resposta simples a essa questo pode ser buscada nadefinio de poder poltico, j estudada. Se, como vimos, a forafsica o meio sobre o qual repousa o exerccio do poder poltico,ento em uma estrutura estatal ter papel preponderante aquelecorpo que tiver o controle dos instrumentos de coero. E esseprecisamente o caso do Poder Executivo que a partir de agorapassaremos a chamar de governo.
Embora o governo no tenha as prerrogativas de:
criar as regras gerais que balizam a vida dos cidados(funo legislativa e atribuio do Poder Legislativo);e
decidir sobre a adequao dessas regras aos casosparticulares (funo judiciria, a cargo do PoderJudicirio).
o Poder Executivo que tem sob seu controle o aparatocoercitivo do Estado, garantindo assim:
o cumprimento das determinaes dos outros Poderes; e a execuo das polticas do Estado.
Assim, ao governo e aos rgos que lhe so subordinados,compete:
recolher os impostos que sustentam o funcionamentode todos os Poderes do Estado recolhimento que sempre compulsrio e respaldado pelo uso da fora,sempre que esta se fizer necessria;
garantir a segurana interna dos cidados, entendidacomo a proteo da sua integridade fsica, liberdadeindividual e do gozo dos seus bens, garantia essa que
40Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
repousa sempre, em ltima instncia, na possibilidadedo recurso fora fsica e utilizao de armas; e
proteger os cidados das agresses externas, funoessa que cabe s foras armadas, que tambm seencontram sempre subordinadas ao Poder Executivo.
A primazia do Executivo sobre os demais Poderes repousa,portanto, no controle que ele tem sobre os instrumentos decoero fsica.
Mas seria a coero fsica o nico meio de exerccio do poder
do governo sobre os governados?
Certamente no, nem o nico, nem o mais frequente.A coero fsica como j foi explicitado diversas vezes ao longodeste texto o recurso extremo que o Estado utiliza, em ltimainstncia, para fazer valer a ordem, isto , o cumprimento dasdecises que foram tomadas em nome de toda a coletividade, eque devem ser seguidas por cada um de seus membros.
O meio mais frequente pelo qual o Estado, em geral, e ogoverno, em particular, exerce o seu poder sobre a sociedade no a coero direta, mas a administrao respaldada coercitivamente.Isso quer dizer que o poder do Estado exercidoadministrativamente, isto , por meio de um corpo funcionalencarregado da execuo continuada de uma srie de atividadesque intervm diretamente no funcionamento da sociedade.
Doutrinariamente, a Administrao Pblica concebidacomo o conjunto de atividades executadas pelo Estado tendo emvista a realizao do interesse pblico. Da perspectiva da CinciaPoltica, a Administrao Pblica o meio pelo qual o Estado exerceregularmente o seu poder sobre a sociedade. Entre uma concepoe outra no h contradio; o que h so abordagens distintas sobreo mesmo objeto.
41Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
O Direito Administrativo concebe e define a AdministraoPblica teleologicamente, isto , considerando a sua finalidade. Ja Cincia Poltica a concebe instrumentalmente, isto , enquantomeio pelo qual o Estado exerce o seu poder. A abordagem do DireitoAdministrativo prescritiva (o dever ser) enquanto a da CinciaPoltica descritiva (o que ). O primeiro concebe a AdministraoPblica como prestao de servio; a segunda, como dominao.
Para que voc possa melhor compreender que entre umae outra perspectiva no existe contradio, mas complementaridade,vamos considerar alguns exemplos:
o policiamento ostensivo de praas e vias pblicas um servio que o Estado presta ao cidado, aoproteg-lo, pela dissuaso, das agresses potenciaisde outros indivduos contra a sua integridade fsica,seus bens ou sua liberdade; mas tambm exercciodo poder de Estado sobre todos os indivduos dasociedade, na medida em que condiciona o seucomportamento conforme as regras estabelecidas,como no roubar uma ma de um mercado quandose tem fome, mas no se tem dinheiro no bolso;
a oferta de educao gratuita nas escolas pblicas ,obviamente, um servio pblico, mas tambm ummeio de exerccio de poder do Estado sobre osindivduos, na medida em que as crianas soobrigadas a entrar na escola em um determinadohorrio, e l ficar durante um determinado tempo, terum certo comportamento e demonstrar um certodesempenho; e
o controle do trfego areo um servio que o poderpblico oferece s companhias areas e populaoem geral, tanto que viaja de avio quanto que viveem regio prxima aos aeroportos, na medida em queprevine acidentes que causariam graves danos a todos.No entanto, ele tambm implica em exerccio do poder
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Cincia Poltica
do Estado sobre todos os envolvidos ao estabelecerregras rgidas para a operao das empresas areas,para o acesso dos passageiros aos avies e para asconstrues no entorno dos aeroportos.
Portanto, a Administrao Pblica sempre exerce poder aoprestar servios sociedade. E por essa razo que o estudo daCincia Poltica essencial para o administrador pblico.
43Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
ResumindoNesta Unidade, voc estudou alguns conceitos funda-
mentais da Cincia Poltica que sero utilizados nas prxi-
mas Unidades desta disciplina.
Voc, agora, j deve ter uma noo mais clara do que
significa poder e de como o poder se relaciona com a poltica.
Voc tambm j deve ser capaz de:
identificar como o poder poltico exercido peloEstado;
diferenciar Poderes de Estado de funes do Estado; diferenciar Estado de governo; e compreender o papel da Administrao Pblica no
seio do Estado.
Se isto est claro para voc, o convidamos a comear o
estudo da Unidade 2. Mas se voc tem dvidas a respeito,
deve retornar aos pontos deste texto que tratam dos temas
sobre os quais voc ainda precisa de esclarecimentos, e, se
necessrio, converse com o seu tutor.
44Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Mdulo 2
Unidade 1 Conceitos bsicos da Cincia Poltica
45Mdulo 2
Apresentao
UNIDADE 2
OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM
Ao finalizar esta Unidade voc dever ser capaz de:
Identificar os princpios do pensamento liberal e conhecer suasprincipais caractersticas;
Identificar os princpios do marxismo e conhecer suas principaiscaractersticas; e
Compreender que ambas as correntes terico-filosficas emergiramcomo crticas e propostas alternativas organizao social vigente
no seu tempo.
FUNDAMENTOS TERICOSDA CINCIA POLTICA
46Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
47Mdulo 2
Unidade 2 Fundamentos tericos da Cincia Poltica
FUNDAMENTOS TERICOSDA CINCIA POLTICA
Caro estudante,Toda cincia baseia-se na Filosofia, e no caso da CinciaPoltica no diferente. A Cincia Poltica, campo deinvestigao relativamente recente, tem seus fundamentostericos na Filosofia Poltica, que remonta Antiguidade.Na Unidade 1 desta disciplina, recorremos Filosofia Polticaao examinarmos a tipologia clssica das formas de poder deAristteles. Nesta Unidade, no iremos revisitar os filsofosda Antiguidade, mas concentrar nosso estudo nas duasprincipais correntes filosficas que orientam o debatepoltico no mundo contemporneo: a liberal e a marxista.Voc certamente j ouviu falar de liberalismo e marxismo,e deve ter alguma ideia do que seja um e outro. Por isso,antes de iniciarmos nosso estudo, procure dar umadefinio sinttica para cada e destacar duas caractersticasde cada corrente que lhe paream essenciais.Ao final deste estudo, voc dever voltar a essa parte everificar o que voc j sabia e o que voc aprendeu sobreesse tema to importante da Cincia Poltica.LiberalismoDefinio:
Caracterstica 1:______________________________________Caracterstica 2:______________________________________
48Bacharelado em Administrao Pblica
Cincia Poltica
Como correntes f i losficas, oliberalismo e o marxismo se estruturaramcombatendo as ideias dominantes e aordem vigente sua poca, propondonovas e mais justas formas de organizaoda sociedade.
Na base do pensamento liberal,encontram-se as reflexes e proposiesdesenvolvidas pelos filsofos ingleses efranceses dos sculos XVII e XVIII, que seopunham ao poder absoluto exercido pelasmonarquias hereditrias da Europa,propondo bases alternativas ao direitodivino para legitimar o exerccio dopoder poltico.
O marxismo, por sua vez,estruturou-se como crtica alternativa sociedade burguesa e ordem liberalvigentes no sculo XIX, tendo por base opensamento dos f i lsofos alemesKarl Marx e Friedrich Engels.
Ao longo do sculo XIX, ol iberal ismo acabou por se imporcompletamente ao pensamento
MarxismoDefinio:
Caracterstica 1:______________________________________Caracterstica 2:______________________________________
Vamos l, leia com ateno e busque auxlio sempre quejulgar necessrio.Bons estudos!
Karl Marx (1818-1883)
Terico do socialismo. Em 1848,
Marx e Engels publicaram o Ma-
nifesto do Partido Comunista, o pri-
meiro esboo da teoria revolu-
cionria que, anos mais tarde,
seria denominada marxista.
Embora praticamente ignorado pelos estudio-
sos acadmicos de sua poca, Karl Marx um
dos pensadores que mais influenciaram a his-
tria da humanidade. Disponvel em: .
Acesso em: 4 dez. 2009.
Friedrich Engels (1820-1895)
Importante filsofo alemo, nas-
ceu na cidade de Wuppertal. Jun-
to com o f i lsofo alemo Karl
Marx, criou o marxismo (socialis-
mo cientfico). Disponvel em:
. Acesso em: 4 dez. 2009.
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Unidade 2 Fundamentos tericos da Cincia Poltica
conservador, ao qual se opunha, varrendo-o do cenrio poltico ereorganizando as sociedades europeias conforme os seus princpios.J o marxismo no conseguiu se impor ao liberalismo e ordemburguesa durante o sculo XX, tornando-se seu forte concorrente,mas no substituto.
Liberalismo e marxismo constituem-se, portanto, nosfundamentos tericos que explicam a real idade pol t icacontempornea, e orientam a ao da maior parte dos grupospolticos que se encontram em disputa nas sociedades ocidentais.Por isso, devemos estud-los.
Mas para que voc possa melhor compreender o significadoe a importncia que essas duas correntes tericas tiveram e aindatm nas nossas sociedades, devemos estud-las considerando o seucontexto de surgimento, isto , situando-as historicamente.
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Cincia Poltica
*Jusnaturalismo uma
doutrina segundo a qual
existe e pode ser conheci-
do um direito natural
ius naturale, ou seja, um
sistema de normas de
conduta intersubjetiva
diverso do sistema cons-
titudo pelas normas
fixadas pelo Estado
direito positivo. Este
direito natural tem valida-
de em si, anterior e su-
perior ao direito positivo
e, em caso de conflito,
ele que deve prevalecer.
Fonte: Bobbio (1986).
O PENSAMENTO LIBERAL
O pensamento liberal funda-se em uma corrente filosficaque foi predominante na Europa durante os sculos XVII e XVIII:o jusnaturalismo*. Contrariamente a toda tradio filosfica,anterior e posterior, o jusnaturalismo busca no indivduo e nono grupo a origem do Direito e da ordem poltica legtima.
Entre os diversos filsofos jusnaturalistas, quatro tiveraminfluncia decisiva na formao do pensamento liberal: ThomasHobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
Tomados separadamente, o pensamento de cada um dessesautores bastante singular e, em muitos pontos, at oposto um aooutro, como voc ter a oportunidade de constatar ao longo desteestudo. Mas tomados em conjunto eles formam o alicerce sobre oqual se fundou o liberalismo, cuja influncia tem sido decisiva nadinmica poltica das sociedades ocidentais do final do sculo XVIIIat os dias de hoje.
Nesta seo da segunda Unidade desta disciplina, voc noir estudar o pensamento de cada um desses autorespormenorizadamente. Para isso, seria necessrio dedicar toda umadisciplina exclusivamente ao seu estudo, como se costuma fazernos curso de bacharelado em Cincias Sociais, o que no o caso.Neste texto, voc ver destacadas as contribuies trazidas pelopensamento dos diferentes autores para a formao do substratocomum do liberalismo. E se quiser conhecer um pouco mais dopensamento de cada um, encontrar algumas indicaes de leitura.
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A igualdade e l iberdade so os valores centrais efundamentais do liberalismo. Para sustent-las como valoresuniversais, a teoria do direito natural partiu das seguintes premissas:
a vida em sociedade no o ambiente natural dohomem, mas um artifcio fundado em um contrato;
antes de viver em sociedade, o homem vivia em meioao estado de natureza;
no estado de natureza, as relaes humanas eramregidas pelo Direito Natural;
a razo o nico meio de se conhecer os direitosnaturais; e
o Direito Natural constitui a nica base legtima doDireito Civil.
Com base nesses pressupostos e utilizando o mtodo racional,Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau trataram extensamente,em suas obras, do Direito Pblico e dos fundamentos e da naturezado poder do Estado, estabelecendo, pela primeira vez na histria,uma clara separao entre:
Estado e sociedade civil; e esfera pblica e esfera privada.
Essas so as referncias bsicas do Estado de Direito nomundo contemporneo.
Mas para que possamos bem compreender a contribuiodesses autores e suas teorias para a formao do Estado de Direito,devemos comear o nosso estudo pelo princpio, isto , examinandoo estado de natureza.
No estado de natureza, isto , naquele estgio em que ahumanidade ainda no vivia organizada em sociedade, e muitomenos submetida ao poder do Estado, os indivduos gozariam damais plena liberdade e usufruiriam de tudo aquilo que pudessempossuir. Naquelas condies, no haveria nem bem, nem mal,
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Cincia Poltica
nem a noo de justo ou injusto, pois nenhuma conveno haviaainda sido estabelecida entre os homens, determinando ediferenciando o certo do errado. Tampouco havia qualquer lei aregular as suas relaes, a no ser as leis da prpria natureza.
No estado de natureza, todos os indivduos so naturalmenteiguais e igualmente portadores de determinados direitos naturaisaos quais no podem, em hiptese alguma, renunciar. Entre essesdireitos naturais encontram-se:
o direito a liberdade; e o direto a propriedade.
Se a condio humana no estado de natureza era a de plena
liberdade e independncia, por que, ento, a humanidade
resolveu, em um determinado momento do seu percurso, viver
em sociedade e sob o domnio do Estado?
Para essa pergunta, os nossos quatro autores jusnaturalistasderam a seguinte resposta: por segurana e para proteo dos bense vida de cada um.
Para Hobbes, o estado de natureza seria tambm o estadode guerra generalizada de todos contra todos, em que o homemseria o lobo do prprio homem. Na sua obra, O Leviat, Hobbesfaz uma descrio bastante sombria da condio humana no estadode natureza:
[...] tudo aquilo que vlido para um tempo de guerra,em que todo homem inimigo de todo homem, o mesmo vlido para o tempo durante o qual os homens vivemsem outra segurana seno a que lhes poder ser oferecidapor sua prpria fora e sua prpria inveno. Numa talsituao, no h lugar para a indstria, pois o seu fruto incerto; consequentemente, no h cultivo da terra, nemnavegao, nem uso das mercadorias que podem ser im-portadas pelo mar; no h construes confortveis, nem
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instrumentos para mover e remover as coisas que precisamde grande fora; no h conhecimento da face da Terra,nem cmputo do tempo, nem artes, nem letras; no hsociedade; e o que pior de tudo, um constante temor eperigo de morte violenta. E a vida do homem solitria,pobre, srdida, embrutecida e curta (1979, p.76).
Para Hobbes, acondio miservel dahumanidade no estado denatureza que teria levadoos homens a celebrar umpacto entre si, dando origemao Estado. Por meio dessepacto, cada indivduo teriase comprometido com osdemais em transferir o seudireito natural de utilizar aprpria fora para sedefender e satisfazer os seusdesejos para um serart i f ic ial e colet ivo oLeviat , que no outracoisa seno o Estado. Aofazer isso, os homens teriamtrocado a sua l iberdadenatural pela liberdade civil,e a sua independncia pelasegurana.
A concepo hobbesiana de estado de natureza como estadode guerra no foi compartilhada nem por Montesquieu, nem porRousseau e muito menos por Locke. Contrapondo-se frontalmentea Hobbes, Montesquieu assim escreveu:
Hobbes indaga: por que os homens, mesmo quando noesto naturalmente em guerra, esto sempre armados? Epor que utilizam chaves para cerrar as suas casas?
o Leviat
um monstro bblico que serviria de
inspirao para o t tulo da obra de
Hobbes sobre a natureza e as funes
do Estado moderno. A diferena entre
o mostro da Bblia e o Leviat moder-
no, que este seria criado e composto
pela unio e fora de todos os homens
que pactuaram em formar o Estado
para lhes proteger. Na i lustrao de
capa da primeira edio da obra de
Hobbes, publicada em 1651, o Leviat moderno representa-
do pela f igura de um rei gigantesco que protege a cidade,
portando a coroa sobre a cabea e empunhando a espada na
mo direita, com a qual protege as pessoas dos campos e
cidades. Seu corpo formado pelos corpos dos seus sditos,
de quem recebe sua fora. Acima da figura do Leviat, encon-
tra-se a seguinte frase, escrita em latim: Non est potestas
Super Terram quae comparetur ei (No h poder sobre a Terra
que a ele se compare). Fonte: Elaborado pelo autor.
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Mas no percebe que atribumos aos homens, antes do esta-belecimento das sociedades, o que s poderia acontecer-lhesaps esse estabelecimento, que os leva a descobrir motivospara atacar e defender-se mutuamente. (1979, p. 26-27).
E em seguida concluiu:
Logo que os homens esto em sociedade, perdem o senti-mento de suas fraquezas; a igualdade que existia [no esta-do de natureza] desaparece e o estado de guerra comea.(1979, p. 27).
Como podemos perceber nesses trechos extrados doEsprito das Leis, no foi a natureza humana, mas a vida emsociedade que tornou os homens desiguais e os colocou em estadode guerra.
No pensamento de Rousseau, encontra-se uma dissociaoainda mais radical entre estado de natureza e estado de guerra.O homem no estado natural seria o bom selvagem, incapaz de fazermal ao seu semelhante porque imbudo do sentimento de compaixo.Para Rousseau, os conflitos comearam a surgir quando os homenspassaram a se diferenciar entre si, sobretudo com o adventoe o desejo de propriedade, que vai do amor entre os sexos(e consequentemente do cime) posse de bens materiais.Em O contrato social, Rousseau associou claramente a guerraao estado civil, e no ao estado de natureza:
[...] a guerra no representa, de modo algum, uma relaode homem para homem, mas uma relao de Estado paraEstado, na qual os particulares s acidentalmente setornam inimigos, no o sendo como homens, nem comocidados, mas como soldados (1987, p. 28).
Locke, por sua vez, diferenciou o estado de naturezado estado de guerra da seguinte forma:
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Quando os homens vivem juntos conforme a razo, semum superior comum na Terra que possua autoridade parajulgar entre eles, verifica-se propriamente o estado de natu-reza. Todavia, a fora, ou um desgnio declarado de fora,contra a pessoa de outrem, quando no existe qualquersuperior comum sobre a Terra para a qual apelar, constituio estado de guerra (1983, p. 41).
Segundo Locke, a vida no estado de natureza era boa e noteria se degenerado em estado de guerra. Os homens teriam trocadoo estado de natureza pelo estado civil porque sua vida sob este iriaser mais segura:
A maneira nica em virtude da qual uma pessoa qualquerrenuncia liberdade natural e se reveste dos laos da soci-edade civil consiste em concordar com as outras pessoasem juntar-se e unir-se em comunidade para viverem comsegurana, conforto e paz umas com as outras, gozandogarantidamente das propriedades que tiverem e desfrutan-do da maior proteo contra quem quer que no faa par-te dela. Qualquer nmero de homens pode faz-lo, porqueno prejudica a liberdade dos demais; ficam como esta-vam na liberdade do estado de natureza (1983, p.71).
Independentemente das divergncias entre os autores sobreas motivaes que levaram a humanidade a deixar o estado denatureza para ingressar no estado civil, todos concordavam quesob, a ordem civil, os direitos naturais dos indivduos tmnecessariamente de ser preservados, isto , o direito liberdadee propriedade. A renncia a qualquer desses direitos ainda quevoluntria seria sempre ilegtima, pois equivaleria abdicaoda prpria condio humana, o que seria um absurdo.
Com base nessa teoria e gnese presumida do estado civil,o liberalismo considera a liberdade e propriedade individuais comodireitos humanos inalienveis, que tm de ser mantidos comoclusulas ptreas, isto , clusulas imutveis em qualquer contratosocial, celebrado em qualquer tempo e sob quaisquer circunstncias.
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Toda ameaa ou tentativa de usurpao dessesdireitos vista como espria, pois contraria prpriamotivao que levou a humanidade a criar o Estadoe a ele se submeter.
Afinal argumentariam todos os filsofos jusnaturalistas os homens pactuaram abdicar do uso da sua fora fsica individualem favor do Estado, justamente para que este garantisse a sualiberdade e propriedade, e no para que contra elas atentasse.Assim sendo, a ao do Estado que se opuser a esses direitos bsicosser sempre ilegtima, e a um poder ilegtimo nenhum indivduose encontra moralmente obrigado a se submeter.
Locke chegou a justificar o direito de rebelio em casodo abuso do poder do Estado contra os direitos dos cidadosda seguinte forma:
Em todos os estados e condies, o verdadeiro remdiocontra a fora sem autoridade opor-lhe a fora.O emprego da fora sem autoridade coloca sempre quemdela faz uso num estado de guerra, como agressor,e sujeita-o a ser tratado da mesma forma. (1983, p. 95).
Essa gnese do Estado, assim descrita e concebida, noencontra qualquer comprovao histrica. A arqueologia ea antropologia nunca apresentaram qualquer indcio de que ohomem tenha, em algum momento, vivido isolado, e no em grupos.Tampouco h prova da existncia de um estado de guerrageneralizado anterior formao do Estado, nem de pacto fundadorda unio poltica.
No entanto, a ausncia de uma base factual para essa teoriano apresenta qualquer constrangimento para os fi lsofosjusnaturalistas, pois o seu mtodo de trabalho era inteiramenteracional e dedutivo, dispensando comprovaes empricas.
Hobbes rejeitou a objeo que poderiam lhe formular osadeptos do mtodo histrico da seguinte forma:
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Poder porventura pensar-se que nunca existiu um tal tem-po, nem uma condio de guerra como esta [de todos con-tra todos], e acredito que jamais tenha sido assim, no mundointeiro. [...] Seja como for, fcil conceber qual seriao gnero de vida quando no havia poder comum a recear,atravs do gnero de vida em que os homens que anterior-mente viveram sob um governo pacfico costumam deixar-se cair, numa guerra civil. (1979, p. 76).
Para Hobbes, por tanto, a comprovao histrica daexistncia do estado de natureza absolutamente irrelevante, poiso que de fato importa a natureza do homem em qualquer tempo.Hobbes descreveu a condio humana no estado de naturezaconsiderando o homem tal como ele e age na sociedade, movidopor suas paixes e interesses. E a part ir desses traoscomportamentais tipicamente humanos, presumiu como seria a vidahumana caso no houvesse um Estado a limitar as aes de cada um.
Rousseau desdenhou da comprovao histrica parasustentar sua teoria com as seguintes palavras, com as quais iniciao primeiro captulo do livro O Contrato Social:
O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se aferros. O que se cr senhor dos demais, no deixa de sermais escravo do que eles. Como adveio tal mudana? Ig-noro-a. Quem poder legitim-la? Creio poder resolver estaquesto. (1987, p. 22).
Ao rejeitarem a histria como fonte do conhecimento danatureza e dos fundamentos de uma ordem poltica legtima eaterem-se estritamente razo, os pensadores liberais romperamfrontalmente com a tradio como fonte de legitimao do poder,que era at ento a base de justificao da dominao dos reis eprncipes da Europa at o sculo XVIII.
Ao imaginar como seriam, viveriam e agiriam os sereshumanos fora do convvio social e cultural, a teoria jusnaturalistaprocura encontrar a fonte original do poder poltico aplicvel a toda
vBusque maisinformaes lendo ocaptulo XVII, do Leviat
disponvel em .
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Cincia Poltica
vLeia a DeclaraoUniversal dos DireitosHumanos no stio dasNaes Unidas no Brasil
.
humanidade, independentemente das circunstncias temporais edos costumes dos diferentes povos.
Foi essa pretenso universalista e atemporal que animou osrevolucionrios franceses de 1879 a elaborarem a Declarao dosDireitos do Homem e do Cidado.
Esses mesmos princpios e ideais encontram-se inscritos naDeclarao Universal dos Direitos Humanos, adotada pelaAssembleia Geral das Naes Unidas, em 1948.
Alm de afirmar a igualdade absoluta entre todos os homens,independentemente das suas condies sociais, econmicas ouculturais especficas, o liberalismo caracteriza-se por um radicalhumanismo ao contestar o princpio do fundamento divino da lei edo poder dos governantes, tambm vigentes at o sculo XVIII.A ideia de que a unio poltica surge de um pacto de submisso,por meio do qual cada indivduo abre mo do uso legtimo da suafora fsica, transferindo-o ao Estado, repousa sobre a noo, atento desconhecida, de representao popular como fundamentodo exerccio do poder poltico.
A ideia de que so a vontade e a fora do povo que seencontram por de trs do poder do Estado mesmo no caso dasmonarquias hereditrias e no a vontade e a fora de Deus,encontra-se representada na capa da primeira edio do Leviat,j apresentada e analisada anteriormente. Retorne quela figura eobserve que a armadura do rei, que ergue a espada em proteodo povo, composta pelo prprio povo que a ele se encontrasubmetido. Portanto, a fora do Estado, a qual nada h sobre aTerra que a ela se compare (Non est potestas Super Terram quaecomparetur ei), a fora do prprio povo.
Ao romper com o Direito divino e introduzir as noes derepresentao e soberania popular como bases de qualquer regimepoltico legtimo, a teoria jusnaturalista abriu caminho para osurgimento da democracia dois sculos mais tarde. Na virada dosculo XIX para o XX, os pases onde o liberalismo havia se tornadono princpio organizador do poder do Estado tornaram-sedemocracias, consagrando, definitivamente, o princpio dasoberania popular.
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Mas at que a democracia fosse admitida pelos liberais,um longo percurso teria de ser percorrido. Durante muito tempo,l iberal ismo e democracia foram vistos como princpiosinconciliveis. Como vimos, de acordo com o liberalismo, todoindivduo portador de direitos irrevogveis, que devem serrespeitados por qualquer governo: seja o governo de um s,de poucos ou de muitos. Mas de acordo com a concepo aristotlicade democracia, que foi a concepo dominante de democracia desdea Antiguidade at o sculo XIX, sob essa forma de governo a maioriagoverna no seu prprio interesse, em detrimento dos interesses daminoria e sem reconhecer qualquer limite ao seu poder.
Como para o liberalismo o poder do Estado deve ser semprelimitado pelos direitos naturais, e como a democracia dos antigosdesconhecia limites ao poder da maioria, uma e outra forma deorganizao da sociedade e de exerccio do poder pareciam serirremediavelmente excludentes. Haveria, por tanto, umaincompatibilidade fundamental entre os princpios liberais e aprtica democrtica.
Mesmo Rousseau, que considerado por muitos estudiososda sua obra como o pensador que assentou as bases tericas dademocracia moderna, tinha uma viso muito crtica em relao democracia (dos antigos), como demonstram as seguintes passagensextradas do O contrato social:
Um povo que jamais abusasse do governo, tambm noabusaria da independncia; um povo que sempre gover-nasse bem, no teria necessidade de ser governado. [...] contra a ordem natural governar o grande nmero eser o menor nmero governado. [...] Se existisse um povode deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo toperfeito no convm aos homens. (1987, p. 84-86).
Diante dessa viso to negativa sobre a
democracia, voc certamente est se
perguntando:
vEstudamos este assuntona Unidade 1, em casode dvida faa uma
releitura do assunto.
Sobre as restries dos liberais de-
mocracia, leia os excertos de Demo-
cracia na Amrica, de Tocquevi l le,
em Weffort (1996, p.172-173).
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Cincia Poltica
Como explicar que os liberais de hoje se digam demo-cratas e defensores dos sistemas democrticos no mun-
do, quando todos os seus tericos foram ferrenhos crti-
cos da democracia?
O que fez com que liberalismo e democracia fossem in-compatveis at o sculo XIX, e se tornassem me e filha
nos sculos XX e XXI?
As respostas a essas perguntas fundamentais voc encontrarna terceira e prxima Unidade desta disciplina, dedicada ao estudodas formas de governos e regimes polticos. Nesta Unidade, importante que voc compreenda que:
O liberalismo funda-se no jusnaturalismo, que tem oindivduo por ponto de partida.
Todos os indivduos so iguais e dotados de direitosuniversais e irrevogveis.
Todos os indivduos tm direito liberdade e propriedade. Todo o poder legtimo, independente da sua forma, tem
de respeitar o direito liberdade e propriedade.
A funo do Estado a de garantir a segurana, aliberdade e a propriedade dos indivduos.
O poder do Estado funda-se em uma relao derepresentao entre governantes e governados.
Se voc tem clareza a respeito desses pontos e compreendeu
como eles se articulam no interior do pensamento liberal, j
pode passar para o estudo da seo seguinte, que trata do
pensamento marxista. Mas, se voc tem alguma dvida, retorne
aos pontos do texto que no ficaram suficientemente claros
ou pea esclarecimentos para o seu tutor.
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Unidade 2 Fundamentos tericos da Cincia Poltica
O PENSAMENTO MARXISTA
O pensamento marxista parte de um universo filosfico econceitual inteiramente distinto do utilizado pelo pensamento liberal.Contrariamente ao liberalismo, que parte do indivduo para explicaras relaes de poder na sociedade e a funo do Estado, o marxismotoma por ponto de partida o grupo social, retomando uma longatradio filosfica posta de lado durante os duzentos anos de domniodo jusnaturalismo no pensamento europeu.
Assim, a dinmica das sociedades humanas volta a sercompreendida e analisada a partir das relaes estabelecidas entreos seus grupos sociais no caso do marxismo, as classes sociais e no mais entre indivduos abstratos e atemporais .A histria que foi colocada em um plano secundrio pelosjusnaturalistas , volta a ser o objetocentral da reflexo dos filsofos eeconomistas alemes do sculo XIX,entre os quais se encontrava Marx.
O pensamento de Marx secontraps inteiramente aopensamento poltico liberal sem,contudo, se referir diretamente a ele.Sua teoria dialogou e se ops a outrasteorias e correntes filosficas vigentesno sculo XIX: filosofia alem e economia poltica inglesa e no aojusnaturalismo. Por um lado, Marxinspirou-se na dialtica hegeliana,mas cri t icou o idealismo dopensamento de Hegel. Por outro, Marx
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
Foi um dos mais inf luentes f i lsofos
alemes do sculo XIX. Escreveu so-
bre psicologia, direito, histria, arte
e re l ig io. Concebeu um modelo de
anl ise da real idade que inf luenciou
Marx, Rousseau, Goethe e at Wagner. Debruou-
se sobre