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Apostila Filosofia Prof Alfeu

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resumo

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    Contedo UUUNNNIIIDDDAAADDDEEE 000333 .................................................................................................................................................................. 3

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO --- 000999 A QUESTO DO CONHECIMENTO: ......................................................................................... 3

    111 --- TTTEEEOOORRRIIIAAA DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO::: AAASSS CCCOOONNNDDDIIIEEESSS DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO VVVEEERRRDDDAAADDDEEEIIIRRROOO .................. 3222 SSSUUUJJJEEEIIITTTOOO EEE OOOBBBJJJEEETTTOOO::: OOOSSS DDDOOOIIISSS EEELLLEEEMMMEEENNNTTTOOOSSS DDDOOO PPPRRROOOCCCEEESSSSSSOOO DDDEEE CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO... ........................... 4333 AAASSS PPPOOOSSSSSSIIIBBBIIILLLIIIDDDAAADDDEEESSS DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO ................................................................................................ 4444 OOOSSS FFFUUUNNNDDDAAAMMMEEENNNTTTOOOSSS DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO ................................................................................................. 6

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111000 --- IDEOLOGIA .................................................................................................................................... 8

    111 OOO CCCOOONNNCCC EEEIII TTT OOO DDDEEE IIIDDDEEE OOOLLLOOO GGGIII AAA ................................................................................................................................... 9222 --- IIIDDDEEEOOO LLLOOOGGGIII AAA::: DDDEEESSSEEEJJJ OOO,,, VVVOOO NNNTTT AAADDDEEE,,, NNNEEECCC EEESSS SSSIII DDDAAA DDDEEE ...................................................................................................... 9

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOOSSS 111111 --- 111222--- LGICA ................................................................................................................................. 11

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111333 A BUSCA DA VERDADE ........................................................................................................... 12

    SCRATES ................................................................................................................................................................ 13PLATO ........................................................................................................................................................................ 14ARISTTELES ......................................................................................................................................................... 16O PENSAMENTO CRISTO: A PATRSTICA E A ESCOLSTICA ................................................................. 22

    333 PPPAAATTTRRRSSSTTTIIICCCAAA .................................................................................................................................................... 23444 EEESSSCCCOOOLLLSSSTTTIIICCCAAA ................................................................................................................................................. 25

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111444 --- OS NOVOS VALORES DA CINCIA E A FILOSOFIA MODERNA .................................. 28

    111 --- OOOSSS CCCAAAMMM IIINNNHHH OOOSSS DDD OOO RRR EEENNN AAASSSCCCIIIMMM EEENNNTTT OOO .......................................................................................................................... 28DDDeeesssvvveeennndddaaannndddooo ooosss mmmiiissstttrrriiiooosss dddaaa nnnaaatttuuurrreeezzzaaa rrreeevvvaaalllooorrriiizzzaaadddaaa ....................................................................................... 28OOO uuunnniiivvveeerrrsssooo gggaaannnhhhaaa uuummm nnnooovvvooo ccceeennntttrrrooo eee ssseee tttooorrrnnnaaa iiinnnfff iiinnniiitttooo ....................................................................................... 29

    222 --- OOO GGGRRR AAANNNDDDEEE RRR AAACCC III OOONNNAAALLLIII SSSMMM OOO DDDOOO SSSCCC UUU LLLOOO XXXVVVIIIIII ....................................................................................................... 292.1 - UM MUNDO REPRESENTADO ................................................................................................................ 302.2 PROCURA-SE UM MTODO .................................................................................................................... 30

    333 GGGAAALLLIIILLLEEEUUU GGGAAALLLIIILLLEEEIII::: UUUMMM MMMUUUNNNDDDOOO SSSEEEMMM EEENNNCCC AAA NNNTTT OOOSSS,,, AAAPPPEEE NNNAAASSS NNN MMMEEERRR OOO SSS ............................................................. 30A LUNETA NA DIREO DO CU ................................................................................................................... 31

    444 FFFRRRAAANNNCCCIIISSS BBBAAACCCOOONNN::: OOO MMMTTT OOODDDOOO EEEXXX PPPEEERRR III MMMEEENNN TTT AAALLL CCC OOONNNTTT RRR AAA OOOSSS DDDOOO LLLOOO SSS ................................................................ 31555 RRREEENNN DDDEEESSSCCCAAARRRTTTEEESSS::: UUUMMM MMMUUUNNNDDDOOO DDDEEE III DDDIII AAA SSS CCC LLLAAARRR AAASSS EEE DDDIII SSSTTT III NNNTTT AAASSS ................................................................... 32

    5.1 - O MTODO CARTESIANO ........................................................................................................................ 34

    UUUNNNIIIDDDAAADDDEEE 000444 ................................................................................................................................................................ 35

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111777 111888 --- VALORES ................................................................................................................................ 35Valores e Consensos Mundiais ................................................................................................................................. 38Valores no Mundo Contemporneo .......................................................................................................................... 39

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111999 --- LIBERDADE .................................................................................................................................. 41

    111 --- LLLIII BBB EEERRR DDDAAA DDDEEE VVV EEERRR SSSUUUSSS DDDEEE TTTEEERRR MMM III NNNIII SSSMMM OOO ....................................................................................................................... 41222 LLLIII BBB EEERRR DDDAAA DDDEEE EEE EEESSSCCCOOO LLLHHHAAA ........................................................................................................................................... 42333--- LLLIII BBB EEERRR DDDAAA DDDEEE EEE SSSIII TTTUUUAAA OOO ........................................................................................................................................... 43444 LLLIII BBB EEERRR DDDAAA DDDEEE EEE RRR EEESSSPPP OOONNNSSSAAA BBB III LLLIII DDDAAA DDDEEE .......................................................................................................................... 43555 LLLIII BBB EEERRR DDDAAA DDDEEE EEE SSSOOOCCCIII EEEDDDAAA DDD EEE ....................................................................................................................................... 44

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    UUUNNNIIIDDDAAADDDEEE 000333

    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO --- 000999 A QUESTO DO CONHECIMENTO:

    UM TEMA PARA MUITAS DISCUSSES A histria do pensamento ocidental testemunha a ateno

    que as especulaes filosficas concentraram sobre determinados temas. Esses temas, discutidos em diversos perodos, tornaram-se o que chamamos problemas filosficos. Entre os principais problemas filosficos est o do conhecimento. Para compreender a si e o mundo, os homens querem entender a sua prpria capacidade de entender.

    Desde a Antigidade grega, quase todos os filsofos se preocuparam com o problema do conhecimento humano. Problema que envolve questes extremamente importantes, como as seguintes:

    O que conhecimento?

    possvel o conhecimento?

    Qual fundamento do conhecimento?

    Todas essas questes so tratadas por uma disciplina filosfica que costuma ser designada por diversos nomes:

    teoria do conhecimento, gnosiologia, crtica do conhecimento ou epistemologia.

    111 --- TTTEEEOOORRRIIIAAA DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO::: AAASSS CCCOOONNNDDDIIIEEESSS DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO VVVEEERRRDDDAAADDDEEEIIIRRROOO

    Em que consiste, ento, a teoria do conhecimento?

    A teoria do conhecimento pode ser definida como a investigao acerca das condies do conhecimento verdadeiro. Neste sentido podemos dizer que existem tantas teorias do conhecimento quantos foram os filsofos que se preocuparam com o problema, pois impossvel constatar uma coincidncia total de concepes mesmo entre filsofos que habitualmente so classificados dentro

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    de uma escola ou corrente. Dentre as principais questes tematizadas na teoria do conhecimento podemos citar: as fontes primeiras de todo conhecimento ou o ponto de partida; o processo que faz com que os dados se transformem em juzos ou afirmaes acerca de algo; a maneira como considerada a atividade do sujeito frente ao objeto a ser conhecido; o mbito do que pode ser conhecido segundo as regras da verdade etc.

    A teoria do conhecimento , em resumo, uma reflexo filosfica com o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos, a extenso e o valor do conhecimento. Embora o problema do conhecimento tenha preocupado os filsofos desde a Antigidade, somente a partir da Idade Moderna a teoria do conhecimento adquiriu a grande importncia, passando a ser tratada como uma das disciplinas centrais da filosofia. Para esse processo de valorizao da teoria do conhecimento colaboraram, de forma decisiva, as obras do filsofo francs Ren Descartes (1596-1650), do filsofo ingls John Locke (1632-1704) e do filsofo alemo Immanuel Kant (1724-1804).

    222 SSSUUUJJJEEEIIITTTOOO EEE OOOBBBJJJEEETTTOOO::: OOOSSS DDDOOOIIISSS EEELLLEEEMMMEEENNNTTTOOOSSS DDDOOO PPPRRROOOCCCEEESSSSSSOOO DDDEEE CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO...

    Mas o que , afinal, conhecimento? O filsofo Richard Rorty nos traz a definio mais freqente da filosofia para essa questo: conhecer representar cuidadosamente o que exterior mente. A representao, por sua vez, o processo pelo qual a mente torna presente diante de si a imagem, a idia ou o conceito de algum objeto.

    Portanto, para que exista conhecimento, sempre ser necessrio a relao entre dois elementos bsicos: um sujeito conhecedor e um objeto conhecido. S haver conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, isto , conseguir represent-lo mentalmente. Dependendo da corrente filosfica, ser dada, no processo de conhecimento, maior ou menor importncia ao sujeito ou ao objeto.

    333 AAASSS PPPOOOSSSSSSIIIBBBIIILLLIIIDDDAAADDDEEESSS DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO

    A capacidade humana de conhecer a verdade colocada em xeque

    Somos capazes de conhecer a verdade? possvel ao sujeito apreender o objeto? Afinal, quais so as possibilidades do conhecimento humano? As respostas dadas a essas questes levaram ao surgimento de duas correntes bsicas e antagnicas na histria da filosofia. Uma o ceticismo, que prega a impossibilidade de conhecermos a verdade. A outra o dogmatismo, que defende a possibilidade de conhecermos a verdade.

    333...111 CCCeeetttiiiccciiisssmmmooo AAAbbbsssooollluuutttooo::: TTTuuudddooo iiillluuusssrrriiiooo eee pppaaassssssaaagggeeeiiirrrooo

    O ceticismo absoluto consiste em negar de forma total nossa possibilidade de conhecer a verdade. Assim, para o ceticismo absoluto, o homem nada pode afirmar, pois nada pode conhecer. Muitos consideram o filsofo grego Grgias (485-380 a. C.) o pais do ceticismo absoluto. Seguindo ele: o ser no existe; se existisse no poderamos conhec-lo, e se pudssemos conhec-lo, no poderamos comunic-lo aos outros.

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    Outros estudiosos apontam o filsofo grego Pirro (365-275 a. C.) como fundador do ceticismo absoluto. Pirro afirmava ser impossvel ao homem conhecer a verdade devido a duas fontes principais de erro: Os sentidos: segundo Pirro, nossos conhecimentos so provenientes dos sentidos, mas eles no so dignos de confiana, pois podem nos induzir ao erro.

    A razo: para Pirro, as diferentes opinies manifestadas pelos homens sobre os mesmo assuntos revelam os limites de nossa inteligncia. A superao constante das teorias cientficas por outras mostras que todo o nosso conhecimento provisrio. Jamais alcanaremos certeza de qualquer coisa. Os crticos do ceticismo absoluto afirmam que ele uma doutrina radical, estril e contraditria. Radical porque nega totalmente a possibilidade de conhecer. Estril porque no leva a nada. Contraditria porque anula a si prpria, pois, ao dizer que nada verdadeiro, acaba afirmando que pelo menos existe algo de verdadeiro, isto , o conhecimento de que nada verdadeiro.

    333...222 CCCeeetttiiiccciiisssmmmooo RRReeelllaaatttiiivvvooo::: OOO dddooommmnnniiiooo dddooo aaapppaaarrreeennnttteee eee dddooo ppprrrooovvvvvveeelll

    O ceticismo relativo consiste numa posio moderada em relao ao ceticismo absoluto, pois nega apenas parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade.

    Existem vrias modalidades de ceticismo relativo. Destacamos as seguintes: Fenomenalismo: esse termo deriva de fenmeno, que significa a manifestao de um fato, a aparncia de um objeto qualquer. O fenomenalismo entende que s podemos conhecer a aparncia dos seres, tal como eles se apresentam nossa percepo sensorial e intelectual. No podemos conhecer a essncia das coisas. O fenomenalismo deriva das teorias de Kant, segundo as quais nosso conhecimento incapaz de penetrar na coisa em si. Temos acesso, apenas, coisa para ns, isto , s podemos conhecer a exteriorizao das coisas, captadas pela sensibilidade e trabalhadas pela inteligncia.

    Probabilismo: prope que nosso conhecimento incapaz de atingir a certeza total das coisas. O que podemos alcanar uma verdade provvel. Essa probabilidade pode ser digna de maior ou menor credibilidade, mas nunca chegar ao nvel da plena certeza, da verdade absoluta.

    333...333 DDDooogggmmmaaatttiiisssmmmooo::: AAA ccceeerrrttteeezzzaaa dddaaa vvveeerrrdddaaadddeee

    O dogmatismo uma doutrina que defende a possibilidade de conhecermos a verdade. Dentro do dogmatismo, podemos distinguir duas variantes bsicas:

    O dogmatismo ingnuo: predominante no senso comum, consiste em acreditar plenamente nas possibilidades do nosso conhecimento. O dogmatismo ingnuo no v problema na relao sujeito conhecedor e objeto conhecido. Acredita que, sem grandes dificuldades, percebemos o mundo tal qual ele .

    O dogmatismo crtico: acredita em nossa capacidade de conhecer a verdade mediante um esforo conjugado de nossos sentidos e de nossa inteligncia. Conta que atravs de um trabalho metdico, racional e cientfico, o homem torna-se capaz de decifrar a realidade do mundo. Dentro dessa corrente, encontramos, por exemplo, os pragmticos, que vem o conhecimento como o resultado de uma operao de pesquisa e

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    investigao, na qual o homem busca solucionar problemas por ele enunciados

    444 OOOSSS FFFUUUNNNDDDAAAMMMEEENNNTTTOOOSSS DDDOOO CCCOOONNNHHHEEECCCIIIMMMEEENNNTTTOOO Para aqueles que admitem a possibilidade do conhecimento humano, resta situar os elementos

    que fundamentam essa possibilidade de conhecer. Em outras palavras, o nosso problema agora detectar os elementos que servem de base para o conhecimento.

    De acordo com a resposta dada a esse problema, podemos destacar as seguintes correntes filosficas: o empirismo, o racionalismo, o realismo crtico e o materialismo dialtico.

    444...111 EEEmmmpppiiirrriiisssmmmooo::: AAA vvvaaalllooorrriiizzzaaaooo dddooosss ssseeennntttiiidddooosss cccooommmooo fffooonnnttteee ppprrriiimmmooorrrdddiiiaaalll

    A palavra empirismo tem sua origem no grego empeiria, que significa experincia sensorial. O empirismo defende que todas as nossas idias so provenientes de nossas percepes sensoriais. Em outras palavras, ditas por Locke: nada vem mente sem ter passado pelos sentidos. O filsofo empirista John Locke afirmava tambm que, ao nascermos, nossa mente como um papel em branco, completamente desprovido de idias. De onde provm, ento, o vasto conjunto de idias que existe na mente humana? Locke responde com uma s palavra: da experincia, que resulta da observao dos dados sensoriais. Todo nosso conhecimento est nela fundado (...) empregada tanto nos objetos sensveis externos como nas operaes internas de nossas mentes, que so por ns percebidas e refletidas, nossa observao supre nosso entendimentos com todos os materiais do pensamento.

    444...222 RRRaaaccciiiooonnnaaallliiisssmmmooo::: AAA cccooonnnfffiiiaaannnaaa tttoootttaaalll eee eeexxxcccllluuusssiiivvvaaa nnnaaa rrraaazzzooo

    A palavra racionalismo deriva do latim ratio, que significa razo. O termo racionalismo empregado, na filosofia, de muitas maneiras, aqui, o termo est sendo empregado para designar a doutrina que deposita total e exclusiva confiana na razo humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Ou, como recomendou Descartes: nunca nos devemos deixar persuadir seno pela evidncia de nossa razo. Os racionalistas afirmam que a experincia sensorial uma fonte permanente de erros e confuses sobre a complexa realidade do mundo. Somente a razo humana, trabalhando com os princpios lgicos, pode atingir o conhecimento verdadeiro, capaz de ser universalmente aceito. Para o racionalismo, os princpios lgicos fundamentais seriam inatos na mente do homem. Da por que a razo deve ser

    considerada como a fonte bsica do conhecimento.

    444...333 RRReeeaaallliiisssmmmooo cccrrrtttiiicccooo eee MMMaaattteeerrriiiaaallliiisssmmmooo dddiiiaaallltttiiicccooo::: AAA eeexxxpppeeerrriiinnnccciiiaaa eee ooo tttrrraaabbbaaalllhhhooo dddaaa rrraaazzzooo...

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    Vimos que o empirismo considera a experincia dos sentidos como a base do conhecimento. De outro lado, o racionalismo afirma ser a razo humana a verdadeira fonte do conhecimento. Procurando um meio termo entre essas duas vises opostas e radicais, existem outras posies filosficas, como o realismo crtico e o materialismo dialtico. Para essas correntes, tanto os sentidos como a razo humana tm participao determinante na origem de nossos conhecimentos.

    Segundo Jolivet, defensor do realismo crtico: o universo do conhecimento no uma cpia do universo objetivo, mas uma construo efetuada pela inteligncia, a partir dos dados sensveis e correspondente, sob sua forma imaterial, s realidades da experincia (...) o universo do conhecimento , pois, o universo real, mas apreendido pelo esprito, segundo o modo imaterial que lhe prprio (...) nosso saber tem sua origem nos dados sensveis, e de outra parte, que a razo compe, a partir desses dados, um universo inteligvel. Para o materialismo dialtico, o conhecimento humano evolui da experincia sensvel lgica racional. Os dados dos sentidos devem ser examinados e ordenados pela razo, e as concluses da razo devem ser confrontadas com a observao sistemtica dos sentidos. atravs da prtica humana que saberemos se um conhecimento falso ou verdadeiro. Desta maneira, o principal criador do materialismo dialtico, Karl Marx, escreveu: a questo se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva no terica, mas prtica. na prxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto , a efetividade e o poder (...) do seu pensamento.

    Prxis: refere-se no marxismo, ao conjugada reflexo. A prxis responsvel pelas atividades humanas destinadas a garantir a existncia material da sociedade.

    O estadista chins Mao Ts-Tung (1893-1976) sintetizou a teoria materialista dialtica do conhecimento nos seguintes termos: inumerveis fenmenos da realidade objetiva se refletem nos crebros dos homens por meio dos rgos de seus cinco sentidos. No comeo, o conhecimento puramente sensvel. Depois esse conhecimento sensvel, se acumulado quantitativamente, produzir um salto e se converter em conhecimento racional, em idias. (...) Esta a primeira etapa do processo do conhecimento em seu conjunto, etapa que conduz da matria objetiva conscincia subjetiva, da existncia s idias. Nessa etapa, todavia, no se tem comprovado se a conscincia e as idias refletem corretamente a realidade objetiva. Logo se apresenta a segunda etapa do processo do conhecimento, etapa que conduz da conscincia matria, das idias existncia, e isto significa aplicar na prtica social o conhecimento obtido na primeira etapa, para ver se as teorias, os planos polticos, as resolues, podem alcanar os objetivos esperados. De maneira geral, com relao a esse ponto, o que d bom resultado adequado, sendo errneo o que d mau resultado. (...) no h outro mtodo para comprovar a verdade.

    Freqentemente, s se pode atingir a um conhecimento correto depois de muitas repeties do processo que conduz da matria conscincia e da conscincia matria, quer dizer, da prtica ao conhecimento e do conhecimento prtica.

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    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111000 --- IDEOLOGIA

    Juliana est indo de nibus para o shopping. Como sempre, vai observando a paisagem pela janela, perdida em seus pensamentos. De repente, algo chama sua ateno: um outdoor novo e enorme, todo colorido... uma modelo alta, magra, loura, de olhos azuis posa com uma nova cala da grife X. Juliana morena, baixa e at um pouco gordinha, mas fica alucinada com a roupa mostrada no cartaz. Ela precisa comprar uma igual, nem que para isso tenha de fazer um credirio e comprometer seu salrio por alguns meses. J pensou o que suas amigas iriam pensar se a vissem dentro de uma cala como aquela, linda e deslumbrante como a modelo do outdoor? E os garotos, ento?

    Voc j parou para prestar um pouco de ateno nas propagandas que bombardeiam nossos olhos e ouvidos a todo

    momento? J pensou sobre as mensagens que nos so transmitidas pelos meios de comunicao: TV, rdio, jornais e revistas, outdoors?

    Vamos ficar com apenas um exemplo por enquanto: a propaganda dos cigarros Free. O centro desses comerciais a afirmao da individualidade e da liberdade: cada indivduo livre e deve afirmar-se por meio de sua criatividade, no entanto, sempre h algo em comum, que a preferncia por aquela marca de cigarro. O mecanismo o seguinte: se voc fuma Free, voc um sujeito livre, criativo, autnomo; um dos comerciais mostra uma garota que se afirma livre e que no tentem tirar a liberdade dela, pois ela morde! Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum, esse o slogan. Consumir essa marca de cigarros afirmar sua independncia e singularidade.

    Continuemos com o exemplo das propagandas de cigarro. A marca Hollywood investe na afirmao do sucesso: os comerciais mostram jovens bonitos e sempre bem-sucedidos, induzindo-o a pensar que fumar aquele cigarro far com que voc seja tambm algum bonito e bem-sucedido. J a marca Carlton investe no slogan um raro prazer; os comerciais so sofisticados, mostram arte de vanguarda. Essa marca procura investir em pessoas que querem ser refinadas, que ouvem jazz e msica clssica, que apreciam bal e arte contempornea: se voc se identifica com a imagem produzida, procurar consumir aquele produto.

    O que fica bem evidente nos comerciais de cigarro o fundamento do mecanismo de qualquer propaganda. Se sua funo vender um determinado produto, necessrio que voc se convena da necessidade de consumi-lo. O convencimento do consumidor a tarefa bsica do marketing. Mas esse convencimento, na maioria das vezes, feito com base em mentiras (talvez fosse menos pesado falar em criao de iluses): no verdade que voc ser mais livre fumando Free, ou ter mais sucesso fumando Hollywood, ou ser mais sofisticado se sua escolha for o Carlton. De fato, o que mais provavelmente acontecer que voc ganhar um belo cncer de pulmo com qualquer um deles! E as indstrias que os fabricam ganharo muito dinheiro...

    A essa tentativa de convencer as pessoas por meio de um falseamento da realidade ns chamamos de ideologia.

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    111 OOO CCCooonnnccceeeiiitttooo dddeee IIIdddeeeooolllooogggiiiaaa

    A palavra ideologia foi criada no comeo do sculo XIX para designar uma teoria geral das idias. Foi Karl Marx quem comeou a fazer uso poltico dela quando escreveu um livro junto com Friedrich Engels intitulado A ideologia alem. Nessa obra, eles mostram como, em toda sociedade dividida em classes, aquela classe que domina as demais faz tudo para no perder essa condio. Uma forma de manter-se no poder usar a violncia contra todos aqueles que forem contrrios a ela. Mas a violncia pode voltar-se tambm contra ela: a violncia pode gerar a revolta do povo. , ento, muito mais fcil e mais eficiente dominar as pessoas pelo convencimento.

    a que entra a ideologia: ela constituir um corpo de idias produzidas pela classe dominante que ser disseminado por toda a populao, de modo a convencer a todos de que aquela estrutura social a melhor ou mesmo a nica possvel. Com o tempo, essas idias se tornam as idias de todos; em outras palavras, as idias da classe dominante tornam-se as idias dominantes na sociedade.

    Essa classe que se encontra no poder vai fazer uso de todos os mecanismos possveis e imaginveis para distribuir suas idias para todas as pessoas, fazendo com que acreditem apenas nelas. Numa sociedade de dominao, essa a funo dos meios de comunicao, das escolas, das igrejas e das mais diversas instituies sociais. Onde houver pessoas reunidas, ou mesmo sozinhas,

    haver uma forma de ideologia em ao.

    A ideologia passa a dominar todos os nossos atos. Quando nos convencemos da verdade dessas idias, passamos a agir inconscientemente guiados por elas, ou seja, o corpo de idias constitudo atravessa nosso pensamento sem nos darmos conta e passamos a desejar o que o outro determina; quando compro um sabonete ou um creme dental, estou fazendo uma escolha que me foi determinada pela propaganda. Quando voto num candidato a prefeito, estou fazendo tambm uma escolha determinada pela propaganda, pois, na democracia representativa, os discursos so construdos de forma ideolgica para convencer o eleitor de que

    aquele candidato o melhor. No foi por acaso que o filsofo Herbert Marcuse afirmou que na nossa sociedade, os polticos tambm se vendem, como sabonetes.

    Quando uma ideologia funciona de fato, ela se distribui por toda a sociedade, de forma a fazer com que cada indivduo, em cada ato, reproduza aquelas idias. O triunfo de uma ideologia acontece quando todo um grupo social est definitivamente convencido de sua verdade. Se todos esto convencidos, ningum questiona, e a sociedade pode manter-se sempre da mesma maneira. De certo modo, o sucesso da ideologia est relacionado com o processo da alienao.

    222 --- IIIdddeeeooolllooogggiiiaaa::: DDDeeessseeejjjooo,,, vvvooonnntttaaadddeee,,, nnneeeccceeessssssiiidddaaadddeee

    Mas o que faz com que o poder de convencimento da ideologia seja to forte? Se ela constituda por idias que falseiam a realidade para que na sociedade tudo continue como est, por que as pessoas simplesmente no se revoltam contra ela?

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    , parece que a coisa no assim to simples. Se fosse, no estaramos imersos em todo esse processo de dominao e submisso das pessoas.

    Para tentar entender o processo de funcionamento da ideologia, voltemos questo da propaganda. O que leva um sujeito a fumar Hollywood? Por que ele no se d conta de que seu sucesso no depende do cigarro que ele fuma ou deixa de fumar?

    claro que todo indivduo deseja ter sucesso na vida. Mas tambm evidente que, numa sociedade de dominao e desigualdades, o sucesso

    no possvel para todos. Para que alguns possam ser muito bem-sucedidos, necessrio que muitos outros permaneam na misria. Se for alardeado

    pelos meios de comunicao que o sucesso no possvel para todos, certamente teremos uma boa dose de inconformismo social que pode levar at mesmo a violentas revoltas. A ideologia trata ento de disseminar a idia de que vivemos numa sociedade de oportunidades e de que o sucesso possvel, bastando que, para atingi-lo, cada indivduo se esforce ao mximo. Em contrapartida, vemos milhes de pessoas vivendo na misria...

    s vezes, algum se esfora ao limite, mas nada de chegar ao sucesso. Ele permanece como um ideal, um sonho quase inatingvel, mas do qual no abrimos mo, do qual jamais desistiremos. Quando esse indivduo v o belssimo comercial do cigarro que estampa a imagem do sucesso, algo desperta, bem l no ntimo de seu ser. Inconscientemente, ele associa a imagem do cigarro imagem do sucesso, e renova suas foras na busca de obt-lo. Fumar Hollywood ser bem-sucedido, embora, na verdade, ele continue insatisfeito com seu trabalho, com seu salrio, com seu casamento...

    Voc j deve ter conseguido perceber o que estamos tentando explicar: a ideologia funciona to bem porque age atravessando e invadindo o ntimo das pessoas. E embora seja um corpo de idias, no domina pela idia, mas pelas necessidades criadas por essas idias, pelos desejos que elas despertam. O discurso ideolgico aquele que consegue tocar nas vontades e ambies mais ntimas de cada indivduo, dando-lhe a iluso de sua realizao. Algum fuma Marlboro e tem a iluso de que realiza sua vontade de ter acesso a um outro mundo, a uma terra de liberdade, um pasto para cavalos, lugar de homem corajoso e forte que, com bravura, realiza-se no que

    faz; alguns passam a ver seu patro como um ideal a ser alcanado, como algum que gostaria de ser, imaginando que ele alcanou o sucesso, tem tudo o que quer e feliz; algum quase careca usa xampu que lhe promete uma abundante cabeleira, e assim por diante.

    Para sermos mais enfticos, alm de lidar com as necessidades e as vontades e de influenciar os desejos das pessoas, a propaganda produz outras necessidades e administra sua satisfao, de modo que cada um tenha uma iluso de felicidade, uma iluso de prazer e se acomode situao vivida de sempre querer mais. O consumismo nada mais do que a afirmao dessa realidade de realizar os desejos dos outros como se fossem nossos. Por que voc sempre precisa usar uma roupa de grife? Ou cortar o cabelo de acordo com a moda? Enquanto voc consome, suas vontades vo sendo realizadas, mas, ao mesmo tempo, novas necessidades vo sendo criadas, de forma que praticamente impossvel escapar dessa roda viva. Enquanto voc consome, no questiona a sociedade na qual vive nem o que o leva a consumir tanto.

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    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOOSSS 111111 --- 111222--- LGICA

    Introduo

    Entendida popularmente como o estudo do raciocnio correto, a lgica surge no Ocidente com o filsofo grego Aristteles. Para mostrar que os sofistas (mestres da retrica e da oratria) podem enganar os cidados utilizando argumentos incorretos, Aristteles estuda a estrutura lgica da argumentao. Revela, assim, que alguns argumentos podem ser convincentes, embora no sejam corretos. A lgica, segundo Aristteles, um instrumento para atingir o conhecimento cientfico.

    S se pode chamar de cincia aquilo que metdico e sistemtico, ou seja, lgico. Na obra Organon, Aristteles define a lgica como um mtodo do discurso demonstrativo, que utiliza trs operaes da inteligncia: o conceito, o juzo e o raciocnio. O conceito a representao mental dos objetos. O juzo a afirmao ou negao da relao entre o sujeito (neste caso, o prprio objeto) e seu predicado. E o raciocnio o que leva concluso sobre os vrios juzos contidos no discurso.

    Os raciocnios podem ser analisados como silogismos, nos quais uma concluso decorre de duas premissas. "Todo homem mortal. Scrates homem, logo, Scrates mortal", diz ele, para exemplificar. "Scrates", "homem" e "mortal" so conceitos. "Scrates mortal" e "Scrates homem" so juzos. O raciocnio a progresso do pensamento que se d entre as premissas "Todo homem mortal", "Scrates homem" e, a concluso, "Scrates mortal".

    O matemtico e filsofo alemo G.W. Leibniz (1646-1716) critica a lgica aristotlica por demonstrar verdades conhecidas, mas no revelar novas verdades. Alm disso, a lgica tradicional sistematiza apenas juzos do tipo sujeito e predicado, como "Scrates mortal". J os modernos sentem necessidade de um mtodo capaz de estudar tambm relaes entre objetos, como "A Terra maior do que a Lua".

    No final do sculo XIX, o alemo Gottlob Frege (1848-1925) cria uma lgica baseada em smbolos matemticos e na anlise formal do discurso, lanando as bases da lgica moderna, que formaliza os raciocnios, organizando-os numa espcie de gramtica, que pode ser empregada em diversas linguagens, como a proposicional, que estuda a relao dos juzos entre si, e a de predicados, que analisa a estrutura interna das sentenas. Como a matemtica, ambas se utilizam de smbolos lgicos (de negao, conjuno e implicao, por exemplo) e no-lgicos (que representam proposies, funes, relaes etc.) para criar clculos ou sistemas de deduo.

    A validade de um argumento depende exclusivamente de sua frmula lgica e no do contedo das afirmaes. Ento, se no exemplo aristotlico o conceito "mortal" for substitudo pelo conceito "verde" ("Todo homem verde. Scrates homem, logo, Scrates verde."), o argumento permanece vlido, ou correto, embora no existam homens verdes. Vlido, porm, no quer dizer verdadeiro. Para que a concluso de um argumento vlido seja verdadeira, as premissas tm de ser verdadeiras. Ao estudar a estrutura e a natureza do raciocnio humano e reproduzi-las em frmulas matemticas, torna-se possvel, por exemplo, a criao de uma linguagem binria, que a base de funcionamento dos softwares para computadores.

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    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111333 A BUSCA DA VERDADE

    Os Mestres do pensamento

    No sculo V a.C., Atenas vivia o auge de um regime de governo no qual os homens livres

    decidiam os interesses comuns a todos os cidados. Em outras palavras, eles determinavam, em discusses pblicas, como a cidade deveria ser administrada. Era considerado cidado o homem que possusse alguma propriedade (uma casa, pelo menos), que tivesse escravos e que no fosse estrangeiro. Ou seja, nem todos participavam das decises pblicas; as mulheres, por exemplo, eram excludas. Esse regime de governo era a democracia ateniense, que, embora no garantisse os mesmos direitos para todas as pessoas, representava uma importante mudana no modo de ver o mundo, pois tinha como fundamento a ideia de que o homem tem soberania sobre seu destino.

    Os sofistas No mesmo perodo, deu-se o auge da produo de um gnero de teatro conhecido como

    tragdia. Esse gnero tematizava acontecimentos terrveis, muitas vezes mticos, e tinha a inteno de mostrar as consequncias de atos imorais e passionais dos homens. A tragdia tambm era uma reflexo sobre o conflito entre a liberdade individual e o destino, tema que incomodava os cidados da democracia: afinal de contas, at que ponto eles teriam poder sobre sua vida? Como exemplo, temos a histria de dipo Rei, escrita por Sfocles (497?406 a.C.); baseada num mito, narra como dipo veio inadvertidamente a assassinar seu pai e a se casar com sua me, Jocasta, e as punies que o destino reservou para ele, sua famlia e sua cidade por causa desses crimes.

    As propostas que os cidados atenienses defendiam publicamente eram feitas por meio de discursos proferidos na gora (nas antigas cidades gregas, eram praas onde os cidados se reuniam para discutir a administrao da plis). Para obter a aprovao da maioria, esses pronunciamentos deveriam conter argumentos slidos e persuasivos: falar bem e de modo convincente era considerado, portanto, um dom muito valioso. Por isso, havia cidados que procuravam aperfeioar sua habilidade de discursar a fim de melhor convencer os outros. A necessidade de se expressar bem, juntamente com a importncia que foi dada ao indivduo, naquele perodo concebido como o senhor de seu destino, favoreceu o surgimento de um grupo de filsofos, os chamados sofistas, que dominavam a arte da oratria, isto , o uso habilidoso da palavra. Esses filsofos eram originrios de diferentes cidades e viajavam pelas plis governadas de forma democrtica, especialmente Atenas, onde discursavam em pblico e ensinavam sua arte em troca de pagamento.

    Os sofistas, entretanto, no foram somente professores, mas tambm estabeleceram uma

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    corrente de pensamento prpria. Sua preocupao filosfica se voltava para o homem e a vida em sociedade; as questes que ocuparam os pr-socrticos, dirigidas para a natureza e a essncia do universo, foram colocadas em segundo plano.

    Alguns pensadores sofistas foram Grgias (483?376 a.C.), Hpias (sculo V a.C.) e Protgoras (485?410? a.C.), a quem se atribui a famosa frase: O homem a medida de todas as coisas.

    Para os sofistas, tudo deveria ser avaliado segundo os interesses do homem e de acordo com a forma como ele via a realidade social. Isso significava que, segundo essa corrente de pensamento, as regras morais, as posies polticas e os relacionamentos sociais deveriam ser guiados conforme a convenincia individual. Para esse fim, qualquer pessoa poderia se valer de um discurso convincente, mesmo que falso ou sem contedo.

    Os sofistas usavam, de fato, complicados jogos de palavras, trocadilhos, raciocnios sem lgica, todos os recursos do discurso para demonstrar a verdade daquilo que se pretendia alcanar. Esse tipo de argumento ganhou o nome de sofisma.

    Segundo a sofstica, o que importava para o ser humano era obter prazer com a satisfao de seus instintos, de seus desejos individuais. Assim, at mesmo dominar outros cidados seria justificado se isso gerasse alguma vantagem pessoal.

    Em resumo, a sofstica destrua os fundamentos de todo conhecimento, j que tudo seria relativo e os valores seriam subjetivos, assim como impedia o estabelecimento de um conjunto de normas de comportamento que garantisse os mesmos direitos para todos os cidados da plis.

    Foi nesse contexto que surgiu um pensador cuja doutrina se opunha profundamente sofstica: Scrates.

    SCRATES Nascido em Atenas, Scrates tradicionalmente considerado

    um marco divisrio da histria da filosofia grega. Por isso, os filsofos que o antecederam so chamados de pr-socrticos, e os que o sucederam, de ps-socrticos. O prprio Scrates, porm, no deixou nada escrito, e o que se sabe dele e de seu pensamento vem dos textos de seus discpulos e de seus adversrios.

    Conta-se que Scrates era filho de um escultor e de uma parteira. Uma dupla herana que, simbolicamente, o levou a esculpir uma representao autntica do home, fazendo-o dar luz suas prprias idias.

    O estilo de vida de Scrates assemelhava-se, exteriormente, ao dos sofistas, embora no vendesse seus ensinamentos. Desenvolvia o saber filosfico em praas pblicas, conversando com os jovens, sempre dando demonstraes de que era preciso unir a vida concreta ao pensamento, unir o saber fazer, a conscincia intelectual conscincia prtica ou moral.

    Tanto quanto os sofistas, Scrates abandonou a preocupao dos filsofos pr-socrticos em explicar a natureza e se concentrou na problemtica do homem. No entanto, contrariamente aos sofistas, Scrates opunha-se, por exemplo, ao relativismo em relao questo da moralidade e ao uso da retrica para atingir interesses particulares.

    Embora tenha sido, em sua poca, confundido com os sofistas, Scrates travou uma polmica profunda com estes, pois procurava um fundamento ltimo para as interrogaes humanas, enquanto os sofistas situavam suas reflexes a partir dos dados empricos, o sensrio imediato, sem se

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    preocupar com a investigao de uma essncia da virtude, da justia, do bem, etc, a partir da qual a prpria realidade emprica pudesse ser avaliada.

    A pergunta essencial que Scrates tentava responder era: o que a essncia do homem? Ele respondia dizendo que o homem a sua alma, entendendo-se alma como a sede da razo, o nosso eu consciente, que inclui a conscincia intelectual e a conscincia moral, e que, portanto, distingue o ser humano de todos os outros seres da natureza.

    Por isso, o autoconhecimento era um dos pontos fundamentais da filosofia socrtica. Conhece-te a ti mesmo, frase inscrita no Orculo de Delfos, era a recomendao bsica feita por Scrates a seus discpulos.

    Sua filosofia era desenvolvida mediante dilogos crticos com seus interlocutores. Esses dilogos podem ser divididos em dois momentos bsicos: a ironia e a maiutica.

    Na linguagem cotidiana, a ironia tem um significado depreciativo, sarcstico ou de zombaria. Mas no esse sentido da ironia socrtica. No grego, ironia, quer dizer interrogao. De fato, Scrates interrogava seus interlocutores sobre aquilo que pensavam saber. O que o bem? O que a justia? E a coragem? So exemplos de algumas perguntas feitas por ele.

    Na segunda fase do dilogo, a maiutica, tem como objetivo ajudar seus discpulos a conceberem suas prprias idias. O termo maiutica em grego significa arte de trazer luz.

    Curiosidade: Scrates costumava caminhar descalo e no tinha o hbito de tomar banho. Em certas ocasies, parava o que quer que estivesse fazendo, ficando imvel por horas, meditando sobre algum problema. Certa vez o fez descalo sobre a neve, segundo os escritos de Plato, o que demonstra o carter legendrio da figura Socrtica.

    Plato Nascido em Atenas, Plato pertencia a uma das

    mais nobres famlias atenienses. Seu nome verdadeiro era Aristcles, mas, devido a sua constituio fsica, recebeu o apelido de Plato, termo grego que significa de ombros largos.

    Plato foi discpulo de Scrates, a quem considerava o mais sbio e o mais justo dos homens. Depois da morte de seu mestre, empreendeu inmeras viagens, num perodo em que ampliou seus horizontes culturais e amadureceu sua reflexes filosficas.

    Por volta de 387 a.C. retornou a Atenas, onde fundou sua prpria escola filosfica, a Academia, nos jardins construdos por seu amigo Academus. Essa escola foi uma das primeiras instituies permanentes de ensino superior do mundo ocidental.

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    Uma espcie de universidade pioneira dedicada pesquisa cientfica e filosfica, alm de se tornar um centro de formao poltica.

    A maior parte do pensamento platnico nos foi transmitida por intermdio da fala de Scrates, nos dilogos socrticos, escritos por ele mesmo, Plato.

    O pensamento de Plato to vasto e importante que deu origem a uma expresso famosa: toda filosofia ocidental so notas de rodap a Plato.

    Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Plato sua teoria das idias, com a qual procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano. Segundo ele, o processo de conhecimento se desenvolve por meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparncias para o mundo das idias e essncias.

    A primeira etapa desse processo dominada pelas impresses ou sensaes advindas dos sentidos. Essas impresses sensveis so responsveis pela opinio que temos da realidade. A opinio representa o saber que se adquire sem uma busca metdica.

    O conhecimento, entretanto, para ser autntico, deve ultrapassar a esfera das impresses sensoriais, o plano da opinio, e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das idias. Para atingir esse mundo, o homem no pode ter apenas amor s opinies (filodoxia); precisa possuir um amor ao saber (filosofia).

    A opinio nasce, portanto, da percepo da aparncia e da diversidade das coisas. O conhecimento, por sua vez, elaborado quando se alcana a idia, que rompe com as aparncias e a diversidade ilusria. O mtodo proposto por Plato para realizar essa passagem e atingir o conhecimento autntico a dialtica. Dialtica uma contraposio de uma opinio com a crtica que dela podemos fazer, ou seja, na afirmao de uma tese qualquer seguida de uma discusso e negao desta tese, com o objetivo de purific-la de erros e equvocos.

    Somente quando samos do mundo sensvel e atingimos o mundo racional das idias que alcanamos tambm o domnio do ser absoluto, eterno e imutvel. Nesse mundo das idias, segundo Plato, podemos entrar atravs do conhecimento racional, cientfico ou filosfico. tambm no mundo das idias que moram os seres totais e perfeitos; a justia, a bondade, a coragem, a sabedoria, etc. s podem ser encontradas nesse mundo. A teoria das idias de Plato representa a tentativa de conciliar as duas grandes tendncias anteriores da filosofia grega: a concepo do ser eterno e imutvel de Parmnides e a concepo do ser plural e mvel de Herclito. Para Plato, o ser eterno e universal habita o mundo da luz racional, da essncia e da realidade pura. E os seres individuais e mutveis moram no mundo das sombras e sensaes, das aparncias e iluses.

    O MITO DA CAVERNA

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    Segundo Plato, a maioria dos seres humanos est em uma caverna, de frente para a escurido e de costas para a luz. A escurido representa o mundo das sombras e a luz, o mundo das idias. H um feixe de luz projetado na parede da caverna, e esse feixe, as pessoas acham que a realidade inteira. Se escapasse da caverna e alcanasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da iluso. Mas, estando acostumado s sombras, s iluses, teria de habituar os olhos viso do real (passagem progressiva); primeiro olharia as estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas guas, at que pudesse encarar diretamente o Sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.

    A filosofia no poder: os reis-filsofos

    Na juventude, Plato alimentou o ideal de participao poltica em Atenas. Depois, desiludido com a democracia ateniense, confessou: Deixe-me levar por iluses que nada tinham de espantosas por causa de minha juventude. Imaginava que, de fato, governariam a cidade reconduzindo-a dos caminhos da injustia para os da justia.

    Abraando a filosofia, adotou um novo ideal: Fui ento irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente sua luz se pode reconhecer onde est a justia na vida pblica e na vida privada.

    Para Plato, somente os filsofos, eternos amantes da verdade, teriam condies de libertar-se da caverna das iluses e atingir o mundo luminoso da realidade e sabedoria.

    Por isso, no seu livro A repblica, imaginou uma sociedade ideal, governada por reis-filsofos. Seriam pessoas capazes de atingir o mais alto conhecimento do mundo das idias, que consiste na idia do bem.

    ARISTTELES Nascido em Estagira, na Macednia, Aristteles (384

    322 a. C.) foi um dos mais importantes filsofos gregos da Antigidade. H informaes de que teria escrito mais de uma centena de obras sobre os mais variados temas, das quais restaram 47, embora nem todas de autenticidade comprovada. Desempenhou extraordinrio papel na organizao do saber grego, acrescentando-lhe sua genial contribuio, que influenciou, decisivamente, a histria do pensamento ocidental.

    Filho de Nicmaco, mdico do rei da Macednia, provavelmente herdou do pai o interesse pelas cincias naturais, que se revelaria posteriormente em sua obra. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Plato, onde permaneceu cerca de vinte anos, tendo uma atuao crescentemente expressiva. Com a morte de Plato, a destacada competncia de Aristteles o qualificava para assumir a direo da Academia. Seu nome, entretanto, foi preterido por ser considerado estrangeiro pelos atenienses.

    Decepcionado com o episdio, deixou a Academia e partiu para Assos, na Msia, sia Menor, onde permaneceu at 345 a. C. Pouco tempo depois foi convidado por Felipe II, rei da Macednia, para ser professor de seu filho Alexandre. O relacionamento de Aristteles e Alexandre foi interrompido quando este assumiu a direo do Imprio Macednico, em 340 a. C. Por volta de 335 a. C., Aristteles regressou a Atenas, fundado sua prpria escola filosfica, que passou a ser conhecida como Liceu, em homenagem ao deus Apolo Lcio. Nesse local permaneceu ensinando durante aproximadamente doze anos.

    Em 323 a. C., aps a morte de Alexandre, os sentimentos anti-macednicos ganharam grande intensidade em Atenas. Devido a sua notria ligao com a corte macednica, Aristteles passou a ser perseguido. Foi ento que decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses pecassem duas vezes contra a filosofia (a primeira vez teria sido com Scrates).

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    Apaixonado pela biologia, dedicou inmeros estudos observao da natureza e classificao dos seres vivos. Tendo em vista a elaborao de uma viso cientfica da realidade, desenvolveu a lgica para servir de ferramenta do raciocnio.

    Da sensao ao Conceito Segundo Aristteles, a finalidade bsica das cincias seria desvendar a constituio essencial

    dos seres, procurando defini-la em termos reais. Reconhecia a multiplicidade dos seres percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pagamos, ouvimos e sentimos aceito como elemento da realidade sensvel. Rejeitava a teoria das idias de Plato. Para Aristteles, a observao da realidade leva-nos constatao da existncia de inmeros seres individuais, concretos, mutveis, que so captados por nossos sentidos.

    Mtodo indutivo

    Partindo dessa realidade sensorial emprica- a cincia deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. Em outras palavras, a partir da existncia do ser, devemos atingir a sua essn cia, atravs de um processo de conhecimento que caminha do individual e especfico para o universal e genrico. O objeto prprio das cincias a compreenso prprio das cincias a compreenso do universal, visando o estabelecimento de definies essenciais, que possam ser utilizadas de modo generalizado. A Induo (operao mental que vai do particular para o geral), representa, para Aristteles, o processo intelectual bsico de aquisio de conhecimento. Assim, por exemplo, o conceito escola ou qualquer concluso cientifica sobre esse conceito foi elaborado tendo como base a observao sistemtica das diferentes instituies s quais se atribui o nome de escola. Dessa maneira, o conceito escola tem sentido universal porque, rene em si a estrutura essencial aplicvel ao conjunto das mltiplas escolas concretas existentes no mundo.

    Hilemorfismo teleolgico Mais interessado na vida natural que seu mestre, Aristteles formulou uma teoria da realidade

    que ficou conhecida como hilemorfismo teleolgico. Para explica-la, preciso relacionar conceitos de sua fsica com os de sua metafsica.

    Se voc observar a natureza como fazia esse pensador, ver que ela tem ciclos constantes e regulares. As plantas e os animais nascem, crescem e morrem. Cada organismo constitui um todo orgnico, ordenado e coeso. Apesar da diversidade e multiplicidade de entes, parece haver uma ordem interna e externa a cada um deles que conduz a sucesso dos acontecimentos.

    Portanto, ficava difcil, para Aristteles, conceber que o inteligvel estivesse totalmente separado da realidade concreta, perceptvel aos nossos sentidos, pertencendo a outro mundo, como dizia Plato. Por que no pensar que o inteligvel est aqui mesmo, neste mundo, e que opera dentro das prprias coisas?

    Matria e forma Foi o que sups Aristteles. Ele era um grande observador da natureza considerado por

    muitos o primeiro bilogo que existiu e achava que o sensvel e o inteligvel tinham que estar unidos, metidos um no outro.

    Seguindo essa linha de raciocnio, Aristteles concebeu a noo de que todas as coisas estariam constitudas de dois princpios inseparveis:

    - matria (hyl, em grego) o principio indeterminado dos seres, mas que determinvel pela forma;

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    - forma (morph, em grego) o princpio determinado em si prprio, mas que determinante em relao matria.

    Assim, tudo o que existe compe-se de matria e forma, da o nome hilemorfismo para designar essa doutrina. Note, porm, que a forma que faz com que as coisas sejam o que so, enquanto a matria constitui apenas o substrato que permanece. Nos processos de mudana, a forma que muda; a matria mantm-se sempre a mesma. Por exemplo: se um anel de ouro derretido para converter-se em uma corrente de ouro, muda-se a forma (de anel para corrente), mas mantm-se a matria (ouro).

    Ato e Potncia O Ato:

    A manifestao do real do ser, aquilo que ele j .

    Ex: a semente , em ato, uma semente.

    A Potncia:

    As possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda no mas que pode vir a ser.

    Ex: a semente , em potncia, a rvore.

    Nota:

    Podemos entender que todas as coisas naturais so ato e potncia, isto , so algo e podem vir a ser algo distinto. Uma semente pode tornar-se uma rvore se encontrar as condies para isso, do mesmo modo que uma rvore que est sem flores pode tornar-se com o tempo, uma rvore florida, manifestando em ato aquilo que j continha intrinsecamente como potncia.

    Desta forma, ato e potncia explicam a mudana no mundo, o movimento e a transitoriedade das coisas.

    Observe a Relao

    Podemos observar um paralelismo entre matria e potncia e entre forma e ato.

    Substncia e acidente

    Segundo Aristteles, devemos distinguir em todos os seres existentes o que neles :

    Substancial:

    atributo estrutural e essencial do ser, aquilo que mais intimamente o ser e sem o qual ele no . Assim todo ser tem sua substncia, de tal maneira que devem existir tantas substncias quantos seres existam.

    Acidental:

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    atributo circunstancial e no essencial do ser; aquilo que ocorre no ser, mas que no necessrio para definir a natureza prpria desse ser.

    Quatro causas dos seres Segundo Aristteles a filosofia o conhecimento das causas primeiras. Mas o qu esse filsofo

    grego queria dizer com isso? Quais so essas causas primeiras? Antes de comearmos a entender isso importante sabermos que Aristteles enumera quatro causas diferentes: causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. As histrias em quadrinhos abaixo vo nos ajudar a compreender quais so essas causas que a filosofia busca conhecer. Vejamos o primeiro quadrinho:

    Acima temos o quadrinho da Mafalda desenhado pelo cartunista argentino Quino. No

    quadrinho temos a personagem Mafalda com seu amigo Miguelito. Nesse quadrinho temos um bom exemplo disso que Aristteles chama de causa material. Para Aristteles a causa material diz respeito s menores partes ou os materiais de que algo feito. O filsofo que busca conhecer a causa material de algo faz a seguinte pergunta: de qu feito isto? No quadrinho o personagem Miguelito, graas a sua imaginao infantil, supe que o mar feito de sopa, ou seja, ele acredita que a causa material do oceano a sopa, a sopa o material de que feito o mar. Mafalda por no gostar muito de sopa no se sente muito bem com a especulao de seu amiguinho.

    O prximo quadrinho da Mafalda vai nos ajudar a entender o que Aristteles chama de causa formal.

    No quadrinho acima Mafalda olhando o dicionrio descobre a definio, o conceito de democracia que : um governo em o poder poltico exercido pelo povo. Aristteles chama de causa formal uma definio, um conceito que serve de modelo para alguma coisa. Por exemplo, um carpinteiro ao construir uma cadeira ter em mente o conceito de cadeira, isto , a ideia de uma pea mobiliria utilizada para se sentar com quatro pernas e um encosto para as costas. Essa noo a

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    causa formal e ela servir de modelo para o carpinteiro. Podemos pensar outro exemplo a partir do quadrinho da Mafalda. A ideia de um governo em que o povo exerce o poder o modelo, a causa formal de um pas que queira ser democrtico. Mafalda parece no achar possvel que esse tipo de modelo possa ser realizado, tanto que ela passa o dia inteiro rindo depois de conhecer o conceito de democracia. Ao investigar a causa formal os filsofos perguntam: como ? o qu define isto?

    O conceito de causa eficiente ser explicado com a ajuda do prximo quadrinho:

    Nesse quadrinho vemos Mafalda, seu amigo Filipe e seu irmo Guile. O irmo de Mafalda pergunta se o calor culpa do governo. Guile acha que foi o governo que deu incio, que provocou o aparecimento do calor. O garotinho pergunta isso provavelmente porque ele sempre escutou os adultos falando que uma coisa ruim sempre culpa do governo. O que Aristteles chama de causa eficiente aquilo que d incio, aquilo que faz algo surgir. O personagem Guile acha que o governo causa eficiente do calor, j que ele acha que foi o governo que comeou o calor. Ao investigar a causa eficiente os filsofos perguntam: o que fez comear algo? o qu deu incio a uma ao? Vejamos outro exemplo. O filsofo francs Jean-Jaques Rousseau buscou compreender como surge a desigualdade entre os homens. Por que uns tem poder e outros no? Por que uns so ricos e outros pobres? Por que uns mandam e outros obedecem? Para Rousseau a desigualdade surge com o aparecimento da propriedade privada. Para ele antes os homens tinham tudo em comum, todas as coisas pertenciam a todos. A partir do momento que algum homem cerca a terra e fala isso meu e no seu, surge a propriedade privada, e com isso a desigualdade. Ou seja, podemos dizer que para Rousseau a propriedade privada a causa eficiente da desigualdade entre os homens, pois ela que faz surgir a desigualdade.

    Por ltimo temos agora a causa final. Vejamos o ltimo quadrinho da Mafalda.

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    Neste quadrinho a personagem Mafalda se surpreende com os operrios furando, martelando e batendo em uma rua. Com sua inocncia infantil Mafalda quer saber qual o objetivo dos operrios, qual a finalidade dessas atividades praticadas por ele. Por isso ela pergunta se os operrios esto querendo que a rua confesse algo. No entendimento da garotinha os operrios parecem estar torturando a rua. Aristteles chama de causa final aquilo que o objetivo aquilo que a finalidade de alguma coisa ou alguma ao. Para Mafalda a causa final dos operrios fazer com que a rua confesse algo. Quando os filsofos investigam a causa final eles perguntam: Para qu isso? Para qu se faz isso? Assim, um filsofo que estuda a poltica pode querer investigar para qu os homens criam leis?

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    O PENSAMENTO CRISTO: A PATRSTICA E A ESCOLSTICA

    Foi conquistada a cidade que conquistou o universo.

    Assim definiu So Jernimo o momento que marcaria a virada de uma poca. Era a invaso de Roma pelos germanos e a queda do Imprio Romano.

    A avalancha dos brbaros arrasou tambm grande parte das conquistas culturais do mundo antigo.

    A Idade Mdia inicia-se com a desorganizao da vida poltica, econmica e social do Ocidente, agora transformado num mosaico de reinos brbaros. Depois vieram as guerras, a fome e as grandes epidemias. O cristianismo propaga-se por diversos povos. A diminuio da atividade cultural transforma o homem comum num ser dominado por crenas e supersties.

    O perodo medieval no foi, porm, a Idade das Trevas, como se acreditava. A filosofia clssica sobrevive, confinada nos mosteiros religiosos. O aristotelismo dissemina-se pelo Oriente bizantino, fazendo florescer os estudos filosficos e as realizaes cientficas. No Ocidente, fundam-se as primeiras universidades, ocorre a fuso de elementos culturais greco-romanos, cristos e germnicos, e as obras de Aristteles so traduzidas para o latim.

    Sob a influncia da Igreja, as especulaes se concentram em questes filosfico-teolgicas, tentando conciliar a f e a razo. E nesse esforo que Santo Agostinho e Santo Toms de Aquino trazem luz reflexes fundamentais para a histria do pensamento cristo. 111 OOO pppeeennnsssaaammmeeennntttooo sssooobbb ooo dddooommmnnniiiooo dddaaa IIIgggrrreeejjjaaa CCCaaatttllliiicccaaa

    Ao longo do sculo V d.C o Imprio Romano do Ocidente sofreu ataques constantes dos povos brbaros. Do confronto desses povos invasores com a civilizao romana decadente desenvolveu-se uma nova estruturao europia de vida social, poltica e econmica, que corresponde ao perodo medieval. (na foto, catedral de Reims)

    Em meio ao esfacelamento do Imprio Romano, decorrente, em grande parte, das invases germnicas, a Igreja catlica conseguiu manter-se como instituio social mais organizada. Ela consolidou sua estrutura religiosa e difundiu o cristianismo entre os povos brbaros, preservando

    muitos elementos da cultura pag greco-romana. Apoiada em sua crescente influncia religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel poltico na sociedade medieval. Desempenhou, por exemplo, a funo de rgos supranacional, conciliador das elites dominantes, contornando os problemas da fragmentao poltica e das rivalidades internas da nobreza feudal. Conquistou, tambm, vasta riqueza material: tornou-se dona de aproximadamente um tero das reas cultivveis

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    da Europa ocidental, numa poca em que a terra era a principal base da riqueza. Assim, pde estender seu manto de poder universalista sobre diferentes regies europias. 222 OOOsss cccooonnnfffllliiitttooosss eee aaa cccooonnnccciiillliiiaaaooo eeennntttrrreee fff eee sssaaabbbeeerrr

    No plano cultural, a Igreja exerceu amplo domnio, traando um quadro intelectual em que a f crist era o pressuposto fundamental de toda sabedoria humana.

    (A Bblia era to preciosa que recebia as mais ricas encadernaes.)

    Em que consistia essa f?

    Consistia na crena irrestrita ou na adeso incondicional s verdades reveladas por Deus aos homens. Verdades expressas nas Sagradas Escrituras (Bblia) e devidamente interpretadas segundo a autoridade da Igreja.

    De acordo com a doutrina catlica, a f representava a fonte mais elevada das verdades reveladas especialmente aquelas verdades essenciais ao homem e que dizem respeito sua salvao. Neste sentido, afirmava Santo Ambrsio (340-397, aproximadamente): Toda verdade, dita por quem quer que seja, do Esprito Santo.

    Assim, toda investigao filosfica ou cientfica no poderia, de modo algum, contrariar as verdades estabelecidas pela f catlica. Segundo essa orientao, os filsofos no precisavam se dedicar busca da verdade, pois ela j havia sido revelada por Deus aos homens. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as verdades da f.

    No foram poucos, porm, aqueles que dispensaram at mesmo essa comprovao racional da f. Eram os religiosos que desprezavam a filosofia grega, sobretudo porque viam nessa forma pag de pensamento uma porta aberta para o pecado, a dvida, o descaminho e a heresia (doutrina contrria ao estabelecido pela Igreja, em termos de f).

    Por outro lado, surgiram pensadores cristos que defendiam o conhecimento da filosofia grega, na medida em que sentiam a possibilidade de utiliz-la como instrumento a servio do cristianismo. Conciliado com a f crist, o estudo da filosofia grega permitiria Igreja enfrentar os descrentes e demolir os hereges com as armas racionais da argumentao lgica. O objetivo erra convencer os descrentes, tanto quanto possvel, pela razo, para depois faz-los aceitar a imensido dos mistrios divinos, somente acessveis f.

    Entre os grandes nomes da filosofia catlica medieval destacam-se Agostinho e Toms de Aquino. Eles foram os responsveis pelo resgate cristo das filosofias de Plato e de Aristteles, respectivamente.

    333 PPPAAATTTRRRSSSTTTIIICCCAAA

    A f em busca de argumentos racionais a partir de uma matriz platnica

    Desde que surgiu o cristianismo, tornou-se necessrio explicar seus ensinamentos s autoridades romanas e ao povo em geral. Mesmo com o estabelecimento e a consolidao da doutrina

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    crist, a Igreja catlica sabia que esses preceitos no podiam simplesmente ser impostos pela fora. Eles tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um trabalho de conquista espiritual. Foi assim que os primeiros Padres da Igreja se empenharam na elaborao de inmeros textos sobre a f e a revelao crists. O conjunto desses textos ficou conhecido como patrstica por terem sido escritos principalmente pelos grandes Padres da Igreja.

    Uma das principais correntes da filosofia patrstica, inspirada na filosofia greco-romana, tentou munir a f de argumentos racionais. Esse projeto de conciliao entre o cristianismo e o pensamento pago teve como principal expoente o Padre Agostinho.

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    Aureliano Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, provncia romana situada na frica, e faleceu em Hipona, hoje localizada na Arglia. Nesta cidade ocupou o cargo de bispo da Igreja catlica.

    At completar 32 anos, Agostinho no era cristo. Teve uma vida voltada aos prazeres do mundo. De uma ligao amorosa ilcita para a poca, nasceu-lhe o filho Adeodato. Foi professor de retrica em escolas romanas. Em sua trajetria intelectual, Agostinho sentiu-se despertado para a filosofia pela leitura de Ccero. Posteriormente, deixou-se influenciar pelo maniquesmo, seita persa que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princpios opostos, o bem e o mal, mantendo uma incessante luta entre si. Mais tarde, j insatisfeito com o maniquesmo, viajou para Roma e Milo, entrando em

    contato com o neoplatonismo, que, na poca, tinha como caracterstica o ceticismo.

    Cresceu e se aprofundou em Agostinho uma grande crise existencial, uma inquietao quase desesperada em busca de sentido para a vida. Foi nesse perodo crtico que ele se encontrou com Santo Ambrsio, bispo de Milo, sentindo-se extremamente atrado por suas pregaes. Pouco tempo depois, converteu-se ao cristianismo, tornando-se seu grande defensor pelo resto da vida.

    Agostinho defendeu a superioridade da alma humana, a supremacia do esprito sobre o corpo, a matria. A alma foi criada por Deus para reinar sobre o corpo, para dirigi-lo prtica do bem. O homem pecador, entretanto, utilizando-se do livre-arbtrio, costuma inverter essa relao, fazendo o corpo assumir o governo da alma. Provoca, com isso, a submisso do esprito matria, equivalente subordinao do eterno ao transitrio, da essncia aparncia. Mas a verdadeira liberdade est na harmonia das aes humanas com a vontade de Deus. Ser livre servir a Deus, pois o prazer de pecar a escravido.

    Segundo o filsofo, o homem que trilha a via do pecado s consegue retornar aos caminhos de Deus e da salvao mediante a combinao de seu esforo pessoal de vontade e a concesso, imprescindvel, da graa divina. Sem a graa de Deus, o homem nada pode conseguir. E nem todas as pessoas so dignas de receber essa graa, mas somente alguns eleitos, predestinados salvao.

    Agostinho reconheceu a diferena existente entre f crist e razo na medida em que a f nos faz crer em coisas que nem sempre entendemos pela razo. Dizia: creio tudo o que entendo, mas nem tudo que creio tambm entendo. Tudo o que compreendo conheo, mas nem tudo que creio conheo.

    Baseando-se no profeta bblico Isasas, afirmava ser necessrio crer para compreender, pois a f ilumina os caminhos da razo; posteriormente, a compreenso nos confirma a crena. Isso significa

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    que, para Agostinho, a f revela verdades ao homem de forma direta e intuitiva. Vem depois a razo esclarecendo aquilo que a f j antecipou.

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    Os caminhos de inspirao aristotlica at Deus

    No sculo VIII, Carlos Magno resolveu organizar o ensino por todo o seu imprio e fundar escolas ligadas s instituies catlicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros at ento, voltou a ser divulgada, passando a ter uma influncia mais marcante nas reflexes da poca.

    Tendo a educao romana como modelo, comearam a ser ensinadas as seguintes matrias: gramtica, retrica e dialtica (o trivium) e geometria, aritmtica, astronomia e msica (o

    qadrivium). Todas elas estavam, no entanto, submetidas teologia.

    A fundao dessas escolas e das primeiras universidades no sculo XI fez surgir uma produo filosfico-teolgica denominada escolstica (de escola).

    A partir do sculo XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolstico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu descoberta de muitas obras de Aristteles, desconhecidas at ento, e traduo para o latim de algumas delas, diretamente do grego.

    A busca de harmonizao entre a f crist e a razo manteve-se,no entanto, como problema bsico de especulao filosfica. Nesse sentido, o perodo escolstico pode ser dividido em trs fases:

    Primeira fase (do sculo IX ao fim do sculo XII): caracterizada pela confiana na perfeita harmonia entre f e razo. Segunda fase (do sculo XIII ao princpio do sculo XIV): caracterizada pela elaborao de grandes sistemas filosficos, merecendo destaques as obras de Toms de Aquino. Nesta fase, considera-se que a harmonizao entre f e razo pde ser parcialmente obtida. Terceira fase (do sculo XIV at o sculo XVI): decadncia da escolstica, caracterizada pela afirmao das diferenas fundamentais entre f e razo.

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    Toms de Aquino (1226-1274) nasceu em Npoles, sul da Itlia, e faleceu no convento Fossanuova, prximo de sua cidade natal, aos 49 anos de idade. considerado o maior filsofo da escolstica medieval.

    Inserida no movimento escolstico, a filosofia de Toms de Aquino ( o tomismo) j nasceu com objetivos claros: no contrariar a f. De fato, a finalidade de sua filosofia era organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelaes do cristianismo.

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    Assim, Toms de Aquino reviveu em grande parte o pensamento aristotlico com a finalidade de nele buscar os elementos racionais que explicassem os principais aspectos da f crist. Enfim, fez da filosofia de Aristteles um instrumento a servio da religio catlica, ao mesmo tempo que transformou essa filosofia numa sntese original.

    Retomando as idias de Aristteles sobre o ser e o saber, Toms de Aquino enfatizou a importncia da realidade sensorial. No processo de conhecimento dessa realidade, ressaltou uma srie de princpios considerados bsicos, dentre os quais se destacam:

    Princpio de contradio: o ser ou no . No existe nada que possa ser e no ser ao mesmo tempo e sob o mesmo ponto de vista.

    Princpio da substncia: na existncia dos seres podemos distinguir a substncia (a essncia, propriamente dita, de uma coisa, sem a qual ela no seria aquilo que ) e o acidente (a qualidade no-essencial, acessria do ser)

    Princpio da causa eficiente:todos os seres que captamos pelos sentidos so seres contingentes, isto , no possuem, em si prprios, a causa eficiente de suas existncias. Portanto, para existir, o ser contingente depende de um outro ser que representa a sua causa eficiente: este outro ser chamado de ser necessrio.

    Princpio da finalidade: todo ser contingente existe em funo de uma finalidade, de um objetivo, de uma razo de ser. Enfim, todo ser contingente possui uma causa final.

    Princpio do ato e da potncia: todo ser contingente possui duas dimenses: o ato e a potncia. O ato representa a existncia atual do ser, aquilo que est realizado e determinado. A potncia representa a capacidade real do ser, aquilo que no se realizou mas pode realizar-se. a passagem da potncia para o ato que explica toda e qualquer mudana.

    AS PROVAS DA EXISTNCIA DE DEUS

    Em um de seus mais famosos livros, a Suma teolgica, Toms de Aquino prope cinco provas de existncia de Deus:

    1. O primeiro motor Tudo aquilo que se move movido por outro ser. Por sua vez, este outro ser, para que se mova, necessita tambm que seja movido por outro ser. E, assim sucessivamente. Se no houvesse um primeiro ser movente, cairamos num processo indefinido. Logo, conclui Toms de Aquino, necessrio chegar a um primeiro

    movente que no seja movido por nenhum outro. Esse ser Deus.

    2. A causa eficiente Todas as coisas existentes no mundo no possuem em si prprias a causa eficiente de sua existncia. Devem ser consideradas efeitos de alguma causa. Toms de Aquino afirma ser impossvel remontar indefinidamente procura das causas eficientes. Logo, necessrio admitir a existncia de uma primeira causa eficiente, responsvel pela sucesso de efeitos. Essa causa primeira Deus.

    3. Ser necessrio e ser contingente Este argumento uma variante do segundo. Afirma que todo ser contingente, do mesmo modo que existe, pode deixar de existir. Ora, se todas as coisas que existem podem deixar de ser, ento, alguma vez, nada existiu. Mas, se assim fosse, tambm agora nada existiria, pois aquilo que no existe somente comea a existir em funo de algo que j existia. preciso admitir, ento, que h um ser que sempre existiu, um ser absolutamente necessrio, que no tenha fora de sai a causa da sua existncia, mas, ao contrrio, que seja a causa da necessidade de todos os seres contingentes. Esse ser necessrio Deus.

    4. Os graus de perfeio Em relao qualidade de todas as coisas existentes, pode-se afirmar a existncia de graus diversos de perfeio. Assim, afirmamos que tal coisa melhor que

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    outra, ou mais bela, ou mais poderosa, ou mais verdadeira etc. Ora, se uma coisa possui mais ou menos determinada qualidade positiva, isto supe que deve existir um ser com o mximo dessa qualidade, ao nvel da perfeio. Devemos admitir, ento, que existe um ser com o mximo de bondade, de beleza, de poder, de verdade, sendo, portanto, um ser mximo e pleno. Esse ser Deus.

    5. A finalidade do ser Todas as coisas brutas, que no possuem inteligncia prpria, existem na natureza cumprindo uma funo, um objetivo, uma finalidade, semelhante flecha dirigida pelo arqueiro. Devemos admitir, ento, que existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas da natureza para que cumpram seu objetivo. Esse ser Deus.

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    CCCAAAPPPTTTUUULLLOOO 111444 --- OS NOVOS VALORES DA CINCIA E A FILOSOFIA MODERNA

    Afinal, pode a razo conhecer Deus? Percorrendo tortuosos labirintos, o pensamento medieval no conclusivo. Estaria o problema na f, que no

    pode ser provada, ou na razo, que incapaz de conhecer a verdade? A escolstica chega, assim, ao seu limite.

    A desagregao da cristandade com a reforma protestante e o renascimento cultural trazem novas questes. A teologia j no se constitui na cincia das cincias.

    A burguesia entra em cena e o homem descobre-se a si mesmo, tornando-se uma espcie de Deus. Avanam a tcnica e a cincia. Surge um novo universo, indeterminado e infinito. Por sua conta e risco, a

    filosofia volta a trilhar, enfim, o seu prprio caminho. a Idade da Razo.

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    A construo de uma nova imagem do homem e do universo

    Canho, inveno de Leonardo da Vinci

    Diretamente influenciada pelo catolicismo, a mentalidade dominante no perodo medieval concebia um modelo de homem e de sociedade obediente Igreja e voltado para as especulaes do mundo espiritual.

    Com o florescimento do comrcio e o desenvolvimento da burguesia, formulou-se um novo modelo de homem e de sociedade que foi substituindo os valores dominantes na Idade Mdia. Assim, a mentalidade burguesa comeou a propor:

    Em vez de um mondo centrado em Deus (teocntrico), um mundo centrado no homem (antropocntrico). Trata-se do desenvolvimento do humanismo.

    Em vez de um mundo explicado pela f (pelas verdades reveladas), um mundo explicado pelas operaes racionais (pelas verdades estabelecidas

    pela razo) trata-se do desenvolvimento do racionalismo e da cincia experimental. Em vez da nfase no ideal de coletivismo fraternal da cristandade, um mundo marcado

    pela individualidade dos homens e pelas diferenas regionais entre as naes. Trata-se do desenvolvimento do individualismo burgus e do nacionalismo, que se manifestava na formao dos Estados modernos.

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    Esse perodo de transio entre a mentalidade medieval e a mentalidade moderna ficou caracterizado pelo movimento artstico e cientfico denominado Renascimento (sculos XV e XVI). Esse movimento criaria a base conceitual e de valores que permitiria a arrancada triunfal da razo e da cincia no sculo XVII.

    Inspirado na cultura greco-romana, o Renascimento propiciou o desenvolvimento de uma mentalidade racionalista. Revelando maior disposio de questionar os mistrios do mundo, o

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    homem moderno aguou seu esprito de observao sobre a natureza, dedicou mais tempo pesquisa e s experimentaes, deixou a mente mais aberta ao livre exame do mundo.

    Esse conjunto de atitudes contrapunha-se, em grande medida, mentalidade tpica medieval, mais influenciada pelo pensamento contemplativo e mais submisso s inquestionveis verdades da f. O sbio moderno buscaria no somente conhecer a realidade, mas exercer controle sobre ela. Ele queria descobrir as leis que regem os fenmenos naturais. O objetivo era prever para prover, como mais tarde se diria.

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    preciso lembrar que a transio da mentalidade medieval para a mentalidade cientifica moderna no foi um processo sbito, tranqilo e sem resistncias. Foras ligadas ao passado medieval lutaram duramente contra as transformaes que se desenvolviam, punindo os sbios da poca e organizando listas de proibidos (o Index).

    No foi por outro motivo que grandes pioneiros da cincia moderna sofreram brutal perseguio do Tribunal da Inquisio, rgo da Igreja encarregado de descobrir e julgar os responsveis pela propagao de doutrinas herticas, isto , contrrias aos dogmas da f crist.

    Exemplo marcante dessas perseguies o julgamento do pensador italiano Giordano Bruno (1548-1600), condenado morte na fogueira por contestar a ortodoxia oficial catlica, que tinha como um dos pontos bsicos a crena de que o planeta Terra era o centro imvel do universo. Tais crenas geocntricas estavam fundamentadas na astronomia do grego Ptolomeu, na fsica de Aristteles e em certas interpretaes da Bblia. Contra essas concepes, Giordano Bruno apresentou a teoria heliocntrica de Nicolau Coprnico (1473-1543) e defendeu que o universo um todo infinito, cujo centro no est em parte alguma. As perseguies que sofreu por isso so denunciadas no seguinte trecho: Por ser eu delineador do campo da natureza, por estar preocupado com o alimento da alma, interessado pela cultura do esprito e dedicado atividade do intelecto, eis que os visados me ameaam, os observados me assaltam, os atingidos me mordem, os desmascarados me devoram.

    222 --- OOO gggrrraaannndddeee rrraaaccciiiooonnnaaallliiisssmmmooo dddooo ssscccuuulllooo XXXVVVIIIIII

    O momento em que o homem transformou as estruturas de seu pensamento

    As conquistas e realizaes renascentistas deixaram o homem comum desorientado e desconfiado. O mundo racionalmente ordenado e unificado da Antiguidade j no existia mais. O que representariam a polis, o Imprio ou a Igreja diante de um universo infinito? Nesse processo, conforme nos diz o historiador da cincia Alexandre Koyr: o homem perdeu seu lugar no mundo, ou, mais exatamente, perdeu o prprio mundo que formava o quadro de sua existncia e o objeto de seu saber, e precisou transformar e substituir no somente suas concepes fundamentais, mas as prprias estruturas de seu pensamento.

    Uma das concepes fundamentais at ento era a noo aristotlica de espao hierarquizado, em que cada lugar tinha uma qualidade diferente da de outro lugar. Quando ficou demonstrado que a terra no era o centro do universo, o espao passou a ser homogneo e os lugares tornaram-se equivalentes, sem um ponto fixo e referencial, sem uma hierarquia.

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    O Sol no seria um possvel novo ponto fixo. O heliocentrismo de Coprnico representou apenas o primeiro passo de um processo de descentralizao exterior do mundo. O homem s encontraria um novo centro em si mesmo, isto , na razo (a capacidade humana de avaliar a realidade e distinguir o verdadeiro do falso).

    2.1 - UM MUNDO REPRESENTADO

    Era necessrio ultrapassar a realidade sensvel e reapresentar o mundo unificado. Coube razo, por meio da representao, reordenar o mundo.

    Galileu, por exemplo, explicaria os fenmenos sensveis representando-os por meio de relaes matemticas, geometricamente.

    Esse perodo de imensa confiana na razo impulsionou a cincia e a filosofia modernas. E, conforme definiu o filsofo francs Maurice Merleau-Ponty, o grande racionalismo do sculo XVII foi momento privilegiado em que o conhecimento da natureza e da metafsica acreditam encontrar um fundamento comum.

    2.2 PROCURA-SE UM MTODO

    Qual a garantia de que um pensamento verdadeiro? A ruptura com toda autoridade preestabelecida de conhecimento fez com que os pensadores modernos buscassem uma base segura que garantisse a verdade de um raciocnio.

    Procurava-se, portanto, um mtodo. Por mtodo eu entendo regras certas e fceis que, observadas corretamente, levaro quem as seguirem a atingir o conhecimento verdadeiro de tudo o que for possvel. O mtodo consiste na ordem e na disposio das coisas para as quais devemos voltar o olhar do esprito, para descobrir a verdade (DESCARTES)

    A razo estava em alta. O mtodo escolhido s poderia ser o matemtico, pois a matemtica o exemplo perfeito de conhecimento integralmente racional. Ela se tornaria, por isso, o modelo do racionalismo do sculo XVII.

    333 GGGAAALLLIIILLLEEEUUU GGGAAALLLIIILLLEEEIII::: uuummm mmmuuunnndddooo ssseeemmm eeennncccaaannntttooosss,,, aaapppeeennnaaasss nnnmmmeeerrrooosss

    A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (...) Ele est escrito em lngua matemtica, os caracteres so tringulos, circunferncias e outras figuras geomtricas. Sem estes meios, impossvel entender humanamente as palavras; sem eles ns vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. (GALILEU)

    Nascido na cidade italiana de Pisa, Galileu Galilei (1564-1642) considerado um dos fundadores da fsica moderna.

    Durante o perodo medieval, observar as coisas, agir sobre a natureza e pensar como matemtico (DESANTI) eram atividades heterogneas que no se combinavam. Entretanto, Galileu professor de matemtica da Universidade de Pisa decidiu, de forma inovadora, aplicar a matemtica no estudo da natureza.

    Entre as grandes realizaes de Galileu, podemos destacar:

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    A elaborao da lei da queda livre dos corpos, segundo a qual a acelerao de um corpo em queda constante, independentemente de o corpo ser leve ou pesado, grande ou pequeno. A demonstrao desta lei exige condies ideais (vcuo).

    A construo e o aperfeioamento do telescpio, com o qual efetuou observaes astronmicas que o levaram a descobrir o relevo montanhoso da Lua, quatro satlites de Jpiter, as formas diferentes de Saturno, as fases de Vnus e a existncia das manchas solares. Por causa destas realizaes de Galileu, Alexandre Koyr afirmou que a fsica moderna teve suas origens no cu.

    A LUNETA NA DIREO DO CU

    Em 1609, Galileu teve notcias de que, na Holanda, fora inventada uma luneta que permitia a observao de objetos longnquos. O grande mrito de Galileu no foi propriamente ter construdo e aperfeioado essa luneta para uso prprio, mas ter a idia de utiliz-la na observao do cu.

    Mas no apenas por suas descobertas especficas que o nome de Galileu merece especial destaque na histria das cincias. Uma das suas mais extraordinrias contribuies foi ter assumido uma nova postura de investigao cientfica cuja metodologia se baseava em tpicos como:

    A nfase na observao paciente e minuciosa dos fenmenos naturais.

    A realizao de experimentaes para a comprovao de uma tese. A valorizao da matemtica como instrumento capaz de enunciar as regularidades

    observadas nos fenmenos.

    Galileu foi um entusiasmado defensor da cosmologia que se desenvolveu a partir da teoria heliocntrica de Coprnico. Rejeitava, portanto, a astronomia de Ptolomeu e a fsica de Aristteles, que, incorporadas pelo cristianismo catlico, reinaram durante o perodo medieval.

    Por contrariar a viso tradicional do mundo, Galileu foi advertido pelas autoridades catlicas, que o julgavam herege. Suas idias eram consideradas contrrias s Sagradas Escrituras. Galileu respondia que a Bblia, em se tratando de temas cientficos, no era um manual a ser obedecido cegamente.

    O pioneirismo rebelde de Galileu atraiu sobre ele a fria do Tribunal da Inquisio. Em 1633, foi condenado pelo Tribunal, que lhe imps a dramtica alternativa: ser queimado vivo numa fogueira ou retratar-se publicamente, renegando suas concepes cientficas. Galileu optou por viver

    e retratou-se perante o Tribunal. Permaneceu entretanto, sempre fiel s suas idias. E, em 1638, quatro anos antes de falecer, publicou clandestinamente mais uma obra que contrariava os dogmas oficiais de sua poca.

    444 FFFRRRAAANNNCCCIIISSS BBBAAACCCOOONNN::: ooo mmmtttooodddooo eeexxxpppeeerrriiimmmeeennntttaaalll cccooonnntttrrraaa ooosss dddooolllooosss

    Nascido em Londres, Francis Bacon (1561-1626) pertencia a uma famlia de nobres. Desde menino, foi educado para ingressar

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    na carreira poltica e projetar-se nos cargos pblicos. Depois de concluir seus estudos em Cambridge, iniciou, em 1577, sua carreira poltica, atravs da qual conquistaria os mais importantes postos do reino britnico.

    Apesar de ter mantido discutvel conduta moral, Francis Bacon realizou uma obra cientfica de inegvel valor. considerado um dos fundadores do mtodo indutivo de investigao cientfica. Atribui-se a ele, tambm, a criao do lema saber poder, que revel sua firme disposio de nimo de fazer dos conhecimentos cientficos um instrumento prtico de controle da realidade.

    Preocupado com a utilizao dos conhecimentos cientficos na vida prtica, Bacon manifestava grande entusiasmo pelas conquistas tcnicas que se difundiam em seu tempo: a bssola, a plvora e a imprensa. Por outro lado, revelava sua averso ao pensamento meramente abstrato, caracterstico da escolstica medieval.

    Segundo Bacon, a cincia deveria valorizar a pesquisa experimental, tendo em vista proporcionar resultados objetivos para o homem. Mas, para isso, era necessrio que o cientista se libertasse daquilo que ele denominava dolos, isto , as falsas noes, os preconceitos, os maus hbitos mentais.

    (Sugesto de pesquisa pesquisar os dolos de Francis Bacon. dolos da tribo, dolos da caverna, dolos do teatro).

    Para combater os erros provocados pelos dolos, Francis Bacon props o mtodo indutivo de investigao, baseado na observao rigorosa dos fenmenos naturais e do cumprimento das seguintes etapas:

    Observao da natureza para a coleta de informaes. Organizao racional dos dados recolhidos empiricamente. Formulao de explicaes gerais (hipteses) destinada compreenso do fenmeno

    estudado. Comprovao da hiptese formulada mediante experimentaes repetidas, em novas

    circunstncias.

    Para Bacon: aquele que comea uma investigao repleto de certezas acabar terminando cheio de dvidas. Mas aquele que comea com dvidas poder terminar com algumas certezas.

    Assim, a grande contribuio de Francis Bacon na histria da cincia moderna foi apresentar o conhecimento cientfico como resultado e um mtodo de investigao capaz de conciliar a observao dos fenmenos, a elaborao racional das hipteses e a experimentao controlada para comprovar as concluses obtidas.

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    Ren Descartes (1596-1650) nasceu em La Haye, Frana pertencendo a uma famlia de prsperos burgueses. Estudou no colgio jesuta de La Fleche, na poca um dos

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    mais conceituados estabelecimentos de ensino europeu. Excetuando a aprendizagem que fez da matemtica, decepcionou se com a educao jesutica de La Fleche. Confessaria, tempos depois, sua deciso de buscar a cincia por conta