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“ESCOLA CLÓVIS BORGES MIGUEL” Professor: Maikon APOSTILA DE FILOSOFIA 1º ANO CONTEÚDO: I. APRENDENDO FILOSOFIA II. AS RELIGIÕES E O SAGRADO III. CIÊNCIA E PROGRESSO

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“ESCOLA CLÓVIS BORGES MIGUEL”

Professor: Maikon

APOSTILA DE FILOSOFIA

1º ANO

CONTEÚDO:

I. APRENDENDO FILOSOFIA

II. AS RELIGIÕES E O SAGRADO

III. CIÊNCIA E PROGRESSO

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I. APRENDENDO FILOSOFIA

Provavelmente muitos de vocês nunca estudaram filosofia ou leram o livro de algum filósofo. Desse modo, ao ficarem sabendo que estudariam filosofia no ensino médio devem ter se perguntado: O que é filosofia? O que nós vamos estudar em filosofia? Alguns podem estar curiosos e outros preocupados. Antes de respondermos essas perguntas é importante fazermos algumas uma observações: para estudar filosofia é preciso uma dedicação a leitura, pois na nossa disciplina nosso principal material de trabalho serão os TEXTOS. Utilizaremos tanto os textos clássicos escritos pelos filósofos como textos de revistas e jornais que nos auxiliem a estudar determinados problemas filosóficos. Para começarmos a entender o que é a filosofia e o que os filósofos estudam vamos observar o afresco do pintor renascentista Rafael:

Essa pintura de Rafael tem o nome de Filosofia. Vemos primeiramente no afresco uma mulher que representa a filosofia segurando dois livros. Na mão esquerda ela tem um livro sobre “Moral” já na mão direita um livro sobre a “Natureza”. Esses dois livros segurados pela mulher da pintura nos ajudam a compreender “o quê” a filosofia estuda. A filosofia surgiu primeiramente como uma investigação da Natureza, ou seja, tudo aquilo que

não é produzido pelo ser humano, tal como o movimento dos astros, a cheia dos rios, a mudança das

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estações. Posteriormente a filosofia passou a se interessar pelo estudo do próprio ser humano e pelas coisas que só existem porque foram produzidas pelos seres humanos. O livro sobre “Moral” que a mulher da pintura segura representa o conhecimento dessas “coisas” que são produzidas pelo homem. Se pensarmos, por exemplo, nas noções de bem e mal, veremos que elas só existem onde existe o ser humano, elas não se encontram na natureza entre os animais ditos irracionais, os vegetais ou os minerais. É importante levarmos em consideração que a moral não é a única coisa produzida pelos seres humanos que a filosofia estuda. Os filósofos também se dedicam ao estudo das ciências e das tecnologias, da política, da arte, das religiões. Tudo isso foi produzido pela humanidade, de modo que ao conhecermos essas coisas conhecemos melhor o próprio ser humano. Sócrates, o mais famoso filósofo da Grécia Antiga, ao se consultar no oráculo da cidade de Delfos ouviu o seguinte: “Conhece-te a ti mesmo!” Sócrates não foi para casa e ficou sozinho tentando conhecer quem era ele, muito pelo contrário, o filósofo passou a perambular pelas ruas de Atenas debatendo com as pessoas sobre política, ciência, arte, religião e moral. O que Sócrates nos ensina é que investigar aquilo que foi produzido pela humanidade é a melhor forma dos seres humanos conhecerem o que eles são. Já sabemos então o que os filósofos estudam: 1) a natureza, ou seja, as coisas que não foram produzidas pelos seres humanos; 2) o ser humano e tudo que é produzido por ele, isto é, a moral, a política, as religiões, as leis, a arte, a ciência, a tecnologia. Vemos que os filósofos estudam muitas coisas e muitas coisas que eles estudam também são estudadas por outros profissionais como o biólogo, o físico, o químico, o sociólogo, o economista, o psicólogo ou o historiador. Mas o que o filósofo faz de diferente? O que distingue a filosofia de outras formas de conhecimento? Para entendermos isso voltemos a observar a pintura de Rafael. Na pintura de Rafael ao lado da mulher que simboliza a filosofia há dois querubins. Eles carregam duas placas com a inscrição em latim Causarum Cognitio, que significa “Conheça através da causas”. Rafael pretende com essa imagem fazer uma alusão ao filósofo grego Aristóteles. Foi Aristóteles que afirmou que a filosofia é o conhecimento das causas primeiras. Sendo assim, a filosofia aborda aqueles temas que descrevemos acima buscando compreender suas causas. A filosofia aborda esses temas fazendo as seguintes perguntas: "Por quê?", "Como?", "Para quê?" e "De que é feito?". Isso é que distingue a filosofia de outras formas de conhecimento, uma busca incessante das causas primeiras. Calma, calma, calma! Talvez essa história de causas primeiras ainda não esteja clara para vocês. Vamos entender isso melhor já, já. 1. O CONHECIMENTO DAS CAUSAS PRIMEIRAS Segundo Aristóteles a filosofia é o conhecimento das causas primeiras. Mas o quê esse filósofo grego queria dizer com isso? Quais são essas causas primeiras? Antes de começarmos a entender isso é importante sabermos que Aristóteles enumera quatro causas diferentes: causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. As histórias em quadrinhos abaixo vão nos ajudar a compreender quais são essas causas que a filosofia busca conhecer. Vejamos o primeiro quadrinho:

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Acima temos o quadrinho da Mafalda desenhado pelo cartunista argentino Quino. No quadrinho temos a personagem Mafalda com seu amigo Miguelito. Nesse quadrinho temos um bom exemplo disso que Aristóteles chama de causa material. Para Aristóteles a causa material diz respeito às menores partes ou os materiais de que algo é feito. O filósofo que busca conhecer a causa material de algo faz a seguinte pergunta: de quê é feito isto? No quadrinho o personagem Miguelito, graças a sua imaginação infantil, supõe que o mar é feito de sopa, ou seja, ele acredita que a causa material do oceano é a sopa, a sopa é o material de que é feito o mar. Mafalda por não gostar muito de sopa não se sente muito bem com a especulação de seu amiguinho. O próximo quadrinho da Mafalda vai nos ajudar a entender o que Aristóteles chama de causa formal.

No quadrinho acima Mafalda olhando o dicionário descobre a definição, o conceito de democracia que é: um governo em o poder político é exercido pelo povo. Aristóteles chama de causa formal uma definição, um conceito que serve de modelo para alguma coisa. Por exemplo, um carpinteiro ao construir uma cadeira terá em mente o conceito de cadeira, isto é, a ideia de uma peça mobiliária utilizada para se sentar com quatro pernas e um encosto para as costas. Essa noção é a causa formal e ela servirá de modelo para o carpinteiro. Podemos pensar outro exemplo a partir do quadrinho da Mafalda. A ideia de “um governo em que o povo exerce o poder” é o modelo, a causa formal de um país que queira ser democrático. Mafalda parece não achar possível que esse tipo de modelo possa ser realizado, tanto é que ela passa o dia inteiro rindo depois de conhecer o conceito de democracia. Ao investigar a causa formal os filósofos perguntam: como é? o quê define isto? O conceito de causa eficiente será explicado com a ajuda do próximo quadrinho:

Nesse quadrinho vemos Mafalda, seu amigo Filipe e seu irmão Guile. O irmão de Mafalda pergunta se o calor é culpa do governo. Guile acha que foi o governo que deu início, que provocou o aparecimento do calor. O garotinho pergunta isso provavelmente porque ele sempre escutou os adultos falando que uma coisa ruim é sempre culpa do governo. O que Aristóteles chama de causa eficiente é aquilo que dá início, aquilo

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que faz algo surgir. O personagem Guile acha que o governo é causa eficiente do calor, já que ele acha que foi o governo que começou o calor. Ao investigar a causa eficiente os filósofos perguntam: o que fez começar algo? o quê deu início a uma ação? Vejamos outro exemplo. O filósofo francês Jean-Jaques Rousseau buscou compreender como surge a desigualdade entre os homens. Por que uns tem poder e outros não? Por que uns são ricos e outros pobres? Por que uns mandam e outros obedecem? Para Rousseau a desigualdade surge com o aparecimento da propriedade privada. Para ele antes os homens tinham tudo em comum, todas as coisas pertenciam a todos. A partir do momento que algum homem cerca a terra e fala isso é meu e não seu, surge a propriedade privada, e com isso a desigualdade. Ou seja, podemos dizer que para Rousseau a propriedade privada é a causa eficiente da desigualdade entre os homens, pois é ela que faz surgir a desigualdade. Por último temos agora a causa final. Vejamos o último quadrinho da Mafalda.

Neste quadrinho a personagem Mafalda se surpreende com os operários furando, martelando e batendo em uma rua. Com sua inocência infantil Mafalda quer saber qual o objetivo dos operários, qual é a finalidade dessas atividades praticadas por ele. Por isso ela pergunta se os operários estão querendo que a rua confesse algo. No entendimento da garotinha os operários parecem estar torturando a rua. Aristóteles chama de causa final aquilo que é o objetivo aquilo que é a finalidade de alguma coisa ou alguma ação. Para Mafalda a causa final dos operários é fazer com que a rua confesse algo. Quando os filósofos investigam a causa final eles perguntam: Para quê é isso? Para quê se faz isso? Assim, um filósofo que estuda a política pode querer investigar “para quê os homens criam leis?” Se as quatro causas que os filósofos buscam explicar ainda não estão claras para vocês, vejam os quadrinhos abaixo em que Aristóteles as explicam junto com seu aluno Alexandre Magno, que posteriormente se tornou Alexandre “o grande”.

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ATIVIDADES 1. Construa uma tabela explicando as quatro causas que a filosofia estuda. Na tabela deve conter o nome das causas, a definição de cada uma delas, um exemplo de cada e a pergunta feita quando se busca compreendê-las. 2. Encontrando as quatro causas nos textos: Leia os textos abaixo buscando identificar uma das quatro causas descritas por Aristóteles. Depois de ler você deve indicar: qual é o tipo da causa (material, formal, eficiente e final)? o quê é a causa? A causa é causa de quê? Vejam os dois exemplos abaixo. A) “A alma é corpórea, composta de partículas sutis, difusa por toda a estrutura corporal [...]”. (Antologia de textos. Epicuro) B) “[...] a união entre o homem e a mulher tem por fim não somente a procriação, mas a perpetuação da espécie [...]”. (Segundo tratado sobre o governo civil. John Locke) C) “O governo do estado moderno não é se não um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. (Manifesto do partido comunista. Karl Marx)

D) “O único objetivo do Estado é proteger os indivíduos uns dos outros e todos juntos de inimigos externos”. (A arte de insultar. Arthur Schopenhauer) E) “A verdadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vida humana de novos inventos e recursos”. (Novum Organum. Francis Bacon) F) “Disfunções do cérebro explicam atitudes violentas” (Notícia. Site Terra)

EXEMPLOS:

“[...] a origem de todas as sociedades, grandes e duradouras, não é a boa vontade mútua que os homens

têm entre si, mas sim o medo mútuo que nutriam uns pelos outros”. (Do Cidadão. Thomas Hobbes)

Tipo de causa: causa eficiente O que é a causa? O medo mútuo entre os homens

A causa é causa de quê? Todas as sociedades grandes e duradouras

Esse texto trata da causa eficiente. Ele mostra que a causa eficiente de todas as grandes sociedades é o medo mútuo entre os homens, ou seja, o que faz surgir as grandes sociedades é o medo mútuo entre os homens.

“A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver bem, isto é, para se levar uma

vida perfeita e que se baste a si mesma”. (Política. Aristóteles)

Tipo de causa: causa final O que é a causa? Viver bem, levar uma vida perfeita

A causa é causa de quê? A Cidade

Esse texto trata da causa final. Ele mostra que o bem viver é a causa final da Cidade, ou seja, a finalidade da Cidade é proporcionar um bem viver para as pessoas.

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3. Os quadrinhos abaixo são da tira “Calvin e Hobbes” (traduzido como Calvin e Haroldo) do cartunista Bill Watterson. Calvin, o garotinho dos quadrinhos, é uma criança bem curiosa, ele está o tempo todo fazendo perguntas que envolvem as quatro causas descritas por Aristóteles. Procure identificar nas histórias abaixo quais causas Calvin investiga, justifique suas respostas. A)

B)

2. A EXPLICAÇÃO MITOLÓGICA DO MUNDO A filosofia surge por volta do século VII a.C na Grécia Antiga. Havia outra forma de explicação do mundo antes do surgimento da filosofia, a explicação por meio da mitologia. A mitologia é o conjunto de mitos de um determinado povo. Mas afinal, o quê é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das guerras, do poder, etc.).

O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o testemunho incontestável sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relação sexual entre os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre as forças que regem o universo. Por exemplo, o poeta Homero, na Ilíada, obra que narra a guerra de Tróia, explica por que, em certas batalhas, os troianos eram vitoriosos e, em outras, a vitória cabia aos gregos. Os deuses estavam divididos, alguns a favor de um lado e outros a favor do outro. A cada vez, o rei dos deuses, Zeus, ficava com um dos partidos, aliava-se com um grupo e fazia um dos

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lados - ou os troianos ou os gregos - vencer uma batalha. A causa da guerra, aliás, foi uma rivalidade entre as deusas. Elas apareceram em sonho para o príncipe troiano Paris, oferecendo a ele seus dons e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite. As outras deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, e isso deu início à guerra entre os humanos.

ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo do filósofo Mircea Eliade trata dos mitos. Leia, interprete e responda as questões. O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, desde o início. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão seus feitos constituem mistérios: o homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem revelados. O mito é pois a história do que se passou em tempos idos, a narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do Tempo. “Dizer” um mito é proclamar o que se passou desde o princípio. Uma vez “dito”, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica1: funda a verdade absoluta. “É assim porque foi dito que é assim”, declaram os esquimós netsilik a fim de justificar a validade de sua história sagrada e suas tradições religiosas. O mito proclama a aparição de uma nova “situação” cósmica ou de um acontecimento primordial. [...] Cada mito mostra como uma realidade veio à existência, seja ela a realidade total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, uma instituição humana. Narrando como vieram à existência as coisas, o homens explica as e responde indiretamente a uma outra questão: por que elas vieram à existência? O “por que” insere se sempre no “como”. E isto pela simples razão de que, ao se contar Como uma coisa nasceu, revela se a irrupção do sagrado no mundo, causa última de toda existência real. [...] A função mais importante do mito é, pois, “fixar” os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas: alimentação, sexualidade, trabalho, educação etc. Comportando se como ser humano plenamente responsável, o homem imita os gestos exemplares dos deuses, repete as ações deles, quer se trate de uma simples função fisiológica, como a alimentação, quer de uma atividade social, econômica, cultural, militar etc. [...] Na Nova Guiné, numerosos mitos falam de longas viagens pelo mar, fornecendo assim “modelos aos navegadores atuais”, bem como modelos para todas as outras atividades, “quer se trate de amor, de guerra, de pesca, de produção de chuva, ou do que for... A narração fornece precedentes para os diferentes momentos da construção de um barco, para os tabus sexuais que ela implica etc.” Um capitão, quando sai para o mar, personifica o herói mítico2 Aori. “Veste os trajes que Aori usava, segundo o mito; tem como ele o rosto enegrecido e, nos cabelos, um love semelhante àquele que Aori retirou da cabeça de Iviri. Dança sobre a plataforma e abre os braços como Aori abria suas asas”. [...] A repetição fiel dos modelos divinos tem um resultado duplo: (1) por um lado, ao imitar os deuses, o homem mantém-se no sagrado e, conseqüentemente, na realidade; (2) por outro lado, graças à reatualização ininterrupta dos gestos divinos exemplares, o mundo é santificado. O comportamento religioso dos homens contribui para manter a santidade do mundo (Mircea Eliade. O sagrado e o profano). 1 Apodítica: indiscutível; que não pode ser contestado. 2 Mítico: relativo ao mito.

1. O que é o mito? O que é narrado no mito? 2. De acordo com o texto, qual a função mais importante do mito? 3. O mito precisa ser comprovado cientificamente para ser aceito? Justifique sua resposta.

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ESTUDO DIRIGIDO -Leia o texto abaixo do filósofo Mircea Eliade. Em seguida responda as questões. MITOS SOBRE A ORIGEM DA MORTE [...] Para as culturas tradicionais, a existência da morte como fato existencial é atribuído a um acidente infeliz que ocorreu nos primórdios da humanidade. Os ancestrais míticos1 desconheciam a morte, tudo foi conseqüência de um acaso ocorrido ainda nos tempos primordiais. Quando é dado ao homem o conhecimento desse primeiro fato, ele compreende a razão de sua própria morte. Quaisquer que sejam as variações dos detalhes dessa primeira morte, o próprio mito basta para explicar o fato em si. Como é bem sabido, poucos mitos explicam a existência da morte como conseqüência de uma transgressão2 pelo homem de um mandamento divino. São um pouco mais comuns os mitos que atribuem a mortalidade a um ato cruel e arbitrário de um ser demoníaco. Essa é a explicação encontrada, por exemplo, entre as tribos australianas e em mitologias de povos da Ásia, Sibéria e América do Norte. De acordo com essas mitologias, a morte foi introduzida no mundo por um adversário do Criador. As sociedades arcaicas, ao contrário, explicam a morte como um acidente absurdo e/ou conseqüência de uma opção tola feita pelos ancestrais míticos. O leitor pode lembrar-se das numerosas histórias do tipo dos "Dois Mensageiros" ou "O Recado que Não Chegou", comuns principalmente na África. Segundo essas histórias, Deus enviou o camaleão aos ancestrais, com o recado de que eles seriam imortais, e enviou o lagarto, com a mensagem de que morreriam. Porém, o camaleão parou para descansar no meio do caminho e o lagarto chegou primeiro. Assim que ele entregaou sua mensagem, a morte entrou no mundo. [...] Na realidade, a passagem do ser para o não-ser é tão desalentadoramente3 incompreensível que se aceita melhor uma explicação ridícula porque é ridiculamente absurda. É óbvio que tais mitos pressupõem uma concepção teológica do Verbo: Deus simplesmente não poderia mudar seu veredicto uma vez que a emissão de suas palavras determinava a realidade. De maneira igualmente dramática, são os mitos que relacionam o aparecimento da morte a uma ação estúpida dos antepassados míticos. Por exemplo, um mito melanésio4 conta que, à medida que envelheciam, os primeiros homens perdiam sua pele como cobras, voltando à sua juventude. Porém, uma vez, uma mulher velha, quando chegou em casa rejuvenescida, não foi reconhecida pelo próprio filho. Para acalmá-lo, a mulher vestiu novamente a pele velha e, a partir de então, os homens tornaram-se mortais. Como último exemplo, deixem-me contar-lhes o belo mito indonésio5 da Pedra e da Banana. No começo, o céu estava muito mais próximo da terra e o Criador costumava fazer descer suas dádivas aos homens através de uma corda. Um dia, ele desceu uma pedra, e os ancestrais a rejeitaram, gritando: "O que temos a ver com essa pedra? Dê-nos outra coisa." Deus concordou; algum tempo depois, ele enviou-lhes uma banana, que foi alegremente aceita. Então, os ancestrais ouviram uma voz que lhes dizia: "Uma vez que escolhestes a banana, vossa vida será como a dela. Quando a bananeira dá cachos, a árvore-mãe morre; assim, vós morrereis e vossos filhos tomarão vosso lugar. Se tivésseis escolhido a pedra, vossa vida seria imutável e imortal como a dela". 1 Mítico: relativo ao mito. 2 Transgressão: infração; violação. 3 Desalentadoramente: relativo a desalentador (desalentador: que faz perder o ânimo). 4 Melanésio: relativo a Melanésia (Nova Guiné e arquipélagos ocidentais, inclusive as ilhas Fidji) 5 Indonésio: relativo a Indonésia. 1. Expliquem quais são os dois tipos mais comuns de mitos que elucidam a origem da morte. 2. Para as sociedades tradicionais os homens sempre foram mortais? Justifique.

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3. OS PRIMEIROS FILÓSOFOS A filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera (através dos mitos), começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais, os acontecimentos humanos e as ações dos seres humanos podem ser conhecidos pela razão humana. Em suma, a Filosofia surgiu quando alguns pensadores gregos se deram conta de que a verdade do mundo e dos homens não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos por meio das operações mentais de raciocínio, que são as mesmas em todos os seres humanos. De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (640-548 a. C.) até Sócrates (469-399 a.C.). Os primeiros filósofos buscam o princípio absoluto (primeiro e último) de tudo o que existe. O princípio é o que vem e está antes de tudo, no começo e no fim de tudo, o fundamento, o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas, que as faz surgir e as governa. É a origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente. No vasto mundo Grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação de filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Em outras palavras, os primeiros filósofos queriam descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial existente em todos os seres materiais. Os pré-socráticos ocuparam-se em explicar o universo e examinavam a procedência e o retorno das coisas. Os primeiros filósofos gregos tentaram responder à pergunta: Como é possível que todas as coisas mudem e desapareçam e a Natureza? Para tanto, procuraram um princípio a partir do qual se pudesse extrair explicações para os fenômenos da natureza. Um princípio único e fundamental que permanecesse estável junto ao sucessivo vir-a-ser. Esse princípio absoluto que os primeiros filósofos buscavam seria a chave de explicação da existência, morte e mudança nos seres. As atividades a seguir mostram como Tales pensava esse princípio.

ESTUDO DIRIGIDO - Os textos abaixo tratam das principais idéias de Tales. Depois de lê-los respondam as questões.

A maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de todas as coisas os que são de natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos, e de que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem, [...] tal é, para eles, o elemento, tal é o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se gera nem se destrói, como se tal natureza subsistisse sempre… Pois deve haver uma natureza qualquer, ou mais do que uma, donde as outras coisas se engendram, mas continuando ela mesma. Quanto ao número e à natureza destes princípios, nem todos dizem o mesmo. Tales, o fundador da filosofia, diz ser água [o princípio] (é por este motivo também que ele declarou que a terra está sobre água), levando sem dúvida a esta concepção por ver que o alimento de todas as coisas é o úmido, e que o próprio quente dele procede e dele vive [...]. Por tal observar adotou esta concepção, e pelo fato de as sementes de todas as coisas terem a natureza úmida; e a água é o princípio da natureza para as coisas úmidas (…). (ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.983 b6) .

1. O que investigavam os primeiros filósofos? 2. O que Tales considerava o princípio de todas as coisas? 3. Como Tales chegou às suas conclusões?

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A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque faz sem imagem e fabulação1; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida2, está contido o pensamento: “Tudo é um”. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e o mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego. Se tivesse dito: “Da água provém a terra”, teríamos apenas uma hipótese científica, falsa, mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do científico. Ao expor essa representação de unidade através da hipótese da água, Tales não superou o estágio inferior das noções físicas da época, mas, no máximo, saltou por sobre ele. As poucas e desordenadas observações da natureza empírica que Tales havia feito sobre a presença e as transformações da água ou, mais exatamente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor _ a proposição: “Tudo é um”. (FRIEDRICH NIETZSCHE. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos. §3, Ed).

1 Fabulação: ato de contar histórias fantasiosas. 2 Estado de crisálida: estado de preparação.

1. O que distingue a explicação de Tales de Mileto das explicações religiosas oferecidas por meio dos mitos? 2. O texto mostra que as observações que Tales fez da natureza foram os únicos motivos que o levaram as suas conclusões? Justifique.

4. SÓCRATES: “CONHECE-TE A TI MESMO”!

O filósofo ateniense Sócrates (470 a.C.-399 a.C.) é considerado um divisor de águas na filosofia. Antes os filósofos estavam mais preocupados em explicar o funcionamento da natureza. Diferentemente dos antigos filósofos, Sócrates cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. Dizem que Sócrates era um homem feio, mas, quando falava, era dono de estranho fascínio. Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praça pública. Interpelava os transeuntes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto. Colocava o interlocutor em tal situação que não havia saída senão reconhecer a própria ignorância. Com isso Sócrates conseguiu rancorosos inimigos. Mas também alguns discípulos. O interessante e que na segunda parte do seu método, que se seguia à destruição da ilusão do conhecimento, nem sempre se chegava de fato a uma conclusão efetiva. Sabemos disso não pelo próprio Sócrates, que nunca escreveu, mas por seus discípulos, sobretudo Platão e Xenofonte.

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Sócrates se indispôs com os poderosos do seu tempo, sendo acusado de não crer nos deuses da cidade e corromper a mocidade. Por isso foi condenado e morto. Costumava conversar com todos, fossem velhos ou moços, nobres ou escravos, preocupado com o método do conhecimento. Sócrates parte do pressuposto "só sei que nada sei", que consiste justamente na sabedoria de reconhecer a própria ignorância, ponto de partida para a procura do saber. Por isso seu método começa pela parte considerada "destrutiva", chamada ironia (em grego, “perguntar fingindo ignorância"). Nas discussões afirma inicialmente nada saber, diante do oponente que se diz conhecedor de determinado assunto. Com hábeis perguntas, desmonta as certezas até o outro reconhecer a ignorância. Parte então para a segunda etapa do método, a maiêutica (em grego, "parto"). Dá esse nome em homenagem a sua mãe, que era parteira, acrescentando que, se ela fazia parto de corpos, ele "dava à luz" ideias novas. Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber constituído para reconstruí-lo na procura da definição do conceito. Esse processo aparece bem ilustrado nos diálogos relatados por Platão, e é bom lembrar que, no final, nem sempre Sócrates tem a resposta: ele também se põe em busca do conceito e às vezes as discussões não chegam a conclusões definitivas. As questões que Sócrates privilegia são as referentes à moral, daí perguntar em que consiste a coragem, a covardia, a piedade, a justiça e assim por diante. Diante de diversas manifestações de coragem, quer saber o que é a "coragem em si", o universal que a representa. Ora, enquanto a filosofia ainda é nascente, precisa inventar palavras novas, ou usar as antigas dando-lhes sentido diferente. Por isso Sócrates utiliza o termo logos, que na linguagem comum significava "palavra", "conversa", e que no sentido filosófico passa a significar "a razão que se dá de algo", ou mais propriamente, conceito. Quando Sócrates pede o logos, quando pede que indiquem qual é o logos da justiça, o quê é a justiça, o que pede é o conceito da justiça, a definição da justiça. 4. O MITO DA CAVERNA Sócrates começou a fazer suas perguntas buscando conhecer o conceito de justiça, de bem, de belo. Perguntava ele: o quê faz uma ação ser justa? Um político ao aumentar o seu salário de 17 mil reais para 24 mil, dirá que o aumento foi justo. Mas o quê é a justiça para ele dizer que sua ação é justa? Alguém poderá dizer: a justiça não é nada, não existe justiça. No entanto, se admitirmos que não existe justiça, jamais poderemos reclamar que alguém agiu de maneira injusta conosco. Esse exemplo acima mostra uma coisa que Sócrates começou a reparar entre seus conterrâneos gregos. A maioria das pessoas tem opiniões sobre vários temas, mas não tem conhecimento sobre eles. Falam da justiça, mas não sabem dizer o quê é a justiça, falam da bondade, mas não sabem dizer o quê é a bondade. Vejamos outro exemplo. Joana conseguiu um emprego público por meio de um parente seu que se tornou político, então ela afirma: “Ele é uma boa pessoa!”. Quatro anos depois o parente de Joana perde a eleição, outro político entra no lugar. Joana é demitida e o novo político coloca um parente dele no lugar dela. Então, Joana afirma: “Esse cara é um mau-caráter, corrupto e safado!”. Duas ações parecidas são julgadas de maneiras diferentes, uma é vista como exemplo de bondade, outra como uma ação reprovável. Isto mostra que no exemplo acima a personagem Joana não tem muita noção do conceito de bondade, isto é, ela não tem muita noção do que define uma ação boa. Para Sócrates há uma distinção entre opinião e conceito. A opinião é algo que a pessoa tem mais nunca parou para pensar por que ela pensa daquele jeito. A opinião varia o tempo todo de acordo com as circunstâncias, além de variar de pessoa para pessoa. Já o conceito é algo justificado, fundamentado. O conceito é resultado do pensamento, da reflexão, chegamos ao conceito não por acaso, mas por meio de uma investigação rigorosa. Mas como são formadas em nós as opiniões? Como acabamos acreditando em ideias que nunca sequer paramos para pensar por que as possuímos? Sócrates busca explicar isso no famoso Mito da caverna. Essa

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história se encontra no livro de Platão chamado A república. Na história o personagem Sócrates conta a seguinte história: “Imagina uma caverna onde estão acorrentados os homens desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas palavras”. Nessa história as sombras representam as opiniões equivocadas que adquirimos da realidade, isto porque a sombra é sempre algo inconstante que muda o tempo todo de acordo com a variação dos reflexos, de modo que podemos ser levados a enganos por causa delas, tal como na caricatura ao lado. Deste modo, o fato de nossos sentidos nos enganarem faz com que estejamos sempre sujeitos a tomar o verdadeiro pelo falso, a aceitar as sombras como a verdadeira realidade. Na Antiguidade e na Idade Média, por exemplo, as pessoas acreditavam que a Terra ficava sempre parada, e o sol girava em torno dela. Esta opinião era fundamentada muito mais em uma percepção dos nossos sentidos do que em estudos astronômicos. Expliquemos. Todos os dias nós vemos o sol nascer de um lado e desaparecer do outro lado. Parece que estamos parados e o sol girando em torno de nós. Sem contar que não conseguimos perceber o movimento de translação da Terra, isto é, não conseguimos perceber que ela está se movimentando, girando em torno do sol. Vemos então que, para Sócrates muitas das opiniões falsas surgem porque nossos sentidos nos enganam. No entanto, há outra forma como adquirimos opiniões em vez de conceitos é quando nos deixamos influenciar somente pelo senso-comum. O senso-comum é o conjunto de ideias e concepções ensinadas pela tradição e que a maioria das pessoas aceitam sem fazer a pergunta: por que tenho que aceitar isso? Até pouco tempo atrás, julgava-se que mulher decente não saía de casa para trabalhar, ficava em casa cuidando da casa e das crianças para o marido. As primeiras mulheres que questionaram essa opinião eram vistas com maus olhos. No Mito da caverna vemos que quando o prisioneiro libertado conta que o mundo está do lado de fora, sendo as sombras meras ilusões, ele também é visto com maus olhos. O prisioneiro liberto questiona o senso-comum dos outros prisioneiros. Outro exemplo de como o senso-comum forma opiniões equivocada em nós, e não conceitos, basta pensarmos no caso do racismo. Uma pessoa criada em um ambiente racista, no meio de uma família racista, cresce acreditando que brancos são superiores aos negros. Embora na família dessa pessoa se aceite de maneira inquestionável a superioridade dos brancos, não existe nenhum estudo que comprove tal superioridade, sendo que a única diferença entre negros e brancos está no fato de os primeiros terem um pouco mais de melanina na pele. O senso-comum pode ser reproduzido pela família, pela televisão, pelas escolas, pelo cinema, pela música, etc. Sócrates acreditava que aceitar as opiniões do senso-comum é se eximir da atividade de pensar, deixando então que outro pense por você.

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ATIVIDADES 1. Leia e interprete a letra da música e o quadrinho abaixo para depois responder as questões.

Televisão Titãs

A televisão me deixou burro, muito burro demais Agora todas coisas que eu penso me parecem iguais O sorvete me deixou gripado pelo resto da vida

E agora toda noite quando deito é boa noite, querida. Ô cride, fala pra mãe

Que eu nunca li num livro que um espirro fosse um vírus sem cura Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!

Ô cride, fala pra mãe! A mãe diz pra eu fazer alguma coisa mas eu não faço nada A luz do sol me incomoda, então deixo a cortina fechada É que a televisão me deixou burro, muito burro demais E agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais.

Ô cride, fala pra mãe Que tudo que a antena captar meu coração captura Vê se me entende pelo menos uma vez, criatura!

Ô cride, fala pra mãe!

TITÃS. Televisão, 1985.

a. Tanto a música quanto o quadrinho, tratam do mesmo tema? Explique. b. É possível dizer que tanto o quadrinho quanto a música mostram que a televisão nos ensina a buscar conhecer aquilo que Sócrates chama de “conceito”? Sim ou não? Justifique.

c. Indique passagens da música e do quadrinho que mostram a televisão como uma forma de reproduzir ideias e concepções do senso-comum.

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Na imagem ao lado vemos a foto da mesquita de Meca, este é um lugar considerado sagrado pelos Mulçumanos. Embaixo da foto da mesquita vemos a foto de um templo hindu. Logo abaixo vemos um barracão de candomblé. O que a mesquita, o templo e o barracão têm em comum? Todos eles são lugares considerados sagrados para as suas respectivas religiões. Toda religião é constituída por espaços sagrados, ou seja, lugares privilegiados onde o homem religioso pode entrar em contato com o sagrado. O espaço sagrado pode ser uma igreja, uma mesquita

II. AS RELIGIÕES E O SAGRADO

A missa no domingo, a pregação do pastor, os batuques do candomblé, a peregrinação a Meca, o sacrifício de animais ou as orações no muro das lamentações. Todos esses eventos são considerados manifestações religiosas, todos eles estão ligados a alguma religião. Mais afinal o que é uma religião? Como que atividades tão diferentes podem ser reunidas sob um único nome, isto é, religião. O que tem em comum o islamismo, o cristianismo, o judaísmo e o candomblé para serem chamados de religião? Alguns poderão dizer: é religião porque acredita em Deus! Errado! Existem as religiões politeístas que acreditam em diversos deuses. Ou seja, acreditar em Deus não é critério para definir se algo é uma religião ou não. O filósofo e historiador romeno Mircea Eliade buscou entender o que é uma religião. Ele investigou quais características em comum tem atvidades tão diferentes. A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo, re-liga o homem ao sagrado. Toda religião tem essa função, estabelecer um vínculo entre os homens e algo sagrado. Mas o é o sagrado? Sagrado é, pois, a qualidade excepcional – boa ou má, benéfica ou maléfica, protetora ou ameaçadora – que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros. O sagrado pode suscitar devoção e amor, repulsa e ódio. Esses sentimentos suscitam um outro: o respeito feito de temor. Nasce, aqui, o sentimento religioso e a experiência da religião. A manifestação de algo sagrado é chamado por Mircea Eliade de hierofania. A manifestação do sagrado pode se dar por meio de uma pedra, uma árvore, uma montanha, uma pessoa. Na religião cristã, por exemplo, a manifestação do sagrado se dá por meio da encarnação de Deus em Jesus Cristo. Em todos esses fenômenos existe a compreensão de que algo que pertence a “uma ordem diferente” ou “a um outro mundo” se manifesta no nosso mundo profano. O profano é justamente aquilo que não é sagrado. 1. O espaço sagrado

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ESTUDO DIRIGIDO -O texto abaixo é do livro “O sagrado e o profano” do filósofo e historiador Mircea Eliade. Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questões. ......................................................................................................................................................................... Para o homem religioso, o espaço não ê homogêneo1: o espaço apresenta roturas2, quebras; há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. “Não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa.” (Êxodo, 3: 5) Há, portanto, um espaço sagrado, e por conseqüência “forte”, significativo, e há outros espaços não sagrados, e por conseqüência sem estrutura nem consistência, em suma, amorfos3. [...] A fim de pôr em evidência a não homogeneidade do espaço, tal qual ela é vivida pelo homem religioso, pode-se fazer apelo a qualquer religião. Escolhamos um exemplo ao alcance de todos: uma igreja, numa cidade moderna. Para um crente, essa igreja faz parte de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. [...] Assim acontece em numerosas religiões: o templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses. [...] Todo espaço sagrado implica uma hierofania4, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve e o torna qualitativamente diferente. Quando, em Haran, Jacó viu em sonhos a escada que tocava os céus e pela qual os anjos subiam e desciam, e ouviu o Senhor, que dizia, no cimo: “Eu sou o Eterno, o Deus de Abraão!”, acordou tomado de temor e gritou: “Quão terrível é este lugar! Em verdade é aqui a casa de Deus: é aqui a Porta dos Céus!” Agarrou a pedra de que fizera cabeceira, erigiu a em monumento e verteu azeite sobre ela. A este lugar chamou Betel, que quer dizer “Casa de Deus” (Gênesis, 28: 1219). [...] Quando não se manifesta sinal algum nas imediações, o homem provoca o, pratica, por exemplo, uma espécie de evocação com a ajuda de animais: são eles que mostram que lugar é suscetível de acolher o santuário ou a aldeia. Trata-se, em resumo, de uma evocação das formas ou figuras sagradas, tendo como objetivo imediato a orientação na homogeneidade do espaço. Pede se um sinal para pôr fim à tensão provocada pela relatividade e à ansiedade alimentada pela desorientação, em suma, para encontrar um ponto de apoio absoluto. Um exemplo: persegue se um animal feroz e, no lugar onde o matam, eleva se o santuário; ou então põe se em liberdade um animal doméstico – um touro, por exemplo –, procuram-no alguns dias depois e sacrificam no ali mesmo onde o encontraram. Em seguida levanta se o altar e ao redor dele constrói se a aldeia (Mircea Eliade. “O sagrado e o profano”). 1Homogêneo: aquilo que não possui partes ou elementos diferntes. 2Rotura: ruptura; rachadura. 3Amorfo: aquilo que não tem forma; desorganizado 4Hierofania: manifestação ou aparição de algo sagrado. 1. Explique como o homem religioso compreende o espaço. 2. Qual é a função do espaço sagrado? 3. O texto mostra dois modos diferentes de se escolher um espaço que será considerado sagrado. Explique cada um deles.

uma sinagoga, um barracão de candomblé. No entanto, os espaços sagrados não são somente construções humanas. Existem montanhas, florestas, campos que podem ser considerados espaços sagrados.

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2. Os ritos Porque a religião liga humanos e divindade, porque organiza o espaço e o tempo, os seres humanos precisam garantir que a ligação e a organização se mantenham e sejam sempre propícias. Para isso são criados os ritos. Vemos então que o rito é outra característica comum a todas as religiões. O rito é uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos determinados, pessoas determinadas e emoções determinadas adquirem o poder misterioso de presentificar o laço entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefícios, para suplicar novos dons e benefícios, para lembrar a bondade dos deuses ou para exorcizar sua cólera, caso os humanos tenham transgredido as leis sagradas, as cerimônias ritualísticas são de grande variedade. No entanto, uma vez fixada os procedimentos de um ritual, sua eficácia dependerá da repetição minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez, porque nela os próprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos. Um rito religioso é repetitivo em dois sentidos principais: a cerimônia deve repetir um acontecimento essencial da história sagrada (por exemplo, no cristianismo, a eucaristia ou a comunhão, que repete a Santa Ceia); e, em segundo lugar, atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os mesmos, porque foram, na primeira vez, consagrados pelo próprio deus. O rito é a rememoração perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a acontecer, graças ao ritual que abole a distância entre o passado e o presente.

ESTUDO DIRIGIDO -O texto abaixo do filósofo e historiador Mircea Eliade trata dos “ritos”. Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questões. ............................................................................................................................................................................. Cada ritual tem um modelo divino, um arquétipo; este fato é suficientemente conhecido por nós, para que possamos nos restringir ao uso de alguns exemplos apenas. "Temos de fazer o que os deuses fizeram no princípio" (Satapatha Brahmana, VII, 2, 1, 4). "Assim fizeram os deuses; assim fazem os homens" (Taittiriya Brahmana, I, 5, 9, 4). Este provérbio indiano sintetiza a teoria que fundamenta os rituais em todos os países. Podemos encontrar esta teoria entre os chamados povos primitivos, do mesmo modo como a encontramos nas culturas mais desenvolvidas. Os aborígines1 da região sudeste da Austrália, por exemplo, praticam a circuncisão2 com uma faca de pedra, porque foi assim que seus ancestrais lhes ensinaram a fazer; os negros amazulu fazem o mesmo, porque Unkulunkulu (herói civilizador) decretou em tempos idos: "Que os homens sejam circuncisos, para que não sejam meninos". [...]É inútil a multiplicação dos exemplos; todos os atos religiosos são considerados como tendo sido fundados pelos deuses, pelos heróis civilizadores, ou por ancestrais míticos. [...] O sábado judeu-cristão também é uma “imitação de Deus”. O descanso sabatino3 reproduz o gesto primordial do Senhor, pois foi no sétimo dia da Criação que Deus "...descansou depois de toda a sua obra de Criação" (Genesis 2,2). A mensagem do Salvador é, antes de mais nada, um exemplo que exige imitação. Depois de lavar os pés de seus discípulos, Jesus lhes disse: "Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais" (João 13,15). [...] Os rituais do casamento também contam com um modelo divino, e o matrimônio humano reproduz a hierogamia4 [...] Na Grécia, os rituais do casamento imitavam o exemplo de Zeus, unindo-se em segredo com Hera (Pausânias, II, 36, 2). [...] Todo o simbolismo paleo-oriental5 do casamento pode ser explicado por meio de modelos celestiais. Os sumérios6 celebravam a união dos elementos no dia de Ano Novo; através de todo o Oriente primitivo, o mesmo dia adquiriu sua fama não só por causa do mito da hierogamia, mas também pelos rituais de união do rei com a deusa. É no dia de Ano Novo que Ishtar deita-se com Tammuz, e o rei reproduz essa hierogamia mítica, consumando uma união ritual com a deusa (isto é, com a escrava do templo, que a representa na Terra) numa câmara secreta do templo, onde fica a cama nupcial da deusa. A união divina garante a fecundidade7 terrena; quando Ninlil deita-se com Enlil, a chuva começa a cair. A mesma fecundidade é garantida por meio da união cerimonial do rei, a dos casais na Terra, e assim por diante. O mundo é regenerado8 toda vez que a hierogamia é imitada, isto é, sempre que se consuma a união matrimonial (Mircea Eliade. “Mito do eterno retorno).

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3. Os objetos simbólicos A religião não sacraliza apenas o espaço e o tempo, mas também seres e objetos do mundo, que se tornam símbolos de algum fato religioso. Os seres e objetos simbólicos são retirados de seu lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a comunidade – protetor, perseguidor, benfeitor, ameaçador. É assim, por exemplo, que certos animais se tornam sagrados, como a vaca na Índia, o cordeiro perfeito consagrado para o sacrifício da páscoa judaica. É assim, por exemplo, que certos objetos se tornam sagrados, como o pão e o vinho consagrados pelo padre cristão, durante o ritual da missa. Também objetos se tornam símbolos sagrados intocáveis, como os pergaminhos judaicos contendo os textos sagrados antigos, certas pedras usadas pelos chefes religiosos africanos, etc. A religião tende a ampliar o campo simbólico. Ela o faz, vinculando seres e qualidades à personalidade de um deus. Assim, por exemplo, em muitas religiões, como as africanas, cada divindade é protetora de um astro, uma cor, um animal, uma pedra e um metal preciosos, um objeto santo. A figuração do sagrado se faz por símbolos: assim, por exemplo, o emblema da deusa Fortuna era uma roda, uma vela enfunada e uma cornucópia; o da deusa Atena, o capacete e a espada; o de Hermes, a serpente e as botas aladas; o de Oxossi, as sete flechas espalhadas pelo corpo; o de Iemanjá, o vestido branco, as águas do mar e os cabelos ao vento; o de Jesus, a cruz, a coroa de espinhos, o corpo glorioso em ascensão.

1Aborígenes: nativo; indígena. 2Circuncisão: retirada cirúrgica do prepúcio, praticada por razões higiênicas e/ou religiosas. 3Sabatino: relativo ao sábado. 4 Hierogamia: casamento das divindades. 5Paleo-oriental: do velho Oriente. 6Sumérios: relativo ou pertencente à Suméria, antigo país da Mesopotâmia (Ásia) , ou o que é seu natural ou habitante 7Fecundidade: fertilidade. 8Regenerado: renovado; restaurado.

1. O que os rituais religiosos tomam como modelo? 2. Nos rituais de casamento qual acontecimento os homens pretendem imitar? 3. Que resultados espera-se atingir por meio dos rituais de casamento?

ESTUDO DIRIGIDO -O texto abaixo do filósofo e historiador Mircea Eliade foi retirado do livro “O sagrado e o profano”. Leia atenciosamente o texto para em seguida responder as questões. ............................................................................................................................................................................. Antes de falarmos da Terra, precisamos apresentar as valorizações religiosas das Águas, e isso por duas razões: (1) as Águas existiam antes da Terra (conforme se exprime o Gênesis, “as trevas cobriam a superfície do abismo, e o Espírito de Deus planava sobre as águas”); (2) analisando os valores religiosos das Águas, percebe-se melhor a estrutura e a função do símbolo. Ora, o simbolismo desempenha um papel considerável na vida religiosa da humanidade [...]. [...] O simbolismo das Águas implica tanto a morte como o renascimento. O contato com a água comporta sempre uma regeneração1: por um lado, porque a dissolução é seguida de um “novo nascimento”[...]. Ao dilúvio ou à submersão periódica dos continentes (mitos do tipo “Atlântica”) corresponde, ao nível humano, a “segunda morte” do homem [...]. A imersão nas Águas equivale não a uma extinção definitiva, e sim a uma reintegração passageira no indistinto, seguida de uma criação, de uma nova vida ou de um “homem novo”.

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[...] Em qualquer conjunto religioso em que as encontremos, as águas conservam invariavelmente sua função: desintegram, abolem as formas, “lavam os pecados”, purificam e, ao mesmo tempo, regeneram. [...]O “homem velho” morre por imersão na água e dá nascimento a um novo ser regenerado. Este simbolismo é admiravelmente expresso por João Crisóstomo (Homil. in Joh., XXV, 2), que, falando da multivalência2 simbólica do batismo, escreve: “Ele representa a morte e a sepultura, a vida e a ressurreição... Quando mergulhamos a cabeça na água como num sepulcro, o homem velho fica imerso, enterrado inteiramente; quando saímos da água, aparece imediatamente o homem novo” (Mircea Eliade. “O sagrado e o profano”).

1Regeneração: renovação; restauração. 2Multivalência: qualidade de multivalente. (multivalente: que possui várias utilidades, vários significados.

1. A água é um símbolo que aparece em diversas religiões com. Quais funções são atribuídas a ela? 2. Explique o simbolismo do batismo na religião cristã.

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III. CIÊNCIA E PROGRESSO Com os estudos do último capítulo vocês puderam entrar em contato com diversas religiões. O catolicismo, uma das religiões que entramos em contato durante as aulas possuía um imenso poder durante um longo período da história. Como vocês já ouviram alguma vez nas aulas de história, nesse período a Igreja Católica possuía um grande controle sobre a política, as ciências, as artes e a filosofia. O rigor do controle da Igreja se faz sentir nos julgamentos feitos pelo Santo Ofício (Inquisição), órgão que examinava o caráter herético ou não dos livros escritos. Conforme o caso, as obras eram colocadas no Índex, uma lista dos livros proibidos. Se a leitura fosse permitida, a obra recebia a chancela Nihil obstat (nada obsta), podendo ser divulgada. Quando consideravam o caso muito grave, o próprio autor era julgado. Foi trágico o desfecho do processo contra o filósofo Giordano Bruno (séc. XVI), acusado de panteísmo e queimado vivo por ter defendido com exaltação poética a doutrina da infinitude do universo e por concebê-lo não como um sistema rígido de seres, articulados em uma ordem dada desde a eternidade, mas como um conjunto que se transforma continuamente. Outro importante pensador que sofreu com o poder da Igreja Católica foi Galileu Galilei (1564-1642). A vida de Galileu foi marcada pela perseguição política e religiosa, por defender que a compreensão

geocêntrica do universo estava equivocada. A compreensão geocêntrica do universo, ou geocentrismo, defendia que a Terra era o centro do universo. Essa compreensão predominou durante toda a Antiguidade e a Idade Média. O geocentrismo é de certa forma confirmado pelo senso comum: no cotidiano temos a sensação de que a Terra é imóvel e que o Sol gira à sua volta. O próprio texto bíblico sugere essa idéia. Em uma passagem das Escrituras, Deus fez parar o Sol para que o povo eleito continuasse a luta enquanto ainda houvesse luz, o que sugere o Sol em movimento e a Terra fixa.

Ao criticar o geocentrismo, Galileu defende o heliocentrismo. Esta teoria diz que Sol está no centro do nosso sistema planetário e tudo se move ao seu redor. Tal compreensão do universo foi proposta primeiramente com Nicolau Copérnico (1473 -1543). Mas só começou a ganhar repercussão com Galileu. Isto porque Galileu passou a fazer uso de instrumentos que mostravam que essa ideia de Copérnico era verdadeira. O principal instrumento que possibilitou a Copérnico fazer descobertas astronômicas foi o telescópio. O telescópio, invenção talvez dos holandeses, proporcionou a Galileu outras descobertas valiosas: para além das estrelas fixas, haveria ainda infindáveis mundos; a superfície da Lua era rugosa e irregular; o Sol tinha manchas, e Júpiter tinha quatro luas! O forte impacto dessas novidades desencadeou inúmeras polêmicas até que, pressionado pelas autoridades eclesiásticas, Galileu se viu obrigado a renegar publicamente suas teorias. Além disso, o pensador foi condenado à prisão domiciliar. Quando Galileu expôs suas idéias estava em pleno começo o processo de dessacralização (ou secularização) que surge com a época da história chamada de Idade Moderna ou Modernidade. A secularização é o processo de retirar aquilo que estava sob o domínio da religião é passar para o regime leigo. Com a secularização a Igreja Católica vai progressivamente perdendo o controle que ela tinha sobre a política, as artes, as ciências e a filosofia. Apesar de a religião ter perdido o controle sobre a política, as artes, as ciências e a filosofia, os conflitos permanecem até hoje. Basta lembrarmos de temas como:

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manipulação de células tronco, clonagem, casamento entre pessoas do mesmo sexo, legalização do aborto, dentre outros. 1. FRANCIS BACON: A CIÊNCIA PRECISA DE UM MÉTODO! Um dos filósofos de maior destaque da época moderna é o inglês Francis Bacon (1561-1626). Antes de começarmos a falar quem é ele e o que de interessante este filósofo tem a nos dizer, precisamos estar atentos para não confundir... ... ESTE BACON COM ESTE BACON Nascido na Inglaterra, aos doze anos Bacon já entrava na Universidade de Cambridge. Durante sua vida, Bacon se dedicou ao estudo da filosofia, das ciências naturais, além de direito, diplomacia e literatura. Cientista dedicado, Bacon acabou morrendo. Ao rechear um frango com neve para verificar se o congelamento impedia a decomposição, resfriou-se e acabou morrendo. Isto mesmo! Por ironia do destino o frango matou o Bacon. Para Bacon a ciência havia feito progressos insignificantes nos últimos séculos, até porque toda tentativa de progresso esbarrava no controle da Igreja. Grandes invenções como a imprensa, o canhão e a bússola mudaram imensamente a vida do homem na ciência, na guerra e no comércio. No entanto, tais invenções foram resultado de descobertas feitas por acaso, não foram resultado de um trabalho sistemático e organizado das ciências. O filósofo inglês julga que a ciência, por si só, não é suficiente: deve haver uma força e uma disciplina fora das ciências para coordená-las e dirigi-las para um objetivo. O que a ciência precisa é de filosofia – a análise do método científico e a coordenação dos propósitos e resultados científicos; sem isso, qualquer ciência será superficial. Vemos então que para Bacon o progresso da ciência depende da filosofia. Somente a filosofia pode oferecer a ciência um método que a permite avançar em busca de novos conhecimentos, além disso, somente a filosofia pode indicar os propósitos da ciência, ou seja, quais são os objetivos que as ciências devem alcançar.

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O professor Hubert é um bom exemplo de como pode faltar um objetivo a atividade

científica.

Vemos então que Francis Bacon diz que a filosofia deve oferecer um método as ciências. O que significa ter um método? Imaginemos a seguinte situação, você vai a um bairro desconhecido procurar a casa de um amigo. Seu amigo não soube explicar direito onde ele mora eles só te informou o nome da rua e o número da casa. Você anda durante horas, vai até o final do bairro, volta, depois de duas horas, sem querer vocês sai na rua da casa do seu amigo e pode chegar ao local almejado. Agora imagine você indo ao mesmo bairro com um mapa. Em vez de andar pelo bairro todo você já sabe as ruas certas que deve entrar para chegar à rua da casa do seu amigo. Em dez minutos você então chega ao local. Podemos dizer que no primeiro caso você agia sem um método você entrava nas ruas que “achava” que devia entrar. No segundo caso você tem um método, pois o mapa oferece um conjunto de regras que você deve seguir, lhe permitindo realizar a mesma atividade sem se cansar e em um tempo menor. Na primeira situação você chegou à casa do seu amigo por acaso. A ciência não pode ficar esperando que as descobertas surjam por acaso. Ela precisa possuir um conjunto de regras que lhe ensinem como agir na busca dos conhecimentos. A ciência precisa de um plano de ação, esse plano de ação é o que Bacon chama de método. O filósofo inglês julga que seu método é útil para o progresso de todas as áreas do conhecimento: física, química, história, política, psicologia, etc. Antes de vermos em que consiste esse método de Bacon, voltemos à outra contribuição que a filosofia deve dar a ciência: a definição de propósitos para atividade científica. É preciso que o cientista tenha em vista o que ele pretende alcançar com sua atividade. Ao definir um propósito claro para se alcançar com sua atividade ele evita perder tempo com esforços inúteis. No desenho animado Futurama temos um exemplo claro do que Bacon considera uma atividade científica sem propósitos. O personagem professor Hubert está o tempo todo construído invenções muito engraçadas que não servem para nada. Em um dos episódios filho dele pergunta: E aí pai

construindo mais uma invenção inútil? O professor Hubert mostra então sua última invenção, uma máquina que permite as pessoas falarem com a voz igual à dele. Quando questionado sobre a utilidade do invento ele responde: Assim todos poderão

falar com uma poderosa e amedrontadora voz igual a minha! Bacon afirma o seguinte em seu livro Novum Organum:

“A verdadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vida humana de novos inventos e recursos. Mas a

turba, que forma a grande maioria, nada percebe, busca o próprio lucro e a glória acadêmica”.

Para Bacon as ciências ao proporcionarem aos homens novos inventos e recursos contribuem para que a vida humana se torne melhor, mais confortável e segura. A ciência aumenta o poder humano sobre a natureza. É de Bacon a frase: “Ciência e poder do homem coincidem”. Ou seja, na medida em que a ciência progride o poder humano aumenta. Bacon afirmava em sua época: “Hoje, apenas presumimos dominar a natureza, mas, de fato, estamos submetidos à sua necessidade”. Para Bacon era necessário então que a ciência aumentasse o poder humano permitindo a ele comandar a natureza.

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Vemos assim que o principal propósito, a principal meta da ciência é contribuir com inventos e descobertas que tornam a vida melhor e que permitem ao ser humano aumentar o seu poder e comandar a natureza. O aumento desse poder permitiria ao homem modificar até o que era natural em seu proveito. Bacon afirma o seguinte: “Engendrar e introduzir nova natureza ou novas naturezas em um corpo dado, tal é a obra e o objeto do poder humano”. A foto ao lado exemplifica bem essa frase Bacon. Esse rato com uma orelha nas costas chocou o mundo quando foi apresentado por cientistas da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos. A orelha foi feita a partir de células da cartilagem humana e depois foi implantada nas costas do animal. O organismo do rato foi construído pela engenharia genética com os anticorpos alterados para não ter defesa imunológica e receber o novo órgão sem nenhuma rejeição. Os cientistas queriam verificar se era possível realizar transplantes de órgãos criados em laboratórios. Como todos já sabem, não pertence à natureza dos ratos nasceram com uma orelha nas costas, mas a exemplo do que nos diz Bacon o homem consegue por meio da ciência “introduzir nova natureza ou novas naturezas em um corpo”.

ESTUDO DIRIGIDO - O texto abaixo foi retirado do livro Novum Organum do filósofo Francis Bacon. Leia, interprete e depois responda as questões. Vale também recordar a força, a virtude e as conseqüências das coisas descobertas, o que em nada é tão manifesto quanto naquelas três descobertas que eram desconhecidas dos antigos e cujas origens, embora recentes, são obscuras e inglórias. Referimo-nos à imprensa1, à pólvora e à agulha de marear2. Efetivamente essas três descobertas mudaram o aspecto e o estado das coisas em todo o mundo: a primeira nas letras, a segunda na arte militar e a terceira na navegação. Daí se seguiram inúmeras mudanças e essas foram de tal ordem que não consta que nenhum império, nenhuma seita, nenhum astro tenham tido maior poder e exercido maior influência sobre os assuntos humanos que esses três inventos mecânicos. A esta altura, não seria impróprio distinguirem-se três gêneros3 ou graus de ambição dos homens. O primeiro é o dos que aspiram ampliar seu próprio poder em sua pátria, gênero vulgar e aviltado4; o segundo é o dos que ambicionam estender o poder e o domínio de sua pátria para todo o gênero humano, gênero sem dúvida mais digno, mas não menos cúpido5. Mas se alguém se dispõe a instaurar e estender o poder e o domínio do gênero humano sobre o universo, a sua ambição (se assim pode ser chamada) seria, sem dúvida, a mais sábia e a mais nobre de todas. Pois bem, o império do homem sobre as coisas se apóia unicamente nas artes e nas ciências. A natureza não se domina, senão obedecendo-lhe. [...] Se se objetar com o argumento de que as ciências e as artes se podem degradar6, facilitando a maldade, a luxúria7 e paixões semelhantes, que ninguém se perturbe com isso, pois o mesmo pode ser dito de todos os bens do mundo, da coragem, da força, da própria luz e de tudo o mais. Que o gênero humano recupere os seus direitos sobre a natureza, direitos que lhe competem por dotação divina. Restitua-se8 ao homem esse poder e seja o seu exercício guiado por uma razão reta e pela verdadeira religião.

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APRENDENDO COM OS DESENHOS ANIMADOS - Depois de assistir o episódio dos Simpsons “Homer, o fazendeiro”, leia o texto abaixo. Este texto foi retirado do livro “Os Simpsons e a ciência” de Paul Halpern. Com base no episódio e na leitura do texto responda as questões propostas. .........................................................................................................................................................................

Você diz tomate, eu digo tomaco

Alguns conceitos necessitam de tempo para amadurecer, até que floresçam com resultados deliciosos. Outras noções simplesmente apodrecem nos galhos. É difícil dizer onde se encaixa a ideia de combinar tomates com tabaco – é um provocante desafio ao campo da botânica1 ou apenas uma bobagem gritante? Tomates frescos são alimentos extremamente nutritivos, plenos de vitamina C e antioxidante. Alguns estudos mostram que eles podem diminuir o risco de certos tipos de câncer. O tabaco, ao contrário, é cheio de substâncias carcinogênicas2 conhecidas. Ler as advertências nas embalagens de cigarro é suficiente para provocar traumas. Com relação à saúde, as duas plantas não poderiam ser mais distintas. Contudo, no episódio “Homer, o Fazendeiro”, Homer consegue encontrar um terreno comum entre as duas espécies. É um caso curioso de solo fértil transformado em cinzas, poeira transformado em cinzas, poeira transformada em rapé3, quando os Simpson se mudam para a velha fazenda de Vovô e tentam estabelecer-se como agricultores. De início, Homer não demonstra ter uma boa mão – nada que ele semeia brota –, até que decide utilizar a substância [...] o plutônio4 despachado para ele por Lenny. Logo a fazenda é agraciada com uma produção vigorosa do que parecem ser tomates. Bem, talvez vigorosa não seja a palavra adequada, já que ao ser fatiado o tomate revela um interior marrom, amargo e provoca dependência por causa de perigosas doses de nicotina. Percebendo que a dependência gerada pela planta tem um certo potencial comercial, Homer nomeia a planta de “tomaco” e instala um quiosque na beira da estrada. [...] Todo mundo que passa pelo quiosque quer provar uma amostra, até mesmo Ralph Wiggum, o estudante limítrofe5, que afirma que “o sabor é de comida da vovó”. Assim que os clientes provam uma amostra, a nicotina entra em cena, e eles pedem mais e mais. Logo a companhia de tabaco Laramie (uma empresa fictícia mencionada em vários episódios) interessa-se em promover a venda de produtos de Homer, principalmente porque é permitido por lei vender tomacos às crianças mas não tabaco. A companhia tenta negociar um contrato de 150 milhões de dólares, mas Homer exige absurdos 150 bilhões de dólares. A Laramie recua e depois tenta sem sucesso roubar uma das plantas. No final, toda a lavoura de tomaco é devorada pelos animais da fazenda, viciados em nicotina, deixando Homer sem nada para comprovar seus esforços na área agrícola.

[...] Pelo pecado o homem perdeu a inocência e o domínio das criaturas. Ambas as perdas podem ser reparadas, mesmo que em parte, ainda nesta vida; a primeira com a religião e com a fé, a segunda com as artes e com as ciências (Francis Bacon. Novum Organum). 1Imprensa: máquina destinada a imprimir. 2Agulha de marear: bússola. 3Gêneros:tipo;espécie. 4Aviltado: desprezível. 5Cúpido: ambicioso. 6Degradar: estragar. 7Luxúria: comportamento descontrolado com relação aos prazeres do sexo. 8Restitua-se: do verbo restituir (restituir: devolver). 1. De acordo com o texto, o que foi capaz de exercer maior influência na vida humana do que qualquer império, seita ou astro? 2. Para Francis Bacon, qual é o tipo de ambição mais nobre? 3. O que o homem perdeu pelo pecado? Como ele pode recuperar isso que ele perdeu? 4. Que direitos o texto diz que o homem possui?

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2. A CRÍTICA DOS ÍDOLOS Com falamos anteriormente, para Bacon a filosofia deve fornecer um método para as ciências. Tal método contribuirá para o progresso das ciências. A primeira parte do método de Bacon consiste numa crítica dos ídolos. A palavra ídolo vem do grego eidolon e significa “imagem”. Bacon chama de ídolos as opiniões falsas e preconceitos que dificultam o conhecimento da realidade e o desenvolvimento das ciências. A filosofia deve indicar as ciências quais são os ídolos, ou seja, quais são as noções falsas que dificultam ao intelecto humano conhecer a realidade. Segundo Bacon, existem quatro tipos de ídolos, ou seja, quatro tipos de opiniões falsas que impedem o conhecimento científico: ídolos da caverna, ídolos do fórum, ídolos do

teatro, ídolos da tribo.

[...] A modificação genética de safras tornou-se, nos últimos anos, um tema controverso, ao migrar das fazendas para o laboratório. Os fazendeiros utilizaram técnicas de polinização7 cruzada durante mais de um século para desenvolver plantas com mais resistência a pragas ou com propriedades mais favoráveis – por exemplo, transferindo genes de centeio para cromossomos do trigo. Com a introdução de métodos da genética molecular, a modificação ficou muito mais precisa e, portanto, diminuiu o temor da criação de novas variações danosas. [...] A enxertia, técnica que Baur usou para produzir o tomaco, é outro método tradicional da horticultura para misturar propriedades de plantas, que antecede muito a genética molecular. Envolve cortar e unir a parte inferior de uma planta, incluindo suas raízes, com o caule, flores, folhas ou frutos de uma outra. Depois que os cortes são feitos, as duas plantas são cuidadosamente unidas de maneira que permita a livre passagem de água e nutrientes. Elas são, então, mantidas no lugar até que o crescimento ocorra e se transformem em uma única planta. [...] A experiência de Baur gerou fruto – um só, de início. Quando o fruto foi testado, ele não tinha nenhuma nicotina que pudesse ser detectada. Sua folhas também foram testadas e revelaram conter nicotina. Então, a planta de tomaco preencheu os requisitos de um verdadeiro híbrido por enxertia; tinha algumas características das duas espécies. Baur não pôs o produto à venda, portanto não espere encontrar adesivos de ketchup com sabor de nicotina na farmácia mais próxima.

1 Botânica: campo da biologia que tem por objeto o reino vegetal 2 Carcinogênicas:que provoca o desenvolvimento do câncer. 3 Rapé: pó resultante de folhas de tabaco torradas e moídas 4 Plutônio: elemento químico usado em armas nucleares. 5 Limítrofe: que tem limites; limitado. 6 Híbridos: fruto originado do cruzamento de espécies diferentes. 7 Polinização: transporte do grão de pólen.

1. Assistindo o desenho e lendo o texto, é possível dizer que Homer tinha um método ao produzir o “tomaco”? Justifique sua resposta. 2. Quanto ao cientista Rob Baur, que na vida real produziu um cruzamento entre tomate e tabaco, ele possuía um método? Justifique sua resposta. 3. É possível dizer que o experimento de Homer realiza aquilo que Bacon chama de “introduzir nova natureza ou novas naturezas em um corpo”? Explique. 4. No texto anterior do filósofo Francis Bacon, ele distingue três tipos de ambição dos homens. Com base no episódio dos Simpsons e no texto lido, qual é o tipo de ambição que Homer tem? 5. Diante dos fatos que acontecem no final do episódio, é possível afirmar que Homer conseguiu adquirir um domínio sobre a natureza? Justifique.

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I. Ídolos da caverna (a caverna de que fala Bacon uma alusão ao mito da caverna de Platão) Muitas vezes as pessoas têm uma compreensão equivocada do mundo graças a uma percepção que os seus órgãos dos sentidos oferecem ou então graças à teimosia que muitas vezes adquirimos por meio da forma como somos educados. Bacon fala que esse tipo de ídolo se forma quando as pessoas vêm o mundo como se cada um vivesse em uma caverna particular, se negando a levar em consideração as opiniões alheias. No dia-a-dia chamamos esse tipo de pessoa de cabeça dura. Por exemplo, existem pessoas que não querem aprender nada de novo, pois julgam que tudo o que elas já apreenderam está certo, de modo que ninguém é capaz de provar que elas podem estar erradas. Muitas vezes a percepção errada que eu tenho do mundo, mas me recuso a querer revê-la é apoiada por uma limitação dos meus órgãos dos sentidos. Vejamos o quadrinho abaixo:

No quadrinho vemos o personagem Níquel Náusea e seu amigo Baratão com medo de uma caixa de cereal matinal, isto porque, eles julgam que o desenho do tigre na caixa seja um gato de verdade que os ameaça. Esse quadrinho é uma caricatura da ideia de que nossos órgãos dos sentidos nos enganam o tempo todo. Alguém que chegasse até os dois personagens poderiam tentar provar para eles que o gato não era de verdade. Se os dois antes de qualquer explicação julgassem que ninguém poderia provar isso a eles, é possível falar que ambos formaram em seu intelecto uma opinião falsa que Bacon chama de “ídolo da caverna”. Esse tipo de opinião falsa constitui um obstáculo para uma compreensão correta do mundo, e, por conseguinte, um obstáculo ao progresso das ciências. II. Ídolos do fórum (o fórum era o lugar das discussões e dos debates públicos na Roma antiga) No nosso cotidiano podem ocorrer diversas falhas na comunicação que nos levam a compreender as coisas de maneira equivocada. Vejam o quadrinho do Hagar:

As opiniões que se formam em nós por causa de falhas no uso da linguagem são chamadas por Bacon de “ídolos do fórum”. Uma palavra pode ser usada em sentidos diferentes pelos interlocutores de um diálogo;

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isso pode levar a uma aparente concordância entre as pessoas quando, na realidade, ocorre o contrário. Vejamos, por exemplo, o caso da palavra cultura, ela possui uma variedade de sentidos. Ao escutar a frase “ele tem uma vasta cultura”, alguém pode pensar “nossa esse indivíduo deve ter estudado bastante, lido muitos livros e conhece várias línguas”. No entanto, as pessoas falavam de uma “cultura de tomates”, ou seja, eles falavam da grande plantação de tomates que determinado indivíduo possuía. Graças à variedade de sentidos da palavra cultura a pessoa que escutou a frase formou uma opinião falsa, um “ídolo do fórum”. A ciência deve evitar os ídolos do fórum para adquirir conhecimentos verdadeiros, ou seja, é necessário prestar muita atenção no uso que se está fazendo da linguagem. III. Ídolos do teatro (o teatro é o lugar em que ficamos passivos, onde somos apenas espectadores e receptores de mensagens) Os “ídolos do teatro” são as opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes das autoridades que nos impõe seus pontos de vista. O político, o jornalista, o padre, o pastor, o professor, o médico, o artista de novela ou os pais podem expor uma opinião falsa sobre alguma coisa e as pessoas aceitam passivamente sem questionar. Por estas pessoas serem autoridades em determinadas áreas do conhecimento julga-se que elas sempre têm análises corretas sobre qualquer tema. Bacon observa que as pessoas que se voltam contra os “ídolos do teatro”, apontando as opiniões falsas ensinadas pelas autoridades, geralmente “expõem-se ao desprezo e ao ódio”. Vimos isso no início da unidade com Galileu que foi perseguido por não concordar com as opiniões defendidas pela Igreja. No quadrinho abaixo da Mafalda vemos como nossas opiniões podem na verdade ser apenas um mero reflexo da opinião das autoridades:

IV. Ídolos da tribo (a tribo é um agrupamento humano em que todos possuem a mesma origem, o mesmo destino, as mesmas características e os mesmos comportamentos) Por fim, temos os “ídolos da tribo”, estes se formam em nós por conta da própria natureza humana. Para Bacon seria comum a natureza humana reduzir o complicado ao mais simples segundo uma visão que se restringe àquilo que é favorável, que é conveniente. Na Astrologia, por exemplo, ignora-se o que falha para ficar com as predições que resultaram conforme o esperado. Por isso Bacon afirma: "As pessoas preferem acreditar naquilo que elas preferem que se seja verdade”. Se apegar a superstições é também uma marca da natureza humana, segundo Bacon.

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Outro hábito comum a natureza humana seria a transposição. Os homens têm a tendência de transpor para as plantas, os animais, ou os minerais qualidades e defeitos que pertencem somente à espécie humana. Vemos exemplos disso com frequência nos desenhos animados e quadrinhos.

No entanto, na vida real isso é muito comum também, na alquimia, por exemplo, os alquimistas "humanizam" a atividade da natureza atribuindo-lhe antipatias e simpatias.

3. A OBSERVAÇÃO DA NATUREZA A primeira parte do método de Bacon consiste numa crítica dos ídolos. Para Bacon o conhecimento científico deve ganhar distância dos ídolos, as opiniões falsas que se formam em nosso intelecto. Depois de abolidos os ídolos, há a segunda etapa do método: a observação da natureza e a realização de experimentos. O filósofo inglês afirma que “o homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos”. Observar a natureza não é abrir a janela do seu quarto e ficar encantado olhando os pássaros. A observação da natureza deve ser regulada por experimentos. Bacon julga que “a melhor demonstração é de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento”. Deste modo, os laboratórios são um lugar privilegiado para se realizar observações controladas. Por meio dos experimentos o cientista pode verificar a hipótese formulada por ele. A hipótese é uma sugestão, uma ideia preliminar que um cientista tem, é um “eu acho”. Este “eu acho” só se torna uma verdade depois dos experimentos. Galileu ao estudar a queda dos corpos supôs que eles caem ao mesmo tempo quando jogados de uma mesma altura, independente do peso. Para comprovar essa hipótese ele precisava realizar uma observação do fenômeno da queda dos corpos. Galileu se dirigiu até a torre de Pisa com dois objetos de pesos diferentes. O italiano jogou os objetos do alto da torre e pode comprovar como sendo verdadeira a sua hipótese, eles caíram ao mesmo tempo. ATVIDADES 1. Leia os textos abaixo. Identifique que tipo de ídolos descritos (ídolos da caverna, do fórum, do teatro, da tribo) por Francis Bacon é possível encontrar nas informações. Explique o que são esses ídolos. A) “João se rejeitava a acreditar que os cálculos que ele havia feito estavam errados, pois sempre foi um aluno nota dez em matemática”. B) “Questionada porque ainda acreditava na inocência do governador, mesmo depois da divulgação das imagens onde ele aceitava suborno, dona Maria respondeu: ele é uma pessoa muito boa e honesta, graças a ele minha rua hoje está calçada”.

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C) “Maria depois de ler o horóscopo achou que não seria o melhor dia para ela fazer a prova de trânsito” 2. Quais tipos de ídolos podem ser encontrados nos quadrinhos abaixo? Justifique sua resposta.

A)

B)

3. O quadrinho abaixo é um exemplo de qual parte do método proposto por Bacon? Justifique sua resposta.

3. UTOPIA CIENTÍFICA Para Francis Bacon, a ciência pode e deve transformar as condições da vida humana. O filósofo inglês acreditava que o avanço das técnicas de pesquisa e o desenvolvimento das ciências propiciariam uma

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reforma da vida humana. Tanto assim que, ao lado de suas investigações sobre as ciências, escreveu uma obra filosófico-política, a Nova Atlântida. Bacon descreve um Estado imaginário, a Nova Atlântida, onde reina a felicidade graças a certas características de sua organização. A principal ideia dessa pequena obra inacabada de Bacon é a de que a harmonia e o bem-estar dos homens repousam no controle científico alcançado sobre a natureza e a conseqüente facilitação da vida em geral. Esse Estado utópico é governado pelos cientistas que orientam a vida dos cidadãos. Para Bacon o trabalho científico permitiria aumentar a duração da vida, curar as doenças, fabricar máquinas de todos os tipos, inclusive transportes que permitiriam voar e percorrer as águas submarinas. O que Bacon sonha é que a pesquisa científica permita tal estado de bem estar que nunca mais falte a uma dor humana a sua cura, nem um desejo humano a sua satisfação. 4. UMA NOVA VISÃO DAS CIÊNCIAS A cada nova conquista originada pelo avanço tecnológico, surge uma gama de novos problemas. Longe estão os homens, ainda, de chegar à Nova Atlântida. Hoje, coexistimos, por exemplo, com o chamado desemprego tecnológico. Justamente as sociedades mais desenvolvidas, ao buscar alternativas tecnológicas para aumentar a produtividade do trabalho, acabaram deixando os homens sem emprego. Essa é uma característica que veio para ficar; é um elemento estrutural das sociedades avançadas. Outros problemas decorrentes do avanço tecnológico nas sociedades modernas vinculam-se à produção da energia nuclear, à manipulação do material genético humano e às tecnologia de armamentos. Assim, frequentemente a moderna organização tecnológica da sociedade acaba produzindo resultados diferentes dos esperados, sem que houvesse intenção para tal. A técnica resolve uma situação, mas acaba criando outros complicadores, derivados da própria resolução. Os efeitos inesperados (e muitas vezes perversos) da técnica podem ser mais bem identificados no caso das doenças. A descoberta das drogas pode facilitar a sobrevida dos seres humanos em relação a bactérias ou vírus, mas não impede o surgimento de outros mais resistentes e até invulneráveis, como é o caso do vírus da AIDS. Não se sabe até que ponto o surgimento desses microorganismos resistentes deve-se ao efeito de um combate mal dirigido. Por fim, cabe mencionar que talvez a maior das contradições da moderna sociedade tecnológica esteja na capacidade de produzir riquezas sem, no entanto, distribuí-las ao conjunto da humanidade. Embora haja um desenvolvimento impressionante da tecnologia a maioria das pessoas no mundo não desfruta desses avanços, pois se encontram em situação de extrema miséria.

ESTUDO DIRIGIDO

- Leia e interprete o texto abaixo para depois responder as questões.

O sucesso da ciência moderna nos séculos XVI e XVII gerou uma crença incondicionada nos progressos da civilização. Tal crença inspirou a literatura a produzir imagens de um futuro em que o homem poderia finalmente vencer a batalha contra a natureza. São dessa época livros como A Utopia (1516), do escritor inglês Thomas Morus (1478-1535), e Nova Atlântida (1627), de Francis Bacon, onde são descritos paraísos tecnológicos, cidades nas quais todos os problemas de alimentação, saúde e convivência social estariam resolvidos. O termo "utopia" (em grego ou-topos=não-lugar) é usado hoje como sinônimo de um sonho idealista, sem chances de realização, mas a acepção original da palavra é de "ainda-não-lugar". Um sonho, mas apenas por enquanto.

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A crença no progresso da civilização através da ciência esmoreceu1 no século XX, principalmente após as duas grandes guerras mundiais. A humanidade fez a experiência dolorosa de que a tecnologia pode produzir, direta ou indiretamente, a destruição da natureza e conseqüentemente do próprio homem. De modo surpreendente, a literatura não parou de produzir obras utópicas, mas a crença no progresso irrestrito deu lugar a expectativas catastróficas. Em livros, tais como o já mencionado Admirável Mundo Novo (1932) de Aldous Huxley, ou 1984 (1948), de George Orwell (1903-1950), o futuro é descrito como um lugar sem liberdade, um cenário de violência física e simbólica. Essas utopias, ou melhor "dystopias" (do grego dys-topos = lugar ruim), são temas enfaticamente explorados pelo cinema de ficção científica e pela música pop a partir da segunda metade do século XX. As utopias negativas contemporâneas permanecem sendo, todavia, lugares, que ainda não existem, mas que podem e vão se concretizar, se nada for feito contra a continuidade do projeto técnico de dominação da natureza (Charles Feitosa. Explicando filosofia com arte). 1Esmoreceu: do verbo esmorecer (esmorecer: enfraquecer; tornar sem ânimo). 1. Qual a diferença entre utopia científica e dystopia científica? 2. O texto indica que as dystopias nunca serão realizadas? Justifique sua resposta. 3. O que as duas grandes guerras mundiais mudaram na visão que os homens tinha do progresso científico?