Apostiva Direito Civil DAMASIO

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Coordenadores: Marcelo T. Cometti Fernando F. Castellani

Sumrio TTULO I PARTE GERAL CAPTULO I PESSOAS NATURAIS ............................................................................ CAPTULO II PESSOA JURDICA ............................................................................... CAPTULO III FATO JURDICO .................................................................................. CAPTULO IV DOMICLIO .......................................................................................... CAPTULO V DOS BENS ............................................................................................. TTULO II PARTE ESPECIAL CAPTULO I DIREITO DAS OBRIGAES .............................................................. CAPTULO II TEORIA GERAL DOS CONTRATOS .................................................. CAPTULO III CONTRATOS EM ESPCIE ................................................................ CAPTULO IV RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................ TTULO III DIREITO DAS COISAS CAPTULO I POSSE ...................................................................................................... CAPTULO II DIREITOS REAIS .................................................................................. CAPTULO III PROPRIEDADE .................................................................................... CAPTULO IV DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA ...................................... CAPTULO V DIREITOS REAIS DE GARANTIA ..................................................... TTULO IV DIREITO DE FAMLIA CAPTULO I CASAMENTO ......................................................................................... CAPTULO II PARENTESCO ....................................................................................... CAPTULO III FILIAO ............................................................................................. CAPTULO IV UNIO ESTVEL ............................................................................... CAPTULO V ALIMENTOS ......................................................................................... 87 97 99 103 105 71 73 75 79 83 31 49 53 67 3 9 15 25 27

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CAPTULO VI TUTELA E CURATELA ...................................................................... 107 CAPTULO VII DIREITO DAS SUCESSES .............................................................. 111

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TTULO I - PARTE GERAL

CAPTULO I PESSOAS NATURAIS

1. Conceito de personalidade jurdica A personalidade jurdica um atributo essencial para ser sujeito de direito (art. 1 do CC). Para a teoria geral do direito civil a personalidade uma aptido genrica para titularizar direitos e contrair obrigaes. Todavia, a noo de aptido, ou seja, qualidade para ser sujeito de direito, conceito aplicvel tanto s pessoas fsicas como s pessoas jurdicas no o nico sentido tcnico de personalidade. Num sentido valorativo, a personalidade traduz o conjunto de caractersticas e atributos da pessoa humana, considerada objeto de proteo privilegiada por parte do ordenamento, bem jurdico representado pela afirmao da dignidade humana (Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa, Maria Celina Bodin de Morais. Cdigo Civil interpretado conforme a Constituio da Repblica. Rio de Janeiro: Revonar, 2004, p.04). Resumindo os dois sentidos tcnicos que envolvem o conceito de personalidade jurdica podemos afirmar que: a) ela significa a possibilidade de algum ser titular de relaes jurdicas, como forma de expresso da dignidade da pessoa humana e, b) objeto de tutela privilegiada pela ordem jurdica constitucional. 2. Incio da personalidade jurdica da pessoa natural O incio da personalidade marcado pelo nascimento com vida, conforme dico do art. 2 do CC. Clinicamente o nascimento afervel pelo exame de docimasia hidrosttica de Galeno. Em consonncia com o texto do art. 2 do CC, a doutrina majoritria defende que o Direito Civil positivo adotou a teoria natalista para o incio da personalidade jurdica. Nessa linha, o nascituro, ente concebido, mas no nascido, no passa de uma potencialidade de direitos. Em sentido contrrio, por influncia do Direito francs, surge a teoria concepcionista pela qual o nascituro adquiriria personalidade jurdica desde a concepo, sendo, assim, considerado pessoa. Aqui o nascimento no condio para que a personalidade exista, mas para que se consolide. 3. Proteo jurdica do nascituro Nascituro o ente j concebido, mas ainda no nascido. Deixando de lado as discusses tericas sobre o incio da personalidade jurdica, certo que a segunda parte do art. 2 do CC expressamente pe salvo os seus direitos. Assim, pode-se afirmar que na legislao em vigor o nascituro: a) titular de direitos personalssimos (como o direito vida); b) Pode receber doao, conforme dispe o art. 542 do CC: A doao feita ao nascituro valer, sendo aceita por seu representante legal; c) Pode ser beneficiado por legado e herana (art. 1798 do CC); d) Pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses (arts. 877 e 878 do CPC); e) O Cdigo Penal tipifica o crime de aborto;

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f) Tem direito a alimentos. bom lembrar que o enunciado 01, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida pelo CEJ (Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal), em 2002, afirmou que a proteo que o Cdigo Defere ao nascituro alcana o natimorto no que concerne aos direitos de personalidade, tais como o nome, imagem e sepultura. 4. Capacidade de direito e capacidade de fato Por capacidade de direito, tambm conhecida como capacidade de gozo ou capacidade de aquisio, pode ser entendida como a medida da intensidade da personalidade. Todo ente com personalidade jurdica possui tambm capacidade de direito, tendo em vista que no se nega ao indivduo a qualidade para ser sujeito de direito. Personalidade e capacidade jurdica so as duas faces de uma mesma moeda. A capacidade de direito no se confunde com a capacidade de fato, tambm chamada de capacidade de exerccio. Este conceito se relaciona com as condies pessoais que determinado indivduo rene para exercer pessoalmente seus direitos. Ela nada mais do que a habilidade para praticar de forma autnoma, ou seja, sem a interferncia de terceiros na qualidade de representantes ou assistentes, seus direitos civis. Da capacidade de fato distingue-se a legitimidade (ou legitimao). Esta uma forma especfica de exerccio de determinados atos da vida civil, ao contrrio da capacidade, a qual se refere aptido para a prtica em geral. A capacidade de fato, ao contrrio da capacidade de direito possui estgios definidos no prprio Cdigo Civil. Ele distingue duas modalidades de incapacidade, a saber: a incapacidade em absoluta e a relativa. Trata-se de um divisor quantitativo de compreenso do indivduo. De acordo com o art. 3 do CC so considerados absolutamente incapazes: a) Os menores de 16 anos (art. 3, I) Segundo o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei no. 8069/90), at os 12 anos de idade incompletos considera-se a pessoa criana. Entretanto, os adolescentes at os 16 tambm so reputados absolutamente incapazes. b) Aqueles que sofrem de doena ou deficincia mental (art. 3, II) Trata-se de uma hiptese que o indivduo atormentado por uma patologia que o impede de praticar atos no comrcio jurdico, tendo em vista o comprometimento do seu quadro cognitivo. Nesta hiptese a incapacidade deve ser reconhecida por meio da ao de interdio, prevista nos artigos 1.177 ao artigo 1186 do CPC. c) Os que por causa transitria no puderem exprimir sua vontade (art. 3, III) So elementos para a configurao dessa forma de incapacidade o carter temporrio e a impossibilidade total de expresso da vontade, os quais devero ser verificados cumulativamente. (ex. coma). De acordo com o art. 4 do CC so considerados relativamente incapazes: a) Os maiores de 16 e menores de 18 anos (art. 4, I); b) Os brios habituais e os viciados em txico (art. 4, II); c) Os deficientes mentais que tenham o discernimento reduzido (art. 4, II); d) Os excepcionais sem desenvolvimento mental completo (art. 4, III) A previso da incapacidade relativa dos excepcionais tem como propsito proteger os atos praticados pelos agentes nessas situaes, sem prejuzo de sua salutar insero no meio social. e) Os prdigos (art. 4, IV) Esta modalidade de incapacidade deve ser decretada judicialmente por requisio do cnjuge ou familiar, j que o que se protege, com a incapacidade do prdigo, exatamente o patrimnio da famlia, e no apenas o patrimnio do

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prdigo. De acordo com o art. 1782 do CC a interdio do prdigo s o privar de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitao, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que no sejam de mera administrao. bom lembrar que a senilidade no causa de restrio da capacidade, ressalvada a hiptese de a senectude gerar um estado patolgico, a exemplo da arteriosclerose. Sobre a capacidade dos ndicos est ser regulada pela Lei no. 6.001/73 (Estatuto do ndio), tendo em vista que o cdigo civil remete a matria para a legislao especial (art. 4, pargrafo nico). 5. Emancipao Trata-se de um uma hiptese de antecipao da aquisio da capacidade civil plena antes da idade legal. Trs so as formas de emancipao: a) Emancipao voluntria aquela concedida por ato unilateral dos pais em pleno exerccio do poder parental, ou um deles na falta do outro. Trata-se de ato irrevogvel, sob a forma de instrumento pblico, independentemente de homologao judicial, desde que o menor haja completado 16 anos (CC art. 5, pargrafo nico, I, primeira parte). Para surtir os efeitos legais a escritura pblica de emancipao dever ser registrada no Cartrio de Registro das Pessoas Naturais (CC art. 9., II). b) Emancipao judicial Realiza-se mediante uma sentena judicial, na hiptese de um menor posto sob tutela. Antes da sentena o tutor ser, necessariamente, ouvido pelo magistrado (Cdigo Civil art. 5, pargrafo nico, I, segunda parte). Nesse caso, o juiz dever comunicar a emancipao ao oficial de registro civil, de ofcio, se no constar dos autos haver sido efetuado este em oito dias. c) Emancipao legal Ocorre em razo de situaes descritas na lei. O art. 5 do CC nos traz as seguintes situaes: 1- O Casamento; 2- Exerccio de emprego efetivo; 3- Colao de grau em curso de ensino superior; 4- Estabelecimento civil ou comercial, ou a existncia de relao de emprego, desde que, em funo deles, o menor tenha economia prpria. A expresso economia prpria deve ser entendida no sentido de caracterizao de renda suficiente por meio do estabelecimento ou do emprego para a sobrevivncia da pessoa, de acordo com o nvel social em que est inserida. 6. Extino da personalidade jurdica da pessoa natural A morte o momento no qual a personalidade se extingue. A morte dever ser atestada por profissional de medicina, ressalvada a possibilidade de suas testemunhas o fazerem se faltar o especialista, sendo o fato levado a registro, nos termos dos arts. 77 e 78 da Lei no. 6.015/73 (Lei de Registros Pblicos), cuja prova se faz atravs da certido extrada do assento de bito. No se admite no ordenamento ptrio a hiptese de morte civil ou qualquer outro modo de perda da personalidade sem vida. Todavia possvel cogitar de uma presuno de morte, conforme se depreende da leitura do art. 7 do CC. O referido dispositivo trata de duas hipteses de morte presumida. A primeira trata da probabilidade extrema de morte daquele que se encontre em perigo de vida. (CC art. 7, I). A segunda hiptese trata dos desaparecidos em campanha de guerra ou feito prisioneiro, caso no seja encontrado at 02 dois anos aps o trmino da guerra (CC art. 7, II).

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Por fora do estabelecido no art. 9, IV, do CC a sentena declaratria de morte presumida dever ser inscrita em registro pblico, de forma a dar publicidade ao acontecimento. Finalmente, o CC no art. 8 trata da hiptese de morte simultnea, conhecida tambm como comorincia. Cuida-se de uma presuno juris tantum, segundo a qual se determina a morte simultnea daqueles que falecem na mesma ocasio, podendo ser ilidida por prova que estabelea a precedncia da morte de um dos envolvidos. O interesse no tratamento do tema justifica-se pela implicncia de tal fato na ordem de vocao no plano da sucesso, ou seja, na transmisso dos direitos entre os sucessores e sucedidos, enfim, quem tem a posio de herdeiro do outro. 7. Ausncia das pessoas naturais Ausente aquele que desaparece de seu domiclio, sem que dele se tenha notcias. Assim, para caracterizar a ausncia a no-presena do sujeito deve somar-se com a falta de notcias. A ausncia um processo no qual a proteo dos bens do desaparecido d lugar proteo dos interesses dos sucessores. Este processo tem trs estgios, conforme a menor possibilidade de reaparecimento do ausente: a) Declarao da ausncia e curadoria dos bens: Com o desaparecimento de uma pessoa, sem deixar notcias, nem representante ou procurador, surge uma massa de bens de bens sem que tenha algum para administr-la. Portanto, a requerimento dos interessados na administrao (cnjuge, companheiro, parente sucessvel) ou do Ministrio Pblico, o Poder Judicirio reconhecer tal circunstncia, com a declarao de ausncia, nomeando curador, que passar a gerir os negcios do ausente at o seu eventual retorno, mediante arrecadao de seus bens (art. 1160 do CPC). Na nomeao o juiz dever fixar os poderes e obrigaes do curador, as quais, sem linhas gerais, seguiro os princpios a respeito dos tutores e curadores (arts. 1728 e seguintes do CC). A nomeao no discricionria, estabelecendo uma ordem legal estrita e sucessiva, a saber: 1) o cnjuge (tambm o companheiro), se no tiver separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declarao de ausncia; 2) pais do ausente (genitores); 3) descendente, preferindo os mais prximos aos mais remotos; 4) Qualquer pessoa escolha do magistrado. Atente-se que no caber nomeao de curador se no houver bens para administrar. Por fim, observa-se que a curadoria dos bens do ausente no se confunde com a curadoria da herana jacente (arts. 1819 e seguintes do CC). b) Sucesso provisria: De acordo com o art. 26 do CC decorrido 01 ano da arrecadao dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, hiptese que se limita previso do art. 23 do mesmo diploma., em se passando 03 anos, podero os interessados requerer que se abra provisoriamente a sucesso. Consideram-se interessados na abertura o cnjuge ou companheiro; os herdeiros presumidos, legtimos ou testamentrios; os que tiverem sobre os bens do ausente direito pendente de sua morte; os credores de obrigaes vencidas e no pagas. O sucessor provisrio recebe os bens que caibam no seu quinho, dando, em regra, garantia pignoratcia ou hipotecria de restitu-los (art. 30 do CC). Essa cautela de exigncia de garantia excepcionada, porm, em relao aos ascendentes, descendentes e o cnjuge, uma vez provada sua condio de herdeiro (art. 30, pargrafo 2 do CC).

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A sentena que determinar a abertura da sucesso provisria s produzir efeitos 180 aps sua publicao e trnsito em julgado, de acordo com o art. 28 do Cdigo Civil. Depois desse perodo proceder-se- abertura do testamento, caso existente, ou ao inventrio e partilha dos bens, como se o ausente tivesse falecido. Na forma do art. 33, os herdeiros necessrios empossados (art. 1845 do CC) tero direito subjetivo a todos os frutos e rendimentos dos bens que lhes couberem, o que no acontecer com os demais sucessores, que devero, necessariamente, capitalizar metade desses bens acessrios, com prestao anual de contas ao juiz competente. Porm, se a ausncia foi voluntria e injustificada, o ausente perde direito ao montante acumulado em favor dos sucessores (art. 33, pargrafo nico do CC), como forma de sano ao comportamento negligente daquele. c) Sucesso definitiva: Decorridos 10 anos do trnsito em julgado da sentena que concedeu a abertura da sucesso provisria, ou quando o ausente completar 80 anos de idade, se de 05 datam suas ltimas notcias, podero os interessados requerer a sucesso definitiva e levantamento das caues; ou quando houver certeza da morte do ausente (arts. 37 e 38 do CC). Mas a propriedade assim adquirida considera-se resolvel. Se o ausente aparecer nos dez seguintes abertura da sucesso definitiva, os bens sero entregues no estado em que se acharem, ou os que se sub-rogarem neles, os o preo de sua alienao. Porm, se o ausente regressar depois de passados os 10 anos nada recebe. Reversamente, se no regressar e nenhum herdeiro tiver promovido a sucesso definitiva, sero os bens arrecadados como vagos passando propriedade do Municpio, do Distrito Federal ou da Unio. Seja qual for o caso os direitos de terceiros so respeitados, no se desfazendo as aquisies realizadas.

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CAPTULO II PESSOA JURDICA

1. Caracteres gerais da pessoa jurdica Por diversas razes, inclusive de natureza social e antropolgica, o homem tende a agrupar-se, para garantir a subsistncia e realizar seus propsitos. O grupo, assim, recebe do ordenamento personalidade jurdica, viabilizando a sua atuao autnoma e funcional, com vistas realizao de seus objetivos. Contudo, para a constituio ou o nascimento da pessoa jurdica necessria a conjuno de trs requisitos: a) Vontade humana criadora - a vontade gregria que marca o surgimento das pessoas jurdicas, vontade eminentemente criadora que, para ser eficaz, deve emitir-se na conformidade do que prescreve o direito positivo. b) Observncia das condies legais a lei que determina a forma a que obedece aquela declarao de vontade, franqueando aos indivduos a adoo de instrumento particular ou exigindo o instrumento pblico. c) Liceidade de seu propsito - Por bvio no possvel reconhecer validade a um ente que atue em descompasso com o ordenamento jurdico que possibilitou seu surgimento, da porque a liceidade imprescindvel vida da pessoa jurdica. 2. Teorias sobre a natureza da pessoa jurdica Diversas so as teorias que tentam explicar a caracterizao das pessoas jurdicas, as quais refletem a evoluo deste instituto ao longo da histria. As principais so: a) Teoria da fico Segundo essa concepo o direito concebe a pessoa jurdica como uma criao artificial, cuja existncia, por isso mesmo, simplesmente uma fico. b) Teoria orgnica ou da realidade objetiva Seus partidrios entendem que a pessoa jurdica uma realidade viva, anloga pessoa fsica. Para esta teoria as pessoas jurdicas possuem tanto um corpus, que administra e mantm a entidade em contato com o mundo, como um animus, que a idia dominante, manifestada nas associaes e nas sociedades pela vontade do grupo componente e nas fundaes pela de seu criador. c) Teoria da realidade tcnica Esta teoria situa a pessoa jurdica como produto da tcnica jurdica, rejeitando a tese ficcional para considerar os entes coletivos como uma realidade, que no seria objetiva, pois a personificao dos grupos se opera por construo jurdica, ou seja, o ato de atribuir personalidade no seria arbitrrio, mas vista de uma situao concentra. A melhor doutrina entende que a teoria da realidade tcnica a que melhor explica o tratamento dispensado pessoa jurdica por nosso ordenamento. A anlise do art. 45 do CC permite afirmar que a personificao da pessoa jurdica , de fato, construo da tcnica jurdica, podendo, inclusive, operar-se a suspenso legal de seus efeitos, por meio da desconsiderao, em situaes excepcionais admitidas por lei. 3. Surgimento e incio da personalidade da pessoa jurdica O surgimento da pessoa jurdica de direito privado se d em dois estgios distintos. O primeiro ocorre com a exteriorizao da manifestao de vontade que permite a criao e a elaborao do ato de constituio, independentemente de qualquer autorizao estatal, com exceo dos casos especiais tratados no CC. O ato dever ser escrito, podendo se revestir

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de forma pblica ou particular, salvo nas hipteses das fundaes, que requerem instrumento pblico ou testamento. No caso de defeito no ato constitutivo, seja ele formal ou substancial, aos legtimos interessados cabe o direito potestativo de anular a constituio da pessoa jurdica. O prazo decadencial, como destaca o prprio texto do pargrafo nico do art. 45 do CC. Abre-se o segundo estgio em razo da adoo do sistema das disposies normativas, porquanto o art. 45 do CC exige o registro do ato de constituio. O registro tem natureza constitutiva, por ser atributivo de personalidade, diferentemente do registro civil de nascimento da pessoa natural, eminentemente declaratrio da condio de pessoa, j adquirida no instante do nascimento com vida. O art. 46 do CC dispe sobre os dados a serem anotados na inscrio. Este se refere: a) identificao da pessoa jurdica segundo a sua denominao e fins, local da sede, tempo de durao e fundo social, se houver; b) aos nomes e qualificaes dos fundadores ou instituidores e dos diretores; c) s normas bsicas de administrao, incluindo a representao junto s esferas judicial e extrajudicial; d) ao esclarecimento se o ato constitutivo passvel de modificao no que concerne administrao e ao seu modo de atuar; e) informao se os membros da pessoa jurdica respondem subsidiariamente pelas obrigaes sociais; f) s condies gerais na hiptese de extino, inclusive a destinao do patrimnio. A falta do registro implica no surgimento de entidades de fato ou irregulares, desprovida de personalidade, mas com capacidade para se obrigar perante terceiros. Na doutrina do direito comercial a sociedade de fato seria aquela que funciona sem que houvesse sido reduzido a termo o seu estatuto ou contrato social; a sociedade irregular, por sua vez, seria aquela organizada por escrito, mas sem a necessria inscrio dos atos constitutivos no registro peculiar. preciso pr em sinal a existncia de outras entidades despersonalizadas, alm das chamadas sociedades de fato ou irregulares: a) Massa Falida Se refere ao acervo patrimonial que pertencia empresa declarada judicialmente falida. com a sentena declaratria de falncia que surge a massa falida. b) Esplio Este consiste no patrimnio deixado pelo de cujus e compreensivo do conjunto de direitos e obrigaes. O fato jurdico que faz surgir o evento morte e a sua extino se opera com o fato jurdico da partilha de bens entre os herdeiros. Entre esses dois momentos morte e partilha impe-se administrao do acervo de direitos e obrigaes, cuja titularidade exercida pela figura do inventariante. c) Herana jacente e vacante O CC no art. 1819 prev a hiptese de algum vir a falecer, deixando acervo de bens sem, todavia, testamento ou herdeiro legtimo notoriamente conhecido. A situao configura o instituto da herana jacente. Os bens permanecero nesta condio at a sua entrega aos herdeiros que vierem a se habilitar ou declarao de sua vacncia. Ocorrendo esta, o patrimnio dever ser incorporado aos bens da Unio, do Estado ou do Distrito Federal. d) Condomnio D-se a figura do condomnio quando mais de uma pessoa possui a titularidade do domnio de um bem. O condomnio no chega a ser uma pessoa jurdica, em primeiro lugar pela desnecessidade, uma vez que a ordem jurdica o instrumentaliza com os recursos jurdicos suficientes administrao de seus interesses. Em segundo lugar, porque no h manifestao de vontade neste sentido, nem formalizao desta, carecendo, pois, de affectio societatis.

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4. Capacidade e representao da pessoa jurdica A capacidade da pessoa jurdica , por sua prpria natureza, especial. Considerando sua estrutura organizacional, moldada a partir da tcnica jurdica, esse ente social no poder, por bvio, praticar todos os atos jurdicos admitidos para a pessoa natural. O seu campo de atuao jurdica encontra-se delimitado no contrato social, nos estatutos ou na prpria lei. No deve, portanto, praticar atos ou celebrar negcios que extrapolem da sua finalidade social, sob pena de ineficcia (Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil. Vol I. So Paulo: Saraiva, 2004, p.208). Por se tratar de um ente cuja personificao decorrncia da tcnica legal, sem existncia biolgica ou orgnica, a pessoa jurdica, dada a sua estrutura, exige rgos de representao para poder atuar na rbita social. Em verdade, mais tcnico seria falar em presentao da pessoa jurdica. Isto , por no poder atuar por si mesma, a sociedade ou a associao age, faz-se presente, por meio das pessoas jurdicas que compem os seus rgos sociais e conselhos deliberativos. Essas pessoas praticam atos como se fosse o prprio ente social. 5. Espcies de pessoas jurdicas de direito privado O art. 44 do CC prev cinco espcies de pessoa jurdica de direito privado. So elas: a) Associaes: So entidades formadas pela unio de indivduos com o propsito de realizarem fins noeconmicos. Note-se que, pelo fato de no perseguir escopo lucrativo, a associao no est impedida de gerar renda, porm os seus membros no pretendem partilhar lucros ou dividendos, como ocorre entre os scios nas sociedades civis e empresrias. A receita gerada deve ser revertida em benefcio da prpria associao visando melhoria de sua atividade. O estatuto social das associaes dever observar para a sua validade os requisitos indicados no art. 54 do CC. Trata-se de um contedo mnimo que poder ser, eventualmente, ampliado. A assemblia geral o rgo mximo das associaes. Ela possui poderes deliberativos e o art. 59 do CC estabeleceu-lhe competncias absolutas: 1) eleger os administradores; 2) destituir os adminitradores; 3) aprovar contas; e 4) alterar o estatuto. A lei considerou intransmissvel a qualidade de associado (art. 56 do CC). Todavia, havendo autorizao estatutria, o titular de quota ou frao ideal do patrimnio poder transmitir, por ato inter vivos ou mortis causa, os seus direitos a um terceiro (adquirente ou herdeiro), que passar condio de associado. A excluso do associado s ocorre ocorrendo justa causa, e na estrita forma do estatuto social (art. 57 do CC). Mesmo no cuidando o estatuto de elencar as condutas que entende passveis de excluso do associado, a assemblia geral, especialmente convocada, poder apreciar a existncia de motivos graves, e, em deliberao fundamentada e por maioria absoluta dos presentes, decidir pela aplicao da sano. Ocorrendo a dissoluo da associao, o patrimnio lquido, ser destinado entidade de fins no econmicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberao dos associados, instituio municipal, estadual ou federal, de fins idnticos ou semelhantes. Na falta dessas, os bens remanescentes sero devolvidos Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da Unio (art. 61, 2 do CC). Por clusula do estatuto ou, no silncio deste, por deliberao dos associados, prev o 1 do art. 61, permitido aos respectivos membros, antes da destinao do remanescente a

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entidades congneres, receber em restituio, em valor atualizado, as contribuies que houverem prestado ao patrimnio da entidade. b) Sociedades: So as entidades formadas pela unio de pessoas que exercem atividade econmica e buscam o lucro como objetivo. Dependendo do tipo de atividade realizada, as sociedades podem ser simples ou empresrias. As formas societrias previstas no nosso ordenamento so: 1) sociedade em nome coletivo; 2) sociedade em comandita simples; 3) sociedade limitada; 4) sociedade annima; e) sociedade em comandita por aes. c) Fundaes: So entidades resultantes de uma afetao patrimonial, por testamento ou escritura pblica, que faz o seu instituidor, especificando o fim para o qual se destina. Para a criao de uma fundao, h uma srie ordenada de etapas que devem ser observadas, a saber: 1) Afetao de bens livres por meio do ato de dotao patrimonial; 2) Instituio por escritura pblica ou testamento; 3) Elaborao dos estatutos (H duas formas de instituio da fundao: a direta, quando o prprio instituidor o faz, pessoalmente; ou a fiduciria, quando confia a terceiro a organizao da entidade). 4) Aprovao dos estatutos ( o rgo do Ministrio Pblico que dever aprovar os estatutos da fundao, com recurso ao juiz competente, em caso de divergncia); 5) Realizao do registro civil. d) Partidos Polticos: So entidades com liberdade de criao, tendo autonomia para definir sua estrutura interna, organizao e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidria (art. 17 da CF). O 3 do art. 44 do CC estabelece que os partidos polticos sero organizados e funcionaro conforme o disposto na Lei n. 9.096/95. e) Organizaes religiosas: So entidades que muito se assemelham s associaes. Contudo, o 1. Do art. 44 do CC garante-lhes liberdade de criao, organizao, estruturao interna, sendo vedado ao poder pblico negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos. O art. 44 do CC no um rol taxativo. Outras espcies como as cooperativas e as entidades desportivas no foram previstas neste dispositivo 6. Desconsiderao da personalidade jurdica O art. 50 do CC prev a desconsiderao, a qual pode ser entendida como um mecanismo que pretende a supresso temporria da personalidade jurdica da sociedade, em caso de fraude, abuso, ou simples desvio de funo, objetivando a satisfao do terceiro lesado junto ao patrimnio dos prprios scios, que passam a ter responsabilidade pessoal pelo ilcito causado. Norma de teor semelhante existe tambm no CDC no art. 28.

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7. Extino da pessoa jurdica O fim da pessoa jurdica poder ocorrer por causas diversas, mas em qualquer hiptese a personalidade subsistir at que se ultime a liquidao e se proceda a anotao devida. A dissoluo dever ser averbada no registro respectivo e, uma vez encerrada a liquidao, seguir-se- o cancelamento da inscrio da pessoa jurdica. A dissoluo das pessoas poder ser: a) Convencional A mesma liberdade que permitiu aos scios a criao da pessoa jurdica pode lev-los extino desta. Para tanto devem ser observadas as normas previstas no estatuto ou contrato social. b) Administrativa Ocorre quando a autorizao para o funcionamento da pessoa jurdica cancelada. c) Judicial A iniciativa para a dissoluo da pessoa jurdica, em primeiro lugar, dos administradores, que dispem do prazo de trinta dias contado da perda da autorizao, ou de scio que tenha exercitado o direito de pedi-la na forma da lei. d) Fato natural Ocorrendo o fato jurdico morte dos membros de uma sociedade, e no prevendo o seu ato constitutivo o prosseguimento das atividades por intermdio dos herdeiros, o resultado ser a extino da pessoa jurdica.

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CAPTULO III FATO JURDICO

1. Conceito de fato jurdico lato sensu Os acontecimentos, indistintamente considerados, que geram direitos subjetivos so chamados, em sentido amplo, de fatos jurdicos ou fatos jurgenos. Fatos jurdicos so, portanto, aqueles fatos a que o direito atribui relevncia jurdica, no sentido de mudar as relaes anteriores a eles e de configurar novas situaes, a que correspondem novas qualificaes jurdicas (LOTUFO, Renan; [coordenao Everaldo Augusti Cambler]. Curso Avanado de Direito Civil: Vol 1. So Paulo: RT, 2003, p. 199). O ordenamento atribui a um fato uma qualificao e uma disciplina, de tal sorte que ocorrendo concretamente o fato, ou historicamente, constitui o ponto de confluncia entre a norma e o dever ser da realidade: o modo pelo qual o ordenamento jurdico encontra real atuao. Assim, fato jurdico, em sentido amplo (lato sensu), seria todo o acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir relaes jurdicas. 2. Efeitos aquisitivos, modificativos, conservativos e extintivos do fato jurdico 1) Aquisio de direitos Ocorre quando se d sua conjuno com seu titular. Assim, surge a propriedade quando o bem se subordina a um dominus. A aquisio de direitos tem sido analisada das seguintes formas: a) Originria ou derivada de acordo com a existncia ou no de uma relao jurdica anterior com o direito ou bem objeto da relao, sem interposio ou transferncia de outra pessoa; b) Gratuita ou onerosa de acordo com a existncia ou no de uma contraprestao para a aquisio do direito; c) A ttulo universal ou singular se o adquirente substitui o sucedido na totalidade (ou em quota-parte) de seus direitos ou apenas de uma ou algumas coisas determinadas; d) Simples ou complexa Se o fato gerador da relao jurdica se constituir em um nico ato ou numa necessria simultaneidade ou sucessividade de fatos. A ttulo de complementao, porm, importante distinguir os direitos futuros, em relao expectativa de direito, do direito eventual e do direito condicional. A expectativa de direito mera possibilidade de sua aquisio, no estando amparada pela legislao em geral, uma vez que ainda no foi incorporada ao patrimnio jurdico da pessoa. Um exemplo a fase de tratativas para celebrao de um contrato, em que no h falar, ainda, de um direito adquirido, por si s, realizao da avena. O direito eventual, por sua vez, refere-se a situaes em que o interesse do titular ainda no se encontra completo, pelo fato de no se terem realizado todos os elementos bsicos exigidos pela norma jurdica. Como exemplo, podemos lembrar o direito sucesso legtima, que, embora protegido pelo ordenamento jurdico, s se consolida com a morte do autor da herana. Por fim, o direito condicional aquele que somente se perfaz se ocorrer determinado acontecimento futuro e incerto. 2) Conservao de direitos Atos praticados para o resguardo (defesa) de direitos, caso estes sejam ameaados por quem quer que seja. Essas medidas, de carter muitas vezes acautelatrio, podem ser sistematizadas da seguinte forma:

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a) Atos de conservao Atos praticados pelo titular do direito para evitar o perecimento, turbao ou esbulho de seu direito. b) Atos de defesa do direito lesado Tendo ocorrido a violao ao direito, o ajuizamento de aes cognitivas ou executivas, no exerccio do direito constitucional de ao (art. 5., XXXV, da CF). c) Atos de defesa preventiva Antes mesmo da violao (mas diante da sua ameaa evidente) possvel o ajuizamento de procedimentos prprios para uma defesa preventiva, como o caso do interdito proibitrio. d) Ocorrida a violao, a ordem jurdica admite, sempre excepcionalmente, a prtica de atos de autotutela, como, por exemplo, o desforo incontinenti (art. 1210, pargrafo 1 do CC). 3) Extino de direitos Como tudo na vida, tambm os direitos podem extinguir-se, como o caso do perecimento do objeto, o abandono, a decadncia, etc. 3. Fato jurdico em sentido estrito So todos os acontecimentos naturais que determinam efeitos na rbita jurdica. Os fatos jurdicos em sentido estrito subdividem-se em: a) Ordinrios So fatos da natureza de ocorrncia comum, costumeira, cotidiana: o nascimento, a morte, o decurso do tempo. b) Extraordinrios So fatos inesperados, s vezes imprevisveis: um terremoto, uma enchente, o caso fortuito e a fora maior. 4. Ato jurdico em sentido estrito O ato jurdico em sentido estrito, constitui simples manifestao de vontade, sem contedo negocial, que determina a produo de efeitos legalmente previstos. Neste tipo de ato, no existe propriamente um declarao de vontade manifestada com o propsito de atingir, dentro do campo da autonomia privada, os efeitos jurdicos pretendidos pelo agente (como no negcio jurdico), mas sim um simples comportamento humano deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei. o que ocorre, por exemplo, no ato de fixao do domiclio. Note-se que o elemento caracterizador dessa categoria reside na circunstncia de que o agente no goza de ampla liberdade de escolha na determinao dos efeitos resultantes de seu comportamento, como se d no negcio jurdico (um contrato, por exemplo). 5. Negcio jurdico O negcio jurdico entendido pela corrente voluntarista (dominante no direito brasileiro, refletindo-se no art. 112 do C.C.) como uma declarao de vontade dirigida provocao de determinados efeitos jurdicos, ou, na definio do Cdigo da Saxnia, a ao de vontade, que se dirige, de acordo com a lei, a constituir, modificar ou extinguir uma relao jurdica (GOMES, Orlando. Introduo ao estudo do direito civil. 10. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 280.). Com efeito, para apreender sistematicamente o tema faz-se mister analis-lo sob os trs planos em que o negcio jurdico pode ser visualizado: a) Plano de existncia Um negcio jurdico no surge do nada, exigindo-se, para tanto que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mnimos. Neste plano no

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se cogita de invalidade ou eficcia do fato jurdico, importa, apenas, a realidade da existncia. Tudo, aqui, fica circunscrito a se saber se o suporte ftico suficiente se comps, dando ensejo incidncia (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurdico (Plano da Existncia). So Paulo: Saraiva, 2000, p. 83.) b) Plano de validade O C.C. no art. 104 enumera os pressupostos de validade do negcio jurdico: a) agente capaz; b) objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel; c) forma prescrita ou no defesa em lei. Sobre o tema da capacidade o C.C., suprindo omisso da legislao civil anterior, trouxe tona um captulo inteiramente dedicado ao instituto da representao, com preceitos genricos aplicveis tanto representao legal, quanto voluntria. A representao, como forma de manifestao de vontade do representado atravs do representante deve produzir plenamente seus efeitos, na forma deduzida no art. 116 do C.C. Sobre o tema, ainda, vale observar a restrio legal sobre o autocontrato, ou seja, ao negcio jurdico consigo mesmo, como se v do art. 117: Art. 117 Salvo se o permitir a lei ou o representado, anulvel o negcio jurdico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Pargrafo nico Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negcio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido substabelecidos. A licitude para a validade do negcio jurdico traduz a idia de estar o objeto dentro do campo de permissibilidade normativa, o que significa dizer no ser proibido pelo direito e pela moral. Alm do campo da licitude, o objeto deve, ainda, respeitar as leis naturais. H que ser, portanto, fisicamente possvel, uma vez que no se poderia reconhecer validade a um negcio que tivesse por objeto uma prestao naturalmente irrealizvel, como, por exemplo, a alienao de um imvel situado na lua. Deve, tambm, o objeto ser determinado ou, ao menos, determinvel, sob pena de se prejudicar no apenas a validade, mas, em ltimo plano, a prpria executoriedade da avena. Todo objeto deve, pois, conter elementos mnimos de individualizao que permitam caracteriz-lo. Por fim, para que o negcio jurdico, seja perfeitamente vlido, deve revestir a forma adequada. Observa-se, com isso, que os negcios jurdicos, como regra geral, podem ser realizados de acordo com a convenincia da forma preferida pelas partes, por fora da adoo no C.C. do princpio da liberdade da formas. Todavia, quando a norma legal impe determinado revestimento para o ato, traduzindo em uma forma especial ou em uma indispensvel solenidade, diz-se que o negcio ad solemnitatem, a exemplo do testamento e dos contratos constitutivos ou translativos de direitos reais imveis acima do valor consignado em lei, uma vez que a forma pblica indispensvel para a validade do ato. Ao lado do negcio ad solemnitatem, figura outra importante categoria: a dos negcios ad probationem. Nesses, apesar de a forma no preponderar sobre o fundo, por no ser essencial, dever, outrossim, ser observada, para efeito de prova do ato jurdico. Assim, a prova escrita necessria, para efeitos probatrios, quando o valor do contrato exceder o dcuplo do maior salrio mnimo vigente no pas, ao tempo que foi celebrado, nos termos do art. 401 do CPC. c) Plano de eficcia Ainda que um negcio jurdico existente seja considerado vlido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu, isto no importa em produo imediata de efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais de declarao. A lei civil dispe sobre trs tipos de elementos acidentais: 1) Condio Elemento voluntrio que subordina o nascimento ou extino do direito subjetivo a acontecimento futuro e incerto. A modalidade suspensiva provoca a aquisio do

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direito, j a resolutiva, uma vez realizado o negcio, permite a extino de seus efeitos na eventualidade de o fato previsto vir a acontecer. 2) Termo o marco temporal que define o comeo ou o fim dos efeitos jurdicos de um negcio jurdico. Pode ser legal ou convencional. O primeiro decorre da lei o segundo, de clusula contratual. O termo se caracteriza pela futuridade e certeza. O termo pode ser suspensivo ou resolutivo. O primeiro, tambm denominado inicial (dies a quo) o dia a partir de quando os efeitos de um negcio jurdico comeam a produzir. Ele no instaura a relao jurdica, que j existe. Neste sentido a regra do art. 131, a qual informa que o termo inicial suspende o exerccio, no a aquisio do direito. O segundo corresponde ao dia em que cessam os efeitos do ato negocial. O C.C. por seu art. 1923, prev a hiptese de legado a termo inicial ou suspensivo. A doutrina registra ainda o termo de graa, que concedido pelo juiz no curso dos processos mediante dilao de prazo. 3) Encargo ou modo a clusula geradora de obrigao para a parte beneficiria em negcio jurdico gratuito e em favor do disponente, de terceiro ou do interesse pblico. um peso atrelado a uma vantagem (uma restrio), e no uma prestao correspectiva sinalagmtica. O encargo pode ser uma restrio no uso da coisa, ou pode ser uma obrigao imposta quele que beneficirio. 6. Ato ilcito Trata-se de um ato voluntrio e consciente do ser humano, que transgride um dever jurdico. Dizem alguns, simplificadamente e generalizando, que ilcito tudo aquilo que contrrio ao direito, at porque se deve entender o direito como proteo do que lcito. Honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, no prejudicar outrem, atribuir-se o que seu). A conseqncia do ato ilcito a do surgimento do dever de reparar o dano causado, de estrutura obrigacional. Ao lado e muito prximo do ato ilcito existe a figura do abuso de direito. Analisando o art. 187 do C.C., conclui-se no ser imprescindvel para o reconhecimento do abuso que o agente tenha a inteno de prejudicar terceiro, bastando, segundo a dico legal, que exceda manifestamente os limites impostos pela finalidade econmica ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes. Adotou-se, portanto, o critrio finalstico para a identificao do abuso de direito. Finalmente, vale observar que o exerccio regular do direito, a legtima defesa e o estado de necessidade so causas excludentes de ilicitude, previstas em nosso direito positivo (art. 188 do CC). 7. Defeitos do negcio jurdico Trata-se dos defeitos dos negcios jurdicos, que se classificam em vcios de consentimento aqueles em que a vontade no expressada de maneira absolutamente livre e vcios sociais em que a vontade manifestada no tem, na realidade, a inteno pura e de boa f que enuncia. So vcios de consentimento: a) Erro ou ignorncia Trata-se de uma falsa percepo da realidade, ao passo que a ignorncia um estado de esprito negativo, o total desconhecimento do declarante a respeito

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das circunstncias do negcio. O erro, entretanto, s considerado como causa de anulabilidade do negcio jurdico se for: a) essencial (substancial); e b) escusvel (perdovel). b) Dolo Trata-se de um artifcio ou expediente astucioso, empregado para induzir algum prtica de um ato jurdico que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro. Pode-se classificar o dolo em principal e acidental. O principal quando a causa determinante do negcio. O acidental leva a distores comportamentais que podem alterar o resultado final do negcio. A distino tem relevo para fins que o principal enseja a anulao do negcio e o acidental s pode levar s perdas e danos. c) Coao Trata-se da violncia apta a influenciar a vtima a realizar negcio jurdico que a sua vontade interna no deseja efetuar, da a possibilidade de sua anulao. So dois tipos de coao: fsica (vis absoluta) e moral (vis compulsiva). Importante notar, que a doutrina entende que a vis absoluta neutraliza completamente a manifestao de vontade, tornando o negcio jurdico inexistente, e no simplesmente anulvel. d) Leso Trata-se de um vcio que permite a deformao da declarao de vontade por fatores pessoais do contratante, diante da inexperincia ou necessidade, exploradas indevidamente pelo locupletante. A leso se compe de dois requisitos: 1) objetivo ou material (desproporo das prestaes avenadas); e 2) subjetivo, imaterial ou anmico (a premente necessidade, a inexperincia ou a leviandade da parte lesada e o dolo de aproveitamento da parte beneficiada). Suas caractersticas so: 1) a leso s admissvel nos contratos comutativos; 2) a desproporo entre as prestaes deve verificar-se no momento do contrato e no posteriormente; 3) a desproporo deve ser considervel. No se confunde a leso, todavia, com a aplicao da teoria da impreviso. Esta ltima, decorrente do desenvolvimento terico da clusula rebus sic stantibus, aplicvel quando a ocorrncia de acontecimentos novos, imprevisveis pelas partes e a elas no-imputveis, refletindo sobre a economia ou na execuo do contrato, autorizarem a sua resoluo ou reviso, para ajust-lo s circunstncias supervenientes. A leso vcio que surge concomitantemente com o negcio; j a teoria da impreviso, por sua vez, pressupe negcio vlido, que tem seu equilbrio rompido pela supervenincia de circunstncia imprevista e imprevisvel. e) Estado de perigo - Identifica-se como uma hiptese de inexigibilidade de conduta diversa, ante a iminncia de dano por que passa o agente, a quem no resta outra alternativa seno praticar o ato. A expresso meu reino por um cavalo, da obra de Shakespeare, pode ser um exemplo para esse vcio. So vcios sociais: a) Simulao uma declarao enganosa de vontade, visando produzir efeito do ostensivamente indicado. um defeito que no vicia a vontade do declarante, uma vez que este se mancomuna de livre vontade para atingir fins esprios, em detrimento da lei ou da prpria sociedade. Importante observar que a simulao deixou de ser uma causa de anulabilidade e passou a figurar entre as hipteses de nulidade do ato jurdico. b) Fraude contra credores Consiste no ato de alienao ou onerao de bens, assim como de remisso de dvidas, praticado pelo devedor insolvente, ou beira da insolvncia, com o propsito de prejudicar credor preexistente, em virtude da diminuio experimentada pelo seu patrimnio. Dois elementos compem a fraude, o primeiro de natureza subjetiva e o segundo objetiva. So eles, respectivamente, o consilium fraudis (o conluio fraudulento) e o eventus damni (o prejuzo causado ao credor).

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A anulao do ato praticado em fraude contra credores d-se por meio de uma ao revocatrio, denominada ao pauliana. 8. Invalidade do negcio jurdico A previsibilidade doutrinria e normativa da teoria das nulidades impede a proliferao de atos jurdicos ilegais ou portadores de vcios, a depender da natureza do interesse jurdico violado. Sendo assim, possvel afirmar que o reconhecimento desses estados so formas de proteo e defesa do ordenamento jurdico vigente. Dentro dessa perspectiva, correto dizer-se que o ato nulo (nulidade absoluta), viola norma de ordem pblica, de natureza cogente, e carrega em si vcio considerado grave. Por sua vez, o ato anulvel (nulidade relativa), contaminado de vcio menos grave, decorre de infringncia de norma jurdica protetora de interesses eminentemente privados. NULIDADE ABSOLUTA NULIDADE RELATIVA 1- O ato nulo atinge interesse pblico 1- O ato anulvel atinge interesses superior. particulares, legalmente tutelados. 2- Opera-se de pleno direito. 2- No se opera de pleno direito. 3- No admite confirmao. 3- Admite confirmao expressa ou tcita. 4- Pode ser argida pelas partes, por 4- Somente pode ser argida pelos terceiro interessado, pelo MP, ou, at legtimos interessados. mesmo, pronunciada pelo juiz. 5- A ao declaratria de nulidade 5- A ao anulatria decidida por decidida por sentena de natureza sentena de natureza desconstitutiva declaratria. 6- Pode ser reconhecida, segundo o CC, 6- A anulabilidade somente pode ser a qualquer tempo, no se sujeitando ao argida, pela via judicial, em prazos prazo prescricional ou decadencial. decadenciais de quatro (regra geral) ou dois (regra supletiva) anos, salvo norma especfica em sentido contrrio. 9. Prescrio Direito subjetivo o poder que o ordenamento jurdico reconhece a algum de ter, fazer ou exigir de outrem determinado comportamento. verdadeira permisso jurdica, ou ainda, um poder concedido ao indivduo para realizar seus interesses. Representa a estrutura da relao poder-dever, em que ao poder de uma das partes corresponde ao dever da outra. Da infrao desse dever resulta, nas relaes jurdicas patrimoniais, um dano para o titular do direito subjetivo. Nasce, ento, para esse titular, o poder de exigir do devedor uma ao ou omisso, que permite a composio do dano verificado. A esse direito de exigir chama a doutrina de pretenso, por influncia do direito alemo. A pretenso revela-se, portanto, como um poder de exigir de outrem uma ao ou omisso. , para alguns, sinnimo de direito subjetivo, embora com conotao dinmica, enquanto aquele esttico e, para outros, ainda, uma situao jurdica subjetiva. A pretenso que nasce no momento em que o credor pode exigir a prestao, e esta no cumprida, causando leso no direito subjetivo, pressupe, assim, a existncia de um crdito, com a qual no se confunde.

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Embora a pretenso seja um conceito tcnico jurdico aplicvel s vrias espcies de relaes jurdicas, em tese, nas obrigaes que ele encontra a sua natural aplicao. A sua funo mais importante a de traduzir uma legitimao material para exigir uma prestao determinada, o que a relaciona intimamente com o direito processual civil. A prescrio a perda da pretenso, em virtude da inrcia de seu titular, no prazo previsto pela lei (art. 189 do C.C.). Pode-se dizer, pois, que a prescrio tem como requisitos: a) a violao do direito, com o nascimento da pretenso; b) a inrcia do titular; c) o decurso do prazo fixado em lei. Importante observar que existem pretenses imprescritveis, afirmando que a prescritibilidade a regra e a imprescritibilidade a exceo. Assim, no prescrevem: a) as que protegem os direitos da personalidade; b) as que se prendem ao estado das pessoas (estado de filiao, a qualidade de cidadania, a condio conjugal); c) as de exerccio facultativo (ou potestativo), em que no existe direito violado, como as destinadas a extinguir o condomnio, a de pedir meao no muro vizinho; d) as referentes a bens pblicos de qualquer natureza, que so imprescritveis; e) as que protegem o direito de propriedade, que perptuo (reivindicatria); f) as pretenses de reaver bens confiados guarda de outrem, a ttulo de depsito, penhor ou mandato; g) as destinadas a anular inscrio do nome empresarial feita com violao de lei ou do contrato (CC, art. 1.167). A pretenso e a exceo prescrevem no mesmo prazo (art. 189 e art. 190). O art. 191 no admite a renncia prvia da prescrio, isto , antes que se tenha consumado. Assim, dois so os requisitos para a validade da renncia: a) que a prescrio j esteja consumada; b) que no prejudique terceiro. Terceiros eventualmente prejudicados so os credores, pois a renncia possibilidade de alegar a prescrio pode acarretar a diminuio do patrimnio do devedor. Em se tratando de ato jurdico, requer a capacidade do agente. Renunciar prescrio consiste na possibilidade de o devedor de uma dvida prescrita, consumado o prazo prescricional e sem prejuzo a terceiro, abdicar do direito de alegar esta defesa indireta de mrito (a prescrio) em face de seu credor. A nica conseqncia da tardia alegao da prescrio diz respeito aos nus de sucumbncia: so indevidos honorrios advocatcios em favor do ru, se este deixou de alegar a prescrio de imediato, na oportunidade da contestao, deixando para faz-lo somente em grau de apelao, nos termos do art. 22 do CPC. Diz o mencionado art. 193 que a prescrio pode ser alegada pela parte a quem aproveita. A argio no se restringe, pois, ao prescribente, mas se estende a terceiros favorecidos por ela. Registre-se que os relativamente incapazes e as pessoas jurdicas tm ao contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa prescrio, ou no a alegarem oportunamente (art. 195), regra tambm aplicvel decadncia por fora do art. 208 do CC. Finalmente, permitida, tambm, a accessio praescriptionis, isto , a soma do tempo corrido contra o credor ao que flui contra o seu sucessor (art. 196). O prazo, desse modo, no se inicia novamente. E com o principal prescrevem os direitos acessrios (art. 167 do CC/16), regra que deve ser acolhida pela doutrina e jurisprudncia. O Cdigo Civil agrupou as causas que suspendem e impedem a prescrio em uma mesma seo, entendendo que esto subordinadas a uma unidade fundamental. As mesmas causas ora impedem, ora suspendem a prescrio, dependendo do momento em que surgem.

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Impedimento da prescrio o obstculo ao curso do respectivo prazo, antes do seu incio. Constitui-se em um fato que no permite comece o prazo prescricional a correr. Assim, se o prazo ainda no comeou a fluir, a causa ou obstculo impede que comece. Se, entretanto, o obstculo surge aps o prazo ter iniciado, d-se a suspenso. Desse modo, a suspenso a cessao temporria do curso do prazo prescricional sem prejuzo do tempo j decorrido. Cessando as causas suspensivas, a prescrio continua a correr, aproveitando-se o tempo anteriormente decorrido. Interrupo da prescrio o fato que impede o fluxo normal do prazo, inutilizando o j decorrido A interrupo depende, em regra, de um comportamento ativo do credor, diferentemente da suspenso, que decorre de certos fatos previstos na lei, como foi mencionada. Qualquer ato de exerccio ou proteo ao direito interrompe a prescrio, extinguindo o tempo j decorrido, que volta a correr por inteiro, diversamente da suspenso da prescrio, cujo prazo volta a fluir somente pelo tempo restante. O efeito da interrupo da prescrio , portanto, instantneo: A prescrio interrompida recomea a correr da data do ato que a interrompeu, ou do ltimo ato do processo para a interromper (art. 202, pargrafo nico). Sempre que possvel a opo, ela se verificar pela maneira mais favorvel ao devedor. O art. 202, caput, expressamente declara que a interrupo da prescrio somente poder ocorrer uma vez. A restrio benfica, para no se eternizarem as interrupes da prescrio. So efeitos da interrupo da prescrio: 1- Inutiliza-se todo o tempo prescricional decorrido, comeando a correr novo prazo. 2- O direito subjetivo atingido beneficiado pela interrupo, dilatando-se o perodo para composio do dano; essa vantagem para o titular do direito subjetivo ofendido corresponde s desvantagens para o prescribente, que v retardado o benefcio que lhe poderia advir da prescrio; 3- A interrupo da prescrio por um credor no aproveita aos outros; igualmente, a interrupo operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, no prejudica os demais coobrigados (art. 204 do CC). A interrupo por um dos credores solidrios, aproveita aos outros; assim como a interrupo efetuada contra o devedor solidrio envolve os demais e seus herdeiros (CC, art. 204, 1). 10. Decadncia Existem direitos subjetivos que no fazem nascer pretenses, porque destitudos dos respectivos deveres. So direitos potestativos. O direito potestativo o poder que o agente tem de influir na esfera jurdica de outrem, constituindo, modificando ou extinguindo uma situao subjetiva sem que esta possa fazer alguma coisa se no sujeitar-se. So direitos potestativos o do patro dispensar o empregado, o do doador revogar a doao simples, o de aceitar ou no a proposta de contratar, o de aceitar ou no herana. O lado passivo da relao jurdica limita-se a sujeitar-se ao exerccio de vontade da outra parte. E no havendo dever, no h o seu descumprimento, no h leso. Consequentemente, no h pretenso. O tempo limita o exerccio dos direitos potestativos pela inrcia do respectivo titular, a qual recebe o nome de caducidade. Esta, em sentido amplo, significa extino de direitos em

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geral, e em sentido restrito, perda dos direitos potestativos quando toma o nome de decadncia. Seu fundamento o princpio da inadmissibilidade de conduta contraditria. A decadncia traduz-se, portanto, em uma limitao que a lei estabelece para o exerccio de um direito, extinguindo-o e pondo a termo ao estado de sujeio existente. Aplica-se s relaes que contm obrigaes, sendo objeto de ao constitutiva. Na decadncia, ainda, o prazo comea a correr no momento em que o direito nasce, surgindo, simultaneamente, direito e termo inicial do prazo, o que no ocorre na prescrio, em que este s corre da leso do direito subjetivo. O que se tem em mira , portanto, o exerccio do direito potestativo, no a sua exigibilidade, prpria da prescrio. O respectivo prazo rigidamente fixado, sem possibilidade de interrupo ou suspenso, e tambm menor do que o da prescrio. A decadncia estabelecida em lei ou pela vontade das partes em negcio jurdico, desde que se trate de matria de direito disponvel e no haja fraude s regras legais. Enquanto a prescrio deve ser alegada pela parte interessada, a decadncia no suscetvel de oposio, como meio de defesa. Sendo matria de ordem pblica, dispe a lei (CC, art. 209) que nula a renncia decadncia fixada em lei, sendo de admitir-se, a contrario sensu, ser vlida a renncia decadncia estabelecida em negcio jurdico pelas partes. No caso de decadncia legal, deve o juiz conhece-la de ofcio (CC, art. 210). No caso de decadncia convencional, o interessado, isto , a parte a quem aproveita, pode aleg-la em qualquer grau de jurisdio, mas o juiz no pode suprir a alegao. Prescreve o art. 207 que salvo disposio legal em contrrio, no se aplicam decadncia as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrio. Em princpio, pois, os prazos decadenciais so fatais e peremptrios, pois no se suspendem, nem se interrompem. A insero da expresso salvo disposio em contrrio no aludido dispositivo tem a finalidade de definir que tal regra no absoluta, bem como de esclarecer que no so revogados os casos de um eventual dispositivo especial.

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CAPTULO IV DOMICLIO 1. Noo Geral A noo de domiclio desempenha papel relevante para o Direito. Segundo o art. 70. da LICC a lei do pas em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o comeo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de famlia; ainda o domiclio que determina o local onde a pessoa, habitualmente, ter de cumprir suas obrigaes (art. 327 do C.C.) e ainda, onde ser aberta a sucesso hereditria (art. 1785 do C.C.). Diante disso, conclui-se, que o domiclio importa em traduzir o elemento de fixao espacial do indivduo, o fato de localizao para efeito das relaes jurdicas, a indicao de um lugar onde o indivduo est, deve estar ou presume-se que esteja, dispensando-se aos que tenham interesse em encontr-lo o esforo e a incerteza de andarem sua procura por caminhos instveis (Caio Mario da Silva Pereira. Instituies de Direito Civil Introduo ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 373). 2. Noo de residncia e morada No se confundem com o domiclio a morada e a residncia. Todavia, a exata compreenso desses conceitos fundamental para esclarece a matria de maneira apropriada, tendo em vista que todas as situaes descrevem um tipo de relao que uma pessoa natural estabelece com um lugar. a) Morada o lugar onde a pessoa se estabelece provisoriamente. Confunde-se com a noo de estadia que a mais tnue relao de fato entre uma pessoa e um lugar tomada em considerao pela lei. Fala-se tambm, para caracterizar esta relao transitria de fato, em habitao. b) Residncia Trata-se de um lugar que pressupe mais estabilidade. o lugar onde a pessoa natural se estabelece habitualmente, ou seja, uma sede estvel da pessoa. 3. Aspectos gerais do domiclio da pessoa natural O domiclio o lugar de exerccio dos direitos e cumprimento das obrigaes, no sentido da exigibilidade. Nos termos do art. 70 do CC o domiclio da pessoa natural o lugar onde estabelece residncia com nimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus negcios jurdicos ou de sua atividade profissional. O ordenamento jurdico brasileiro adota o conceito da pluralidade domiciliar, inclusive com uma tcnica para destacar a pluralidade domiciliar residencial (art. 71 do CC) da pluralidade domiciliar profissional (art. 72 do CC). Em ambos os casos mister a concorrncia dos requisitos do nimo (psquico) e da residncia (material). Para as pessoas que no tenham residncia certa, ou seja, no possuam o requisito material do domiclio, elaborou-se a teoria do domiclio aparente ou ocasional, segundo a qual aquele que cria aparncias de um domiclio em um lugar pode ser considerado pelo terceiro como tendo a seu domiclio (ex. andarilhos, ciganos, profissionais de circo, etc.) A aplicao legal desta teoria encontra-se no art. 73 do CC e no art. 94, pargrafo 2 do CPC. A mudana de domiclio opera-se com a transferncia da residncia aliada inteno manifesta de alter-lo. A prova da inteno resulta do que declarar a pessoa s municipalidades do lugar que deixa, e para onde vai, ou se tais declaraes no fizer, da

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prpria mudana, com as circunstncias que a determinaram. Tal regra encontra assento no art. 74 do CC. Trata-se de norma jurdica imperfeita, uma vez que a falta de declarao no acarreta sano alguma ao omitente. 4. Aspectos gerais do domiclio da pessoa jurdica O domiclio da pessoa jurdica de direito privado a sua sede, indicada em seu estatuto, contrato social ou ato constitutivo equivalente. o seu domiclio especial. Se no houver essa fixao, a lei atua supletivamente, ao considerar como seu domiclio o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administraes, ou, ento, se possuir filiais em diversos lugares, cada um deles ser considerado domiclio para os atos nele praticados (art. 75, IV e pargrafo 1. do CC). Alis, o Supremo Tribunal Federal j assentou entendimento no sentido de que a pessoa jurdica de direito privado pode ser demandada no domiclio da agncia, ou do estabelecimento, em que praticou o ato (smula 363). Se a administrao ou diretoria da pessoa jurdica de direito privado tiver sede no estrangeiro, ser considerado seu domiclio, no tocante s obrigaes contradas por qualquer de suas agncias, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder (art. 75, pargrafo 2. do CC). 5. Espcies de domiclio O domiclio poder ser: a) Voluntrio Decorre do ato de livre vontade do sujeito, que fixa residncia em um determinado local, com nimo definitivo. No sofre interferncia legal este tipo de domiclio. b) De eleio ou especial Decorre do ajuste entre as partes de um contrato. Vale destacar, porm, que este dispositivo somente pode ser invocado em relaes jurdicas em que prevalea o princpio da igualdade dos contratantes e de sua correspondente autonomia de vontade. Vale notar que na dinmica do CDC considera-se ilegal a clusula contratual que estabelece o foro de eleio em benefcio do fornecedor, por violar o disposto no art. 51, IV, do CDC. c) Necessrio ou legal Decorre de mandamento da lei, em ateno condio especial de determinadas pessoas. Suas hipteses esto descritas no pargrafo nico do art. 76 do CC, sendo elas: o do menor que ter o domiclio do seu representante legal; o servidor pblico cujo domiclio o lugar em que exerce permanentemente suas funes; o militar que responder civilmente no lugar onde serva, e, sendo da Marinha ou da Aeronutica, a sede do comando a que se encontra imediatamente subordinado; o do martimo que lugar onde o navio estiver matriculado; e, finalmente, o do preso que o lugar onde estiver cumprindo pena. O agente diplomtico, por sua vez, que, citado no estrangeiro, alegar extraterritorialidade sem designar onde tem, no pas, o seu domiclio, poder ser demandado no Distrito Federal ou no ltimo ponto do territrio brasileiro onde o teve (art. 77 do CC).

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CAPTULO V DOS BENS 1. Introduo Sob um prisma de tcnica legislativa das expresses, possvel afirmar que a expresso bem utilizada pelo legislador na parte geral tem significado amplo e pode ser utilizada em diferentes acepes. Na parte especial, quando trata de propriedade e de seus desdobramentos, fala em coisa, deixando de utilizar-se do termo bem, como feito na parte geral. J num enfoque dogmtico, infelizmente a doutrina nem sempre est acorde sobre o conceito de bem correspondente ao de coisa, se mais ou menos amplo do que esse. No sentido econmico, so considerados bens apenas as utilidades com valor pecunirio, excludas aquelas que no podem merecer a qualificao patrimonial. Para efeitos jurdicos, pode-se considerar como bem a utilidade fsica material ou imaterial que pode servir de objeto de uma relao jurdica. Para explicar o conceito de bem, Orlando Gomes (ORLANDO GOMES, Introduo ao Direito Civil, 10. Ed., o ao Direito Civil, 10. Ed., Rio de Janeiro, 1990, p. 207), exige a reunio de trs qualidade: a) economicidade, ou seja, suscetveis de avaliao econmica; permutabilidade, noutras palavras, a possibilidade de transito jurdico atravs de relao estabelecidas entre os seus titulares (posse e domnio), mediante uma individualizao existencial criado por um critrio econmico-social; e limitatividade, num sentido de raridade, escassez empregado por outros doutrinadores. Patrimnio Numa acepo clssica o patrimnio a constituio econmica da pessoa natural ou jurdica, ou seja, um complexo de direitos e obrigaes entrelaados por relaes jurdicas, as quais tm como objeto os bens, as coisas, os crditos, os dbitos. Em sntese, a representao econmica da pessoa. Nesta idia, est englobado o complexo de direitos reais e obrigacionais de uma pessoa, ficando de lado todos os outros que no tm valor pecunirio, nem podem ser cedidos, como os direitos de famlia e os direitos puros de personalidade. Modernamente a noo de patrimnio est ligada diretamente personalidade do indivduo, cunhando alguns autores a expresso patrimnio moral e tambm a teoria do patrimnio mnimo desenvolvida por Edson Fachin, a qual alicera a noo de piso vital ou mnimo existencial, introduzida expressamente no ordenamento ptrio pela Lei 10.835/04 que trata da renda bsica de cidadania. Tal renda bsica de cidadania nada mais do que uma projeo do patrimnio mnimo dos indivduos, ou seja, bens de composio obrigatria em seu patrimnio para garantir alimentao, educao e a sade como projeo concreta do fundamento da dignidade da pessoa humana. 2. Classificao dos bens Os bens se classificam, pela prpria lei, sob trs aspectos: de acordo com sua titularidade, por meio de comparao com outros bens, ou atravs da considerao do bem isoladamente. 1- bens considerados em si mesmos: a) Corpreos so aqueles que tm existncia fsica (material), perceptvel pelos sentidos (mveis, imveis); incorpreos so aqueles que tm existncia meramente abstrata, ideal, jurdica (p. ex. direitos autorais).

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A importncia da distino reside no fato de haver diferena para a transmisso. Os bens materiais so transferidos por meio de contrato de compra e venda ou doao; os imateriais por cesso. No existe a possibilidade de aquisio de bens incorpreos por meio de usucapio. b) Imveis (ou bens de raiz), segundo o art. 79 do CC so o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. A doutrina esclarece que so aqueles que no se podem transportar sem alterao de sua essncia, de sua substncia. Mveis so, de acordo com o art. 82, os bens suscetveis de movimento prprio (semoventes), ou de remoo por fora alheia, sem alterao de sua substncia ou da destinao econmico-social. A importncia da distino entre bens mveis e imveis verificada em vrios aspectos. 1- Quanto forma de alienao: livre em relao aos mveis, mas em relao aos imveis exige escritura pblica para os bens de valor superior a 30 salrios mnimos. 2- Quanto necessidade de autorizao do cnjuge: Via de regra as negociaes relacionadas aos bens imveis exige anuncia do cnjuge, sob pena de anulabilidade do ato (art. 1647, com a ressalva de que a autorizao no ser exigida se o regime de bens for de separao absoluta); quanto aos bens mveis a exigncia no existe. 3- Outro aspecto da distino reside no tipo de direito real de garantia que poder ser constitudo sobre o bem: em regra, os bens mveis podem ser oferecidos em penhor, e em relao aos imveis podero ser objeto de hipoteca. Os imveis podem ser: 1- Por natureza: solo e tudo que nele se incorporar naturalmente (subsolo, rvores, espao areo, etc.). 2- por acesso fsica, industrial ou artificial: tudo que o homem incorporar permanentemente ao solo (sementes, construes, edifcios). Nos termos do art. 81 no perdem o carter de imveis as edificaes que, separadas do solo, mas conservando sua unidade, forem removidas para outro lugar (ex. casa de madeira) e os materiais provisoriamente separados de um prdio para nele reempregarem; 3- Por acesso intelectual ou por destinao do proprietrio. Ex. maquinrios agrcolas, escada de emergncia, ar-condicionado, armrios embutidos). Pelo novo CC so chamados de pertenas (art. 93), que constituem uma categoria de bens acessrios. 4- Por determinao legal: Por imperativo de segurana jurdica, a lei opta por tratar determinados bens como imveis, embora no se pudesse falar, em razo de sua natureza, em bens mveis ou imveis. De acordo com o art. 80, so considerados imveis para efeitos legais: os direitos reais sobre imveis e as aes que os assegurem e o direito sucesso aberta. Os bens mveis, por sua vez, podem ser classificados em: 1- Por sua prpria natureza: so aqueles que podem ser transportados sem deteriorao de sua substncia, por fora prpria ou externa. 2- Por antecipao: So aqueles bens que, embora ainda incorporados ao solo so destinados a ser destacados e convertidos em mveis. Exemplo: rvores destinadas a corte. 3- Por determinao legal: Tambm h bens que so considerados mveis em razo da vontade do legislador, embora sejam bens incorpreos. Trata-se das hipteses previstas no art. 83 do CC. c) Fungveis so os bens mveis que podem ser substitudos por outros da mesma espcie, qualidade e quantidade. Infungveis so os insubtituveis. Os imveis, em princpio, sero sempre considerados bens infungveis. Porm, possvel que sejam tratados num determinado negcio como bens fungveis.

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d) Consumveis so os bens mveis cujo uso importa destruio imediata da prpria substncia, bem como aqueles que so destinados alienao. Inconsumveis so aqueles que admitem uso reiterado, sem destruio imediata de sua substncia, ainda que haja possibilidade de sua destruio em decorrncia do tempo. A importncia desta classificao encontra-se no usufruto, que um direito real de gozo ou fruio que s pode recair sobre bens inconsumveis. Se, p um acaso, o usufruto for institudo sobre bens consumveis, ser chamado de quase-usufruto ou usufruto imprprio. A presente classificao no se confunde com aquela que consta do art. 26 do CDC (bens durveis e no durveis) e que envolve tempo maior ou menor do consumo de determinado bem. e) divisveis e indivisveis f) Singulares so os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independente dos demais. Os bens singulares podem ser: simples, quando suas partes componentes encontramse ligadas naturalmente; compostos, quando seus elementos so unidos por ato humano. Os bens coletivos, universais, ou as universalidades, so, por sua vez, aqueles que so compostos por vrios bens singulares, que, considerados em conjunto, formam um todo homogneo. A universalidade pode ser de fato, que a pluralidade de bens singulares com destinao unitria, ou de direito, que o complexo de relaes jurdicas de uma pessoa, dotadas de valor econmico e que por isso, a ordem jurdica atribui carter unitrio (esplio, patrimnio, massa falida). Etc. Bens reciprocamente considerados: De acordo com esta classificao os bens podem ser principais ou acessrios. O bem principal (art. 92) aquele que existe por si mesmo, que tem existncia prpria (ex. o solo). Acessrio aqueles cuja existncia supe a do principal. Os bens acessrios podem ser de vrios tipos: 1- Frutos: So as utilidades que a coisa principal periodicamente produz e cuja percepo no diminui a sua substncia. Costuma-se dizer que so as utilidades que nascem e renascem. 2- Produtos: So as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, e que no se renovam (pedras, metais, petrleo) 3- Pertenas: So os bens mveis que so afetados de forma duradoura ao uso, servio ou aformoseamento de outro bem, sem que sejam considerados suas partes integrantes (art. 93). 4- Benfeitorias: So obras ou despesas realizadas pelo homem na estrutura da coisa principal, com o propsito de conserv-la (benfeitorias necessrias), melhor-la (benfeitorias teis) ou embelez-la (benfeitorias volupturias). 3- bens quanto titularidade do domnio: A lei classifica os bens de acordo com sua titularidade, os quais podem ser pblicos ou particulares. Existem trs classes de bens pblicos (art. 99): 1- Os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praas. indiferente para a caracterizao dos bens de uso comum que o uso seja gratuito ou retribudo. 2- Os de uso especial, tais como edifcios ou terrenos destinados a servio ou estabelecimento da administrao federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias. So aqueles bens pblicos que se destinam especialmente execuo dos servios pblicos e so utilizados exclusivamente pelo poder pblico. 3- Os dominicais, que constituem o patrimnio das pessoas jurdicas de direito pblico. So os bens pblicos que no so afetados a uma atividade pblica especfica. Os bens de uso comum e os de uso especial so inalienveis; j os dominicais podem ser alienados, nos termos da lei.

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TTULO II PARTE ESPECIAL

CAPTULO I DIREITO DAS OBRIGAES 1. Acepes da obrigao Em sentido lato, a obrigao se identifica com qualquer espcie de dever moral, social, religioso ou jurdico. Mesmo no campo do direito, os juristas utilizam, algumas vezes, a palavra obrigao como sinnimo de dever jurdico, olvidando a sua significao tcnica e dogmtica. 2. Conceito e elementos Obrigao a relao jurdica em virtude da qual uma ou mais pessoas determinadas devem, em favor de outra ou de outras, uma prestao de carter patrimonial. Por outras palavras: Obrigao o vnculo jurdico temporrio pelo qual a parte credora (uma ou mais pessoas) pode exigir da parte devedora (uma ou mais pessoas) uma prestao patrimonial e agir judicialmente ou mediante instaurao de juzo arbitral sobre o seu patrimnio, se no for satisfeita espontaneamente. Seus elemento so: os sujeitos, o objeto e o vnculo jurdico. Os sujeitos so: a parte credora (uma ou mais pessoas fsicas ou jurdicas) e a parte devedora (uma ou mais pessoas fsicas ou jurdicas). O objeto a prestao (dar, fazer ou no fazer alguma coisa). A prestao deve ter contedo patrimonial e ser lcita, possvel e determinada ou determinvel. 3. Crdito e dbito Em toda obrigao existem um lado positivo o crdito e um lado negativo o dbito. O crdito o direito visto sob o prisma do sujeito ativo da relao jurdica. O dbito o dever jurdico de pagar, que recai sobre o sujeito passivo da relao jurdica. O direito alemo conserva expresses distintas para indicar a relao de dbito Schuldverhltnis e os direitos de crdito Forderungsrechte. 4. Vnculo obrigacional Um vnculo obrigacional pode criar uma ou diversas obrigaes, para uma ou para as diferentes partes interessadas. Assim, num mtuo sem juros, a relao jurdica existente cria apenas uma obrigao para o muturio, que a de devolver a quantia emprestada, na forma estabelecida pelas clusulas contratuais. J, ao contrrio, num contrato de compra e venda, existem vrias obrigaes de ambas as partes. O comprador deve pagar o preo. O vendedor deve entregar a coisa e responder no caso de evico. H, assim, vnculos obrigacionais que se limitam a criar uma obrigao e outros que criam diversas obrigaes derivadas do mesmo negcio jurdico.

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5. Dbito e responsabilidade A obrigao tem um fim primrio: a prestao; e um fim secundrio: sujeitar o patrimnio do devedor que no a satisfaz. O dever de prestar surge do dbito; a ao judicial sobre o patrimnio surge da responsabilidade ou da garantia. O inadimplemento da obrigao, constituindo a violao ou o descumprimento de um dever jurdico, implica a criao de uma relao jurdica secundria ou derivada, com as mesmas caractersticas da obrigao, por ser dever jurdico, recaindo sobre pessoa determinada (direito relativo) e de carter patrimonial, que denominamos responsabilidade. No ocorrendo o pagamento voluntrio, surge a responsabilidade, e o credor pode ir a juzo, ou recorrer mquina judiciria do Estado, para obter a condenao do devedor ao pagamento; e se, aps a condenao, no pagar ou j tendo o credor um ttulo, pode pedir ao juiz que execute tantos bens do devedor quantos forem necessrios para a satisfao do seu dbito. Ademais, desde que estabelecida clusula compromissria entre as partes, a questo poder ser resolvida por arbitragem. Enquanto a obrigao originria e depende de ato do devedor para a sua extino, a responsabilidade derivada do inadimplemento de dever jurdico e autoriza a ao do credor, por intermdio do Estado ou mediante instaurao de juzo arbitral, sobre os bens do devedor. A distino entre obrigao e responsabilidade foi feita por Brinz na Alemanha, que discriminou, na relao obrigacional, dois momentos distintos: o do dbito (Schuld), consistindo na obrigao de realizar a prestao e dependente de ao ou omisso do devedor, e o da responsabilidade (Haftung), na qual se faculta ao credor atacar e executar o patrimnio do devedor a fim de obter o pagamento devido ou uma quantia equivalente acrescida das perdas e danos, ou seja, da indenizao pelos prejuzos causados em virtude do inadimplemento da obrigao originria na forma previamente estabelecida. 6. Obrigaes naturais So as que no podem ser reclamadas em juzo, embora lcitas.A idia de obrigao imperfeita ou natural tambm vlida para as dvidas de jogo e de aposta, agora tratadas no art. 814 do Cdigo Civil A obrigao natural confere hoje juridicidade obrigao moral e ao dever de conscincia reconhecidos e cumpridos pelo devedor, que, posteriormente, no pode reaver o pagamento feito conscientemente. 7. Caractersticas da prestao Definida a obrigao em sentido tcnico como um vnculo jurdico de carter patrimonial, que recai sobre uma pessoa, em benefcio de outra, relativamente a um bem (coisa ou servio) que se encontra no patrimnio do devedor, podemos afirmar que o contedo da obrigao deve ser uma prestao possvel, lcita, determinada ou determinvel e possuindo expresso econmica. A prestao o comportamento do devedor que aproveita ao credor e por este pode ser exigido. A prestao deve ser possvel, fsica e legalmente, pois j afirmavam os romanos que ad impossibilia nemo tenetur. A impossibilidade pode ser fsica ou jurdica, absoluta e objetiva ou relativa e subjetiva, originria ou superveniente. A impossibilidade objetiva ou absoluta quando existe para todos os membros da

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coletividade, por motivos fsicos ou em virtude de lei. Tal impossibilidade importa em nulidade da obrigao. Ao contrrio, a impossibilidade relativa ou subjetiva a que s ocorre para o sujeito passivo da relao jurdica, mas no para todas as pessoas, e importa o dever, para o inadimplente, de ressarcir os danos decorrentes do no-cumprimento da obrigao assumida. Quando a impossibilidade objetiva superveniente ou posterior relao jurdica, preciso destacar o caso em que houve mora do devedor, hiptese na qual ele responde pelas perdas e danos, e os casos fortuitos ou de fora maior em que, sem culpa do devedor, a obrigao se tornou impossvel ou ilcita, excluindo-se pois a sua responsabilidade. A prestao deve ser determinada ou determinvel, no podendo ficar ao exclusivo arbtrio do devedor. Embora a doutrina entenda imprescindvel o contedo econmico, uma vez que no se considera obrigao o dever jurdico que, no caso de inadimplemento, no se possa resolver em perdas e danos, fixados em dinheiro, cabe notar que, atualmente, com a aceitao do dano material ou moral, qualquer leso de direito pode ser avaliada em dinheiro. 8. Obrigaes positivas e negativas As obrigaes so positivas quando a prestao do devedor implica dar ou fazer alguma coisa e negativas quando importam numa absteno. tradicional a distino entre obrigaes de dar, fazer e no fazer, que ainda feita pelo CC. A obrigao de dar consiste em transferir a posse ou transmitir a propriedade de um objeto ao credor, enquanto a obrigao de fazer importa na realizao de atos ou servios no interesse do credor. Embora, primeira vista, os contornos de cada uma sejam perfeitamente definidos, em muitos casos surgem dvidas quanto natureza da obrigao, havendo autores que condenam a distino. Indaga-se, assim, se so obrigaes de dar ou de fazer a de lavrar escritura definitiva de um imvel e a de justificar o pagamento de certos impostos que em virtude de contrato so da responsabilidade do locatrio. A importncia prtica da classificao decorre da regulamentao legal tradicionalmente diferente com referncia s obrigaes de fazer e s obrigaes de dar. A obrigao negativa importa numa absteno, ou seja, em no praticar algum ato. 9. Obrigaes de dar coisa certa e coisa incerta A obrigao de dar pode abranger coisa certa ou coisa incerta. A obrigao de dar coisa certa surge quando a prestao de objeto especfico e individualizado A lei esclarece que o credor de coisa certa no pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa (art. 313 do CC), e no pode exigir do devedor outra coisa, mesmo sendo de valor inferior. o princpio romano que encontramos em sentena de Paulo, de acordo com o qual aliud pro alio invito creditore solvi non potest. A entrega de objeto diverso do prometido importa em modificao da obrigao, denominada novao objetiva (do objeto), que s ocorre havendo consentimento de ambas as partes. A coisa deve ser entregue com os seus acessrios, salvo conveno em contrrio das partes (art. 233 do CC). Se a coisa certa devida se perder, antes da tradio e sem culpa do devedor, a obrigao se resolve para os interessados, extinguindo-se todos os seus efeitos. At a tradio, todos os riscos correm por conta do tradens que tem a propriedade do bem.

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Se a perda ou destruio da coisa for oriunda de culpa do devedor, o credor dele poder exigir o valor em dinheiro do objeto acrescido das perdas e danos (art. 234 do CC, parte final, e art. 627 do CPC). Em caso de deteriorao do objeto, sem culpa do devedor, tem o credor uma opo entre solver a obrigao ou aceitar a coisa, abatendo do seu preo o valor que perdeu. Havendo culpa do devedor, o credor pode exigir o equivalente em dinheiro ou aceitar o objeto com abatimento do preo, com direito a reclamar, em ambos os casos, indenizao pelas perdas e danos (art. 236 do CC). Nada impede que as partes convencionem a obrigao do devedor de ressarcir os danos, mesmo na hiptese de destruio ou perda do objeto em virtude de caso fortuito ou fora maior. Se a coisa sofrer melhoramentos ou passar a ter acrescidos at a tradio, o devedor poder exigir um aumento do preo, resolvendo a obrigao se o credor no anuir (art. 237 do CC). Dando a coisa frutos antes da tradio, cabem ao devedor, passando os frutos pendentes propriedade do credor (art. 237, pargrafo nico, do CC). Entre as obrigaes de dar coisa certa, o CC, seguindo a sistemtica do Cdigo de 1916, trata da obrigao de restituir (art. 238 e s.), embora haja diferena na situao do credor nos dois casos. Na obrigao de dar, a propriedade do bem pertence, at a tradio ou a transcrio, ao devedor, enquanto, na obrigao de restituir, o credor tem direito real sobre o bem que est legalmente em poder do devedor. A obrigao de dar coisa incerta consiste em fornecer certa quantidade de unidades de determinado gnero e no uma coisa especificada. A incerteza da coisa no significa indeterminao, mas determinao genericamente feita. Nas obrigaes de dar coisa incerta, o primeiro problema que surge o referente escolha das unidades a serem entregues. As partes tm a mais ampla liberdade de atribuir seja a um dos contratantes, seja a terceiro, a escolha dos exemplares que devero ser fornecidos. Na falta de clusula contratual, existe uma norma supletiva, em virtude da qual a escolha caber ao devedor, no lhe sendo lcito, todavia, escolher a pior qualidade, nem sendo obrigado a dar as melhores unidades (art. 244 do CC). O art. 246 do CC esclarece que, antes da escolha, no poder o devedor alegar perda ou deteriorao da coisa, ainda que por fora maior, ou caso fortuito. 10. Obrigaes de fazer A prestao de fazer pode ser um ato de ordem fsica, em sentido estrito, ou de ordem psquica. Como regra geral, se a prestao no for realizada, o devedor indenizar o credor por perdas e danos (art. 247 do CC), desde que s ele possa realiz-la, por fora do contrato ou em razo de reputao profissional ou de habilidades pessoais. O contedo da obrigao definir o grau de pessoalidade que o credor tenha desejado. O CC prev a possibilidade de o credor valer-se de execuo da obrigao por terceiro (execuo in natura), custa do devedor, quando for possvel e desde que ela no seja personalssima. A aplicao desta hiptese pressupe urgncia para que possa ser realizada independentemente de autorizao judicial. 11. Obrigaes de no fazer As obrigaes ainda podem ser omissivas, importando numa absteno, num non facere.

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Em certos casos, em virtude de clusulas contratuais, ou de condies impostas em ato unilateral, uma pessoa, restringindo a sua prpria liberdade e os direitos que a lei lhe assegura, se obriga a deixar de praticar algum ato. Se, sem culpa do devedor, a absteno se torna impossvel, extingue-se a obrigao (art. 250 do CC). Se o devedor, culposamente, infringe a obrigao de no fazer e pratica o ato vedado, deve ressarcir o dano causado ao credor, podendo ainda este exigir que o devedor desfaa sua custa o ato praticado, se a sua natureza o permitir (art. 251 do CC). O CC permitir ao credor, em casos de urgncia, desfazer ou mandar desfazer, independente de autorizao judicial, devendo ser posteriormente ressarcido do devido (art. 251, pargrafo nico). Assim, tratando-se de obrigaes de no construir alm de certo gabarito, em virtude de clusulas contratuais, o credor pode exigir do devedor que desfaa a construo levantada alm do mencionado gabarito e pague as perdas e danos. Se o devedor se recusar, o credor pode mandar destruir a obra, por conta do devedor. Se a obrigao consiste em no vender determinados artigos, o credor no pode desfazer as vendas realizadas, mas pode pedir uma indenizao e, mediante ao prpria, fixar uma multa que o devedor ser obrigado a pagar enquanto infringir a obrigao por ele assumida (arts. 642 a 645 do CPC). 12. Obrigaes simples e compostas A obrigao pode ter um ou vrios objetos. Quando a obrigao abrange uma nica prestao, considerada simples (por exemplo: o vendedor se obriga a entregar ao comprador o livro vendido). Quando, ao contrrio, a obrigao contm mais de uma prestao, denominada composta ou complexa. 13. Obrigaes cumulativas e alternativas Nas obrigaes compostas, existe pluralidade de pretenses, cabendo ao devedor cumprilas conjuntamente (obrigaes conjuntivas ou cumulativas) ou alternativamente (obrigaes alternativas). Nas primeiras, todas as prestaes abrangidas pela obrigao devem ser executadas, enquanto nas segundas a pluralidade das prestaes existentes na obrigao substituda, na execuo, por uma prestao nica escolhida na forma do contrato ou da lei (plures res sunt in obligatione, una autem in solutione). Nas obrigaes alternativas, existem duas ou mais formas pelas quais a obrigao pode ser satisfeita, e o cumprimento de uma nica prestao extingue a obrigao. O negcio jurdico indica normalmente, no caso de obrigaes alternativas, a quem cabe escolher a prestao a ser executada (in solutione) entre as diversas possveis (in obligatione). No silncio das partes, aplica-se a norma supletiva existente no CC, art. 252, que concede o direito de escolha ao devedor. O devedor no pode, todavia, obrigar o credor a receber parte de uma prestao e parte de outra (art. 252, 1, do CC). A sua opo deve ser total, salvo se se tratar de prestaes peridicas nas quais se admite a renovao da opo para cada perodo (entrega mensal alternativa de determinados alimentos ou de certa quantia em dinheiro), nos termos do art. 252, 2, do CC. A finalidade da prestao alternativa dar maior liberdade de escolha ao