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Arremessos de Basquetebol e Sequências de Bernoulli Michelly Guerra Costa Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, IMECC, UNICAMP 13083-859, Campinas, SP E-mail: [email protected] Cristiano Torezzan Faculdade de Ciências Aplicadas FCA, UNICAMP 13484-350, Limeira, SP E-mail: [email protected] RESUMO No cenário esportivo mundial, o uso de ferramentas analíticas, tais como modelagem matemática, métodos estatísticos e algoritmos computacionais, tem sido cada vez mais frequente como forma de auxiliar os profissionais em processos de tomada de decisão. Nos esportes de alto rendimento, existe um particular interesse em estudos estatísticos sobre registros individuais e coletivos dos jogadores ao longo do tempo, seja no decorrer de um jogo ou até mesmo no transcorrer de uma temporada [1,3]. No presente trabalho pretendemos investigar as semelhanças existentes entre registros de lançamentos extraídos de jogos reais de basquetebol e sequências aleatórias geradas por algoritmos computacionais. O estudo tem como ponto de partida o popular artigo "The hot hand in basketball: on the misperception of random sequences" [2], no qual os autores investigam a origem e a validade das crenças comuns sobre a existência de "hot hand" e "streak shooting", comumente traduzidos para o português como "mão quente" e "boa fase" dos jogadores, através de pesquisas e experimentos realizados com torcedores, atletas e treinadores de basquetebol. O artigo é centrado na seguinte questão: os jogadores acertam uma maior porcentagem de seus arremessos depois de acertos ou erros recentes? Em nosso trabalho, repetimos algumas análises feitas em [2], com base nos registros de lançamentos da equipe de basquete profissional de Bauru, ocorridos na temporada 20092010. Os desempenhos dos jogadores foram obtidos através de tabulação feita por meio de vídeos dos jogos fornecidos pela Confederação Brasileira de Basquete (CBB). Nosso objetivo central é verificar a semelhança entre arremessos consecutivos de um jogador ao longo de toda a temporada e uma sequência aleatória de zeros e uns (sequência de Bernoulli) gerada computacionalmente. Para tanto, aplicamos testes específicos para este problema [7] e analisamos a estacionariedade e a autocorrelação das séries temporais [5, 6] obtidas dos dados coletados. Os dados considerados para as análises foram as seqüências de lances livres e lançamentos de três pontos dos dez integrantes da equipe estudada que obtiveram maior número de arremessos na temporada. As simulações computacionais, para produzir sequências (pseudo) aleatórias para cada um dos jogadores considerados, foram feitas de forma que cada sequência tivesse o mesmo número de lances e a mesma frequência relativa de acertos daquelas adquiridas dos jogos, e repetimos as análises para estes dados, a fim de comparar com os resultados obtidos com os dados reais. Na tabela 1 apresentamos as probabilidades condicionais dos dez jogadores analisados. Denotamos por P(x) a frequência relativa do evento x, ou ainda, a probabilidade de ocorrência do evento x. Assim, P(A) é igual ao número de acertos dividido pelo número total de tentativas, P(A|kE) é a probabilidade de acerto dado a ocorrência de k erros, e P(A|kA) é a probabilidade de acerto dado a ocorrência de k acertos. Pode-se notar que não há uma clara evidência de aumento na frequência relativa de acertos após um, dois, ou três acertos, nem uma clara redução na frequência relativa após a ocorrência de erros para esses jogadores. Este resultado foi similar ao obtido em [2], com dados da Liga de Basquetebol Americana, o qual foi interpretado como 999 ISSN 1984-8218

Arremessos de Basquetebol e Sequências de Bernoulli · registros individuais e coletivos dos jogadores ao longo do ... lançamentos da equipe de basquete ... Brasileira de Basquete

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Arremessos de Basquetebol e Sequências de Bernoulli

Michelly Guerra Costa Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, IMECC, UNICAMP

13083-859, Campinas, SP E-mail: [email protected]

Cristiano Torezzan Faculdade de Ciências Aplicadas – FCA, UNICAMP

13484-350, Limeira, SP E-mail: [email protected]

RESUMO

No cenário esportivo mundial, o uso de ferramentas analíticas, tais como modelagem

matemática, métodos estatísticos e algoritmos computacionais, tem sido cada vez mais

frequente como forma de auxiliar os profissionais em processos de tomada de decisão.

Nos esportes de alto rendimento, existe um particular interesse em estudos estatísticos sobre

registros individuais e coletivos dos jogadores ao longo do tempo, seja no decorrer de um jogo

ou até mesmo no transcorrer de uma temporada [1,3].

No presente trabalho pretendemos investigar as semelhanças existentes entre registros de

lançamentos extraídos de jogos reais de basquetebol e sequências aleatórias geradas por

algoritmos computacionais. O estudo tem como ponto de partida o popular artigo "The hot hand

in basketball: on the misperception of random sequences" [2], no qual os autores investigam a

origem e a validade das crenças comuns sobre a existência de "hot hand" e "streak shooting",

comumente traduzidos para o português como "mão quente" e "boa fase" dos jogadores, através

de pesquisas e experimentos realizados com torcedores, atletas e treinadores de basquetebol. O

artigo é centrado na seguinte questão: os jogadores acertam uma maior porcentagem de seus

arremessos depois de acertos ou erros recentes?

Em nosso trabalho, repetimos algumas análises feitas em [2], com base nos registros de

lançamentos da equipe de basquete profissional de Bauru, ocorridos na temporada 2009–2010.

Os desempenhos dos jogadores foram obtidos através de tabulação feita por meio de vídeos dos

jogos fornecidos pela Confederação Brasileira de Basquete (CBB).

Nosso objetivo central é verificar a semelhança entre arremessos consecutivos de um jogador

ao longo de toda a temporada e uma sequência aleatória de zeros e uns (sequência de Bernoulli)

gerada computacionalmente. Para tanto, aplicamos testes específicos para este problema [7] e

analisamos a estacionariedade e a autocorrelação das séries temporais [5, 6] obtidas dos dados

coletados. Os dados considerados para as análises foram as seqüências de lances livres e

lançamentos de três pontos dos dez integrantes da equipe estudada que obtiveram maior número

de arremessos na temporada. As simulações computacionais, para produzir sequências (pseudo)

aleatórias para cada um dos jogadores considerados, foram feitas de forma que cada sequência

tivesse o mesmo número de lances e a mesma frequência relativa de acertos daquelas adquiridas

dos jogos, e repetimos as análises para estes dados, a fim de comparar com os resultados obtidos

com os dados reais.

Na tabela 1 apresentamos as probabilidades condicionais dos dez jogadores analisados.

Denotamos por P(x) a frequência relativa do evento x, ou ainda, a probabilidade de ocorrência

do evento x. Assim, P(A) é igual ao número de acertos dividido pelo número total de tentativas,

P(A|kE) é a probabilidade de acerto dado a ocorrência de k erros, e P(A|kA) é a probabilidade

de acerto dado a ocorrência de k acertos. Pode-se notar que não há uma clara evidência de

aumento na frequência relativa de acertos após um, dois, ou três acertos, nem uma clara redução

na frequência relativa após a ocorrência de erros para esses jogadores. Este resultado foi similar

ao obtido em [2], com dados da Liga de Basquetebol Americana, o qual foi interpretado como

999

ISSN 1984-8218

um argumento contrário a evidência de boa fase no jogo – fato que originou grande polêmica e,

inclusive críticas [4] ao trabalho original.

Jogador P(A | 3E) P(A | 2E) P(A | 1E) P(A) P(A | 1A) P(A | 2A) P(A | 3A)

14 0.4166 0.5102 0.5420 0.4680 0.3894 0.4054 0.4

8 0.3703 0.3720 0.4054 0.4485 0.4918 0.4666 0.3571

33 0.3043 0.3947 0.3214 0.3412 0.3928 0.3 0.3333

26 0.3636 0.3125 0.2978 0.3846 0.5 0.6666 0.7

15 0.2916 0.2727 0.2666 0.3662 0.56 0.5384 0.5

13 0.25 0.2916 0.3902 0.4 0.3928 0.3636 0.5

10 0.4 0.3478 0.3428 0.3137 0.2666 0.25 0

12 0.75 0.5555 0.4736 0.4286 0.3333 0.2 0

16 0.3333 0.4 0.4 0.4211 0.375 0.6666 0.5

11 --- 0 0.3333 0.2 0 --- ---

Tabela 1: Probabilidades Condicionais

Os testes de autocorrelação com nível de significância igual a 5%, realizados sobre as

sequências de arremessos de 3 pontos apresentaram resultados significativos apenas para 2 dos

10 jogadores. Ou seja, para 8 dos 10 jogadores analisados não encontrou-se evidência de não

aleatoriedade dos dados. Em outras palavras, estas sequências de lances apresentam

comportamento similar às sequências pseudo-aleatórias geradas nos experimentos

computacionais perante estes testes. Resultados similares foram obtidos para testes de

estacionariedade das séries.

Os resultados obtidos com este trabalho permitem conjecturar que certas sequências de

arremessos geradas em jogos de basquetebol têm comportamento semelhante à sequências

geradas de forma aleatória com mesmos parâmetros. Este fato, que por um lado é insuficiente

para responder sobre a existência ou não de boa fase numa partida, pode ser útil para a

elaboração de simuladores de jogos de basquetebol baseados em algoritmos computacionais.

Este tipo de aplicativo pode ser vantajoso no processo de tomada de decisão em situações reais

de competição, como por exemplo, na escalação de uma equipe para enfrentar um determinado

adversário, cujas estatísticas sejam conhecidas a priori.

Palavras-chave: Correlação Serial, Aleatoriedade, Estacionariedade, Boa Fase em

Basquetebol

Referências

[1] J. Albert, J. Bennett, and J. J. Cochran, “Anthology of Statistics in Sports”, ASA-SIAM

Series on Statistics and Applied Probability, SIAM, Philadelphia, 2005.

[2] T. Gilovich, R. Vallone, and A. Tversky, The hot hand in the basketball: On the

misperception of random sequences. Cognitive Psychology 17, pp. 295-314, (1985).

[3] R. Hooke, Basketball, Baseball, and the Null Hypothesis. Chance, 2 (4), 35-37, (1989).

[4] P. Larkey, R. Smith, and J. Kadane, It’s Okay to Believe in the “Hot Hand”. Chance, 2 (4),

22-30, (1989).

[5] P. A. Morettin, C. M. C. Toloi, “Análise de Séries Temporais”, 2ª ed., São Paulo, SP: E.

Blucher, 2006.

[6] S. Siegel, “Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences”, New York, N.Y.:

McGraw-Hill, 1956.

[7] R. L. Wardrop, Statistical Tests for the Hot-Hand in Basketball in a Controlled

Setting,Technical report. Department of Statistics, University of Wiscosin-Madson -EUA.

1000

ISSN 1984-8218