1
C1 Campo Grande-MS |Quinta-feira, 8 de outubro de 2020 ARTES & LAZER As es Trinca de Paulo Simões, Guilherme Rondon e Geraldo Espíndola falam sobre o ofício de compor Fotos: Helton Pérez Acervo pessoal Marcelo Rezende Compor é contar histórias, seja por meio da letra ou de belas melodias. Mato Grosso do Sul é nicho de grandes compositores, cantores e músicos talentosos, ao longo das gerações sempre bem representadas por ótimos artistas. Dando continuidade ao especial “Semana do Compositor”, o caderno Artes&Lazer foi buscar relatos de três dos maiores expoentes da nossa música regional. Gente que faz da poesia e da melodia o seu ofício: Paulo Simões, Guilherme Rondon e Geraldo Espíndola contam histórias e, claro, falam de música. Ler para compor melhor Paulo Simões tem uma biografia digna de virar filme. Entrevistá-lo é ter uma aula de cultura, além de boas risadas. O início de sua carreira já parece coisa de cinema. Em 1968, tocava com os “Bizarros, Fetos e Paraquedistas de Alfa Centauro”, grupo de rock que contava ainda com Geraldo Espíndola, Maurício Barros, Mário Márcio e João Vaca Louca. É nessa época que a amizade com Geraldo, com quem estudou na Escola Maria Constança de Barros Machado, torna-se sinônimo de parceria e composições que chegaram a contabilizar 500 músicas. Paulinho, como é carinhosamente chamado pelos amigos, é bom de prosa e conta como tudo começou. “Eu e o Geraldo compúnhamos dez canções por dia. O processo de composição na verdade era a conexão que tínhamos, às vezes eu iniciava uma música e o Geraldo terminava, assim como podia ocorrer o contrário, mas sempre saía algo novo”, comenta Simões. Paulinho contabiliza oficialmente 250 canções no currículo, mas as letras escritas com Geraldo Espíndola vão além. “Eu ia juntando músicas, sejam gravadas em fitas, ou as letras escritas em folhas de papel. Certo dia Geraldo me pediu as músicas que eu tinha em casa e levou com ele. Passado um tempo ele me retorna com um fichário e com 500 letras de música datilografadas. Ele era o ‘homem fichário’”, brinca o compositor. Em 1975 é composta a música “Trem do Pantanal”, de sua autoria com o parceiro Geraldo Roca. A música é um retrato emocional da sua geração e é considerada o hino não oficial de Mato Grosso do Sul. Dessa parceria, além de belas músicas e a saudade do amigo que faleceu em 25 de dezembro de 2015, permanece a eterna admiração de Paulo Simões. “Ele era genial, além de ser um músico que sempre estava estudando e na hora de compor era muito cerebral. Ele pensava a música, ele sabia como a música ia ficar pronta. Geraldo Roca era muito inteligente, gostava muito de ler e a gente sempre tinha o hábito de passar livros que líamos um para o outro e isso acrescentava muito na hora de escrever.” Simões acredita que a nova geração lê pouco e cita a importância da leitura e da bagagem cultural para escrever boas músicas. “A leitura expande o conhecimento e uma geração sem livros acaba vazia. Me lembro de quando li ‘Fahrenheit 451’ [romance de Ray Bradbury. O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. Bombeiros são responsáveis por incinerar os livros, mas um deles resolve guardar um livro, o que cria uma geração de guardiões dos livros que leem e que serão passados para outros]. Jovens compositores, leiam mais. Quem detém o conhecimento vai escrever melhor e principalmente fazer desse um mundo melhor. Espero que no próximo dia do compositor a gente encontre mais ‘homens livro’ fazendo boa música”, conclui Paulo Simões. Música com assinatura “Já deixei de fazer muitas parcerias por conta da minha maneira de compor.” É dessa forma que Guilherme Rondon, compositor, violonista e intérprete consagrado de público e crítica, explica seu modo de criar canções. Uma característica marcante do músico é o domínio da fusão de ritmos da fronteira, como guarânias, polcas e chamamés. Nascido em São Paulo e criado em Corumbá, Rondon é um dos maiores expoentes do som pantaneiro. “Eu não escrevo letras. Faço as músicas e meus parceiros de composição colocam as letras. Já teve casos de músicos me oferecerem letras para musicar, mas eu não faço esse trabalho. Eu faço música para colocarem a letra”, explica Rondon. O músico define seu método de composição como lapidar uma pedra bruta. “Minha música é etérea, ela surge do nada e eu a transformo. É um processo mediúnico e já aconteceram casos em que, após ter feito uma canção, quando a escuto pronta parece que foi outra pessoa que fez.” A lista de intérpretes que gravaram as composições de Rondon chega a 70 artistas e vai de Nana Caymmi a Ivan Lins, Almir Sater, Alzira Espíndola, Danilo Caymmi, Sérgio Reis, entre outros cantores. Ele também fez trilhas para programas de TV, como “Pesca Brasil” (TV CNT), “Pesca & Companhia” (TV Bandeirantes), “TV Colosso” (Rede Globo), além de ter participado da trilha musical da novela “A Indomada” (TV Globo), com a música “Vida Bela Vida”. Atualmente entre os projetos de Guilherme Rondon está o lançamento de canções por meio das plataformas de streaming. Gravadas em seu estúdio pessoal no Pantanal, ele realiza parcerias com artistas ao redor do planeta. Guilherme utiliza a tecnologia para realizar gravações com músicos da Espanha, Inglaterra, São Paulo e Rio de Janeiro, e de Mato Grosso do Sul. “Eu tenho um grande parceiro que é o músico carioca Fernando Lemos. Ele é um grande letrista e temos realizado muitos trabalhos juntos. Durante a pandemia tenho feito singles e soltando aos poucos, uma por vez. Tenho feito músicas em diversos estilos que vão de baladas, passando por blues, reggae e jazz.” Guilherme Rondon lançou em dezembro de 2016 o álbum “Melhor que Seja Raro”, em parceria com a Zélia Duncan. Essa parceria já rendeu bons frutos e a cantora Leila Pinheiro vai lançar um álbum com o nome de “Melhor que Seja Rara”, com a canção de Duncan e Rondon. Para os novos compositores, Guilherme Rondon dá seu recado. “A grande descoberta para um compositor é encontrar a sua marca. Seja você mesmo. Tenha a sua assinatura. A minha assinatura é minha melodia nascer livre, posso mesclar estilos, criar uma identidade musical. Nessa semana do compositor sou grato a Deus por estar vivo e produzindo.” Orgulho de ser sul-mato-grossense “Em primeiro lugar eu felicito todos os compositores do Brasil e do mundo, porque nós somos a resistência nestes tempos obscuros. As pessoas pensam que é só o mundo visível. Saudades dos compositores que já pariram. Existe o mundo visível e invisível, praticamente interagindo com a gente. Eu acredito.” É com esta mensagem carregada de espiritualidade que Geraldo Espíndola saúda os colegas de ofício e inicia a conversa. Extremamente cuidadoso, ele relata como seus pensamentos e mensagens se tornam as canções emblemáticas que ganharam corações e mentes dos fãs de sua obra há cinco décadas. “O meu processo criativo em minhas composições é marcado por muito trabalho. Em primeiro lugar no meu instrumento, no braço do meu violão, eu busco novas melodias, coisa mais difícil para o compositor é encontrar uma melodia que não seja plágio. Isso leva tempo, pela mão de Deus vem muito rápido e às vezes leva tempo pra caramba. Eu adoro isso, pois minha vida inteira é voltada para música.” “Tem músicas que eu não terminei até hoje, tem outras que abandonei achando que era plágio. Existem essas cismas nessa coisa de compor. Após a melodia criada trabalhada e relembrada inúmeras vezes, eu entro no processo da letra, isso quando estou compondo sozinho. Quando trabalho em parceria me trazem letras e eu faço a melodia. Quando estou criando alguma música é necessário ter muita autocrítica, porque a coisa mais fácil é você cair em uma melodia de Bach [Johann Sebastian Bach, compositor e multi-instrumentista oriundo do Sacro Império Romano-Germânico], ou de Paul McCartney [lendário baixista, vocalista e compositor dos Beatles], que são os campeões da música tonal [toda música que apresenta uma tonalidade definida, ou seja, uma hierarquia entre as notas, os tons, os acordes e os sons utilizados, girando em torno de uma principal], ou seja é muito fácil dar uma deslizada, portanto, e a gente tem que tomar muito cuidado para não cometer plágio. Primeiro para não invadir a obra de outro autor e segundo para não cair no ridículo de ficar cantando a mesma música várias vezes com outro nome, mas sendo a mesma coisa”, esclarece Geraldo. Geraldo Espíndola não poupa elogios quando declara seu amor por Mato Grosso do Sul. Ele que já trabalhou em São Paulo e Curitiba afirma que seu verdadeiro lugar é a sua terra e também fala de sua madrinha musical, Elza Soares. “Eu sempre li muito Fernando Pessoa, quando era adolescente, e aquilo de você ficar na sua aldeia, porque o mundo vai te reconhecer um dia, porque você é de sua aldeia, me marcou profundamente e fiz questão de ficar na minha terra. Mesmo fazendo três anos de carreira em São Paulo, três anos no Rio de Janeiro e dois em Curitiba. nada disso me deu mais tesão do que estar na minha terra. Passei pela gravadora multinacional PolyGran, voltei e não quis fazer jogo que muitos fazem que é ganhar dinheiro, não só dinheiro que importou a vida inteira. Eu sou muito grato por ser reconhecido, porque eu era destinado ao fracasso, imagina nascer em uma terra como a nossa em 1952 e consegui me tornar o que eu sou. Tenho música gravada pela madrinha Elza Soares. O primeiro show que vi na vida foi de Elza no teatro Santa Helena, onde hoje ficam as Lojas Americanas, na Dom Aquino. Nunca esqueci daquele show e posteriormente ela veio gravar dois blues comigo no álbum ‘30 Anos Nesse Mato’”, que assim como toda obra está disponível no Spotify. A gratidão por artistas que gravaram suas composições também emociona Geraldo, que celebra a sua jornada querendo trabalhar muito mais. “‘Vida Cigana’ virou um hit em todo o Brasil gravada pelos queridos do Raça Negra, fui gravado por Almir Sater, Grupo Tarancón, Tetê Espíndola, minha maior divulgadora, a quem agradeço pelo resto da minha vida. Essa nova geração que agora está me gravando. Essa semana eu liberei uma música que gosto muito ‘Não Violência, Não’, para o violeiro Raphael Vital gravar. Eu fico muito feliz em ver minhas músicas gravadas Eu sou muito feliz porque tenho muitos amigos e amigas que gostam de mim, eu sou um privilegiado, por isso estou sempre pronto para qualquer coisa nessa vida. Eu espero viver muitos anos para continuar trabalhando com toda essa gente”, finaliza Geraldo. Minha Terra Geraldo Espíndola escolheu ficar em “sua aldeia” fazendo música cercado de amigos Homem Livro Paulo Simões defende a leitura como ferramenta para novos artistas criarem canções melhores Legado Guilherme Rondon propõe que o artista seja original e deixe sua marca na música

ARTES&LAZER C1 Trinca de

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ARTES&LAZER C1 Trinca de

C1Campo Grande-MS |Quinta-feira, 8 de outubro de 2020ARTES&LAZER

AsesTrinca de

Paulo Simões, Guilherme Rondon e Geraldo Espíndola falam sobre o ofício de compor

Foto

s: H

elto

n Pé

rez

Acervo pessoal

Marcelo Rezende

Compor é contar histórias, seja por meio da letra ou de belas melodias. Mato Grosso do Sul é nicho de grandes compositores, cantores e músicos talentosos, ao longo das gerações sempre bem representadas por ótimos artistas. Dando continuidade ao especial “Semana do Compositor”, o caderno Artes&Lazer foi buscar relatos de três dos maiores expoentes da nossa música regional. Gente que faz da poesia e da melodia o seu ofício: Paulo Simões, Guilherme Rondon e Geraldo Espíndola contam histórias e, claro, falam de música.

Ler para compor melhorPaulo Simões tem uma biografia digna

de virar filme. Entrevistá-lo é ter uma aula de cultura, além de boas risadas. O início de sua carreira já parece coisa de cinema. Em 1968, tocava com os “Bizarros, Fetos e Paraquedistas de Alfa Centauro”, grupo de rock que contava ainda com Geraldo Espíndola, Maurício Barros, Mário Márcio e João Vaca Louca. É nessa época que a amizade com Geraldo, com quem estudou na Escola Maria Constança de Barros Machado, torna-se sinônimo de parceria e composições que chegaram a contabilizar 500 músicas. Paulinho, como é carinhosamente chamado pelos amigos, é bom de prosa e conta como tudo começou. “Eu e o Geraldo compúnhamos dez canções por dia. O processo de composição na verdade era a conexão que tínhamos, às vezes eu iniciava uma música e o Geraldo terminava, assim como podia ocorrer o contrário, mas sempre saía algo novo”, comenta Simões.

Paulinho contabiliza oficialmente 250 canções no currículo, mas as letras escritas com Geraldo Espíndola vão além. “Eu ia juntando músicas, sejam gravadas em fitas, ou as letras escritas em folhas de papel. Certo dia Geraldo me pediu as músicas que eu tinha em casa e levou com ele. Passado um tempo ele me retorna com um fichário e com 500 letras de música datilografadas. Ele era o ‘homem fichário’”, brinca o compositor.

Em 1975 é composta a música “Trem do Pantanal”, de sua autoria com o parceiro Geraldo Roca. A música é um retrato emocional da sua geração e é considerada o hino não oficial de Mato Grosso do Sul. Dessa parceria, além de belas músicas e a saudade do amigo que faleceu em 25 de dezembro de 2015, permanece a eterna admiração de Paulo Simões. “Ele era genial, além de ser um músico que sempre estava estudando e na hora de compor era muito cerebral. Ele pensava a música, ele sabia como a música ia ficar pronta. Geraldo Roca era muito inteligente, gostava muito de ler e a gente sempre tinha o hábito de passar livros que líamos um para o outro e isso acrescentava muito na hora de escrever.”

Simões acredita que a nova geração lê pouco e cita a importância da leitura e

da bagagem cultural para escrever boas músicas. “A leitura expande o conhecimento e uma geração sem livros acaba vazia. Me lembro de quando li ‘Fahrenheit 451’ [romance de Ray Bradbury. O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. Bombeiros são responsáveis por incinerar os livros, mas um deles resolve guardar um livro, o que cria uma geração de guardiões dos livros que leem e que serão passados para outros]. Jovens compositores, leiam mais. Quem detém o conhecimento vai escrever melhor e principalmente fazer desse um mundo melhor. Espero que no próximo dia do compositor a gente encontre mais ‘homens livro’ fazendo boa música”, conclui Paulo Simões.

Música com assinatura“Já deixei de fazer muitas parcerias por

conta da minha maneira de compor.” É dessa forma que Guilherme Rondon, compositor, violonista e intérprete consagrado de público e crítica, explica seu modo de criar canções. Uma característica marcante do músico é o domínio da fusão de ritmos da fronteira, como guarânias, polcas e chamamés. Nascido em São Paulo e criado em Corumbá, Rondon é um dos maiores expoentes do som pantaneiro. “Eu não escrevo letras. Faço as músicas e meus parceiros de composição colocam as letras. Já teve casos de músicos me oferecerem letras para musicar, mas eu não faço esse trabalho. Eu faço música para colocarem a letra”, explica Rondon.

O músico define seu método de composição como lapidar uma pedra bruta. “Minha música é etérea, ela surge do nada e eu a transformo. É um processo mediúnico e já aconteceram casos em que, após ter feito uma canção, quando a escuto pronta parece que foi outra pessoa que fez.” A lista de intérpretes que gravaram as composições de Rondon chega a 70 artistas e vai de Nana Caymmi a Ivan Lins, Almir Sater, Alzira Espíndola, Danilo Caymmi, Sérgio Reis, entre outros cantores. Ele também fez trilhas para programas de TV, como “Pesca Brasil” (TV CNT), “Pesca & Companhia” (TV Bandeirantes), “TV Colosso” (Rede Globo), além de ter participado da trilha musical da novela “A Indomada” (TV Globo), com a música “Vida Bela Vida”.

Atualmente entre os projetos de Guilherme Rondon está o lançamento de canções por meio das plataformas de streaming. Gravadas em seu estúdio pessoal no Pantanal, ele realiza parcerias com artistas ao redor do planeta. Guilherme utiliza a tecnologia para realizar gravações com músicos da Espanha, Inglaterra, São Paulo e Rio de Janeiro, e de Mato Grosso do Sul. “Eu tenho um grande parceiro que é o músico carioca Fernando Lemos. Ele é um grande letrista e temos realizado muitos

trabalhos juntos. Durante a pandemia tenho feito singles e soltando aos poucos, uma por vez. Tenho feito músicas em diversos estilos que vão de baladas, passando por blues, reggae e jazz.” Guilherme Rondon lançou em dezembro de 2016 o álbum “Melhor que Seja Raro”, em parceria com a Zélia Duncan. Essa parceria já rendeu bons frutos e a cantora Leila Pinheiro vai lançar um álbum com o nome de “Melhor que Seja Rara”, com a canção de Duncan e Rondon. Para os novos compositores, Guilherme Rondon dá seu recado. “A grande descoberta para um compositor é encontrar a sua marca. Seja você mesmo. Tenha a sua assinatura. A minha assinatura é minha melodia nascer livre, posso mesclar estilos, criar uma identidade musical. Nessa semana do compositor sou grato a Deus por estar vivo e produzindo.”

Orgulho de ser sul-mato-grossense“Em primeiro lugar eu felicito todos os

compositores do Brasil e do mundo, porque nós somos a resistência nestes tempos obscuros. As pessoas pensam que é só o mundo visível. Saudades dos compositores que já pariram. Existe o mundo visível e invisível, praticamente interagindo com a gente. Eu acredito.” É com esta mensagem carregada de espiritualidade que Geraldo Espíndola saúda os colegas de ofício e inicia a conversa. Extremamente cuidadoso, ele relata como seus pensamentos e mensagens se tornam as canções emblemáticas que ganharam corações e mentes dos fãs de sua obra há cinco décadas. “O meu processo criativo em minhas composições é marcado por muito trabalho. Em primeiro lugar no meu instrumento, no braço do meu violão, eu busco novas melodias, coisa mais difícil para o compositor é encontrar uma melodia que não seja plágio. Isso leva tempo, pela mão de Deus vem muito rápido e às vezes leva tempo pra caramba. Eu adoro isso, pois minha vida inteira é voltada para música.”

“Tem músicas que eu não terminei até hoje, tem outras que abandonei achando que era plágio. Existem essas cismas nessa coisa de compor. Após a melodia criada trabalhada e relembrada inúmeras vezes, eu entro no processo da letra, isso quando estou compondo sozinho. Quando trabalho em parceria me trazem letras e eu faço a melodia. Quando estou criando alguma música é necessário ter muita autocrítica, porque a coisa mais fácil é você cair em uma melodia de Bach [Johann Sebastian Bach, compositor e multi-instrumentista oriundo do Sacro Império Romano-Germânico], ou de Paul McCartney [lendário baixista, vocalista e compositor dos Beatles], que são os campeões da música tonal [toda música

que apresenta uma tonalidade definida, ou seja, uma hierarquia entre as notas, os tons, os acordes e os sons utilizados, girando em torno de uma principal], ou seja é muito fácil dar uma deslizada, portanto, e a gente tem que tomar muito cuidado para não cometer plágio. Primeiro para não invadir a obra de outro autor e segundo para não cair no ridículo de ficar cantando a mesma música várias vezes com outro nome, mas sendo a mesma coisa”, esclarece Geraldo.

Geraldo Espíndola não poupa elogios quando declara seu amor por Mato Grosso do Sul. Ele que já trabalhou em São Paulo e Curitiba afirma que seu verdadeiro lugar é a sua terra e também fala de sua madrinha musical, Elza Soares. “Eu sempre li muito Fernando Pessoa, quando era adolescente, e aquilo de você ficar na sua aldeia, porque o mundo vai te reconhecer um dia, porque você é de sua aldeia, me marcou profundamente e fiz questão de ficar na minha terra. Mesmo fazendo três anos de carreira em São Paulo, três anos no Rio de Janeiro e dois em Curitiba. nada disso me deu mais tesão do que estar na minha terra. Passei pela gravadora multinacional PolyGran, voltei e não quis fazer jogo que muitos fazem que é ganhar dinheiro, não só dinheiro que importou a vida inteira. Eu sou muito grato por ser reconhecido, porque eu era destinado ao fracasso, imagina nascer em uma terra como a nossa em 1952 e consegui me tornar o que eu sou. Tenho música gravada pela madrinha Elza Soares. O primeiro show que vi na vida foi de Elza no teatro Santa Helena, onde hoje ficam as Lojas Americanas, na Dom Aquino. Nunca esqueci daquele show e posteriormente ela veio gravar dois blues comigo no álbum ‘30 Anos Nesse Mato’”, que assim como toda obra está disponível no Spotify.

A gratidão por artistas que gravaram suas composições também emociona Geraldo, que celebra a sua jornada querendo trabalhar muito mais. “‘Vida Cigana’ virou um hit em todo o Brasil gravada pelos queridos do Raça Negra, fui gravado por Almir Sater, Grupo Tarancón, Tetê Espíndola, minha maior divulgadora, a quem agradeço pelo resto da minha vida. Essa nova geração que agora está me gravando. Essa semana eu liberei uma música que gosto muito ‘Não Violência, Não’, para o violeiro Raphael Vital gravar. Eu fico muito feliz em ver minhas músicas gravadas Eu sou muito feliz porque tenho muitos amigos e amigas que gostam de mim, eu sou um privilegiado, por isso estou sempre pronto para qualquer coisa nessa vida. Eu espero viver muitos anos para continuar trabalhando com toda essa gente”, finaliza Geraldo.

C1Campo Grande-MS |Quinta-feira, 8 de outubro de 2020 Campo Grande-MS |Quinta-feira, 8 de outubro de 2020 ARTES&LAZER

esTrinca deTrinca de

Paulo Simões, Guilherme Rondon e Geraldo Espíndola falam sobre o ofício de compor

Acervo pessoal

da bagagem cultural para escrever boas músicas. “A leitura expande o conhecimento e uma geração sem livros acaba vazia. Me lembro de quando li ‘Fahrenheit 451’ [romance de Ray Bradbury. O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. Bombeiros

Minha Terra Geraldo Espíndola escolheu ficar em “sua aldeia” fazendo música cercado de amigos

Homem Livro Paulo Simões defende a leitura como ferramenta para novos artistas criarem canções melhores

Legado Guilherme Rondon propõe que o artista seja original e deixe sua marca na música