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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA TRABALHO FINAL DO 6º ANO MÉDICO COM VISTA À ATRIBUIÇÃO DO GRAU DE MESTRE NO ÂMBITO DO CICLO DE ESTUDOS DE MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA VANESSA DE FÁTIMA VIEIRA BARCELOS SÍNDROMA CARDIO-RENAL TIPO I: BIOMARCADORES E ABORDAGEM TERAPÊUTICA ARTIGO DE REVISÃO ÁREA CIENTÍFICA DE NEFROLOGIA TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DE: PROFESSOR DOUTOR RUI MANUEL BAPTISTA ALVES DRª. ANA AMÉLIA GALVÃO MARÇO/2013

ARTIGO DE REVISÃO ÁREA CIENTÍFICA DE NEFROLOGIA … final 6 ano... · faculdade de medicina da universidade de coimbra trabalho final do 6º ano mÉdico com vista À atribuiÇÃo

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FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

TRABALHO FINAL DO 6º ANO MÉDICO COM VISTA À ATRIBUIÇÃO DO

GRAU DE MESTRE NO ÂMBITO DO CICLO DE ESTUDOS DE MESTRADO

INTEGRADO EM MEDICINA

VANESSA DE FÁTIMA VIEIRA BARCELOS

SÍNDROMA CARDIO-RENAL TIPO I:

BIOMARCADORES E ABORDAGEM TERAPÊUTICA

ARTIGO DE REVISÃO

ÁREA CIENTÍFICA DE NEFROLOGIA

TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DE:

PROFESSOR DOUTOR RUI MANUEL BAPTISTA ALVES

DRª. ANA AMÉLIA GALVÃO

MARÇO/2013

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 1

Síndroma Cardio-renal Tipo 1: Biomarcadores e Abordagem

Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos1.

1 Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Correspondência:

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos

Mestrado Integrado em Medicina – 6º ano

Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

Morada: Avenida Calouste Gulbenkian, nº98, 6ºE, 3000-090 Coimbra

E-mail: [email protected]

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 2

RESUMO

Este artigo de revisão foi realizado tendo por base artigos científicos retirados de

bases de dados como a PubMed, com o objetivo de definir a síndroma cardio-renal, a

sua patogénese, identificar novos biomarcadores de diagnóstico e diferentes estratégias

terapêuticas.

Cerca de um terço das admissões hospitalares por insuficiência cardíaca (IC)

podem ser complicadas pelo agravamento da função renal, com aumento da morbilidade

e mortalidade. Esta condição clínica define-se por síndroma cardio-renal (SCR), e

quando associado a patologia cardíaca aguda e insuficiência renal aguda classifica-se

como SCR tipo 1. A definição desta síndroma e sua classificação tem como base a sua

patogénese, dividindo-se em 5 subtipos. No caso da SCR tipo 1, existem múltiplos

mecanismos fisiopatológicos implicados no seu desenvolvimento, desde modificações

hemodinâmicas, ativação neurohormonal até à ativação de processos inflamatórios.

Atualmente os critérios de diagnóstico do SCR tipo 1 não se encontram

devidamente definidos, encontrando-se em estudo novos biomarcadores que poderão

apresentar interesse no diagnóstico precoce do agravamento da função renal, como a

cistatina C, NGAL, KIM-1 e IL-18. A prevenção do SCR tipo 1 e o seu diagnóstico

precoce são essenciais para melhorar o prognóstico destes pacientes, visto que o

tratamento da congestão associada à insuficiência cardíaca encontra-se condicionado

pelo agravamento da função renal, ocorrendo por vezes resistência aos diuréticos. O

tratamento desta síndroma não se encontra claramente definido. A investigação de

novas abordagens terapêuticas tem apresentado resultados contraditórios, existindo

necessidade de novos estudos de modo a esclarecer a sua fisiopatologia e identificar

novos alvos terapêuticos.

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Palavras-chave

Síndroma cardio-renal; Fisiopatologia; Insuficiência cardíaca aguda descompensada;

Síndroma coronário agudo; Insuficiência Renal Aguda; Cistatina C; NGAL; Resistência

aos diuréticos.

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ABSTRACT

This review article was based on articles from databases like PubMed, with the

aim of defining the cardio-renal syndrome, its pathogenesis, indentifying novel

biomarkers and different treatment approaches.

About one-third of the patients admitted to the hospital for heart failure are

complicated by worsening renal function, therefore with higher morbidity and mortality.

This clinical condition is defined by cardiorenal syndrome, and when associated with

acute cardiac illness and acute renal failure it is classified as CRS type 1. The definition

of this syndrome and its classification is based on its pathophysiological mechanisms,

dividing it into five subtypes. As to CRS type 1, there are multiple pathophysiological

mechanisms involved in its progression, from hemodynamic changes, neurohormonal

activation to inflammation and immune cell signaling.

Currently the diagnosis criteria for this syndrome are unestablished. Novel

biomarkers have been the focus of several studies conducted in different clinical settings

and might have interest in the early diagnosis of renal deterioration; these are cystatin C,

NGAL, KIM-1 and IL-18. The prevention of the CRS type 1 and its early diagnosis are

important to improve the prognosis of these patients. The attempt to treat congestion in

acute heart failure is limited by the worsening of renal function, often associated with

the development of diuretic resistance. At present, the management of CRS type 1 is not

clearly defined. Recent trials using novel agents and new therapeutic approaches have

shown contradictory results. Future studies are needed to understand the pathogenesis of

this syndrome and to identify new therapeutic targets.

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Keywords: Cardio-Renal Syndrome; Pathophysiology; Decompensation, Heart; Acute

coronary syndrome; Acute Renal Injury; Cystatin C; neutrophil gelatinase-associated

lipocalin protein; Diuretic resistance.

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LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

ADHERE – Acute Decompensated Heart Failure National Registry.

AKIN - Acute Kidney Injury Network

ARA – Antagonistas dos recetores de aldosterona.

BNP – Peptídeo natriurético tipo B.

CDI – Cardioversor desfibrilhador implantável.

DC – Débito cardíaco.

DM – Diabetes mellitus.

EAM – Enfarte agudo do miocárdio.

FABP – Fatty acid binding proteins.

FEVE – Fração de ejeção do ventrículo esquerdo.

HTA – Hipertensão arterial.

IC – Insuficiência cardíaca.

IECA – Inibidor da enzima de conversão da angiotensina.

IL - Interleuquina

IRA – Insuficiência renal aguda.

IRC – Insuficiência renal crónica.

ITU – Infeção do trato urinário.

KIM-1 – Kidney injury molecule-1.

NA – Noradrenalina.

NGAL – Human neutrophil gelatinase-associated lipocalin.

NP – Peptídeo natriurético.

PIA – Pressão intra-abdominal.

PVC – Pressão venosa central.

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RBF – Renal blood flow.

RIFLE – Risk, injury, failure, loss, end-stage renal disease.

ROS – Espécies reativas de oxigénio.

SCA – Síndrome coronário agudo.

sCR – creatinina sérica.

SCR – Síndroma cardio-renal.

SCR – 1 – Síndroma cardio-renal tipo 1.

SRAA – Sistema renina-angiotensina-aldosterona.

TFG – Taxa de filtração glomerular.

TNF-α - Fator de necrose tumoral alfa.

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ÍNDICE

I. Introdução ........................................................................................................................ 11

II. Material e métodos .......................................................................................................... 13

III. Síndroma Cardio-renal .................................................................................................... 14

IV. Síndroma Cardio-renal tipo 1 .......................................................................................... 17

1. Definição e epidemiologia ............................................................................................... 17

2. Fatores de risco ................................................................................................................ 18

a. Obesidade e alterações metabólicas ............................................................. 18

b. Caquexia ....................................................................................................... 19

c. Hipertensão arterial e diabetes ...................................................................... 19

d. Episódios de insuficiência renal aguda subclínica ....................................... 21

3. Etiologia e Fisiopatologia do SCR tipo 1 ........................................................................ 22

3.1 Mecanismos hemodinâmicos ........................................................................................... 23

a. Diminuição do débito cardíaco e hipoperfusão renal .................................... 23

b. Congestão venosa .......................................................................................... 25

c. Aumento da pressão intra-abdominal ............................................................ 27

3.2 Ativação neurohormonal ................................................................................................. 29

a. Sistema nervoso simpático .............................................................................. 29

b. Sistema renina-angiontesina-aldosterona ........................................................ 30

3.3 Óxido nítrico e espécies reativas de oxigénio ................................................................. 32

3.4 Mecanismos imunológicos .............................................................................................. 33

4. Diagnóstico ...................................................................................................................... 34

4.1 Avaliação da função cardíaca .......................................................................................... 35

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a. Peptídeos natriuréticos ........................................................................................ 35

b. NT-proBNP ........................................................................................................... 39

c. Troponinas ....................................................................................................... 40

4.2 Avaliação da função renal ............................................................................................... 41

a. Taxa de filtração glomerular ............................................................................ 41

b. Creatinina ......................................................................................................... 42

c. Proteinúria ........................................................................................................ 43

4.3 Novas perspetivas diagnósticas ....................................................................................... 45

a. Cistatina C ....................................................................................................... 46

b. Lipocalina associada à gelatinase de neutrófilos (NGAL) ............................. 47

c. Interleuquina-18 ............................................................................................... 51

d. KIM-1 .............................................................................................................. 53

e. Proteínas de ligação de ácidos gordos ............................................................. 53

4.4 Imagiologia ...................................................................................................................... 56

5. Estratégias terapêuticas.................................................................................................... 57

5.1 Diuréticos ........................................................................................................................ 57

a. Diuréticos da ansa - furosemida .................................................................... 59

b. Diuréticos tiazídicos e tiazídicos like ............................................................ 61

c. Perfusão contínua de diuréticos ..................................................................... 62

d. Diuréticos associados a terapêutica vasodilatadora ....................................... 62

e. Solução salina hipertónica associada a diuréticos ......................................... 64

5.2 Ionotrópicos ..................................................................................................................... 65

5.3 Novos fármacos ............................................................................................................... 66

a. Análogo dos péptideos natriuréticos .............................................................. 66

b. Antagonistas dos recetores da vasopressina .................................................. 66

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c. Antagonistas dos recetores A1 da adenosina ................................................. 67

5.4 Medidas não farmacológicas ........................................................................................... 68

a. Ultrafiltração ...................................................................................... 69

b. Diálise peritoneal ............................................................................... 72

V. Conclusão ........................................................................................................... 73

VI. Referências bibliográficas .................................................................................. 75

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I. INTRODUÇÃO

A definição de síndroma cardio-renal (SCR) varia segundo os grupos de

trabalho, não havendo uma definição consensual.1

Como é conhecido, existem inúmeras interações entre o rim e o aparelho

cardiovascular, interações estas bidirecionais, pelo que a disfunção aguda ou crónica

num destes órgãos provoca a disfunção do outro.2 Cerca de 36% dos pacientes que

realizam diálise nos EUA apresentam história de insuficiência cardíaca e 25% dos

pacientes com insuficiência cardíaca crónica apresentam insuficiência renal. 3

Atualmente, o termo síndroma cardio-renal utiliza-se para descrever uma

variedade de situações clínicas em que ocorre disfunção renal moderada ou grave no

doente com insuficiência cardíaca descompensada.1

Assim, a importância de compreender esta síndroma surge no contexto de

diferentes estudos terem demonstrado que a incidência de insuficiência renal moderada

a severa em doentes com insuficiência cardíaca é aproximadamente de 24-45%.4, 5, 6

Nestes doentes, o tratamento da insuficiência cardíaca descompensada pode

acompanhar-se do aumento da creatinina, condicionando um prognóstico mais

reservado com aumento da morbilidade e mortalidade. 7

Neste trabalho, apresentam-se como principais objetivos a definição,

classificação e compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da síndroma cardio-renal

tipo 1 (SCR – 1).

A SCR tipo 1 pode ser definida como o agravamento da função renal no paciente

hospitalizado por patologia cardíaca aguda, associada a: 1) hipervolémia, 2) sintomas de

congestão persistentes, 3) aumento da creatinina sérica.3, 7

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O reconhecimento atempado da SCR permite estabelecer uma abordagem

terapêutica precoce, como tal, a identificação de biomarcadores cardíacos e renais e o

esclarecimento do seu papel no diagnóstico e prognóstico é de grande importância. 8

Por fim, é necessário definir possíveis estratégias terapêuticas de modo a

orientar uma melhor abordagem clínica e melhorar o prognóstico nesta síndroma, visto

que o agravamento da função renal limita a terapêutica sintomática e de controlo

neurohormonal, com aumento do tempo de hospitalização e maior taxa de readmissão e

mortalidade.3

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II. MATERIAL E MÉTODOS

O presente artigo de revisão baseia-se numa pesquisa bibliográfica utilizando a

base de dados PubMed. Esta foi realizada com base na pesquisa dos seguintes termos:

Cardiorenal syndrome, cardiorenal syndrome type 1, cardiorenal syndrome biomarkers,

cardiorenal syndrome physiopathology and management. Os limites aplicados à

pesquisa foram: Humans, English, Portuguese, Spanish, French e artigos publicados

entre 2006-2012.

A escolha dos artigos baseou-se também no fator de impacto das respetivas

revistas num intervalo de 5 anos, tal como foi tido em conta o conteúdo do título e do

resumo.

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III. SÍNDROMA CARDIO-RENAL

A associação de doença cardíaca e renal é frequente, podendo a disfunção

primária de um destes órgãos resultar na disfunção secundária do outro. 9

Os rins e o coração atuam com o objetivo de regular a pressão sanguínea, o

tónus vascular, a diurese e natriurese, a homeostase do volume vascular, a perfusão dos

tecidos periféricos e a sua oxigenação.10

A manutenção destes mecanismos fisiológicos

depende da integridade do coração e do rim. A modificação destas interações representa

a base fisiopatológica da SCR.11

A SCR inclui uma variedade de condições agudas ou crónicas2, pelo que a sua

divisão em cinco subtipos permite identificar e descrever diferentes características

clínicas, eventos precipitantes, fatores de risco, história natural e prognóstico. 11

Na

tabela 1 estão identificados os 5 subtipos, bem como os possíveis eventos precipitantes,

Tabela 1 - Classificação e definição da SCR. Legenda: SCA – Síndrome Coronário Agudo; IRA – Insuficiência Renal

Aguda; IRC – Insuficiência Renal Crónica; ESC – European Society of Cardiology; AHA – America Heart

Association; ACC – American College of Cardiology; RIFLE - Risk, Injury, Failure, Loss; AKIN - Acute Kidney

Injury Network; KDOKI - Kidney Disease Outcomes Quality Initiative; MPO – mieloperoxidase, AMI – albumina

modificada pela isquémia, NGAL- lipocalina associada a gelatinase dos neutrófilos, NAG – N-acetil-glucosamina.

Adaptado Ronco et al.1

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critérios de diagnóstico e biomarcadores.

Na síndroma cardio-renal aguda (SCR tipo 1), o agravamento súbito da função

cardíaca leva a lesão renal aguda. Condições clínicas em que tal ocorre são a

insuficiência aguda descompensada, a síndrome coronária aguda, choque

cardiogénico.1A síndroma cardio-renal crónica (SCR tipo 2), carateriza-se pela presença

de doença cardíaca crónica que induz lesão renal progressiva e potencialmente

irreversível.8 Exemplos de quadros clínicos em que ocorre SCR tipo 2 são a disfunção

ventricular esquerda crónica, fibrilhação auricular, doença cardíaca congénita,

pericardite constritiva e doença cardíaca isquémica.14

O tipo 3, síndroma reno-cardíaca aguda, caracteriza-se pelo desenvolvimento de

insuficiência renal aguda (IRA) que provoca disfunção ou lesão cardíaca aguda, como

enfarte agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva ou arritmias.15

Alguns

fatores desecandeantes são IRA associada a cirurgia, IRA após cirurgia não cardíaca,

IRA pós produtos de contraste, nefropatias induzidas por fármacos e rabdomiólise.12, 15

Na síndroma reno-cardíaca crónica (tipo 4), a doença renal crónica contribui

para uma diminuição da função cardíaca, nomeadamente a nível da função diastólica

ventricular esquerda, hipertrofia ventricular e aumento do risco de eventos

cardiovasculares adversos.5,

Estudos demonstram que IRC induz fibrose intersticial do

miocárdio, hipertrofia ventricular e é por si só um fator de risco para eventos

cardiovasculares.10

Por fim, o último subtipo, a síndroma cardio-renal secundária (tipo 5),

caracteriza-se por uma doença sistémica aguda ou crónica que concomitantemente induz

disfunção cardíaca e renal. São inúmeras as condições sistémicas que podem contribuir

para esta disfunção, podendo dividir-se em causas agudas ou crónicas (tabela 2).12, 16

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Tabela 2 – Diferentes etiologias da síndroma cardio-renal secundária (tipo 5). Adaptado Cruz et al 10

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IV. SINDROMA CARDIO-RENAL TIPO 1

1. Definição e epidemiologia

A insuficiência cardíaca (IC) afeta 2% da população adulta, sendo que mais de 1

milhão de pacientes nos EUA são internados com IC aguda ou IC crónica agudizada.17

Durante o internamento um terço desses pacientes desenvolve IRA. 13

A síndroma cardio-renal tipo 1 carateriza-se pelo agravamento súbito da função

renal em pacientes com doença cardíaca aguda.18

Habitualmente, o agravamento da

função renal é definido por um aumento da creatinina sérica maior ou igual a 0.3 mg/dL

em relação ao valor basal, estando este valor associado a taxas de sobrevida mais baixas

e a hospitalizações mais prolongadas e frequentes. 8, 18

Segundo o registo ADHERE, (Acute Decompensated Heart Failure National

Registry) cerca de 30% dos pacientes com IC aguda descompensada apresentavam

níveis de creatinina superiores a 1.5 mg/dL aquando da apresentação clínica. 19

Frequentemente, os dados epidemiológicos da SCR-1 são obtidos através de

estudos retrospetivos e avaliam o desenvolvimento de IRA associado à IC

descompensada ou síndroma coronário agudo.12

A incidência de IRA ou agravamento

da função renal varia entre 24-45% para a IC aguda descompensada e entre 9-19% para

o SCA.9

Gottlieb et al realizou um estudo em que 47% dos pacientes admitidos com IC

aguda desenvolveram IRA, nos três primeiros dias de hospitalização12

. Noutro estudo,

Cowie et al, concluiu que 50% dos pacientes desenvolviam IRA em quatro dias.18

E

dois estudos observacionais referem que 70-90% dos pacientes admitidos com IC aguda

desenvolvem IRA na primeira semana de hospitalização.12

Na figura 1 observam-se os

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resultados de diferentes estudos, verificando-se uma incidência que varia entre 27-45%

para a IC aguda descompensada e entre 9-54% para o SCA.18

É importante referir que o mecanismo fisiopatológico referido para o subtipo 1

não considera o tempo de hospitalização, podendo vir a ser importante considerar que o

desenvolvimento da IRA apresenta fatores desencadeantes diferentes de acordo com o

tempo de internamento18

. Citando alguns exemplos, aquando da apresentação o

agravamento da função renal pode dever-se à congestão ou ao baixo débito cardíaco,

enquanto que durante o internamento se pode dever a investigações ou à intervenção

médica como cateterismo cardíaco, utilização de inibidores da enzima de conversão da

angiotensina (IECAs) ou diuréticos da ansa. 12

2. Fatores de risco para o desenvolvimento do SCR-1

a. Obesidade e alterações metabólicas

A obesidade, tal como a diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a hipertensão arterial

(HTA), a apneia do sono, a hiperuricemia e a IRC, relaciona-se com um excesso de

adipócitos. Os adipócitos são responsáveis pela secreção de citoquinas que podem

causar lesão cardíaca e renal. Exemplos dessas citoquinas são a interleuquina-6 (IL-6) e

o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).5

Figura 1 - Incidência da SCR tipo 1 em diferentes estudos. (A) Insuficiência Cardíaca Aguda (B)

Síndrome Coronário Agudo. Fonte: Advances in Chronic Kidney Disease 2013; 20:56-66

(DOI:10.1053/j.ackd.2012.10.005 )18

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 19

A associação entre o índice de massa corporal (IMC), que nos dá uma ideia do

excesso de adipócitos, e alterações ecocardiográficas (dilatação da aurícula direita,

dilatação e hipertrofia ventricular esquerda), reforça a ideia de que as citoquinas

secretadas pelos adipócitos podem induzir fibrose e remodelação cardíaca.20

b. Caquexia

A caquexia carateriza-se pela perda de tecido músculo-esquelético, com ou sem

perda do tecido adiposo. A sua associação a diferentes doenças crónicas (insuficiência

cardíaca, doença renal crónica) é conhecida, estando associada a pior prognóstico

independentemente da doença primária.21

No caso da IC, a etiologia da caquexia e sarcopenia é multifatorial e relaciona-se

com malnutrição, malabsorção, atividade catabólica, ativação neurohormonal e

inflamatória.22

As citoquinas pró-inflamatórias (TNF-α) são o principal fator

determinante do catabolismo.5

Os mecanismos que determinam a caquexia associada à insuficiência cardíaca

são idênticos aos que induzem o agravamento da função renal na SCR, nomeadamente,

ativação neurohormonal, inflamação e stress oxidativo.22

Como referido a caquexia está associada a patologia crónica do coração e do

rim, sendo que o desenvolvimento de SCR neste caso apresenta uma maior correlação

com os SCR tipo 3 e 4, contudo, acredita-se que a ocorrência de diferentes subtipos do

SCR pode estar associada à caquexia. 22

c. Hipertensão arterial e diabetes

A HTA e a diabetes apresentam elevada prevalência nos pacientes com

insuficiência cardíaca e renal, estando estas co-morbilidades associadas à progressão da

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 20

doença, prognóstico e apresentando um papel importante na fisiopatologia da SCR.

Nestes casos a pré-existência de HTA e diabetes relaciona-se com uma evolução e

resposta ao tratamento diferentes. 23

Quanto ao seu papel na fisiopatologia, é importante referir que em pacientes com

insuficiência cardíaca aguda, o deficiente controlo da pressão arterial contribui para a

disfunção glomerular e redução da taxa de filtração glomerular (TFG), com ativação

neurohormonal e retenção de sódio.5 Diferentes mecanismos fisiopatológicos são

associados à SCR tipo 1, sendo que a ativação neurohormonal é um deles.24

Quanto ao diagnóstico e avaliação do paciente com SCR, a pré-existência de

HTA e/ou diabetes condiciona diferentes características clínicas, o que dificulta o

dignóstico.23

Uma das complicações da diabetes é a nefropatia crónica. O seu

desenvolvimento caracteriza-se por um curso bifásico, com aumento inicial da TFG,

devido à hiperfiltração, e posterior diminuição. O aumento inicial da TFG é um

importante fator prognóstico, estando associado a um declínio mais rápido da função

renal, maior grau de danos a nível túbulo-intersticial e mortalidade elevada.5 Assim, a

avaliação da fração de filtração no doente diabético é fundamental para determinar se o

aumento da TFG é real ou se se deve ao aumento do fluxo sanguíneo renal.23

Na IC não existe evidência suficiente que demonstre um mecanismo

fisiopatológico idêntico. Porém, pacientes com IC sistólica também apresentam lesões

túbulo-intersticiais e valores de fração de filtração mais elevados, (superiores a 20%) o

que implica um aumento do fluxo sanguíneo renal. A utilização frequente de IECAs em

pacientes com HTA dificulta a compreensão dos diferentes fatores que influenciam o

fluxo sanguíneo renal. Tal como na diabetes, estes pacientes apresentam um declínio

acelerado da função renal quando comparados com pacientes não hipertensos. Uma

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razão que pode explicar este fato é o menor número de nefrónios em pacientes

hipertensos devido à lesão glomerular que ocorre durante a progressão da doença e que

se relaciona diretamente com a albuminúria.23

d. Episódios repetidos de IRA subclínica

É muito provável que alguns indivíduos sofram episódios subclínicos de IRA

durante a sua vida. Em cada episódio ocorre lesão das unidades de nefrónios. O

desenvolvimento de IRA subclínica pode ocorrer em episódios de extrema desidratação,

após cirurgias eletivas, após terapêutica, como quimioterapia e antibioterapia e com a

utilização de agentes de contraste iodados. 5

Estes episódios subclínicos e repetidos de IRA podem explicar o porquê de

alguns pacientes, sem aparente

doença renal crónica de base

ou outros fatores de risco,

desenvolverem SCR no

contexto de insuficiência

cardíaca descompensada.5

Outros fatores de risco

associados ao agravamento da

função renal estão referidos na

tabela 3.24

Fatores de risco associados ao agravamento da função renal

Função renal basal diminuída

Idade

Hipotensão

Anemia

Diabetes

Hipertensão

Associação de diuréticos da ansa a tiazidicos

Hiponatrémia

Hipertensão pulmonar secundária

Disfunção ventricular direita

Regurgitação tricúspide e mitral

Antecedentes de internamento hospitalar por IC

Desenvolvimento de IRA em episódios anteriores de IC

aguda descompensada

Episódios subclínicos repetidos de IRA

Necessidade de ultrafiltração ou diálise em episódios

anteriores

Tabela 3 Fatores de risco associados ao agravamento da função

renal na SCR tipo 1. Adaptado de Aronson24

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3. Etiologia e fisiopatologia da SCR tipo 1

O agravamento da função renal em pacientes com insuficiência cardíaca aguda é

complexa e em muitos casos multifatorial, tal como a própria IC.2 A insuficiência

cardíaca aguda pode ser dividida em 4 subtipos: edema pulmonar hipertensivo com

preservação da função sistólica ventricular esquerda, insuficiência cardíaca agudamente

descompensada, choque cardiogénico e insuficiência ventricular direita.13

O desenvolvimento da disfunção renal, na síndroma cardio-renal aguda, poderá

ter como causa o agravamento de doença renal intrínseca, como nefropatia diabética ou

hipertensiva, com consequente ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona

(SRAA), retenção de volume e agravamento da doença cardíaca.25

A utilização de

fármacos como os IECAs, ARAs ou anti-inflamatórios, que causam diminuição da TFG

e do débito urinário, também poderá estar associada ao agravamento da função renal.25

Frequentemente, o agravamento da função renal ocorre nos primeiros dias de

hospitalização, o que implica que o SCR apresenta mecanismos inerentes às alterações

hemodinâmicas que ocorrem na insuficiência cardíaca.25

Anteriormente pensava-se que a principal causa para o desenvolvimento desta

síndroma seria a hipoperfusão renal, explicada pela hipotensão ou hipovolémia. O fato

da maioria dos pacientes hospitalizados com insuficiência cardíaca descompensada

apresentar sinais e sintomas relacionados com o aumento do volume intravascular e das

pressões ventriculares contraria esta hipótese. 25

A apresentação clínica do paciente com insuficiência cardíaca descompensada

carateriza-se por dispneia (97%), edema (66-80%) e aumento da pressão venosa jugular

(61%). Como tal, embora a hipovolémia seja uma causa de IRA, no caso do

agravamento da função renal, em pacientes com IC, o estado hipervolémico é mais

frequente. 25, 26

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 23

Assim sendo, é necessário compreender que mecanismos hemodinâmicos estão

por detrás do agravamento da função renal em pacientes com doença cardíaca aguda.

Para além dos mecanismos hemodinâmicos, a ativação neurohormonal e do SNS e

mecanismos inflamatórios também contribuem para o desenvolvimento da SCR9

(figura

2).

3.1 Mecanismos hemodinâmicos

a) Diminuição do débito cardíaco e hipoperfusão renal

O mecanismo fisiopatológico mais importante da IC tem como base a redução

do débito cardíaco. Esta diminuição está relacionada com uma diminuição da função

Figura 2 - Interações fisiopatológicas entre o coração e o rim na síndroma cardiorenal

tipo 1. Exemplos: Choque cardiogénico, insuficiência cardíaca aguda descompensada.

IECAs – inibidores da enzima conversora da angiotensina; SCA- síndroma coronário

agudo; ANP – péptido natriurético auricular; BNP – péptido natriurético tipo B; DC –

débito cardíaco; TFG – taxa de filtração glomerular. Adaptado Ronco et al2.

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 24

sistólica, diastólica ou de ambas, ocorrendo consequente diminuição da perfusão dos

órgãos.23

Este mecanismo, redução do DC, inicia por sua vez vários mecanismos contra-

regulatórios para garantir a perfusão adequada dos tecidos. Um destes mecanismos é a

retenção de sódio e água pelo rim. 26

A retenção de água e sódio leva à vasoconstrição, havendo ativação do sistema

nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, da vasopressina e da

endotelina.27

Como descrito anteriormente, a hipoperfusão e hipotensão são pouco frequentes

nos pacientes com SCR aguda, sendo a incidência da hipotensão nestes pacientes de

2.9%, o que reforça a ideia que, neste contexto, a diminuição do débito cardíaco e do

fluxo sanguíneo são uma causa improvável de IRA.25

Em estudos realizados25

, cerca de

37 a 55% dos pacientes com SCR-1 apresentavam preservação da função sistólica, o

que mais uma vez contraria a hipótese de que a causa primária desta síndroma é a

diminuição do débito cardíaco, hipoperfusão renal ou hipotensão.

O estudo ESCAPE (Evaluation Study of Congestive Heart Failure and

Pulmonary Artery Catheterization Effectiveness)28

foi o mais recente estudo invasivo

que comparou, em pacientes com insuficiência cardíaca, o tratamento guiado por

cateterismo da artéria pulmonar e a terapêutica convencional. Neste estudo, o valor da

creatinina e a TFG não apresentaram correlação com o débito cardíaco. Esta observação

sugere que, em pacientes com IC aguda, há uma dissociação entre a diminuição do

débito cardíaco e da TFG.28

Do ponto de vista terapêutico, estas observações dão ênfase

à necessidade de um tratamento diferenciado no caso de estarmos perante um paciente

com insuficiência cardíaca aguda ou crónica agudizada.24, 28

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 25

b) Congestão venosa

Uma explicação para a ativação do eixo neurohormonal nos síndromes de

insuficiência cardíaca aguda com débito cardíaco normal, poderá ser o fato da congestão

venosa apresentar-se como potente ativador neurohormonal.28

O papel da congestão venosa no agravamento da função renal na IC é complexo

e envolve múltiplos mecanismos.24

Na IC os mecanismos que levam ao aumento da pré-

carga ventricular esquerda determinam um ciclo vicioso, ocorrendo diminuição da

perfusão dos órgãos e aumento da pressão venosa e congestão.23

Tendo em conta que o rim é um órgão encapsulado, este é afetado pela

congestão e aumento da pressão venosa, com consequente aumento da pressão

intersticial intrarenal (figura 3). Quando o aumento da pressão intersticial é superior à

pressão tubular intraluminal ocorre colapso dos túbulos renais e aumento da pressão

tubular proximal. Devido a estas alterações no gradiente de pressão glomerular, ocorre

aumento da pressão hidrostática glomerular, não ocorrendo filtração passiva.24

O

aumento da pressão intra-abdominal e a congestão intravascular também contribuem

para o aumento da pressão venosa central (PVC).23

Secundariamente, o aumento da PVC leva à ativação do SNS e do SRAA,

levando à diminuição da TFG. Por fim, referir que o aumento da pressão intersticial

também induz inflamação e fibrose túbulo-intersticial.23

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 26

No contexto de insuficiência cardíaca aguda são poucos os estudos que

investigam o papel da pressão venosa central na taxa de filtração glomerular. O estudo

ESCAPE, como já foi referido, não demonstrou a correlação direta entre o débito

cardíaco e a função renal, contudo, concluiu que modificações na PVC podem induzir

alterações na função renal.27

Num pequeno estudo com 145 pacientes, Mullens et al 29

,

concluiu que o aumento da PVC era o principal fator hemodinâmico a determinar o

agravamento da função renal/insuficiência renal (figura 4). Estas observações sugerem

que a terapêutica dirigida para o controlo da congestão e da PVC pode melhorar a

função renal em pacientes com IC.29

Assim, o aumento da PVC e consequente diminuição da perfusão renal

representa a principal interação hemodinâmica na SCR.23

Este modelo baseado no

Guyton explica a relação entre a insuficiência cardíaca e renal10

, contudo, apresenta-se

como insuficiente para explicar o desenvolvimento do quadro clínico em casos

individuais, visto que a correlação entre o fluxo sanguíneo renal e a TFG embora forte,

Figura 3 – Efeito da congestão venosa e aumento da pressão intra-abdominal na função

renal. PVC – Pressão venosa central; RBF – Fluxo sanguíneo renal; IAP – Pressão intra-

abdominal; PTP – Pressão tubular proximal. Adaptado de Aronson et al24

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 27

Figura 4 – Prevalência do agravamento da função renal durante a hospitalização, de

acordo com a PVC, IC, PAS e Pw.

Verifica-se que o risco de agravamento da função renal aumenta de acordo com o valor da

PVC basal, tendo 75% dos indivíduos com PVC > 24 mmHg desenvolvido agravamento da

função renal. Fonte: Mullens et al 29

PVC – pressão venosa central; IC – índice cardíaco; PAS – pressão arterial sistólica e Pw -

pressão de encravamento da artéria pulmonar.

pode apresentar uma variação, em pacientes com IC, de 20% para cada valor do fluxo

sanguíneo renal.23

Esta observação destaca a importância das modificações hemodinâmicas na

SCR, contudo reforça a ideia de que outros mecanismos, como a ativação do SRAA,

alterações no equilibro das espécies reativas de oxigénio e óxido nítrico, atividade do

SNS, inflamação, história de HTA e diabetes, também modulam a fisiopatologia da

SCR.23

c) Aumento da pressão intra-abdominal

A existência de hipervolémia pode condicionar edema visceral, sendo este um

fator de risco para o desenvolvimento de hipertensão intra-abdominal.24

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 28

A pressão intra-abdominal (PIA) elevada tem sido associada ao agravamento da

função renal em situações clínicas agudas. O valor normal da PIA varia entre 4-7

mmHg, sendo a hipertensão intra-abdominal definida pelo aumento superior a 12

mmHg.30

A nível do rim os efeitos do aumento da pressão intra-abdominal são

sobreponíveis aos efeitos do aumento da PVC. O edema visceral conduz à compressão

do conteúdo abdominal com elevação da pressão venosa renal.24

Em condições fisiológicas, a pressão hidrostática no espaço de Bowman é

insignificante, promovendo a filtração passiva. Na presença de hipertensão intra-

abdominal ocorre aumento da pressão glomerular, para valores idênticos ao da pressão

intra-abdominal, com diminuição da TFG. O aumento da pressão intra-abdominal

também induz a ativação do SRAA.24

A nível cardíaco, a pressão intra-abdominal é transmitida ao tórax, com elevação

do diafragma, o que resulta no aumento da pressão intra-torácica, compressão cardíaca e

diminuição do volume telediastólico. Também ocorre diminuição da pré-carga devido à

diminuição do retorno venoso do abdómen para o coração. Assim no caso de IC aguda

descompensada, o agravamento da função renal pode ocorrer na presença de uma ligeira

alteração da pressão intra-abdominal.24

Num estudo com 40 pacientes hospitalizados por insuficiência cardíaca

descompensada, Mullens et al concluiu que a prevalência da hipertensão intra-

abdominal era elevada, com 60% dos pacientes apresentando elevação da pressão intra-

abdominal.30

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 29

3.2 Ativação neurohormonal

a) Sistema nervoso simpático

Hipertensão essencial, resistência à insulina, insuficiência cardíaca, resistência

aos diuréticos e doença renal funcional caracterizam-se por um aumento da atividade do

sistema simpático.31

A disfunção do miocárdio está associada à ativação neurohormonal com o

objetivo de preservar o DC.29

A ativação do SNS, que se evidencia pelo aumento dos

níveis plasmáticos de noradrenalina (NA), está associada à manutenção da congestão

que como já foi referido é determinante no desenvolvimento do SCR. 27

Assim, os mecanismos pelos quais o SNS leva à congestão estão associados à

taquicardia, vasoconstrição arterial e venosa, que por sua vez aumenta a pós-carga e

diminui a pré-carga, levando à diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo

(FEVE) e eventual modulação negativa deste.27

O rim é inervado por neurónios eferentes adrenérgicos e aferentes somáticos. Os

neurónios eferentes terminam em vários loci no rim, e afetam a reabsorção do sódio a

nível tubular, a secreção de renina e o fluxo sanguíneo renal (figura 5) 31

. A ativação do

SRAA e a ação da vasopressina levam à reabsorção de sódio e água e consequente

expansão do volume sanguíneo. A expansão do volume sanguíneo é também um potente

ativador do SNS, o que conduz a um ciclo vicioso, com agravamento da congestão

venosa.27

Assim, a ativação eferente simpato-renal leva ao aumento do volume sanguíneo

e da pressão arterial, diminuindo o fluxo sanguíneo renal. 31

Embora estes mecanismos

estejam diretamente relacionados com respostas adaptativas do rim à hipotensão ou

hipovolémia, quando esta resposta é persistente e inapropriada contribui para o

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 30

mecanismo fisiopatológico da hipertensão e da ICC, apresentando particular

importância na SCR.32

b) Sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA)

Uma característica importante da SCR é a retenção excessiva de sódio e água em

resposta à diminuição da perfusão renal e consequente diminuição do fluxo sanguíneo

renal. Esta resposta adaptativa eventualmente acelera a progressão da doença em vez de

a melhorar e é mediada pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona.24

Em resposta a diferentes estímulos, a renina é produzida no aparelho

justaglomerular, sendo secretada pelos glomérulos corticais. Na IC, o fluxo sanguíneo

renal encontra-se principalmente diminuído nas regiões corticais, o que aumenta a

secreção de renina. Este mecanismo auto-regulatório preserva a perfusão renal medular,

à custa da diminuição da perfusão da região cortical. Ocorre então lesão tubular

Figura 5 –Barber & Moss num

estudo com ratos Sprague-Dawley

demonstrou que a diminuição

progressiva da pressão de perfusão

renal relacionava-se com o aumento

da atividade simpática aferente

renal e diminuição do fluxo

sanguíneo renal. Adaptado de

Ismail et al.13

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 31

Tabela 4 – Insuficiência cardíaca - ativação neurohormonal e efeitos na hemodinâmica renal.

Adaptado Aronson24

proximal por hipóxia, visto que os túbulos contornados proximais se localizam na

região medular externa e na região cortical do nefrónio.23

O SRAA não apresenta apenas atividade sistémica, modulando também a função

renal. A sua atividade na modulação renal poderá estar relacionada com a fibrose

túbulo-intersticial, ativação do SNS e diminuição do fluxo sanguíneo renal.24

Devido aos diferentes processos modulados pelo SRAA (tabela 5), existe uma

grande variabilidade inter-individual a nível da suscetibilidade da ativação do SRAA e

da sua contribuição para o desenvolvimento da SCR. Alguns pacientes respondem à

inibição do SRAA, enquanto outros apresentam ativação de sistemas contra-regulatórios

com maior aumento da atividade plasmática da renina. São estes pacientes, com maior

atividade plasmática da renina que apresentam maior diminuição do fluxo sanguíneo

renal e pior prognóstico.24

A futura compreensão da resposta individual à atividade do SRAA e à inibição

desta é imperativa de modo a desenvolver tratamentos direcionados e como tal melhorar

o prognóstico na SCR.24

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 32

3.4 Óxido nítrico (NO) e espécies reativas de oxigénio (ROS)

O stress oxidativo é a via comum para inúmeras condições, tais como, disfunção

celular, lesão tecidual e insuficiência orgânica.5

As reações químicas mais conhecidas envolvidas na síntese de espécies reativas

de oxigénio são a equação de Haber-Weiss e Fenton. Estas equações requerem a

presença de água, hidrogénio, e um catalisador de metal, como seja o ferro, cobre.5

Tendo em conta que o ferro é o metal mais abundante a nível celular, acredita-se que a

ferro reduzido é o principal estímulo ao stress oxidativo e consequente lesão tecidular,

estando a libertação de ferro instável associada a modelos de isquémia cardíaca aguda e

a uma variedade de modelos de lesão rena l.33

A referir, que a reação de oxidação do

ferro (passagem da forma ferrosa a férrica) facilita a produção de peróxido de

hidrogénio e radicais de hidroxilo, os quais sobrelevam os mecanismos antioxidantes,

de defesa celular.5

Na insuficiência renal, a ativação do SRAA causa expansão do volume

extracelular e vasoconstrição, resultando na formação de ROS. 10

Diferentes estratégias para diminuir estas reações podem beneficiar,

particularmente o rim, como são exemplo a alcalinização, arrefecimento e ligação do

catalisador de ferro. É importante reconhecer que provavelmente em todos os casos de

SCR o stress oxidativo desempenha uma função na lesão renal e cardíaca,

representando este mecanismo uma via comum final para a lesão tecidular e

insuficiência orgânica.5

Sendo o stress oxidativo reversível, a tentativa de atenuá-lo, em teoria, pode

apresentar benefícios no tratamento de pacientes com SCR.5

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 33

3.5 Mecanismos imunológicos

Um potencial mecanismo, ainda em estudo, é a lesão imuno-mediada. Este

mecanismo hipotético baseia-se em alterações do sistema imunitário que incluem

libertação de citoquinas e alteração da função celular, nomeadamente ativação da

apoptose. 18

Estudos recentes, que têm como principal objetivo investigar o papel

imunomodulador na IC, demonstraram que a ativação de citoquinas pró-inflamatórias

no miocárdio e monócitos periféricos leva à transição fenotípica dos monócitos,

apoptose dos miócitos e ativação de metaloproteinases.34

A produção de citoquinas pró-inflamatórias pelos cardiomiócitos surge em

resposta ao estímulo isquémico ou mecânico. Citoquinas pró-inflamatórias, como TNF-

α, IL-1β, IL-2, IL-6, IL-8, IL10, IL-13 e IL-10; foram identificadas tanto em modelos

experimentais de IC, como em pacientes com IC.35

A IC pode ser assim considerada um

estado inflamatório, pelo que a desregulação da resposta imunitária subjacente a esta

poderá levar à lesão de órgãos à distância como por exemplo o rim.40

Acredita-se que a ativação inflamatória desempenha um papel importante na IC

por levar à disfunção vascular e congestão no espaço extravascular. A quantidade de

fluido no interstício pulmonar e alveolar é estritamente controlada por um processo

ativo de reabsorção, tendo sido demonstrado que a inflamação interfere com este

processo levando à congestão pulmonar independentemente do volume corporal. Este

mecanismo pode explicar a diminuição da perfusão renal, edema peritubular,

diminuição da TFG e pela lesão tubular isquémica e inflamatória.5 Além disso,

citoquinas libertadas por leucócitos e células tubulares renais no rim do doente são

componentes importantes na ativação e extensão da inflamação que contribui para a

patogénese, manifestações clínicas e complicações da IRA.34

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 34

Yan Goh et al realizou um estudo com 16 pacientes hospitalizados por IC aguda

descompensada, tendo 8 desses pacientes desenvolvido IRA de acordo com os critérios

RIFLE. O objetivo do estudo era demonstrar que os pacientes que desenvolviam IRA

apresentavam um padrão inflamatório diferente, com aumento da apoptose de

monócitos. Como se pode verificar pela figura 6, os indivíduos que desenvolveram SCR

tipo 1 apresentaram um maior aumento da apoptose em relação àqueles que não

desenvolveram IRA.9

4. Diagnóstico

Os biomarcadores são sintetizados em resposta a um mecanismo de “stress”,

podendo ser utilizados para diagnosticar e monitorizar a progressão e a severidade da

doença.11

A sua capacidade de demonstrar diferentes mudanças fisiopatológicas que

ocorrem na insuficiência cardíaca aguda e na IRA determina a sua superioridade em

relação a biomarcadores convencionais.11

Figura 6 – Através da

eletroforese em gel foram

avaliados os diferentes padrões

de apoptose em dois grupos,

grupo A (SCR tipo 1) e grupo B

(IC aguda descompensada sem

IRA).

Em diferentes instantes

(24h, 48h, 72h, 96h) verificou-se

um maior aumento da apoptose

no grupo A. Fonte: Yang et al9

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 35

Um biomarcador ideal deve preencher determinados critérios, nomeadamente: 36

1) Deve ser sintetizado nas células que sofrem a lesão, sendo específico do órgão;

2) A sua concentração nos fluidos corporais deve ser proporcional à severidade da

lesão;

3) Deve ser expresso precocemente, numa fase em que a lesão seja reversível;

4) A sua concentração deve diminuir rapidamente após o episódio agudo que levou

à sua libertação, de modo a permitir a sua utilização na monitorização da

doença;

5) Deve permitir uma rápida medição.

Recentemente, novos biomarcadores para a IRA têm sido estudados em

diferentes contextos clínicos, no caso da SCR, alguns estudos foram realizados no

contexto de cirurgia cardíaca associada a IRA e nefropatia induzida por contraste. Estes

estudos têm como objetivo demonstrar o seu valor prognóstico no SCA e na

insuficiência cardíaca aguda.36

Neste trabalho serão apresentados biomarcadores da função cardíaca e renal,

com enfâse em novos biomarcadores e o seu valor diagnóstico no contexto do SCR.

4.1Avaliação da função cardíaca

a. Peptídeos natriuréticos (NPs)

O peptídeo natriurético B (BNP) faz parte de uma família de péptidos

natriuréticos, que inclui o péptido natriurético auricular (ANP), o péptido natriurético

tipo C (CNP) e a urodilatina.11

O BNP é uma neurohormona constituída por 32 aminoácidos, sintetizada nos

ventrículos cardíacos e libertada em resposta à dilatação ventricular, aumento da tensão

da parede ventricular e sobrecarga de volume ou de pressão. 11

O BNP é sintetizado

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 36

pelos cardiomiócitos como uma prohormona, o pro-BNP, que quando libertado na

circulação é clivado em BNP e fragmento N-terminal com 76 aminoácidos, NT-

proBNP, em proporções equimolares. O tempo de semi-vida do BNP é de 20 minutos e

do NT-proBNP de 120 minutos, o que explica o fato dos valores do NT-proBNP serem

6 vezes superiores aos do BNP. A interação do BNP com o recetor tipo A (NPR-A) leva

a diferentes efeitos biológicos devido ao aumento do cGMP. 37

A sua libertação resulta

no relaxamento do miocárdio e apresenta uma importante função na regulação

hemodinâmica,11

nomeadamente através da vasodilatação periférica, aumento da

natriurese e diurese, inibição do SNS e do SRAA.37

A degradação dos PNs é mediada pelo recetor tipo C do péptideo natriurético

(NPR-C). Adicionalmente, o BNP é degradado através da proteólise pelas

endopeptídases presentes na circulação e por filtração passiva, a nível renal. 38

Diferentes patologias podem cursar com o aumento das concentrações

plasmáticas de BNP, particularmente

quando ocorre dilatação das cavidades

cardíacas e aumento do volume, como é

o caso da insuficiência cardíaca, da

insuficiência renal e do

hiperaldosteronismo primário.11

Na

tabela 5 encontram-se enumeradas as

diferentes condições clínicas que cursam

com o aumento e diminuição da

concentração de NP.

Tabela 5 – Diagnóstico diferencial do

aumento e diminuição da concentração de NP.

Adaptado Daniels et al 39

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 37

O BNP apresenta um papel importante no diagnóstico diferencial de um quadro

clínico de dispneia, permitindo diferenciar entre causa pulmonar ou cardíaca, isto

porque, embora os valores dos NPs possam estar elevados em pacientes com doença

pulmonar, estes são significativamente mais baixos do que os observados em pacientes

com insuficiência cardíaca crónica.38, 39

Adicionalmente, insuficiência cardíaca direita por embolismo pulmonar, doença

pulmonar severa, hipertensão pulmonar também estão associadas a níveis elevados de

NPs. No SCA a isquémia aguda causa disfunção diastólica transitória o que resulta num

aumento da pressão telediastólica, aumento da pressão na parede ventricular, ocorrendo

síntese e libertação de BNP com consequente elevação da sua concentração

plasmática.38

i.BNP e Insuficiência Cardíaca

Os péptideos natriuréticos permitem o diagnóstico laboratorial de insuficiência

cardíaca clinicamente significativa e

relacionam-se diretamente com a sua

severidade. As concentrações de

peptídeos natriuréticos no plasma

constituem biomarcadores úteis para o

diagnóstico de IC e para o tratamento

de doentes com IC crónica

estabelecida. A concentração plasmática de BNP apresenta interesse no diagnóstico, na

definição da fase de evolução, decisão de internamento e identificação dos doentes em

risco de eventos clínicos. Um valor de BNP superior a 400 ng/ml é indicativo de IC

provável. 40

Figura 7 – Concentração média de BNP em

pacientes com IC, de acordo com a classificação

funcional NHYA. Fonte Daniels et al39

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 38

A figura 7 representa graficamente a relação entre a classe funcional NYHA e a

concentração plasmática de BNP.

A sua utilização em pacientes com quadro clínico de dispneia permite distinguir

causas cardíacas de causas não-cardíacas de dispneia. Um nível de BNP inferior a 100

pg/ml apresenta uma sensibilidade de 90% e especificidade de 76% para causas não-

cardíacas de dispneia.38

Para além da importância diagnóstica, o BNP apresenta-se como importante

biomarcador de prognóstico, estando a sua concentração na admissão associada a um

aumento do risco de morte ou readmissão aos 30 dias.11

O estudo REDHOT analisou

um coorte de 464 pacientes apresentando-se na urgência com sintomas sugestivos de

insuficiência cardíaca congestiva, sendo 68.3% desses pacientes internados. A taxa de

eventos aos 90 dias foi de 9% para os pacientes admitidos com níveis de BNP inferiores

a 200 pg/mL, em comparação com 29% naqueles admitidos com níveis de BNP

superiores a 200 pg/mL. Estes valores mostram que o prognóstico está não só

relacionado com a classificação funcional NHYA, mas também com o valor de BNP. 11

Segundo o estudo ADHERE, o valor de BNP também está relacionado com a

mortalidade. Num estudo com 77.467 pacientes, em 48.629 (63%) foram determinados

os valores de BNP às 24 horas de apresentação. A mortalidade no geral foi de 3.6%,

contudo o risco aumentou 3 a 4 vezes com base nos níveis de BNP à admissão, o que

por sua vez sugere que o risco de mortalidade intra-hospitalar pode ser estimado

utilizando os níveis de BNP à admissão hospitalar.41

Assim, o BNP poderá apresentar interesse na abordagem terapêutica do paciente

com insuficiência cardíaca aguda, indicando a evolução da doença e permitindo

preservar a função renal. 11

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 39

ii. BNP e Doença Renal

A associação entre os níveis de NPs e a função renal é complexa. No contexto de

disfunção renal o aumento da concentração de NPs pode estar associado ao aumento da

pressão auricular, pressão sistémica ou massa ventricular.38

Em pacientes com diminuição da função renal a concentração de NPs está

aumentada, havendo uma correlação entre a taxa de filtração glomerular e a

concentração de BNP. 38

Esta relação inversa entre a concentração de NPs e a função

renal pode estar relacionada com a diminuição da clearance renal de BNP, contudo,

estudos recentes sugerem que a concentração dos peptídeos natriuréticos em pacientes

com insuficiência renal pode estar relacionada com a severidade da doença cardíaca. 42

b. NT-proBNP

Tal como o BNP o NT-proBNP é secretado pelos miócitos dos ventrículos em

resposta à diminuição da pressão sanguínea e do débito cardíaco, apresentando contudo

um tempo de semivida mais longo (120 minutos).39

Na tabela 6 encontram-se resumidas

as diferentes características do BNP e do NTproBNP.

A sua utilização no diagnóstico e estratificação do risco parece ter maior

interesse que a

utilização do BNP,

visto que fatores como

a disfunção renal, idade

ou doença pulmonar

influenciam os valores

de BNP. Um valor de

NT-proBNP superior a

Tabela 6 – Diferentes caraterísticas fisiológicas do BNP e do

NT-proBNP. Adaptado de Daniels et al 39

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 40

2000 pg/ml indica IC provável.40

Num estudo com 720 pacientes com insuficiência cardíaca aguda, a TFG e o

NT-proBNP foram utilizados como indicadores da mortalidade aos 60 dias, estando um

aumento do NT-proBNP, da TFG e da creatinina sérica (superior a 0.3 mg/dl)

associados a pior prognóstico. Para além disso, o estudo demonstrou que a concentração

de NT-proBNP à admissão combinada com a TFG (inferior a 60 ml/min por 1.73 m2)

apresentava maior valor prognóstico em relação ao valor da creatinina sérica.43

Outro estudo demonstrou que embora os níveis de NT-proBNP não determinem

a etiologia da insuficiência cardíaca aguda (isquémica/não isquémica), sugerem a

gravidade da IC. Assim, a elevação do NT-proBNP não sendo específica, reflete um

espectro de alterações, nomeadamente, deterioração hemodinâmica, tensão da parede do

miocárdio, isquémica do miocárdio, alterações do volume e da função renal.11

c. Troponinas

As troponina I, T C são responsáveis pela regulação da interação actina-miosina.

A sua libertação para a circulação ocorre quando há lesão cardíaca.11

A determinação da troponina I ou T deve ser realizada no caso de suspeita de IC

quando a situação clinica sugere a presença de síndrome coronária aguda (SCA). O

aumento das troponinas cardíacas é indicador de necrose dos miócitos. Na miocardite

aguda também se verifica um aumento do nível das troponinas.11

Também pode ocorrer

aumento ligeiro das troponinas cardíacas com IC severa ou descompensada em doentes

que não apresentam sinais de isquémica miocárdica por SCA. 40

A elevação das troponinas é um forte indicador de prognóstico de IC,

especialmente se associado a níveis elevados de peptídeos natriuréticos. Alguns

investigadores acreditam que existe uma forte relação entre os níveis das troponinas

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 41

cardíacas e a função renal. No caso de IC com apresentação aguda, os níveis de

troponina podem indicar inflamação ou lesão dos miócitos e agravamento da função

renal.11

Adicionalmente, os valores de troponina sérica mantêm-se elevados no sangue

por um período de tempo mais longo que a creatinina cinase MB (CK-MB), creatina

cinase ou mioglobina, devido ao seu tempo de semi-vida mais longo, o que permite um

período de diagnóstico alargado. A sua utilização em doentes com IC aguda de causa

isquémica, pode permitir um melhor controlo dos pacientes com IC aguda e

insuficiência renal. 11

Kitagawa et al. demonstraram que os níveis de troponina T associados a valores

de BNP apresentavam valor prognóstico nos pacientes com IRC e disfunção diastólica,

relacionando-se com a maior probabilidade de ocorrência de diminuição da fração de

ejeção ventricular esquerda.44

A utilização das troponinas cardíacas em pacientes com IC aguda apresenta

interesse diagnóstico e prognóstico, contudo, ainda é necessário explorar a sua

utilização em pacientes com insuficiência renal concomitante.38

4.2 Avaliação da função renal

a. Taxa de Filtração Glomerular (TFG)

A TFG constitui a principal medida da função renal, sendo condicionada pelo

fluxo sanguíneo renal. O método gold-standard para a sua medição é a espectrometria

de massa de diluição de isótopos. Contudo, na maioria das circunstâncias clínicas o

nível de sérico de creatinina é utilizado para estimar a TFG.45

Duas equações permitem determinar a TFG a partir do valor da creatinina sérica,

nomeadamente, a equação de Cockroft-Gault (C+G) e equação derivada do estudo

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 42

MDRD. Nenhuma destas equações é precisa, não diagnosticando uma proporção

considerável de casos de insuficiência renal à admissão hospitalar.46

Para além desta limitação diagnóstica, é importante referir que a fórmula de

C+G não se adapta à superfície corporal, embora se tenha em conta o aumento sérico da

creatinina, a idade e o sexo feminino. Os valores da TFG por vezes encontram-se

diminuídos ou muito aumentados em casos de transplante renal, pacientes obesos,

idosos, doença hepática e variações na massa muscular.46

b. Creatinina

A creatinina é um produto resultante da ação de uma cinase sobre a creatina

fosfato. A sua concentração é constante e diretamente relacionada com os níveis de

turnover musculo-esquelético.47

A creatinina é filtrada livremente a nível do glomérulo, dependendo a sua

eliminação da taxa de filtração glomerular. Devido à secreção tubular, a creatinina

sérica geralmente sobrestima a TFG, principalmente quando esta está diminuída.47

A medição da creatinina na urina pode ser utilizada de duas formas. Uma delas

permite ajustar os valores de proteinúria de acordo com a diluição/concentração da

urina. Outra forma, é utilizada para determinar o clearance de creatinina, baseando-se na

diferença entre a sua concentração sérica e urinária, o que reflete a filtração

glomerular.47

Diferentes parâmetros são utilizados para definir a IRA, nomeadamente, azoto

ureico, creatinina, débito urinário, ou uma combinação destes. Em 2004, o Acute

Dialysis Quality Initiative Group publicou uma classificação denominada de RIFLE

(risk, injury, failure, loss, end-stage renal disease). Esta classificação definiu três graus

de severidade com base nos valores da creatinina sérica e débito urinário. A nova

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 43

classificação RIFLE (figura 8) permite identificar e classificar a IRA em diferentes

estudos e apresenta valor prognóstico.4

Na SCR tipo 1, o diagnóstico precoce de IRA permanece um desafio.

Biomarcadores clássicos como a creatinina podem ser utilizados, contudo o seu

aumento ocorre quando a IRA está estabelecida.2

Em pacientes submetidos a terapêutica de intervenção coronária percutânea ou

cirurgia cardíaca, um pequeno aumento da creatinina sérica (>0.3 mg/dl) está associado

a aumento do tempo de hospitalização e mortalidade. Assim, a creatinina surge não só

como marcador da severidade da doença, indicando também a associação entre a IRA e

a progressão da lesão cardíaca devido à ativação de vias neurohormonais, imunológicas

e inflamatórias.2

c. Proteinúria

A albumina é a proteína mais abundante do plasma sanguíneo, sendo

responsável pela manutenção da pressão oncótica. A presença de albumina na urina,

albuminúria, resulta da lesão da membrana basal do glomérulo. Embora a proteinúria

seja frequentemente relacionada com a nefropatia diabética, esta também pode estar

associada à HTA, dislipidémia, glomerulonefrite, hábitos tabágicos, obesidade,

síndrome metabólico e antecedentes de enfarte agudo do miocárdio.48

Figura 8 – Classificação de RIFLE. sCr – creatinina sérica, TFG – taxa de filtração

glomerular, DU – débito urinário. Adaptado de Bagshaw et al 6

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 44

Cerca de 7.2% da população apresenta microalbuminúria, ao excluirmos

indivíduos com diabetes e HTA, esta contínua presente em 6.6% da população.

Independentemente da presença de diabetes, a existência de microalbuminúria é um

fator de risco estabelecido para doença cardiovascular e aumento da mortalidade.48

A microalbuminúria define-se como concentrações entre 30 a 300 mg por grama

de creatinina. Quando superior a 300 mg por grama de creatinina é considerado

macroalbuminúria.48

Recentemente tem sido investigada a incidência de albuminúria em pacientes

com insuficiência cardíaca e o seu valor prognóstico. Num estudo com 1349 pacientes

com IC classe II a IV de NYHA, a prevalência de microalbuminúria e

macroalbuminúria era de 30% e 11%, respetivamente. A albuminúria estava também

associada a história de HTA, diabetes, doença cardiovascular, fibrilhação auricular e

IRC.49

Num outro estudo com 5010 pacientes com IC estável e FEVE<40%, concluiu-

se que a proteinúria estava associada a um aumento da pressão sistólica e diastólica,

aumento do volume sanguíneo com sinais de insuficiência cardíaca congestiva,

ortopneia, dispneia paroxística noturna. A existência de proteinúria associada ou não a

IRC estava associada a uma maior morbilidade e hospitalização por complicações da IC

do que em pacientes sem proteinúria com ou sem IRC.48

A proteinúria/albuminúria é atualmente um marcador de lesão renal, contudo a

sua utilização como biomarcador de IC ainda não apresenta um papel definido. O que

pode ser explicado pela falta de evidência de que ao diminuir a proteinúria melhora-se o

prognóstico da IC. 47

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 45

4.3 Novas perspetivas diagnósticas

A importância de biomarcadores sensíveis, específicos e principalmente de

critérios de diagnóstico para IRA, é desde cedo conhecida. O problema reside na

caraterização da lesão renal, ou seja, na diferenciação entre lesão funcional ou lesão

tubular. 50

Embora a creatinina seja comummente utilizada como biomarcador de lesão

renal, a sua utilização representa um diagnóstico de IRA tardio.50

Com efeito, quando a

função renal começa a declinar, a lesão renal já ocorreu, assim o interesse de novas

moléculas surge no contexto de identificar precocemente a lesão renal e evitar a sua

progressão para insuficiência renal aguda e posterior dano estrutural e funcional.50

A

criação de um painel de biomarcadores (figura 9) poderia ter interesse na orientação da

abordagem clínica do paciente com SCR, contudo, ainda nenhum painel foi validado

para uso clínico.46

Figura 9 – Painel de Biomarcadores. Associação cronológica entre o aumento da SCr e os

novos biomarcadores. Adaptado de Iyngkaran et al 46

.

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 46

a) Cistatina C ou Cystatin C (Cys-C)

É uma proteinase endógena, com peso molecular de 13-kDa. É filtrada

livremente através da membrana glomerular, e completamente catabolizada nos túbulos

proximais. Assim sendo, a presença de cistatina C na urina resulta da disfunção tubular

ou de doença intersticial, podendo ser medida no soro e na urina. Por estas razões tem

sido proposto para detetar alterações precoces da TFG.27

Fisiologicamente a cistatina C é um modulador da inflamação e os seus níveis

séricos relacionam-se com a proteína C reativa e terapia imunossupressora, contudo os

seus níveis podem elevar-se independentemente da PCR, o que necessita de

esclarecimento.46

Possivelmente a diabetes, patologia tiroideia, glucocorticoides em

elevados doses e potencialmente a presença de doenças cardiovasculares leva a um

aumento da cistatina C superior ao que seria de esperar em relação à TFG.46

Em pacientes que realizaram bypass cardiopulmonar, a cistatina C urinária

apresentou uma sensibilidade que variou de 13 a 97% e uma especificidade entre 40 e

97%. Em pacientes internados em unidade de cuidados intensivos (UCI) a elevação da

concentração de cistatina C urinária estava associada a IRA, sépsis e mortalidade em 30

dias.51

Na insuficiência cardíaca congestiva a cistatina C demonstrou-se superior à

creatinina sérica, estendendo-se o seu interesse à insuficiência cardíaca descompensada.

A cistatina C também reflete lesão no músculo cardíaco, disfunção ventricular sistólica

e diastólica e é um preditor independente de prognóstico a longo prazo.51

A sua

vantagem sobre a creatinina consiste na sua sensibilidade para determinar pacientes com

IR. Outros benefícios parecem estar relacionados com a sua capacidade de prever

eventos cardiovasculares em indivíduos com risco intermédio. A combinação da

cistatina C, troponina T e NT-pro-BNP fornece uma melhor estratificação do risco

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 47

cardiovascular. Como tal, a Cistatina C não deve ser interpretada como marcador

exclusivo da TFG.36

No contexto de SCR agudo, Lassus et al 7 demonstrou que um aumento da

cistatina C > 0.3 mg/dL apresentava elevada especificada e sensibilidade para o

diagnóstico de IRA.

b) Lipocalina associada a gelatinase neutrófilos ou Human neutrophil

gelatinase-associated lipocalin (NGAL)

O NGAL é uma proteína ligada à metaloproteinase-9 (MMP-9) com peso

molecular de 25kD. Esta molécula é resistente a polipeptídeos, tendo sido inicialmente

identificada ligada à gelatinase em grânulos específicos dos neutrófilos. O NGAL é uma

lipocalina siderófora, sendo denominado também por lipocalina-2 ou siderocalina.55

Esta proteína é membro da superfamília de lipocalinas e está envolvida na lesão renal de

etiologia isquémica e nos processos regenerativos. Para além disso, participa no

transporte de substâncias lipofílicas (como por exemplo vitamina E e ácido

araquidónico), regula o transporte de ferro renal e está envolvido na diferenciação das

células epiteliais tubulares renais.36

A elevação sérica de NGAL está associada a situações em que ocorre inflamação

crónica, estando implicada na anemia associada à IRC. O NGAL é expresso durante o

desenvolvimento embrionário dos rins e também aquando da reparação renal em

adultos. Após lesão renal o mRNA do NGAL é transcrito nas células tubulares da ansa

ascendente de Henle e no ducto coletor. Os níveis séricos e na urina estão aumentados

24h após lesão.48

Os níveis de NGAL urinários estão aumentados em diferentes

patologias renais, incluindo doença poliquística renal, nefropatia IgA, nefropatia

associada a VIH e infeções do trato urinário (ITU’s). Em pacientes com IRA

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 48

desencadeada por sépsis severa, que necessitam de terapêutica de substituição renal, o

NGAL urinário encontra-se significativamente elevado, em comparação a pacientes sem

progressão para insuficiência renal aguda.48

O NGAL apresenta capacidade discriminativa entre modificações funcionais

induzidas por alterações do volume e a verdadeira lesão renal. Contudo, devido à sua

cinética dinâmica ainda é difícil definir um cut-off ótimo e o intervalo de tempo em que

as determinações devem ser realizadas. Como tal, é de grande importância definir

valores e intervalos de tempo para determinação do NGAL durante a evolução clínica.50

A associação entre NGAL e lesão renal foi identificada pela primeira vez em

roedores, através de modelos de isquémia e reperfusão, tendo ocorrido maior expressão

do mRNA do NGAL e consequente aumento no plasma e na urina, detetado 24 a 48

horas antes da deteção da creatinina sérica.50

Os mesmos resultados foram obtidos

utilizando o modelo de lesão induzida por nefrotóxicos (cisplatina). Assim o NGAL

apresenta-se como um dos biomarcadores mais adequado para a deteção de necrose

tubular aguda (NTA) e nefropatia induzida por contraste (NIC). Os valores de NGAL

em pacientes transplantados permitem avaliar a função do rim transplantado e a

necessidade de diálise.50

Os valores podem ser modificados por diferentes patologias, tais como, infeção

do trato urinária, sépsis, doença renal pré-existente, demonstrando contudo elevada

sensibilidade e especificidade.50

i. NGAL e SCR tipo 1

Num estudo realizado com 91 pacientes com insuficiência cardíaca

descompensada, um valor aumentado de NGAL à admissão hospitalar estava associado

com um aumento do risco de subsequente desenvolvimento de SCR tipo 1.52

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 49

Especificando, valores à admissão iguais ou superiores 140 ng/ml estavam associados a

um risco 7.4 vezes superior de agravamento da função renal, com uma especificidade e

sensibilidade de 86% e 54%, respetivamente.52

Outro estudo recente também demonstrou a importância do NGAL na deteção

do SCR tipo 1 em pacientes com insuficiência cardíaca aguda. Um valor igual ou

superior a 170 ng/ml de NGAL previa o desenvolvimento de SCR tipo 1 em 48 a 72

horas, com uma sensibilidade de 100% e uma especificidade de 87%.38

O NGAL apresenta características para um biomarcador ideal de IRA, como

sejam: rapidamente libertado pelo nefrónio distal lesado (em modelos experimentais e

na doença humana); atinge concentrações plasmáticas e urinárias proporcionais à

gravidade e duração da lesão renal; a sua concentração rapidamente diminui com a

resolução do quadro; e pode ser rapidamente medido no plasma e na urina. Para além

disso, o NGAL parece desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento da IRA

inicial e no transporte local de ferro, fornecendo plausibilidade para o seu uso como um

marcador de insuficiência renal aguda.

Tendo em conta as características supracitadas, o NGAL sérico ou urinário tem

sido utilizado como biomarcador de IRA, pós-cirurgia cardíaca, pós cateterismo

cardíaco, na síndrome hemolítico-urémica e no transplante renal. Alguns estudos

recentes também estudaram o papel do NGAL como preditor de lesão renal em

pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Esses estudos, em contextos

clínicos diferentes, demonstraram o valor preditivo para o desenvolvimento de IRA,

através da análise do valor de NGAL.38

No contexto clínico de cirurgia cardíaca, um estudo piloto com uma amostra de

71 crianças, que realizaram cirurgia cardíaca para tratamento de doença cardíaca

congénita, demonstrou que o NGAL apresentava um excelente valor preditivo para

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 50

IRA. O diagnóstico de IRA através do NGAL ocorreu 2 horas após a realização da

cirurgia, enquanto o diagnóstico clínico através da creatinina sérica só foi possível após

24-48h. 36

No contexto de cirurgia cardíaca para revascularização coronária ou cirurgia

valvular, o valor preditivo apresentou um valor inferior, possivelmente devido à amostra

ser constituída por adultos, que apresentam diferentes co-morbilidades. Nestes estudos

após cirurgia cardíaca a concentração de NGAL foi proporcional ao grau de severidade

e duração da IRA.36

Outros estudos que avaliaram o NGAL no contexto de nefropatia induzida por

contraste, em 91 crianças que realizaram angiografia coronária, demonstraram que os

valores urinários e séricos de NGAL elevaram-se 2h após a administração do contraste,

sendo o diagnóstico clínico por elevação da creatinina sérica apenas possível após 6-24h

da administração do contraste. O valor cut-off de NGAL urinário utilizado foi de 100

ng/mL.

De referir ainda, a associação entre o SCA e ICC, demonstrada num estudo com

91 doentes com insuficiência cardíaca aguda descompensada. Os doentes que

apresentaram concentrações de NGAL sérico elevado, à admissão, tiveram um maior

risco de desenvolvimento de insuficiência renal aguda. Em particular, valores de NGAL

sérico > 140 ng/mL estavam associados a um risco 7.4 vezes maior de desenvolver IRA,

com uma especificidade de 86% e sensibilidade de 54%.36

Assim é possível concluir, que o NGAL apresenta importância clínica para o

diagnóstico precoce de IRA subclínica, em contexto de síndrome cardio-renal tipo 1,

mas também parece estar inversamente relacionado com a TFG em doentes com

insuficiência cardíaca crónica. Num pequeno estudo realizado, demonstrou-se que

níveis elevados de NGAL sérico estavam diretamente relacionados com uma clínica de

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 51

insuficiência cardíaca congestiva mais grave, sendo os níveis mais elevados detetados

em pacientes com classe IV NHYA.51

ii. NGAL e IRA subclínica

O conceito atual e diagnóstico da insuficiência renal aguda baseia-se no aumento

dos níveis séricos de creatinina, que indica uma diminuição da função renal. A lesão

renal aguda classifica-se assim de acordo com a classificação de RIFLE. Embora o

diagnóstico de acordo com esta classificação e baseado no aumento sérico dos níveis de

creatinina apresente importância no prognóstico, este é pouco sensível, surgindo cerca

de 24-48 horas quando comparado com o diagnóstico por novos biomarcadores.53

A creatinina sérica necessita de horas a dias para que ocorra uma elevação, como

tal o seu aumento no soro ocorre geralmente após uma perda de mais de 50% da função

renal, sendo para além disso a sua deteção afetada por inúmeros fatores.53

Uma análise de estudos multicêntricos prospetivos, Haase et al54

, que tinham

como objetivo evidenciar o papel dos níveis de NGAL no diagnóstico de IRA

subclínica, concluiu que o NGAL complementa a creatinina sérica no diagnóstico e

prognóstico de IRA subclínica. Para além disso, o estudo demonstrou que a positividade

do NGAL associa-se a um pior prognóstico, com maior incidência de morte,

necessidade de terapia de substituição renal, independentemente da existência de

elevação da creatinina sérica. Neste estudo, a incidência de IRA foi de 15-49%,

apresentando na maioria dos casos SCR.

c) IL-18

A interleuquina-18 é uma citoquina pró-inflamatória que induz a produção de

ITN-gama pelas células T e pelos linfócitos natural killer. É sintetizada como um

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 52

precursor inativo, que requer a clivagem por uma cisteina protease semelhante à IL-

1B.46

A IL-18 funciona tanto como um mediador como biomarcador da IRA

isquémica. Estudos demonstraram o seu aumento em pacientes com necrose tubular

aguda, azotemia pré-renal, sindrome nefrótico, IRC e ITU's.46

No casos de nefropatia induzida por contraste ou bypass cardiopulmonar, a

concentração urinária de IL-18 aumenta dois dias mais cedo que a creatinina sérica.

Mais especificamente, a concentração urinária de IL-18 aumento nas 4-6h após bypass

cardiopulmonar, aumenta 25 vezes mais às 12h e mantém-se aumentado até 48h após. A

IL-18 parece também prever a recuperação do enxerto e necessidade de diálise até 3

meses depois.48

Existe também evidência que a IL-18 contribuiu para a insuficiência

cardíaca e doença cardiovascular crónica, mas atualmente não existem estudos que

relacionem os níveis de IL-18 com o SCR.46

As principais preocupações na sua utilização prendem-se com a sua capacidade

discriminativa, nomeadamente, diferenciar se estamos perante um aumento relacionado

com a doença cardíaca ou com a lesão renal. Haase et al verificou que valores

aumentados de IL-18 no pós-operatório não apresentavam valor significativo na

identificação de pacientes que desenvolveram IRA, mas sim como marcador não

especifico de inflamação associada ao bypass cardio-pulmonar.46

Outros fatores que

podem alterar os seus níveis são a presença de doenças auto-imunes como o LES,

leucemias, sépsis no pós-operatório, doença hepática crónica e SCA. 46

Por outro lado,

os níveis séricos de IL-18 após cirurgia cardíaca não mostraram diferença em relação

aos pré-estabelecidos, o que sugere o seu papel na fisiopatologia da lesão renal

observada durante a isquémia/reperfusão, pelo que esta citoquina poderá apresentar

interesse como biomarcador da IRA.46

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 53

d) KIM-1 (Kidney Injury Molecule – 1)

A KIM-1 é uma proteína transmembranar sobre-expressa pelas células do túbulo

proximal após lesão isquémica ou por IRA nefrotóxica. Vários estudos mostraram que a

sua concentração urinária estava aumentada, predominantemente, no contexto de IRA

associada a isquemia, e não a IRA pré-renal, IRC ou nefropatia por contraste.46

Esta proteína parece desempenhar um papel importante na patogénese da lesão e

reparação das células tubulares. É um marcador sensível de lesão tubular e é

virtualmente indetetável no tecido de um rim normal, estando a sua expressão

aumentada nos casos de IRA, IRC e disfunção do rim transplantado, associada a lesão

tubulo-intersticial e inflamação. 46

A concentração urinária de KIM-1 está diretamente relacionada com a expressão

tubular de KIM-1, o que indica que a medição urinária desta proteína apresenta-se como

um promissor biomarcador de lesão tubulointersticial. Assim, esta proteína pode

apresentar interesse no prognóstico do transplante renal, prevendo a perda de enxerto. 54

A KIM-1 também prevê o prognóstico em diferentes formas de IRA,

apresentando interesse quando associado à TFG na insuficiência cardíaca crónica.

A primeira limitação deste biomarcador é o seu pico 12-24h após a agressão, o

que dificulta a sua utilização como um biomarcador precoce de IRA, contudo a

possibilidade de detetar a sua concentração urinária faz deste uma opção atrativa,

integrando um painel de diferentes biomarcadores, como sejam o NGAL e IL-18. 46

e) Proteínas de ligação de ácidos gordos (FABP - fatty acid-binding

proteins)

É uma família de proteínas citoplasmáticas, com 15-kDa de peso molecular.

Existem dois tipos, a cardíaca, localizada nas células tubulares distais e a do fígado,

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 54

expressa nas células tubulares proximais.51

Ambas foram sugeridas como

biomarcadores da lesão renal. O H-FABP tem sido estudado como marcador de

isquémia em dadores de rim. E a L-FABP tem sido estudada no contexto de doença

renal crónica, estadio final, tal como, na lesão renal após transplante renal, bypass

cardio-pulmonar e mais recentemente nos síndromes coronários.47

Em pacientes submetidos angiografia percutânea por angina instável, a

concentração urinária L-FABP aumentou significativamente após 2-4h do

procedimento, mantendo-se aumentado por 48 horas, não havendo aumento da

creatinina sérica durante o período do estudo.46

Em pacientes não diabéticos com IRC,

os níveis de L-FABP urinários estavam relacionados com a proteinúria e os níveis de

creatinina sérica. Nestes pacientes os níveis de L-FABP encontravam-se

significativamente mais aumentados nos pacientes com IRC moderada, que progrediram

para IRC severa. Neste caso, nem a creatinina sérica nem a proteinúria foram

discriminativas.46

Embora apresente interesse diagnóstico, são necessários mais estudos que

demonstram a capacidade do L-FABP determinar o desenvolvimento de IRA, tal como

determinar a evolução da IRC.47

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 55

Tabela 7 - Novos biomarcadores da função renal.

Abreviaturas: d- duração; S – severidade, D – morte; G – perda de enxerto; CIN – nefropatia induzida por contraste;

CPB – bypass cardiopulmonar; DGF – Rejeição do enxerto; NE – não elevado, NA – não avaliado; NT – não testado;

P – plasma; s – soro; Tx – transplante renal; HD – hemorragia digestiva; IRA – insuficiência renal aguda; SCA –

síndrome coronário agudo; ITU – infeção do trato urinário; NTA – necrose tubular aguda.

Biomarcador Fonte Soro/

Urina

Condições:

CPB, CIN, Tx,

ICU/Sepsis

Valores de referência/Cut-

off level †

Prognóstico/AUC CPB

CPB CIN Tx-

DGF ICU

Potenciais

fatores de

confusão

(aumento)

Indicações:

Tipo de

lesão renal

Creatinina Metabolismo

muscular

Todas 0.8-1.2 mg/dL (masculino)

0.6-0.9 mg/dL (feminino)

Prevê d, S, D em todas as

condições

Jovem,

masculino,

superfície

corporal,

ingestão

proteica

medicamentos,

exercício,

etnia.

Todas

TFG √

Todas

Todas

80-139 mL/min

64-99 mL/min

Prevê d, S, D em todas as

condições

Jovem,

masculino,

superfície

corporal,

ingestão

proteica

medicamentos,

exercício,

etnia, fórmula.

Todas

Azoto Ureico Metabolismo

proteico

Todas 7-20 mg/dL Prevê d, S, H, D em todas

as condições

Desidratação,

ingestão

proteica, HD,

medicamentos.

Todas

Proteinúria Albumina em

circulação

X

N/A,N/A,N/A,

N/A

<150 mg Não prevê condições

agudas.

Utilidade como marcador

de IRC

IRA,

febre,IRC

Estabelecer o

diagnóstico e

monitorizar a

resposta ao

tratamento.

Cys-C Inibidor da

proteinase da

cistina.

Sintetizada

por todas as

células

nucleadas.

(P/S)

Em estudo <50a - 0.53-0.92 mg/L;(M)

>50a – 0.58-1.02 mg/L; (M)

<0.95 mg/L >45 a <1.20

mg/L (F)

Prevê IRA em diferentes

contextos clínicos, mas

sem impacto no

prognóstico

Sexo, idosos,

Fumador,

Inflamação,

T4,

SCA,

Doença

coronária,

Doente crítico.

IRA( túbulo

proximal)

TFG

NGAL Proteína

transportadora

de ferro

sintetizada no

túbulo distal,

ducto coletor

√ P

Em estudo 190 ng/mL (soro)

20.5 ng/mL (urina)

d, S, H, D

d, S

d

d, S, H

Inflamação,

Neoplasia

maligna,

Sépsis,

Doença

coronária,

ITU

Isquémia,

Nefrotoxinas,

Sépsis,

Bypass

coronário,

Transplante

renal.

KIM-1 Glicoproteína

da membrana

celular,

localizada no

túbulo

proximal.

X

Em estudo 59-2,146 pg/mL NA

NT

G

H, D

CKD,

Neoplasia,

ITU

Isquémia

Nefrotoxinas,

Túbulo

proximal,

NTA

IL-18 Citoquina

Pró-

inflamatória

Túbulo

proximal

X

Em estudo

>75 pg/mL D

NE

D

D

Inflamação,

SCA,

ITU

Rejeição de

enxerto (Tx),

CIN,

Endotoxémia

Isquémia.

L-FABP

H-FABP

Túbulo distal

(fígado)

Túbulo

proximal(cora

ção)

X

X

Em estudo

486 ng/mg creatinina d,

d, S

G

S

Desconhecidos Isquémia,

Nefrotoxinas

(cisplatina),

Nefropatia

membranosa

idiopática,

IRC,

Sépsis,

Nefropatia

diabética

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 56

4.4 Imagiologia

A utilização de meios complementares de diagnóstico imagiológicos pode

fornecer informação adicional à fornecida pelos biomarcadores laboratoriais. Contudo, a

utilização de meios de contraste iodados, no contexto de SCR, deve ser evitado.2

A utilização da ultrassonografia no diagnóstico de condições clínicas

cardiovasculares e nefrológicas apresenta interesse na distinção dos diferentes tipos de

SCR. 55

O ecocardiograma permite avaliar o diâmetro da raiz da aorta, da aorta

ascendente e do arco aórtico, a área e volume das cavidades cardíacas, espessura da

parede cardíaca, fração de ejeção, fluxo transmitral, transtricúspide e transaórtico.55

A ecografia abdominal com doppler permite avaliar a morfologia dos rins,

bexiga, fígado e aorta, permitindo também avaliar o fluxo da veia cava inferior.

No caso da SCR tipo 1, este pode ter como causa a síndrome coronária aguda,

ocorrendo IRA em 2-4% destes pacientes. Assim é importante determinar a existência

de IRA visto que para além de aumentar a mortalidade a curto prazo, aumenta o risco de

desenvolvimento de IC congestiva e mortalidade a longo prazo.55

Como tal, é

necessário reconhecer esta forma de SCR e trata-la englobando os aspetos cardíacos e

renais. Assim, a utilização de ultrassonografia no SCR tipo 1 pode permitir o

diagnóstico e também a monitorização dos seguintes parâmetros durante o seguimento:

contractilidade cardíaca anormal (o que indica a condição de isquémia) e hipertrofia

ventricular; estenose ou insuficiência valvular (particularmente nos casos de endocardite

ou rotura valvular); dilatação da aurícula direita (imagem 1); derrame pericárdico;

colapso inspiratório normal da veia cava (o que exclui hipervolémia severa) e aneurisma

ou disseção da aorta.55

Para além disso, a ultrassonografia permite distinguir a SCR tipo

1 dos outros tipos. A avaliação das dimensões e ecogenicidade do rim permite

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 57

distinguira a nefropatia aguda da crónica. Importante referir que o diâmetro longitudinal

e volume relacionam-se com o peso e superfície corporal do doente, e que o volume do

rim normal ou aumentado não exclui insuficiência renal crónica, como é o caso da

nefropatia diabética. Contudo, um córtex renal hiperecogénico com região medular

hipoecogénica e um baixo índice cortico-medular é sugestivo de nefropatia crónica

(imagem 2).55

Por outro lado, o córtex renal hiperecogénico é também sugestivo de necrose

tubular aguda ou nefrite por LES. Nestes casos, o aumento do volume de parênquima

renal pode sugerir edema e situação aguda.55

A aplicação destas técnicas de imagem não-invasivas também poderá apresentar

interesse na quantificação do fluxo sanguíneo renal, permitindo a monitorização da

terapêutica e a sua otimização de modo a preservar a função renal.1

4 Estratégias terapêuticas para a SCR-1

O tratamento do SCR tipo 1 permanece um desafio, não existindo consenso

acerca da melhor abordagem terapêutica. Concorda-se porém que a preservação da

função renal apresenta a mesma prioridade que a manutenção da função cardíaca.1

Imagem 2 - Doença renal crónica

estadio final (hiperecogenicidade do

córtex renal e diminuição do índice

cortico-medular).

Imagem 1 - Dilatação da aurícula direita

em contexto de insuficiência cardíaca

aguda.

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 58

Na SCR tipo 1 é clinicamente importante definir como é que o aparecimento da

lesão renal aguda afeta o tratamento da insuficiência cardíaca aguda.8

5.1 Diuréticos

O papel da terapêutica diurética é controverso, tendo vários estudos revelado que

doses elevadas de diuréticos estão associadas a morte súbita e falência da bomba.

Contudo, é difícil definir se tal se deve às doses elevadas de diuréticos ou se por se

utilizarem estas doses em doentes clinicamente mais graves.8

Como a terapêutica diurética pode piorar a função renal e o agravamento da

função renal está associado a pior prognóstico, a resistência aos diuréticos pode ser

considerada indicador de mau prognóstico. A resistência aos diuréticos é a incapacidade

de diminuir o volume em pacientes com IC agudamente descompensada, mesmo com o

aumento gradual das doses de diuréticos. A curva dose-efeito dos diuréticos é sigmóide,

o que significa que para cada doente existe uma dose máxima de diurético acima da

qual não há aumento da resposta terapêutica. Ambas a IC e IR influenciam a curva

dose-efeito dos diuréticos.56

A IR desvia a curva para a direita e a insuficiência cardíaca

desvia a curva para a esquerda e para baixo. Este efeito não condiciona apenas o

aumento da dose de diurético para obter a mesma resposta terapêutica, mas também

diminui a resposta máxima que pode ser atingida.8 Esta resistência deve-se à

insuficiência renal, edema mesentérico e aumento da reabsorção de sódio a nível do

túbulo distal. Em pacientes com IC crónica a resistência aos diuréticos pode estar

associada a alterações estruturais e alterações funcionais a nível dos túbulos renais.

Diferentes estratégias têm sido utilizadas para controlo da volémia em pacientes com

resistência a diuréticos, como perfusão contínua de diuréticos, associação de terapêutica

vasodilatadora, monitorização invasiva da hemodinâmica, ultrafiltração.57

Para além

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 59

disso, durante a terapêutica com diuréticos deve ser monitorizado o balanço entre o

excesso de congestão e a hipotensão, avaliação de depleção de eletrólitos e arritmias. 56

Assim na ausência de evidência definitiva, doentes com hipervolémia devem

receber terapêutica com diuréticos para alívio dos sintomas, tendo em conta que na SCR

tipo 1 a resposta a esta terapêutica está diminuída. Neste caso, os diuréticos da ansa são

a escolha mais adequada, já que os diuréticos tiazídicos não são efetivos em doentes

com TFG inferior a 30 ml/min.57

Para além disso, os doentes com IC apresentam

diminuição da absorção oral dos diuréticos, particularmente a furosemida, por

hipoperfusão e edema intestinal, sendo a sua administração intravenosa mais eficaz. 8

Os diuréticos da ansa ligam-se às proteínas plasmáticas e têm de ser ativamente

secretados pelo túbulo contornado proximal. Na hipoalbuminémia grave como o

fármaco não se liga à albumina plasmática há um aumento do seu volume de

distribuição à custa do volume extracelular, o que diminui a sua disponibilidade a nível

renal. Apesar de intuitiva, a administração de albumina não provou ser uma estratégia

eficaz. 8

Na tabela 8 encontra-se um algoritmo desenvolvido pelo Heart Failure Clinical

Trials Network que tem como principal objetivo orientar a abordagem terapêutica no

paciente com SCR agudo.58

a) Diuréticos da ansa – furosemida

Os diuréticos da ansa atuam a nível do ramo ascendente espesso da ansa de

Henle, inibindo a reabsorção de sódio, cloro e potássio.59

O seu local de ação principal é

a superfície luminal das células epiteliais, pelo que têm de alcançar a urina para serem

efetivos. Os diuréticos de ansa apresentam um tempo de semivida de 1.5h e uma

duração de ação de 6h60

.

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 60

Na insuficiência renal, a secreção de furosemida está reduzida devido à

acumulação de aniões orgânicos endógenos, competindo com os diuréticos pelos locais

de ligação ao transportador de aniões. Para além disso, embora a biodisponibilidade se

mantenha, o pico de concentração urinária está reduzido e ocorre mais tarde, o que

resulta num efeito diurético menos potente.61

Como já foi referido os diuréticos da ansa apresentam um tempo de semivida

curto, o que resulta numa retenção de sódio pós-diurese e na reabsorção de sódio em

segmentos distais do nefrónio. Tendo isso em conta, a administração mais frequente ou

a perfusão contínua, resolve o primeiro problema, e adicionalmente, a terapêutica

concomitante com diuréticos tiazídicos resolve o segundo.62

A dose standard da furosemida é de 20-400 mg por dia. Estando a sua utilização

contraindicada no caso de anúria, hiponatrémia, hipovolémia com ou sem hipotensão,

encefalopatia hepática.59

Alterações laboratoriais como desequilíbrio eletrolítico, com

Tabela 8 – Algoritmo – Tratamento farmacológico por degraus. DU – débito urinário; PAS –

pressão arterial sistólica; FE – fração de ejeção; DAVE – dispositivo de assistência do ventrículo

esquerdo. Adaptado Bart et al 58

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 61

aumento do risco de arritmias, hiperglicemia, glicosúria e hiperuricemia são possíveis

complicações do uso de diuréticos da ansa.59

b. Diuréticos tiazídicos e tiazídicos-like

Os diuréticos tiazídicos bloqueiam a reabsorção de aproximadamente 5-10% do

sódio filtrado a nível do túbulo contornado distal, apresentando um efeito natriurético

fraco e não sendo tão eficazes em monoterapia em doentes com insuficiência cardíaca.61

Como referido, a sua utilização em monoterapia é ineficaz para TFG inferiores a 30

mL/min. A associação de diuréticos da ansa a diuréticos tiazídicos pode melhorar a

diurese.61

A metolazona apresenta um efeito na diurese idêntico ao dos diuréticos

tiazídicos, contudo ao contrário destes, pode ser utilizado em pacientes com TFG

inferior a 20 mL/min.59, 61

c. Perfusão contínua de diuréticos

Como referido, um dos problemas da terapêutica com diuréticos da ansa é o

aumento da concentração de sódio entre as administrações de furosemida. A perfusão

contínua de diuréticos da ansa é uma opção terapêutica que pode resolver este problema,

com melhoria da natriurese e do débito urinário em relação a pacientes tratados com

bólus de furosemida.8

Um estudo com doentes submetidos a terapêutica com perfusão contínua de

diuréticos da ansa demonstrou que estes apresentavam melhoria da diurese, sem

desenvolvimento de SCR e diminuição do tempo de internamento.63

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 62

Mais recentemente o estudo DOSE-AHF (Diuretic Optimization Strategies in

Acute Heart Failure) sugeriu que a utilização de diuréticos de ansa em perfusão

contínua não era superior à administração por bólus de furosemida.64

A análise desse

estudo concluiu que o benefício de bólus de furosemida versus perfusão contínua de

diuréticos da ansa depende da dose utilizada no ambulatório. Pacientes com

insuficiência cardíaca tratados em ambulatório com doses de furosemida superiores a

120 mg podem beneficiar da administração de bólus de furosemida, com maior

depleção do volume às 72h, quando comparados com o tratamento com perfusão

contínua (figura 10). 64

Assim, são necessários estudos que permitam a identificação de grupos de

doentes que podem beneficiar do tratamento com bólus e do tratamento com perfusão

contínua.

d. Diuréticos associados a terapêutica vasodilatadora

A abordagem terapêutica e prevenção do SCR tipo 1, no contexto de IC aguda

descompensada ou choque cardiogénico é muitas vezes empírica porque muitas da

estratégias terapêuticas utilizadas para aliviar os sintomas congestivos ou de isquémia

(diuréticos, vasodilatadores e morfina) não foram estudados rigorosamente.8

Figura 10 – Avaliação da perda de líquidos às 72h, tendo em conta a dose de furosemida e o

modo de administração (bólus ou infusão continua). Fonte: Shah et al 64

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 63

Embora estratégias para melhorar o débito cardíaco e a perfusão renal sejam

importantes, recentemente o aumento da pressão venosa central, aumento da pressão

intra-abdominal e congestão renal têm sido implicados na abordagem terapêutica com

diuréticos e vasodilatadores.

Como já foi referido, a utilização de altas doses de diuréticos tem sido implicada

no agravamento da função renal e pior prognóstico, pois embora apresentem eficácia no

alívio sintomático, estes também aumentam a atividade do eixo neurohumoral,

diminuem a função ventricular esquerda, aumentam a resistência vascular sistémica e a

atividade da renina e aldosterona plasmáticas.

A nitroglicerina fornece óxido nítrico, sendo utilizada no alívio sintomático dos

pacientes com IC aguda descompensada. A sua ação é dose-dependente, pelo que

quando utilizada em baixas doses causa venodilatação, diminui as pressões de

enchimento cardíaco e diminui a necessidade de oxigénio pelo miocárdio. Em elevadas

doses, diminuiu a pós-carga e aumenta o débito cardíaco. Assim, os nitratos diminuem

eficazmente a congestão pulmonar e a sua utilização em combinação com baixas doses

de diuréticos tem provado ser mais eficaz do que doses elevadas de diuréticos

isoladamente.57

A dose de nitratos deve ser titulada cuidadosamente para produzir vasodilatação

ótima, pois a vasodilatação excessiva e inapropriada produz declínio rápido da pressão

arterial, que resulta em ativação reflexa do SNS com taquicardia e ativação do SRAA e

consequente retenção de fluídos.8 Adversamente pode surgir hipotensão e tolerância aos

nitratos 57

, especialmente quando estes são administrados por via endovenosa e em altas

doses, o que limita a duração do efeito de 24-48 horas e com necessidade de

monitorização hemodinâmica.8

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 64

O nitroprussiato de sódio atua a nível do músculo liso vascular causando

dilatação arterial e venosa. Tal como no caso da nitroglicerina, a sua utilização está

reservada para doentes com pressão arterial normal, com evidência de aumento da pré-

carga, pós-carga e congestão pulmonar e venosa. No caso de pacientes com IR, a sua

utilização está limitada pelo fato de haver acumulação do tiocianato.57

e. Solução salina hipertónica associada a diuréticos

No caso de insuficiência cardíaca refratária à terapêutica com diuréticos, no

contexto de SCR, foi colocada a hipótese intuitiva de combinar o tratamento de doses

elevadas de diurético com a infusão de uma solução salina hipertónica.65

Um estudo comparou um grupo de pacientes tratados com solução salina

hipertónica (concentração de sódio entre 1.4% a 4.6% de acordo com os níveis de sódio)

associada a furosemida (500 mg – 1000 mg, 2id) a outro grupo tratado com as mesmas

doses de furosemida mas em bólus. Verificou-se que o grupo tratado com solução salina

hipertónica apresentava melhoria clinica mais rapidamente, menor taxa de readmissão e

manutenção da classe funcional anterior à admissão. Outras medidas foram associadas a

esta terapêutica, como restrição de sódio da dieta (2.8 g/d), restrição de fluídos (1 L/d).65

Posteriormente outros estudos confirmaram que esta terapêutica estava associada a

menor tempo de hospitalização, menor incidência de disfunção renal e menos efeitos

adversos. 66

Estas considerações sugerem que uma terapêutica combinada com solução salina

hipertónica e doses elevadas de furosemida pode ser eficaz no tratamento de

insuficiência cardíaca refratária ao tratamento. Os mecanismos fisiológicos associados a

esta terapêutica são o fato da concentração elevada de sódio associar-se ao aumento do

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 65

preenchimento vascular, diminuição da resistência vascular, aumenta a pré-carga e

inibir as hormonas vasoconstritoras.66

5.2 Ionotrópicos

Quando a função renal está comprometida devido à isquemia aguda do

miocárdio com consequente diminuição do débito cardíaco e ativação de citoquinas com

processo inflamatório, todos os esforços devem ser realizados na tentativa de limitar a

lesão do miocárdio, preservar o fornecimento de oxigénio e evitar a ativação da cascata

inflamatória. Em casos extremos de diminuição do débito cardíaco pode ser necessário

o tratamento com ionotrópicos positivos, nomeadamente dobutamina ou inibidores da

fosfodiesterase.8

Os ionotrópicos aumentam a contractilidade e são um componente fundamental

no tratamento da insuficiência cardíaca com baixo débito, que se manifesta como

choque cardiogénico. Os ionotrópicos melhoram a hemodinâmica num curto espaço de

tempo, mas aumentam o risco de eventos adversos (agravamento da lesão miocárdica,

arritmias) e de mortalidade.8

O levosimendan por exemplo, é um inibidor da

fosfodiesterase com atividade lusitrópica (sensibilizador de cálcio), que melhora a

perfusão renal, e num pequeno estudo randomizado mostrou melhorar a TFG às 72h em

45.5% dos casos. Este resultado não foi confirmado pelo estudo SURVIVE (Survival of

Patients With Acute Heart Failure in Need of Intravenous Ionotropic Support) e embora

atualmente as guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia incluam a utilização de

levosimendan, o seu papel no tratamento da SCR ainda não está definido.67

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 66

5.3 Novos fármacos

a. Análago dos Péptideos Natriuréticos

O nesiritide é um análogo sintético do BNP (peptídeo natriurético do tipo B),

que diminui a pré-carga, pós-carga e a resistência vascular pulmonar, aumentando o

débito cardíaco na IC descompensada. Atua também a nível renal, havendo aumento da

diurese com alívio rápido dos sintomas congestivos na IC, como seja a dispneia.57

Contudo, estudos sobre os seus efeitos a nível renal e a sua segurança são

contraditórios. Uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados concluiu que a

utilização de nesiritide não prevenia o desenvolvimento de SCR tipo 1, aumentando

pelo contrário o risco de agravamento da função renal. Outro estudo, duplamente cego,

com grupo de controlo placebo, estudou o tratamento com nesiritide em pacientes com

IC descompensada e diminuição da função renal associada, não havendo impacto

negativo sobre a função renal. 68

Embora a utilização segura de nesiritide ainda não esteja definida, existem

estudos que têm como objetivo estabelecer o seu papel no tratamento da IC

descompensada, nomeadamente o estudo ASCEND-HF (Acute Study of Clinical

Effectiveness of Nesiritide in Descompensated Heart Failure). Neste estudo verificou-se

que o nesiritide apresenta um efeito superior ao placebo no volume expiratório máximo,

o que se associa a uma melhoria do quadro clínico de dispneia.69

b. Antagonistas dos recetores da vasopressina

A vasopressina, hormona antidiurética, é secretada pela hipófise em resposta à

hiperosmolaridade, à depleção do volume, à angiotensina II e à estimulação simpática,

sendo a sua atividade mediada por três tipos de recetores: V1A (vascular), V2 (renal) e V3

(pituitária).8

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 67

O recetor V1A existe nas células musculares lisas vasculares renais, induzindo

vasoconstrição, e a nível dos cardiomiócitos promovendo a síntese de proteínas

contrácteis e aumentando a resistência vascular com efeito ionotrópico positivo.66

O

recetor V2 existe nos túbulos contornados distais e no ducto coletor. Quando a

vasopressina se liga a estes recetores é ativada uma cascata com aumento dos níveis

intracelulares de adenosina monofosfato cíclica, via adenil ciclase. Esta molécula atua

como segundo mensageiro na translocação de vesículas que contêm canais de água

denominados aquaporinas-2. A atividade destes canais, mediada pela vasopressina,

promove o transporte água através da membrana apical dos ductos coletores renais.

Assim, a ativação da aquaporina-2 leva ao aumento da permeabilidade da água. 66

Pacientes com insuficiência cardíaca apresentam níveis aumentados de vasopressina em

consequência da diminuição da pressão arterial e do volume.66

O tolvaptan é um antagonista específico dos recetores V2 administrado por via

oral e o Conivaptan é um antagonista dos recetores V1A e V2, e pode ser administrado

por via oral ou intravenosa.8

Estes fármacos têm demonstrado eficácia na redução do peso pela indução de

aquarese (diurese com retenção de eletrólitos), mediada pela inibição de V2, e melhoria

hemodinâmica em doentes com insuficiência cardíaca. O efeito antagonista ao nível dos

recetores V1A aumenta o débito cardíaco, reduz a resistência arterial periférica, reduz a

pressão arterial média e inibe a hipertrofia dos cardiomiócitos induzida pela

vasopressina.70

Num estudo multicêntrico, controlado e aleatorizado realizado em 181 doentes

com insuficiência cardíaca grau III ou IV, divididos em dois grupos aos quais foi

administrado tolvaptan ou placebo, o tolvaptan revelou efeitos favoráveis, apesar de

modestos, nas pressões de enchimento associado a aumento significativo do débito

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 68

urinário (sem alterações na função renal).8 Contudo, a utilização de um antagonista

específico, ou seja do Tolvaptan, não é isenta de riscos. Isto porque o Tolvaptan é um

antagonista competitivo, impossibilitando a vasopressina de se ligar ao recetor V2 com

consequente aumento plasmático da vasopressina, atuando esta sobre o recetor V1A.6 O

excesso de vasopressina pode ainda induzir hiponatrémia, que se verifica em cerca de

20% dos doentes internados com insuficiência cardíaca agudamente descompensada, e

que parece representar um fator de mau prognóstico.8

c) Antagonistas dos recetores A1 da adenosina

Os níveis plasmáticos de adenosina estão aumentados na insuficiência cardíaca,

e aumentam com a gravidade da doença. O feedback tubuloglomerular promove a

libertação de adenosina, esta liga-se aos recetores A1 induzindo vasoconstrição da

arteríola aferente, diminuição do fluxo renal e consequentemente da TFG com aumento

da reabsorção do sódio no túbulo proximal. Os antagonistas dos recetores A1 têm o

potencial de melhorar a função renal e prevenir a resistência aos diuréticos em doentes

com insuficiência cardíaca, já que interrompem o feedback tubuloglomerular.70

OBG9719 (ou CVT-124) é um antagonista seletivo dos recetores A1, que tem

demonstrado, em estudos realizados em humanos, eficácia na promoção da diurese não

alterando significativamente a excreção de potássio e a TFG. Contudo, ainda são

necessários mais estudos para comprovar a segurança da utilização desta nova classe de

fármacos na prática clínica.70

5.4 Medidas não farmacológicas:

Em casos que o excesso de fluídos não consegue ser tratado farmacologicamente

a utilização de técnicas de hemofiltração é uma opção.24

Existem diferentes técnicas

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 69

mais ou menos invasivas. No caso da insuficiência cardíaca, os métodos de

ultrafiltração removem fluídos isotónicos e melhoram o estado clínico, com diminuição

da ativação neurohumoral comparativamente à terapêutica com furosemida.59

O objetivo do tratamento é normalizar a volémia e restabelecer o equilíbrio

eletrolítico, quando há resistência aos diuréticos.62

a)Ultrafiltração

Quando o equilíbrio de fluídos corporais e os sintomas congestivos dificultam a

abordagem terapêutica convencional, a utilização de ultrafiltração diminui o excesso de

fluídos, e no caso de IRA também corrige distúrbios eletrolíticos e desequilíbrio ácido-

base.57

Atualmente, este tratamento de curta-duração está reservado a pacientes que não

apresentam melhoria sintomática com a terapêutica com diuréticos. O seu custo e a

complexidade do tratamento limitam a sua utilização como terapêutica de primeira linha

em pacientes com insuficiência cardíaca agudamente descompensada.65

O seu

mecanismo de ação consiste na filtração do plasma através de uma membrana

semipermeável (hemofiltro), de acordo com um gradiente de pressão transmembranar,

resultando num ultrafiltrado que é isosmótico em relação ao plasma.64

O gradiente de

pressão através do hemofiltro é gerado pelas forças de Starling (pressão hidrostática no

sangue e compartimento de filtração e pressão oncótica das proteínas plasmáticas). No

caso da ultrafiltração veno-venosa a pressão hidrostática é gerada por uma bomba

extracorpórea. Quanto ao acesso vascular, é puncionada uma veia para a saída de

sangue e o retorno venoso dá-se através de um acesso venoso diferente. Atualmente,

novos dispositivos de ultrafiltração permitem a utilização de um cateter venosos com

duplo lúmen, colocada a nível da veia jugular ou basílica.72

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 70

Segundo o estudo CARESS-HF58

os pacientes submetidos a terapêutica com

ultrafiltração devem apresentar os seguintes critérios:

Desenvolvimento do SCR (sCr > 0.3 ml/dL) após hospitalização (durante

os primeiros 7 dias de internamento, após terapêutica com diuréticos

intravenosos ou antes da hospitalização (< 6 semanas antes da

hospitalização com necessidade de aumento gradual de diuréticos da ansa

em ambulatório);

Evidência de hipervolémia persistente.

A persistência de hipervolémia deve ser avaliada de acordo com a presença de

edema periférico, pressão venosa central superior a 10 cm ao exame objetivo ou

superior a 10 mmHg (medido através de cateter na artéria pulmonar), edema pulmonar

ou derrame pericárdico na radiografia do tórax. Quando o paciente apresenta cateter da

artéria pulmonar, com pressão arterial pulmonar superior a 22 mmHg e um dos sinais

anteriormente descritos deve ser tratado com ultrafiltração.72

Para além destes critérios,

um débito urinário < 1000 mL/24h poderá ser indicação para realização de terapêutica

com ultrafiltração.72

Contudo, existem efeitos adversos associados a taxas de

ultrafiltração elevadas, nomeadamente depleção do volume intravascular, hipotensão e

agravamento da função renal com necessidade de diálise.72

Atualmente, na ausência de

dados suportados por ensaios clínicos, é sensato utilizar ultrafiltração em pacientes com

sCr ≤ 3mg/dL e considerar terapêuticas de substituição renal em pacientes com sCr > 3

mg/dL.71

Muitas questões sobre a utilização da ultrafiltração na abordagem de doentes

com insuficiência cardíaca necessitam de melhor esclarecimento em estudos futuros,

visto que os estudos já realizados são contraditórios quanto à eficácia e segurança da

ultrafiltração. Alguns estudos demonstraram os benefícios da terapêutica com

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 71

ultrafiltração contínua. No estudo RAPID-CHF (Relief for Acutely Fluid-Overload

Patients With Decompensated Congestive Heart Failure), 20 pacientes com IC

descompensada realizaram ultrafiltração e outro grupo também de 20 doentes recebeu o

tratamento usual. O grupo que realizou ultrafiltração apresentou balanço hídrico

negativo, com melhoria dos sintomas congestivos, não se constatando diferença nos

valores da creatinina sérica.57

O estudo UNLOAD (Ultrafiltration Versus Intravenous Diuretics for Patients

Hospitalized for Acute Decompensated Congestive Heart Failure) analisou a utilização

da ultrafiltração em 100 pacientes com insuficiência cardíaca congestiva em

comparação com um grupo de 100 pacientes que receberam o tratamento usual. A perda

de peso foi maior no grupo tratado com ultrafiltração, tal como foi menor a necessidade

de fármacos vasoativos, contudo sem diferenças a nível da mortalidade.57

Por outro lado, o estudo CARRESS-HF (Cardiorenal Rescue Study in Acute

Decompensated Heart Failure) tem como principal objetivo avaliar a eficácia e

segurança da ultrafiltração em comparação com o tratamento farmacológico. Os

pacientes admitidos no estudo apresentavam diagnóstico primário de insuficiência

cardíaca agudamente descompensada à admissão hospitalar, com posterior agravamento

da função renal, definido pelo aumento de 0.3 mg/dl da creatinina sérica basal.

Concluiu-se que a utilização de terapêutica farmacológica apresentava resultados

superiores à terapêutica com ultrafiltração, com a quantidade de perda de peso após 96h

semelhante com as duas abordagens. Além disso, a ultrafiltração foi associada a taxas

mais elevadas de eventos adversos.58

Outro estudo concluiu que a terapêutica com

ultrafiltração para aliviar os sintomas congestivos resultantes do compromisso cardio-

renal resultava numa melhoria do estado hemodinâmico. Contudo, não se observou

melhoria na função renal após o tratamento com ultrafiltração. Independentemente da

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 72

remoção de fluídos e sódio, os pacientes apresentaram elevada taxa de eventos clínicos

adversos e necessidade de terapêutica de substituição renal.73

d) Diálise peritoneal

Nos pacientes com SCR que apresentam compromisso hemodinâmico, a

realização de diálise peritoneal apresenta bons resultados clínicos.74

Estudos em pacientes com insuficiência cardíaca refratária à terapêutica com

diuréticos mostraram que a diálise peritoneal em situações agudas pode ser realizada em

segurança e com bons resultados. A maior parte dos estudos realizados inclui pacientes

com insuficiência cardíaca descompensada tratados com diálise peritoneal, que

apresentam IRC estadio 3 a 5, não estando ainda devidamente estudado a sua utilização

no contexto de IRA.75

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 73

V. CONCLUSÃO

Em resumo, o SCR-1 é um fenómeno clínico que ocorre ou de novo ou no

contexto de uma IRC prévia, em pacientes com IC aguda descompensada, a qual é

complicada por múltiplos mecanismos fisiopatológicos.

A congestão cardíaca e renal aguda, a ativação neurohormonal, a desregulação

das células imunitárias e a produção de citoquinas pró-inflamatórias, associadas a uma

falha nos mecanismos contra regulatórios levam a uma progressiva e combinada

disfunção cardíaca e renal. Este cenário pode levar à insuficiência multiorgânica,

resistência ao tratamento e morte, num número considerável de casos.

Existe necessidade de uma melhor compreensão dos mecanismos

fisiopatológicos e de identificar estratégias para definir qual o órgão com disfunção

primária (distinção entre o SCR-1 e 3). Porém, a complexidade do SCR dificulta a

compreensão da sua patogénese, epidemiologia e prognóstico.

No futuro, a identificação e integração dos mecanismos fisiopatológicos, será

determinante na identificação de novas estratégias diagnósticas e novos alvos

terapêuticos, possibilitando a diminuição da incidência e severidade desta síndroma.

Contudo, a utilização do termo SCR como diagnóstico final é rara, sendo o diagnóstico

descrito como SCA ou IC aguda descompensada, complicada por IRA, por exemplo. A

utilização em estudos de diferentes critérios para o diagnóstico de IRA (RIFLE/AKIN) e

diferentes valores cut-off dificultam a formulação de critérios que permitam a sua

prevenção primária e secundária.

O desenvolvimento de índices capazes de predizer o agravamento da função

renal, e consequentemente o desenvolvimento de SCR, será determinante no que diz

respeito à prevenção primária desta síndroma.

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Vanessa de Fátima Vieira Barcelos 74

Assim, a identificação de pacientes com elevado risco de eventos cardíacos

futuros é de grande importância, visto que um follow-up regular, com a instituição de

uma terapêutica mais agressiva e se necessário a implantação de CDI’s, pode melhorar o

prognóstico destes pacientes.

Algumas variáveis apresentam importância na determinação do prognóstico do

paciente com IC aguda descompensada, sendo os fatores mais importantes a ter em

conta a noradrenalina, atividade da renina plasmática, BNP, fração de ejeção ventricular

esquerda, características clinicas e a IRA. Como tal, estes indicadores ganham mais

relevo na projeção do prognóstico quando estamos perante uma congestão

hemodinâmica, isto é, com insuficiência cardíaca congestiva, com ativação do eixo

neurohormonal e desenvolvimento de SCR. Outro fator a ter em conta nestes pacientes

é a existência de insuficiência renal de base, à qual está subjacente uma maior

probabilidade de agravamento da função renal e resistência aos diuréticos, o que se

relaciona com um pior prognóstico.

Existem diversos estudos que pretendem caraterizar os novos biomarcadores de

modo a permitir a deteção precoce da SCR, o que irá permitir uma intervenção

terapêutica atempada de modo a preservar a função cardíaca e do rim e diminuir a

morbilidade e mortalidade. A identificação e caraterização de biomarcadores poderão

permitir a futura criação de um painel de biomarcadores.

Quanto ao tratamento, é difícil definir a melhor abordagem terapêutica tendo em

conta a interindividualidade à resposta, neste contexto clínico. O objetivo será a

identificação de um tratamento que alivie os sintomas de congestão, melhore a

hemodinâmica e evite a progressão do agravamento da função renal. Atualmente,

existem novas estratégias terapêuticas sob investigação que incluem antagonistas dos

recetores da vasopressina e adenosina.

FMUC Síndroma Cardio-Renal tipo 1 – Biomarcadores e Abordagem Terapêutica

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