Artigo Falseacionismo de Karl Popper

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    1/22

    197 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    A FILOSOFIA DA CINCIA DE KARL POPPER: O RACIONA-LISMO CRTICO1

    Fernando Lang da SilveiraInstituto de Fsica - UFRGSPorto Alegre, RS

    Resumo

    A filosofia de Karl Popper - o racionalismo crtico - apresentada. Para ele todo o conhecimento falvel e corregvel, virtualmente

    provisrio. O conhecimento cientfico criado, construdo e nodescoberto em conjuntos de dados empricos. A refutabilidade demarcaa cincia da no-cincia e a atitude de colocar sob crtica toda equalquer teoria permite o aprimoramento do conhecimento cientfico. Ateoria do conhecimento, dos Trs Mundos e o problema crebro-mente

    so discutidos.

    I. Introduo

    No dia 17 de setembro de 1994, aos noventa e dois anos de idade, faleceuna Inglaterra o clebre filsofo Karl Popper. Austraco de nascimento, imigrou nos anos30, fugindo do nazismo; inicialmente esteve na Nova Zelndia, estabelecendo-se depoisna Inglaterra. Na London School of Economics foi professor de Filosofia da Cincia;em 1964 recebeu o ttulo de cavaleiro (Sir).

    A filosofia de Popper, o racionalismo crtico, ocupa-se primordialmente dequestes relativas teoria do conhecimento, epistemologia. Ainda na ustria, em1934, foi publicado o seu primeiro livro, Logic der Forschung( A Lgica daPesquisaCientfica (Popper, 1985), na verso brasileira), que se constituiu em uma crtica ao

    positivismo lgico do Crculo de Viena, defendendo a concepo de que todo oconhecimento falvel e corrigvel, virtualmente provisrio.O pensamento de Popper tambm abrangeu a esfera da poltica e da

    sociedade. Em A Sociedade Aberta e seus Inimigos (Popper, 1987b e 1987c) e Amisria do Historicismo (Popper, 1980b) transpe seus ensinamentos epistemolgicos

    para o campo da ao poltica racional. Como todo o nosso conhecimento imperfeito,estando sempre sujeito a revises crticas, qualquer mudana na sociedade dever

    1 Trabalho parcialmente publicado em Scientia, So Leopoldo, 5 (2) : 9-28, 1994.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    2/22

    Silveira, F.L. da 198

    ocorrer de maneira gradual para que os erros possam ser corrigidos sem causar grandesdanos. A idia de uma sociedade perfeita, atingvel atravs de uma revoluo social, criticada e considerada irracional.

    Nos ocuparemos a seguir das idias de Popper sobre a teoria doconhecimento, a epistemologia e sobre o problema crebro-mente. No apresentaremossuas idias poltico-sociais.

    II. As explicas cientficas e a lgica dedutiva

    Uma das tarefas da cincias a explicao. Ao longo da histria da prticada explicao, muitos mtodos e tipos diferentes foram tidos como aceitveis, mastodos eles tm algo em comum: consistem todos de uma deduo lgica; uma

    deduo cuja concluso o explicandum - uma assero da coisa a ser explicada(Popper, 1982, p. 321) e de um conjunto de premissas - o explicans - constitudo porleis e condies especficas.

    Qualquer explicao envolve no mnimo um enunciado universal (lei) que,combinada com as condies especficas, permite deduzir o que se deseja explicar.Apenas condies especficas no so suficientes para se produzir uma explicao. Porexemplo, se quisermos explicar o aumento da resistncia eltrica de um fio de cobre

    pela elevao da temperatura, podemos supor um enunciado universal que afirma queos condutores metlicos possuem resistncia variando com a temperatura.

    Lei: a resistncia eltrica dos condutores metlicos varia com atemperatura.

    Condies especficas: a temperatura do fio de cobre variou de 20 C para6 C.

    Concluso: a resistncia eltrica deste fio de cobre variou.Obviamente que esta no a nica explicao possvel. Outras explicaes

    mais profundas e complexas recorreriam a leis e condies especficas sobre a estruturada matria, justificando o fenmeno macroscpico (a variao da resistncia) a partirdeste nvel microscpico. Uma explicao desta ordem envolveria uma longa cadeiadedutiva para finalmente atingir o explicandum. O importante na presente discusso oaspecto dedutivo das explicaes e a necessidade de se recorrer a no mnimo uma lei es condies especficas.

    Outras tarefas da cincia, como a derivao de predies e aplicaestcnicas, tambm podem ser analisadas por meio de esquema lgico queapresentamos para analisar a explicao (Popper, 1982, p. 324).

    A derivao de predies parte do suposto conhecimento das leis e dascondies especficas, obtendo-se algo que ainda no foi observado. Nas aplicaestcnicas so especificados os resultados a serem obtidos, como, por exemplo, a

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    3/22

    199 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    construo de uma ponte, e so admitidas certas leis e teorias relevantes. O que seprocura ento so condies especficas que possam ser tecnicamente realizadas.

    A lgica dedutiva desempenha um papel de grande importncia no

    conhecimento cientfico. Segundo Popper, ela :transmissora da verdade.

    retransmissora da falsidade.

    no-retransmissora da verdade.Ela transmite a verdade do explicans para o explicandum, ou seja, sendo

    verdadeiras as leis e as condies especficas, ser necessariamente verdadeira aconcluso.

    Ela retransmite a falsidade do explicandum para o explicans, ou seja, se aconcluso falsa, ento uma ou mais premissas so falsas.

    Ela no retransmite a verdade do explicandum para o explicans, ou seja,sendo a concluso verdadeira, poder ser parcialmente ou totalmente falso o explicans.Em outras palavras, de premissas falsas possvel se obterem concluses verdadeiras.

    Essas trs propriedades da lgica dedutiva podem ser exemplificadasatravs do raciocnio dedutivo abaixo:

    Primeira premissa: todos os A so B.Segunda premissa:X A.Concluso:X B.A transmisso da verdade das premissas para a concluso ocorre no

    seguinte exemplo onde as premissas so verdadeiras:

    Primeira premissa: todos os metais so condutores eltricos.Segunda premissa: o cobre metal.Concluso: o cobre condutor eltrico.A retransmisso da falsidade da concluso para as premissas ocorre no

    seguinte exemplo onde a concluso falsa porque a segunda premissa falsa:

    Primeira premissa: todos os metais so condutores eltricos.Segunda premissa: o vidro metal.Concluso: o vidro condutor eltrico.A no-retransmisso da verdade da concluso para as premissas ocorre

    no seguinte exemplo onde a primeira premissa e a concluso so verdadeiras e asegunda premissa falsa:

    Primeira premissa: todos os metais so condutores.Segunda premissa: o carvo metal.Concluso: o carvo condutor eltrico.A estrutura dedutiva das explicaes cientficas e as propriedades da lgica

    dedutiva so importantes para a filosofia da cincia de Popper, em especial no mtodocrtico exposto mais adiante.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    4/22

    Silveira, F.L. da 200

    III. O problema da induo

    Um dos problemas da filosofia da cincia investigado por Popper ochamado problema da induo . Acreditavam os indutivistas ser possvel justificarlogicamente a obteno das leis, das teorias cientficas a partir dos fatos; poder-se-ia,utilizando a lgica indutiva, chegar s leis universais, s teorias cientficas.

    " comum dizer-se indutiva uma inferncia, caso ela conduza deenunciados singulares (...), tais como descries dos resultados deobservaes ou experimentos, para enunciados universais, taiscomo hipteses ou teorias.

    Ora, est longe de ser bvio, de um ponto de vista lgico, haver

    justificativa no inferir enunciados universais de enunciadossingulares, independentemente de quo numerosos sejam estes; comefeito, qualquer concluso colhida desse modo sempre poderevelar-se falsa; independentemente de quantos cisnes brancos

    possamos observar, isso no justifica a concluso de que todos oscisnes so brancos"(Popper, 1985, p. 27/28).

    O problema da induo tambm pode ser formulado de outra maneira: hleis universais certamente verdadeiras ou provavelmente verdadeiras? possvel se

    justificar a alegao de que uma teoria verdadeira ou provavelmente verdadeira a

    partir de resultados experimentais ou de observaes?Aqui tambm a resposta de Popper negativa. No importa quantas

    asseres de teste (resultados experimentais ou de observaes) se tenha, no possveljustificar a verdade de uma teoria, pois a lgica dedutiva no retransmite a verdade. Oconfronto da teoria com as asseres de teste nunca direta; h necessidade de secombinar as leis universais com condies especficas e derivar dedutivamentehipteses ou concluses com baixo nvel de generalidade. Estas podem, em princpio,serem confrontadas com os fatos. Se os fatos apoiarem as concluses, se as conclusesforem dadas como verdadeiras, no h retransmisso da verdade para as hipteses com

    alto nvel de generalidade (as leis universais). No importando quantas confirmaes de uma teoria tenham sido

    obtidas, sempre logicamente possvel que, no futuro, se derive uma concluso que no

    venha a ser confirmada. Conforme o exposto na seco anterior, possvel, depremissas falsas, obter-se concluses verdadeiras.

    Outra razo contra a existncia da lgica indutiva est em que um conjuntode fatos sempre compatvel com mais de uma generalizao (rigorosamente com umnmero infinito de generalizaes). Por exemplo, se todos os cisnes at hoje observados

    so brancos, algumas possveis generalizaes so as seguintes:

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    5/22

    201 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    Todos os cisnes so brancos.Todos os cisnes so brancos ou negros.Todos os cisnes so brancos ou vermelhos ou azuis.

    Qualquer enunciado que afirma o observado e um pouco mais (ou muitomais) ser compatvel com as observaes ocorridas.Estes aspectos lgicos que contraditam a existncia da lgica indutiva sero

    complementados nas seces seguintes com outros que se apiam na histria da cincia.A histria da cincia mostra exemplos de teorias que passaram a corrigir os fatos que

    pretensamente teriam servido como base indutiva das mesmas (a mecnicanewtoniana assim o fez). Alm disso, h exemplos de teorias cientficas que seoriginaram no em fatos mas em teorias metafsicas ( o caso da teoria copernicana).

    Tendo Popper negado a possibilidade de uma soluo positiva ao problemada induo, parte ento para uma resposta questo do mtodo das cincias empricas(fsica, qumica, biologia, psicologia, sociologia, etc.).

    IV. O mtodo crtico

    No tarefa da lgica do conhecimento a reconstruo racional das fasesque conduziram o cientista descoberta (Popper, 1985, p. 32) da teoria cientfica. Noh caminho estritamente lgico que leve formulao de novas teorias. As teoriascientficas so construes que envolvem, na sua origem, aspectos no completamenteracionais, tais como, a imaginao, criatividade, intuio, etc. As teorias so nossasinvenes, nossas idias no se impem a ns (Popper, 1982, p. 144). So tentativashumanas de descrever e entender a realidade.

    Para Popper, a tarefa da epistemologia ou da filosofia da cincia reconstruir racionalmente as provas posteriores pelas quais se descobriu que ainspirao era uma descoberta ou veio a ser reconhecida como conhecimento(Popper, 1985, p. 32). Em outras palavras, no deve a epistemologia se preocupar emreconstruir a inspirao do cientista (isto tarefa da psicologia da cincia) e no importante para a questo da validade do conhecimento em que condies o cientistaformulou a teoria.

    O mtodo da cincia se caracteriza pela discusso crtica do conhecimentocientfico e pode ser denominado mtodo crtico de teste dedutivo. Dada uma teoria,

    possvel, com auxlio de condies especficas (ou iniciais ou de contorno) e comauxlio da lgica dedutiva, derivar concluses. Como exemplo, consideremos a teoriasobre a queda dos corpos que afirma ser a velocidade de queda proporcional ao peso.Ou seja:

    Hiptese: a velocidade de queda de um corpo proporcional ao seu peso.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    6/22

    Silveira, F.L. da 202

    Condies especficas: este tijolo mais pesado do que esta pedrapequena. Ambos so abandonados simultaneamente a 2 m do solo.

    Concluso: o tijolo atingir o solo antes da pedra.

    Esta predio (concluso derivada da teoria e das condies especficas)pode ento ser confrontada com os fatos. Poder ento a concluso ser incompatvelcom os fatos ou ser compatvel.

    No primeiro caso, como a lgica dedutiva retransmissora da falsidade, nomnimo uma das premissas falsa, se as condies especficas forem verdadeiras, entoa teoria foi falseada ou falsificada ou refutada.

    No segundo caso, como a lgica dedutiva no retransmissora da verdade,no necessariamente verdadeira a teoria. Na terminologia de Popper, a teoria foicorroborada, passou pelo teste emprico. Sempre haver a possibilidade de, no futuro,derivar da teoria uma conseqncia que seja incompatvel com os fatos e, portanto, asteorias cientficas so sempre conjecturas. No h forma de se provar a verdade deuma teoria cientfica; por mais corroborada que uma teoria seja, no est livre de crticae no futuro poder se mostrar problemtica e poder ser substituda por outra.

    Os indutivistas sempre enfatizaram a necessidade de se verificarem asteorias atravs das suas conseqncias; na filosofia indutivista o importante averificao, pois, atravs dela, poder-se-ia justificar a verdade ou pelo menos a

    probabilidade das teorias. Para Popper, as verificaes relevantes so aquelas quecolocaram em risco a teoria, aquelas que aconteceram como decorrncia de tentativasde teste (de refutao). Casos verificadores so facilmente encontrveis para quasetodas as teorias. Exemplificando mais uma vez com a hiptese de que a velocidade dequeda de um corpo proporcional ao seu peso: possvel se encontrar uma imensidadede casos verificadores constitudos por pares de corpos do tipo pedra e pena. Outro bom

    exemplo de alto grau de verificao pode ser encontrado na teoria astrolgica; qualquerastrlogo capaz de apresentar um nmero grande de previses concretizadas. Asseveras tentativas de refutar uma teoria e que resultam em corroboraes so as querealmente importam.

    A histria da cincia mostra teorias que durante um certo perodo de tempoforam corroboradas e, apesar disso, acabaram se tornando problemticas. O exemplo

    mais impressionante o da mecnica newtoniana: durante mais de duzentos anos foicorroborada espetacularmente. Alis, algumas corroboraes da mecnica newtonianamostram que a lgica indutiva insustentvel. Ela corrigiu os fatos dos quais osindutivistas (e o prprio Newton) acreditavam ter sido logicamente derivada a lei dagravitao universal; supostamente a lei da gravitao universal teria sido logicamenteinduzida das leis de Kepler (Newton afirmara que no inventava hipteses e pretendiaque a sua teoria houvesse sido obtida dos fatos). A lei da gravitao universal no podeser logicamente derivada das leis de Kepler simplesmente porque ela contradiz, corrige

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    7/22

    203 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    as mesmas; a primeira lei de Kepler afirmava que as rbitas planetrias eram elipses, e a

    teoria de Newton permitiu demonstrar que as mesmas no so rigorosamente elipses(so aproximadamente elipses); adicionalmente Kepler afirmara que os cometas

    descreviam trajetrias retilneas e a teoria de Newton predisse trajetriasaproximadamente elpticas, parablicas ou hiperblicas para eles. Predies damecnica newtoniana foram surpreendentemente corroboradas (algumas aps a mortede Newton, como a do retorno do cometa previsto por Halley - o cometa Halley). Ora,se existisse a lgica indutiva, o mnimo que deveria ocorrer nas indues das leis a

    partir dos fatos que as leis no contraditassem estes mesmos fatos.

    Outras corroboraes importantes da mecnica newtoniana so asdescobertas dos dois ltimos planetas do sistema solar (Netuno e Pluto). A previso darbita de qualquer planeta do sistema solar a partir das leis de Newton (as trs leis domovimento e a lei da gravitao universal) possvel de ser realizada se adicionalmentese dispuser de um modelo sobre o sistema solar; este modelo deve especificar quantosso os planetas, as suas massas, as distncias ao Sol, etc. A rbita de um planeta

    particular depende principalmente da fora gravitacional que ele sofre por parte do Sol,mas tambm depende das aes dos outros planetas. No sculo XIX foi observado que a

    rbita prevista para Urano era incompatvel com as observaes astronmicas; Adams eLeverrier, admitindo que o problema no se devia mecnica newtoniana mas aomodelo existente sobre o sistema solar, trabalharam sobre hiptese de existncia de um

    planeta ainda no conhecido alm da rbita de Urano o planeta Netuno. Conseguiram,

    inclusive, calcular a posio do novo planeta e orientaram os astrnomos a realizaremnovas observaes; estes acabaram por confirmar a existncia de Netuno. Esta histriase repetiu novamente, j no sculo XX, em relao a Pluto.

    A descoberta dos dois ltimos planetas do sistema solar exemplifica umoutro aspecto relativo ao mtodo crtico: a possibilidade de se evitar o falseamento deuma teoria a partir de uma hiptese suplementar; se a conseqncia de uma teoria contraditada pelos fatos, logicamente possvel retransmitir a falsidade s condiesespecficas (no exemplo anterior, a falsidade foi retransmitida ao modelo sobre osistema solar). Esta hiptese suplementar, que salvou a mecnica newtoniana, eratestvel independentemente; hipteses suplementares ad-hoc (hipteses a favor dasquais os nicos fatos so aqueles que elas pretendem explicar) devem ser evitadas.

    Popper destaca que todo o nosso conhecimento impregnado de teoria,inclusive nossas observaes (Popper, 1975, p. 75). No existem dados puros, fatosneutros (livres de teoria). Exemplifiquemos mais uma vez com a mecnica newtoniana:a fim de testar a previso de uma determinada rbita planetria, necessrio confrontar

    posies previstas para o planeta com posies observadas a partir da Terra. Os fatosaqui seriam resultantes de um processo de observao astronmica; ora, estes fatos sointerpretaes a partir de diversas teorias, tais como a da tica do telescpio,

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    8/22

    Silveira, F.L. da 204

    propagao da luz no espao interplanetrio, refrao da luz na atmosfera, teoria deerros de medida, etc. Mesmo os fatos que so baseados apenas em nossa percepotambm esto impregnados de teorias; os rgos dos sentidos e o sistema nervoso

    incorporam teorias fsico-qumicas, neurofisiolgicas que interpretam os estmulos,dando-nos as sensaes. No h rgos de sentido em que no se achem incorporadasgeneticamente teorias antecipadoras (Popper, 1975, p. 76).

    A inexistncia de fatos livres de teoria implica a insustentabilidade deuma verso de falseacionismo ou refutacionismo ingnuo que erradamente atribuda aPopper. Para o refutacionismo ingnuo, uma teoria estaria indubitavelmente refutadaquando os resultados observacionais (e/ou experimentais) fossem incompatveis comalguma conseqncia ou concluso da teoria. Entretanto, tal no necessariamenteverdade, pois o problema pode estar nas condies especficas ( o caso da descobertade Netuno e Pluto), ou, pode se encontrar nas prprias observaes. Ou seja, se houver

    alguma discrepncia entre posies observadas para um dado planeta, pode ser que ateoria observacional esteja com problema. Alis, isto efetivamente ocorreu quando

    Newton props ao astrnomo real uma correo da luz na atmosfera, de modo aadequar os dados astronmicos s previses por ele feitas. Todo o nosso conhecimento

    conjectural, inclusive as falsificaes das teorias; as falsificaes no seencontram livres de crticas e nenhuma teoria pode ser dada como definitivamenteou terminantemente ou demonstravelmente falsificada (Popper, 1987a, p. 22). Assimsendo, qualquer falsificao pode, por sua vez, ser testada de novo (Popper, 1987a,

    p. 23).

    O progresso da cincia depende da objetividade cientfica. Esta encontra-se nica e exclusivamente na tradio crtica (Popper, 1989a, p. 78), na tradio quepermite questionar qualquer teoria. Entretanto a objetividade da cincia no umaquesto individual dos cientistas; individualmente o cientista , via de regra, parcial,conquistado por suas prprias idias. Alguns dos mais destacados fsicoscontemporneos fundaram inclusivamente escolas que opem uma forte resistncia aqualquer idia nova (Popper, 1989a, p. 77). A objetividade da cincia uma questosocial dos cientistas, envolvendo a crtica recproca, a diviso hostil-amistosa detrabalho entre cientistas, ou sua cooperao e tambm sua competio (Popper, 1978,

    p. 23). O fato do cientista individualmente ser parcial ou dogmtico at desejvel. Senos sujeitarmos crtica com demasiada facilidade, nunca descobriremos onde est averdadeira fora de nossas teorias (Popper, 1979, p. 68).

    A cincia est procura da verdade apesar de no haver critrios atravsdos quais se possa demonstrar que uma dada teoria seja verdadeira. A atitude crtica

    pressupe a verdade absoluta ou objetiva como idia reguladora; quer isto dizer,como padro de que podemos ficar abaixo (Popper, 1987a, p. 59). Quando uma teoria criticada, est sendo questionada a pretenso da mesma ser verdadeira, da mesma ser

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    9/22

    205 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    capaz de resolver os problemas que lhe competem. Mesmo no havendo a possibilidadede demonstrar a verdade de uma dada teoria T2, algumas vezes se pode defenderracionalmente que ela se aproxima mais da verdade que outra teoria T1; tal ocorre

    quando T2 explica todos os fatos corroboradores (contedo de verdade) e osproblemticos para T1 (contedo de falsidade), adicionalmente explicando fatos sobreos quais T1 no se pronunciava (a teoria T2 tem ento um excesso de contedo emrelao T1). Isto se d com a teoria geral da relatividade em relao teoria de

    Newton; a segunda uma excelente aproximao da primeira para baixas velocidades ecampos gravitacionais fracos. Todos os problemas que a antiga teoria resolveu comsucesso, a nova tambm resolve e alguns, como o caso do perilio anmalo de Mercrio

    que era incompatvel com a mecnica newtoniana, tambm so explicados pela teoriageral da relatividade. Adicionalmente a teoria de Einstein fez predies sobre aspectosda realidade sobre os quais a de Newton no se pronunciava ( o caso do desvio da luz

    por campos gravitacionais, corroborado no eclipse de 1919). Contudo, Einstein jamaischegou a acreditar que sua teoria fosse verdadeira. Chocou Cornelius Lanczos, em1922, ao dizer que sua teoria no era mais que um estgio passageiro: chamou-lheefmera (Popper, 1976, p. 112). Tambm buscou uma melhor aproximao da

    verdade durante quase quarenta anos, at a sua morte (Popper, 1987a, p. 58).A concepo de que as teorias cientficas perseguem a verdade objetiva

    coloca a filosofia popperiana como realista. Os realistas afirmam a existncia dascoisas em si, de objetos cuja existncia independe de nossa mente (Bunge, 1973, 1983 e

    1985; Silveira, 1991) e que estes podem ser conhecidos, embora parcialmente e poraproximaes sucessivas (Rodrigues, 1986).

    "Assim, as teorias so invenes nossas, idias nossas, o que foiclaramente percebido pelos idealistas epistemolgicos. No entanto,algumas dessas teorias so to ousadas que podem entrar emconflito com a realidade: so essas as teorias testveis da cincia. Equando podem entrar em conflito, a sabemos que h uma realidade(...). por esta razo que o realista tem razo (Popper, 1989b, p.25).

    V. O critrio de demarcao

    Como que se pode distinguir as teorias das cincias empricas dasespeculaes pseudocientficas ou metafsicas? (Popper, 1987a, p. 177). Este um dos

    problemas da filosofia da cincia para a qual Popper props uma soluo.

    A soluo mais aceita tinha estreita relao com a questo do mtodo: acincia se caracterizava pela sua base na observao e pelo mtodo indutivo, enquanto

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    10/22

    Silveira, F.L. da 206

    a pseudocincia e a metafsica se caracterizavam pelo mtodo especulativo (Popper,1982, p. 282). As teorias cientficas eram obtidas a partir dos fatos e podiam por elesserem verificadas. Alm disso, os positivistas (o positivismo uma epistemologia

    empiricista, indutivista) tinham uma atitude antimetafsica, considerando as teoriasmetafsicas destitudas de sentido por serem no verificveis. Os positivistas tomavam otermo metafsico como pejorativo.

    Popper nunca aceitou tais pontos de vista. Nota que as teorias fsicas,principalmente as modernas, como a teoria geral da relatividade, so altamente abstratas

    e especulativas. Einstein (1982) reconheceu, em suas notas autobiogrficas, que naformulao da teoria da relatividade ele andou por caminhos muito distantes daquelesapontados pelos positivistas; ele considerou como prejudicial a concepo que consisteem acreditar que os fatos podem e devem fornecer, por si mesmos, conhecimentocientfico, sem uma construo conceptual livre (Einstein, 1982, p. 52).

    Adicionalmente Popper constata que muitas crenas supersticiosas eprocedimentos prticos encontrados em almanaques e livros como os de interpretaesde sonhos tinham muito a ver com a observao, baseando-se muitas vezes em algo

    parecido com a induo (Popper, 1982, p. 283). Os astrlogos argumentavam que asua cincia se apoiava em grande abundncia de observaes e verificaes;facilmente conseguiam encontrar grande quantidade de fatos confirmadores da teoriaastrolgica.

    Do ponto de vista estritamente lgico, a verificabilidade no pode ser ocritrio de demarcao pois, conforme exposto nas sees anteriores, Popper nega queas teorias cientficas possam ser verificadas: verificadas, ou usando a terminologia

    popperiana, corroboradas podem ser algumas concluses obtidas da teoria com auxliodas condies especficas. Entretanto, quando isto ocorre, no lcito tomar comoverificada a teoria pois no h retransmisso da verdade das concluses para as

    premissas.

    Se a verificabilidade for apenas uma exigncia para as conclusesderivadas de teorias cientficas, ento a teoria do feiticeiro que prediz que amanhchove ou no chove (no precisamos esperar at amanh para saber que serverificada), ou do astrlogo que vaticina algum importante morrer brevemente ,dever ser considerada cientfica.

    O critrio de demarcao proposto por Popper a testabilidade,refutabilidade ou falsificabilidade para as teorias cientficas. Um enunciado ou teoria

    falsificvel, segundo o meu critrio, se e s se existir, pelo menos um falsificadorpotencial (Popper, 1987a, p. 20), ou seja, se existir pelo menos um enunciado quedescreva um fato logicamente possvel que entre em conflito com a teoria. Em outras

    palavras, as teorias cientficas, quando combinadas com as condies especficas,devem proibir algum acontecimento que logicamente possvel de ser observado. As

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    11/22

    207 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    teorias pseudocientficas, no cientficas ou metafsicas so irrefutveis pois noprobem nada, no possuem falsificadores potenciais.

    Um exemplo de como a teoria astrolgica irrefutvel foi encontrado pelo

    autor deste trabalho em uma conversa com uma astrloga. A mesma havia propostoindicar a cor preferida por mim a partir do meu signo; disse-lhe ento que o meu signo Cncer e ela me respondeu que a cor de minha preferncia era o branco. Contestei-a,dizendo-lhe que prefiro o vermelho e ela ento props que deveramos saber qual era omeu ascendente. Fica transparente que esta teoria est protegida contra a refutao emais ainda, pode converter qualquer fato alegado em confirmao ou verificao.

    importante notar que a refutabilidade, como critrio de demarcao, uma propriedade estritamente lgica das teorias cientficas: significa em princpio queelas so falsificveis, possuem falsificadores potenciais. Esta questo lgica no podeser confundida com a de quando uma prova experimental ou observacionalterminantemente falsifica uma teoria. Popper sempre notou que, apesar das teoriascientficas serem falsificveis em princpio, as falsificaes reais so sempreconjecturais e sujeitas crtica (vide seco anterior).

    A falsificabilidade das teorias cientficas coerente com a atitude crtica.No h formas de se provar a veracidade do conhecimento cientfico e entretanto acincia pode perseguir a verdade atravs da excluso de teorias falsificadas,substituindo-as por novas teorias que podero se aproximar mais da verdade.

    "Essa uma concepo de cincia que considera a abordagem

    crtica sua caracterstica mais importante. Para avaliar uma teoriao cientista deve indagar se pode ser criticada, se se expe a crticasde todos os tipos e, em caso afirmativo, se resiste a essas crticas"(Popper, 1982, p. 284).

    Popper constata a existncia de teorias, tidas como cientficas, que socapazes de dar conta de qualquer fato e, portanto, irrefutveis. Entre essas teorias

    pseudocientficas, ele coloca a psicanlise de Freud, a psicologia individual de Adler eo materialismo histrico de Marx.

    "Um marxista no era capaz de olhar para um jornal sem encontrarem todas as pginas, desde os artigos de fundo at os anncios, provas que consistiam em verificaes da luta de classes; eencontr-las-ia sempre tambm (e em especial) naquilo que o jornalno dizia. E um psicanalista, fosse ele freudiano ou adleriano, diria

    sem dvida que todos os dias, ou at de hora em hora, estava a veras suas teorias verificadas por observaes clnicas" (Popper,1987a, p. 180).

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    12/22

    Silveira, F.L. da 208

    O mtodo de procurar verificaes para as teorias, utilizado pelosfreudianos, adlerianos, marxistas e astrlogos, alm de ser acrtico promovia umaatitude acrtica nos leitores. Ameaava assim destruir a atitude de racionalidade, de

    argumentao crtica (Popper, 1987a, p. 181).Alguns pensadores, acreditam, de fato, que a verdade de uma teoria podeser inferida da sua irrefutabilidade (Popper, 1982, p. 221). Isto um engano bviopois pode haver duas teorias contrrias, ambas irrefutveis e portanto, ambas nopodem ser verdadeiras. Um exemplo de duas teorias incompatveis e irrefutveis: odeterminismo e o indeterminismo. A primeira afirma que O futuro do mundo emprico(ou fenomenal) pr-determinado completamente (Popper, 1982, p. 219); a segundaafirma que nem todo o futuro do mundo pr-determinado. Mesmo que vivssemos emum mundo que aparentemente fosse totalmente indeterminado, surpreendendo-nos acada momento, o futuro poderia ainda ser pr-determinado e at antecipadamenteconhecido pelos que fossem capazes de ler o livro do destino (Popper, 1988, p. 28).Por outro lado, se o mundo tivesse aparncia completamente regular e determinista,

    isso no estabeleceria que no existisse nenhum acontecimento indeterminado dequalquer espcie (Popper, 1988, p. 28).

    Apesar da falta de testabilidade ou de contedo emprico das teoriasmetafsicas, elas no so necessariamente sem sentido, sem significado, como queriamos positivistas.

    Com efeito, impossvel negar que, a par de idias metafsicas que

    dificultaram o avano da cincia, tm surgido outras tais como oatomismo especulativo que o favorecem (Popper, 1985, p. 40).

    Outro exemplo importante de como a metafsica inspira as teoriascientficas a revoluo copernicana. Coprnico tem a idia de colocar o Sol comocentro, ao invs da Terra, no devido a novas observaes astronmicas mas devido auma nova interpretao de fatos luz de concepes semi-religiosas, neoplatnicas.Para os platnicos e neoplatnicos, o Sol era o astro mais importante e por isso no

    poderia girar em torno da Terra. A Terra que deveria girar em torno do Sol.

    Kepler foi um seguidor de Coprnico e, assim como Plato, estava imerso

    em ensinamentos astrolgicos; Kepler procurava descobrir a lei aritmtica subjacente estrutura do mundo (misticismo numerolgico dos pitagricos); essa lei daria, entreoutras coisas, os raios das rbitas circulares planetrias. Ele nunca encontrou o que

    procurava; no descobriu, nos dados astronmicos de Tycho Brahe, a desejadaconfirmao da crena de que Marte girava em torno do Sol em movimento circularuniforme. Os dados de Tycho Brahe levaram-no a refutar a hiptese de rbita circular;depois de diversas tentativas, adotou a hiptese de rbita elptica. Pde ento notar queas observaes astronmicas podiam se ajustar a essa nova hiptese se adicionalmente

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    13/22

    209 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    admitisse que Marte no se deslocava com velocidade constante. As observaesastronmicas no provaram que a hiptese elptica estava correta, mas podiam serexplicadas por essa hiptese ajustavam-se a ela (Popper, 1982, p. 215).

    Apesar da inspirao metafsica, Kepler foi um crtico. Aceitou duas vezesa refutao de suas hipteses pelos dados astronmicos e reformulou a teoria. Maistarde, conforme exposto em seco anterior, a teoria de Newton mostrou que Kepler,apesar de estar rigorosamente errado (as rbitas planetrias no so exatamenteelpticas), formulara uma teoria aproximadamente correta e melhor que a de Coprnico.

    A idia metafsica que talvez tenha motivado o maior nmero dedescobertas cientficas foi a da pedra filosofal (existe uma substncia capaz detransformar metais vis em ouro), perseguida pelos alquimistas.

    Assim como teorias metafsicas podem servir de impulso cincia, tambm

    podem se tornar um empecilho para o avano do conhecimento. por demais sabido oquanto a Igreja Catlica tentou entravar as idias copernicanas, em especial em relaoa Galileu. menos conhecida, apesar de muito recente, a criao por Lyssenko (1898-1976) de uma teoria neodarwinista inspirada no marxismo e que pretendia ser umanova biologia proletria. Muitos opositores de Lyssenko na Unio Sovitica foram

    perseguidos entre 1935 e 1965, sendo alguns eliminados fisicamente (o clebre bilogosovitico Vavilov, que morreu em 1943 em uma cela sem ar e sem luz, apenas umexemplo).

    A sesso de 1948 da Academia Lnin foi extremamente importante paraque a falsa teoria de Lyssenko se estabelecesse oficialmente at 1965 na UnioSovitica.

    "Os geneticistas sucumbem sob as acusaes acumuladas por Lyssenko em um relatrio, ao ouvirem que o Comit Central do Partido Comunista e o prprio Stalin aprovaram o relatrio ...Efetivamente, Stalin foi, durante sua vida, um critrio infalvel deverdade, at de verdade cientfica"(Buican, 1990, p. 91).

    Esses exemplos mostram como a cincia pode sofrer influncias externasatravs das teorias metafsicas; tambm revelam que estas no so necessariamente sem

    sentido, como pregavam os positivistas.Para os positivistas, era muito importante a justificao da origem das

    teorias cientficas; eles admitiam como a nica fonte vlida, a observao e aexperimentao. A experincia humana devia ser a origem e a funo do conhecimentocientfico; a inveno, a imaginao e a especulao no deviam desempenhar papelimportante nesse processo.

    Para Popper, as teorias cientficas so invenes, construes humanas.As teorias podem ser vistas como livres criaes da nossa mente, o resultado de uma

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    14/22

    Silveira, F.L. da 210

    intuio quase potica, da tentativa de compreender intuitivamente as leis danatureza (Popper, 1982, p. 218). O processo de criao de uma teoria pode envolveraspectos no-racionais; a imaginao, a criatividade, a especulao usualmente

    desempenham papel importante. Inclusive a metafsica pode servir de fonte. No h fontes ltimas do conhecimento. Toda fonte, todas as sugestes so bem-vindas; etodas as fontes e sugestes esto abertas ao exame crtico (Popper, 1982, p. 55).

    VI. A teoria do conhecimento

    Popper denominou de teoria do balde mental a concepo de que nossoconhecimento consiste de percepes acumuladas ou percepes assimiladas, separadase classificadas. Aristteles j afirmara que nada h no intelecto humano que antes no

    tenha estado nos rgos dos sentidos. Anteriormente, os atomistas gregos admitiramque os tomos que se desprendiam dos objetos, entrando nos rgos do sentido,convertiam-se em sensaes; com o passar do tempo, o conhecimento era determinadocomo um quebra-cabea que se montava a si prprio.

    De acordo com essa concepo, assim, nossa mente se assemelha a umavasilha uma espcie de balde em que percepes e conhecimento se acumulam(Popper, 1975, p. 313). Os acessos ao balde so propiciados pelos rgos dos sentidos.Os empiristas radicais aconselham que interfiramos o mnimo possvel com o processode acumulao do conhecimento. O conhecimento verdadeiro conhecimento puro,livre dos preconceitos que tendemos a agregar s percepes. Bacon aconselhava um

    processo de depurao mental para afastar os quatro dolos (Bacon, 1984) -preconceitos que habitam a mente humana e a obscurecem - e assim o sujeito tornar-se-ia uma criana, uma tbula rasa diante da natureza. Kant (1987) negou que as

    percepes possam ser puras e afirmou que os nossos conhecimentos so umacombinao de percepes com ingredientes adicionados pelas nossas mentes - asformas da sensibilidade e do entendimento -, afastando-se ento do empirismo radical.

    Popper assevera que a teoria do balde est equivocada pois o querealmente importa ao conhecimento cientfico a observao. Uma observao uma

    percepo, mas uma percepo que planejada e preparada (Popper, 1975, p. 314).Ela antecedida por um problema, por algo que nos interessa, por algo que especulativo ou terico. Para planejarmos o que observar, temos que ter anteriormenteuma hiptese, conjectura ou teoria que nos oriente a selecionar as percepes

    pretensamente relevantes soluo do problema. No possvel observar tudo e,portanto, as observaes so sempre seletivas.

    Os seres vivos, mesmo os mais primitivos, respondem a certos estmulos,mas no a qualquer estmulo. O nmero de respostas limitado, determinado por umconjunto inato de disposies a reagir. As respostas dependem do estado interno do

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    15/22

    211 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    organismo; este pode permanecer constante com o tempo ou pode se alterar talvez emparte sob influncia das sensaes. A aprendizagem com a experincia uma mudanana disposio para reagir no decorrente apenas do desenvolvimento do organismo

    maturao mas tambm das mudanas de seu ambiente externo. A noo deaprendizagem est intimamente ligada noo de expectativa e tambm de expectativadesiludida. Uma expectativa uma disposio para reagir, ou um preparativo para areao, que se adapta (ou que antecipa) a um estado do ambiente ainda por vir(Popper, 1975, p. 316). Nem todas as expectativas so conscientes, como bemdemonstra o exemplo do encontro inesperado de um degrau no final de uma escada; oinesperado do degrau poder nos obrigar conscientizao de que estvamos esperade uma superfcie plana. A desiluso nos fora a alterar o sistema de expectativas.Popper considera que a aprendizagem pela experincia consiste basicamente emcorrees nas expectativas a partir das expectativas desiludidas.

    Uma observao necessariamente pressupe um sistema de expectativasque at podem ser formuladas explicitamente. A observao ser utilizada paraconfirm-las ou refut-las e ento corrigi-las. As expectativas dos cientistas consistem

    em considervel extenso de teorias ou hipteses formuladas lingisticamente(Popper, 1975, p. 317).

    A teoria do balde supunha que as hipteses surgiam a partir dasobservaes. De acordo com a teoria de Popper, por ele denominada teoria doholofote , as observaes so secundrias s hipteses, teorias, expectativas. comnossas hipteses que aprendemos que tipos de observaes devemos fazer: para ondedevemos dirigir nossa ateno; onde ter um interesse (Popper, 1975, p. 318). Elas sonossos guias que iluminam a realidade, indicando-nos para onde dirigir a ateno.

    A existncia de um problema o ponto de partida para a aprendizagem nosseres vivos de um modo geral. Em verdade, para Popper, o conhecimento humanocresce por um processo que de tentativa e eliminao de erro. Os seres vivos estoempenhados em resolver problemas, sendo os mais prementes os da sobrevivncia. Amutao (tentativa) e a seleo natural (eliminao de erro) determinam que os seresvivos tenham rgos e comportamentos que lhes possibilitam resolv-los; assim ascaractersticas de um organismo vivo podem ser vistas como solues dos problemas de

    sobrevivncia. Nesse nvel as tentativas (mutaes) so ao acaso e inconscientes. Astentativas mal sucedidas so eliminadas por seleo natural. As tentativas bemsucedidas sobrevivem com o organismo; entretanto, a sobrevivncia passada nogarante a sobrevivncia no futuro pois, se houver, por exemplo, uma mudana noambiente, o ser vivo poder no estar adaptado.

    "Desde a ameba at Einstein, o crescimento do conhecimento sempre o mesmo: tentamos resolver nossos problemas e obter, por

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    16/22

    Silveira, F.L. da 212

    um processo de eliminao, algo que se aproxime da adequao emnossas solues experimentais"(Popper, 1975, p. 239).

    A diferena entre a ameba e Einstein est nas suas atitudes em relao ao

    erro. Diversamente da ameba, Einstein tentou o melhor que pde, cada vez que lhesurgia uma soluo, mostr-la falha e descobrir um erro: ele tratava criticamente as suassolues. A ameba, se tiver uma soluo errada, ser muito provavelmente eliminada

    junto com ela. Podemos portanto dizer que o mtodo crtico ou racional consiste emdeixar que nossas hipteses morram em vez de ns (Popper, 1975, p. 227).

    A aquisio de um novo conhecimento desenvolve-se sempre comoresultado da modificao de conhecimentos prvios (Popper, 1987a, p. 33). O pontode partida deste processo so os conhecidos inatos, determinados geneticamente. Oque h de especial no conhecimento humano que ele pode formular-se na linguagem,

    em proposies (Popper, 1987a, p. 33). Assim ele se torna comunicvel, objetivo,acessvel a outros seres humanos e criticvel. A linguagem o veculo atravs do qual

    podemos nos apropriar do conhecimento produzido pelos outros.

    As mais importantes criaes humanas, que possibilitaram a existncia doconhecimento objetivo (o Mundo 3, conforme ser visto na seco seguinte) de ummodo geral e do conhecimento cientfico em particular, so as funes superiores dalinguagem: a funo descritiva e a funo argumentativa.

    O homem compartilha com os animais as funes inferiores da linguagem.A funo sintomtica que expressa atravs de sinais, estados do organismo; a funo

    sinalizadora que tem a propriedade de liberar ou disparar uma certa resposta ou reaoem outros organismos. importante notar que estas duas funes so realmentedistintas, pois, podem-se encontrar exemplos em que a primeira est presente, mas noa segunda; o contrrio no verdade, sendo a funo sintomtica necessria sinalizadora.

    A linguagem humana muito mais rica do que a dos animais, apresentandodiversas outras funes, entre as quais a descritiva e a argumentativa, que possibilitaram

    a evoluo da racionalidade e finalmente a cincia.

    A descrio indispensvel para a cincia, inclusive a descrio de estados

    de coisas conjecturados, que so as hipteses, as teorias. O uso da funo descritiva regulado pela idia de verdade ou falsidade. As asseres descritivas podem serfactualmente verdadeiras ou falsas quando correspondem ou no correspondem aosfatos.

    A funo argumentativa da linguagem, a mais elevada das funes, podeser encontrada em atividade nas discusses crticas. Ela a culminncia da capacidadehumana de pensar racionalmente.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    17/22

    213 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    O uso da argumentao crtica regulado pela idia de validade. Umargumento vlido quando se mostra consistente, coerente, no contraditrio. A lgicaformal pode ser vista como um sistema de argumentao crtica.

    Usualmente os argumentos so contra ou a favor de alguma proposio ouassero descritiva. Na discusso cientfica, a argumentao crtica ocorre em relao shipteses, teorias; a crtica racional, em oposio ao dogmatismo, que possibilita oavano do conhecimento.

    Podemos dizer que a funo argumentativa da linguagem criou o que talvez o mais poderoso instrumento de adaptao biolgica que j apareceu no cursoda evoluo orgnica (Popper, 1975, p. 217). ela que permite, como foi notadoanteriormente, que as nossas teorias morram em vez de ns.

    O conhecimento cientfico que sobreviveu at o presente momento poderno futuro ter que ser substitudo por outro melhor, por outro que melhor explique osfatos. Isto poder se dar se a presso seletiva de nossa crtica aumentar, demonstrandoque o conhecimento atual no est adaptado realidade. Nenhuma teoria em

    particular, pode, jamais, ser considerada absolutamente certa: cada teoria pode setornar problemtica (...) Nenhuma teoria cientfica sacrossanta ou fora de crtica(Popper, 1975, p. 330).

    A teoria do conhecimento proposta por Popper pode ser sintetizada noesquema seguinte:

    P1 TS EE P2

    P1 o problema de partida. TS a tentativa de soluo que corresponde hiptese ou teoria (ela no necessariamente nica, podendo existir diversas tentativasem concorrncia). EE o processo de eliminao do erro atravs da crtica. P 2 umnovo problema que emerge; as boas teorias no apenas resolvem problemas, comotambm colocam novos problemas.

    A teoria do holofote mental enfatiza o aspecto interno ativo do sujeitono processo da construo do conhecimento pois aprendemos atravs da nossaatividade que nos inata, atravs de uma srie de estruturas que nos so inatas e queestamos aptos a desenvolver: aprendemos atravs da atividade (Popper e Lorenz,

    1990, p. 31). Esta concepo epistemolgica muito antiga, remetendo a Plato ou maisrecentemente a Descartes, entre muito outros. Ela conhecida na histria da filosofiacomo intelectualismo ou racionalismo. Entretanto, contrariamente aos outrosracionalistas que acreditavam que o conhecimento assim produzido era indubitvel,certo e verdadeiro, Popper enfatiza o carter falvel e corregvel do mesmo. Enfatiza anecessidade da crtica e a necessidade de confronto com a realidade para as cinciasempricas. Ele um racionalista crtico.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    18/22

    Silveira, F.L. da 214

    "Podemos ento dizer que o racionalismo uma atitude dedisposio a ouvir argumentos crticos e aprender da experincia.

    fundamentalmente uma atitude de admitir que eu posso estar

    errado e vs podereis estar certos, e, por um esforo, poderemosaproximar-nos da verdade. (...) Em suma, a atitude racionalista(...) muito semelhante atitude cientfica, crena de que nabusca da verdade precisamos de cooperao e de que, com a ajudada argumentao, poderemos a tempo atingir algo como aobjetividade"(Popper, 1987c, p. 232).

    VII. A teoria dos trs mundos e o problema crebro-mente

    Juntamente com John Eccles (prmio Nobel de neurofisiologia), Popperabordou um antigo problema da filosofia: o problema corpo-mente ou crebro-mente.Ambos escreveram a obra The self and Its Brain (Popper e Eccles, 1977), na qualdesenvolvem a sua teoria.

    A existncia de trs mundos o ponto de partida dessa teoria.

    O Mundo 1 constitudo pelos objetos e estados fsicos. Fazem parte destemundo a matria, a energia, os seres vivos, todos os artefatos construdos pelo homem(ferramentas, mquinas, livros, obras de arte , etc.).

    O Mundo 2 constitudo pelos estados mentais subjetivos ou pelas

    experincias subjetivas, pelo conhecimento subjetivo. Fazem parte deste mundo osestados de conscincia, percepes, emoes, sonhos, disposies psicolgicas, crenase os estados inconscientes.

    O Mundo 3 constitudo pelos contedos de pensamento ou peloconhecimento objetivo. Faz parte do Mundo 3 toda a cultura humana (as histrias, osmitos, as teorias cientficas ou no, os argumentos crticos, as matemticas, etc.). Estemundo um produto da mente humana que passa a ter existncia independente dos seus

    criadores.

    O Mundo das Idias ou das Formas de Plato tem similaridades com o

    Mundo 3, mas tambm tem diferenas importantes. Para Plato, o Mundo das Idias anterior ao homem e eternamente imutvel; o homem no age sobre ele, no o modifica;

    apenas por intermdio do seu intelecto o capta. O Mundo 3 uma criao humana, noexiste anteriormente aos seus criadores e mutvel. Alis, o ordenamento dos trsmundos obedece cronologia histrica; o Mundo 2 uma emergncia do Mundo 1 e oMundo 3 emerge posteriormente.

    Os objetos do Mundo 3 so reais apesar de imateriais. Eles podem at sermaterializados ou incorporados; uma teoria cientfica pode estar materializada em umlivro e as suas aplicaes tecnolgicas em ferramentas, mquinas, etc. Entretanto, no

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    19/22

    215 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    apenas a materializao que confere realidade aos objetos do Mundo 3. Eles tambmso reais porque podem induzir os homens a produzirem outros objetos, inclusive noMundo 1 (um escultor, ao produzir uma nova obra de arte, pode animar escultores a

    produzir obras semelhantes; uma teoria cientfica pode levar a que os cientistasexplorem suas conseqncias, discutam-na criticamente, criem aplicaes prticas). Osobjetos do Mundo 3 so reais porque podem agir sobre o Mundo 1; em especial asteorias cientficas agem sobre o Mundo 1, alterando, para bem ou para mal, a face daTerra.

    O Mundo 3, mesmo sendo uma criao humana, tem uma certa autonomiaem relao aos seus criadores. Um exemplo disto pode ser encontrado na aritmtica:

    O homem criou os nmeros naturais; esta criao gerou uma srie de problemas no antecipados pelos criadores. Um destes problemas o chamadoproblema de Euclides: h um nmero primo superior a todos os outros? Outro aconjectura de Goldbach (at agora no resolvido): qualquer nmero par maior do que2 a soma de dois nmeros primos? Estes problemas foram descobertos muito depoisda criao dos nmeros naturais; entretanto, eles existiam objetivamente dentro dateoria mesmo quando ningum os havia percebido, mesmo quando eles no faziam

    parte do Mundo 2 de qualquer homem (decorre deste exemplo que no se podeconfundir o conhecimento em sentido subjetivo com o conhecimento em sentidoobjetivo, ou seja, reduzir o Mundo 3 ao Mundo 2).

    A autonomia (parcial) das teorias em relao aos seus criadores notria ao

    longo da histria da cincia. Ela pode ser vista nas conseqncias no intencionadaspelos criadores da teoria (por exemplo, Einstein no intencionou conseqncias do tipoburacos negros quando criou a teoria geral da relatividade) ou nas discusses sobre o prprio significado das teorias entre os seus criadores (por exemplo, sobre ainterpretao da mecnica quntica entre Bohr e Einstein).

    Tendo como base a teoria dos trs mundo, partem Popper e Eccles para oproblema crebro-mente. Eles crem na existncia da mente autoconsciente como umaemergncia do crebro e que, portanto, no poder ser reduzida aos mecanismosneurofisiolgicos, fsico-qumicos do mesmo. Eles formularam a hiptese dualista-interacionista, ou seja, existem dois rgos, um material (o crebro) e outro imaterial (amente) que interagem. Revivem a antiga hiptese defendida por Descartes.

    A mente autoconsciente um produto da evoluo biolgica; ela emergeem um dado momento da histria evolutiva e traz um novo valor de sobrevivncia parao homem. Todos os seres vivos esto constantemente resolvendo problemas mesmo queinconscientemente (os mais prementes so os da sobrevivncia); a mente, com seus

    poderes de concentrao, imaginao, criatividade, um rgo capaz de proporsolues conscientemente e examin-las criticamente. As solues erradas so capazesde perecer atravs da crtica, enquanto o homem que as formulou sobreviver.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    20/22

    Silveira, F.L. da 216

    Uma das funes mais importantes da mente a produo dos objetos doMundo 3 com os quais ela interage. A linguagem humana, para a qual todos ns temosaptides inatas, desempenha um papel importante na formao da conscincia plena. O

    aparecimento das funes descritiva e argumentativa da linguagem em umadeterminada etapa da evoluo a raiz do poder humano de produzir os objetos doMundo 3 e discuti-los criticamente.

    Os animais provavelmente tambm possuem conscincia, mas em estadomenos desenvolvido que o homem. Eles so desprovidos do eu (self) ou da conscincia

    plena. O surgimento do eu somente foi possvel com o desenvolvimento da linguagemhumana, atravs da qual o homem pode conhecer outras pessoas. A formulao deteorias sobre a extenso do nosso corpo e sua continuidade no tempo, apesar dasinterrupes da conscincia atravs do sono, est na base da formao do eu.

    "O problema do surgimento do eu s pode ser resolvido, segundopenso, se levarmos em conta a linguagem e os objetos do Mundo 3,a par da dependncia em que o eu se coloca em relao a eles. Aconscincia do eu envolve, entre outras coisas, uma distino, porvaga que seja, entre corpos vivos e no-vivos e, conseqentemente,uma teoria rudimentar a propsito das caractersticas principais davida e, de alguma forma, envolve uma distino entre corposdotados de conscincia e no dotados de conscincia" (Popper,1977, p. 201).

    Continua Popper:

    "Envolve, ainda, a projeo do eu no futuro; a expectativa mais oumenos consciente que a criana tem de, com o tempo, vir atransformar-se em adulto; e a conscincia de, por algum tempo, terexistido no passado. E envolve, assim, problemas que levam a umateoria do nascimento e, talvez, a uma teoria da morte" (Popper,1977, p. 201).

    A realimentao do Mundo 3 sobre o Mundo 2 a essncia da formao do

    eu; o Mundo 2 cria o Mundo 3, cria as teorias e sofre a influncia destas mesmasteorias. Como eus, como seres humanos, somos todos ns produtos do Mundo 3 que,

    por sua vez, um produto de incontveis mentes humanas (Popper e Eccles, 1977,p.145).

    Ns somos, ao mesmo tempo, no apenas sujeitos, mas tambm objeto donosso pensamento, do nosso juzo crtico. O carter social da linguagem permite quefalemos sobre ns a outras pessoas e possibilita compreend-las quando falam sobre simesmas.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    21/22

    217 Cad.Cat.Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996.

    A idia de um rgo imaterial, a mente, provm da necessidade de explicaruma srie de caractersticas humanas, tais como o poder de concentrao em um

    problema (quando freqentemente perdemos a conscincia de nossa prpria existncia,

    envolvendo-nos intensamente na tentativa de solucion-lo), o poder de inveno, decriatividade para gerar o Mundo 3. O executor de tudo isto no apenas o crebro mastambm a mente.

    Haveria uma interao entre o crebro e a mente no hemisfrio esquerdo(esta hiptese foi apresentada por Eccles bastante antes do que se relata a seguir). Nadcada de sessenta o pesquisador Sperry passou a estudar diversos pacientes quetiveram o corpo caloso (rgo que conecta os dois hemisfrios cerebrais) seccionado,fendido; o seccionamento do corpo caloso tinha sido o ltimo recurso para livrar tais

    pacientes de graves crises epilpticas. Sperry realizou diversas experincias que estodescritas em Popper e Eccles (1977) e em Eccles (1979) e das quais a concluso notvel; o hemisfrio direito, apesar de ser extremamente inteligente, inconsciente;apenas o hemisfrio esquerdo consciente. Este resultado constitui-se em umacorroborao da teoria dualista-interacionista.

    VIII. Concluso

    Podemos sintetizar os aspectos da epistemologia de Karl Popper abordadosnesse trabalho em algumas proposies:

    a) A concepo segundo a qual o conhecimento cientfico descoberto emconjuntos de dados empricos (observaes/experimentaes neutras, livres de

    pressupostos) - mtodo indutivo - falsa. b) No existe observao neutra, livre de pressupostos; todo o

    conhecimento est impregnado de teoria.

    c) O conhecimento cientfico criado, inventado, construdo com objetivode descrever, compreender e agir sobre a realidade.

    d) As teorias cientficas no podem ser demonstradas como verdadeiras;so conjecturas, virtualmente provisrias, sujeitas reformulaes, reconstrues.

    e) Todo o conhecimento modificao de algum conhecimento anterior.

    Deixamos para outro trabalho (vide neste mesmo exemplar do CCEF), noqual apresentamos a epistemologia de Imre Lakatos - tambm um racionalista crtico -as implicaes dessas idias para o ensino de cincias.

    IX. Referncias Bibliogrficas

    BACON, F. Bacon - Os pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1984.

    BUICAN, D. Darwin e o darwinismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

  • 8/4/2019 Artigo Falseacionismo de Karl Popper

    22/22

    Silveira, F.L. da 218

    BUNGE, M. Filosofia da Fsica. Lisboa: Edies 70, 1973.

    _____. Controversias en fsica. Madrid, Tecnos, 1983.

    _____. Racionalidad y realismo. Madrid: Alianza, 1985.

    ECCLES, J. O conhecimento do crebro. So Paulo: Atheneu, 1979.

    EINSTEIN, A. Notas autobiogrficas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

    KANT, I. Kant (volI) - Os pensadores. So Paulo: Nova Cultural, 1987.

    POPPER, K.R. Conhecimento objetivo. So Paulo: EDUSP, 1975.

    ______. A racionalidade das revolues cientficas. In: HARR, R. (Org.).Problemasda revoluo cientfica. So Paulo: EDUSP, 1976.

    _____. Autobiografia intelectual. So Paulo: Cultrix, 1977._____. Lgica das cincias sociais. Braslia: Universidade de Braslia, 1978.

    _____. A cincia normal e seus perigos. In: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. A crticae o desenvolvimento do conhecimento. So Paulo: Cultrix, 1980a.

    _____. A misria do historicismo. So Paulo: Cultrix, 1980.

    _____. Conjecturas e refutaes. Braslia: Ed. UNB, 1982.

    _____. Lgica da pesquisa cientfica. So Paulo: EDUSP, 1985.

    _____. O realismo e o objectivo da cincia. Lisboa: D. Quixote, 1987a._____. A sociedade aberta e seus inimigos. (1. tomo) So Paulo: EDUSP, 1987b.

    _____. A sociedade aberta e seus inimigos. (2. tomo) So Paulo: EDUSP, 1987c.

    _____. Universo aberto. Lisboa, D. Quixote: 1988.

    _____. Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Fragmentos, 1989a.

    _____. A teoria dos quanta e o cisma na fsica. Lisboa: D. Quixote, 1989b.

    POPPER, K.R.; ECCLES, J. The Self and its brain. Berlin: Springer Verlag, 1977.

    POPPER, K.R.; LORENNZ, K. O futuro est aberto. Lisboa: Fragmentos, 1990.

    RODRIGUEZ, A. R. Filosofia actual de la ciencia. Madrid: Tecnos, 1986.

    SILVEIRA, F. L. As interpretaes da Mecnica Quntica. Atas do IX SimpsioNacional de Ensino de Fisca, So Carlos, 176-183, 1991.

    ______. Karl Popper e o racionalismo crtico. Scientia, So Leopoldo, 5(2): 9-28,1994.