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Educação e Cidadania N. 11 O DESAFIO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Número organizado por Maria Luiza de Souza Moreira Maria Ângela Pauperio Gandolfo

Artigo Gilberto Wanessa Marcio

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Educação e CidadaniaN. 11

O DesafiO Da fOrmaçãO De PrOfessOres

Número organizado porMaria Luiza de Souza Moreira

Maria Ângela Pauperio Gandolfo

ReitorFlávio D’Almeida Reis

Pró-Reitora de EnsinoLaura Coradini Frantz

Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e ExtensãoSidnei Renato Silveira

Diretora de Suporte AcadêmicoIvelone Nagel Reis

Coordenadoras do CursoAnelise Teixeira Burmeister

Neiva Tebaldi Gomes

CURSO DE PEDAGOGIARua Orfanotrófio, 555 - Bairro Alto Teresópolis

CEP 90840-440 – Porto Alegre – RSFone/Fax: (51)3230 3333

www.uniritter.edu.brE-mail: [email protected]

Entidade MantenedoraSociedade de Educação Ritter dos Reis Ltda.

Praça XV de Novembro, 66 conj. 802Fone/Fax: (51)3228 2200

CEP 90020-080 – Porto Alegre – RS

Educação e CidadaniaN. 11

O DesafiO Da fOrmaçãO De PrOfessOres

Publicação do Curso de Pedagogia - UniRitter

Porto Alegre, ano 11, n. 11, 2009.

Edições Científicas UniRitter

Conselho EditorialAngelika Gärtner - Universidade de Dortmund/Alemanha, Antonia da Silva Medina - PUCRS/Brasil,

Carlos Moya Ureta - Universidade de Los Lagos/Chile, Denise Balarine Cavalheiro Leite - UFRGS/Brasil,

Divanir Eulália Naressi Munhoz - Universidade de Ponta Grossa/Brasil, Maria Carmem Barbosa - UFRGS/Brasil, Marília Morosini - PUCRS/Brasil,

Norma Cárdenas - Universidade de Concecpción/Chile,Maria Ely Herz Genro - PUCRS/Brasil, Suzana Vior - Universidad Nacional de Lujan/Argentina

Comissão Editorial ExecutivaCarla Beatriz Meinerz - UniRitter

Maria de Nazareth Agra Hassen - UniRitterNoeli Reck Maggi - UniRitter

Coordenação da Editora UniRitterRejane Pivetta de Oliveira

RevisãoMaria Luíza Moreira

Projeto GráficoCristiane Mohr e Cláudia Silveira Rodrigues

(Estúdio de Design Gráfico - UniRitter)

Editoração EletrônicaCláudia Silveira Rodrigues

Revisão TécnicaRaquel Soares da Silva Correa

Foto capaTânia Meinerz

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica elaborada no Setor de Processamento Técnico daBiblioteca Dr. Romeu Ritter dos Reis

E24 Educação e cidadania : revista do Curso de Pedagogia, v. 1, n. 1 (1999). – Porto Alegre : Faculdades Integradas Ritter dos Reis, 1999-.v. : il. ; 25 cm.

Semestral em 1999 e anual a partir de 2000.Modo de acesso eletrônico desde o v. 10, n. 10, em http://seer.

uniritter.edu.br/index.php/educacaoecidadania/index.Nome do editor varia: Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRit-

ter), 2003-.Nome do organizador varia.ISSN 1516-2958.

1. Educação – Periódicos. 2. Pedagogia – Periódicos. Centro Uni-versitário Ritter dos Reis – UniRitter.

CDU 37(05)

Sumário

APRESENTAçãO ...................................................................................... 7

ARTIGOS

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line” ........ 15Ana Cristina Lima Santos Barbosa

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores ............................................................................. 31Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância: o contexto do pró-licenciatura ............................................... 55Ana Beatriz Gomes Carvalho

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática .......... 71Sidnei Renato Silveira

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada ..................... 85José Augusto Pacheco

Formação não rima com solidão ............................................................ 99José Augusto Pacheco

Perspectivas sobre universidade e sociedade ........................................ 111Wagner Luiz de Menezes

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem: por uma educação que não corte asas ................................................. 123Luiz Gustavo Lima Freire

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental ........................................ 139

Leocadio Lameira

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor ..... 161Leda Lísia Franciosi Portal

SEçãO ABERTA

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009) .............. 195

Lenir dos Santos Moraes

SEçãO RESENHAPAIN, Sara. Subjetividade e objetividade – Relação entre Desejo e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2009. ............ 209Rita Abbati

Apresentação

A revista “Educação e Cidadania”, em seu décimo primeiro número,

tem por objetivo promover o intercâmbio entre professores e pesquisado-

res da área privilegiando a discussão do tema “formação de professores”.

Presente em quase todas as pautas sobre educação nos mais variados

âmbitos, a importância atribuída ao papel da qualificação do magistério

é uma unanimidade hoje em dia e ponto recorrente nos levantamentos

de prioridades para melhorar os índices educativos em nosso país. Dessa

forma, a proposta de colocar a formação de professores em pauta possi-

bilita refletir acerca dos conteúdos da formação docente, cuja demanda

atual vem exigindo a inclusão de outras aprendizagens e outros saberes

para o exercício da docência. O próprio conceito de profissionalidade,

tão discutido no campo da educação, está permanentemente sendo

reconstruído pelos membros da comunidade, perante a emergência de

novas situações problemáticas, devendo ser analisado e compreendido

em função do momento histórico e da realidade social que o conhe-

cimento escolar pretende legitimar. Além da relação existente entre a

modalidade de aprendizagem do professor e a modalidade de ensino

dirigida a seus alunos, possibilita a própria transformação do sujeito

professor e de sua prática pedagógica sob novas perspectivas.

Os conteúdos formativos da docência contemporânea precisam in-

cluir, entre outros saberes, aqueles que contribuam para o autodesenvol-

vimento reflexivo que sirvam de suporte no universo de decisões que os

professores são chamados a tomar no dia-a-dia na sala de aula. Portanto,

esses conteúdos formativos qualificam a intervenção pedagógica docente

de modo que os professores possam assumir a responsabilidade do seu

próprio desenvolvimento profissional e participarem como protagonistas

no desenvolvimento das políticas educativas.

Um tema assim amplo e motivo de tantas discussões não tem como ser

abordado sob muitas perspectivas numa única edição, mas esperamos

8 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

estar, de alguma forma, colaborando para ampliar o painel de debates

sobre este enfoque de tamanha relevância ao entregar à consideração

de nossos leitores os presentes artigos.

De autoria de Ana Cristina Barbosa, de São Paulo, temos o artigo

intitulado “Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas

“on line”” que defende a ideia de que uma comunidade de aprendiza-

gem constitui uma forma diferenciada de se atuar com qualidade em

educação on line porque atividades em grupo constituem o centro da

formação docente atual, tanto presencial quanto a distância.

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro, de

Brasília, nos trazem o artigo “A pedagogia de projetos como estratégia

de inclusão digital dos professores” no qual relatam uma pesquisa

longitudinal, realizada em quatro anos, sobre o uso do computador na

educação e norteada pela seguinte questão: Como promover a inclusão

digital de professores por meio da pedagogia de projetos?

O artigo de Ana Beatriz Gomes Carvalho propõe uma análise contex-

tualizada das questões político-ideológicas que desenharam as ações

de Estado na implementação do Projeto Pró-Licenciatura. Trata-se de

uma pesquisa documental, desenvolvida a partir da análise do material

documental que precedeu e fundamentou a concepção político pedagó-

gica do Pró-Licenciatura, observando a contextualização da conjuntura

local/global, e dos processo de implementação desenvolvidos pelas

Universidades Públicas participantes.

Uma revista com a temática da formação docente necessariamente

tem de abordar a questão das tecnologias desde vários pontos de vista,

já que esse é um dos caminhos mais promissores para a universalização

do acesso à qualificação profissional permanente. O artigo do professor

Sidnei Silveira trata da problemática da formação pedagógica dos pro-

fessores do ensino superior, com ênfase naqueles que atuam na área

de Informática. Além disso, propõe temas que podem ser empregados

visando à formação do corpo docente para a promoção de espaços de

sala de aula favoráveis à construção do conhecimento.

9Educação e Cidadania • número 11 • 2009

O eminente educador português residente em São Paulo, José Pa-

checo, reconhecido internacionalmente pela idealização da “Escola

da Ponte”, projeto inovador centrado na autonomia dos alunos, nos

brinda com dois textos: “Formação inicial e continuada: a articulação

fragmentada” e “Formação não rima com solidão”. Em ambos o autor

tece reflexões sobre o tema da formação docente levando em conside-

ração não apenas a experiência exitosa da “Escola da Ponte”, mas o

conhecimento profundo que vem construindo sobre a realidade edu-

cacional brasileira percorrendo o Brasil de norte a sul para assessorar

professores e gestores escolares.

Wagner Luiz Menezes, de São Paulo, no artigo “Perspectivas sobre

universidade e sociedade” nos fala sobre os caminhos percorridos pela

Educação Superior no Brasil, trazendo considerações sobre o papel da

universidade, os dilemas enfrentados e sobre a socialização do conhe-

cimento acadêmico e suas práticas, sob o ponto de vista docente.

José Augusto Pacheco, professor da Universidade de Minho, Portugal,

analisa a articulação entre formação inicial e continuada, a partir do

diálogo interinstitucional estabelecido entre instituições de ensino su-

perior e escolas. Adverte que a regulação supranacional, imposta pelas

políticas de educação e formação, contribui não só para a imposição

de standards, referentes às competências profissionais e à qualidade da

formação, bem como para a recentralização curricular.

A discussão proposta por Luiz Gustavo Lima Freire, também de

Portugal, aborda importantes questões acerca das condições da

“Auto-regulação da aprendizagem”, descrevendo esse conceito, dis-

cutindo suas fases, componentes, e importância no cenário educa-

cional contemporâneo, apresentando estratégias que permitam aos

alunos, professores e demais intervenientes do processo educativo,

autorregularem suas aprendizagens.

O Professor Leocádio Lameira, num artigo intitulado “A relevância

das disciplinas indagativas na formação de professores para as séries

iniciais do ensino fundamental” defende que a pesquisa pode e deve

10 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ser trabalhada desde as séries iniciais do Ensino Fundamental a fim de

desenvolver neles a capacidade criadora através de situações de expe-

riência e atividades práticas. A título de contribuição para a operacio-

nalização dessas ideias, ele nos apresenta alguns critérios que servirão

de contribuição para repensar a indissolubilidade entre formação do

professor e qualidade do ensino ministrado em sala de aula.

No último artigo desta edição, de autoria de Leda Lísia Portal, da PUC

de Porto Alegre e intitulado “Inteireza do ser: um processo educativo

de autoformação do ser humano professor”, a autora investiga a com-

plexidade do Ser Professor em seu estar, fazer e conviver no mundo.

De abordagem metodológica qualitativa e transdisciplinar, o estudo

abordou as seguintes dimensões: História de vida e auto formação: a

construção do ser; Professores: a complexidade de ser; Convivência: a

travessia na relação com o outro; e Educação e ação docente: uma sutil

tessitura, apresentando os relatos de entrevistados que refletem sobre

seu trabalho, mobilizam conhecimentos, vontades e competências.

Na costumeira seção destinada a disseminar o conhecimento pro-

duzido em programas de pós-graduação de cursos de Pedagogia, apre-

sentamos a dissertação de mestrado da professora, agora Mestre, Lenir

dos Santos Moraes, na Unisinos em São Leopoldo, no ano de 2010. A

pesquisa intitulada “Projetos na pauta de duas revistas educacionais

(1939 – 2009)”, teve por objetivo analisar os modos pelos quais os dis-

cursos pedagógicos constituíram jeitos de pensar a educação através da

organização por projetos, colocando sob suspeita a ordem privilegiada

dessa denominação e as produtividades colocadas em ação por práticas

assim expressas. Para efetivar suas investigações, Lenir utilizou como

material de pesquisa duas revistas pedagógicas – a Revista do Ensino do

Rio Grande do Sul e a Revista Nova Escola –, analisando as recorrências e

proveniência dos discursos que circularam e circulam nesses periódicos.

Finalmente, na seção Resenha, a professora e psicopedagoga Rita

Abbati analisa uma das últimas obras que foi publicada entre nós, no

Brasil, de autoria da reconhecida Doutora em Filosofia e Psicologia, Sara

11Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Pain. Rita fala com a autoridade de quem foi aluna de Sara com quem

mantém uma prolífica interlocução há vários anos.

A todos os nossos leitores, os mais sinceros votos de uma excelente

e produtiva leitura.

Maria Ângela Pauperio Gandolfo

Pedagoga com especialização em Supervisão escolar,

Mestre em Educação pela UFRGS.

Professora do UniRitter de 2005 a 2010. Consultora da UNESCO.

ARTIGOS

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

RESUMOA criação de uma comunidade de aprendizagem constitui uma forma diferen-ciada de se atuar com qualidade em educação on line porque atividades em grupo constituem o centro da formação docente atual, tanto presencial quanto a distância. Dinâmicas colaborativas consistem num processo complexo de ati-vidades que envolvem aspectos cognitivos e afetivos individuais e a construção social de conhecimento.

PALAVRAS-CHAVEComunidades de aprendizagem; Formação docente; Dinâmicas colaborativas.

ABSTRACTThe creation of learning’s community constitutes a different form of perfor-mance with quality in education on line because activities in group constitute the current teacher’s formation, as much in the presence as at a distance. The collaborative dynamics constitutes a complex process of activities that they involve cognitive and affective aspects individual and the social construction of the knowledge.

KEy WORDSLearning’s community; Teacher’s formation; Collaborative dynamics.

1 INTRODUçãO

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) têm permitido

novas possibilidades organizacionais e relações colaboradoras, condu-

zindo as práticas pedagógicas a promissoras direções.

No ensino on-line, ganha importância o trabalho em equipe,

como um momento para consulta, diálogo e colaboração. Atuando

como “colaboradores”, alunos e professores experimentam, buscam

caminhos e alternativas possíveis, dialogam e trocam informações e

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

16 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

conhecimentos, criando um novo ambiente de ensino onde ambos

aprendem.

2 O CONTEXTO

O presente trabalho apresenta parte das reflexões realizadas na

elaboração da tese de doutorado intitulada “Abordagens educacionais

baseadas em dinâmicas colaborativas on line”, por nós defendida em

abril de 2008, no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação

da Universidade de São Paulo. Foram eleitas como objeto de estudo as

dinâmicas colaborativas em cursos on line, visando analisar os fatores que

devem ser relevados nas abordagens educacionais colaborativas on-line,

fundamentados em teorias que permitam traçar estratégias para prover

uma efetiva colaboração.

A pesquisa teve como campo de estudo a disciplina “Teorias de

Aprendizagem e EaD”, do Curso de Especialização em “Gestão da

Educação a Distância” oferecido pela Universidade Federal de Juiz

de Fora na modalidade a distância e teve como sujeitos da pesquisa

os 123 alunos das quatro edições da disciplina por nós ministrada

entre 2002 e 2005. O perfil de formação dos alunos é amplo. Nas

quatro turmas analisadas participaram alunos graduados, especia-

listas, mestres e doutores com formação em Informática e/ou Ciên-

cias da Computação, Pedagogia, Licenciaturas e/ou graduados em

outras áreas com experiências no desenvolvimento de cursos para

treinamento (educação corporativa) ou ensino on-line em qualquer

modalidade e/ou nível.

A disciplina, com carga horária equivalente a 30 horas, foi desenvol-

vida a distância, durante 30 dias corridos.

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

17Educação e Cidadania • número 11 • 2009

3 AS ATIVIDADES DE GRUPO

As atividades experienciadas foram, assim, planejadas:

SEMANA LEITURA DO TEXTO BASE ATIVIDADE INTERAçãO

01

Grupo 1: BehaviorismoGrupo 2: ConstrutivismoGrupo 3: Sócio-interacionismoGrupo 4: Cognitivismo

Sinopse da teoriaQuadro síntese

Fórum, e-mailchat, Wiki

02Sinopses das teorias elaboradas pelos

gruposTribunal – acusações às teorias dos

outros gruposFórum, e-mail

chat, Wiki

03Sinopses das teorias elaboradas pelos

gruposTribunal – defesa à teoria do

próprio grupoFórum, e-mail

chat, Wiki

04 Trabalho individual, não analisado no presente texto

Quadro 1 - Roteiro representativo do design da atividade

As atividades de grupo foram construídas de forma que cada grupo

dependesse do cumprimento da tarefa dos outros grupos para o pros-

seguimento das atividades. Assim, foi alertado que cada atividade era

imprescindível para a sequência do curso. Se um grupo não desenvolve

sua atividade até o prazo limite estipulado, os outros grupos ficam

prejudicados, pois não conseguirão desenvolver a atividade seguinte.

Esta dinâmica é uma das “linhas mestras” considerada por Hoffmann

(2004, p.125), perseguida pelas práticas avaliativas: “propor a cada etapa

tarefas relacionadas às anteriores, numa gradação de desafios coerentes

às descobertas feitas pelos alunos, às dificuldades apresentadas por eles,

ao desenvolvimento do conteúdo”.

4 FORMAçãO DOS GRUPOS

As atividades de grupo devem ser organizadas e com regras preesta-

belecidas. Nas atividades experienciadas, a turma foi dividida em quatro

grupos, (com sete componentes, em média), número equivalente ao

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

18 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

número de teorias de aprendizagem estudadas na disciplina: grupo 1 –

Behaviorismo; grupo 2 – Construtivismo; grupo 3 – Sócio-construtivismo;

e grupo 4 – Cognitivismo.

A definição de papéis dentro do grupo (liderança, coordenação etc.)

ficou a critério de seus membros. Assim também foi a definição de como

as tarefas seriam distribuídas e realizadas por todos os membros do grupo.

Na da sala de aula virtual foi criado, para cada grupo, um “fórum

específico”, onde aconteciam os debates para o desenvolvimento das

atividades de cada equipe.

5 A CONDUçãO DOS TRABALHOS

Para a transformação das informações em conhecimentos é preciso

interação, reflexão, discussão, crítica e ponderações, o que são mais facil-

mente conduzidos quando partilhados com outras pessoas. O momento é

o da experimentação e da ousadia, em busca de caminhos e alternativas

possíveis, diálogos e trocas sobre os objetos de conhecimento. O grupo

é, pois, um instrumento a serviço da construção coletiva do saber.

Consoante a diferenciação proposta por Kenski (2003, p.112) entre

colaboração e cooperação,

A colaboração difere da cooperação por não ser apenas um auxílio ao colega na realização de alguma tarefa ou a indicação de formas para acessar determinada informação. Ela pressupõe a realização de atividades de forma coletiva, ou seja, a tarefa de um complementa o trabalho de outros. Todos dependem de todos para a realização das atividades, e essa independência exige aprendizados complexos de interação permanente, respeito ao pensamento alheio, superação das diferenças e busca de resultados que possam beneficiar a todos.

Nas atividades experenciadas, foram observadas duas formas de

condução dos trabalhos: uma colaborativa e outra cooperativa.

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

19Educação e Cidadania • número 11 • 2009

• Ação colaborativa: Por meio de dinâmica colaborativa, alguns grupos

definiram que todos leriam o texto-base completo e dariam a sua

contribuição no texto coletivo da sinopse, fazendo inserções de forma

integral e associativa.

• Ação cooperativa: Por meio de dinâmica cooperativa, outros grupos

definiram que cada integrante leria uma parte do texto-base e postaria

sua sinopse no texto coletivo. Dessa forma, o documento ia sendo

construído de forma parcial e consecutiva.

A descrição das ações colaborativas e cooperativas pode ser sinteti-

zada, como no quadro a seguir:

AçãO COLABORATIVA AçãO COOPERATIVA

Procedimento da ação Integral e associativa Parcial e consecutiva

Desenvolvimento do texto coletivo

Cada item recebe a contribuição de todos os membros do grupo

Cada item é desenvolvido por um dos membros do grupo

Leitura do material(sinopse das quatro teorias estudadas)

Todos os membros lêem todo o material

Cada integrante do grupo lê apenas uma parte do material

Auto-avaliaçãoAquisição de conhecimentos de todo o conteúdo estudado

Aquisição de conhecimentos de parte do conteúdo estudado

Quadro 2 – Diferença entre ação colaborativa e ação cooperativa

Ressalta-se que cooperação e colaboração, embora distintas, são

dinâmicas que podem ser trabalhadas concomitantemente. Há que se

considerar, porém, os fins a que se queira atingir. Como afirmam Freitas

e Freitas (2003, p. 24),

Numa altura em que tanto se fala na necessidade de as escolas possuírem uma “cultura de colaboração”, que deve ser estendida a professores, alunos e elementos não docentes, a idéia de que é possível uma aprendizagem em colaboração deve ser defendida. Por outro lado, para que essa cultura de colaboração se consolide, é importante que existam momentos para se aprender cooperativamente.

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

20 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

6 ESTRATéGIAS DE INTEGRAçãO

As atividades devem ser elaboradas de modo que exijam colaboração

em vez de competição. Como resultado de uma investigação sobre o

efeito da cooperação e da competição nos grupos realizada no final da

primeira metade do século XX, Morton Deutsch (1949, p. 230-231 apud

Freitas e Freitas, 2003, p. 12-13) escreveu:

Parece evidente (na medida em que os resultados possam ser generalizados) que haverá maior produtividade do grupo ou da organização quando os membros ou subunidades forem mais cooperativos do que competitivos nas suas inter-relações... Também, parece que os educadores devam reexaminar as suas assunções sublinhando o uso comum de um sistema de classificações competitivo.

As estratégias idealizadas para promover a integração do grupo par-

tem da intenção de fazer com que os participantes da comunidade de

aprendizagem se sintam confortáveis – tanto em termos de interativi-

dade como de interação – e se sintam acolhidos e reconhecidos pelas

suas contribuições. Infere-se que, assim, o desejo de participação e a

necessidade de colaboração de cada um sejam despertados.

Destacam-se como inerentes às estratégias de integração a interação

e a motivação.

6.1 Estratégias de Interação:

Nas dinâmicas experienciadas na pesquisa, os meios utilizados entre

os grupos para interação e realização das atividades em equipe ficam a

critério dos mesmos, à escolha do que eles se sentem mais confortáveis

– fórum, chat, e-mail, MSN, etc. A ressalva é que a professora deveria

ser incluída como destinatário em qualquer mensagem enviada ou em

qualquer groupware criado, para que ela possa monitorar as atividades

e intervir, quando necessário.

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

21Educação e Cidadania • número 11 • 2009

A interação entre professora/aluno era feita no fórum geral da dis-

ciplina da sala de aula virtual ou por correio interno da sala, quando

em caso particular.

A criação de quatro fóruns – um para cada grupo – na sala de aula

visa facilitar a interação aluno/aluno e aluno/professora, por constituir

um número menor de participantes e devido ao tema, particular de

cada grupo.

Não foram adotadas sessões síncronas (chat) como atividade obriga-

tória, por se considerar que a heterogeneidade e o elevado número de

alunos inviabiliza a agenda e o processo produtivo do mesmo. O chat

poderia ser usado entre os componentes de cada grupo, quando esses

sentirem necessidade.

6.2 Estratégias de motivação:

Como estratégia de motivação, foram elaborados documentos inti-

tulados “Frases da semana”. Esses textos são uma coleta de registros

significativos dos estudantes sobre o conteúdo estudado, selecionados

pela professora/pesquisadora. As “falas” foram capturadas nos arquivos

da sala de aula virtual e acompanhadas da foto do autor. Essa coletânea

foi postada no fórum geral da disciplina.

Desta forma, os alunos são motivados a participar dos fóruns e ficam

na expectativa de ter suas contribuições selecionadas nas frases da

semana. Com a foto acompanhando as “falas”, os colegas remetem a

imagem ao seu autor, “conhecendo” melhor o colega.

7 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

As pesquisas qualitativas são, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsz-

najder, (2004, p.163), multimetodológicas, isto é, usam uma grande

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

22 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados, dentre

os quais elegemos para este estudo: observação participante, questio-

nário e entrevista.

Assim, a coleta dos dados para este estudo foi articulada em três

momentos.

• Observação direta assíncrona pela pesquisadora, do desenvolvimento

das disciplinas, das atividades, das ações individuais e dinâmicas

de grupo dos alunos; identificação dos registros das interações e de

materiais arquivados na plataforma – fórum, chats, e-mails, portfólios.

• Questionário aplicado aos alunos da disciplina ministrada, que con-

templa: a) Auto-avaliação, avaliação do grupo de estudos, do curso

e do professor; b) Identificação do aproveitamento dos conteúdos,

da postura colaborativa perante o seu grupo, da postura do grupo

em relação às dinâmicas; c) Opinião crítica acerca das dinâmicas

colaborativas desenvolvidas na disciplina, da metodologia adota-

da, da atividade do grupo e da atividade docente; d) Sugestão de

procedimentos e processos necessários à promoção de dinâmicas

colaborativas.

• Entrevistas com as duas docentes idealizadoras do curso de pós-gradu-

ação onde a disciplina analisada se insere, a fim de identificar: quais

as razões pela escolha de um modelo educacional predominantemente

colaborativo, quais as ações idealizadas e os resultados esperados e

obtidos;

8 ISOLAMENTO E CLASSIFICAçãO DOS DADOS

Com o objetivo de se fornecer, por condensação, uma representação

simplificada dos dados naturais, estes foram classificados a partir da

investigação do que cada elemento tem em comum com outros, em um

processo de duas etapas:

• Oinventário:isolamentodoselementos

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

23Educação e Cidadania • número 11 • 2009

• Aclassificação: repartiçãodoselementos,paraaorganizaçãodas

mensagens

O critério de isolamento dos dados coletados pelos questionários foi

lexical, isto é, classificação das palavras segundo o seu sentido, com

emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos. Foram iden-

tificados os seguintes elementos:

Acessibilidade DisciplinaAcompanhamento EnvolvimentoAfetividade Estrutura tecnológicaApresentação (perfil) HabilidadesArticulação InteraçãoAtividades de grupo InteratividadeAutonomia MotivaçãoAvaliação OrganizaçãoComprometimento PlanejamentoContextualização ResponsabilidadeControle Sala de aula virtualDescentralização SociabilidadeDireção Trabalho em equipe

Dos dados coletados por meio de entrevistas e por meio da técnica

de observação, extraiu-se, de cada uma das informações, as ideias

centrais e/ou ancoragens e as suas correspondentes expressões-chave,

como sugerem Lefèvre e Lefèvre (2005, p. 16). Estes dados, ancorados

nos referenciais teórico-práticos da pesquisa, serviram para validar e

complementar os elementos identificados.

9 REAGRUPAMENTO E CATEGORIzAçãO DOS DADOS

Segundo a abordagem qualitativa, “as abstrações se formam ou se

consolidam basicamente a partir da inspeção dos dados num processo de

baixo para cima” (lüdke; andré, 1986, p. 13). Nesta perspectiva, cada

uma das informações foi codificada e, posteriormente, categorizada.

Segundo Bardin (2004, p. 111),

a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

24 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos.

A partir do reagrupamento dos dados, foram delimitadas cinco catego-

rias, as quais orientaram a análise dos dados e ordenaram a construção

do texto deste estudo:

INFRA-ESTRUTURA TECNOLóGICA: Sala de aula virtual, interatividade, acessibilidade.

POSTURAS INDIVIDUAIS:Apresentação, comprometimento e responsabilidade, autonomia e habilidades relacionadas à tomada de decisão, disciplina, envolvimento, afetividade.

POSTURAS COLETIVAS: Interação, trabalho em equipe, sociabilidade.

ESTRATéGIAS METODOLóGICAS COLABORATIVAS:

Motivação, atividades de grupo, articulação e contextualização, descentralização, avaliação.

GESTãOEstrutura tecnológica, planejamento, organização, direção, controle, acompanhamento, análise permanente do processo.

Cada elemento das categorias emergidas foi analisado. Por meio

do confronto entre o referencial teórico, a proposta pedagógica

vivenciada e as informações fornecidas pelos sujeitos da pesquisa,

investigou-se se os procedimentos, tais como foram desencadeados,

possibilitaram:

• interaçãoentreosparticipantes;

• constituiçãodeumacomunidadedeaprendizagem;

• inter-relaçãodeaspectoscognitivos/afetivosindividuaisparaacons-

trução social de conhecimento;

• construçãoconjunta(professorealunos)devaloressociaisenormas,

pela comunidade de aprendizagem em questão;

• serumaformadiferenciadadeseatuarcomqualidadeemeducação

on line;

• umadinâmicacolaborativa.

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

25Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Seguindo a orientação de Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004,

p.162), a análise e a interpretação dos dados foram feitas de forma in-

terativa com a coleta, acompanhando todo o processo de investigação.

10 ANÁLISE DE DADOS

A análise e a interpretação dos dados da proposta pedagógica de

dinâmica colaborativa construída pela pesquisadora demonstraram

que tais dinâmicas consistem num processo complexo de atividades

sócio-linguístico-educacionais. Esse processo envolve a inter-relação de

aspectos cognitivos/afetivos individuais e construção social de conhe-

cimento, onde ocorre identificação pessoal por meio da interação com

outras pessoas. Tais aspectos estão sintetizados no quadro 3, adiante.

Infra-estrutura tecnológica

InteratividadeHabilidade com as ferramentas informáticas; adequação das ferramentas às atividades (softwares de texto coletivo).

Acessibilidade Eficácia do sistema.

Sala de aula virtual Utilização de espaço específico (AVA).

Posturas individuais

Apresentação (perfil) Perfil de alunos e professores.

Comprometimento e Responsabilidade

Comprometimento com o curso, comprometimento com os colegas, cumprimento das tarefas, formação contínua, leitura prévia dos materiais didáticos, pesquisa, reflexão, respeito aos prazos, responsabilidade com os trabalhos, seriedade na realização das atividades.

Disciplina

Autonomia Auto-aprendizagem, auto-avaliação, estruturação do processo de aprendizagem, independência, planejamento do estudo.

Habilidades relacionadas à tomada de decisão, por meio de leitura e escrita

Análise e síntese, interpretação, argumentação, criatividade, descontração, desenvoltura, expressão de ideias, extroversão, liderança, organização de ideias, ousadia, pragmatismo, segurança, solução de problemas, trabalho em grupo.

Envolvimento

Assiduidade, atenção às atividades, concentração, constância, dedicação, dinamismo, disponibilidade, empenho para superar obstáculos e dificuldades, entusiasmo, iniciativa, interesse, participação ativa nas atividades, persistência na busca por resultados positivos, prazer, predisposição, realização de tarefas da melhor forma possível.

AfetividadeAtenção aos colegas, compreensão do outro, desenvolvimento de laços de amizade, expressão de interesses e sentimentos, receptividade, solidariedade.

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

26 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Posturas coletivas

Interação, por meio de leitura e escrita

Processos coletivos de enunciação, comunicação constante, intercâmbio do grupo, entrosamento, compartilhamento de ideias e atividades, socialização de conhecimentos, compartilhamento de informações, troca de experiências, debates, troca de impressões e opiniões, construção coletiva de conhecimento.

Trabalho em equipe

Aceitação da decisão da maioria, acompanhamento do ritmo do grupo, colaboração, cooperação, consenso, cumplicidade, democracia, divisão de tarefas, espírito de equipe, liberdade de expressão, negociação, objetividade, organização do grupo, organização do tempo, planejamento do desenvolvimento das atividades, produtividade.

Sociabilidade

Aceitação das diversidades, apoio mútuo, bom humor, coleguismo, companheirismo, confiança, diálogo, diplomacia, educação, empatia, flexibilidade, humildade, paciência, positivismo, respeito aos ritmos individuais, respeito às contribuições dos colegas, respeito às diferenças individuais, respeito às dificuldades do outro, respeito às opiniões do outro, respeito mútuo, saber ouvir, socialização, tolerância, valorizar o conhecimento do colega.

Estratégias metodológicas

MotivaçãoAtividades de grupo: colaboração e cooperaçãoArticulação entre objetivos propostos, conteúdos estudados e metodologia adotadaContextualização teoria com a práticaDescentralização: rompimento das estruturas de poder entre professor e alunoAvaliação: do curso, do grupo, auto-avaliação

Gestão

Estrutura tecnológicaPlanejamentoOrganizaçãoDireçãoControleAcompanhamento e análise permanente do processo

Quadro 3 - Fatores inerentes às dinâmicas colaborativas on line: processo complexo de atividades sócio-linguístico-educacionais

11 DINâMICAS COLABORATIVAS COMO EXERCíCIO DE CIDADANIA

A utilização das tecnologias da informação e comunicação possibilita

um trabalho cooperativo, colaborativo e interativo, especialmente na

educação on line. A capacidade de envolver-se no trabalho colaborativo

é, segundo Palloff e Pratt (2004, p. 154),

uma marca da aprendizagem on-line e o fundamento da comunidade de aprendizagem. Ir além da discussão on-line, incluindo trabalhos em pequenos grupos e outros meios pelos quais os alunos possam colaborar, ajuda a ampliar

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

27Educação e Cidadania • número 11 • 2009

e aprofundar a aprendizagem, diminuindo a sensação de isolamento que muitos alunos sentem, permitindo-lhes quer experimentem suas ideias e tenham a sensação de estarem conectados ao curso, ao professor e ao grupo. Em geral, níveis mais altos de satisfação ocorrem quando a colaboração é parte integrante do curso.

Palloff e Pratt afirmam que incluir atividades colaborativas em um

curso on line é, provavelmente, a melhor maneira de abranger a maioria

dos estilos de aprendizagem do grupo.

A utilização de dinâmicas colaborativas fortalece a aprendizagem,

à medida que os estudantes descobrem seu potencial e desenvolvem

mais amplamente múltiplos caminhos para aprendizagem, uma vez

que a colaboração promove:

• Desenvolvimento do pensamento crítico: foros de discussão, interação

e negociação com os pares auxiliam na avaliação coletiva de eventos

ou situações - determinação da pertinência, adequação e eficácia do

que está sendo examinado, a fim de se alcançar os objetivos esta-

belecidos - e na criação de solução para os problemas, por meio de

uma visão compartilhada.

• Co-criação do conhecimento: a colaboração estimula a troca constan-

te de informações e experiências, o compartilhamento de ideias e a

ação em conjunto, a partir de várias perspectivas. Em um processo

dinâmico, cada um torna-se agente dessa construção coletiva do

conhecimento.

• Aprendizagem ativa e transformadora: em colaboração, os sujeitos

experimentam a aprendizagem de uma nova forma. Assim que uma

ideia é articulada e apresentada ao grupo, ela se torna parte de uma

interação contínua na qual pode ser contestada ou expandida, dina-

mizando o processo de construção do conhecimento.

• Aprendizagemsignificativa: numa proposta de trabalho em grupo, a

contribuição de pessoas com diferentes entendimentos e habilidades

complementares pode gerar resultados que dificilmente seriam encon-

trados individualmente. Ao expressar suas ideias, cada um trabalha

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

28 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ativamente os conceitos em construção. Estabelecendo conexões com

o seu conhecimento prévio, percebe sentidos e constrói significados.

• Sociabilidadeedemocratização: as dinâmicas colaborativas demo-

cratizam a participação, exercitam a alteridade por meio da aceitação

e respeito às ideias do outro e permitem maior interação entre os

alunos e entre estes e o professor.

Nesse sentido, pela colaboração exercita-se a cidadania: uma cidadania

democrática, de respeito pelos direitos humanos e liberdades individuais;

uma cidadania paritária, de igualdade de oportunidades efetivas; e uma

cidadania intercultural de tolerância e respeito às diferenças.

O resultado dessa investigação comprovou a hipótese de que as

dinâmicas colaborativas possibilitam a criação de uma comunidade de

aprendizagem e revelam-se como formas diferenciadas de se atuar com

qualidade em educação on line.

Outrossim, devem ser considerados os fatores pertinentes à mediação

de atividades individuais e de grupo (tendo por meta o alcance de obje-

tivos comuns de aprendizagem) bem como as estratégias metodológicas

e a gestão de todo o processo de ensino e aprendizagem.

12 CONSIDERAçõES FINAIS

A experiência vivenciada se desenvolveu em curso de pós-graduação

com turmas de trinta alunos, em média. A expansão e o desenvolvi-

mento da EaD on line aliadas às políticas governamentais, possibilitam

e direcionam o oferecimento de cursos para todos os níveis e para um

grande número de alunos. Mesmo nesse cenário, as dinâmicas cola-

borativas podem e devem ser aplicadas. Certamente outras grandes

questões vão surgir, incidindo-se sobre a constituição, capacitação e

real valorização de equipes de formadores, compostas por professores,

tutores e monitores.

Ana Cristina Lima Santos Barbosa

29Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Como afirma Gomez (2004, p.185), “a pedagogia da virtualidade

‘está sendo’ na multiplicidade de práticas educativas na esfera digital

e não procede necessariamente por conselhos ou receitas, mas pela

práxis”. Acreditamos que a investigação ora apresentada contribuirá

para a construção do conhecimento e de novas teorias na área desta

pesquisa. Reinventar, aceitar desafios, enfrentar a imprevisibilidade,

redefinir caminhos torna-se condição primordial de ação em um

mundo em rede.

Ao concluir, em relação à abordagem colaborativa, apresenta-se como

perspectiva teórico-prática do estudo, resultante da compreensão atual

da pesquisadora: na EaD e, em especial, nas dinâmicas colaborativas

on line o foco não deve ser a tecnologia, mas a atividade humana em

realização, para que se concretize uma real “Educação sem distância”.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES-MAZZOTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método das ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2004.

FREITAS, L. V.; FREITAS, C. V. Aprendizagem cooperativa. Porto: Edi-ções ASA, 2003.

GOMEZ, M. V. Educação em rede: uma visão emancipadora. São Paulo, Cortez, 2004.

HOFFMANN, J. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2004.

KENSKI, V. M. Tecnologias e ensino presencial e a distância. Campinas: Papirus, 2003.

LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa – desdobramentos. 2. ed. Caxias do Sul: EDUCS, 2005.

LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

Fatores e processos inerentes às dinâmicas colaborativas “on line”

30 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

PALLOF, R. M.; PRATT K. O aluno virtual. Porto Alegre: Artmed, 2004.

PAVLOV, I. P. Reflexos condicionados, inibição e outros textos. Trad. Lisboa: Editorial Estampa, 1976.

ANA CRISTINA LIMA SANTOS BARBOSA

Possui Mestrado (2000) e Doutorado (2008) em EDUCAÇÃO pela Uni-

versidade de São Paulo. É professora adjunta da Universidade Federal

de Juiz de Fora (ingresso em 1989), atuando como docente nos Cursos

de Graduação em Engenharia, Arquitetura & Urbanismo, Matemática e

Artes, com ênfase em Geometria, Desenho Técnico e Projetivo e Meto-

dologia da Pesquisa. É docente em Pós-Graduação lato sensu da UFJF:

GESTÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA e DESIGN INSTRUCIONAL PARA

EDUCAÇÃO ON LINE, sendo idealizadora e coordenadora dessa última.

É docente na Pós-Graduação strictu sensu: MESTRADO PROFISSIONAL

EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Desenvolve pesquisas nas linhas:

Educação on line (Internet) e Ensino presencial auxiliado por Redes.

e-mail: [email protected]

Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/0523228275563242

Recebido em: 02/09/2009

Aceito em: 15/09/2009

BARBOSA, Ana Cristina Lima Santos. Fatores e processos inerentes

às dinâmicas colaborativas “on line”. Revista Educação e Cidadania.

Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 15-30, 2009.

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

RESUMOO artigo relata uma pesquisa longitudinal, realizada em quatro anos, por meio de duas dissertações de mestrado sobre o uso do computador na educação, conduzidas por dois professores da rede pública de ensino do Distrito Federal, norteada pela seguinte questão: Como promover a inclusão digital de profes-sores por meio da pedagogia de projetos? As respostas encontradas permitem que elaboremos algumas recomendações para a formação docente a partir da consideração da educação mediada pelas novas tecnologias de informação, comunicação e expressão.

PALAVRAS-CHAVEFormação docente; Inclusão digital; Pedagogia de projetos.

ABSTRACTThe article is an account on a longitudinal research which was carried out along the period of four years, concerning, in general, the use of project pedagogy to promote digital inclusion of teachers. The paper is based on two master’s degrees dissertations on the use of computer in education, which were written by teachers from the Brazilian Federal District Public Schools. The findings allo-wed the preparation of a series of recommendations for teacher digital inclusion considering the use of computers in education as a school relevant condition, as an object of investigation, and a way to challenge teaching.

KEy WORDSTeachers education; Digital inclusion; Project pedagogy.

1 INTRODUçãO: PROFESSORES E COMPUTADORES, UMA

RELAçãO CONFLITUOSA

Enquanto as crianças parecem estar mais abertas e disponíveis para

a apropriação da linguagem de comunicação e expressão decorrente

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

32 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

do uso da Informática na escola, tem-se a impressão de que seus pro-

fessores enfrentam muitas dificuldades para usufruírem, explorarem

e introduzirem o computador e as novas tecnologias de informação,

comunicação e informação em sua prática docente, justamente por

causa da forte demanda de informação, comunicação e expressão que

caracteriza a Sociedade Informacional emergente (Castells, 1999). Diante

dessa problemática, questiona-se: Quais são os modos de utilização da

informática, por parte do professor? Quais os critérios que devem pautar

a escolha, pelo professor, de dispositivos tecnológicos de apoio ao seu

trabalho pedagógico? Qual seria o impacto da informática educativa

na organização do trabalho pedagógico? É claro que as respostas para

essas perguntas diferenciam-se de acordo com o meio e o momento

social considerado. No entanto, independente da realidade vivenciada,

a instituição escolar precisa assumir o compromisso da qualidade como

forma de otimizar as transformações que a circundam e assegurar sua

identidade educativa em uma sociedade em rápido processo de mudan-

ça. Repensar a educação a partir dessa nova realidade e dos desafios

que ela traz consigo requer a compreensão da função docente diante

das possibilidades oferecidas pela informática educativa. Afinal, o papel

do professor na consolidação de uma nova mentalidade pedagógica,

na preparação dos cidadãos para a sociedade emergente e na adequa-

ção do sistema educativo aos desafios da Sociedade Informacional é

inquestionável.

Com o objetivo de identificar alguns elementos teóricos para deli-

mitar este novo papel do professor, bem como a natureza dos desafios

a serem enfrentados para que seja possível formar professores para a

educação mediada por tecnologias de informação, comunicação e ex-

pressão, apresentamos em Lacerda Santos (2006), alguns elementos de

resposta para as três questões apresentadas no parágrafo anterior. Com

relação aos modos de utilização, por professores, das novas tecnolo-

gias de comunicação e informação constatamos que a criatividade do

professor, elemento pouco explorado em cursos de formação docente,

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

33Educação e Cidadania • número 11 • 2009

é um instrumento essencial para que seja assegurada a dinamização da

sala-de-aula interativa e a reinvenção dos materiais didáticos, sejam eles

convencionais ou inovadores, em função de necessidades específicas de

relações educativas específicas. Com relação aos critérios que devem

pautar a escolha, pelo professor, de dispositivos tecnológicos de apoio ao

seu trabalho pedagógico, constatamos que tal escolha deve ser baseada

na consideração de três variáveis: características do conteúdo, caracterís-

ticas dos alunos, características dos dispositivos. Mas, os pesquisadores

enfatizam também que não existem fórmulas pré-estabelecidas e que

a capacidade de discernimento do professor é ferramenta essencial,

para a qual a formação inicial e a formação continuada são impor-

tantes subsídios. Finalmente, com relação ao impacto das tecnologias

educativas na organização do trabalho pedagógico, enfatizamos que a

utilização de recursos tecnológicos na educação não garante mudanças

na forma de ensinar e aprender. Tais recursos servem como ferramentas

no auxilio da construção de conhecimentos por meio de uma atuação

ativa, crítica e criativa por parte de alunos e professores. No entanto,

é a escola, entendida como espaço de construção de conhecimento e

de socialização do saber; como um ambiente de discussão, troca de

experiências e de elaboração de uma nova cidadania, que poderá con-

tribuir na formação do indivíduo inserido na Sociedade Informacional,

garantindo uma educação voltada para a criatividade, para o prazer,

para a autonomia e auto-realização. Todo e qualquer impacto na or-

ganização do trabalho pedagógico decorre, portanto, da construção de

uma nova concepção da escola, condição ainda trabalhada unicamente

em espaços restritos e em determinadas áreas de conhecimento, como

se não fosse uma prioridade do campo da educação como um todo.

No entanto, o surgimento de uma nova concepção de escola encontra

forte resistência nos próprios meios escolares, nos próprios professores.

De fato, a inclusão digital de professores, apesar de vir surgindo gra-

dativamente como prática pedagógica há várias décadas, é ainda uma

abordagem extremamente inovadora na sala de aula e no trabalho docen-

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

34 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

te, constituindo um importante desafio para formadores de formadores,

para os professores em ação e para os responsáveis por políticas públicas

para o setor. Congregando várias práticas e possibilidades educativas,

como a educação a distância, a sala-de-aula virtual, o uso do software

educativo e a Internet como instrumento de aprendizagem, a promoção

da educação mediada pela informática requer um repensar da escola,

da sala-de-aula e da própria organização do trabalho pedagógico. Como

indicam as inúmeras investigações realizadas sobre este tema, em seus

mais diferentes matizes, não existem fórmulas pedagógicas miraculosas

para que as escolas possam integrar adequadamente a tecnologia infor-

mática em sua dinâmica de funcionamento. Mas, qualquer que seja a

direção da discussão considerada, é senso comum que o professor é ator

protagonista deste processo, sob cuja atuação docente repousa, portanto,

o pertencimento da escola à Sociedade Informacional e sua pertinência

no que diz respeito à formação para a cidadania nesta nova sociedade.

O movimento pela inclusão digital, aqui compreendida como uma

das facetas da inclusão econômica e social, é um movimento em prol

do acesso democrático de todos os cidadãos à Sociedade Informacional

que se delineia a cada dia. De fato, a emergência de uma sociedade

profundamente ancorada no trânsito de informações por meio de novas

tecnologias de informação, comunicação e expressão pressupõe que o

exercício da cidadania esteja intimamente relacionado à capacidade

dos indivíduos para compreender, manipular, se servir e intervir em

tais tecnologias e linguagens, empregando-as em prol da melhoria da

qualidade de vida, do desenvolvimento pleno das potencialidades hu-

manas, do avanço do conhecimento, da interação entre as pessoas e da

edificação contínua da própria sociedade. Assim sendo, a inclusão digital

pressupõe a alfabetização digital, isto é a aprendizagem do aparato di-

gital como linguagem de comunicação, como meio de expressão, como

instrumento de consumo e de produção de conhecimentos científicos

e tecnológicos e de desenvolvimento sócio-econômico. Isso sem que

deixemos de lado o desenvolvimento pleno da pessoa.

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

35Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Considerando o exposto, e com o objetivo de avançar na compreensão

da problemática da inclusão digital do professor, duas investigações de

mestrado foram associadas em uma mesma intenção de pesquisa aqui

relatada: a de abordar a pedagogia de projetos como estratégia eficiente

na formação docente para o uso da informática na educação. Uma pes-

quisa, conduzida por Ferreira (2009), aborda diretamente a questão da

inclusão digital de professores; a outra, conduzida por Castro (2008),

articulou-se em torno do emprego da pedagogia de projetos na formação

docente para uso de computadores na educação. Nesse relato, as duas

investigações citadas mesclam-se como abordagens complementares de

uma mesma questão de pesquisa: De que forma a pedagogia de projetos

pode ser aplicada como estratégia para a promoção da inclusão digital

do professor?

Para a condução desta investigação longitudinal, que durou cerca de 4

anos, tempo de titulação dos dois professores-mestrandos, foram levados

em consideração as problemáticas e as conclusões de ambos de ambos,

não vistas isoladamente, mas interconectados por uma intenção inves-

tigativa que perpassou cada um dos trabalhos de pesquisa realizados:

ampliar o estado da arte sobre a questão da inclusão digital do professor.

2 ALGUNS ELEMENTOS DE DISCUSSãO SOBRE A INCLUSãO

DIGITAL DE PROFESSORES

A democratização do acesso à informação por meio da Internet é um

fator fortemente relacionado à inclusão social. Pode-se afirmar, diante

disso, que a inclusão social é diferenciada no contexto da Sociedade

Informacional, pois, segundo Demo (2002), ser excluído é sobremanei-

ra estar à margem do conhecimento. Assim, se o uso do computador

insere os sujeitos sociais nos diversos sentidos da sociedade, o não

desenvolvimento de habilidades para esta utilização pode se constituir

em elemento de exclusão.

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

36 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Pretendemos, nesta parte do trabalho, propor uma definição de

inclusão digital de professores. Contudo, tal definição precisa ser

precedida por alguns elementos contextuais que reforçam suas bases

macrossociais. Assim é necessário ter claro que as primeiras políticas

de inclusão digital, surgidas no Canadá e Estados Unidos na década de

1990, tinham como objetivo a oferta de equipamento e conectividade,

ou seja, computador e acesso à Internet. Porém, diversas iniciativas

demonstraram que apenas isso não é suficiente para a efetiva inclusão

digital, como defende Warschauer (2006). Este autor afirma que o pro-

vedor de acesso, o computador, a linha telefônica e a formação para uso

adequado dessa estrutura informática constituem os quatro elementos

básicos que fazem da inclusão digital uma atividade de inserção social.

Com o avanço da Sociedade Informacional surgem desafios no sen-

tido de ampliar a capacidade educativa e cultural de se usar as mídias

digitais fundadas no computador. É necessário, pois, que se aprenda

a buscar informações e construir habilidades individuais e coletivas

para que se possa impulsionar a elaboração de novos conhecimentos

no âmbito escolar. Sob essa perspectiva de emergência da construção

de saberes para a integração do cidadão à sociedade informacional

é que surgem termos como inclusão digital, alfabetização digital e

letramento digital.

A inclusão digital de professores engloba a alfabetização digital e

o letramento digital. A inclusão digital – no sentido macrossocial - é

classicamente vista como condição advinda da disponibilidade de

acesso a equipamentos informáticos e à infra-estrutura da Internet.

Takahashi (2000, p.38) descreve a alfabetização digital como a “aqui-

sição das noções básicas de informática indispensáveis para acesso à

rede e seus serviços” e segue dizendo que a oferta de oportunidades

de alfabetização digital no Brasil é insuficiente. Há, todavia, diferenças

entre ser alfabetizado e letrado. Buzato (2003) acredita que “as pessoas

alfabetizadas não são necessariamente letradas”. O letramento digital

é, pois, a situação do sujeito que, conhecedor de técnicas e tecnologias

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

37Educação e Cidadania • número 11 • 2009

digitais, é capaz de usá-las, para agir no seu meio social, fazer inferên-

cias, intervir de forma a transformar esse meio.

A necessidade de uma inclusão digital específica do professor surge,

dentre outras coisas, da compreensão de que:

A sociedade da informação é espaço para reflexão acerca das necessidades evidentes de democratização do acesso aos recursos informáticos, de um projeto de educação libertadora e particularmente de formação de professores para uso crítico e criativo da informática na educação (LACERDA SANTOS, 2003, p. 9).

O Brasil possui uma significativa história de inclusão digital de profes-

sores. Por exemplo, os projetos EDUCOM, EUREKA E GÊNESE (MORAES,

2003), os quais, mesmo num ritmo muito próprio, demonstraram efetivi-

dade no sentido de suas atividades para esta inclusão. A inclusão digital

de professores se dá, predominantemente, pelas iniciativas das esferas

federais desencadeadas a partir do Ministério da Educação, por meio da

Secretaria de Educação a Distância, tendo como projeto principal o Pro-

grama Nacional de Informática na Educação (PROINFO), que se articula

localmente por meio do Centro de Informática Educativa, que tem como

instituições para inclusão digital de professores os Núcleos de Tecnologias

Educacionais (NTE). O PROINFO, lançado em 1997, tem como missão:

Capacitar para o trabalho com novas tecnologias de informática e telecomunicações não significa apenas preparar o indivíduo para um novo trabalho docente. Significa, de fato, prepará-lo para ingresso em uma nova cultura, apoiada em tecnologia que suporta e integra processos de interação e comunicação (MEC, 2008).

Segundo Ferreira (2009), a abordagem da formação de professores

para uso da informática em processos educativos deve partir de elemen-

tos socialmente mais amplos como os que relacionamos até aqui. Desse

modo, o trabalho de formação de professores para uso da informática

nos processos educativos deve ser subsidiado por aqueles elementos que

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

38 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

permitam melhor compreender a complexidade da inclusão digital como

evento social importante. Neste sentido, a inclusão digital de professo-

res deve se pautar, também, por uma discussão que ajude a repensar

e reconstruir de modo dinâmico e contínuo a “prática pedagógica e a

formação de professores para incorporar”, o uso de computadores e da

Internet ao cotidiano do trabalho docente (ALMEIDA, 2004).

Esse mesmo autor afirma que a utilização do computador e da In-

ternet no trabalho docente para buscar, selecionar e trocar informações

requer o desenvolvimento da autonomia do professor com vistas a per-

ceber a existência das modalidades recursivas que melhor se adaptem

às necessidades pedagógicas que atendam aos seus objetivos de aula

ou de projeto. Essa relação do professor com a pesquisa possibilita a

renovação dinâmica do conhecimento, apropriação de elementos que

contribuam com sua reflexão acerca dos temas estudados. Por fim, a

pesquisa usando a Internet permite, dentre outras coisas, o exercício da

interação e da colaboração. A expansão de processos educativos usando

a Internet traz em seu bojo a necessidade de algumas compreensões

elementares sobre o uso de computadores com essa finalidade.

Neste sentido, identificamos cinco habilidades principais a serem

trabalhadas na formação do professor para a incorporação do uso da

informática em sua atuação profissional. São elas:

• Domíniodocomputadoredosoftware;

• Usodocomputador/Internetcomalunos;

• BuscaeseleçãodeinformaçõesusandoaInternet;

• Reflexãosobreapráticacombasenasteoriaseducacionais;

• Desenvolvimentodeprojetos.

Este conjunto de habilidades é a tradução daquilo que de mais per-

tinente foi assinalado sobre a formação de professores para o uso de

computadores no trabalho docente por autores como Valente (1999),

Moran (2004), Kenski (2006) e outros. Ainda nas palavras de Almeida

(2004) as propostas de formação de professores para a incorporação do

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

39Educação e Cidadania • número 11 • 2009

uso da informática desenvolvem-se na articulação entre as seguintes

dimensões:

• DomíniodaTecnologiadaInformaçãoeComunicação;

• PráticaprofissionalcomaTecnologiadaInformaçãoeComunicação;

• Teoriaseducacionaisquepermitamcompreenderetransformaressas

práticas.

O conteúdo teórico por nós apresentado até aqui permite que afir-

memos como apropriada a definição de inclusão digital de professores

proposta por Almeida (2004). Para esta autora a inclusão digital de pro-

fessores consiste na formação para a incorporação do uso da informática

nos processos educativos, tendo como base o domínio da tecnologia,

a atuação docente usando tais tecnologias e a articulação disso com

teorias educacionais relacionadas a essa prática.

A pesquisa sobre inclusão digital de professores realizada por Ferreira

(2009) pretendeu-se dentro de uma metodologia que fosse capaz de

evidenciar os usos efetivos do computador no trabalho docente. Foram

realizadas entrevistas com cerca de 140 professores, em 20 escolas que

se inseriam nas modalidades da educação infantil até o ensino médio. O

requisito para participar da entrevista era a participação do entrevistado

em um dos projetos de inclusão digital de professores realizados pela

Secretaria de Educação do Distrito Federal. Dos projetos relatados pelos

entrevistados foram escolhidos cinco dos mais recorrentes e realizou-se

uma investigação de seus objetivos junto à Escola de Aperfeiçoamento

de Professores da Secretaria de Educação (EAPE), instituição responsável

pela formação docente no âmbito da Secretaria de Educação do Distrito

Federal. Os objetivos dos cinco projetos investigados se encaixam na

definição de inclusão digital aqui proposta, ou seja, a entrevista com

os participantes destas iniciativas Ferreira foi capaz de dimensionar até

que ponto os objetivos de tais projetos cumpriram suas metas em ter-

mos de inclusão digital de professores e como a construção de projetos

educativos é pertinente neste contexto. As questões das entrevistas eram

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

40 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

direcionadas para identificar como o professor utilizava os recursos

informáticos: no seu cotidiano, no planejamento e preparação de suas

aulas; na aula propriamente dita com os alunos.

Ao analisar as respostas dos educadores sobre o uso da informática

e a incorporação deste uso à prática docente, e baseado no referencial

teórico a que nos referimos anteriormente, pôde-se construir um quadro

representativo de tais respostas em relação às habilidades essenciais à

inclusão digital de professores. Isso permitiu apontar em que medida

ocorreu o cumprimento da inclusão digital:

A- Domínio do computador e do software: os objetivos referentes a essa

habilidade foram satisfatoriamente cumpridos no que se refere ao uso

de aplicativos para finalidades pessoais, profissionais para elaboração

e incremento das aulas e profissionais para o uso do computador

com os alunos.

B- Uso do computador/Internet com alunos: A incorporação do emprego

da informática na construção da aprendizagem, ou seja, o uso dos

recursos na aula com os alunos não pode ser considerado um obje-

tivo cumprido. Desse modo, os projetos analisados não conseguiram

estender seus impactos para além da formação do professor indivi-

dualmente. Assim a inclusão digital, que poderia ter sido estendida

aos alunos e ao processo pedagógico como um todo por meio da

formação docente, não alcançou tal parte do processo educativo.

C- Busca e seleção de informações usando a Internet: no que diz respeito

ao trabalho do professor, ou seja, no que se refere ao melhoramento

do planejamento de suas aulas, essa habilidade foi bem desenvolvida.

Por outro lado, mesmo que esse uso da informática já seja domina-

do pelos docentes, ele não ultrapassa o campo do uso docente para

enriquecimento/preparação da aula, deixando de beneficiar o campo

da aula propriamente dita.

D- Reflexão sobre a prática com base nas teorias educacionais: Pelo

menos 43% dos professores entrevistados afirmaram que em sua

formação não houve discussão teórica para iluminar a prática ou

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

41Educação e Cidadania • número 11 • 2009

discussão de teorias educacionais relacionadas ao uso da informática na

educação, a partir das experiências dos professores.

E- Desenvolvimento de projetos: este foi o ponto crítico dos resultados da

pesquisa de Ferreira (2009) já que os professores, em sua maioria, não

relataram o uso significativo do computador para a elaboração ou desen-

volvimento de projetos com a participação ou não dos alunos. Do ponto

de vista da incorporação dos usos do computador na prática docente,

pudemos observar claramente duas situações: a limitação das habilida-

des do professor para elaborar projetos que utilizem o computador na

aula com os alunos e a não habilidade do professor em ser motivador da

criação de projetos pelos alunos com o uso das ferramentas informáticas.

Vale ressaltar que, mesmo com mais de 91% dos professores afirmando

que em sua escola há equipamentos nos laboratórios de informática

para serem usados, a construção de projetos em que se privilegie o uso

pedagógico de computadores não ocorre de modo significativo. Isso dá

uma margem considerável para entender que o processo formativo dos

professores para a construção de projetos nesses termos não foi eficiente.

Pudemos evidenciar, a partir dos resultados da pesquisa de Ferreira

(2009), que reflexões dos professores em formação, em que articulassem

sua prática com as construções teóricas acerca do uso da informática na

educação e as teorias educacionais que as embasam, permitiriam avanços

no rumo de uma formação mais ampla e mais integradora dos sujeitos

que dela participaram. Isso não ocorreu com a maior parte dos professores

entrevistados em tal pesquisa.

No trabalho docente, cada aula pode ser considerada um projeto de

ampliação de conhecimentos gerais e específicos. É grave a constatação

de que a inclusão digital de professores, aqui tratada, não apresente

eficiência na formação docente acerca do uso da informática para pro-

jetos pedagógicos, projetos entre grupos de alunos mediados pela inter-

venção do professor e a sistematização do conhecimento por projetos

educativos para os temas/conteúdos das aulas. Isso se apresenta com

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

42 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

uma importante lacuna na possibilidade de integração entre áreas

de conhecimentos, possibilitada por uma perspectiva de projetos de

aprendizagem.

A inclusão digital de professores deve ser capaz de inserir de forma

definitiva o professor na sociedade da informação. Todavia, tal inserção

só será considerada efetiva se o professor for capaz de, além de fazer

uso do que aprendeu para suas necessidades pessoais, utilizar esse

saber para todas as suas articulações sociais, o que inclui, obviamente,

o seu trabalho com os alunos. Dessa forma, são necessárias alterações

nas estratégias de formação para a inclusão digital, para que possam

acontecer abalizadas por um conteúdo teórico relacionado às habilidades

linguísticas de seu público-alvo, voltadas para o uso dos conhecimentos

para intervenção social (inclua-se o trabalho pedagógico com alunos)

e vinculadas com as instituições, nas quais atuam os professores em

formação.

Na pesquisa de Ferreira (2009) foi possível evidenciar que os projetos

de inclusão digital de professores não conseguiram, ainda, aproximarem-se

dessas premissas. Neste caso observou-se, então, o cumprimento parcial

e não satisfatório dos objetivos dos projetos de inclusão digital de

professores investigados. Vale ressaltar que os projetos analisados são

todos oriundos das políticas nacionais do Ministério da Educação por

meio do PROINFO.

Em suma, mesmo sendo capazes de incluir digitalmente os profes-

sores, no que diz respeito ao domínio da tecnologia da informação e

comunicação, os projetos de inclusão digital ainda não são capazes de

proporcionar a seu público-alvo, saberes que articulem esse domínio

com a prática profissional (professor-computador-Internet-aluno) e

com teorias educacionais mediadoras da compreensão e transformação

da prática docente. Também entendemos que os projetos de inclusão

digital oficiais privilegiam a formação técnica e prática e não forta-

lecem a formação reflexiva. Pensamos, nesse caso, que o equilíbrio

seria o ideal.

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

43Educação e Cidadania • número 11 • 2009

3 ALGUNS ELEMENTOS DE DISCUSSãO SOBRE A PEDAGOGIA

DE PROJETOS

A pedagogia de projetos é uma prática educativa que tem suas

bases em Kilpatrick, em 1919, quando levou à sala de aula algumas

das contribuições de John Dewey, especialmente a contribuição onde

Dewey afirma que “o pensamento tem sua origem numa situação

problemática” que deve ser resolvida mediante uma série de atos vo-

luntários. Esta ideia serviu de fio condutor entre diferentes concepções

sobre os projetos na prática educativa (1998, p. 67). Ainda de acordo

com Hernandez,

Métodos de projetos, centros de interesse, trabalho por temas, pesquisa do meio, projetos de trabalho são denominações que se utilizam de maneira indistinta, mas que respondem a visões com importantes variações de contexto e de conteúdo (ibid. p. 67).

Para Hernández e Ventura (1998), a ideia fundamental de projetos de

trabalho é que eles se baseiam em um processo muito mais interno que

externo, no qual as relações entre conteúdos e áreas de conhecimento

têm lugar em função das necessidades advindas da resolução de uma

série de problemas que subjazem na aprendizagem (HERNÁNDEZ &

VENTURA, 1998, p. 63). Ainda de acordo com Henández (1998, p.

61), os projetos constituem um “lugar”, entendido em sua dimensão

simbólica, que pode permitir:

• aproximar-sedasidentidadesdoseducandosefavoreceraconstrução

da subjetividade;

• revisaraorganizaçãodocurrículopordisciplinaseamaneirade

situá-lo no tempo e no espaço escolares;

• levaremcontaoqueaconteceforadaescola,nastransformações

sociais e nos saberes, a enorme produção de informação que caracte-

riza a sociedade atual, e aprender a dialogar de uma maneira crítica

com todos esses fenômenos.

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

44 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

No Brasil, a pedagogia de projetos teve um momento bastante expres-

sivo durante o governo democrático e popular de Belo Horizonte - MG,

durante a década de 1990, quando a Secretaria de Educação Municipal

inseriu esta estratégia em suas diretrizes curriculares. Contudo, no

restante do país, a estratégia pedagógica tem sido utilizada e difundida

por pesquisadores da área educacional, seja de modo mais amplo,

seja como aliado nas práticas pedagógicas envolvendo o computador.

Nogueira, por exemplo, defende que a utilização do trabalho com a

dinâmica de projetos passa a ser uma estratégia que poderá unir, ligar,

inter-relacionar, integrar, propiciar ações coletivas e cooperativas que

envolva toda a comunidade, os diferentes saberes e conhecimentos

(NOGUEIRA, 2005, p. 38). Este autor defende que os projetos podem

ser definidos por turmas, isoladamente, como também podem estar pre-

vistos dentro do Projeto Político Pedagógico da escola, que é preparado

de um ano para o outro e preveem as ações do ano todo.

Vidal, Maia e Lacerda Santos, que também investigam a utilização

da pedagogia de projetos como estratégia didática, argumentam que ela

oferece, também, um espaço privilegiado para que os sujeitos apren-

dentes se percebam como atores importantes do processo de construção

do conhecimento, em que são levados a se posicionarem criticamente

com relação às informações que lhes são disponibilizadas, em um pro-

cesso eminentemente intrínseco de estabelecimento de relações entre

conhecimentos já construídos e conhecimentos novos. A pedagogia

de projetos facilita, ainda que dados, informações, conhecimentos e

inteligência se integrem num processo epistemológico cujo sujeito

cognoscente assume a tarefa de construir seu próprio saber (VIDAL,

MAIA & LACERDA SANTOS, 2002).

A pedagogia de projetos e a ação educativa à qual eles se vinculam

requerem uma organização diferenciada dos tempos e espaços escolares

e, também, novas formas de lidar com os saberes e com as informações,

o que acaba por ensejar um novo modo de pensar a instituição escolar

e o trabalho pedagógico, o que remonta à necessidade do trabalho

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

45Educação e Cidadania • número 11 • 2009

transdisciplinar (HERNÁNDEZ, 1998). Esse repensar inclui uma trans-

formação nas relações educativas e uma necessidade de reposicionar a

hierarquia dentro da sala de aula no tangente à produção e à construção

do conhecimento, bem como na sua divulgação.

Assim, a pedagogia de projetos tem como uma de suas características

fundamentais o fato de que necessita ter como ponto de partida um

problema ou um questionamento advindo do grupo de aprendizes. Es-

ses questionamentos, a partir da pesquisa pelos envolvidos, tornam-se

ideias-chave ou conceitos que se relacionarão com aspectos da vida dos

aprendizes, os quais, a partir de suas vivências e suas experiências, lhes

darão a interpretação e os significados necessários para sua aplicação em

seu dia-a-dia. Com isto desenvolve-se a aprendizagem. É nesta perspectiva

que a pesquisa realizada por Castro (2008) se desenvolve. Na perspectiva

de professores como sujeitos aprendentes, na perspectiva dos educadores

como pesquisadores.

4 A PEDAGOGIA DE PROJETOS E A PROMOçãO DA INCLUSãO

DIGITAL DE PROFESSORES

Para se propor uma formação docente, antes há que se fazer uma

análise da prática pedagógica desses professores levando em considera-

ção os valores que eles trazem consigo, as condições determinantes de

sua existência e, principalmente, a concepção político-pedagógica que

norteou seu processo de formação (OLIVEIRA, 2006). E Valente (1996)

afirma que a Sociedade Informacional exige um homem crítico, criativo,

com capacidade de pensar, de aprender a aprender, trabalhar em grupo

e de conhecer o seu potencial intelectual. Esse homem, segundo Valente,

deverá ter uma visão geral sobre os diferentes problemas que afligem a

humanidade, como os problemas sociais e ecológicos, além de profundo

conhecimento sobre domínios específicos. Em outras palavras, há que

se mostrar sensível e atento às mudanças da sociedade, com uma visão

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

46 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

transdisciplinar e com capacidade de constante aprimoramento e de-

puração de ideias e ações, isto é, o contrário do que realiza a formação

tradicional (CASTRO, 2008, p. 59).

Tendo isto como referência, é preciso que se repense os cursos de

formação docente para que sua prática pedagógica também seja mo-

dificada e possa proporcionar uma educação de qualidade, em que se

cumpra a verdadeira função social da escola.

Esta nova forma de se desenvolver um trabalho pedagógico acaba

por gerar um novo modo de relação professor-aluno. Com a entrada

dos computadores na Educação as informações passam a estar dis-

poníveis na Internet e os alunos podem acessá-las a qualquer mo-

mento. O professor deixa de ser o “detentor do conhecimento” para

ser um mediador, um facilitador das relações entre os estudantes e

as informações acessadas. É o professor que ajudará os estudantes a

interpretar, fazer a seleção e transformar em conhecimento as infor-

mações mais relevantes para o seu aprendizado. A relação deixa de

ser vertical e hierarquizada para ser horizontal, na qual os atores do

processo – estudantes e professores – passam a ser sujeitos que se

ajudam mutuamente e interagem.

Um outro ponto importante é que a pedagogia de projetos é uma

estratégia metodológica que legitima a pesquisa-ação, principalmente a

pesquisa-ação integral e sistêmica defendida por Morin (2004) e adotada

na pesquisa realizada por Castro (2008). Ambas, pedagogia de projetos

e pesquisa-ação, partem das necessidades dos envolvidos e da resolução

de problemáticas propostas por eles; as duas lidam com a mudança nos

discursos e nas ações; preveem a participação dos sujeitos em todas as

etapas do processo; têm em seu cerne o ideário de trabalhar de forma

cooperativa e solidária.

A adoção da pedagogia de projetos permite que se alcance resulta-

dos significativos, seja na gestão das relações educativas, mediadas ou

não pelo computador, seja na formação de professores. Lacerda Santos

(2003), a partir de experiências desenvolvidas no curso de gradua-

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

47Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ção de Pedagogia na Universidade de Brasília, ressalta que o projeto

de aprendizagem construído em torno da utilização do computador

abre espaço para uma plena utilização desta tecnologia como meio

de aprendizagem, inserida em um contexto mais amplo de diálogo

com outras tecnologias, tanto materiais quanto intelectuais. Segundo

o autor, interagindo com os alunos/cursistas, o professor/mediador

libera-se da tarefa de ensinar o uso do computador e do peso de ter de

mostrar-se excelente em tal uso, para aprender juntamente com seus

pares discentes. A gestão dessa relação torna-se, portanto, tarefa muito

simples e envolvente, constituindo, inclusive, interessante instrumento

de formação continuada do professor.

A pesquisa de Castro (2008) tenta trazer uma solução inovadora, já

que ainda não há na literatura relatos de cursos de formação continuada

de professores de Anos Iniciais do Ensino Fundamental para o uso do

computador na Educação sob a abordagem da Pedagogia de Projetos.

Esta pesquisa se desenvolveu a partir de uma pesquisa-ação integral

e sistêmica (MORIN, 2004) que em seu percurso foi tomando formas

próprias. Isto se deu por causa das especificidades do grupo pesquisado

e da metodologia utilizada, ou seja, à medida que a investigação foi

se construindo, novas formas de relacionamento entre os participantes

foram promovendo novos modos de envolvimento com os saberes que

eram elaborados, o que fez com os procedimentos inicialmente propostos

e os instrumentos de coleta a princípio definidos tomassem contornos

mais apropriados para atender às demandas do grupo.

Esta investigação foi realizada em uma escola da Secretaria Estado

de Educação do DF e desenhou-se como uma proposta de formação

continuada em serviço, pois ocorria no turno de coordenação pedagógica

dos docentes envolvidos, que eram 11 professores de Anos Iniciais do

Ensino Fundamental (embora esta proposta não faça parte dos projetos

de inclusão digital de professores desta Secretaria), no laboratório de

informática da própria escola. O quadro geral, empiricamente observa-

do, suscitou algumas questões que geraram o seguinte objetivo geral:

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

48 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

analisar as possibilidades de utilização da Pedagogia de Projetos na

formação de professores para uso do computador na Educação.

As formas de coleta de dados utilizadas foram a situação da peda-

gogia de projetos em si e a observação participante. Foram utilizados,

ainda, protocolos de observação previamente elaborados e o diário

de bordo para registrar os encontros, que também foram filmados e

alguns fotografados. Além disso, os participantes foram estimulados

a utilizarem, eles mesmos, seus diários de bordo para registrarem seu

percurso no processo.

Quanto ao percurso metodológico da pesquisa, a intenção foi de pes-

quisar a formação docente em serviço de maneira que os conhecimentos

construídos e as discussões proporcionadas fossem levados também para

a sala de aula dos próprios professores e refeitos processos semelhantes

com seus educandos de acordo com o nível e idade de cada turma. A

proposta se constituiu de cinco etapas básicas:

1. Discussão de temas pedagógicos e modos de utilização do computador

em sala de aula;

2. Construção de projetos pelos professores que previam o uso do

computador como ferramenta pedagógica;

3. Os projetos foram desenvolvidos com as turmas utilizando dinâmica

semelhante à do grupo de docentes;

4. Os resultados dos projetos dos alunos foram apresentados para toda

a escola juntamente com os resultados dos projetos dos professores

que não foram dissociados dos projetos de seus alunos;

5. Avaliação do processo vivenciado e dos resultados alcançados.

A partir da realização da pesquisa, algumas conclusões às quais a

pesquisadora chegou foram as seguintes:

• A utilização do computador como ferramenta pedagógica passa

não somente pela necessidade de uma formação nesta área, como

também pela assimilação, pelos docentes, do imperativo do uso do

computador para o seu desenvolvimento pessoal e profissional, já

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

49Educação e Cidadania • número 11 • 2009

que se os professores não se sentem pesquisadores os alunos também

não veem necessidade de sê-lo;

• Apesardeteremconsciênciadanecessidadedemudançasemsua

prática pedagógica, os professores-cursistas sentiram grande dificul-

dade tanto de promover essa mudança quanto de vivenciá-la como

estudantes;

• Emboracomdificuldadeemvivenciarformasdiferenciadasdeme-

diação pedagógica, os professores-cursistas somente conseguiram se

integrar ao curso e à pesquisa a partir do momento que foi iniciada

a discussão e a construção dos projetos que norteariam os trabalhos

na formação, o que demonstra uma melhor integração do grupo a

partir da utilização de momentos que contemplavam suas múltiplas

dimensões e quando começou a se efetivar o uso do trabalho trans-

disciplinar, apesar de a intencionalidade, desde o princípio, ser a de

um trabalho com características transdisciplinares;

• Em relação à educaçãomediada por computador, os professores

julgaram, ao final da pesquisa, que houve maior interesse dos alu-

nos pela realização de pesquisas e pela aprendizagem; ficaram mais

imaginativos, criativos e críticos a partir das pesquisas na Internet

e do uso geral do computador nas atividades propostas; passaram a

ter uma maior socialização; melhoraram a própria escrita; passaram

a ter mais curiosidade; sua participação nas atividades e discussões

aumentou significativamente; passaram a ter uma maior integração

à sua realidade social; e por fim, mostraram mais alegria diante do

processo de construção de conhecimentos e da aprendizagem;

Quanto ao trabalho com a Pedagogia de Projetos, os professores

avaliaram que: suas aulas ficaram mais prazerosas e interessantes não

só para os alunos, mas também para eles próprios; os envolvidos pas-

saram a ter maior sensação de pertencimento ao processo educativo;

aconteceram aprendizagens significativas; o trabalho passou a lidar mais

com temas reais; partir dos interesses reais dos alunos tornou-os atores

do processo de ensino e aprendizagem; passou a existir uma melhor

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

50 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

organização no planejamento e no desenvolvimento dos trabalhos; e,

por fim, uma melhor aplicação dos conhecimentos gerou um melhor

envolvimento dos alunos no processo educativo.

5 CONCLUSãO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE USO DA PEDA-

GOGIA DE PROJETOS

As conclusões a que pudemos chegar, após analisarmos as pesquisas

aqui relatadas foram que o professor se constrói docente não somente

a partir de seus estudos relacionados às estratégias metodológicas,

ou pela construção de materiais que se proponham didáticos, ele se

faz professor a partir de todo conjunto de teorias e experiências que

ele vivencia e que o faz perceber-se aprendiz, ele se torna ensinante

aprendendo. Fomos todos formados por escolas e universidades que

sempre lidaram com os conhecimentos disciplinarizados, tratados de

forma compartimentada, e torna-se um desafio transpor essa barreira

para uma educação que se proponha multicultural, multidimensional e

transdisciplinar. Entretanto não é impossível pular esse muro e começar

a fazer diferente, mas preciso se faz ter coragem de tentar.

A inclusão digital de professores deve ser capaz de inserir de for-

ma definitiva o professor na Sociedade Informacional. Contudo, essa

inserção só pode ser considerada efetiva se o professor for capaz de,

além de fazer uso do que aprendeu para suas necessidades pessoais,

empregar esse saber para todas as articulações sociais, o que inclui,

obviamente, o seu trabalho com os educandos. São necessárias, desse

modo, modificações nas estratégias de formação para a inclusão digital,

para que possam se dar abalizadas por um conteúdo teórico relacio-

nado às habilidades linguísticas de seu público-alvo, voltadas para o

uso dos conhecimentos para intervenção social (inclua-se o trabalho

pedagógico com alunos) e vinculadas com as instituições, nas quais

atuam os sujeitos em formação.

Gilberto Lacerda Santos, Márcio Ferreira e Wanessa de Castro

51Educação e Cidadania • número 11 • 2009

A pedagogia de projetos proporciona aos sujeitos envolvidos na

relação educativa novas interações, seja com o outro, seja com o

conhecimento. Um aspecto de extrema importância em um trabalho

com projetos é que não precisamos da compartimentalização e da

disciplinarização para aprender algo, podemos aprender a apreender

estudando os fenômenos em sua totalidade, com sua complexidade,

e a partir de vários enfoques diferentes, não apenas aquele dado pela

ciência. Enfim, pode-se dizer que a pedagogia de projetos propicia

uma educação voltada para o desenvolvimento da solidariedade, de

uma cidadania participativa e de pessoas críticas, criativas e trans-

formadoras.

A inclusão digital de professores e a utilização do computador como

ferramenta pedagógica, por outro lado, traz ao educador novos modos

de produzir conhecimento e novas formas de lidar com o conhecimento

historicamente construído, bastando para isto, que esse educador se

coloque na posição de sujeito aprendente, de aprendiz, de pesquisador,

e a partir daí ele inicie um novo ciclo de trabalho de sensibilização de

novos aprendizes pesquisadores capazes de se perceberem sujeitos de

sua própria aprendizagem, de sua própria existência.

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GILBERTO LACERDA SANTOS

Gilberto Lacerda Santos é Professor Associado III da Faculdade de

Educação da Universidade de Brasília, onde atua em extensão, gra-

duação e pós-graduação. É Doutor em Sociologia do Conhecimento

A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de professores

54 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Científico e Tecnológico pela Universidade de Brasília (2001); Ph.D. em

Educação, com ênfase em Informática na Educação, pela Universidade

Laval (Canadá, 1995); Mestre em Tecnologias na Educação, com ênfa-

se em Inteligência Artificial, pela Universidade Laval (Canadá, 1991).

É líder do Grupo de Pesquisas Ábaco sobre o uso do computador na

educação, ligado à Universidade de Brasília. É consultor de inovação

em organizações públicas e privadas. Coordena o Museu Virtual de

Ciência e Tecnologia da Universidade de Brasília. Publicou 32 artigos

completos em periódicos, 10 livros e capítulos de livros e 51 trabalhos

completos em anais de congressos nacionais e internacionais. Recebeu

10 prêmios nacionais e internacionais. Orientou centenas de trabalhos

(dissertações de mestrado, monografias de especialização, pesquisas

de iniciação científica, trabalhos de conclusão de cursos de graduação).

Orienta atualmente 2 teses de doutorado e 2 dissertações de mestrado.

Os termos mais frequentes na contextualização de sua produção cien-

tífica são inovação científica e tecnológica, informática na educação,

educação a distância, formação de professores, sociedade da informação,

engenharia de softwares e ciência, tecnologia e juventude.

Recebido em: 03/08/2009

Aceito em: 18/08/2009

SANTOS, Gilberto Lacerda; FERREIRA, Márcio; CASTRO, Wanessa

de. A pedagogia de projetos como estratégia de inclusão digital de

professores. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11,

p. 31-54, 2009.

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância: o contexto

do pró-licenciatura

Ana Beatriz Gomes Carvalho

RESUMOA educação a distância é implementada no ensino superior como uma moda-lidade que surge para propiciar a formação de professores em exercício, assim como a formação de novos professores para Educação Básica, configurando-se como uma política pública de expansão de vagas nas instituições públicas. A fundamentação que alicerçou a política pública de educação a distância foi a avaliação realizada pelo Sistema de Avaliação Básica que apontou a deficiência de qualidade da escolarização, servindo de base para uma série de ações do Governo Federal. Na busca pela melhoria da Educação Básica, foi realizado o Programa Pró-Licenciatura, para a criação de cursos de Graduação (Licenciatu-ras) na modalidade a distância para formação e qualificação do professor que atua em sala de aula na rede pública. O objetivo é analisar e contextualizar as questões político-ideológicas que desenharam as ações de Estado na imple-mentação do Projeto Pró-Licenciatura. Trata-se de uma pesquisa documental, desenvolvida a partir da análise do material documental que precedeu e fun-damentou a concepção político pedagógica do Pró-Licenciatura, observando a contextualização da conjuntura local/global, e dos processo de implementação desenvolvidos pelas Universidades Públicas participantes.

PALAVRAS-CHAVEPolíticas Públicas; Formação de Professores; Educação a Distância.

ABSTRACT Distance education is implemented in college as a way that appears to provi-de teacher training in exercise, as well as training of new teachers for basic education by setting up as a public policy to increase in enrollment in public institutions. The reasoning that cemented the public policy of distance edu-cation was the evaluation by the Evaluation System Basic wich pointed out the poor quality of school education, serving as basis for several actions of the Federal Government. On the search for improvement of the basic education, was performed Pro-Degree Program for the creation of undergraduate cour-ses (Undergraduate) in the distance mode for training and qualification teacher that works in the classroom of the public network. The objective is to analyze and contextualize the political and ideological issues that shaped the actions of State in implementing a pro-Degree. As a research documentary, developed

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

56 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

from the analysis of documentary material that preceded and based on the design of educational policy Pro Degree, observing the contextualization of the situation local / global, and the process  implementation developed by participants Public Universities.

KEy WORDS Public Politics; Teacher Training; Distance Education.

1 INTRODUçãO

Este artigo analisa as políticas públicas em educação a distância

focadas na melhoria da qualidade da educação básica, construindo o

processo de implementação das duas maiores ações governamentais

para a criação dos cursos de ensino superior na modalidade a distância.

Apresentaremos o Programa Pró-Licenciatura desde a sua concepção

até a operacionalização das ações para a implementação dos cursos,

estabelecendo as conexões e relações que o caracterizam como um

campo de correlação de forças que expressam representações sobre

educação. O objetivo de nossa pesquisa é analisar e contextualizar as

questões político-ideológicas que desenharam as ações de Estado na

implementação do Projeto Pró-Licenciatura. Trata-se de uma pesquisa

documental, desenvolvida a partir da análise do material documen-

tal que precedeu e fundamentou a concepção político pedagógica

do Pró-Licenciatura, observando a contextualização da conjuntura

local/global, e dos processo de implementação desenvolvidos pelas

Universidades Públicas participantes.

A correlação de forças esteve presente em todos os momentos de cria-

ção do Programa e, justamente por ter permitido um debate amplo sobre

o assunto naquele momento, expressa um movimento democrático de

construção de um programa. Isso não significa que todos os envolvidos

participaram da discussão ou que o resultado final tenha sido o mais

adequado para todos. Assim, pensar em organização de consórcios,

diálogos com o poder público e representatividade de pessoas que não

Ana Beatriz Gomes Carvalho

57Educação e Cidadania • número 11 • 2009

estavam associadas ao governo federal, constituiu-se em uma novidade

no cenário das políticas públicas voltadas para a educação. Não era

apenas uma questão de querer fazer a educação a distância, era também

uma questão de saber como. É neste contexto que a diversidade e a

multiplicidade de concepções e tendências sobre a EAD é fundamental

para a construção de propostas a partir do diálogo e da compreensão de

que existem diferentes perfis de instituições, alunos, organizações etc.

2 AS CONCEPçõES DO PRó-LICENCIATURA

Os estudos recorrentes sobre o desempenho dos alunos nas escolas

públicas refletem sempre os debates sobre a qualidade do ensino. Se-

gundo Oliveira (2001, p. 51), “no decorrer dos anos 90 o debate sobre

educação e desenvolvimento esteve pautado pela exigência de responder

ao padrão de qualificação emergente no contexto de reestruturação

produtiva, passando pela reforma dos sistemas públicos de ensino”. A

preocupação central, contudo, não estava limitada à formação da força

de trabalho para lidar com as inovações tecnológicas e organizacionais,

incluíram também questões políticas como financiamento, controle e

gestão da educação pública e cultural, a partir das mudanças da reestru-

turação econômica e da necessidade de mudança do paradigma educa-

cional na sociedade da informação (CASTELLS, 2003; SANTOS, 2001).

O primeiro edital para financiamento público de cursos em nível

superior na modalidade a distância é realizado por meio da Chamada

Pública n° 1/2004, lançado em julho de 2004 para os cursos de licen-

ciatura em Pedagogia, Física, Química, Matemática e Biologia. Neste

edital somente poderiam concorrer as universidades públicas, organi-

zadas em consórcios, com um projeto único que pudesse ser utilizado

em todas as instituições participantes. O fato é que esta exigência foi

colocada já no primeiro edital de financiamento de cursos e obrigou as

instituições públicas a não apenas se organizarem em consórcios, mas

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

58 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

desenvolverem projetos únicos que pudessem ser aplicados em todas

as instituições participantes.

A UNIREDE foi formada como um consórcio interuniversitário com

o nome de Universidade Virtual Pública do Brasil. A ideia central do

consórcio era lutar por uma democratização do acesso ao ensino superior

público, gratuito e de qualidade, bem como socializar as experiências,

materiais e outras formas de cooperação entre as instituições públicas

de nível superior. A justificativa para este movimento é a capacidade

de mobilização e articulação política dos idealizadores do consórcio e o

interesse do governo em realizar experiências em educação a distância

com o aval acadêmico e científico dos professores pesquisadores das

principais IES do país.

3 A PUBLICAçãO DOS EDITAIS DO PRó-LICENCIATURA

O primeiro edital publicado especificamente voltado para os cursos

de graduação em licenciatura, foi a chamada pública 01/2004, publicado

em junho de 2004, para as instituições interessadas em oferecer cursos

de graduação a distância nas áreas de Matemática, Física, Química e

Biologia e Pedagogia. Além da interlocução do edital nas listas dos con-

sórcios regionais, o MEC disponibilizou o edital na sua página da Inter-

net com o objetivo de recolher sugestões para a versão final do edital.

Foram selecionados oito grupos, entre 39 universidades, situados nos

Estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Amapá,

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco, Pará, Alagoas,

Paraná e Distrito Federal. As propostas das Universidades contemplaram

o oferecimento de 17.585 vagas para a chamada Universidade do Século

XXI, com financiamento de 14 milhões de reais distribuídos entre as

instituições de acordo com os respectivos planos de trabalho.

No ano seguinte, em 2005, o MEC realizou um processo seletivo para

as instituições interessadas em ofertar cursos de licenciatura a distância,

Ana Beatriz Gomes Carvalho

59Educação e Cidadania • número 11 • 2009

chamado de Pró-Licenciatura (Fase 2). Este documento trazia algumas

diferenças significativas em relação ao edital anterior, com pressupostos

metodológicos e orientações pedagógicas bem definidas e comunicadas

com antecedências para os interessados.

A Resolução/CD/FNDE/nº 34, de 9 de agosto de 2005, estabelece os

critérios e os procedimentos para a apresentação, seleção e execução

de projetos de cursos de licenciatura para professores em exercício

nas redes públicas nos anos/séries finais do ensino fundamental e/

ou no ensino médio, na modalidade de educação a distância, funda-

mentada na constituição federal. O objetivo disposto no capítulo I,

Art. 2º, deixava claro o público, a forma, a duração e os critérios de

elegibilidade da IES.

Ofertar cursos de licenciatura, com duração igual ou maior que a mínima exigida para os cursos presenciais, na modalidade de educação a distância para formação inicial de professores em exercício nas redes públicas nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio, sem licenciatura na disciplina em que estejam exercendo a docência. (BRASIL, Resolução CD/FNDE nº 34/2005).

Em relação ao modo de articulação, temos duas esferas em diferentes

níveis que aumentavam significativamente o risco do desenvolvimento

de projetos nesta linha. A primeira esfera está relacionada com a própria

organização governamental que estabeleceu uma articulação entre a

SEED, a SEB e o FNDE, ou seja, para funcionar o projeto dependia do

funcionamento da máquina em três instâncias, com atribuições e res-

ponsabilidades distintas. Na segunda esfera, estava a articulação dos

consórcios das instituições com as secretarias Estaduais e Municipais

de educação, que tinham pouca atribuição de execução, mas eram

responsáveis por atestar a demanda de professores sem formação em

exercício em seus respectivos sistemas.

As exigências para o projeto incluíam o uso didático de tecnologias

de informação e comunicação, estratégias de interação, relação numé-

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

60 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

rica tutor/aluno, linguagens, materiais e mídias utilizadas, entre outros

elementos específicos da modalidade a distância.

Embora integrante do documento como fundamentação para as

diretrizes propostas na chamada pública para as IES interessadas, as

políticas de seleção e implementação dos cursos não seguiram o per-

fil dos dados apresentados. De acordo com o quadro, as regiões com

maior número de professores sem o nível de escolaridade necessário

eram a região Nordeste e a região Norte. Na distribuição de recursos

e financiamento de cursos, essas regiões não foram privilegiadas com

a concentração de cursos e instituições em nenhum dos três editais

lançados especificamente para as licenciaturas a distância (Elaboração

de materiais, Pró-Licenciatura Fase 1 e Fase 2), como veremos a seguir,

na análise dos resultados do processo de seleção da chamada pública

através de edital.

4 OS RESULTADOS DA CHAMADA PúBLICA ATRAVéS DE EDITAL

O critério de seleção das propostas de cursos a distância do Pró-

-Licenciatura Fase 2, foi definido na Resolução/CD/FNDE/nº 34 que es-

pecifica as condições de aprovação através de um processo de seleção,

julgamento, pontuação e classificação dos projetos por uma comissão

designada formalmente pela SEB e SEED. Segundo Leite et al (2007), as

comissões de avaliação foram criadas por força de portarias ministeriais

para a composição das comissões e subcomissões. Foram convidados

pesquisadores das diversas áreas de conhecimento apontadas pela co-

missão que possuíam formação e experiência em EAD, formando-se a

assim, subcomissões que possuíam especialistas nas áreas específicas

e especialistas em EAD. A maior parte dos pesquisadores das áreas

específicas também trabalhava e desenvolvia pesquisas em EAD, e

“esta multiplicidade de olhares enriqueceu sobremaneira os trabalhos

das Comissões e propiciou espaços de discussão teórico-filosófico-

Ana Beatriz Gomes Carvalho

61Educação e Cidadania • número 11 • 2009

-paradigmático-prático extremamente significativos para as avaliações

e a construção dos pareceres” (LEITE et al, 2007, p. 3).

A organização do trabalho de avaliação dos projetos foi realizada

por meio da criação das subcomissões, por área específica de trabalho,

com intensa colaboração entre as subcomissões, e a eleição de um pre-

sidente para coordenar os trabalhos das subcomissões e garantir que

o sistema de pontuação fosse equilibrado entre todos os avaliadores.

Ainda segundo Leite et al (2007), a dinâmica estabelecida promoveu in-

terdependência e valorização das competências para atingir os objetivos

propostos, configurando uma espécie de inteligência coletiva presencial.

Na visão dos avaliadores, os projetos apresentaram vários problemas

que se conflitavam com as orientações da resolução. Um deles está rela-

cionado com a organização em consórcio e segundo Leite et al (2007),

uma primeira análise mostrou que vários projetos haviam sido feitos

de forma independente, sem a devida integração e diversas parcerias

pareciam existir somente com a finalidade de atender a uma exigência

do edital, e não de fato. Nestes casos, não era possível visualizar como

os proponentes iriam articular-se, por não haver definição clara dos

papeis de cada um dos parceiros.

Para os autores, as propostas eram, em geral, baseadas em cursos

presenciais transpostos para a modalidade EAD, evidenciada pelo uso

excessivo de momentos presenciais, poucas mudanças nas ementas e

nas atividades propostas, uso de transcrições dos termos presentes no

edital, declarações genéricas sem articulação entre os elementos serviço,

indefinição dos papeis dos docentes envolvidos, entre outras lacunas.

Os avaliadores ainda apontaram no artigo alguns problemas no próprio

sistema de pontuação dos projetos.

Algumas propostas inovadoras foram feitas como, por exemplo, o uso de um tema-gerador para o desenvolvimento das atividades didático-pedagógicas do curso. Embora possuísse algumas falhas, como a necessidade de uma melhor articulação entre a concepção teórica com a grade e as atividades propostas, o projeto era bastante

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

62 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

promissor. Acabou sendo mal classificado, pois perdeu pontos, por exemplo, no número de vagas ofertadas. Isto foi observado em outros casos, ou seja, aqueles projetos que apresentavam propostas inovadoras eram extremamente tímidos na oferta de vagas, o que fazia com que bons projetos fossem mal classificados pelas regras do edital. (LEITE; BARBETA; MUSTARO, 2007, p. 3).

Dois pareceres emitidos pelos avaliadores para duas instituições

públicas que concorreram neste edital parece corroborar a versão e o

detalhamento apresentado no trecho do artigo. Temos dois casos distin-

tos, um curso que foi aprovado e outro reprovado no processo seletivo

e podemos observar que as questões colocadas no parecer final trazem

exatamente as questões abordadas pelos autores no artigo.

O projeto em sua totalidade continua muito próximo a um projeto tradicional presencial dado seus aspectos pedagógicos – fundamentais para a transposição de qualidade de um curso de EaD. Em especial destacamos as questões de organização curricular; do sistema de tutoria com ênfase na tutoria presencial, dos materiais rígidos e do sistema de avaliação que, embora incorpore as palavras processual e formativa, enfatiza os aspectos pontuais deixa dúvidas como incorporarão o sistema formal rígido existente nas universidades (Parecer A, emitido em Campinas, em 17/12/2005).

É importante ressaltar que as pessoas que assinam o parecer não

são os mesmos autores do artigo, embora o discurso e o foco sejam

exatamente o mesmo. Outros elementos também foram abordados no

parecer, como o sistema de tutoria (atribuições de tutores e professo-

res formadores) com ênfase no presencial; o uso de recursos didáticos

e ferramentas das TIC não resolvidos, uma vez que a proposta não

apresenta com clareza os objetivos e as dinâmicas dos momentos

presenciais e a distância; o não aproveitamento das facilidades das

TIC, no que diz respeito ao uso proposto de materiais impressos

(o que encarece e engessa as atividades sugeridas); as questões

metodológicas (dinâmica das interações e, sobretudo, a demanda

Ana Beatriz Gomes Carvalho

63Educação e Cidadania • número 11 • 2009

inerente ao formato proposto que exigirá sucessivos deslocamentos

dos alunos até o polo).

Os critérios de seleção consideraram a consolidação das IES em

experiências práticas de educação a distância que acabaram penali-

zando as instituições que buscavam implementar novos cursos e não

possuíam experiência acumulada em EAD. Outra questão é que houve

nas trocas realizadas entre os avaliadores, um critério comparativo en-

tre os projetos, que também pode ter penalizado algumas instituições

que apresentaram projetos mais sólidos em virtude de sua experiência

anterior, mesmo que não tivesse nenhum aspecto inovador. Em outro

parecer, neste caso favorável, o texto de avaliação é até mais crítico do

que o outro, apesar do resultado final.

O projeto apresenta algumas fragilidades no que se refere a sua organização curricular. Em determinado momento, apresenta uma carga horária de 2830 (página 20), em outra página demonstra 3075 horas. Há disciplinas sem bibliografia e com autor não correspondente a obra mencionada. O componente curricular relativo ao estágio não apresenta regras claras e não explicita a forma de cumprimento e acompanhamento discente, bem como a consideração da experiência docente no cálculo das 400 horas, como requer a legislação vigente. Nota-se uma certa similaridade do currículo proposto para EaD com um elaborado para um curso na modalidade presencial. A estrutura proposta para a operacionalização do curso está apresentada de forma pouco minuciosa e apresenta detalhes apenas no que diz respeito as funções dos tutores (Parecer B, emitido em Brasília, em 05 de outubro de 2005).

O resultado final privilegiou um grande número de Instituições e uma

razoável diversidade de cursos, embora a distribuição geográfica não

tenha sido intensificada nas áreas mais carentes, e sim fragmentada em

praticamente todo o território nacional, seja pelas IES representantes,

seja através das consorciadas. Na publicação do resultado, estava ex-

plícito no Art°. 2 que as instituições teriam cinco dias úteis, a partir da

publicação, para a interposição de recurso junto ao MEC questionando

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

64 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

o resultado do processo seletivo, embora estivesse claro que só seria

considerado o recurso tempestivo coerente com o objeto de avaliação da

Comissão de Seleção e Julgamento. Não temos informação de quantas

instituições entraram com algum tipo de recurso e qual o resultado

desta interposição.

A partir do resultado das instituições contempladas e seus respectivos

cursos, verificamos que as Universidades confessionais foram contem-

pladas neste processo de seleção. É possível verificar a fragmentação

territorial das instituições contempladas, bem como a diversidade de

cursos propostos. A partir da análise dos pareceres de aceitação e recusa

dos cursos, considerando os critérios abordados, verificamos uma opção

por cursos que atendessem o perfil mais próximo do documento que

estipulou os objetivos, eixos e perspectiva do Pró-Licenciatura, inserido

neste perfil a diversidade institucional e geográfica dos futuros cursos

a distância.

Se considerarmos um quantitativo simples, número de instituições

por cursos, podemos verificar que existe um padrão entre quatro e cinco

instituições por curso, com exceção do curso de Letras que abarca uma

série de habilitações diferenciadas, apresentando doze instituições para a

oferta. A concentração de instituições contempladas está nas regiões do

Centro-Sul, com apenas quatro instituições fora do eixo centro-sul (três

na região Norte, e apenas uma na região Nordeste). Isso não significa

que a área de atuação fosse restrita ou que outras IES não tenham sido

contempladas. É importante lembrar que o resultado mostra apenas o

nome da IES representante, mas todas elas estavam organizadas em

consórcios, com uma área de atuação territorial bastante ampla.

Ao analisarmos a situação de todos os cursos e as suas respectivas

instituições em 2009, verificamos que todas as condições construídas

apresentaram resultados diferentes, reflexo da complexidade nas estrutu-

ras internas das Universidades e do grau de organização dos consórcios e

equipes de gestão da EAD. É importante ressaltar que o Pró-Licenciatura

foi substituído por uma nova proposta, a Universidade Aberta do Brasil

Ana Beatriz Gomes Carvalho

65Educação e Cidadania • número 11 • 2009

(UAB), constituindo uma mudança profunda na proposta governamental

de educação a distância.

5 CONSIDERAçõES SOBRE CRIAçãO DA UNIVERSIDADE ABERTA

DO BRASIL (UAB)

A criação da UAB ocorre em junho de 2006, ao mesmo tempo em

que seu projeto piloto do Curso de Administração a distância iniciava

as atividades. Naquele momento, a articulação para a implementação

do curso nas IES públicas, estava fundamentada no chamado Fórum

das Estatais e na possível existência da Universidade Aberta do Brasil.

Em dezembro de 2005 foi publicado um edital, chamado posteriormente

de Edital UAB 1, seis meses antes da criação oficial do Sistema. O do-

cumento de criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através

do Decreto n° 5.800, assinado em 8 de junho de 2006, decreta em seu

Art.1o, “Fica instituído o Sistema Universidade Aberta do Brasil-UAB,

voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância,

com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e progra-

mas de educação superior no País”. O primeiro item do parágrafo único

que inicia o Decreto 5.800, afirma que “o objetivo da UAB é oferecer,

prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continu-

ada de professores da educação básica” (Decreto n° 5.800, 2006, p. 1).

Nos causa estranhamento, portanto, que o curso do Projeto Piloto da

UAB seja um curso de Bacharelado em Administração e não um curso

de Licenciatura, mas considerando as questões operacionais tratadas

anteriormente, é possível compreender a razão principal. Outro fato

importante, é que tanto o Projeto Político-Pedagógico do curso da Ad-

ministração a distância implementado nas Universidades participantes

como todo o material pedagógico, é único, desenvolvido inicialmente

pela Universidade Federal de Santa Catarina e posteriormente pelas

demais Universidades parceiras. Isso significa que um único projeto,

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

66 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

com suas bases conceituais e teóricas e grade curricular, foi utilizado

em Instituições que estavam localizadas desde o Rio Grande do Sul até

o Amazonas. Assim, não existe diversidade, seja ela curricular, cultural,

teórica ou pedagógica. É um pacote pronto e acabado que representa

muito bem o modelo proposto por Peters (1983) para a educação fordista.

O Edital também apresenta uma modificação profunda na política de

EAD no país. Enquanto no Pró-Licenciatura o fio condutor da análise

dos cursos selecionados era o Projeto Político-Pedagógica e sua proposta

de ação, no contexto da UAB o único critério era a articulação com os

municípios, responsáveis a partir de então pela estrutura e manutenção

dos polos. As IES seriam responsáveis pela parte acadêmica de produção

dos materiais, oferta de disciplinas e certificação. Isso significa, de forma

bem direta, que os pequenos municípios do interior que se dispusessem

a ofertar um polo para os cursos a distância deveriam prover a estrutura

física com equipamentos, livros, pessoal, laboratórios etc. Considerando

a realidade da educação brasileira nas pequenas cidades e o montante

de recursos que nunca é suficiente para o desenvolvimento de uma

educação realmente de qualidade, é uma surpresa verificar que setenta

municípios aderiram ao projeto, e uma constatação óbvia que poucos

cumpriram com o compromisso firmado. Diante desse quadro, o MEC

foi obrigado a intervir no processo e garantir que equipamentos, livros

e bolsas seriam fornecidos para garantir a continuidade da proposta

inicial. Ou seja, o projeto idealizado no Fórum das Estatais terminou

assumindo uma configuração bastante semelhante ao Pró-Licenciatura,

com o detalhe de que não eram mais as IES públicas que gerenciavam

os processos e sim os gestores Estaduais/Municipais.

A partir da aprovação no Congresso Nacional do novo papel da CAPES

para cuidar da Educação Básica, é criada uma diretoria de Educação

a Distância. Este papel é considerado novo porque, tradicionalmente,

a CAPES era responsável pela pós-graduação no país, sendo um ór-

gão de fomento e regulação da pesquisa acadêmica. A Universidade

Aberta do Brasil é uma articulação entre os polos de apoio presencial

Ana Beatriz Gomes Carvalho

67Educação e Cidadania • número 11 • 2009

(responsabilidade dos Municípios e Estados) e os cursos de graduação

e pós-graduação (responsabilidade de Instituições Públicas de Ensino

Superior), em regime de colaboração pública. Segundo os dados, o

edital da UAB do período 2006-2007, implementou 291 polos e o edital

de 2007-2008 selecionou 271 polos, com 70% de implementação até

março de 2009.

Sobre a migração, foi proposta a incorporação do Pró-Licenciatura

para os polos da UAB, com a apropriação apenas da estrutura física,

considerando que os cursos do pró-licenciatura estão acabando e não

terão uma nova chamada, com a seguinte configuração: financiamento

pela SEED com Diretrizes do Sistema UAB (relacionadas com a gestão

financeira e a articulação dos polos); gestão nas IES integrada ao Sistema

UAB e migração de parte dos Polos do Pró-Licenciatura para o Sistema

UAB, no âmbito do Plano de Ações Articuladas (PAR).

6 CONCLUSãO

Como foi mostrado neste trabalho, o Pró-Licenciatura foi substituído

pela Universidade Aberta do Brasil. Como modelo pronto, a UAB repre-

senta determinados grupos que compreendem a Educação a Distância

como um paradigma hegemônico, no qual é possível realizar matrículas

em grande quantidade, apresentando números surpreendentes no cres-

cimento do Ensino Superior. O discurso é fundamentado em números

impactantes de polos, municípios atendidos, crescimento de matrículas

e cursos oferecidos. A qualidade existe como um discurso disciplinador

para as IES que não seguirem o padrão de qualidade determinado pelo

MEC, incluindo a concordância com o modelo proposto. Não existe um

projeto pedagógico, não é apresentada nenhuma fundamentação teórica

para justificar as estratégias na consolidação dos cursos e polos. Fala-se

em “geopolítica” dos polos e se apresenta diagramas que não traduzem

uma política clara de EAD no ensino superior que esteja dissociada do

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

68 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

incremento nos números. Podemos afirmar, diante do discurso gover-

namental oferecido, que o modelo de EAD implementado atualmente

apresenta convergência com a proposta fordista no processo de educação

de massas, apesar da roupagem tecnológica com a qual foi revestida.

O fato é que toda inovação, sobretudo na educação, deve ser realizada

com cautela na experimentação de novas modalidades, especialmente,

as que utilizam forte agregado tecnológico, como é o caso da EAD. É

preciso consolidar as propostas, criar a cultura digital, associar os re-

cursos tecnológicos ao processo de aprendizagem, adaptar os alunos ao

novo ritmo de acesso à informação e avaliar cada etapa cumprida, cada

recurso utilizado. O incremento de cursos superiores na modalidade

a distância propiciou o surgimento de muitas pesquisas na área, mas

muito ainda precisa ser feito. A existência de um modelo hegemôni-

co de EAD reprime as experiências inovadoras, engessa o currículo e

uniformiza a diversidade. Esta ação gera ressentimentos nos gestores,

professores, tutores e alunos, que buscam a flexibilidade na EAD e

encontram imobilidade.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura - MEC. Decreto nº 1.237, de 06/09/1994. Dispõe: sobre a criação do Sistema Nacional de Educação a Distância – SINEAD.

________. Referenciais de Qualidade para Cursos a Distância. Secretaria de Educação a Distância - SEED. Brasília, 2003.

________. Resolução/CD/FNDE nº 34, de 06/08/2005. Dispõe: sobre os critérios e os procedimentos para a apresentação, seleção e execu-ção de projetos de cursos de licenciatura para professores em exercício nas redes públicas nos anos/séries finais do ensino fundamental e/ou médio, na modalidade de educação à distância.

CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

CASTRO, M. H. Declaração do Brasil para a Cúpula Mundial da Educação de Dacar. In: Fórum Mundial de Educação, 2000.

Ana Beatriz Gomes Carvalho

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ANA BEATRIZ GOMES CARVALHO

Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Uni-

versidade Federal de Pernambuco e do Programa de Pós-Graduação em

Educação Matemática e Tecnológica (PPGEdumatec).

Recebido em: 10/08/2009

Aceito em: 24/08/2009

Políticas públicas de formação de professores da educação básica a distância:

o contexto do pró-licenciatura

70 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

CARVALHO, Ana Beatriz Gomes. Políticas públicas de formação de

professores da educação básica a distância: o contexto do pró-licenciatura.

Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 55-70, 2009.

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

Sidnei Renato Silveira

RESUMOEste artigo apresenta a problemática da formação pedagógica dos professores do ensino superior, em especial dos cursos da área de Informática. Além dis-so, propõe temas que podem ser empregados visando à formação do corpo docente para a promoção de espaços de sala de aula favoráveis à construção do conhecimento.

PALAVRAS-CHAVEFormação Docente; Educação em Informática.

ABSTRACTThis paper presents the problem of teacher training in higher education, espe-cially in Computer Science courses. It also proposes topics that may be used to promote the knowledge construction in classroom spaces.

KEy WORDSTeacher Training; Computer Science Education.

1 INTRODUçãO

Na área de Informática, constata-se que, um dos maiores problemas

existentes nos cursos superiores, envolve a falta de formação pedagógica

do seu corpo docente. A maioria dos professores que atua nesta área pos-

sui experiência profissional e pós-graduação, habilitando-os ao exercício

da docência. Entretanto, muitos não possuem nenhum tipo de formação

pedagógica, que os habilitem a atuar adequadamente em sala de aula. Na

maioria das vezes, suas atividades em sala de aula baseiam-se em estilos

de seus ex-professores, ou seja, o professor aplica com seus alunos o

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

72 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

estilo de aula de um professor com o qual se identificou durante sua

graduação e/ou pós-graduação (Pimenta e Anastasiou, 2008). Grillo

(2006) coloca que “é frequente o professor orientar-se pela memória

afetiva e procurar reproduzir ou evitar desempenhos conhecidos por

ele enquanto aluno, ou, já como professor, imitar algum colega que o

influenciou. Nesse sentido, visualiza-se o professor como um especia-

lista (...), na ideia de que para ensinar basta ter domínio do conteúdo.

Como especialista, o professor julga possuir um conhecimento pronto,

acabado, existente no exterior do sujeito que aprende. O ensino, en-

tão, tem só uma modalidade: dar aula, transmitindo-se ao aluno esse

conhecimento” (p. 62).

Estas informações estão baseadas na vivência em ambientes univer-

sitários, por mais de duas décadas, e na atuação em gestão acadêmica

de cursos superiores da área de Informática, em diferentes Instituições

de Ensino Superior da Região Metropolitana de Porto Alegre e, também,

embasadas em trabalhos de autores como Cachapuz (2001) e Zabalza

(2004). Zabalza (2004) coloca que “conhecer bem a própria disciplina

é uma condição fundamental, mas não é o suficiente. A capacidade

intelectual do docente e a forma como abordará os conteúdos são

muito distintas de como o especialista o faz. Esta é uma maneira de se

aproximar dos conteúdos ou das atividades profissionais pensando em

estratégias para fazer com que os alunos aprendam” (p. 111).

Atualmente, com a expansão do Ensino Superior no Brasil e o au-

mento no número de pós-graduados, especialmente na área de Infor-

mática, abriu-se um campo para a docência. Esta atividade – professor

de Ensino Superior – precisa ser encarada como uma profissão, ou seja,

além de atuar no mercado, com suas atividades profissionais ligadas

à Tecnologia da Informação, o professor precisa ter conhecimentos de

didática, avaliação, trabalho em grupo, utilização de tecnologias da

informação e comunicação em sala de aula, entre outros, dentro do

contexto da Pedagogia Universitária. Outro ponto agravante envolve a

massificação do ensino superior e a heterogeneidade dos alunos. Esta

Sidnei Renato Silveira

73Educação e Cidadania • número 11 • 2009

heterogeneidade está relacionada a diversas características, tais como

capacidade intelectual, preparação acadêmica, motivação, expectativas,

recursos financeiros, entre outras (Zabalza, 2004).

Neste contexto, este artigo apresenta algumas propostas para a cons-

trução de um programa de formação docente para a área de Informática,

voltado ao ensino superior. Inicialmente, são elencados alguns requi-

sitos considerados básicos para que um profissional exerça a atividade

docente. Além disso, também são apresentadas algumas experiências

desenvolvidas na área de Informática, voltadas à formação e promoção

de espaços para discussão de temas que envolvam a prática docente.

2 REQUISITOS BÁSICOS PARA OS DOCENTES

Inicialmente, cabe discutir quais são os requisitos necessários para

a formação docente na área de Informática. Acredita-se que, um dos

pontos essenciais, é a titulação em nível de Pós-Graduação Stricto Sensu

na área. Pimenta e Anastasiou (2008) colocam que, nos processos de

formação docente “...é preciso considerar a importância dos saberes das

áreas de conhecimento...” (p. 71), já que ninguém ensina o que não

sabe. Acredita-se que, através da formação em nível de Stricto Sensu, o

profissional esteja preparado para atuar na sua área, ou seja, domine

o conhecimento pertinente à área em questão.

Além da formação em nível de pós-graduação, a experiência docente

também é muito importante. Alguns programas de pós-graduação já

estão incorporando em suas atividades a prática docente, através de

estágios de docência. Este é o caso de programas de pós-graduação com

o cunho acadêmico, que exigem dos alunos que cursam Mestrado ou

Doutorado e que possuem bolsas da CAPES (Coordenação de Aperfei-

çoamento de Pessoal de Nível Superior) a participação em atividades

pedagógicas durante a realização do seu curso. Entretanto, existem

mestrados profissionais, reconhecidos como cursos de pós-graduação

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

74 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Stricto Sensu, que permitem que seus egressos atuem no ensino superior

sem que possuam, necessariamente, habilidades docentes.

Dentro do contexto atual, onde existe um maior envolvimento das

empresas e dos empregadores na formação acadêmica, progressiva

massificação e a consequente heterogeneização dos estudantes (Za-

balza, 2004), especialmente na área de Informática, faz-se necessária

uma forte ligação da teoria com a prática, permitindo uma integração

entre o universo acadêmico e o mundo do trabalho. Estas questões

também precisam estar envolvidas no processo de formação docente.

A atuação docente na área de Informática precisa estar sintonizada

com o mundo do trabalho, buscando aliar os estudos acadêmicos com

as tecnologias utilizadas atualmente. Esta sintonia pode ser buscada

de diferentes formas: 1) o professor pode atuar, simultaneamente, em

empresas de Tecnologia da Informação e em instituições de ensino; 2) o

professor pode realizar projetos de pesquisa em parceria com empresas;

3) o professor pode estudar diferentes tecnologias, relacionando-as aos

fundamentos da Informática, mantendo-se constantemente atualizado.

3 PROPOSTA DE TEMAS PARA PROGRAMAS DE FORMAçãO

DOCENTE

A massificação do ensino superior, segundo Zabalza (2004), foi

seguida de um decréscimo nos investimentos financeiros, motivo pelo

qual as instituições e os professores se viram obrigados a responder

a novos compromissos sem poder contar com os recursos necessários

para fazê-lo, além de existir uma grande indiferença em relação à for-

mação para a docência. Pimenta e Anastasiou (2008) também afirmam

esta indiferença, quando colocam que, na maioria das Instituições de

Ensino Superior, os professores “(...) não recebem qualquer orientação

sobre processos de planejamento, metodológicos ou avaliatórios (...)”

(p. 37). Entretanto, esta mesma massificação impõe que as instituições

Sidnei Renato Silveira

75Educação e Cidadania • número 11 • 2009

invistam em diferenciais que possam atrair e reter seus alunos. Um

dos maiores valores que uma instituição possui são as pessoas que a

compõem. Neste contexto, em uma instituição de ensino, o papel dos

professores tem um valor fundamental. As instituições que formarem,

de forma adequada, seus docentes, terão destaque perante as demais. A

formação docente permitirá que os professores estejam mais preparados

para auxiliar os alunos na construção do conhecimento. Neste sentido,

a proposta de um programa de formação docente deve abordar diversos

aspectos, dentre os quais destacam-se: interdisciplinaridade, articulação

teoria-prática, avaliação, comunicação, construção de conhecimento e

participação em eventos voltados à formação pedagógica.

A adoção de atividades interdisciplinares permite mostrar aos alunos

que os assuntos da disciplina estão relacionados a outros temas da área.

É preciso apresentar aos alunos em que contexto os conteúdos da disci-

plina poderão ser aplicados na vida profissional e como esta disciplina se

relaciona com as demais disciplinas do currículo do curso. Neste sentido,

o professor precisa atuar de forma específica (na sua disciplina) com

uma visão generalista (o todo da profissão e do curso). Braga coloca

que “... é necessário que o especialista adquira certa familiaridade com

outra disciplina diferente da sua” (1999, p. 29). Para isso, o professor

precisa conhecer o Projeto Pedagógico do Curso, onde está estabelecido

o perfil do egresso que o curso se propõe a formar. Além disso, é preciso

ter uma visão mais ampla da área de Tecnologia da Informação e suas

oportunidades. A integração entre as diversas áreas envolve o contexto

da interdisciplinaridade, que visa superar a fragmentação causada pela

epistemologia positivista, que dividiu as ciências em muitas disciplinas,

dificultando a compreensão da complexidade das experiências humanas

e dos fenômenos da natureza.

A Informática, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento

de Sistemas de Informação, é uma área interdisciplinar por natureza,

pois estuda a aplicação dos recursos da Tecnologia da Informação nas

mais diversas áreas do conhecimento humano. Esta interdisciplinaridade

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

76 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

precisa ser levada, também, aos currículos dos cursos de graduação

em Informática. A partir dos resultados de pesquisas que apresentam

a avaliação de cursos de graduação, Braga coloca que “(...) a avaliação

mostra que os currículos permanecem fragmentários, que as disciplinas

se mantêm independentes, que as intercomunicações desejadas e tidas

como necessárias em alguns casos mostram-se impossíveis de serem

percebidas pelos alunos, dificultando-lhes a realização de análises e

sínteses quando se deparam com situações complexas, nas quais os

variados conhecimentos devem concorrer seja para diagnosticar, planejar

ou para outras capacidades exigidas” (1999, p. 20).

Neste sentido, devem-se relacionar as atividades com o cotidiano da

vida profissional, mostrando onde a teoria será empregada. Além disso,

numa instituição de Ensino Superior, todas as atividades devem estar

voltadas à integração do ensino, pesquisa e extensão, além da prática

profissional, dentro de um princípio de indissociabilidade entre ensino,

pesquisa e extensão, preconizado pelo MEC (Ministério da Educação).

A articulação teoria-prática encontra, na relação entre o ensino e o

mundo do trabalho, sua forma principal de concretização. A prática,

associada à teoria, deve estar presente durante todo o curso de gra-

duação, permitindo que o acadêmico interprete ou traduza a teoria e

aplique na sua própria prática, a partir de sua reflexão.

Cowan (2002), coloca que a competência dos alunos é aumentada,

particularmente, por métodos ativos de aprendizado que desenvolvam

interesses, habilidades e experiências prévias dos aprendizes. Além disso, a

capacidade de lidar com dificuldades é desenvolvida, encorajando os alunos

a encontrarem soluções para problemas que identificaram pessoalmente.

Fica clara a importância da existência de atividades práticas, que permitam

que os alunos, alicerçados na teoria, possam colocar a “mão na massa”.

O professor pode, visando estimular os alunos, iniciar uma atividade

prática e, após a realização da mesma, apresentar a teoria que a embasa,

inclusive identificando os problemas encontrados pelos alunos, muitas

vezes por falta de conhecimento das teorias existentes sobre o tema.

Sidnei Renato Silveira

77Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Pode-se aplicar o ciclo experimentar-refletir-generalizar-testar (Cowan,

2002). Os alunos são estimulados a experimentar uma atividade prática,

refletir sobre os resultados da mesma, generalizar a solução encontrada

para aplicá-la na solução de outros problemas semelhantes e testar esta

generalização. Na área de ensino de algoritmos e programação (uma das

áreas fundamentais da Educação em Informática), por exemplo, este ciclo

pode ser utilizado de forma bastante adequada. Os alunos podem cons-

truir um algoritmo e/ou programa, verificar os resultados apresentados,

generalizar a solução, ou seja, pensar em um algoritmo que possa ser

aplicado nos mais variados casos e validar esta generalização em outros

problemas apresentados. Além da área de algoritmos e programação, ou-

tras áreas também podem se utilizar deste ciclo que representa um modelo

de como o aprendizado ocorre a partir da experiência (Cowan, 2002).

Além de realizar diferentes atividades de avaliação (trabalhos práti-

cos, provas, trabalhos de pesquisa, atividades em grupo, entre outras),

o professor precisa reservar espaços de sala de aula para fornecer um

feedback destas atividades aos alunos, apresentando os pontos positi-

vos e as características que precisam ser melhoradas. A avaliação da

aprendizagem deve ser um processo contínuo, cumulativo e gradativo,

envolvendo situações de complexidade crescente, utilizando-se diferen-

tes instrumentos.

Devem-se avaliar, preferencialmente, as capacidades de alto nível. Ao

invés de basear a avaliação acadêmica em memorização e transmissão

de conhecimentos e competências pré-estabelecidas, deve-se reforçar a

importância de que os acadêmicos adquiram outras capacidades mais

complexas, tais como a capacidade de lidar com a informação e resolver

problemas, criatividade, capacidade de planejamento e avaliação de

processos, entre outras (Zabalza, 2004).

A atividade de ensinar envolve o ato de comunicação com um deter-

minado grupo social, neste caso, uma turma de alunos. Um dos maiores

obstáculos para o professor é motivar e manter a atenção destes alunos.

Esta motivação não deve ser realizada somente a custo de notas – o

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

78 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

quanto vale cada atividade na disciplina – ou a custo do autoritarismo

– o professor é o senhor da sala de aula. É claro que uma das respon-

sabilidades do professor é manter a ordem do espaço da sala de aula,

para que o processo de ensino e aprendizagem flua de forma adequada.

Entretanto, esta ordem pode ser obtida sem que seja necessário criar

inúmeras regras ou manter um abismo entre professores e alunos. Santos

(2004 apud Enricone, 2006) coloca que, entre outras habilidades, um

professor competente na área pedagógica precisa motivar os alunos e

mobilizar sua atenção, manejar tensão e conflito, vencer obstáculos e

compreender o ponto de vista do aluno.

O professor deve criar um ambiente propício para que exista um

diálogo. Uma aula extremamente tradicional, expositiva, não permite

que os alunos exponham suas dúvidas. Muitos alunos não se sentem à

vontade para realizar perguntas perante uma turma. É preciso estabele-

cer momentos em que o professor possa ficar mais próximo dos alunos,

acompanhando atividades práticas individuais ou em grupo, permitindo

um acesso mais facilitado. Outra forma é disponibilizar um e-mail para

responder perguntas. Claro, não basta disponibilizar os e-mails e não

respondê-los. Todos as mensagens precisam de respostas.

Nas aulas práticas no laboratório de informática, atividade bastante

comum em cursos de Informática, o professor deve combinar com os

alunos o que eles podem ou não fazer, deixando que, nos momentos

em que estão sendo realizadas as atividades, eles possam acessar con-

teúdos diferentes da disciplina. Se o fato deles acessarem suas caixas

de e-mail, por exemplo, não atrapalha o andamento da aula, para que

criar um clima desestimulante, proibindo este acesso?

Muitos docentes acreditam que as bibliografias clássicas de uma

determinada área são suficientes para seus alunos. Entretanto, alguns

pesquisadores, tais como Demo (2004), colocam que o professor uni-

versitário não deve ser apenas um repetidor de conhecimentos, ou

seja, deve construir conhecimento. Esta construção envolve, também,

a elaboração de materiais didáticos próprios para suas disciplinas.

Sidnei Renato Silveira

79Educação e Cidadania • número 11 • 2009

“O sistema convencional de transmissão de informação por parte

do professor, que parte dos estudos sobre livros-texto é, hoje em dia,

superado: novos meios e novos recursos técnicos cumprem melhor que

os professores essa função transmissora; ao contrário disso, torna-se

necessário um papel mais ativo dos professores como orientadores e

facilitadores da aprendizagem” (Zabalza, 2004, p. 63).

A atividade docente é bastante complexa. O professor precisa domi-

nar a área específica de sua disciplina e, também, características que

envolvem comunicação, didática, trabalho em grupo, gerenciamento

de conflitos, entre outras.

Zabalza (2004) coloca que, além de conhecer os conteúdos os

docentes devem ser capazes de: 1) analisar e resolver problemas;

2) analisar um tópico até detalhá-lo e torná-lo compreensível; 3)

observar qual é a melhor maneira de se aproximar dos conteúdos e

de abordá-los nas circunstâncias atuais; 4) selecionar as estratégias

metodológicas adequadas e os recursos que maior impacto possam

ter como facilitadores da aprendizagem; 5) organizar as ideias, a in-

formação e as tarefas para os estudantes; 6) fazer com que o material

que deve ser ensinado seja estimulante e interessante; 7) explicar o

material de uma maneira clara; 8) deixar claro aos alunos o que se

estudou, em que nível e por quê; 9) improvisar e se adaptar às novas

demandas; 10) utilizar métodos de ensino e tarefas acadêmicas que

exijam dos estudantes o envolvimento ativo na aprendizagem, assu-

mindo responsabilidades e trabalhando cooperativamente; 11) centrar

a disciplina nos conceitos-chave dos temas e nos erros conceituais

dos estudantes antes da tentativa de dominar, a todo custo, todos os

temas do programa; 12) ofertar um feedback de máxima qualidade

aos estudantes sobre seus trabalhos.

Uma das alternativas para se adquirir tais habilidades é participar

de cursos e/ou seminários que abordem a temática da formação pe-

dagógica. Atualmente, inúmeras Instituições de Ensino Superior rea-

lizam seminários de formação pedagógica, abordando diversos temas

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

80 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

relacionados à Pedagogia Universitária. Estes seminários contam com

palestras, oficinas, minicursos e debates sobre assuntos necessários à

atuação docente. Como a maioria dos docentes não possui formação

para assumir as atividades inerentes aos processos de ensino e aprendi-

zagem, estes espaços podem propiciar a discussão de elementos teóricos

e práticos relativos às teorias pedagógicas.

A participação dos docentes nestes seminários é de extrema impor-

tância. A docência universitária é uma atividade profissional complexa

que requer uma formação específica. O docente deve manter-se cons-

tantemente atualizado, para desenvolver-se pessoalmente e profissio-

nalmente, dentro de um processo que requer atualizações constantes.

“Ensinar é uma tarefa complexa na medida em que exige um conheci-

mento consistente acerca da disciplina ou das suas atividades, acerca

da maneira como os estudantes aprendem, acerca do modo como serão

conduzidos os recursos de ensino a fim de que se ajustem melhor às

condições em que será realizado o trabalho, etc.” (Zabalza, 2004, p. 111).

4 ALGUMAS EXPERIêNCIAS VOLTADAS à FORMAçãO DOCENTE

NA ÁREA DE INFORMÁTICA

Na área de Informática são realizados eventos voltados à discussão do

tema Educação em Informática. Cabe destacar a diferença da Educação em

Informática e de Informática na Educação pois, muitas vezes, estes termos

são interpretados de forma errônea. A Educação em Informática envolve

o estudo de estratégias e ferramentas que podem ser aplicadas no ensino

em cursos específicos da área de Informática (Ciência da Computação,

Engenharia de Computação, Sistemas de Informação). A Informática na

Educação envolve a aplicação das ferramentas de informática no ensino

das mais diferentes áreas, inclusive no apoio à Educação a Distância.

Com relação aos eventos envolvendo Educação em Informática, a

maioria tem apoio da SBC (Sociedade Brasileira de Computação), tais

Sidnei Renato Silveira

81Educação e Cidadania • número 11 • 2009

como o WEI – Workshop de Educação em Informática, realizado junta-

mente com o Congresso Anual da Sociedade Brasileira de Computação.

No Rio Grande do Sul, um grupo de docentes de diversas Instituições

de Ensino Superior iniciou um movimento para qualificar as atividades

pedagógicas na área de Informática. Este movimento iniciou-se no ano

de 2007, com a realização do I WEI Tchê – Workshop de Educação em

Informática do RS e do I FGCoordI – Fórum Gaúcho de Coordenadores

de Cursos de Informática. Ambos os eventos aconteceram nas depen-

dências da ULBRA de Torres, juntamente com o SEMINFO – Seminário

de Informática. No ano seguinte, 2008, o UniRitter de Porto Alegre

sediou o II WEI Tchê e o II FGCoordI. Em 2009, os eventos voltaram

a acontecer na ULBRA de Torres. Nestes eventos são apresentadas pa-

lestras e artigos que discutem temas ligados ao ensino de Informática.

Os docentes discutem estratégias de ensino, construção de currículos,

utilização de ferramentas para apoio às aulas, entre outros temas.

Além destes eventos, muitas Instituições de Ensino Superior desen-

volvem programas de formação e/ou qualificação docente próprios.

Entretanto, a maioria destes programas é genérico, ou seja, o mesmo

formato para todos os docentes. Segundo Pimenta e Anastasiou (2008),

estes programas de formação continuada permitem que a problemática

enfrentada no cotidiano da sala de aula seja discutida, permitindo uma

reflexão em diálogo com as questões teóricas. Uma das experiências neste

sentido, é o Seminário de Pedagogia Universitária realizado, semestral-

mente, no UniRitter. Este seminário conta com atividades para todos

os docentes e atividades específicas, desenhadas pela Coordenação do

Curso, com o apoio da Coordenação Setorial de Ensino e da Pró-Reitoria

de Ensino (Felippe e Silveira, 2008). As atividades específicas permitem

trazer à discussão temas pedagógicos de acordo com o olhar dos docentes

das diferentes áreas, para aproximar as questões pedagógicas da realidade

enfrentada em sala de aula.

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

82 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

5 CONSIDERAçõES FINAIS

Os docentes precisam revisar suas metodologias de ensino e não

utilizar apenas a aula expositiva como único recurso didático. “Aula

como didática central pode ser considerada hoje como o disparate mais

ostensivo e inábil do professor, porque tende a colocar no centro da

aprendizagem o seu avesso: em vez de procedimentos reconstrutivos,

prefere procedimentos instrucionistas; aula, em si, é apenas suporte

da aprendizagem, nunca necessariamente aprendizagem como tal”

(Demo, 2004, p. 38).

Também se faz necessário que os professores encarem a docência

universitária como profissão. Zabalza coloca que “(...) muitos profes-

sores universitários autodefinem-se mais sob o âmbito científico (como

matemáticos, biólogos, engenheiros ou médicos) do que como docentes

universitários (como “professor” de ...). Sua identidade (o que sentem

sobre o que são, sobre o que sabem; os livros que lêem ou escrevem;

os colegas com quem se relacionam; os congressos que frequentam; as

conversas profissionais que mantêm, etc.) costuma estar mais centrada

em suas especialidades científicas do que em suas atividades docentes”

(2004, p. 107).

O professor precisa estar em constante processo de formação, em

constante aprendizado. Demo coloca que “quem não estuda, não tem

aula para dar. Quem estuda, cuida que o aluno estude” (2004, p. 37).

Com relação às Instituições de Ensino Superior, faz-se necessária a

manutenção de núcleos que permitam o assessoramento e aprimora-

mento constante da atividade docente. Algumas instituições, como é

o caso do UniRitter, possuem um núcleo voltado ao acompanhamento

das atividades docentes (NAP – Núcleo de Assessoramento Pedagógi-

co). Infelizmente, segundo Pimenta e Anastasiou (2008), em algumas

instituições de ensino superior este espaço não existe, o que demonstra

uma indiferença por parte de algumas instituições, no que diz respeito

à formação de seu corpo docente.

Sidnei Renato Silveira

83Educação e Cidadania • número 11 • 2009

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGA, Ana Maria. Reflexões sobre a superação do conhecimento fragmentado nos cursos de graduação. In: LEITE, Denise. Pedagogia Universitária: conhecimento, ética e política no ensino superior. Porto Alegre: Ed. da Universidade da UFRGS, 1999.

CACHAPUZ, António F. Em Defesa do Aperfeiçoamento Pedagógico dos Docentes do Ensino Superior. In: A Formação Pedagógica dos Professores no Ensino Superior. Lisboa: Edições Colibri, 2001, p. 55-61.

COWAN, John. Como ser um Professor Universitário Inovador: reflexão na ação. Traduzido por Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2002.DEMO, Pedro. Professor do Futuro e Reconstrução do Conhecimento. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

ENRICONE, Délcia. A Dimensão Pedagógica da Prática Docente Futura. In: A docência na Educação Superior: sete olhares. Délcia Enricone (org). Porto Alegre: Evangraf, 2006.

FELIPPE, Beatriz Tricerri; SILVEIRA, Sidnei Renato. O Trabalho da Co-ordenação Ampliada na Gestão Acadêmica de Cursos de Graduação. II FGCoordI – Fórum Gaúcho de Coordenadores de Cursos de Informática. Porto Alegre: UniRitter, 2008.

GRILLO, Marlene. Percursos da Constituição da Docência. In: A docência na Educação Superior: sete olhares. Délcia Enricone (org). Porto Alegre: Evangraf, 2006.

PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos. Docência no Ensino Superior. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

ZABALZA, Miguel A. O Ensino Universitário: seu cenário e seus pro-tagonistas. Traduzido por Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004.

SIDNEI RENATO SILVEIRA

Doutor em Ciência da Computação pelo Programa de Pós-Graduação

em Computação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGC/

UFRGS), tendo realizado o Mestrado na mesma Instituição. É Especia-

lista em Administração e Planejamento para Docentes e Bacharel em

Informática pela Universidade Luterana do Brasil, Especialista em Gestão

Educacional pelo SENAC e Técnico em Processamento de Dados pelo

Colégio Cristo Redentor. Atualmente, é Professor Titular da Faculdade

A Problemática da Formação do Docente da Área de Informática

84 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

de Informática e Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão do

UniRitter. Atua na docência em disciplinas voltadas à lógica de progra-

mação e introdução à programação desde 1990 (em cursos técnicos) e,

desde 1996 no ensino superior.

E-mail: [email protected]

Recebido em: 13/08/09

Aceito em: 25/08/09

SILVEIRA, Sidnei Renato. A Problemática da Formação do Docente

da Área de Informática. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre,

ano 11, n. 11, p. 71-84, 2009.

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

José Augusto Pacheco

RESUMOA formação inicial e contínua de educadores e professores é um processo de uma forte regulação política, tal como demonstram diversos documentos a nível internacional. No entanto, a formação inicial continua a ser uma área mais regulada que a formação continuada e entre as duas áreas não existe uma efetiva articulação, mas uma articulação fragmentada.

PALAVRAS-CHAVERegulação; Currículo; Formação Inicial; Formação continuada.

ABSTRACTThe preservice training and the in-service training of teachers is a process of a strong regulatory policy, as has been evidenced by several papers at interna-tional level. However, the pre-service training remains an area more regulated than the in-service training and between the two areas there isn’t an effective articulation but a fragmented articulation.

KEy WORDSRegulation; Curriculum; Preservice training; In-service training.

1 INTRODUçãO

Se há aspecto, na estruturação e organização dos sistemas educativos,

que tem sido biconjugado ao nível das políticas é o da formação inicial e

continuada de educadores e professores (Moraes, Pacheco & Evangelista,

2004). Tal processo tem originado, pelo menos na realidade portuguesa

(Pacheco & Flores, 1999), a existência de dois campos de ação política

opostos, como se a formação inicial e a formação continuada fossem

dois processos dicotômicos e sobrepostos.

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

86 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Analisamos, neste artigo, a articulação entre formação inicial e con-

tinuada e concluímos que o diálogo interinstitucional, entre instituições

de ensino superior e escolas, é perspectivado, fundamentalmente, a

partir da necessidade institucional e da vontade pessoal. Por outro lado,

concluímos que a regulação supranacional, imposta pelas políticas de

educação e formação, contribui não só para a imposição de standards,

referentes às competências profissionais e à qualidade da formação,

bem como para a recentralização curricular.

2 EFEITOS DA REGULAçãO POLíTICA A NíVEL GLOBAL,

REGIONAL E SUPRANACIONAL

Diversos textos recentes dão-nos a ideia do que significa, hoje em dia,

viver não só num mundo globalizado, dominado por uma cultura-mundo,

em que a unificação e desterritorialização estão bem presentes (Lipovetsky

& Serroy, 2010), como também em espaços regionais e organizações

supranacionais, que se assumem como marcadores fortes de políticas

de educação e formação. Se a homogeneização parece constituir a regra

principal, sobretudo no seu lado mais econômico e político (Ritzer, 2007),

assiste-se, também, no lado cultural, “à multiplicação das solicitações

comunitárias de diferença” (Lipovetsky & Serroy, 2010, p. 23).

No documento da União Europeia “Estratégia para um crescimento

inteligente, sustentável e inclusivo”, publicado em 2010, afirma-se

taxativamente que Estados-Membros devem “assegurar um número su-

ficiente de licenciados em ciências, matemática e engenharia e orientar

os currículos escolares para a criatividade, a inovação e o empreende-

dorismo” (EU, 2010, p. 15).

Num outro documento, assinado, em 2008, pelos Chefes de Estado,

participantes na Cimeira da Organização de Estados Ibero-americanos,

os governantes comprometem-se com o “Projeto Metas Educativas

2021: a educação que queremos para a geração do Bicentenário”, isto

José Augusto Pacheco

87Educação e Cidadania • número 11 • 2009

é, com objetivos estratégicos, metas específicas, indicadores e objetivos

quantificados.

Pela análise do conteúdo dos dois documentos, verifica-se que há uma

relação estreita quer entre currículo e formação de educadores e professo-

res, quer entre resultados e recursos, quer, ainda, entre formação inicial e

continuada, já que os sistemas educativos devem ter com pilar principal

a aprendizagem ao longo da vida, um conceito fronteira da sociedade do

conhecimento (Pacheco, 2009). Por isso, no projeto Ibero-americano (OEI,

2008), “melhorar a qualidade da educação e do currículo” e “reforçar a

profissão docente” são metas gerais, definidas no âmbito dos objetivos es-

tratégicos, para as quais cada Estado deve seguir uma estratégia política de

cruzamento das políticas curriculares com as políticas de formação docente.

Os efeitos da regulação política, centrada numa agenda globalizada

e neoliberalista (Teodoro, 2010), tornam-se visíveis nas políticas cur-

riculares (Pacheco, 2003) e nas políticas de formação de professores

(Formosinho, 2009; Ludke & Boing, 2009), associando a formação de

educadores e professores a resultados de desempenho escolar, entretanto

correlacionados com a definição de competências profissionais, sem que

se considere muito o que conta como pesquisa dos professores (Ludke,

2009), pois o que interessa é o compromisso do cumprimento aritmético

de objetivos e metas quantificáveis a médio prazo.

A formação de profissionais da educação e formação é algo que se

inscreve numa agenda política altamente estruturada, sem que para isso

sejam criados mecanismos de uma maior interligação entre formação

inicial e continuada, permitindo-se que a formação inicial e a formação

continuada continuem com os mesmos problemas (Pacheco, 2004; Silva,

2004; Silva, 2000; Flores, 2004).

Neste caso, a globalização, a regionalização e a supranacionaliza-

ção são fatores políticos que contribuem para uma relação forte entre

contextos globais e agendas de formação vinculadas a formatos estan-

dardizados e a mecanismos de controle, por um lado, e entre políticas

de conhecimento e políticas de docência, por outro (Pacheco, 2010).

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

88 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Se há dúvidas, e certamente nem todos partilham esta visão, sobre-

tudo os que são defensores de um mundo plano, uniforme e estan-

dardizado, também há certezas, pelo menos estas: a atual turbulência

nas políticas de formação de professores deriva de políticas sociais

mais amplas, ligadas a processos e práticas de formação profissional

pautados por referentes econômicos; o currículo de formação (inicial

e continuada) de professores deverá ser lido como um texto político

(Cochran-Smith & Demers, 2008) que impõe standards de formação.

3 FORMAçãO INICIAL E FORMAçãO CONTINUADA

No estudo “Garantia de qualidade na formação de professores na

Europa”, publicado em 2006, pela Eurydice, estabelece-se a relação

direta entre a qualidade e a eficácia dos sistemas de educação e o papel

desempenhado pelos professores, no seguimento do que é referido, em

2001, no documento “Objetivos futuros concretos dos sistemas educa-

tivos”,1 da Comissão Europeia.

Analisando-se este último documento, constata-se que, para o cum-

primento do objetivo geral “aumentar a qualidade e a eficácia dos

sistemas de educação e formação na União Europeia”, é necessário o

objetivo específico “melhorar a educação e formação de professores e

formadores”, “a fim de que os seus conhecimentos e competências res-

pondam à evolução e às expectativas da sociedade e sejam adaptados aos

diferentes grupos a que se dirigem”2. Para isso, torna-se crucial dotá-los

de competências profissionais, mais recentemente enquadradas pelo

“Quadro Europeu de Qualificações para a Aprendizagem ao Longo da

Vida”3. Trata-se de um documento fundamental da Comissão Europeia,

publicado em 2008, consistindo, de acordo com os conceitos-chave

apresentados, na instituição de um sistema nacional de qualificações

que relaciona a educação e a formação com o mercado de trabalho. A

sua implementação, centrada nos resultados da aprendizagem (learning

1 cf. http://ec.europa.eu /educa t i on /po l i -cies/2010/doc/rep_fut_obj_pt.pdf, acesso em 30 de Maio de 2010.

2 Ibid., p. 8.

3 cf. Comunidades Euro-peias, Quadro Europeu de Qualificação para a Aprendizagem ao Lon-go da Vida - http://ec.europa.eu/dgs/edu-cation_culture/publ/pdf/eqf/broch_pt.pdf, acesso em 4 de Fevereiro de 2010. Este documento foi adoptado normati-vamente em Portugal através da Portaria n. 782/2009, de 23 de Ju-lho.

José Augusto Pacheco

89Educação e Cidadania • número 11 • 2009

outcomes), cuja implementação deve ser realizada em função de oito

níveis de descritores de qualificação, abrangendo, cada um deles,

distintos conhecimentos, aptidões e atitudes. A lógica que se verifica

é a da criação de standards de formação baseados em competências

profissionais, capazes de melhorar a qualidade da formação em função

de um sistema uniformizado.

A questão dos standards de formação de professores foi introduzida,

em Portugal, no início da década de 2000, pelo Instituto Nacional de

Acreditação de Formação de Professores, se bem que, no ordenamento

jurídico da formação de professores, em 1989, já tenham sido adotados

standards relativos às componentes de formação.

Do perfil geral de desempenho profissional dos professores constam

diversas dimensões (profissional, social e ética; de desenvolvimento do

ensino e da aprendizagem; de participação na escola e de relação com

a comunidade; de desenvolvimento profissional ao longo da vida), a

que corresponde uma série de competências profissionais.

A política de formação, delineada a partir de órgãos de acreditação

que atuam na verificação do cumprimento de critérios de exequibilidade

institucional, institui uma legitimação essencialmente administrativa,

ou seja, uma lógica que é implementada através de um processo de

ckeck-list de conformidades ab initio, ao mesmo tempo que, no final,

e coincidente com a entrada na carreira, é realizada a avaliação da

qualificação profissional dos professores.

Neste caso, ocorrem dois momentos na acreditação dos professores:

o primeiro, e depois de uma acreditação institucional do curso, o esta-

belecimento de ensino superior confere-lhes a habilitação acadêmica,

habilitando-os para a docência; o segundo consiste na realização de

uma prova para a obtenção da qualificação profissional. Ao ser rea-

lizada antes da entrada na carreira, tal prova tem todas as condições

para se transformar num mero registo de conhecimentos cognitivos,

mais ainda quando a prática pedagógica, ao nível da formação inicial,

é secundarizada.

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

90 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Por mais processos de acreditação que sejam criados, o desenvolvi-

mento profissional docente só será devidamente valorizado quando o

candidato a futuro professor tiver na avaliação contínua o critério de

diferenciação, sendo certo que esta avaliação é realizada não só pela

instituição, mas também pelo empregador, em função de critérios de

admissibilidade, de período probatório e de progressão na carreira.

Em consequência, os standards de formação tendem a ter uma expres-

são muito significativa nos processos de formação inicial, verificando-se

que existem tanto a priori quanto a posteriori, sendo que em ambos os

períodos existem mecanismos de certificação distintos: primeiro, uma

certificação por uma avaliação da conformidade legal, depois, uma

certificação por uma avaliação sumativa, com a atribuição de uma

classificação, em que o candidato a educador/professor tem de realizar

uma prova de desempenho.

Estas são as principais mudanças na formação inicial, sem que sejam

criados mecanismos de articulação com a formação continuada, já que,

pragmaticamente, por questões de tradição curricular, se considera que

a formação inicial e a formação contínua são dois momentos distintos,

um, mais da responsabilidade das instituições de ensino superior, outro,

a cargo das escolas ou dos próprios educadores/professores. A separação

dos tempos de formação faz com que a formação inicial e a formação

continuada continuem a ser dois mundos separados, embora o princí-

pio da aprendizagem ao longo da vida pretenda dizer que não há nem

processos lineares, nem práticas dicotômicas em termos de formação.

Se a formação inicial está ligada a uma responsabilidade política, que

define e impõe critérios não só para obter a formação, bem como para a

entrada na carreira, a formação continuada parece depender de uma respon-

sabilidade pessoal, atribuindo-se aos educadores e professores essa missão.

Num estudo realizado pela Rede Eurydice (2008, p. 49), sobre os

“Níveis de autonomia e responsabilidades dos professores na Europa”,

no capítulo dedicado ao “Estatuto do desenvolvimento profissional con-

tínuo”, considera-se que a formação continuada é um dever profissional

José Augusto Pacheco

91Educação e Cidadania • número 11 • 2009

dos professores na maioria dos países, sem que se torne obrigatório

a sua participação, a não ser que se pretenda subir na progressão na

carreira e dessa forma conseguir-se uma melhoria financeira.

Com efeito, um dos principais constrangimentos da formação con-

tinuada, dentro de outros constrangimentos identificados por Silva

(2004), continua a ser o da obrigatoriedade profissional, sem que isso

corresponda a uma prática de desenvolvimento profissional (Day, 2004).

Apesar de existir um órgão de acreditação4, a formação continuada, em

Portugal, vive dois momentos diferentes. Num primeiro, a formação

esteve centrada nas escolas, seguindo, basicamente, a estrutura de curso

e de ações como oficinas de trabalho e projeto. Num segundo, a forma-

ção começa a enveredar por práticas de especialização, para as quais

devem contribuir as instituições de ensino superior, se bem que estas

instituições sempre tiveram a possibilidade de se tornarem em órgãos

conferentes de formação continuada. A realização de diversos estudos

empíricos, no âmbito de trabalhos de mestrado e doutoramento, tem

revelado que os professores se sentem mais próximos da escola do que

das instituições de ensino superior (Formosinho, 2009), por questões

que se prendem com a tendência para a construção de uma autoridade

de formação centrada na prática, ou seja, nos problemas dos professores,

e não nas questões predominantemente teóricas.

4 RECENTRALIzAçãO CURRICULAR DA FORMAçãO INICIAL E

CONTINUADA

Porque são entendidos como “funcionários do Estado”, ainda que

soprem fortes ventos que direccionam a educação para a privatização,

ou para a municipalização, a formação de professores, tanto na fase

inicial como na fase continuada, obedece a mecanismos de regulação

curricular bem diferentes dos de outras profissões. Apesar da autonomia

científica dos estabelecimentos de ensino superior, e não há em Portugal

4 Definido pelo Decreto-lei n. 207/96, de 2 de No-vembro, com alterações introduzidas em 1999 e 2007.

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

92 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

formação fora destes estabelecimentos (Campos, 1979; Esteves, 2002,

Pacheco & Flores, 1999), os cursos de formação inicial de professores

dos ensinos básico e secundário tendem para a centralização curricular,

tal como tendem os processos de acreditação da formação contínua.

A existência de uma política de formação baseada na uniformização

observa-se, decorrente da aplicação do Processo de Bolonha, mais nos

planos curriculares que nos conteúdos programáticos, ainda que com

a realização da prova de qualificação profissional a recentralização dos

conteúdos seja inevitável, aproximando as instituições das “seitas da

formação para o desempenho”(Hargreaves, 2004, p. 236).

Tal tendência faz parte de orientações centradas na alteração das

práticas curriculares (Gough, 2003), determinadas, grosso modo, pela

linguagem das competências materializadas em resultados da aprendiza-

gem (Pacheco, 2010), pela uniformização de áreas de instrução (Spring,

2008) e pelas medidas de “accountability” (Taubman, 2009), entre outros

aspectos. De fato, a globalização define agendas educacionais que im-

põem reformas curriculares, quer nos sistemas de educação, quer nos

sistemas de formação de professores, orientadas para a competitividade

(Carnoy, 1999), com reflexos significativos nos paradigmas de ensino.

Agora na forma, e mais tarde no conteúdo, a formação de profes-

sores encontra-se num período de viragem, por força da regulação

supranacional e dos standards de formação: a diversidade de modelos

coexistentes no ensino superior, que tem marcado os últimos 30 anos

de formação docente em Portugal, está a ser substituída por um modelo

organizacional quase único.

Enquanto campo de acção institucionalizado (Esteves & Rodrigues,

2003), marcado, durante longo tempo, por uma configuração artesanal

e, mais recentemente, sobretudo a partir dos finais da década de 1970,

por uma dimensão profissional, a formação de professores faz-se na

observação de aquisição e domínio de competências. Esta constatação

não quer dizer que haja somente um modelo de formação e que os seus

princípios sejam determinados por padrões de eficiência.

José Augusto Pacheco

93Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Considera-se, assim, que a definição de um perfil global de com-

petências do professor a formar é “uma pedra angular de qualquer

programa de formação” (Ibid., p. 25), não tendo como pressuposto

a uniformização de processos e práticas dessa mesma formação, que

agendas transnacionais e supranacionais pretendem implementar.

Em tais agendas, que intersectam todos os países (Pinar, 2007) estão

registadas ideias que favorecem a desvalorização da formação acadê-

mica, o reforço das competências instrucionais e a simplificação da

prática pedagógica, no regresso à ideia de que o professor se forma

pelo saber-fazer profissional.

Na análise que faz para a realidade norte-americana, Labaree

(2004) sublinha o baixo e enfraquecido estatuto acadêmico das ins-

tituições de formação, bem como as pressões a que estão sujeitas,

principalmente as que derivam do movimento orientado para a efici-

ência social. Neste processo, o autor reconhece a perda de prestígio

da profissão de professor, considerada socialmente uma profissão

fácil, que não tem de lutar por clientes, e à qual as pessoas podem

aceder sem grandes exigências, já que não exigirá competências

complexas. Esta constatação não é isolada, mesmo que documentos

de referência, já citados anteriormente, contenham a ideia de que

o professor é um profissional importantíssimo na construção da

sociedade do conhecimento.

Quando se afirma que está em curso a reorientação da formação para

competências mais instrucionais, pretende-se dizer que a mudança é

marcada pela didatização, ou seja, pela ênfase que se pretende conferir

às competências mais técnicas, práticas e performativas.

A análise do normativo regulador da formação inicial5, em Portugal,

revela esta mudança. Se na formação dos profissionais da educação e

do ensino, e certamente não tardará a surgir a designação “profissionais

das aprendizagens”, são necessários conhecimentos organizados em

diversas dimensões e delimitados por critérios de profissionalidade,

os planos curriculares tendem a privilegiar conhecimentos específicos

5 c f . D e c r e t o - L e i n . 43/2007, de 22 de Fe-vereiro.

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

94 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

(conhecimento do conteúdo da disciplina; conhecimento pedagógico

relativo à sala de aula-metodologia), ao mesmo tempo que desvaloriza

outros (conhecimento curricular; conhecimento dos alunos e das suas

características; conhecimento dos contextos educativos; conhecimento

dos fins educativos, propósitos e valores e seus significados históricos

e filosóficos)6.

Apesar de se escrever, no preâmbulo do referido normativo, “que

o desempenho dos professores seja cada vez menos o de um mero

funcionário ou técnico e cada vez mais o de um profissional, capaz

de se adaptar às características e desafios das situações singulares

em função das especificidades dos alunos e dos contextos escolares e

sociais”, a distribuição dos créditos pelas componentes de formação,

para a organização curricular dos ciclos de formação ao nível do

curso de mestrado revela o predomínio de percentagens curriculares

ligadas às didáticas específicas, com a desvalorização da formação

educacional geral.

Face ao que tem sido argumentado, poder-se-ia admitir que não

deveriam existir critérios para a construção de um conhecimento pro-

fissional comum aos professores. O ser professor implica o exercício de

uma profissão com base em dimensões e conteúdos específicos. Se tal

conhecimento profissional não pode ser negado, antes, pelo contrário,

reconhecido, a sua discussão faz-se, presentemente, na base de uma

agenda significativamente politizada pelas ideias produtivistas, em

que se torna fundamental formar o professor na base de competências

técnicas ligadas ao saber-fazer didático, com a inerente desvalorização

do conhecimento pedagógico geral, social e cultural.

A questão que mais tem sido debatida nos quadros teóricos, críticos

da existência de uma racionalidade técnica, de natureza tyleriana, é a

do papel do professor na construção do currículo, largamente explorada

pelas abordagens ligadas à fenomenologia, à investigação-ação e às

narrativas, entre outras. Na revisão de estudos sobre o professor como

construtor do currículo, Craig e Ross (2008) argumentam que o conhe-

6 São citados os tipos de conhecimento referen-ciados por Shulman , 1987, por Wilson, Shul-man e Richert, 1987, e por Sockett, 1989, cf. José A. Pacheco e Maria Assunção Flores, 1999, p. 19-20.

José Augusto Pacheco

95Educação e Cidadania • número 11 • 2009

cimento base profissional dos professores deverá incluir a natureza do

seu trabalho curricular. Do mesmo modo, a formação continuada tem

sido definida por opções políticas quanto às temáticas dominantes,

sendo determinantes quer as que estão ligadas aos períodos de reforma

curricular, quer as que se inscrevem numa agenda política produtivista.

Quer dizer, pois, que a formação continuada realizada pela vontade

pessoal do professor, muito ditada por questões de regulação da carreira,

é politicamente orientada, sendo a tutela a definir as áreas prioritárias

de formação.

5 CONCLUSãO

Quando entendidos como dois mundos incongruentes, a formação

inicial e a formação continuada, embora pertencendo à mesma tu-

tela política, correspondem a uma articulação fragmentada, em que

necessidade institucional se sobrepõe ao critério do desenvolvimento

profissional docente. Se entendidos deste modo contraditório, de que

modo se pode fazer a articulação entre formação inicial e formação

continuada?

A resposta torna-se ainda mais difícil se a regulação política está mais

presente na formação inicial do que na formação continuada, sendo

determinada, esta, pela necessidade pessoal dos docentes e, aquela, pela

obrigação institucional. Assim, e ainda que os sistemas de educação

e formação desenvolvam e implementem mecanismos de formação

continuada, a formação inicial torna-se mais presente e, consequen-

temente, mais uniforme nos seus princípios de regulação curricular,

sobrepondo-se na sua importância curricular à formação continuada,

fato que não contribui, decisivamente, para a criação de mecanismos

de inovação ao nível das práticas curriculares.

Formação inicial e continuada: a articulação fragmentada

96 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

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JOSÉ AUGUSTO PACHECO

Doutorado em Ciências da Educação, especialidade de Desenvolvimento

Curricular. Professor Associado com Agregação do Instituto de Educação,

da Universidade do Minho. Membro do Conselho Nacional de Educa-

ção. Diretor do Centro de Investigação em Educação da Universidade

do Minho. Presidente do Direcção da Sociedade Portuguesa de Ciências

da Educação Universidade do Minho, Instituto de Educação, Campus

de Gualtar, Braga, 4710-057, Portugal

E-mail: [email protected].

Recebido em: 03/08/2009

Aceito em: 03/08/2009

PACHECO, José Augusto. Formação inicial e continuada: a articulação

fragmentada. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n.

11, p. 85-98, 2009.

Formação não rima com solidão

José Augusto Pacheco

RESUMOA formação docente deve de evoluir do foco no professor para a formação de redes de cooperação para a reflexão na prática e sobre a prática. A universidade precisa evoluir de uma pesquisa sobre os professores para uma pesquisa com os professores.

PALAVRAS-CHAVEFormação docente; Professor; Rede; Pesquisa.

ABSTRACTThe teacher’s formation must to develop of the focus in a individual persons to a net’s cooperation formation about the practice over and in the class room. The university must to develop for the search with the teachers and not more about them.

KEy WORDSTeacher’s formation; Teacher; Ret; Search.

Numa Escola ancorada em práticas do século XIX é a cultura da

escola que continua a estar em causa e urge transformar. É tam-

bém a cultura pessoal e profissional dos professores que é preciso

reelaborar. É preciso saber o que podemos ainda fazer da escola

com aquilo que fizemos dela. Talvez possamos sabê-lo, se ousar-

mos questionar a formação que ainda se via fazendo, pautada pela

solidão profissional.

A lógica da “formação centrada na escola” foi contrariada pela

dicotomização entre espaços de formação e de ação. Numa formação

marcada pela linearidade, previsibilidade e profunda determinação, não

há espaço para pensar sobre o processo de pensamento.

Formação não rima com solidão

100 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Não existe um conhecimento profissional prévio, uma única solução

correta, para resolução de cada caso-problema. O professor precisa

refletir na ação, o seu conhecimento vai além dos procedimentos e te-

orias estabelecidas pela pesquisa debitada em “formação”. A formação

acontece numa sobreposição de interrogações críticas inseridas em

contexto de trabalho. Dificilmente acontecerá em cursos de formação,

nos quais os conteúdos são (presumivelmente) transmitidos sem que

se saiba quando e onde as práticas (previstas) decorrerão.

Subsiste uma situação paradoxal: a pesquisa em educação produziu

resultados relevantes, mas esses resultados estão longe de se traduzirem

em mudança da prática educativa. Estará na formação de professores

uma das possíveis explicações para o fato?

Poderemos continuar a permitir que uma escola básica democrática

seja dominada por práticas de natureza seletiva? Poderemos permitir

que uma escola preocupada com a formação para a cidadania recorra

a modelos epistemológicos normativos e conformistas? Onde está a

formação que permita que a formação pessoal e social dos alunos acon-

teça? Onde está a formação que liberte os professores da elaboração

de planejamentos de aula de ensinar a todos como se fossem um só?

Onde está a formação que questione a divisão dos alunos por turmas e

a segmentação em ciclos e anos de escolaridade? Onde está a formação

que liberte as escolas do uso de manuais que idiotizam alunos? Onde

está a formação que habilite os professores a interpelar uma gestão

rígida de tempos e espaços educativos? Onde está a formação que

dispense o trabalho do professor isolado física e psicologicamente na

sua sala de aula, e promova a cooperação, para além da teoria? Onde

está a formação que viabilize uma efetiva autonomia pedagógica? Onde

está a formação que interpele abstrações como “turma homogênea”?

Recordo algo que qualquer manual de história ou de sociologia de

educação explicará. A escola contemporânea – tal qual a conhecemos

enquanto formação experiencial de alunos e professores – é herdeira de

necessidades sociais do século XIX, ainda que as suas raízes vão mais

José Augusto Pacheco

101Educação e Cidadania • número 11 • 2009

fundo, adentrando os séculos anteriores. O modelo “tradicional” de

escola adotou formas e procedimentos característicos das instituições

mais respeitadas na época em que foi implementado. Como poderá

uma escola fragmentada, distante da vida real dos professores e dos

alunos, encarar os desafios da educação no mundo contemporâneo?

Como explicar o fato de referências teóricas básicas contarem mais de

um século de existência e as escolas se manterem ancoradas em práticas

obsoletas, apesar e contra o desenvolvimento das ciências da educação,

que continuam à porta das escolas, sem que as deixem entrar? Quando

nos confrontamos com o fato de milhões de alunos não completarem

com sucesso a sua escolarização, não será preciso ultrapassar a atribui-

ção de culpas ao “sistema”, não será também necessário interrogarmos

a nossa formação e a nossa cultura pessoal e profissional? Poderemos

permitir que uma escola preocupada com a relação entre saber escolar

e sociedade se limite a reproduzir informação socialmente inútil? E o

que tem a formação de professores a ver com isso?...

Se a competência dos professores fosse medida pelo número de di-

plomas, a qualificação dos professores seria extraordinária, aconteceria

uma revolução em cada escola. Mas sabemos que professores assíduos

de cursos não melhoram o aprendizado dos seus alunos. Insiste-se na

crença da transferibilidade linear de saberes pretensamente adquiridos.

Talvez porque se tenha esquecido que o modo como o professor aprende

é o modo como o professor ensina... Que o modelo predominante da

formação universitária é, por vezes, a negação daquilo que pretende

transmitir. Talvez porque se descurasse a necessidade de criar disposi-

tivos de auto formação cooperativa, que rompessem com a cultura do

isolamento e auto suficiência que ainda prevalecem nas nossas escolas.

Há uns vinte anos atrás, fiz uma curta incursão na formação inicial

de professores, numa faculdade portuguesa. Ao cabo de cinco anos, fui

embora para não mais voltar. Dessa breve experiência, ficaram amigos

(que, pacientemente, buscam melhorar instituições e formações) e algu-

ma formação experiencial. Ficou a confirmação de que outra formação

Formação não rima com solidão

102 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

de professores é possível. Recusei trabalhar sozinho. Avisaram-me que

era norma os alunos assinarem à entrada e à saída de cada aula. Recusei

o uso das “listas de presenças”, por serem inconciliáveis com a forma-

ção de professores autônomos e responsáveis. E, também, porque não

dava aula – eu aprendia com os jovens alunos que, hoje, são professores

diferentes daqueles que uma formação inicial obsoleta engendra.

Perante a consensual descoberta da falência do modelo epistemológico

baseado na pretensa transmissão de saberes, o modelo organizacional que

o sustenta mantém-se hegemônico e inquestionável. Um curso ou palestra

sobre autonomia, convivência e participação é, quase sempre, a negação

do que pretendem transmitir, por se basear numa relação vertical, que

gera dependência no objeto-ouvinte. O modelo transmissivo de palestra

e de aula, que ignora a possibilidade de produção de conhecimento a

partir da interrogação e do diálogo, produz condicionantes sócio culturais,

que impedem a plena realização do ser humano. No campo da formação,

subsiste um modelo profundamente enraizado, baseado na crença da

transferência linear do conhecimento. Apesar dos seus trágicos efeitos,

essa cultura, sedimentada ao longo de quase três séculos, reproduz-se a

si própria, desde a universidade ao chão das escolas, impedindo a emer-

gência de outras práticas. Afastei-me desse modelo, mas verifico que ele

permanece quase hegemônico em outros lugares.

Se perfilharmos o princípio do isomorfismo, a formação de professo-

res deverá adotar processos idênticos aos das práticas que visa suscitar

no quotidiano das escolas. Os processos de aprendizagem não deverão

estar centrados no professor nem no aluno, pois tudo passa pela rela-

ção. Nesse sentido, o educador deverá saber gerir a imprevisibilidade

da relação, por ser impossível prever a multiplicidade e a variedade de

situações com que pode deparar. O educador reconhecerá que, assim

como formação não rima com solidão, autonomia não rima com hie-

rarquia, nem com burocracia. Que se aprende a conviver, convivendo

e que é a autoria que confere dignidade ao ato educativo. Evoco um

episódio “exemplar”, para ilustrar estas considerações.

José Augusto Pacheco

103Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Recebi convite para realizar uma palestra, acompanhado do pedido

do “texto da comunicação”. Respondi que aceitaria o convite, mas que

não poderia enviar o “texto da comunicação”. Expliquei que pratico o

diálogo entre aprendizes. Que somente após escutar as perguntas eu

poderia ensaiar as respostas, que não poderia adivinhá-las. A resposta

da instituição de formação (disso se tratava) voltou definitiva: “todos

os palestrantes enviaram as comunicações. Por isso...”. Compreendi

que não poderia constituir exceção e enviei a derradeira mensagem:

“junto envio um texto; se houver alguém que o leia, evitarei o desgaste

da viagem e vós evitareis o gasto”. Não obtive retorno.

O uso da pergunta não é mero ornamento pedagógico, é algo indis-

pensável, quer no âmbito da formação de professores, quer no contexto

das práticas escolares.

Só quem permanecer ancorado em velhos paradigmas poderá duvidar

e se surpreender perante situações como aquela que acabo de descrever.

Algo semelhante acontece, quando vou “palestrar” e jornalistas me

colocam a sacramental pergunta: O que vai dizer-nos na sua palestra?

Invariavelmente, respondo: Não faço ideia alguma. Não adivinho as

questões que me vão ser colocadas.

Em Portugal, após o incremento da formação continuada de profes-

sores, decorrente da institucionalização de um subsistema de formação

e do investimento de milhões de euros, os resultados foram decepcio-

nantes. Após vinte anos e milhares de cursos e palestras, pouco ou

nada se alterou na atitude dos professores, pouco ou nada terá mudado

nas suas práticas: “o professor vai, fica ouvindo e, no fim, não aprende

nada que consiga usar”. Há mais de três décadas, compreendi que não

deveria continuar a reproduzir o modo como me adestravam em cur-

sos e palestras. Num tempo em que não havia computadores, assistia

à projeção de transparências com súmulas de teorias e propostas de

práticas. Nenhuma delas se encaixava no hic et nunc da minha prática,

talvez porque nenhum dos palestrantes tivesse posto em prática as

teorias e práticas que recomendava... Nas suas preleções, exortavam

Formação não rima com solidão

104 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ao uso de uma técnica ou falavam daquilo que tinham lido em livros –

em livros que eu poderia ler, sem necessidade de perder tempo a ouvir

palestras. Ainda hoje, vemos formadores e palestrantes estabelecerem

a sequência e o ritmo da aula ou preleção, numa atitude de que não

tomam consciência e cujas consequências – quero crer – ignoram total-

mente. Recorrem à apresentação de slides e vídeos, quando poderiam

constituir-se em mediadores entre o saber constituído e o domínio das

preocupações daqueles que com eles interagem.

No início das minhas conversas com professores, exponho a lista

de livros que publiquei. Perante perguntas cuja resposta conste de um

desses livros, remeto para a leitura do livro. Não faz sentido que eu

desperdice tempo a papaguear aquilo que escrevi num livro. Se o escrevi,

foi para me dispensar de repetir respostas, foi para que alguém o lesse.

Atrevo-me a registrar outro episódio “exemplar”. Teve lugar numa

faculdade portuguesa, onde se fazia formação inicial de professores.

Perguntei aos meus alunos o que queriam aprender. Responderam

que desejavam que eu falasse de Jerome Bruner. Manifestei a minha

satisfação por irmos abordar o pensamento e a obra de um autor que

eu admiro e quis saber a razão pela qual haviam escolhido esse autor.

Esclareceram-me: na semana seguinte, iriam fazer uma prova de psico-

logia da educação e, entre os possíveis conteúdos da prova, estariam os

trabalhos de Bruner. Quando eu quis saber o que já tinham estudado

desse autor, responderam que nada tinham estudado, que bastaria uma

decoreba feita na véspera da prova e... a minha preleção. Recusei fazê-la

e mandei-os para a biblioteca, para que lessem os livros do Bruner. Se

desse estudo resultassem dúvidas, eles poderiam vir ao meu encontro.

Passei todo o dia fiquei na faculdade. No final da tarde, dialoguei com

um pequeno grupo de alunos, que me trouxeram interrogações decor-

rentes das leituras que fizeram.

Toda e qualquer atividade de formação deve ser precedida e acompa-

nhada por uma reflexão sobre a pessoa humana, por uma análise das

condições concretas do seu existir. Mais importante que os conteúdos

José Augusto Pacheco

105Educação e Cidadania • número 11 • 2009

da formação são os modos, as relações que se estabelecem. O desen-

volvimento humano ocorre em redes de relações sociais marcadas por

um contexto sociocultural específico.

Será preciso contrariar a formação que esgota-se em si mesma, que

é repositório de receitas avulsas debitadas sobre auditórios passivos.

Será preciso encarar a possibilidade da elaboração participada de uma

gramática indiciadora de práticas formativas ainda não compendiadas,

orientadas por uma lógica de formação de pressupostos epistemológi-

cos qualitativamente diferentes dos que ainda prevalecem no campo

da formação tradicional. Será necessário considerar as utopias como

função crítica do real. Nos espaços intersticiais das contradições dos

sistemas sociais, será preciso mobilizar energias criativas fundadoras

de uma atividade humana não alienada.

Creio ser possível que os professores prestem atenção ao tipo de

racionalidade que molda as suas próprias pressuposições e ao modo

como essa racionalidade produz mediações com as regras da cultura

dominante. Urge sobrevalorizar interditos, interpelar a vida social tecida

sobre ilusões, as ideologias que legitimam explicações para o mundo

inexplicável. Inovar é estar em conflito com hábitos e preconceitos. Por

isso, atrevo-me a não omitir heterodoxias e transgressões, quando o que

é necessário revelar para ser compreendido se apresenta como produtor

de “inéditos viáveis”. Quando a retórica é contraditória com as práticas,

há espaço para desenvolver outras práticas... legitimadas pela retórica.

Quem são muitos dos nossos professores e o que aprenderam que lhes

permitisse ser professor? Os futuros professores consumiram o melhor

do seu tempo a assistir a aulas de cuspo e giz. Ano após ano, decoraram

manuais e sebentas para debitar ciência compendiada em inúteis rituais de

“avaliação”. De exame em exame, a corrida de obstáculos aproximava-os

do fim. Um dia, tão ignorantes das coisas da educação como estavam

à partida para o curso de formação de professores, cortaram a meta da

licenciatura. E fizeram, então, a sua primeira descoberta: o diploma de

licenciado de nada lhes serviria. Lá fora, a vida real era difícil. Tinham

Formação não rima com solidão

106 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

um canudo, mas faltava-lhes a qualificação profissional. Na falta dos

saberes essenciais para o exercício da função, enfrentavam nos primeiros

tempos de sala de aula “dando lições e mantendo a disciplina”.

Quem são muitos dos professores do ensino médio? Passaram pelas

mesmas aulas de cuspo e giz, até que fizeram a sua primeira descoberta:

para se ser professor, não basta ter uma licenciatura. Não importava se

o diploma era de Teologia, de Engenharia, de História ou de Relações

Internacionais. A profissão já tinha sido invadida por militares, padres,

arquitetos, engenheiros, advogados e outros desempregados para os

quais o Ensino constituía a última oportunidade de “ganhar a vida”.

E o ministério - mãe-galinha de grandes asas - a todos dera guarida e

proteção. Armados de faltas disciplinares lá iam conseguindo meter na

ordem os bagunceiros que entravam nas suas salas de aula, de cinquenta

em cinquenta minutos, por via da massificação.

Quando a meta – claramente assumida por esses profissionais – não é

a formação de todos os jovens, mas o alcançar de performances elitistas

acessíveis apenas a alguns, os professores dão um passo definitivo para

a desqualificação da pedagogia e para a sua própria desqualificação.

Quando se admite (profecia auto realizada...) haver alunos que não

aprendem, urge passar de uma formação individualista uma formação

mutualista. Porque os professores partilham não apenas o que sabem,

mas aquilo que são. Se admitirmos que cada professor elabora a sua

própria história reelaborando-a com outros professores, todos serão,

simultaneamente, ensinantes e aprendentes. Isto é, todos aprendem.

Nesse sentido, apresenta-se como indispensável a criação de espa-

ços de aprendizagem transformadora, a organização de comunidades

de prática, ambientes reais de educação, nos quais sejam levados em

consideração os desejos, as necessidades, a história de cada aprendiz.

Onde sejam incentivados procedimentos que estimulem a curiosidade

e o pensamento crítico, solicitem saberes e estimulem a autonomia.

Onde se fundamente o fazer cotidiano em referências teóricas, políticas,

éticas e estéticas.

José Augusto Pacheco

107Educação e Cidadania • número 11 • 2009

A formação terá de evoluir da incidência no professor isolado para

a formação de redes de cooperação, da formação por catálogo para a

reflexão na prática e sobre a prática. As faculdades evoluem de uma

pesquisa sobre os professores para uma pesquisa com os professores.

Toda e qualquer atividade pedagógica deve ser precedida e acompanhada

por uma reflexão sobre a pessoa humana, por uma análise das condi-

ções concretas do seu existir. No contexto de uma formação isomórfica

e mutualista, o professor mantém uma forte relação (também afetiva)

de pertença a um grupo organizado. E a formação passa a ser pensada

em função dos espaços sociais do exercício da profissão.

Mais importante que os conteúdos da formação são os modos, os

modelos, as relações sociais, culturais e pessoais que esses modelos

veiculam e concretizam A prática da formação entendida como aprendi-

zagem cooperativa requer a interpelação das relações de poder vertical

e uma profunda reelaboração da cultura pessoal e profissional.

A consideração da pessoa na consideração da equipa sugere um

conceito de desenvolvimento profissional que implica uma dimensão

contextual e organizativa, na qual não é apenas afetado o professor

isolado. No contexto de uma formação isomórfica e mutualista, o

desenvolvimento não segue a lógica da teoria neo-clássica do “capital

humano”. A concepção e desenvolvimento de um projeto é um ato

coletivo, rompe com culturas de isolamento, por recurso a dispositi-

vos que viabilizam autodidatismo e formação cooperativa. Estes não

são dispositivos inconcicliáveis, agem concomitantemente, porque a

partilha mais profunda é aquela em que cada partilhante continua, o

mais possível, ele próprio, na qual cada um possibilita rumos seguros

a outras vidas, inventando a sua própria existência no seio de práticas

quotidianas tão seguras quanto incertas. Essa partilha requer condições

de descentralização, o questionamento do modelo de relação hierár-

quica, negociação e contrato, iniciativas culturais, disponibilização de

equipamentos coletivos e espaços de encontro, flexibilidade na organi-

zação, respeito pela diversidade.

Formação não rima com solidão

108 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Outras condições poderão ser inventariadas: que o objetivo da for-

mação não seja de conhecimento, mas de conhecimento na ação e para

a ação; que a autoria seja do grupo de formação; que a formação seja

indissociável da ideia de um projeto político pedagógico transformador.

Os adultos “formam-se” numa sequência de momentos críticos, num

processo complexo de apropriação e de ruptura, de adesão e de confronto.

A formação acontece em interações, onde agem as biografias pessoais,

os sistemas de valores, a ideologia. A formação acontece numa sobre-

posição de interrogações críticas inseridas em contextos de trabalho.

Dê-se, por isso, especial atenção às dimensões pessoais, trabalhando

a capacidade de relação e de comunicação, valorizando o trabalho em

equipe e o exercício coletivo da profissão.

Creio que o objetivo da formação não é adquirir conhecimentos,

mas adquirir a capacidade de adquirir conhecimentos, que conduzam

a mudanças no modo de ser e de agir dos professores. A formação é

um processo social, através do qual os grupos humanos transformam

o conhecimento que têm da realidade. Nesse processo, talvez os pro-

fessores em formação compreendam ser necessário ver para além das

evidências, talvez consigam identificar a racionalidade que subjaz à

organização das suas práticas. Talvez consigam concluir que formação

não rima com solidão...

JOSÉ AUGUSTO PACHECO

Doutorado em Ciências da Educação, especialidade de Desenvolvimento

Curricular. Professor Associado com Agregação do Instituto de Educação,

da Universidade do Minho. Membro do Conselho Nacional de Educação.

Diretor do Centro de Investigação em Educação da Universidade do

Minho. Presidente do Direcção da Sociedade Portuguesa de Ciências

da Educação Universidade do Minho, Instituto de Educação, Campus

de Gualtar, Braga, 4710-057, Portugal.

E-mail: [email protected]

José Augusto Pacheco

109Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Recebido em: 02/09/2009

Aceito em: 15/09/2009

PACHECO, José Augusto. Formação não rima com solidão. Revista

Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 99-109, 2009.

Perspectivas sobre universidade e sociedade

Wagner Luiz de Menezes – UTIC/UNU

RESUMOApresentação sobre os caminhos percorridos pela Educação Superior no Brasil. Trazendo considerações sobre o papel da universidade, os dilemas enfrentados e sobre a socialização do conhecimento acadêmico e suas práticas, sob o ponto de vista docente. Trabalho fundamentado em leituras de documentos oficiais e na obra de Pedro Demo, entre outros, a partir de uma retomada histórica da educação superior nacional e suas perspectivas, após visualização da primeira década do Século XXI.

PALAVRAS-CHAVE Educação superior; Formação docente; Universidade.

ABSTRACTPresentation on the ways covered for the Superior Education in Brazil. Bringing considerations on the paper of the university, the quandaries faced and on the socialization of practical the academic knowledge and it’s, under the teaching point of view. Work based on official document readings and the workmanship of Pedro Demo, among others, from one retaken of the national Superior Edu-cation and its perspectives historical, after visualization of the first decade of Century XXI.

KEy WORDS

Superior education; Teaching formation; University.

1 UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Como qualquer instituição, as Universidades se subordinam a re-

gras externas – legislações federais, estaduais, municipais – e àquelas

oriundas de seus pequenos e grandes colegiados – resoluções, portaria

e deliberações. Estas disposições afetam tanto sua governança como as

expectativas nelas depositadas.

Perspectivas sobre universidade e sociedade

112 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Embora estruturadas hierárquica ou matricialmente, as instâncias

de poder nas universidades – sem muita variação – se concretizam em

reitorias que, por sua vez, se constituem de pró (s) ou sub-reitorias,

responsáveis pelas ações referentes a cada um dos fins da Instituição

Educacional – ensino, pesquisa e extensão.

1.1 Universidade – Tênues Laços

Nascida de uma sociedade marcadamente segregada – e bastante

dependente do que se passava em outras nações, até hoje a universidade

brasileira não deixou transparecer em sua história a forma com que se

articulou e tem se articulado aos interesses nacionais. Ou seja, são tênues

laços que foram e têm sido criados entre a universidade e a sociedade.

1.2 Colonização

Os fracos vínculos criados entre as universidades e a sociedade se

teceram no desprezo dado pela colonização portuguesa à educação das

populações de suas colônias.

Diferentemente das colônias espanholas – que tiveram benefícios

com a formação de universidades – as colônias portuguesas foram

submetidas a um claro processo de deseducação das massas.

O produto deste processo foi a formação de uma reduzida e segre-

gada elite intelectual. O que tem mantido camuflada segregação são

os interesses coincidentes entre esta elite e a maioria da população.

Foi assim na Independência do Brasil, na libertação dos escravos, na

Proclamação da República...

Apesar de muitos intelectuais serem marcantemente reacionários,

outros constituíram grupos de vanguarda, o que possibilitou algumas

reformas no meio científico-acadêmico.

Wagner Luiz de Menezes

113Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Entre 1920 e 1964, os intelectuais de vanguarda e a universidade

viveram um momento de razoável identidade com o povo. Ao longo

desse período, a nação permitia o nacionalismo... exigia reformas...

inventava tecnologia própria.

No recorte espaço-temporal entre 1930 e 1945, os intelectuais tiveram

a mesma perplexidade e ambivalência de todo o país... O Brasil estava

dividido entre ideologias que iam desde o nacionalismo ao entreguismo,

atravessando a heróica luta pela democracia.

A própria ambivalência da ditadura Vargas forçava essa perplexi-

dade.

1.3 Século XXI

Mais que nunca a universidade deve ter claro seu papel, pois em

face da crise mundial que assola quase todas as nações, a universidade

perde seus privilégios, bens e recursos...

A mais relevante missão da universidade tem de ser a de se trans-

formar em um instrumento que rompa com a segregação social. A

mais relevante missão da universidade tem que ser a de promover uma

sociedade integrada, eficiente e soberana.

1.3.1 Desafios

O desafio da universidade – não restam dúvidas quanto a isto – é de

se situar e marcar seu espaço no contexto da sociedade brasileira. O

desafio é colaborar na organização e na construção de uma nação que

busque, efetivamente, alcançar sua soberania.

Neutralizar esses desafios exige uma cuidadosa sintonia dos projetos

científicos e tecnológicos com os interesses do país. Contudo, para que

isto ocorra, a universidade deve romper – ela própria – com seus vícios,

que inviabilizam o cumprimento de seu papel de pensar o futuro da

nação e da humanidade.

Perspectivas sobre universidade e sociedade

114 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

1.3.2 Expectativas

A consciência da crise faz da universidade a instituição com mais

condições de adotar uma postura aberta para integrar o conjunto do

país; abandonar o apego ao presente para comprometer-se com o futuro;

neutralizar a visão dependente para formular um pensamento naciona-

lista consciente com o progresso e possibilitar o progresso.

1.3.3 Novos cenários

Em um passado não muito remoto, a divulgação do conhecimento

científico era feita, exclusivamente, nas revistas científicas. Hoje – face

aos inumeráveis recursos tecnológicos – o ritmo da divulgação do conhe-

cimento científico tem produzido uma universalização vertiginosamente

rápida das informações.

Este ritmo, contudo – que interfere na produção do conhecimento

novo, de sua divulgação e de sua aplicação tecnológica – ainda hoje é

um desafio para a universidade brasileira.

2 O PAPEL DA UNIVERSIDADE

Considerando que todos os objetivos da educação convergem para um

único foco – o desenvolvimento harmônico do homem – os objetivos

mais relevantes da universidade são:

Universalização da cultura – cabendo à universidade preservar as

conquistas culturais da humanidade, contribuindo para a neutralização

das barreiras nacionais e ideológicas que segmentam os povos.

Socialização do saber – cabendo à universidade estender os conhe-

cimentos que produz à comunidade, contribuindo para a resolução

tanto dos problemas sociais crônicos quanto dos que vierem a emergir.

Formação de profissionais – cabendo à universidade acompanhar os

movimentos de trabalho, contribuindo para o atendimento da demanda

de mão-de-obra profissionalmente especializada.

Wagner Luiz de Menezes

115Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Formação de pesquisadores – cabendo à universidade buscar as

incertezas, contribuindo para a formação de especialistas que se dedi-

quem à produção do conhecimento em todas as áreas do conhecimento.

2.1 Compromisso Social

O primeiro compromisso a ser firmado pela universidade é – com a

qualidade do trabalho intelectual nela gerado – alcançar a modernidade

Nessa missão, devem estar incorporadas tanto a criatividade própria

do ineditismo – estimulador da produção científica – quanto a sinergia

entre os trabalhos nela produzidos.

Modernidade e soberania se associam quando a questão é desen-

volvimento. Sem abrir mão de sua autonomia acadêmico-científica, a

universidade deve buscar a qualidade de seu trabalho.

É aqui que se dá sua maior contribuição à soberania de uma nação.

2.2 AVALIAçãO

É necessário avaliar – não por uma visão míope norteada pela

relação custo-benefício – até que ponto a universidade está cum-

prindo seu papel. É preciso avaliar-se até que ponto ela abandona

o papel de legitimadora do saber, adotando o axioma da dúvida,

desbancando seus dogmas, confrontando seu saber com os conhe-

cimentos emergentes.

Provocar sinergia entre a produção individual e a coletiva, possibili-

tando a transformação d hipóteses particulares em teorias é fundamen-

tal, assim como a articulação entre a ciência à tecnologia, dando suporte

ao crescimento do setor produtivo sem deixar-se levar pelo imediatismo

de modo a enfrentar os problemas da sociedade, buscando saídas que

preservem a soberania do país e igualdade entre os povos.

Perspectivas sobre universidade e sociedade

116 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

3 DILEMAS DA EDUCAçãO SUPERIOR

No processo de produção do conhecimento, o pesquisador não parte,

em cada investigação, do nada. Ao contrário, o pesquisador se debruça

sobre conhecimentos já elaborados, para afirmá-los, para questioná-los,

e até mesmo para negá-los.

Para possibilitar que o conhecimento por ele produzido possa gerar novos

conhecimentos, o pesquisador deve expor, não somente o que ele produziu,

mas também o caminho de suas buscas e de seus momentos de incerteza.

3.1 Socialização Do Saber

Da socialização do conhecimento, emergem, na universidade, duas

outras funções: a transmissão do conhecimento por meio das atividades

de ensino e a extensão do conhecimento à comunidade, de modo a dar

conta de seus problemas.

Porém, por ter ainda um caráter histórico, o conhecimento é produ-

zido, revisto, acrescido, substituído e retificado por sujeitos historica-

mente situados.

3.2 Extensão Universitária

Não se pode questionar o papel da universidade como produtora,

transmissora e socializadora de conhecimentos. Contudo, conforme

afirma CHAGAS (2004, p. 3) “como o conhecimento criado pela uni-

versidade poderá ser estendido a faixas mais amplas da sociedade se

enquanto espaço de produção de conhecimento – a universidade ainda

não consegue ser livre e crítica?

Se enquanto formadora de profissionais – a universidade ainda não con-

segue neutralizar relações sociais marcadamente segmentadora e elitista?”

Wagner Luiz de Menezes

117Educação e Cidadania • número 11 • 2009

4 TRANSMISSãO DO CONHECIMENTO

Cada época formata o conhecimento procurando atender às neces-

sidades próprias de cada período histórico, onde cada época ajusta a

educação, adequando-se às novas exigências impostas ao cenário social.

Apesar destes ajustes – que constituem um lento processo, marcado

por conflitos, produtos da mudança – a educação nunca conseguiu dar

conta das reais necessidades devido a pressões culturais e ideológicas

que perduram no tempo, além de tornar os cidadãos – no limite das

possibilidades individuais – plenamente participantes das comunidades

em que estão inseridos.

4.1 Construção Do Saber

Seja qual for a concepção que se tenha de currículo, não há como

negar-se que se trata de repositórios de conhecimento. Demo (2009)

discute a questão do currículo intensivo na universidade e a formação

aí procurada, tomando em conta, sobretudo teorias pós-modernas

da aprendizagem de teor político, para o autor, entre os traços mais

marcantes deste momento social está a intensividade cada vez maior

do conhecimento, ou, como quer Castells, um modo de vida marcado

pela “network society”.

Tais conhecimentos são produtos de práticas coletivas, envolvendo

séries de ações transformadoras que resultam, cada uma delas, em

novos conhecimentos.

Se o conhecimento é coletivo, consequentemente o saber também o

é. Por não ser apresentado como pronto e acabado, o saber não pode

ser encarado como uma mercadoria a ser consumida por nossos alunos.

Ao se identificar as diferentes ações/transformações que integram o

processo de produção do conhecimento – e se for o caso, de sua valo-

rização em saber – será fragilizada a sua aparente totalidade.

Perspectivas sobre universidade e sociedade

118 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Contrariando o que as teorias pós-modernas apontam em termos de

falibilidade típica do conhecimento (DEMO, 2001), o professor compa-

rece com conhecimento tão respeitável que merece ser referenciado.

É difícil para o docente, ainda conforme o autor (2001) aceitar que se

está no mesmo barco que seus alunos, nadando nas águas da dúvida.

Aprender não é – de nenhum modo – manejar certezas, mas trabalhar

com inteligência as incertezas, porquanto, sendo função vital que se

confunde com a vida, não se podendo fantasiar propostas contraditórias

com a criatividade e com a fragilidade da vida.

Alguns professores vão ao extremo de garimpar no termo tons profé-

ticos – professar estaria na base do conceito de ser professor – evocando

os mesmos laivos do profeta que fala em nome de Deus e que, por isso,

não poderia ser contestado.

4.2 Avaliação

Sempre que algo é realizado, existe um desejo latente de acompa-

nhar-se os resultados de seus esforços, isto é próprio do ser humano.

Neste sentido é natural que os alunos e seus professores possuam interesse

em mensurar o produto do trabalho que é realizado em sala de aula.

Em outras palavras, medir o conhecimento aprendido é um dos

processos essenciais do trabalho docente. Entretanto, quando se

percebe que os instrumentos de avaliação utilizados não oferecem as

respostas esperadas, de alguma forma, busca-se eliminar do cotidiano,

as provas e os exames.

Raras são as vezes em que se busca criar novos instrumentos de ava-

liação ou tentar aprimorar os que estão em uso. Muitas vezes, são consi-

derados os testes e as provas mais importantes que o trabalho realizado.

A avaliação só é plena se (DEMO 2001) der conta tanto do conteú-

do que foi transmitido quanto dos processos vivenciados pelo aluno.

Contudo, nem sempre é isso que acontece.

Wagner Luiz de Menezes

119Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Muitas avaliações tendem a enfatizar, essencialmente, o conhecimen-

to factual, abdicando desses processos. Quanto mais o aluno se envolve

nessa discussão, mais ele perceberá o valor da avaliação.

4.2.1 Prática da avaliação escolar

Dentro do modelo liberal conservador, a prática da avaliação escolar

deverá obrigatoriamente ser autoritária, pois esse caráter pertence à

essência dessa perspectiva de sociedade, que exige controle e enqua-

dramento dos indivíduos nos parâmetros previamente estabelecidos de

equilíbrio social, seja pela utilização de coações explícitas, ou seja, pelos

meios sub-reptícios das diversas modalidades de propaganda ideológica.

A avaliação educacional será desta forma, um instrumento discipli-

nador, não só nas condutas cognitivas como também nas sociais, no

contexto da escola.

O processo de avaliação pode ser caracterizada como uma forma de

ajuizamento da qualidade do objeto avaliado, fator que implica em uma

tomada de posição a respeito do mesmo, para aceitá-lo ou transformá-lo.

A definição adequada mais comum, encontrada nos clássicos manu-

ais, estipula que a avaliação é um julgamento d valor sobre manifes-

tações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão

(LUCKESI, 1978 In DEMO, 2001).

Primeiramente, ela é um juízo de valor, o que significa uma afirmação

qualitativa sobre um dado objeto, a partir de critérios preestabelecidos,

portanto diverso do juízo de existência que se funda nas demarcações

físicas do objeto.

O objeto avaliado será tanto mais satisfatório quanto mais se

aproximar do ideal estabelecido, e menos satisfatório quanto mais

distante estiver da definição ideal, do protótipo ou como estágio de

um processo.

Em segundo lugar, esse julgamento se faz com base nos caracteres

relevantes da realidade – do objeto da avaliação. Portanto, o julgamento,

apesar de qualitativo, não será inteiramente subjetivo.

Perspectivas sobre universidade e sociedade

120 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

O juízo emergirá dos indicadores da realidade que delimitam a qua-

lidade efetivamente esperada do objeto. São os sinais do objeto que

elucidam o juízo. E, evidentemente, a seleção dos sinais que funda-

mentarão o juízo de valor dependerá da finalidade a que se destina o

objeto a ser avaliado.

Em terceiro lugar, a avaliação conduz a uma tomada de decisão.

O julgamento de valor, por sua constituição mesma, desemboca num

posicionamento de não indiferença, o que significa obrigatoriamente

uma tomada de posição sobre o objeto avaliado e, uma tomada de de-

cisão quando se trata de um processo, como é o caso da aprendizagem.

A atual prática da avaliação escolar estipulou como função o ato de

avaliar a classificação e não o diagnóstico, como deveria ser, constitu-

tivamente. Ou seja, o julgamento de valor, que teria a função de possi-

bilitar uma nova tomada de decisão sobre o objeto avaliado, passa a ter

a função estática de classificar um objeto ou um ser humano histórico

num padrão definitivamente determinado.

Classificações são registradas em números e, por isso, adquirem a

possibilidade de ser somadas ou divididas em médias. Será que o infe-

rior não pode atingir o nível médio ou superior? Todos os educadores

sabem que é possível e defendem a ideia do crescimento.

5 CONSIDERAçõES FINAIS

Na primeira década do novo Século, o desenvolvimento das TIC’s

(Tecnologias da Informação e Comunicação) redesenharam novos para-

digmas educacionais, redimensionados pela ampliação dos mecanismos

de interação e pela adequação às necessidades imediatas.

Cria-se então uma modalidade de ensino – ensino a distância – que

possibilitou a gestão do acesso ao conhecimento por sujeitos que, por

alguma razão, não podem ou não querem realizar estudos presencial-

mente.

Wagner Luiz de Menezes

121Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Com o advento da EaD, surgiu a escola virtual – espaço criado pelo

ensino a distância veiculado via Internet. O que interessa tanto o de-

senho de um novo perfil para o aluno quanto as novas funções que a

partir daí começam a ser redesenhadas.

Para tornar a aprendizagem mais motivadora e eficaz, é necessário ma-

ximizar o aproveitamento dos recursos das novas tecnologias educacionais.

Logo não é necessário apenas conhecer esses recursos, mas estar disposto

a assumir novos papéis na educação do futuro que aqui se descreve.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WAGNER LUIZ DE MENEZES

Doutor em Educação. Voluntário na Fundación Dequení/Paraguai,

Instituto Brasil Voluntário, Pastoral da Criança e UNESCO. Docente em

Graduação e Pós-Graduação, membro dos Comitês: Informação e Docu-

mentação e de Qualidade da ABNT e da LASA. Atuando em Antropologia,

Didática e Metodologia do Ensino Superior, Estudos Latino-americanos,

Gerenciamento de Projetos e Metodologia de Pesquisa.

Recebido em: 14/09/2009

Aceito em: 30/09/2009

MENEZES, Wagner Luiz de. Perspectivas sobre universidade e so-

ciedade. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p.

111-122, 2009.

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

Luiz Gustavo Lima Freire

O dia em que entrei na aula de física foi mortal. Um homem escuro e baixo, de voz aguda e ciciante, conhecido como Sr. Manzi, estava frente à turma com um apertado terno azul segurando uma pequena bola de madeira. Colocou a bola numa canaleta inclinada e a deixou rolar até embaixo. A seguir, começou a dizer: suponhamos que a é igual a aceleração e que t é igual a tempo. E de repente se pôs a rabiscar letras e números e signos sem distinção por todo o quadro-negro, e minha mente deixou de funcionar. (Sylvia Plath)

RESUMOEsse artigo versa sobre a criatividade, sua relação com a arte, expressões artísticas e a auto-regulação da aprendizagem; pretende-se demonstrar a importância do ensino criativo e que desenvolve a criatividade nas escolas.

PALAVRAS-CHAVECriatividade; Ensino; Aprendizagem; Arte.

ABSTRACTThis article focuses on creativity, its relationship with art, artistic expressions and self-regulated learning, it is intended to demonstrate the importance of creative teaching and the education that develops the creativity in the schools.

KEy WORDSCreativity; Teaching; Learning; Art.

A criatividade enquanto capacidade do homem pensar sobre si próprio

sempre existiu, apesar disso o seu estudo sistemático só começou a pouco

mais de um século. Muitas das concepções tomadas hoje sobre as suas

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

124 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

particularidades ainda representam ideias antigas e místicas, o que tem

se constituído num entrave para o seu desenvolvimento. No entanto, o

cenário atual exige que os indivíduos possuam a capacidade de refletir

criativamente sobre os problemas da humanidade, nesse sentido, a escola

pode e deve ser um lugar privilegiado para a consecução desse objetivo.

Para tal, deverá valorizar o ensino-aprendizagem da arte (embora, não

só) tantas vezes descurado nas escolas. Importa que a criatividade seja

pensada (desenvolvimento histórico, o que dizem os teóricos atuais,

formas de avaliar e intervir). Procuraremos abordar as concepções usuais

da criatividade como obstáculos para o seu progresso, assinalar que o

seu estudo é difícil e complexo, mas que é altamente necessário, apontar

que a criatividade existe desde sempre, mas que só nesse último século

tem sido estudada com mais propriedades, e discorrer sobre o que tem

se pensado atualmente e como se pode avaliar e intervir sobre ela (na

escola). A relevância desse trabalho consiste na necessidade de refletir

sobre formas construtivas, cooperativas e significativas de desenvolver

a criatividade e as expressões artísticas nas escolas.

A atualidade exige que os indivíduos reflitam, buscando novas

soluções e ideias. Os velhos procedimentos já não atendem às necessi-

dades cambiantes modernas. Daí o imperativo do pensamento flexível

e inovador, capaz de estabelecer soluções, pois num mundo instável e

fragmentário, a criatividade passa a ser uma capacidade para a própria

sobrevivência. Segundo (MORIN, 2001) é preciso ensinar estratégias

que permitam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e

modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas

ao longo do tempo.

Assim, abordamos a ideia da “criatividade com c pequeno”, aquela

que necessitamos para encontrar caminhos ao longo da vida, ou seja,

a criatividade que permite uma capacidade durável para agir diante das

oportunidades e obstáculos que caracterizam a contemporaneidade.

Essa criatividade pode e deve ser desenvolvida pela escola. Ela surge

como uma das muitas aprendizagens transversais aos vários contextos

Luiz Gustavo Lima Freire

125Educação e Cidadania • número 11 • 2009

e conteúdos acadêmicos, o que vem a requerer que os professores,

alunos e demais intervenientes dos processos de ensino-aprendizagem

redefinam seus papéis. Isso implica uma educação que deixe de se

centrar mais ou exclusivamente na razão e passe a se centrar também

nas aprendizagens vivenciais, artísticas, contemplativas e criativas.

A descentração do conhecimento e a relativização do saber têm

convidado cada vez mais ao abandono de uma perspectiva realista,

caracterizada por formas de aprendizagens que possuem o objetivo de

conquistar um saber absoluto e objetivo. Pelo contrário, a modernidade

propõe que se abandone o realismo em detrimento do construtivismo.

Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força da sua ação. (BECKER, 1993, p. 88-89)

A realidade passa a ser então, o que podemos ver e sentir, o que po-

demos construir a partir da forma como experienciamos um fenómeno.

O conhecimento fatual começa assim, a perder prestígio e a abrir espaço

para as nossas sempre limitadas, inclusive porque apenas aproximadas,

interpretações da realidade. Desde que a escola substituiu a aprendiza-

gem como meio de educação, que não se aprende na relação direta com

a vida. É isso que é a escolarização, um processo de enclausuramento

que conduz a conformidade, ou seja, que reprime a criatividade tão

comumente encontrada nas crianças. A par das atividades de índole

transmissiva, à escola cabe propiciar a busca de significados e do au-

toconhecimento, o que implica considerar a importância dos símbolos

e do prazer.

Acho o prazer uma coisa divina. Para ele fomos feitos. O amor, o humor, a comida, a música, o brinquedo, a caminhada, a viagem, a vadiagem,

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

126 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

a preguiça, a cama, o banho de cachoeira, o jardim, para estas coisas fomos feitos. Para isso trabalhamos e lutamos: para que o mundo seja um lugar de delícias. Pois esse, somente esse, é o sentido [da vida]: O lugar onde o corpo experimenta o prazer. (ALVES, 1995, p. 33)

Nesse sentido, a escola deverá constituir-se num lugar de prazer e

alegria, tanto quanto num lugar de trabalho, para isso é importante

considerar que essas duas dimensões não são excludentes, mas que

na verdade se complementam. A escola criativa e que ensina para a

criatividade será aquela que for capaz de formar para a vida, e não

apenas para o prosseguimento nos estudos e acúmulo do conhecimento.

1 EDUCAçãO ARTíSTICA E CRIATIVIDADE

Uma das formas de explorar a criatividade nas escolas é incentivar

a sensibilidade e a intuição através da realização de manifestações

artísticas, pois a arte com o seu caráter multissignificativo carrega a

sensibilidade e os impulsos intuitivos como parte integrante da sua

significação. Como é óbvio, a criatividade é uma, entre muitas outras

componentes dos processos e manifestações artísticas. Da mesma for-

ma que podemos ser criativos e estimular a criatividade em todos os

domínios científicos. Pelo que se pode e se deve estimular a criativi-

dade em todas as disciplinas e atividades escolares, mas apesar disso,

consideramos o ensino das artes essencial para a formação completa e

emancipadora do ser humano. Piaget (1999) associa o desenvolvimento

das funções mentais e das aptidões da criança ao desenvolvimento da

expressão artística:

(...) muito freqüentemente a criança pequena parece melhor dotada do que a criança mais velha, nos domínios do desenho, da expressão simbólica (representação plástica, papéis desempenhados em cenas coletivas organizadas espontaneamente,

Luiz Gustavo Lima Freire

127Educação e Cidadania • número 11 • 2009

etc) e, por vezes, da música. Quando se estudam as funções intelectuais ou os sentimentos sociais, verfica-se um progresso mais ou menos contínuo, enquanto no domínio da expressão artística, tem-se, pelo contrário, a frequente impressão de um retrocesso. (p. 179)

Na sua opinião, o problema do retrocesso, que deve ser estudado afim

de que seja neutralizado, está relacionado aos obstáculos que surgem

no decurso (inclusive escolar) da evolução da criança.

Sem uma educação artística adequada que consiga cultivar esses meios de expressão e encorajar estas primeiras manifestações da criação estética, a ação do adulto e os constrangimentos do meio familiar ou escolar acabam, geralmente, por travar ou contrariar tais tendências, em lugar de as enriquecer. (p. 180)

Um dos motivos responsáveis pelo pouco incentivo à criatividade

refere-se à ciência e aos próprios sistemas de ensino da contemporanei-

dade, que, pode-se dizer com segurança, interpõem o intelecto (lógicas,

métodos, classificações) à sensibilidade, e nesse sentido seria preciso

acionar o conhecimento intuitivo para o aprendizado. Mas seria preciso

por quê? Por que intuição e intelecto são duas formas de conhecimento

que se ajustam e complementam diante do desejo de compreensão

profunda, não existindo suplantação de uma dessas formas, pois ambas

são humanas. O ensino da arte, da beleza e da estética é tão essencial

quanto qualquer outro. Essa é a parte que cabe à promoção das formas

mais conscientes e livres de atuar e interatuar, e não é preciso ensinar

apenas a saber apreciar uma obra de arte, é preciso ensinar para a

sensibilidade e para a conscientização.

A arte é uma atividade normal da vida humana. O pintor das cavernas não fez nada mais extraordinário quando pintou, do que quando ele ou outro inventou a lança: e as duas proezas do espírito são tão naturais e tão necessárias ao aperfeiçoamento do homem como são queridas e consideráveis (...) Aquilo que o inventor e o

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

128 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

pintor estavam a fazer na caverna era desenrolar o dom do ato inteligente. (BRONOWSKI, 1993, apud GRAÇA, 2002, p. 38)

Ensinar arte não é propriamente ensinar a ser artista, pois a arte pode

e deve ser a possibilidade para as pessoas expressarem-se subjetivamen-

te, ou seja, humanamente, tanto quanto objetivamente, enfim é uma

manifestação humana que se atualiza na relação entre o individual e o

coletivo, entre o pessoal e o social.

Manipular linguagens artísticas, antes de mais nada, é permitir um encontro consigo mesmo, e dar significado à própria existência. Só levando em conta a pessoa humana que está produzindo alguma coisa é que se pode compreender e respeitar sua expressão. A partir daí, é possível ajudá-la a crescer e ser feliz. (SARUBBI, 1986, p. 12)

A manifestação artística e ou a criatividade necessariamente não têm

que ser prescritivas. Gabriel dos Santos, por exemplo, foi considerado

por muitas personalidades, inclusive por Ariano Suassuna (2008, s.

p.) como uma das maiores representações da capacidade criadora. Ele

construiu uma casa, que foi considerada uma obra-prima da arquitetura

espontânea no país. “Muitos vão se surpreender mas, para mim, uma

das obras mais importantes da arquitetura brasileira é a Casa da Flor

... Para mim, é um exemplo raro de arquitetura espontânea, poética,

sem qualquer imposição”.

2 FOTO DA CASA DA FLOR, FONTE: INSTITUTO CULTURAL CASA

DA FLOR

O retrato de Gabriel dos Santos exemplifica muitas das competências

e características que marcam a criatividade. Gabriel foi tido erronea-

mente como louco e foi “rejeitado” pelo público. Com efeito, aquilo

Luiz Gustavo Lima Freire

129Educação e Cidadania • número 11 • 2009

que desenvolveu é invulgar, portanto, não pode ser classificado dentro

dos padrões normais (aceitos). Sua casa não é apenas de madeira,

tijolos ou telhas, como todas as outras do lugar onde mora. Gabriel foi

capaz de utilizar materiais pouco valorizados, que quem sabe, serão

valorizados futuramente. Foi capaz de gerar uma ideia nova e interes-

sante (capacidade imaginativa) foi capaz de escolher materiais, avaliar

procedimentos, enfim, materializar as suas ideias.

3 A ESTIMULAçãO DA CRIATIVIDADE NA ESCOLA

A escola tem um papel preponderante na estimulação da criativida-

de. E se é verdade que esse papel tem sido fortemente apresentado e

admitido, tanto pela própria escola, quanto pela sociedade, na nossa

opinião parece que sua concretização, ou seja, a estimulação da criativi-

dade, não tem sido tão bem conseguida, pelo menos, não tanto quanto

divulgadamente desejamos e necessitamos.

Desde há décadas que Rogers (1959) autor consagrado das teo-

rias humanistas da personalidade aponta a criatividade como uma

dimensão importante da “pessoa plena”. Segundo ele, ser criativo

é uma tendência do homem para atualizar-se e concretizar suas

potencialidades.

As investigações na área da criatividade têm progredido ao longo dos

tempos com retrocessos, mas principalmente com avanços, permitindo

que estabeleçamos planos para incentivá-la em todas as pessoas. A

fase que admitiu a criatividade de forma estereotipada, ainda permeia

o imaginário popular e tem sido frequentemente admitida como um

entrave para o progresso das investigações e ações na área do campo

educativo, mas pode-se dizer que os estudos deixaram de centrar-se

apenas nos condicionamentos psicológicos individuais e mensuráveis

(capacidade criativa atribuída à figura do gênio e aos dons divinos)

(TORRANCE, 1974).

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

130 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Desde as décadas de 80 e 90 que as abordagens começaram a se

debruçar sobre as pessoas comuns, os estudos deixaram de ser positi-

vistas e passaram a ser qualitativos, procuraram compreender o espírito

criativo em termos da inteligência (GARDNER, 1993) e trouxeram para

dentro do debate a influência das estruturas e sistemas sociais sobre a

criatividade individual (RYHAMMAR, 1999). A criatividade passou então

a residir mais na sociedade do que propriamente a um nível individual,

deveria estar ancorada na troca que poderia existir entre as pessoas e

poderia ser plenamente desenvolvida pela educação e pela aprendiza-

gem em todos os indivíduos. Concepções perfeitamente coerentes com

a ideia de arte como um conhecimento ou como cognição.

Ainda não existe um consenso teórico sobre a criatividade, mas já

pode-se falar de um quadro que permite conhecê-la e estimulá-la melhor.

Para a maioria dos autores, trata-se de um processo multifacetado, de

nível distinto (modo válido e superior de pensar) e ligado à inteligência,

que envolve definição e redefinição de problemas e combinação de

conhecimento anterior numa nova forma de aplicação. A criatividade

depende da motivação para a tarefa, capacidade e conhecimento num

domínio, competências cognitivas, e de um trabalho concentrado e

enérgico. Para ser criativo, o aluno deve acreditar em si mesmo, confiar

nas suas capacidades e sentir desejo e prazer para realizar os trabalhos

de forma persistente, elaborada e fecunda (BAHIA e NOGUEIRA, 2005).

A reunião de competências cognitivas, como a flexibilidade, fluência,

imaginação, expressividade e elaboração de ideias é o alicerce para o

pensamento criativo. Mas a elaboração da ideia não surge do nada,

e sim da reacomodação de imagens anteriores, pois só podemos ser

realmente criativos se possuirmos conhecimento anterior. Ser criativo

requer tempo, esforço e dedicação. Até que o produto final seja apresen-

tado, muitas horas terão sido utilizadas e ideias terão sido selecionadas,

confrontadas e refletidas (idem).

A criatividade implica o exercício da capacidade imaginativa,

mas também a capacidade de percepção do domínio aplicativo, não

Luiz Gustavo Lima Freire

131Educação e Cidadania • número 11 • 2009

basta ter boas ideias, há que aplicá-las, expressando-as ou trans-

formando-as em “produtos”, por isso, a estimulação da criatividade

pela escola depende de um ensino para a criatividade, potencializa-

do por um ensino criativo. Embora possam andar de mãos dadas, o

ensino criativo pode não se traduzir num ensino para a criatividade.

Mas como poderia ser um ensino que estimulasse a capacidade criativa?

A escola deve promover a esperteza e a agudeza, através do fomento de

hipóteses alternativas, através do jogo e das atividades em grupo, como

por exemplo, o teatro, a dança, a música, mas também a matemática,

a física, a religião, etc. Ensinar para a criatividade pressupõe abrir-se

às possibilidades e ter imaginação, significa fazer escolhas, ser lúdico

e gostar de desafios.

Não existem receitas rígidas e universais para estimular a criativi-

dade, por isso não se pode generalizar procedimentos. Apesar disso,

uma integração dos investigadores com os “práticos” (professores,

diretores, alunos) pode ser bastante proveitosa, na medida em que a

troca de informações e experiências pode beneficiar a ambos, e subsi-

diar ações programadas e controladas. As teorias acerca da criatividade

podem funcionar como “pano de fundo” impulsionando reflexões que

se traduzam em ações.

Aquilo que for mais indicado para um caso específico pode não ser

para outro, por exemplo: o oferecimento de atividades de leitura parti-

cular pode beneficiar mais um aluno do que outro. O que importa de

verdade é saber o que se pretende estimular, qual a melhor maneira

para fazer (que procedimentos e métodos serão mais indicados) e como

julgar o grau de atendimento dos objetivos. Para o construtivismo o

conhecimento não existe à partida.

Conhecer é construir significados e relações. Portanto, para aprender, além da construção de significados, se faz necessário construir relações, ir além do conhecimento espontâneo, da bagagem da [pessoa], realizando uma ação pedagógica, um planejamento, uma proposta. Há uma coerência, aqui, com a fenomenologia. (LIMA, 1990, p. 1)

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

132 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Apontando uma solução para enriquecermos a capacidade criativa

dos alunos, Sternberg (1985; 1988) e Sternberg e Lubart (1995) referem

que o trabalho criativo requer a aplicação e o equilíbrio de três capa-

cidades que podem ser todas desenvolvidas pela escola. A capacidade

de gerar ideias novas e válidas (capacidade sintética) a capacidade para

avaliar as ideias, analisar e diferenciar as boas das más (capacidade

analítica) e a capacidade de transformar as ideias em realizações prá-

ticas (capacidade prática).

Embora o ensino criativo e para a criatividade não seja uma

panaceia, existem, como sugerem Sternberg e Lubart (idem) um

conjunto de estratégias que podem ajudar os professores a desen-

volverem a criatividade. Antes de tudo, o professor, enquanto mo-

delo, deve revestir-se de criatividade e deve estimular a motivação

(auto-eficácia) para que o aluno tenha vontade de ser inovador e de

aprender de forma criativa. Também é importante procurar adaptar

os ambientes, conseguir materiais, refletir sobre as potencialidades e

as limitações do contexto físico. Algumas técnicas básicas de apren-

dizagem, como o questionamento, estabelecimento de suposições,

definição e redefinição de problemas e o encorajamento de geração,

cruzamento e polinização de ideias, podem ser proveitosas. O ensino

por sua vez, deve dar tempo para o pensamento criativo, há que se

instruir e avaliar a criatividade, premiar as ideias e produtos criativos,

estimular riscos, tolerar a ambiguidade, permitir erros e identificar

e ultrapassar obstáculos.

A criatividade é tanto uma questão de talento, quanto uma atitude

frente à vida, no dia-a-dia pode-se testemunhar com mais frequência a

criatividade nas crianças, enquanto nos adultos é mais difícil fazê-lo,

pois a sociedade com a sua disposição para a conformidade intelec-

tual, tende a reprimir o potencial criativo das pessoas (STERNBERG e

WILLIAMS, 2003).

Luiz Gustavo Lima Freire

133Educação e Cidadania • número 11 • 2009

4 CRIATIVIDADE E AUTO-REGULAçãO DA APRENDIzAGEM

Ser criativo é muito mais uma postura, uma dimensão, do que uma

estratégia, uma ação específica ou um método. A criatividade é uma

competência do aluno auto-regulado, por esse ser capaz de coordenar

saberes para atingir suas aprendizagens. O ato criativo implica que

se saiba o que vai ser criado e como, que se conjugue dificuldades e

capacidades, elimine distrações, que o medo do fracasso seja negado e

o tempo seja utilizado estrategicamente. Os alunos devem ser capazes

de controlar os processos, eles próprios, ou seja, agir autonomamente

ou de forma auto-dirigida, essa capacidade é inclusive uma necessida-

de dos tempos pós-modernos, pois numa sociedade onde não existem

certezas, faz-se necessário que os alunos “aprendam a aprender” para

que possam se adaptar às constantes transformações sociais.

Silva (2004) defende que a auto-regulação da aprendizagem supõe que

o indivíduo possa modificar a ação, possa em função das representações

pessoais aproximá-la dos objetivos traçados e possa controlá-la para man-

ter um rumo previsto e alcançar os resultados anteriormente desejados.

O aluno auto-regulado não adota padrões pessoais demasiado elevados,

não elabora metas irrealistas, não desenvolve expectativas de resultados

escolares negativos, não atribui as causas dos seus insucessos às variáveis

pessoais e contextuais inalteráveis e não perpetua sentimentos de desva-

lorização pessoal. É essencial lembrar que a criatividade é autodirigida,

logo, as estratégias para o controle dos processos de aprendizagem têm

que partir do próprio indivíduo. Assim, conforme os alunos tornam-se

mais criativos, devem e de fato tornam-se mais auto-regulados.

À escola cabe abandonar os métodos puramente memorísticos e dei-

xar de ser um lugar apenas para dar respostas, de forma complementar,

deve passar a ser um lugar fundamentalmente para fazer perguntas.

“Decorar” não é saber, é armazenar receitas. E se é verdade que estas

permitem andar pelas trilhas já feitas, como diz Alves (2004, p. 62)

nada têm a dizer sobre mares desconhecidos.

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

134 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinarem o que o passado legou – e ensinarem bem – fazem os alunos se esquecerem de que o seu destino não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não saber.

A escola pode estimular a criatividade se promover uma aprendi-

zagem construtiva, cooperativa e significativa, se utilizar critérios que

valorizem a expressividade e a originalidade, se recorrer ao conheci-

mento dos diversos domínios, se utilizar os processos de memorização

como meio e não como um fim, se valorizar a compreensão, se aplicar

e combinar métodos criativos, sintetizando: se promover uma educação

baseada na conjugação e aprimoramento das motivações e potencia-

lidades dos contextos, e finalmente se estimular a auto-regulação da

aprendizagem e o ensino de capacidades e habilidades para aprender ao

longo de toda a vida. Como sabiamente refere Montaigne (1993, p. 46):

saber de cor não é saber, é conservar o que se guardou na memória, que não seja pedido ao aluno apenas contas das palavras da lição, mas do sentido e da substância, que se julgue do proveito que tiver tirado, não pelo testemunho da sua memória, mas da sua vida.

Não é fácil a tarefa de aumentar a criatividade. Muitos professores

dirão que ensinar para a criatividade é uma utopia, pois têm que seguir

parâmetros, procedimentos, programas, etc. Apesar do cenário atual

impelir para a criatividade, na nossa opinião o ensino ainda não é

capaz de estimulá-la tão satisfatoriamente quanto necessário. Estamos

de acordo que a burocracia do ensino pode constituir-se num entrave,

mas pensamos que ela não pode ser utilizada como desculpa para não

se fazer nada. Mesmo com todas as limitações, professores, alunos e

demais intervenientes, precisam ser capazes de fazer escolhas e agir

autonomamente.

Como é óbvio, o ensino para a criatividade, não será o apanágio

para todos os males do ensino-aprendizagem e da educação, o sucesso

das escolas depende de condicionantes complexos que escapam às

Luiz Gustavo Lima Freire

135Educação e Cidadania • número 11 • 2009

vontades e competências dos professores, mas não há dúvida que a

estimulação da criatividade pode ser utilizada como uma ferramenta

para ultrapassar as razões do fracasso. Não fazer nada significa estar

fazendo alguma coisa. A escola, com o seu ensino para formar cidadãos

livres e alegres, perderá espaço se não for capaz de apreender os novos

dados da contemporaneidade, se não adquirir meios de fazer com que

a humanização se dê de modo genuinamente progressista, desenvol-

vendo referências de liberação, criando novos espaços de liberdade,

sugerindo novos horizontes à subjetivação, fora dos limites tradicionais

e conservadores, e em especial, reinventando os modos de fazer e ser.

Essa temática não é só ideológica e não será satisfatória se a escola não

começar a fazer uma conflagração, uma análise institucional, o que

equivale dizer, que seria necessária uma descentração da tradição, do

amoldamento e da conformação.

Não nos esqueçamos que a criatividade é uma ferramenta humana

para ajudar o homem a criar-se a si próprio permanentemente. É pre-

cisamente o produto do erro, da imperfeição, do esquecimento e do

inacabamento humano. Como diz Alves (2003) quem está satisfeito com

as coisas como são e estão não cria nada. Como diz Rogers (1959, p.

251) “ninguém aprende nada de significativo a partir de conclusões”.

Deve ser por isso que os “loucos” frequentemente são vistos como cria-

tivos e por isso mesmo, que Erasmo de Roterdão (1466-1536) dizia que

odiava a boa memória, e quem não esquecia nada, brindando pois, à

loucura! Para terminar apoiamos a ideia de que o ensino criativo e para

a criatividade é mesmo indispensável para continuarmos vivendo. Por

isso há de chegar o dia em que teremos construído as bases para que

a educação não esteja apartada da vida e cumpra o que sonhou Victor

Hugo (1802-1885) nas suas Contemplações de 1856:

Mercadores de grego! Mercadores de latim! Pedantes! Cães de guarda! Filisteus! Mestres! Odeio-vos, pedagogos! (...) Eles Ignoram como nasce e cresce a alma, (...) Estão no A, B, C, D, do coração humano; são o horrível ontem que quer

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

136 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

matar o amanhã; (...) Um, dia quando o homem for sábio, no tempo em que não mais se instruir as aves pela gaiola, quando as sociedades disformes sentirem reergue-se o rosto da criança melhor compreendida e tendo perscrutado as regras dos vôos em liberdade se conhecer a lei do crescimento das águias, e a plenitude do dia raiar para todos, sendo saber sublime, doce aprender será.

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LUIZ GUSTAVO LIMA FREIRE

É Doutorando em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia

da Universidade de Lisboa. Bolsista da FCT, Fundação de Apoio à Ciência

e à Tecnologia, a quem agradece. É professor, psicólogo, pós-graduado

(Lato Sensu) em Psicologia Organizacional e do Trabalho (UNICAP-

-Universidade Católica de Pernambuco) e mestre em Ciências da Edu-

cação (FPUL).

E-mail: [email protected]

Criatividade, expressões artísticas e auto-regulação da aprendizagem:

por uma educação que não corte asas

138 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Recebido em: 01/10/2009

Aceito em: 23/10/2009

FREIRE, Luiz Gustavo Lima. Criatividade, expressões artísticas

e auto-regulação da aprendizagem: por uma educação que não

corte asas. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11,

n. 11, p. 123-138, 2009.

A relevância das disciplinas indagativasna formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

Leocadio Lameira

RESUMOAcreditamos que a pesquisa pode e deve ser trabalhada desde as séries iniciais do Ensino Fundamental. Precisamos submeter nossos alunos à situações de experiência, através de atividades práticas, se queremos desenvolver neles a capacidade criadora. Para concluir, queremos deixar alguns critérios que servirão de contribuição para repensar a indissolubilidade entre formação do professor e qualidade do ensino que será ministrado em sala de aula.

PALAVRAS-CHAVE:Pesquisa; Disciplinas indagativas; Educação cientifica.

ABSTRACTWe believe that research can and should be addressed since the early grades of elementary school. We need to bring our students to experience situations through practical activities, whether we want them to develop creative ability. To conclude, we want to leave some criteria which will contribute to rethinking the inseparability of teacher training and quality of education will be taught in the classroom.

KEy WORDSResearch; Speculative disciplines; Science education.

NOTA INTRODUTóRIA

Ao longo de nossa vida profissional, o ato de ensinar foi, gradati-

vamente, cedendo espaço para o ato de orientar, a tal ponto que hoje

não podemos mais aceitar o “processo ensino-aprendizagem”. Primeiro

porque implica, de um lado, alguém que ensina e de outro, alguém

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

140 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

que aprende; segundo, porque na verdade ensinamos aprendendo e

aprendemos ensinando, numa ação recíproca, dialética. Portanto, no

contexto semântico deste estudo, preferimos utilizar a acepção “relação

ensino-aprendizagem”, por ser um ato mútuo e recíproco.

Entendemos que o currículo das séries iniciais do Ensino Funda-

mental, por ser trabalhado sob forma de atividades, tem um caráter

teórico-experimental. Portanto, a análise feita para o ensino de Ciências

é estendida a todos os demais campos do conhecimento deste currículo.

Acreditamos que a pesquisa pode e deve ser trabalhada desde as séries

iniciais do Ensino Fundamental. Existe uma natural curiosidade na crian-

ça que deve ser canalizada, orientando-a para a investigação sistemática,

promovendo a descoberta. Para isso é preciso que os professores saibam

como estimular seus alunos, como desenvolver neles a capacidade para a

indagação, trabalhando com as habilidade mentais (habilidades de pensa-

mento) que irão facilitar a aprendizagem. Se é verdade que as habilidades

científicas, tais como trabalhar com variáveis, exige um nível mais com-

plexo de desenvolvimento mental da criança, também é verdade que, se as

habilidades gerais, as habilidades de pensamento forem trabalhadas desde

cedo, mais rápido e com mais facilidade a criança desenvolverá aquelas.

Neste estudo, consideramos disciplinas indagativas aquelas que dão

subsídio metodológico à pesquisa, entendida como um ato sistemático

de busca de soluções das questões inerentes à curiosidade intelectual do

pesquisador ou à resolução de problemas oriundos da realidade social

ou natural e não as metodologias do ensino. Durante nossa vida profis-

sional, o que temos observado é que existem as disciplinas indagativas

nos currículos dos cursos de formação de professores mas não há um

repasse do que os professores aprenderam nestas disciplinas, quando

trabalham com seus alunos, em sala de aula.

Neste contexto, as disciplinas indagativas têm uma relevância signifi-

cativa pois serão elas que darão o suporte teórico-prático aos professores.

É preciso apreender sua importância e seu significado para que não sejam

apenas disciplinas complementares de um currículo mínimo.

Leocadio Lameira

141Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Este estudo, portanto, acompanha o seguinte delineamento: num pri-

meiro momento explicitamos a configuração metodológica da pesquisa

e análise dos programas para verificar se eles abordam os conteúdos

com propósitos indagativos. O número de referências bibliográficas in-

dicadas, a sua vigência, a sua afinidade com os objetivos da disciplina,

bem como a incidência dos referidos programas na relação entre teoria

e prática, serão considerados como categorias de especial relevância.

Num segundo momento, elaboramos um prévio referencial teórico

que oferece, junto com a metodologia, sustentação à interpretação a

ser efetuada em torno das informações coletadas nas Instituições que

compreendem o universo deste estudo. Uma terceira instância abrange

a interpretação de texto propriamente dita e numa quarta são feitas as

considerações finais que incluem uma série de critérios que servem

de contribuição para repensar a indissolubilidade entre a formação do

professor e a qualidade do ensin o que ele exercerá no desempenho

das suas funções docentes.

1 CONSIDERAçõES INICIAIS

O avanço de uma sociedade está na relação direta de quanto e como

seus indivíduos são “educados”. A educação é, portanto, a mola propul-

sora do progresso da humanidade. Para que isto aconteça é necessário

que esteja na frente, indicando-lhe o caminho.

A sala de aula tem perdido a atenção dos alunos por ser um espaço

onde se faz “aprendizagem” em excesso. Hoje os alunos querem mais

é participar, envolver-se na aprendizagem, em novas descobertas, em

desafios. É preciso aproveitar essa natural curiosidade da criança para

desenvolver seu espírito crítico-criativo. Muito mais do que conteúdos,

precisamos desenvolver habilidades em nossos alunos. Se é relevan-

te preparar-se para enfrentar situações específicas, mais relevante é

preparar-se para enfrentar qualquer situação nova.

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

142 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

A pesquisa como princípio educativo é um dos caminhos que se

apresenta para a emancipação da criança. Neste aspecto, o ensino

de ciências pode contribuir sobremaneira para que a criança não seja

apenas um objeto da aprendizagem mas sujeito que precisa aprender

a aprender para compreender. Pesquisar significa não bastar-se com o

conhecimento atual, mas buscar o novo partindo da insatisfação e da

dúvida.

Trabalhar o “aprender a aprender para compreender” não exclui a

aprendizagem. A inovação está em ativar de maneira criativa a curio-

sidade da criança para que, partindo do conhecimento que já possui,

vá construindo novos conhecimentos, estimulando o desenvolvimento

de estruturas mentais. Acreditamos que a criança estimulada desde

cedo terá mais facilidade para resolver problemas do cotidiano do que

aquelas que estão sujeitas apenas ao processo ensino-aprendizagem,

esperando que as estruturas mentais se desenvolvam, para depois

serem trabalhadas.

A pesquisa como princípio educativo tem que levar em conta a in-

teração entre teoria e prática, sem preponderância de qualquer lado.

Saber pensar é também elaborar soluções concretas além de ficar apenas

especulando ou divagando.

Para muitos, pesquisar é privilégio de poucos. Portanto, concordamos

com Demo quando diz que é preciso desmitificar a pesquisa e entendê-la

como capacidade de dialogar crítica e criativamente com a realidade,

como atitude cotidiana. Isto não significa que pesquisa seja qualquer

coisa, apenas para salientar-se o lado educativo. “A capacidade de criar

inicia com a cópia. O ‘criativo’ estará sobretudo em descobrir que a

cópia não é criativa. É mister sair dela.” (DEMO, mimeografado)

Sabemos o quanto é difícil para o professor que não foi preparado para

trabalhar com determinada metodologia, introduzir inovações em sua

prática pedagógica. Para obter sucesso terá que dedicar-se ao trabalho

com muita força de vontade, buscando individualmente a superação

de suas deficiências.

Leocadio Lameira

143Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Diante desse quadro, nosso questionamento é: Como são preparados

os professores que irão atuar nas séries iniciais da educação básica,

utilizando a pesquisa como modalidade indagativa?

Existem atualmente no Rio Grande do Sul vinte (20) Instituições de

Ensino Superior que possuem o Curso de Pedagogia - Licenciatura Plena,

conforme o Cadastro das Instituições de Ensino Superior do Brasil - 1992,

elaborado pela Coordenação de Informações para o Planejamento (CIP),

unidade da Coordenação Geral de Planejamento Setorial - CPS, da Secre-

taria de Administração Geral - SAG, do Ministério da Educação.

A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões -

URIAUM, com sede em Erechim, possui três (3) campi localizados em

Frederico Westfalen, Santo Ângelo e São Luiz Gonzaga, respectivamente; a

Universidade Católica de Pelotas - UCPel, com sede em Pelotas, possui um

campus em Camaquã; a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do

Sul - PUC/RS, com sede em Porto Alegre, possui um campus em Uruguaia-

na; a Universidade da Região da Campanha - URCAMP, com sede em Bagé,

possui quatro (4) campi localizados em Caçapava do Sul, Dom Pedrito,

São Gabriel e Santana do Livramento, respectivamente; a Universidade

de Ijuí - UNIJUÍ, com sede em Ijuí, possui um campus em Santa Rosa e a

Fundação Universidade do Rio Grande - FURG, com sede em Rio Grande,

possui um campus em Santa Vitória do Palmar. Considerando os onze (11)

campi, temos, hoje, trinta e um (31) cursos de Pedagogia - Licenciatura

Plena em funcionamento no Estado do Rio Grande do Sul.

Entretanto, apenas doze (12) Instituições de Ensino Superior possuem

o curso de Pedagogia com Habilitação em Séries Iniciais.

A fim de viabilizarmos nosso estudo, visitamos as doze Instituições

de Ensino Superior que possuem o Curso de Pedagogia com Habilitação

em Séries Iniciais, a saber: Universidade da Região da Campanha - UR-

CAMP, em Caçapava do Sul; Universidade Federal de Pelotas - UFPel,

em Pelotas; Fundação Universidade do Rio Grande - FURG, em Rio

Grande; Universidade de Passo Fundo - UPF, em Passo Fundo; Univer-

sidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URIAUM,

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

144 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

em Erechim; Universidade de Caxias do Sul - UCS, em Caxias do Sul;

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, em São Leopoldo;

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, em

Porto Alegre; Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em

Porto Alegre; Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, em Santa Cruz

do Sul; Universidade de Ijuí - UNIJUÍ, em Ijuí e Universidade Federal

de Santa Maria - UFSM, em Santa Maria.

Foram escolhidas as matérias Métodos e Técnicas de Pesquisa Peda-

gógica, Estatística Aplicada à Educação (UNISC); Metodologia e Técnica

da Pesquisa (URCAMP); Método e Técnicas de Pesquisa Pedagógica,

Medidas Educacionais I, Introdução à Metodologia Científica (FURG);

Estatística Aplicada à Educação, Metodologia Científica e do Estudo,

Metodologia da Pesquisa em Educação (UFPel); Iniciação à Pesquisa

(UCS); Matemática e Estatística para a Pedagogia, Metodologia da Pes-

quisa Educacional (UNISINOS); Metodologia Científica, Metodologia da

Pesquisa Educacional e Métodos Quantitativos em Pesquisa Educacional

(UFSM) por serem disciplinas indagativas, cujos objetivos e conteúdos

serão analisados a partir de uma interpretação sistemática.

Das Instituições visitadas, não conseguimos nenhum dos programas

da PUC/RS e da UNIJUÍ. Na UFRGS, não conseguimos os planos de

ensino das quatro disciplinas indagativas objeto de estudo (Pesquisa em

Educação, Metodologia da Pesquisa Bibliográfica, Estatística: Métodos

Quantitativos Aplicados à Educação e Metodologia da Pesquisa) devido

a entraves de ordem burocrática. Na UPF, embora no currículo do Curso

de Pedagogia Diurno conste uma disciplina (Metodologia Científica) e

no Curso Noturno conste duas disciplinas (Metodologia do Ensino e

Teoria do Conhecimento) o autor deste estudo não conseguiu obter os

planos de estudo pela indisponibilidade destes, o mesmo acontecendo

com uma disciplina (Metodologia Científica e da Pesquisa) que compõe

o currículo do curso de Pedagogia - Séries Iniciais, da URIAUM.

Portanto, as Instituições de Ensino Superior do Rio Grande do Sul, que

fazem parte deste estudo são: URCAMP - Universidade da Região da Cam-

Leocadio Lameira

145Educação e Cidadania • número 11 • 2009

panha, Caçapava do Sul; FURG - Fundação Universidade do Rio Grande,

Rio Grande; UFPel - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas; UCS - Uni-

versidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul; UNISINOS - Universidade do

Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo; UNISC - Universidade de Santa Cruz

do Sul, Santa Cruz do Sul e UFSM - Universidade Federal de Santa Maria.

Durante nossa visita, procuramos coletar informações a respeito dos

programas das disciplinas que fazem parte do currículo e estão voltadas

à formação do professor para as séries iniciais do primeiro grau. Isto,

com a intenção de verificar se o professor das séries iniciais está tendo

uma formação adequada que lhe permita trabalhar com as crianças

utilizando a pesquisa como modalidade indagativa.

Analisando o material coletado nas Instituições de Ensino Supe-

rior, realizamos uma amostragem não-aleatória dos planos de estudo,

utilizando critérios de julgamento especializado. Primeiro, porque os

próprios materiais além de se adequarem espontaneamente aos obje-

tivos da pesquisa foram submetidos a um ajuizamento criterioso do

autor deste trabalho que entendeu pertinente a escolha das unidade

de observação (planos de estudo, conteúdos programáticos, plano de

ensino ou programas das disciplinas). Uma vez que

Não há nenhum critério metodológico que nos forneça razões im-

perativas para a amostragem aleatória. (...) O que nos garante que o

tratamento é científico não é alguma regra rígida e imutável, como a

necessidade de usar amostras aleatórias — mas o princípio geral de

que devemos adotar o tratamento mais rigoroso possível e que o nosso

procedimento seja eficiente. (CASTRO, 1978, p. 91-92)

Como resultado da referida escolha não-probabilística, os materiais

selecionados, além de preservarem a representatividade e a confiabilida-

de, possuem também o atributo de proporcionar inferências extensivas

à população como um todo.

Para tal efeito, o procedimento metodológico adotado neste trabalho

emoldura-se dentro de uma análise que objetiva, precipuamente, eluci-

dar a dúvida científica enunciada no problema de pesquisa.

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

146 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Sendo assim, o presente estudo, efetuou uma análise do ponto de

vista hermenêutico, trabalhando com a ideia de discurso como texto.

Vale lembrar que as línguas naturais (línguas vivas) possuem o caráter

da polissemia, que faz com que nossas palavras tenham mais de um

significado. A interpretação implica numa atividade de discernimento

entre os interlocutores, considerando o jogo da questão e da resposta.

Esta atividade (...) consiste em reconhecer qual a mensagem relati-

vamente unívoca que o locutor construiu apoiado na base polissêmica

do léxico comum. Produzir um discurso relativamente unívoco com

palavras polissêmicas, identificar essa intenção de univocidade na re-

cepção das mensagens, eis o primeiro e o mais elementar trabalho da

interpretação. (RICOEUR, 1977, p. 19)

Quando passamos da oralização à escrita, procuramos fixar o dis-

curso, numa tentativa para que não se perca. A partir desse momento,

o autor perde o controle sobre o que escreveu, pois ficará, a cargo do

leitor, a interpretação.

“O que o texto significa, não coincide mais com aquilo que o autor

quis dizer. Significação verbal, vale dizer, textual, e significação mental,

ou seja, psicológica, são doravante destinos diferentes.” (RICOEUR,

1977, p. 53)

A assertiva de Ricoeur se enquadra dentro das circunstâncias da

processualidade dialética, ou seja, a indiscutível primazia do contexto

sobre os seus fatos constitutivos. Pinçar um fato, para abordá-lo de uma

maneira isolada, significa efetuar uma observação excluída da relação

que ele tem com outras categorias fatuais que fazem parte do mesmo

âmbito que está em constante mudança. Levando essas considerações

às relações entre os homens no seio da sociedade, significaria descon-

siderar a relevância da cotidianidade bem como outorgar a primazia

ao imaginário em detrimento do real. Por isso, o concreto é a própria

história do homem, em que as relações sociais de poder e a produção

científico-cultural se articulam de forma orgânica em torno da produção

material do homem. O concreto na investigação científica, portanto, é

Leocadio Lameira

147Educação e Cidadania • número 11 • 2009

todo o quadro histórico, com suas condições materiais de produção,

com suas correlações de forças, considerando-se sobretudo a direção

da história (seu vetor). Mais do que isso, o concreto é um desafio que

se define no e pelo trabalho do intelectual, que se verifica e avalia na

prática transformadora. (NOSELLA, 1984, p. 11-12)

Portanto, qualquer análise textual implica necessariamente uma

constante revisitação às circunstâncias das quais ela se deriva. Circuns-

tâncias conjunturais que tornaram esse texto devem, necessariamente,

ser vinculadas ao universo do qual historicamente elas procedem.

Para Japiassu, o ideário metodológico de Ricoeur se resume à se-

guinte proposição:

Seu objetivo é atingir e formular uma teoria da interpretação do ser.

A fenomenologia constitui um momento decisivo de sua metodologia.

(...) Trata-se de um pensamento que se propõe a adotar um método

reflexivo capaz de romper todo e qualquer pacto com o idealismo. (...)

Por isso, o problema próprio a Ricoeur é o da hermenêutica, vale dizer,

o da extração e da interpretação do sentido. (...) Toda a crise atual da

linguagem pode ser resumida na oscilação entre a desmistificação e a

restauração do sentido. E o projeto de Ricoeur não é outro senão o de

redescobrir a autenticidade do sentido graças a um esforço vigoroso de

desmistificação. (Japiassu in RICOEUR, 1977, p. 1)

O sentido das palavras possuem uma origem indubitável no mundo

da concretude, do real, do tangível ou como afirma FREIRE (1983, p. 12)

“A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica

a percepção das relações entre o texto e o contexto.”

Logo, além das diversas conotações que podemos dar ao significado

amplo da pesquisa bibliográfica que pode incluir, além da interpretação,

outras modalidades como a análise de conteúdo, a semiótica, a semân-

tica ou a hermenêutica pode-se inferir que a racionalidade comum à

estas alternativas se resumem no fato de que

(...) os teóricos da hermenêutica têm devotado muito esforço ao

problema do porque e como os seres humanos são capazes de efetuar o

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

148 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ato interpretativo. Eles também têm desenvolvido conceitos e métodos

que podem orientar a interpretação de um texto. Um deles é o círculo

hermenêutico que envolve um processo contínuo de alternância entre

interpretar o significado de cada parte do texto e do texto como um

todo. Sendo assim, a interpretação do texto como um todo ajuda a in-

terpretação das partes e vice-versa. O outro princípio reúne situações

deliberativas, a partir do diálogo participativo de encontros em grupo

sobre as características do texto em questão. (Gall et al apud MAGA-

LHÃES, 1996, p. 17-18)

Para atingir os propósitos desta pesquisa, além das colocações acima

referidas, pode-se localizar o princípio metodológico deste trabalho den-

tro do círculo hermenêutico referido por Gall, uma vez que analisando

a documentação das sete (7) Instituições de Ensino Superior que foram

objeto deste estudo, podemos fazer algumas considerações.

Antes de qualquer análise com vistas a interpretação é preciso escla-

recer que, ao chegarmos nas Instituições de Ensino Superior, solicitáva-

mos a listagem das disciplinas que fazem parte do currículo do curso

de Pedagogia - Habilitação Séries Iniciais. Após uma primeira análise,

destacávamos aquelas disciplinas que tinham conotação indagativa

e, deliberadamente, solicitávamos o “programa” dessas disciplinas,

já numa primeira tentativa de verificar seus diferentes significados

bem como suas diferentes formas de apresentação. Para muitas IES,

o Programa da disciplina é apenas o rol das unidades e sub-unidades

que serão desenvolvidas num determinado espaço de tempo, enquanto

que para outra (UFPel), o programa é parte integrante do Plano de

Ensino englobando, além dos conteúdos, os objetivos, a avaliação e

uma bibliografia básica. Uma outra universidade pesquisada (UFSM)

possui o Programa de Ensino apenas com a listagem das unidades e

sub-unidades e um Ementário onde, além da eme nta, encontramos

os objetivos da disciplina. Com relação às leituras indicadas, consi-

deramos bibliografia recente, aquelas obras publicadas há cinco (5)

anos ou menos.

Leocadio Lameira

149Educação e Cidadania • número 11 • 2009

2 AS UNIDADES DE OBSERVAçãO COMO CRITéRIOS PARA UMA

ANÁLISE INTERPRETATIVA

2.1 A FONTE

Para dar início ao princípio do círculo hermenêutico proposto na

metodologia deste estudo, se faz mister, inicialmente, apresentarmos o

elenco de IES que, dentro do conteúdo de seus currículos, apresentam

uma ou mais disciplinas indagativas. Para tal efeito passa-se a consi-

derar tais disciplinas aquelas que dão suporte à pesquisa sistemática.

Entre estas, consideram-se as seguintes: Métodos e Técnicas de Pesquisa

Pedagógica, Estatística Aplicada à Educação, Metodologia e Técnica da

Pesquisa, Medidas Educacionais I, Introdução à Metodologia Científica,

Metodologia Científica e do Estudo, Metodologia da Pesquisa em Edu-

cação, Iniciação à Pesquisa, Matemática e Estatística para Pedagogia,

Metodologia da Pesquisa Educacional, Metodologia Científica, Métodos

Quantitativos em Pesquisa Educacional. Esses conteúdos são aborda-

dos nas seguintes Universidades: Universidade de Santa Cruz do Sul

(UNISC), Universidade da Região da Campanha (URCAMP), Fundação

Universidade do Rio Grande (FUR G), Universidade Federal de Pelotas

(UFPel), Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade do Vale do

Rio dos Sinos (UNISINOS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

2.2 A INTERPRETAçãO

2.2.1 A questão do conteúdo

Analisando o conjunto das Instituições de Ensino Superior podemos

fazer três considerações, a saber:

1) A metade das IES estudadas deixam entrever, ora de forma explícita,

ora de forma implícita, uma abordagem das disciplinas analisadas

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

150 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

com um propósito indagativo. Em algumas, fica claro o envolvimento

do aluno durante todo o semestre, através de seminários e de um

relatório no final da disciplina, o que demonstra um espírito inovador.

As demais apresentam apenas a listagem das unidades e sub-unidades

que serão trabalhadas durante o semestre, sem indicação bibliográ-

fica, dando a entender que são trabalhadas de forma convencional.

2) Das IES que apresentam bibliografia, apenas uma sugere treze (13)

autores, sendo nove (9) indicações e quatro (4) leituras de apoio, as

demais sugerem seis (6) ou sete (7) autores. As publicações são, via

de regra, da década de 70-80, sendo poucos com menos de cinco (5)

anos, o que não tira o mérito dos autores, por serem, na sua maioria,

clássicos em suas áreas. No obstante, o autor desta pesquisa acredita

que uma permanente inserção de obras mais recentes seja adequada

às exigências da inovação do conhecimento no que se refere à forma

de conduzir as investigações e à interpretação do real.

3) De modo geral, não há referência à ação recíproca entre teoria e

prática. Uma ou outra disciplina propõe análise de revisões, teses ou

dissertações. O que podemos constatar é que se privilegia o teórico

em detrimento da prática, como se fosse possível essa dicotomia.

Com o avanço das ciências, está cada vez mais difícil identificar os

limites dos diferentes campos do conhecimento. Biologia e química

(na bioquímica), história e antropologia, antropologia e sociologia são

áreas onde não há como trabalhar sem recorrer aos princípios teóricos

das demais que circunvizinham.

Hoje é praticamente impossível avançar num determinado campo do

conhecimento sem a contribuição das áreas que estejam interligadas

a ele.

De uma forma geral nossos principais ensaístas e pesquisadores

isolam-se em “seus paradigmas” e tendem a ignorar, ou a não incorporar,

os debates das área afins, no trato de questões que se relacionam dire-

tamente com os “recortes” e os problemas de pesquisa que os ocupam.

Leocadio Lameira

151Educação e Cidadania • número 11 • 2009

(...) Está se caminhando, a passos largos, do modelo paradigmático,

das “antigas” ciências da natureza, para o modelo multiparadigmático

das ciências históricas e sociais. No entanto, na área da educação ainda

são muito prestigiadas as fórmulas teóricas abrangentes e, sobretudo

exclusivas, encontramo-las em determinadas formulações teóricas

que invadiram o campo da educação com a pretensão de esgotar o

trato de determinados problemas no âmbito da política educacional,

do desenvolvimento cognitivo, do pensamento educacional etc ... (o

“gramscianismo”, por exemplo, sucedendo o “reprodutivismo”, ou o

“vygotskcismo” destronando o “piagetianismo”...). (BRANDÃO, 1992,

p. 166-167)

O deslumbramento dos recém pós-graduados com o conhecimento

novo adquirido através de seus estudos têm sido o responsável pela

disseminação dessas ideias que, para muitos, se transforma nos modis-

mos téorico-metodológicos.

2.2.2 A questão da relação teoria-prática

A palavra prática é originária do grego práxis que tem o sentido de

agir, de produzir, de executar. Em português, entre outros significados,

encontramos como sinônimo de experiência, maneira de proceder,

aplicação das regras e princípios de uma arte ou ciência. Já a palavra

teoria, também originária do grego theoría, refere-se originalmente à

viagem da delegação das festividades aos locais dos sacrifícios, donde

se desenvolverá a theoría como igual à experiência, isto é, investigação

de eventos e guia para a ação. (SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 19)

Também em português, dentre outros significados, encontramos

teoria como sinônimo de parte especulativa de uma ciência, conjunto

de princípios fundamentais de uma ciência ou arte. Encontramos em

Sócrates e em Platão a correlação entre teoria e prática, embora com

prioridades diferentes. Enquanto em Sócrates a teoria se coloca a ser-

viço da possibilidade de uma práxis virtuosa do indivíduo, enquanto

revelação maiêutica da consciência, estimulando-o a fazer o que lhe

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

152 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

cabe na comunidade ética da pólis, em Platão a teoria se coloca numa

ordem hierárquica inversa, reivindicando a transformação da práxis

social que ultrapassa o indivíduo singular, e partindo da ideia do bem

e da justiça. (apud SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 20)

Aristóteles não aceita esta dependência recíproca entre teoria e prá-

tica, apontada por Sócrates e Platão.

Para ele a teoria é uma forma de reflexão científica básica em todas

as ciências do conhecimento, referida a elementos práticos apenas na

medida em que — por ser vinculada ao processo concreto de investi-

gação — jamais pode se erigir em um puro pensar-se a si mesmo do

pensamento, exclusiva atribuição divina. (...) A este conceito de teoria

se contrapõe um conceito igualmente purificado de prática, que apenas

encerra um momento teórico na medida em que a atividade humana

é mediatizada pela educação em seu sentido mais amplo, nunca po-

dendo ser interpretada como um acontecer natural cego. A diretriz da

prática não é atribuída por Aristóteles a uma teoria científica, mas a

um ensinamento para a ação (téchne) que repousa na própria prática

e funciona como exercício conscientizador dos costumes existentes.

(apud SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 20)

Denominamos prática toda atividade realizada pelo indivíduo, dife-

rente de qualquer comportamento natural. Como toda ação que não

seja um comportamento natural requer uma decisão consciente, sempre

haverá elementos teóricos nesta ação.

Portanto, a dicotomia entre teoria e prática não é mais possível pois

ambas andam junto, permanentemente, ora com predominância de

uma, ora de outra.

Ao se defrontarem em sala de aula, professor e alunos têm expectati-

vas diferentes, pois possuem diferentes visões de mundo em função das

leituras que fazem da realidade, o que faz com que tenham interpreta-

ções teóricas e experiências de vida próprias. O ato pedagógico deveria

iniciar por levar em consideração tais diferenças e trabalhar com o aluno

a partir das suas (do aluno) experiências e vivências. A realidade que

Leocadio Lameira

153Educação e Cidadania • número 11 • 2009

temos encontrado é bem outra: as disciplinas são enfocadas de uma

maneira intramuros, sem nenhum vínculo com a realidade. A discipli-

na Metodologia da Pesquisa não precisa ficar somente no âmbito da

Universidade. O aluno pode realizar levantamentos junto à Secretaria

Municipal de Educação e/ou nas escolas da região, por exemplo. Tam-

bém a disciplina Métodos Quantitativos, que na verdade trata-se de

Estatística, é trabalhada de forma a causar verdadeiro pânico entre os

alunos da Pedagogia. Não se trabalha com situações que representem

o concreto. Os exemplos, ou s ão retirados de livros que nada têm

a ver com a realidade dos alunos, ou são inventados no momento.

Quando se estuda média, por exemplo, poderia ser trabalhado a

média do aproveitamento dos alunos numa determinada disciplina

ou a média das idades da turma. Enfim, a sala de aula é um espaço

riquíssimo e pouco, ou quase nada, explorado pelos professores. O

incrível é que na hora do Estágio Supervisionado, no final do curso,

é cobrado dos alunos esta visão de conjunto. Eles têm que fazer a

integração dos conteúdos, utilizar as situações do cotidiano e trabalhar

a interdisciplinaridade mas, em momento algum, foram preparados

pelos seus professores durante sua formação.

Os programas não contemplam a relação da teoria com as cir-

cunstâncias reais da escola, da educação escolar, da natureza da

comunidade onde este estabelecimento de ensino está inserido.

Apenas numa das IES estudada, o programa previa um envol-

vimento maior, por parte dos alunos, em atividades indagativas,

quando tinham que elaborar um projeto, ao longo do semestre, e

participar de seminários de estudo, entregando, juntamente com o

relatório final, o fichamento das leituras realizadas.

O papel dos investigadores profissionais é o de produzir conhe-

cimentos gerais, organizados e transmissíveis no âmbito de uma

disciplina científica construída. A vocação dos professores é outra.

Apenas uma minoria será chamada a colaborar activamente em

verdadeiras investigações científicas; um número menor ainda

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

154 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

trabalhará como professor-investigador num tempo limitado. (PER-

RENOUD, 1993, p. 117)

A formação de professores é distinta da formação de outros profissio-

nais, como os médicos, por exemplo. Quem compreende a fisiologia do

rim tem conhecimento suficiente para entender como funciona o rim do

homem, do macaco ou da galinha. O mesmo acontece com os demais

órgãos. Mas trabalhar com Pedagogia não é a mesma coisa, pelo sim-

ples fato de que se trabalha com a mente das pessoas. E cada pessoa é

única, com suas vontades, seus defeitos, sua virtudes, suas predileções.

A sala de aula é um espaço precioso para o qual o professor deve

estar preparado ou, pelo menos, prevenido. É o local onde surgem si-

tuações inéditas, imprevistas. E o professor deve saber procurar como

enfrentá-las.

Sabemos que nem todos os assuntos ou situações, se prestam para

uma investigação, por parte das crianças. Nestas circunstâncias é cor-

reto “criar” mecanismos que forçam a resolução de problemas? Em se

tratando da formação de professores acreditamos que tal procedimento

é válido, enquanto processo cognitivo. É preciso ter consciência de que

o mais importante, neste caso, é a questão didático-metodológica e não

o rigor científico. O que vale dizer que importa a experiência vivenciada

e não a produção propriamente dita do conhecimento daí decorrente.

Isto não significa tratar a investigação de forma leviana. Pelo contrário,

o que se pretende é que o foco não esteja centrado no rigor científico,

nas questões burocráticas (financiamentos, encaminhamentos), nas

questões técnicas, em se ter uma equipe de especialistas altamente

qualificados e sim que esteja voltado para as questões didáticas.

A investigação obriga a uma maior atenção aos fatos e fenômenos

que normalmente nos passariam desapercebidos. A investigação obriga

a ter uma disciplina tanto na observação em si como nos registros que

devam ser feitos, evitando que sejamos ludibriados por nossos sentidos.

A percepção que temos do mundo que nos rodeia está condicionada

aos conceitos que construímos sobre as coisas que nos rodeiam. E esta

Leocadio Lameira

155Educação e Cidadania • número 11 • 2009

concepção de mundo, por sua vez, depende dos valores (morais, espi-

rituais, intelectuais) que possuímos. A investigação pode nos levar a

modificar esses valores e, consequentemente, modificar nossas concep-

ções o que mudará a percepção que temos do mundo. Aí sim teremos

adquirido conhecimento novo, profundo, não superficial.

A verdadeira investigação, na minha opinião, é aquela em que, mes-

mo com fins didáticos, professor e alunos não conhecem os resultados

previamente, o que somente viria desestimular o trabalho, tornando-o

enfadonho e desinteressante.

A iniciação à investigação é apenas uma entre tantas outras formas

de conduzir um trabalho sobre o real e sobre a própria pessoa. Em

contrapartida, talvez seja esta a única maneira eficaz de desenvol-

ver o espírito crítico e a autonomia dos professores face ao discurso

das ciências humanas, incentivando, ao mesmo tempo, uma atitude

activa, exigente e pragmática relativamente às investigações em

educação. (PERRENOUD, 1993, p. 125)

3 CONSIDERAçõES FINAIS

O desenvolvimento de uma sociedade está diretamente relacionado ao

desenvolvimento de seus indivíduos. O homem se faz nas inter-relações

com as outras pessoas. Se queremos uma sociedade desenvolvida então

teremos que apostar no desenvolvimento de suas crianças.

Enquanto para Piaget a criança não pode aprender se não desenvolver

suas etapas, para Vygotski, as tarefas levam ao amadurecimento das

zonas não desenvolvidas. Ambos concordam que é preciso estimular

desde cedo as crianças para promover seu amadurecimento. É preciso

estimular cedo as crianças para termos investigadores cedo.

A capacidade criadora (produtora) tem por base as experiências anterio-

res, individuais ou dos outros. Não podemos criar sem passarmos pela re-

produção das experiências passadas, recombinando experiências passadas.

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

156 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Precisamos submeter nossos alunos à situações de experiência, atra-

vés de atividades práticas, se queremos desenvolver neles a capacidade

criadora.

Neste estudo não foi levantada a discussão das disciplinas Meto-

dologia do Ensino [de História, de Matemática, de Ciências, etc.] e

Prática de Ensino. Porém vale lembrar que também são disciplinas

que fazem uma abordagem indagativa, sendo de suma importância

para a investigação. Trabalhamos apenas com as disciplinas que

dão subsídio metodológico à pesquisa, formalmente colocadas no

currículo.

Para concluir, queremos deixar alguns critérios que servirão de

contribuição para repensar a indissolubilidade entre formação do

professor e qualidade do ensino que será ministrado em sala de aula,

considerando que se queremos uma Educação Científica, precisamos

promover a Iniciação à Educação Científica desde as Séries Iniciais do

Ensino Fundamental.

1) Preparo - Os professores das séries iniciais do Ensino Fundamental

devem estar preparados para este tipo de atividade. Esta preparação

não pode se limitar a estudos, sem foco definido, de psicologia in-

fantil ou teorias da aprendizagem e muito menos no que se refere

às questões didático-metodológicas da alfabetização.

Segundo PERRENOUD (1993), ensinar a ler uma criança que chega à

escola quase lendo é uma tarefa que não exige muito preparo. Ensinar

uma criança que não sabe ler mas quer aprender pois convive num

ambiente de ótimo nível intelectual, onde o pai ou a mãe sempre

contam (ou lêem) histórias antes de dormir, é uma tarefa que não

requer um método especial. Mas ensinar uma criança desmotivada,

sem apoio familiar ou que apresenta dificuldades de desenvolvimento

ou de relacionamento é uma atividade que requer um profissional

especializado e competente.

2) Qualidade - Os cursos de formação de professores precisam estar

estruturados de tal forma que possuam disciplinas indagativas em

Leocadio Lameira

157Educação e Cidadania • número 11 • 2009

seus currículos e que sejam efetivamente trabalhadas, ensejando ao

futuro professor uma prática.

A Universidade precisa encarar a formação de professores como uma

tarefa tão importante quanto qualquer outra formação nas diferentes

áreas do conhecimento. E o professor das séries iniciais do Ensino

Fundamental é quem vai construir a base da educação do país. É a

ele que cabe a tarefa de assentar bons alicerces. Qualidade no ensino

não se obtém com decretos ou normas e sim com trabalho sério feito

na sala de aula. E isto só pode ser alcançado por professores que

tiveram, por sua vez, uma formação de qualidade.

3) Teoria X Prática - Não existe teoria sem uma prática assim como não

existe prática que não esteja alicerçada numa teoria. Portanto, não

há como privilegiar uma em detrimento da outra pois elas acontecem

juntas.

4) Em formação - É preciso desmistificar a ideia de formado. Os cursos

de formação de professores, na sua maioria, ao entregar o diploma,

considera o aluno habilitado para o exercício do magistério e não

formado, pronto, acabado. A verdadeira formatura irá acontecer ao

longo da sua vida profissional.

5) Atualização - A atualização permanente, através da participação em

eventos bem como através de leituras é condição imprescindível para

um bom trabalho em sala de aula. A pós-graduação, além de outras

modalidades de caráter informal e não-formal de educação, também

é um caminho propício para a educação continuada.

6) Pesquisa como modalidade indagativa - É possível trabalhar com

crianças das séries iniciais do primeiro grau utilizando a pesquisa

como modalidade indagativa mas é preciso que os professores estejam

preparados para tal pois estarão trilhando caminhos desconhecidos

— para eles e para os alunos — mas que proporciona uma enorme

satisfação quando a descoberta acontece.

158 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

A relevância das disciplinas indagativas na formação de professores

para as séries iniciais do ensino fundamental

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CASTRO, Claudio de Moura. A prática da pesquisa. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1978.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Cortez, 1987.

______. Pesquisa. Princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1990.

______. Avaliação qualitativa. São Paulo: Cortez, 1991.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1983.

GALL, Meredith, et. al. Educational research introduction. N. Y.: Loug-men Publishers, 1996.

MAGALHÃES, Carmem Maria Blanco. Avaliação do aprendizado escolar: uma proposta alternativa. Santa Maria: Dissertação de Mestrado,1996.

NOSELLA, Paolo. Aspectos teóricos da pesquisa educacional: da metafí-sica ao empírico, do empírico ao concreto. Educação e Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 19, dez. 1984.

PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e forma-ção: perspectivas sociológicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.

RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias: organização, tradução e apresentação de Hilton Japiassu. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1983.

LEOCADIO JOSÉ CORREIA RIBAS LAMEIRA

Licenciado em Ciências (UFRGS), Licenciado em Ciências Biológicas

(UFSM), Especialista em Ensino de Ciências (UCS), Especialista em

Educação a Distância (UnB), Mestre em Educação (UFSM) e Doutor

em Educação (Unicamp), Membro da 1ª Missão Brasileira Mec/Capes

no Timor Leste.

E-mail: [email protected]

Leocadio Lameira

159Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Recebido em: 16/09/2009

Aceito em: 30/09/2009

LAMEIRA, Leocadio José Correia Ribas. A relevância das disciplinas

indagativas na formação de professores para as séries iniciais do ensino

fundamental. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n.

11, p. 139-159, 2009.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor1

Leda Lísia Franciosi Portal

RESUMOInstigados pelo desamor do mundo, vazio de sentido e significado de vida, carên-cia de ética e moralidade, falta de estímulo profissional e necessidade de maior investimento no processo evolutivo individual do Ser Humano Integral (Social, Emocional, Espiritual e Racional) a pesquisa investiga a complexidade do Ser Professor em seu estar, fazer e conviver no mundo. Selecionados, por alunos, professores do Curso de Pedagogia UniRitter em Inventário de Desempenho Do-cente, objetivou apontar os que em sua docência mais se aproximam de processo educativo de inteireza, revelador, possivelmente, de sua própria formação. De abordagem metodológica qualitativa/transdisciplinar o estudo sugeriu dimensões: História de Vida e Auto Formação: a construção do Ser; Professores: a complexi-dade de Ser; Convivência: a travessia na relação com o outro e Educação e Ação Docente: uma sutil tessitura, evidenciando entrevistados que refletem sobre seu trabalho, mobilizam conhecimentos, vontades e competências. Investem na autoformação pela importância que atribuem ao processo pedagógico e exemplo que julgam dar de responsabilidade e compromisso de profissionais experientes, reconhecidos, respeitados, prestigiados e merecedores de confiabilidade. Media-dores de alternativas de formação, contribuem para ótimo ambiente de trabalho, sensíveis ao diálogo, atentos à escuta, à perspicaz capacidade de leitura, análise e interpretação das situações pedagógicas. Parceiros de jornada, disponíveis no apoio na superação de dificuldades/imprevistos na construção de conhecimentos que oportunizem o “tornar-se”. Preocupados com seu próprio desenvolvimento, rigorosos avaliadores de suas práticas, reflexivos sobre suas vivências/experiên-cias, são capazes de responder às exigências educativas da contemporaneidade. Resultados alertam novas proposições curriculares aos cursos de Pedagogia para investimento em autoformação; educação continuada; princípios de atenção a si no exercício da docência. A Inteireza do Ser, vivenciada pelos professores, é a própria existência transdisciplinar, indicando busca de prática transformativa integral na construção/tradução de novo homem com características dessa In-teireza: uma aposta na sua condição de humanidade.

PALAVRAS-CHAVEInteireza do ser; Significado da vida; Pensar ousado e prática integrada.

ABSTRACTAmazed by the absence of love in the world, by the meaninglessness of life, by the deficiency of ethics and morality, by the lack of professional stimulus and by

1 Este artigo deriva de projeto de pesquisa que conta com a participação de bolsistas de Iniciação Científica, mestrandos e doutorandos, a quem agradecemos: Adriana Loss zorzan, Clarita Eveline Moraes Varella, Cristiane Diello Granville, Fátima Veiga Mendonça, Gionara Tauchen, Isinha Marques, Izabel Cristina Feijó de Andrade, Jair Felipe.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

162 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

the need of greater investment in human being’s individual integral evolutional process (in the social, emotional, spiritual and rational senses), this study re-searches the complexity the Teacher-Being in their existing, doing and living in the world with others. Selected by their students, professors from the Pedagogy Course at UniRitter responded the Teachers’ Performance Inventory, whose objective is to reveal the ones that, in their teaching practice, come the closest to an educational process directed towards wholeness. This ability is possibly due to their own formation. The study follows the qualitative-transdisciplinary methodology, and suggests some dimensions: Life histories and self-formation: the building of the being; Teachers: the complexity of being; Living together: a journey in the relation with others; and Education and pedagogical action: a subtle interweaving. 2Adriana Loss Zorzan, Clarita Eveline Moraes Varella, Cristiane Diello Granville, Fátima Veiga Mendonça, Gionara Tauchen, Isinha Marques, Izabel Cristina Feijó de Andrade, Jair Felipe Umann, Jaqueline Maissiat, Lisandra Alves Nascimento, Marisonia Pederiva da Broi, Mônica Riet Goulart, Valderesa Moro, Valquíria Pezzi Parode. Inajara Barreto Kirst3

These dimensions unveil participants that reflect upon their work and dy-namize their knowledge, will and competences. The teachers invest in self-formation because they attribute importance to the pedagogical process and because they consider themselves models of responsibility and commitment, being the experienced, acknowledged, respected, distinguished and trust-worthy professionals that they are.They are also mediators of alternatives of formation. Moreover, they contribute to creating an ideal work environment, as they open to dialog, listen attentively, read, analyze and interpret pedagogical situations. These teachers are partners in a journey, available to help others to overcome difficulties and contingencies in the construction of knowledge that offers others the opportunity to “become”. Concerned with their own de-velopment, they are rigorous evaluators of their own practices. As they reflect on their background and experience, they can respond to present educational demands. The results of the study point toward new curriculum propostions for the Pedagogy courses that aim at continual educational self-formation and at building principles of attention both to pedagogical action and to the self. Wholeness of being, when pursued by teachers, is transdisciplinary experi-ence itself, indicating the search of a transforming integral practice towards the building-translation of a new human being that holds the characteristics of wholeness: a wish for human condition.

KEy WORDSWholenss of being; Meaning of life; Daring thinking; Integral practice.

Este artigo relata e analisa os resultados obtidos na segunda etapa

da Pesquisa desenvolvida no UniRitter “O Despertar da Inteireza: um

Leda Lísia Franciosi Portal

163Educação e Cidadania • número 11 • 2009

pensar ousado, uma prática integrada para a importância e significado

da vida humana na gestão educacional de pessoas”, que propõe como

objetivo investigar a complexidade do Ser humano professor, que na

percepção de seus alunos, demonstra, em suas práticas docentes,

preocupação com o seu estar, seu fazer, seu conviver e o seu ser no

mundo, o que o torna diferente O referido estudo está inserido no

Grupo de Pesquisa “Educação para a Inteireza: um (re) descobrir-se”,

pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Educação PUCRS,

em seu eixo temático “Inteireza do Ser”. O projeto, numa abordagem

qualitativa de cunho transdisciplinar, teve seu início em 2006 com

previsão de término em 2008, envolvendo como sujeitos do estudo

professores docentes dos Cursos de Pedagogia de Universidades de

Porto Alegre – PUCRS, UNIRITTER, UFRGS. Esclarecidos e orientados

os alunos sobre a importância de sua participação na avaliação de

seus professores e os objetivos da pesquisa, foram selecionados em

cada uma das Universidades os dez professores mais pontuados pela

indicação de no mínimo dez de seus alunos por meio de Inventário de

Desempenho Docente (Ungaretti, 2005), construído segundo critérios

de Inteireza (Wilber, 2003).

Com os professores selecionados foram realizadas entrevistas

semi-estruturadas com questões alusivas aos objetivos e ao problema

que se pretendeu investigar: Como os professores que propiciam uma

Educação para a Inteireza concebem e percebem seu próprio processo

subjetivo e como se manifesta em sua prática docente (gestão de pessoas

no processo educacional)?

Analisados os resultados emergentes orientados pela triangulação

do Referencial Qualitativo Textual (Moraes, 2007), Metodologia Trans-

disciplinar (Nicolescu, 2001) e Sete saberes Necessários à Educação

do Futuro (Morin, 2000), optou-se por agrupá-los, tal como em sua

1ª etapa, em dimensões que expressaram o processo em investigação

nessa Universidade.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

164 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

1 HISTóRIA DE VIDA E AUTOFORMAçãO: A CONSTRUçãO DO

SER

Nas histórias de vida contadas pelos entrevistados aparecem momen-

tos de tristeza e de alegria, a partir das experiências por eles vivencia-

das na infância que exigiram de muitos deles, um intenso processo de

autotransformação. Segundo eles seus problemas familiares foram tão

significativos (por um lado, pais alcoólatras, separados e com problemas

de saúde e, por outro, amor filial e interação fraterna) que eles próprios

tiveram que encontrar um caminho para se tornarem pessoas melhores

e profissionais dotados de “um olhar essencialmente humano diante de

seus alunos, independente da faixa-etária que lecionam”. Tais fatos em

suas falas, marcaram suas escolhas profissionais, sendo referendados

a partir de Josso (2004, p. 41), quando afirma que:

A formação descreve os processos que afetam as nossas identidades e a nossa subjetividade. Ela indica, assim, um dos caminhos para que o sujeito oriente, com lucidez, as próprias aprendizagens e o seu processo de formação. Se aprendizagem experiencial é um meio poderoso de elaboração e de integração do saber-fazer e dos conhecimentos, o seu domínio pode torna-se um suporte eficaz de transformações.

No processo de auto-transformação dos entrevistados percebeu-se um

forte vínculo com a experiência vivida seja no contexto familiar, cultural,

social ou religioso que os influenciou em suas decisões profissionais.

Assim, é importante ter em mente a ênfase dada por Jung (1988) à

educação, quando defende que o exemplo pessoal e a personalidade dos

pais como, também, dos professores, pode se tornar um fator decisivo

em qualquer pedagogia. A influência dessas pessoas neles exercida fez

nascer o desejo pelo testemunho e pela forma de atuarem junto aos

alunos ou em outros espaços de suas vidas, levando-os a perceber o

quanto essas pessoas mostraram-se extremamente competentes, indo em

Leda Lísia Franciosi Portal

165Educação e Cidadania • número 11 • 2009

busca de desafios. Um dos depoimentos revela tal situação: “[...] quando

adolescente tive uma professora muito importante e ela influenciou muito

na hora da minha escolha profissional. Na Universidade encantei-me com

a Filosofia e tive outros professores que me influenciaram, pois tinham

segurança muito grande nos valores que pregavam. Outra influência

foi de minha avó que era dona de escola e professora alfabetizadora”.

Hoje sabemos que não é possível separar o eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores e ideais e muito exigente do ponto de vista do empenhamento e da relação humana. Houve um tempo em que a possibilidade de estudar o ensino, para além da subjetividade do professor, foi considerada um sucesso científico e um passo essencial em direção a uma ciência da educação. (NÓVOA, 1995, p. 7)

Ser professor é um desafio que possibilita reflexões sobre a real

satisfação do profissional que optou por este caminho. Quanto a este

enfoque, verificou-se que a maioria dos entrevistados se sente satisfeita

com a realidade vivenciada, evidenciando-se em alguns deles certa

insatisfação vinculada às questões sociais como, por exemplo, “preo-

cupação com as crianças de rua” ou mesmo com as questões educacio-

nais, definindo-as como situação geradora de desânimo: “às vezes tem-se

desânimo, ganha-se pouco, não se é reconhecido” e os alunos, muitas

vezes, não demonstram reciprocidade com a intencionalidade docente.

Para os entrevistados, ser professor é, sobretudo, ser feliz, professar

a fé e a certeza de que nada terá sido em vão (tudo terá valido a pena)

se o aluno sentir-se feliz pelo que foi aprendido e pelo que foi ensinado.

Esta situação de felicidade relatada, relaciona-se à busca de sentido,

que segundo Josso:

Trata-se do amor, dado ou recebido sob todas as formas: sentimento amoroso, paixão, amizade, amor filial, camaradagem, compaixão, solicitude, por outras palavras, todas as formas

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

166 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

de ligação ou de relação em que uma pessoa considera afetivamente significativa (JOSSO, 2004, p. 92).

Ser feliz neste professar, poderia estar relacionado à diferenciação

estabelecida entre professor e educador como afirmaram alguns pro-

fessores entrevistados, ao dizerem que ser educador significa “perce-

ber o professor num sentido muito pleno, que vai além do desenvolver

conteúdos, comprometendo-se com a construção de um novo homem e

de uma nova sociedade, na busca de compreensão do mundo em que se

vive, em todas as perspectivas. É ser parceiro na busca da compreensão

do mundo, ou ainda, é um ser descobridor de saberes”.

As opções teóricas e pedagógicas, a abertura ou resistência à inovação não é tanto uma questão de ignorância dos mestres e dos familiares, de esclarecimento ou de conhecimento teórico, nem ideológico e político, mas é basicamente uma questão de auto-imagem e identidade pessoal e profissional reforçada por interesses sociais. Não é fácil redefinir valores ou pensamentos, práticas ou condutas socialmente incorporadas a nossa personalidade profissional. (...) Está em jogo o pensar, o sentir e ser da gente. (ARROYO, 2000, p. 70)

Esta auto-imagem e identidade pessoal e profissional dos professo-

res revelam-se a partir de algumas características fundamentais que

em seus entendimentos acompanha o “ser professor”: gosto, carinho,

admiração, disposição, aparência física, dedicação, vontade, amor ao

que se faz, humildade, responsabilidade, disposição de compartilhar e

acreditar muito na possibilidade do crescimento do outro. É desejo do

professor manter com a escola e a comunidade uma relação de parceria,

de proximidade, relacionando-se, no contexto profissional, de maneira

extremamente amorosa para consequentemente, sentir-se valorizado,

amado e respeitado. Se admitirmos a complexidade de Morin (2001, p.

108-109), ser professor é:

Leda Lísia Franciosi Portal

167Educação e Cidadania • número 11 • 2009

(...) um ser de afetividade intensa e instável, que sorri, ri, chora, um ser ansioso e angustiado, um ser gozador, ébrio, estático, violento, furioso, amante, um ser invadido pelo imaginário, um ser que conhece a morte, mas que não pode acreditar nela, um ser que segrega o mito e a magia, um ser possuído pelos espíritos e pelos deuses, um ser que se alimenta de ilusões e de quimeras, um ser subjetivo, cujas relações com o mundo objetivo são sempre incertas, um ser sujeito ao erro e à vagabundagem, um ser úbrico que produz desordem.

Diante das ideias emergentes, ser professor “não é uma relação só pro-

fissional, é uma relação também de afeto, de construção, de prova, porque

daí eu também me construo”. A convivência é um aspecto importante

na vida destes professores e é a base para o ser humano compartilhar

e sobreviver. Nesta convivência, acreditam que o aluno evidencia uma

relação de respeito, de afetividade, reciprocidade, confiança e abertura.

Apenas um entrevistado relacionou o “ser professor” com “o domínio

de conteúdos”: um conjunto de conhecimentos básicos (pedagógicos e

específicos) que deve ser dominado pelo professor de modo a ensinar

algum conhecimento particular. Contrapondo essa idéia, outros entrevis-

tados apontaram para o desenvolvimento do educador-pesquisador que

está sempre buscando aprender. É nessa perspectiva que Josso procura

estudar os processos de formação do ponto de vista do aprendente:

Como objeto de observação e objeto pensado, a formação, encarada do ponto de vista do aprendente, torna-se um conceito gerador em torno do qual vêm agruparem-se, progressivamente, conceitos descritivos: processos, temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e saber-fazer, temática, tensão dialética, consciência, subjetividade, identidade. Pensar a formação do ponto de vista do aprendente é, evidentemente, não ignorar o que dizem as disciplinas das ciências do humano. [...] É procurar ouvir o lugar desses processos e sua articulação na dinâmica dessas vidas (JOSSO, 2004, p. 38).

Outra leitura vinculada à profissão do professor, mencionada pelos

entrevistados, é a sua competência técnica e o componente político da

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

168 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

clareza de sua intencionalidade. Acreditam que ser professor é um

desafio constante, considerando-se a necessidade de se desacomodar

e mostrar-se sensível e disponível para cada dia fazer diferente. O

domínio técnico, quando desvinculado da dimensão humana, parece

não dar conta do sucesso profissional o que se evidencia na fala: “só

porque o professor domina o conteúdo, não quer dizer que seja um

bom professor”.

É importante frisar que, para os entrevistados, o que é essencial é

“saber lidar com o ser humano, ou seja, ser professor é se sensibilizar

e acolher o sujeito, promover e exaltar a vida em termos de desenvolvi-

mento, aprender com os alunos, ter cumplicidade, humildade e reconhe-

cimento de sua incompletude e de sua finitude. Tais posicionamentos

vêm ao encontro do que propõe Libâneo (2005, p. 13), quando diz:

um projeto educativo que visa promover e conscientizar as pessoas de que a vida é pertencimento ao universo e que o desenvolvimento da espécie humana depende de um projeto mundial de preservação da vida, não rejeita o conhecimento racional e outras formas de conhecimento, mas insiste em considerar a vida como uma totalidade em que o todo se encontra na parte, cada parte é um todo, porque o todo está nela. Daí que a consciência da pessoa só pode ser comunitária, ecológica e cósmica.

Por isso, é importante pensar sobre as implicações das propostas de

trabalho para os alunos, o que vem ao encontro do que Perrenoud (2000)

aponta quando diz que o professor deverá ter claro aonde quer chegar, o

que quer trabalhar, quais os obstáculos com os quais pode se confrontar

com todos ou parte de seus alunos. Precisa estar envolvido por inteiro

no processo educativo e esta ideia está presente no depoimento dos

professores entrevistados: “um professor por inteiro é essencial e para

tanto é preciso tempo e dedicação”; “é estar apaixonada pelo que faz e

apaixonada pela educação” ; “é ser otimista, entusiasmada, inquieta e

gostar de desafios”.

Leda Lísia Franciosi Portal

169Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Refletindo sobre esses depoimentos, é possível relacioná-los ao que

propõe Morin (2000) quando se refere aos problemas fundamentais do

homem, vinculados ao amor, à morte, à doença, ao ciúme, à ambição

e ao dinheiro. Elementos necessários para compreender a vida, mas

não suficientes. É preciso que o ser humano perceba a poesia no viver.

Neste sentido, Morin alerta:

“há uma resistência a uma vida unicamente utilitária que se manifesta na busca de uma vida mais intensa, poética. Porque se pode dizer que na vida há dois eixos: o prosaico e o poético. O prosaico são as coisas que devemos fazer por obrigação, comer, estudar e outras necessidades vitais. A qualidade poética vem das coisas feitas com gosto, amor, prazer e paixão”. (p. 18)

Para tanto, a literatura e a poesia têm a vantagem de refletir a com-

plexidade do ser humano e a quantidade incrível de seus sonhos. Estar

apaixonado pela Educação pode ser exemplo desta essência sonhadora

vivenciada pelos professores investigados.

Identificamos na pesquisa, o quanto ser professor é uma opção de

vida e o quanto precisa de uma longa trajetória na sua ação docente,

para alcançar a perspectiva de sentir-se professor, educador, mediador de

sonhos e de ideais. As experiências de vida são essenciais na formação

do professor e é necessário conhecer e trabalhar suas consequências na

prática docente. A reflexão sobre as ações empreendidas na práxis pro-

move aprendizagens tendo como eixo as experiências e a auto-formação/

auto-transformação do professor. A experiência se torna fonte de saber

e ponto de partida para a construção profissional.

Segundo Josso (1988), na narração sobre a história de vida, o profes-

sor se depara com questões objetivas e com a exaustividade do que vai

falar. Ao longo do processo das entrevistas, os professores percebem que

a “rememoração é um processo associativo que se refina e se enriquece

com as outras narrativas e com as questões suscitadas em cada nar-

rativa”. Isso foi evidenciado pelos entrevistados, quando questionados

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

170 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

sobre sua concepção de vida. Neste percurso perceberam que o caráter

da questão seria trazer pontos da subjetividade, já que se trata de “co-

nhecer e compreender os significados que cada um atribui ou atribuiu

em cada período de sua existência aos acontecimentos e situações que

viveu”, enquanto formadores docentes (JOSSO, 1988, p. 42).

A concepção de vida externalizada vincula-se ao caráter de dádiva

e de graça, traduzindo-se como alegria, energia, esperança, família,

trabalho, celebração, humor, emoção, afeto, plenitude, harmonia, eter-

nidade, felicidade integral, saúde, dinheiro, sol, luz, pessoas, amizade,

humanidade, verdade, doação, sonhos, relacionamentos e conforto.

Os entrevistados ressaltaram o sentido integrado e integrador que a

vida tem para si, representado na fala: “[...] é um estar, mas um estar

inteiro, ou seja, na perspectiva da inteireza do ser”. Em outra fala foi

pontuada a transitoriedade da vida: “[...] é uma travessia, um simples

correr rapidamente que se dá na relação com o outro, num mundo que se

mostra paradoxal”, ou ainda, “[...] a vida é uma forma de experimentar

relações humanas em toda a sua potencialidade”.

A vida que se mostra em construção na relação com o outro foi tam-

bém um fator ressaltado nas entrevistas. A necessidade de estar com

o outro e considerar o outro é intrínseca à vida desses professores. Por

isso, ao utilizarmos as narrativas para nos aproximarmos das experiên-

cias por eles vividas foi possível fazer uma análise das aprendizagens

experienciais relacionadas aos seus processos de formação pessoal e

profissional compreendidos como auto-formação. Resolver problemas

do cotidiano, sem se dar conta das formulações e soluções teóricas

que podem se aplicar a eles, faz com que o sujeito aprenda a partir da

experiência que essa ação produziu. O professor cria representações,

compreende e orienta sua prática pedagógica, utilizando o que apren-

deu com a experiência. É nesse sentido que Josso (2004) introduz o

conceito de experiências formadoras e procura tratar dessas experiências

vividas e da aprendizagem que elas produzem, acompanhadas de uma

formulação teórica e uma simbolização.

Leda Lísia Franciosi Portal

171Educação e Cidadania • número 11 • 2009

[...] o que faz uma experiência formadora é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros (JOSSO, 2004, p. 39).

Entendendo-se experiências como vivências particulares que adqui-

rem status de significação quando é feito certo trabalho de reflexão

sobre o que passou, sobre o que foi observado, percebido e sentido,

percebe-se esta dinâmica marcar as histórias de vida dos professores

entrevistados, estando presente na concepção de vida que apresentaram

a responsabilidade de sua contribuição: “[...] quero contribuir com que

estou fazendo”; “[...] tudo está ao nosso alcance, e nós mesmos temos

que tentar fazer”; “[...] é um momento de parar e pensar não é mais só

aquilo que eu tenho, que eu posso, nós não nos bastamos mais”.

Nesta construção que se faz individual, porém, também coletiva,

surgiu a preocupação com o momento que vivem marcado por ruptu-

ras, crises que os levam a um repensar suas atitudes e propósitos de

vida. Retratou-se na fala a seguir a expressão dessa preocupação: “[...]

estamos passando por uma fase de crise e rupturas; estamos perdendo

coisas importantes, laços importantes. As pessoas estão muito concen-

tradas no consumir, no ter e a identidade acaba se constituindo de uma

forma muito individual.”

A percepção do contexto é algo constante na visão dos entrevistados.

Se por um lado ressaltaram o “momento bom de suas vidas”, por outro,

dado ao caráter intrínseco que imprimem à mesma, de relação com o

outro, revelaram a “preocupação com os rumos pelos quais se encaminha

a humanidade”. Nesse aspecto aparece a necessidade que sentem de

“colaborar com a melhoria das relações humanas”.

Reforçaram insistentemente o objetivo de “transformar um viver que

é fragmentado e individualista em um viver que é integral e coletivo

vinculando sua Vida a vida na Terra”, enfatizando a visão ecológica de

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

172 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

seu estar no mundo “[...] nós vamos ter que fazer alguma coisa. E esse

fazer não são as grandes revoluções, mas fazeres locais que darão certo,

nas comunidades, nas escolas, nas universidades [...]”.

Acreditamos que essa perspectiva propicia o prazer em atuar e ali-

cerça novos desafios, em tempos de tantas mudanças. Esses professores

deixaram perceber, além da formação técnica, algo mais. Suas vidas

são pontuadas por um envolvimento elevado com sua própria pessoa e

a pessoa do aluno e somente aqueles que se compreendem a si, é que

conseguem projetar em sua ação docente este desejo de compreender

o outro. Talvez seja esta a marca que diferencia estes professores, dos

demais.

2 PROFESSORES: A COMPLEXIDADE DE SER

Os entrevistados, quando questionados sobre quem são, descre-

veram-se como aprendentes, incompletos, criativos, sensíveis, afetivos,

alegres e otimistas. Demonstram em suas palavras alegria em viver e preo-

cupação com suas relações inter-pessoais: “[...] minha razão é a razão de

viver”. Falam de uma vida simples, com momentos de convivência e lazer.

Percebeu-se um posicionamento “[...] ético, respeitoso, batalhador e

proativo” em diversas falas: “[...] respeito e gosto de respeitar eticamente

meus colegas, mas, também, sou uma pessoa que busca seu espaço, sou

batalhadora”.

Em relação ao seu aspecto físico, pouco foi citado, mas entre as falas

surgiu a preocupação com as atividades físicas, com a aparência, com

uma vida saudável e com o sentir-se bem física e espiritualmente, na

busca de equilibração dessas polaridades.

A família – parceiros, filhos, pais – foi lembrada quando pensam

em expectativas, medos e relações. Destacaram a importância dessas

pessoas em suas vidas e a necessidade de ver que “[...] estejam bem,

sejam pessoas legais, bem sucedidas, felizes e honestas”. Muitos entre-

Leda Lísia Franciosi Portal

173Educação e Cidadania • número 11 • 2009

vistados falaram do quanto não saberiam viver sozinhos e do quanto

essas pessoas influenciaram e influenciam em suas vidas, em suas

crenças e em seus valores.

Ao remeterem-se à descrição de vida, é interessante salientar como

a questão profissional veio à tona, pois descrevem a sala de aula como

um espaço de tessitura de relações e de um momento no qual podem

colaborar com outras pessoas na construção de uma vida melhor. Lu-

tam pela educação e acreditam em sua potencialidade, vendo nela um

caminho de “[...] construção coletiva, de respeito às pessoas, de sensi-

bilidade, de busca de um ambiente harmonioso”. Essa relação aparece

mais fortemente na frase: “[...] eu tenho muita esperança, eu acredito

muito, eu tenho um lado bem de utopia, eu tenho muita esperança que

possamos, ainda ver um mundo melhor, uma sociedade melhor e a

educação tem uma parcela muito grande nisso. Sou uma educadora de

plantão sempre, não relaxo em casa com relação a isso, a educadora

está presente em todas as situações da minha vida.”

Para Nòvoa (1997) fica claro que as dimensões pessoais e profissionais

não podem ser separadas e que uma influenciará fortemente na outra:

no professor não é possível separar as dimensões pessoais e profissionais; a forma como cada um vive a profissão de professor é tão (ou mais) importante do que as técnicas que aplica ou os conhecimentos que transmite; os professores constroem a sua identidade por referência a saberes (práticos e teóricos), mas também por adesão a um conjunto de valores. (NÓVOA, 1997, p. 33)

Paralelo aos depoimentos surgiu a necessidade sentida pelos profes-

sores de equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e o quanto

a profissão absorve as horas de lazer e de convivência. Sobre sonhos

e expectativas, os entrevistados disseram esperar poder viajar, ter ho-

rários mais livres e flexíveis para o lazer, citando como atividades que

proporcionam prazer: caminhar, dançar, ler um bom livro, assistir uma

boa peça de teatro, um bom filme e estar próximo da natureza.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

174 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

O momento social atual foi o mais citado ao falarem de seus medos

e desafios: “[...] os medos na travessia; o medo de que com este mundo

que está se apresentando não consigam gerar uma síntese em tempo”.

Vêem como desafios o continuar crescendo, trabalhando, contribuindo

na vida de outras pessoas, podendo dar e receber ajuda nessa sociedade

individualista e pobre de valores. Incomodam-se com as questões da

política brasileira, o futuro do Brasil, a falta de dinheiro, a violência, o

desemprego, a exploração do empregado: “[...] tu estás numa instituição,

tu tens horários de ponto, tu tens demissão, tu tens argüição, tu tens

colegas indo pra rua, tu tens que te adequar aos trâmites burocráticos”.

A crise paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu papel como instituição numa sociedade pós-moderna e pós-industrial, caracterizada pela globalização da economia, das comunicações, da educação e da cultura, pelo pluralismo político, pela emergência do poder local. Nessa sociedade cresce a reivindicação pela participação e autonomia contra toda forma de uniformização e o desejo de afirmação da singularidade de cada região, de cada língua, etc. A multiculturalidade é a marca mais significativa do nosso tempo. (GADOTTI, 2003, p. 33)

Para Gadotti (2003) a escola, agente que reproduz e transforma a

sociedade e a cultura, mantém uma relação dialética com a sociedade,

buscando, através de práticas inovadoras, o compromisso com a for-

mação crítica e integral do homem, tornando-o um sujeito capaz de

analisar a realidade e transformá-la a partir de determinantes sociais,

políticos, econômicos e ideológicos fundamentados. Os movimentos

de reprodução e transformação, função primeira da escola, ocorrem si-

multaneamente. A prática educativa dos docentes se apresenta bastante

complexa, diante dessa realidade, e as preocupações que trazem em suas

falas perpassam justamente as constantes e ininterruptas transformações

pelas quais escola e sociedade estão passando.

A consciência do passar do tempo e do envelhecimento também foi

um aspecto que surgiu como preocupação dos professores entrevistados

Leda Lísia Franciosi Portal

175Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ao falarem de seus medos: “[...] não o medo do envelhecimento, que

isso aí tu tens que te acostumar com os traços, com as marcas, elas são

bonitas, estão aí, é a tua vida que está sendo forjada no teu corpo, no

teu rosto. Mas a questão do teu desempenho intelectual, é uma preocu-

pação que a gente tem que ter, de estar sempre se exercitando, ligado

nas coisas, porque o idoso começa a passar por um processo de alienação

que não depende dele, quando ele começa a perder a possibilidade de

se comunicar com o mundo. É uma coisa que temos que nos preocupar

e estar sempre atentos a isso, fazer ginástica, ler bastante, estar atento

ao que acontece com o mundo, tem que ser uma pessoa do mundo que

acompanhe tudo que está acontecendo e se adaptando às mudanças do

seu tempo”.

Em relação às questões de espiritualidade, com exceção de um

entrevistado, que se referiu à confissão religiosa, os demais apre-

sentaram visão de desenvolvimento espiritual relacionado à fé, ao

equilíbrio, à energia superior. Os rituais, principalmente os da igreja

católica – religião da maior parte do grupo entrevistado – não são o

meio principal pelo qual os professores entrevistados desenvolvem a

sua espiritualidade. Surgiu a ideia de um sentido maior em tudo o que

fazem e o que acontece em suas vidas. Consideram que não se está

aqui a passeio e que há uma vida além da terrena. Mais uma vez, as

relações humanas afloraram por meio do respeito na proximidade,

no afeto, no olhar o outro. “[...] é essa coisa de viver intensamente.

Cada dia, cada instante o que tu estás fazendo naquele momento”.

Falaram da crença em um mundo melhor e acreditam em energias

que movem as pessoas e as situações, o que alguns chamam de Deus,

outros de universo.

Zohar e Marshall (2000, p. 21) enfatizam que

a inteligência espiritual unifica, integra [...] facilita um diálogo entre razão e emoção, entre mente e corpo. Fornece um centro de crescimento e transformação; dá ao Eu, um centro ativo, unificado, gerador de sentido.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

176 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Outro aspecto que apareceu na compreensão de espiritualidade foi o

equilíbrio entre o emocional, o racional e o espiritual: “[...] as pessoas

têm que estar em um constante equilíbrio, pois não seria bom se pre-

ocupar somente em aprender coisas da sua área sem equilibrar o lado

espiritual. Apesar de cada pessoa acreditar em uma coisa diferente, cada

um deve buscar o seu equilíbrio, uma conexão consigo mesmo e com o

universo, com a terra, o sol, o vento [...] tudo tem uma certa energia”. A

espiritualidade se caracteriza por sua natureza transformadora, sendo

através dela que podemos exercer plenamente o livre-arbítrio.

Apesar dessa diversidade de visões e crenças, foi marcante a impor-

tância da oração e da espiritualidade na vida de cada um dos profes-

sores que foram ouvidos nessa pesquisa. Falas como estas traduzem

essa necessidade de forma clara e objetiva: “[...] é importante ter uma

religiosidade, uma espiritualidade, o que não se restringe em ir numa

missa. Já tive épocas que eu ia, hoje aquele ritual de ali ficar sentada,

aquilo não me diz muito, e sim uma oração, um pensamento, momentos

de estar mais introspectiva, de agradecer, de pedir alguma coisa. Essa

espiritualidade de parar um pouco pra pensar, incluindo as frustrações”.

“Sou uma pessoa que reza muito, acredito em Deus. Lido bem com as

coisas de afeto, de religião”. “A minha trajetória é muito iluminada.

Quando tenho alguma dificuldade eu rezo, peço a Deus que me ajude,

eu mentalizo muita coisa positiva”.

Afirma Tardif (2002) que, “todo o professor transpõe para a sua prática

aquilo que é como pessoa”, portanto essas questões que emergem no

desenvolvimento espiritual destes professores são as que possivelmente

os fazem ser um diferencial para seus alunos.

Dentro desse contexto, de acordo com Nòvoa (1997), o processo

identitário passa também pela capacidade de exercermos com autono-

mia a nossa atividade, pelo sentimento de que controlamos o nosso

trabalho. A maneira como cada um de nós ensina, diretamente depende

da imagem que temos da profissão, e está em relação direta com aquilo

que somos como pessoa quando exercemos o ensino.

Leda Lísia Franciosi Portal

177Educação e Cidadania • número 11 • 2009

3 CONVIVêNCIA: A TRAVESSIA NA RELAçãO COM O OUTRO

A maioria dos professores do estudo busca uma relação boa e feliz.

Acreditam nas pessoas e em suas possibilidades, respeitando as diferen-

ças como fundamentais, sendo necessário suportarem-se e aprenderem

nesse convívio. Prezam o relacionamento com todos da instituição,

citando a transparência e o prazer nestas relações, como questões que

pautam suas vidas. Vivenciam, em grande parte, o convívio com fami-

liares: pais, irmãos, cônjuge e filhos bem como com amigos; colegas

e alunos, sendo fundamental para suas vidas, em termos de valores.

Consideram a convivência o ponto mais importante em suas vidas, a

base do ser humano, uma questão de sobrevivência: “[...] convivência é

tudo, devemos estar sempre retomando pontos, reativando e revigorando

os relacionamentos”. Salientaram a grande importância da convivência,

apontando não conseguirem viver sós e reforçam essa importância ao

acrescentarem ser a mesma uma forma de sentirem-se completos. “[...]

toda pessoa é o que é na relação com os outros”.

Citaram a importância dos relacionamentos como forma até de tera-

pia, chegando a dizer que a relação em sala de aula é mágica, pois apesar

de estarem muitas vezes cansados e deprimidos, ao entrarem na sala de

aula se transformam, necessitando da ajuda dos alunos para se mante-

rem saudáveis. A questão saudável foi reafirmada quando acrescentaram

que o convívio com os jovens os faz manterem-se ativos. O compartilhar

foi mencionado como extremamente gratificante, relacionando-o com

a vivência com os alunos, não só no aspecto profissional (professor/

aluno), mas em um convívio de afeto, de construção e de muita auto-

nomia para ambos. “Nosso coração tem que ser acarinhado, fortificado”.

“Aí está o encantamento maior, que talvez não seja o próprio trabalho,

mas o convívio com aquele universo de pessoas.” Afirmaram, também,

que “[...] temos que ser pessoas de paz e na medida em que se procura

fazer acontecer isso, o mundo também responde dessa forma. É preciso

conseguir viver relações de paz. E isso é um compromisso de todos.”

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

178 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Houve uma menção de que embora busquem uma aproximação saudável

são, algumas vezes, surpreendidos com respostas negativas por parte dos

alunos que muitas vezes dizem preferir: “[...] um professor que chegue, dê

o texto e que baixem a cabeça e trabalhem”. Enfatizaram ser propiciadores

de um relacionamento “[...] bem aberto, transparente, sincero e de trocas

intensas”, considerando ser de sua responsabilidade “[...] a criação e ma-

nutenção de um clima de harmonia, promissor para uma “excelência” no

trabalho”. Família foi apontada como base, como porto seguro e que pela

qual enfrentariam todas as dificuldades diversas vezes. Amigos são consi-

derados “preciosos”, revelam escolhas e sua importância é atribuída pela

possibilidade dessa relação ser viabilizadora de aprendizagem em termos

de convivência, de respeito e de saber dividir. O conflito foi enfocado como

necessário, natural nos relacionamentos devendo neles ser mantido o amor,

o afeto e a parceria, bem como percebê-los como possibilidade de manter

a capacidade de transformação. “O conflito serve para o engrandecimento”

Esta complexidade, para os entrevistados permite que compreendam

as teias das relações existentes entre todas as coisas. Trata-se, porém, de

perceberem que ao transformarem suas práticas estarão se renovando

para um caminho multidimensional, para além do conteúdo e das aulas

tradicionais. A relação dialógica, neste sentido, a partir das entrevistas,

produz condições para que essa prática renovadora e autônoma possa

se solidarizar com outras e outros companheiros de formação da edu-

cação. A fala a seguir, dialoga com a afirmação de Morin (2000, p. 77):

(...) a agonia planetária não é só a soma de conflitos tradicionais de todos contra todos, mas as crises de diversas espécies, mais o surgimento de problemas novos sem solução, é um todo que se nutre desses ingredientes conflituais, de crise e de problemas, englobando-os, ultrapassando-os e, por sua vez, alimentando-os (...)

Na relação dialógica crêem, que o ser humano desenvolve-se e organi-

za-se, transformando-se e, como sujeito participa de seus grupos sociais,

de sua cultura; têm sentimentos e sente a necessidade de expressá-los,

Leda Lísia Franciosi Portal

179Educação e Cidadania • número 11 • 2009

porque é gente, é humano. Nesta compreensão, a transdisciplinaridade

surge como maneira de romper com os limites que fragmentam o saber

e a visão de educadores e alunos. A consciência reflexiva de si e do

mundo implica necessidade de mudança diante da vida, respaldado em

Morin (2000, p. 100), ao afirmar:

O problema da complexidade joga-se em várias frentes, vários terrenos. O pensamento complexo deve preencher várias condições para ser complexo: deve ligar o objeto ao sujeito e ao seu ambiente; deve considerar o objeto, não como objeto, mas como sistema-organização levantando os problemas complexos da organização. Deve respeitar a multidimensionalidade dos seres e das coisas. Deve trabalhar-dialogar com a incerteza, com o irracionalizável. Não deve desintegrar o mundo dos fenômenos, mas tentar dar conta dele mutilando-o o menos possível.

Uma característica marcante entre os professores entrevistados foi a

capacidade de rever suas atitudes, pois embora percebam haver con-

flitos, divergências, diversidades, imperfeições e constantes trocas nas

relações buscam retomar o equilíbrio, exercitando, ao surgir estranha-

mentos, a tolerância e o perdão. “A vida é aquilo que se transmite e se

compartilha na prática;” “sem querer ser negativista, num mundo onde

o que se vê e se vivencia ao nosso redor, tudo que se escuta, são experi-

ências de não vida. Num mundo onde as pessoas vão se devorando, se

caçando, onde a desesperança e o negativismo campeiam por ai, produz

dificuldades de toda ordem. A relação com o mundo é uma guerra que

se tem a conquistar”

Mostraram, em suas narrativas, serem pessoas exigentes e essa

exigência estar presente nos relacionamentos para que possam ser de

qualidade. São pessoas abertas ao diálogo, dizendo ser fundamental

acima de tudo ouvir e não só falar.

Demonstraram consciência da complexidade dos relacionamentos e

por isso, buscam sempre melhorá-los, tornando estes laços mais fortes

em suas vidas.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

180 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Salientaram basear a sua convivência com os outros na sua relação

pessoal com Deus, bem como considerar todas as pessoas importantes.

Cumpre ressaltar, considerarem mais importante, antes mesmo do

convívio com os outros o estar-bem consigo mesmo para que assim

possam estar bem com quem se relacionam. Manifestaram ser cuida-

dosos inclusive com o ambiente externo que os cerca para torná-lo o

máximo possível agradável.

4 EDUCAçãO E AçãO DOCENTE: UMA SUTIL TESSITURA

Nas entrevistas realizadas, os professores desvelaram seus mundos,

compartilharam suas histórias de vida vivenciando cada emoção revi-

sitada naquele momento, salientando suas palavras impregnadas de

subjetividade o que representa as trajetórias de vida e as circunstâncias,

que dizem respeito ao caminho individual percorrido em sua vida.

Josso (2004) defende que a construção pessoal ajuda o outro a se

mobilizar, no sentido de buscar seu próprio caminho no processo

formativo. Dessa forma, evidencia os referenciais, as estratégias e os

recursos utilizados na busca de sua autoformação, na procura de um

saber viver a própria existencialidade. Proporciona ao outro a reflexão

sobre si mesmo e um olhar retrospectivo e prospectivo de quem é, o que

pensa, faz, valoriza e deseja na sua relação consigo, com o outro, com o

ambiente e o mundo, em uma dimensão afetiva sobre o que foi vivido.

Na questão referente aos conceitos, posicionamentos e reflexões sobre

educação, emergiram palavras a ela relacionadas como peças de um

grande mosaico: inter-relação, convivência, interação, diálogo, tolerância,

bem-estar, paixão, compromisso, dedicação, formação, conhecimento,

orientação e referência. Diálogo, construção, crescimento recíproco,

parceria, intercâmbio, cooperação, inclusão, acesso, possibilidade,

emancipação, democratização, igualdade, cidadania, humanização,

problema social.

Leda Lísia Franciosi Portal

181Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Educação se coloca como um problema social e um fenômeno de

inter-relação que se constrói a cada encontro e movimento, estando

vinculada ao propósito de construir um ser humano por inteiro, A edu-

cação precisa ser um instrumento de construção de um mundo em que

caibam todos, sob todos os aspectos: material, ético, biológico, estético,

enfim, um ser sob todos os pontos de vista, um Ser de Inteireza.

Nesta direção, Wilber (2003) reforça que a vida é uma série de

espirais dentro de espirais, aos quais denominou de hólon dentro de

outros hólons em busca do desenvolvimento integral; físico, mental,

espiritual e emocional.

A educação é entendida pelos entrevistados como formação; modifi-

cação de atitude e de comportamento, transformação da personalidade,

equilíbrio em todos os níveis, acrescida de orientação e referência que

possibilita a cada um se encontrar e se constituir como sujeito individual

e coletivo tendo um desenvolvimento integral.

“[...] educação é o despertar o desejo que o aluno tem desde pequeno

de pesquisar, de descobrir coisas, de perguntar, de saber mais. Educar é

formar uma pessoa melhor, não naquilo que tu acreditas ser melhor, mas

em relação ao que ela vai definindo, na medida em que, vai avançando

ao longo da sua escolaridade. Educação é uma coisa para vida toda,

a gente está sempre se formando”. “[...] educação é emoção, desejo de

aprender, mobilização para a transformação”.

Conforme Maturana (1999), a educação vai ocorrer o tempo todo no

convívio com o outro; de maneira recíproca, ocorre uma transformação

estrutural, contingente com uma história no conviver e na troca afetiva.

Tal posicionamento se reforça nas falas

“[...] educação tem a haver com convivência, conhecimento, constru-

ção, interação e bem-estar, para mim é uma coisa muito mais ampla

que somente uma escola, uma instituição de ensino.” “[...] é uma pre-

disposição, um cenário, uma coisa muito mais abrangente do que um

aprendizado dentro de uma instituição de ensino, ou sala de aula, seja,

no ensino fundamental, pré-escola ou ensino superior.” Asseveraram,

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

182 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ainda a necessidade de um cenário para configurar essa educação, quer

seja, de bem estar físico como de saúde. Entendem que são necessários

vários elementos que propiciem momentos de aprendizagem, ressal-

tando a importância das questões da ética, da moral e da convivência.

Dentro dessa perspectiva, a educação é entendida pelos professores

entrevistados como algo que torna viável o desenvolvimento humano,

que é o processo. O humano não se torna humano sem educação. Cor-

roborando com essa ideia, afirmaram que “[...] a educação é um projeto

que não se faz solitariamente, mas de forma compartilhada e que só

pode se desenvolver através de um objetivo claro e consciente de pessoas

que compartilham deste projeto, e, ao mesmo tempo, traçam alianças

de parceria para tornar vivo e real os propósitos que o definiram e que

se construiram de forma partilhada (...)”. Consideram fundamental a

coerência do que pensam com o que fazem acreditando que as pessoas

são importantes para mostrarem nossas contradições - isto é cooperação.

Desse modo, sob uma abordagem transdisciplinar, essas contradições

precisam estabelecer relações que possibilitem trocar ideias, debater,

argumentar, planejar e articular conhecimentos diversos, criando, por-

tanto, “a cooperação e a policompetência” (Morin, 2003).

Isso é confirmado a partir de depoimentos como de um entrevistado

que propõe: “Não vai haver desenvolvimento sem descentração, sem

pessoas que compartilhem deste projeto e que se suportem e se acolham

nas diferenças; é a questão da tolerância, que sem Deus é impossível”.

Essa postura representada pode ser interpretada a partir dos estudos

em que Morin (2001) afirma que a condição humana depende das ci-

ências naturais renovadas e reunidas: cosmologia, ciências da Terra e

Ecologia. Essas apresentam um tipo de conhecimento que organiza um

saber anteriormente disperso e compartimentado, despertando questões

fundamentais: o que é o mundo, o que é nossa Terra, de onde viemos?

“Elas nos permitem inserir e situar a condição humana no cosmo, na

terra, na vida, ”(MORIN, 2001, p. 45) e consequentemente na ideia de

Deus.

Leda Lísia Franciosi Portal

183Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Face ao exposto, a educação se revela como uma vivência de huma-

nização entre a razão e o sagrado que trazem também uma vertente

epistemológica que permite olhar o outro de outro modo. Traz uma ideia

de dialética, de dialógica, de unidade dos contrários e de complexidade.

De acordo com o mesmo autor (2001), para conhecer a realidade é ne-

cessário conhecer a complexidade das coisas, olhar a realidade de outra

forma, de forma complexa. Mas, não basta saber, conhecer, tem que ser.

O complexo se opõe ao pensamento linear, sendo que a complexidade

está em aprender a dialógica, a dialética, os elos, não só de conexão,

mas de transformação que ocorre em todas as situações possíveis. A

complexidade é uma forma de conhecer a realidade integrando, ao

mesmo tempo, o desconhecido, de tal forma que nos libera de toda a

racionalidade e torna possível o inconcebível. Segundo Morin (2000,

p. 207):

O pensamento complexo é, pois, essencialmente o pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. É o pensamento capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente), de contextualizar, de globalizar, mas, do mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto.

Assim, pode-se afirmar que através do pensamento complexo, o que

importa ressaltar é o fato de que, no lugar do sujeito seguro, baseado

em certezas absolutas, tem-se tal como os encontrados no estudo, um

sujeito interrogante que, diante desse mundo complexo, em acelerado

processo de transformação, tenta encontrar um novo centro ou uma

nova ordem, considerando a relevância das dúvidas e das incertezas. As

crises e os desafios da educação, da formação docente, das exigências

do mercado e das políticas neoliberais; da exclusão social e da falta de

significado para a práxis pedagógica, retrataram o complexo contexto

em que se vive.

O mais importante, de acordo com os entrevistados, é a questão do

outro, do olhar, do querer estar junto, ombro a ombro numa relação de

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

184 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

parceria, que reflete a maneira de cada ser ver a educação, tornando

possível o que parece muitas vezes inconcebível. Merece transcrição a

fala que sintetiza o contexto da educação dos entrevistados: “Educação

é tudo, é a base que dá a possibilidade de buscar os direitos que se têm,

de se tornar um sujeito mais crítico, que possa fazer escolhas.”

Os entrevistados ressaltaram, também, a importância da inter-relação

entre teoria e prática. Afirmam não ter como separar a própria vivência,

questões do cotidiano com outras áreas do conhecimento e com suas

práticas pedagógicas, até porque, concebem que as coisas não estão e

não são separadas, mas, interligadas “perspectiva interdisciplinar e trans-

disciplinar”. Assim, a educação por eles vivenciada se reflete em suas

práticas; há uma identificação da educação vivenciada, uma articulação

com as coisas do cotidiano e o conceito que eles possuem de educar.

Admitem trabalhar buscando à integração do grupo, mas, afirmaram

que para que isso aconteça, é preciso cada um estar inteiro na relação

consigo, com o educando, estabelecendo uma relação de troca, de diá-

logo e de parceria. É necessário interagir com eles para ter uma profunda

motivação, vivenciar esta proposta de forma intensa.

A sala de aula é considerada como um espaço mobilizador de reflexão,

de prazer, mas, também, de exigência, onde o aluno, através da proposta

do professor, tem que construir a sua própria proposta: “autonomia é

extremamente importante”.

A forma de expressarem seus valores na prática é fruto do entusiasmo

com suas próprias ideias e da paixão de serem educadores, também, a

partir de suas sensibilidades com relação aos seus próprios preconceitos.

Assim, o papel do profissional é o de socializar e reformular, repensar

suas próprias ideias. O entusiasmo viabiliza ainda, a construção da boa

convivência para com as outras pessoas: “[...] gostar muito dessa coisa

de fazer junto, trocar com o grupo, viver”.

Os entrevistados colocaram a importância da articulação com outras dis-

ciplinas, com outras áreas de conhecimento que estão a serviço da pesquisa

em educação e direcionadas para formação de professores, portanto não

Leda Lísia Franciosi Portal

185Educação e Cidadania • número 11 • 2009

podem ser isoladas, mas devem estar dentro de um contexto maior: “[...]

não adianta o aluno saber ler e escrever e não ter opinião crítica, então tem

que ter esse conhecimento amplo, isso é importante, faz parte da cidadania”.

De acordo com Nicolescu (2001), a transdisciplinaridade é complementar

a disciplinaridade, assim como, a multi e a interdisciplinaridade, ela cria

um espaço no qual as disciplinas se encontram e transcendem suas bar-

reiras imaginárias. Funciona como uma ligação entre todas as disciplinas

ocupando-se com que está ao mesmo tempo entre, através e além delas.

Enfatizaram as questões de valor ao afirmarem: “[...] temos que

aprender a conviver em grupo, então o jogo, a condição compartilhada,

a discussão em grande grupo, isto é metodologia de ensino” que necessita

pautar-se em outras possibilidades, exigindo um outro olhar, um outro

atuar e um outro pensar.

Quanto à avaliação do desempenho profissional e desempenho de

seus alunos, os entrevistados “[...] revelaram ousar viver de forma mais

próxima possível daquilo que acreditam, pois é difícil ser uma pessoa no

campo profissional e outra no pessoal”. Têm convicção de que são “[...]

esforçados e que deram certo na área profissional”, o que ficou evidente

e comprovado na coerência de suas práticas educativas. Sentem-se

profissionais bem sucedidos, reconhecidos, pelo próprio retorno que

têm de seus alunos, por isso mesmo, entendem que precisam se com-

prometer cada vez mais com eles. Enfatizaram não entrarem em sala

de aula sem preparação; consideram-se dedicados, envolvidos com o

que fazem, investindo em querer buscar sempre mais; são movidos

pela paixão pelas coisas que fazem.

A avaliação é percebida e vivenciada por eles como um processo que

percorre envolvimento, não exigindo um padrão, mas, implicando busca

de soluções, de respostas, para encontrar alternativas na superação ou

minimização das dificuldades. Assim, a avaliação é realizada a cada

aula, com o intuito de verificar os avanços e as dificuldades dos alunos.

Os trabalhos são escritos, individuais e em grupo, nos quais os alunos

têm que desenvolver a argumentação e apresentar um posicionamento.

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

186 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Em termos profissionais reforçam ser difícil separar a vida pessoal da

profissional, até porque entendem estar tudo interligado. “[...] na medida

em que se vai observando como conduzir a aula e como o grupo está se

relacionando dentro disso, se avalia a melhora profissional e também, se

avalia a pessoa em si, tudo junto”. Afirmaram que sua avaliação pessoal

e profissional não é medida por nenhum instrumento, porque ela se

dá no sentido de construção. Acreditam que seu papel é mobilizar os

alunos, para que busquem o seu aprimoramento. Consideram-se pes-

soas insatisfeitas, imperfeitas e incompletas em termos de construção

de conhecimentos, pois estão sempre buscando melhorar. “Tenho muito

a crescer enquanto pessoa, enquanto relacionamento aprimorar, tanto

com meus filhos, quanto com minha família em geral, com as pessoas

com que convivo”.

Os entrevistados afirmaram conceber a avaliação como um proces-

so sempre continuado, preocupando-se quando os alunos não estão

construindo um conhecimento significativo: ”[...] se o aluno não está

construindo, necessariamente é porque também preciso me reavaliar,

porque alguma coisa não está bem no meu trabalho, então, procuro

sempre me incluir no processo de avaliação. O fracasso do aluno é o fra-

casso do professor”. Crêem que aquele aluno que não está conseguindo

acompanhar merece ser reorientado com atividades diferenciadas, com

outro tipo de proposta para que ele realmente possa se incluir: ”[...]

eu sou crítica comigo, porque estou sempre procurando melhorar, mas

procuro aceitar também as minhas limitações na busca desta melhoria”.

Consideram avaliação inerente a uma proposta político-pedagógica

de educação, a um referencial teórico-metodológico assumido e que

traduz as concepções e crenças do professor, porém está atrelada a

certas exigências administrativas do curso, da disciplina e depende da

modalidade de organização curricular da instituição a qual pertence,

em determinado momento histórico. “Não podemos pensar na avalia-

ção desvinculada da epistemologia do conhecimento e das práticas que

desenvolvemos, o que desvela nossas próprias crenças“. Enfatizam ser a

Leda Lísia Franciosi Portal

187Educação e Cidadania • número 11 • 2009

avaliação um processo social interativo em (re) construção, priorizando

a necessidade “[...] do sujeito exercitar sua autoria, construir sua iden-

tidade na descentração, na convivência em grupo, no jogo, na condição

compartilhada e na discussão em grande grupo”. Vêem a aprendizagem

como uma construção auto-biográfica, e, em função disso, organizam

a avaliação de suas disciplinas como auto-reflexão das aprendizagens,

para que se torne processual: “[...] a avaliação é processo que requer

compromisso de ambos os lados.”

5 UMA POSSíVEL CONTRIBUIçãO

Analisadas as falas, longe de identificar os professores escolhidos

com listas intermináveis de atributos, de competências abundantes

descritas nos tratados de pedagogia e nos relatórios internacionais, a

pesquisa deixou notório o que nos aponta Nóvoa (2007) no que enten-

de por ser um autêntico professor: “Possui conhecimento, revela tacto

pedagógico e assume responsabilidade profissional plena”. Demonstra

a impossibilidade de separar as dimensões pessoais das profissionais,

pois “ensinamos aquilo que somos e naquilo que somos encontra-se

muito daquilo que ensinamos” (p. 27)

Os professores entrevistados refletem sobre seu trabalho, mobilizam

conhecimentos, vontades e competências. Investem em sua autoforma-

ção não só pela importância que atribuem ao processo pedagógico, mas

pelo exemplo que julgam dar de responsabilidade e de compromisso de

profissionais com experiência, reconhecidos, respeitados e prestigiados

por seus pares e, principalmente por seus alunos, sendo merecedores

deles de confiabilidade, instaurando entre eles clima de confiança. Exce-

lentes mediadores de alternativas de formação, contribuem na criação de

um ótimo ambiente de trabalho, sensíveis a um diálogo franco e aberto,

estando atentos à escuta aliada a uma perspicaz capacidade de leitura,

de análise e de interpretação das situações pedagógicas. Parceiros de

Inteireza do ser: um processo educativo de autoformação do ser humano professor

188 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

jornada disponibilizam-se no apoio e auxílio na superação de dificul-

dades e imprevistos, vislumbrando a construção de conhecimentos que

oportunizem o “tornar-se”. Preocupados com seu próprio desenvolvi-

mento são rigorosos avaliadores de suas práticas, reflexivos sobre suas

próprias vivências e experiências, tornando-se capazes de responder

às exigências educativas da sociedade contemporânea: “Educar para

a compreensão humana” (102) ... “tendo na consciência a emergência

última da qualidade do sujeito” (126)

Os resultados obtidos podem vir a contribuir para a autoformação dos

professores tanto nos cursos de formação, no desafio em novas proposi-

ções curriculares, quanto no investimento na educação continuada, nos

princípios de atenção a si, no que o professor pensa, diz, sente, significa e

faz e na ética que permeia o trabalho educativo. Trata-se de um processo

de permanente reflexão e compreensão do compromisso profissional que

também constitui-se compromisso social. Pouco a pouco vislumbra-se o

renascer de uma nova perspectiva de “fazer-se”, “tornar-se” professor

de pensar ousado, de prática integrada para a importância e significado

na vida humana na gestão educacional de pessoas. São inspiradores

de uma aprendizagem cidadã capaz de repor a dignidade da condição

humana e da criação de novas instituições educacionais pluraristas,

transgressoras e democráticas que pretendam encorajar as futuras ge-

rações no exercício de seu direito planetário de repensar o mundo de

modo mais ético e responsável.

Os professores analisados são as suas próprias falas e o resultado

da pesquisa é uma nova elaboração textual, a construção de uma nova

fala, elaborada na interação triangulada pelos pensamentos dos entre-

vistados, dos teóricos e dos pesquisadores. Suas falas são produto e

representação dos quadrantes de Wilber, anunciando que a consciência

do que se é, não se altera de um quadrante para o outro. Deixam perce-

ber que nossa existência é transdisciplinar (Nicolescu) porque vivemos

uma realidade complexa não só representada nos referidos quadrantes,

mas pelas relações por eles estabelecidas, mediadas pelos diferentes

Leda Lísia Franciosi Portal

189Educação e Cidadania • número 11 • 2009

níveis de realidade, percebidos pelos diferentes níveis de consciência da

dinâmica da espiral (Wilber, Beck. e Cowan) em que a sobrevivência e

a transcendência (D`Ambrosio) são, nas palavras de Nicolescu, flechas

do mesmo arco. O terceiro incluído: o próprio sujeito professor atravessa

verticalmente os níveis de realidade, exercendo a ação de transformação

pelos movimentos holográfico, autônomo, dialógico e recursivo (Morin),

agindo e complexificando a realidade construída. Assim a Inteireza do

Ser é a própria existência transdisciplinar, indicando uma busca por

uma prática transformativa integral na construção e tradução de um

novo homem com características na Inteireza do Ser: uma aposta na sua

condição de humanidade, vivenciada pelos professores dessa pesquisa

em suas docências no Curso de Pedagogia da UniRitter.

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Leda Lísia Franciosi Portal

191Educação e Cidadania • número 11 • 2009

LEDA LÍSIA FRANCIOSI PORTAL

Doutora em Educação, professora adjunta do PPGE/PUCRS, coordena-

dora da pesquisa que deu origem a este artigo.

E-mail: [email protected]

Recebido em: 01/10/2009

Aceito em: 22/10/2009

PORTAL, Leda Lísia Francios. Inteireza do ser: um processo educa-

tivo de autoformação do ser humano professor. Revista Educação e

Cidadania. Porto Alegre, ano 11, n. 11, p. 161-191, 2009.

SEçãO ABERTA

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)

Lenir dos Santos Moraes

“Sixto Martínez fez o serviço militar num quartel de Sevilha. No meio do pátio desse quartel havia um banquinho. Junto ao banquinho, um soldado montava guarda. Ninguém sabia por que se montava guarda para o banquinho. A guarda era feita porque sim, noite e dia, todas as noites, todos os dias, e de geração em geração os oficiais transmitiam a ordem e os soldados obedeciam. Ninguém nunca questionou, ninguém nunca perguntou. Assim era feito, e sempre tinha sido feito. E assim continuou sendo feito até que alguém, não sei qual general ou coronel, quis conhecer a ordem original. Foi preciso revirar os arquivos a fundo. E depois de muito cavoucar, soube-se. Fazia trinta e um anos, dois meses e quatro dias que um oficial tinha mandado montar guarda junto ao banquinho, que fora recém-pintado, para que ninguém sentasse na tinta fresca” (Eduardo Galeano, 2005).

A pesquisa intitulada “Projetos na pauta de duas revistas educacio-

nais: (1939-2009)” teve como foco as práticas escolares realizadas sob

a denominação de projetos. Como professora e profissional envolvida

com o campo educacional há quase 24 anos, esse tema se delineou na

recorrência de planejamentos que se faziam por meio da organização

por projetos. Para ilustrar meu interesse por tal tema, recorro à imagem

de uma figura questionadora que protagoniza uma das histórias do

“Livro dos abraços”, de Eduardo Galeano, de 2005.

Assim como a personagem “Martínez” da referida obra, a vontade

de saber me impeliu a tomar quase como uma responsabilidade o ques-

tionamento seguinte: como se instaurou esse estatuto de verdade que

alçou as práticas de projetos pedagógicos a um estatuto tão privilegiado

nas decisões no campo do planejamento em educação?

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)

196 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Essa pergunta não foi fruto de algum tipo de insatisfação em rela-

ção ao planejamento por meio de projetos, mas da constatação de que

práticas produzidas sob a organização de projetos tornaram-se tema

privilegiado de conversas na educação, ocupando um espaço de prefe-

rência como modalidade de organização de ensino quase hegemônico.

Dessa forma, passei a investigar os modos pelos quais a prática de

projetos entra no cenário educacional movimentando sentidos e pos-

sibilidades e assume caráter de planejamento e organização curricular

privilegiada.

Problematizei, também, continuidades e descontinuidades nesse mo-

vimento, procurando mostrar os sentidos e os significados que projetos

tomam em diferentes tempos, conforme condições de possibilidades

específicas.

Além disso, tive a intenção de mostrar como o planejamento edu-

cacional através de projetos de ensino se manteve presente como

um dos princípios e verdades que sustentam as práticas pedagógicas

consideradas “adequadas” na ordem do discurso educacional, e como

ele passou a ser considerado uma importante estratégia para produzir

sujeitos escolares em uma sociedade disciplinar e também de seguridade.

Esse contexto educacional, de certa forma, estava a exigir uma análise

de como se gestaram as condições para esse entendimento dos projetos

de ensino na educação contemporânea e de que forma o uso de pro-

jetos como prática pedagógica nos currículos escolares brasileiros se

tornou comum e, até mesmo, quase “natural”, porque não mais objeto

de discussão, sendo defendido pela grande maioria dos educadores e

dos sistemas de ensino. Existe, com certeza, um espaço que precisa

ser ocupado no campo dos debates educacionais por essas indagações

que buscam compreender quais foram as condições de possibilidade

para que essa prática tenha se tornado considerada a excelência do

planejamento e da organização curricular. Investigar as racionalidades

que deram emergência a essa forma de pensar e realizar a prática pe-

dagógica para entender como e por que a educação viu nos projetos

Lenir dos Santos Moraes

197Educação e Cidadania • número 11 • 2009

a possibilidade de uma prática exemplar é importante, quando mais

não seja, para que possamos assumir essa proposta com consistência

teórica e capacidade de defesa de seus princípios, assim como se evite

colocar um específico tipo de organização de ensino no lugar da única

possibilidade prestigiada.

Neste estudo, então, partiu-se do entendimento de que os projetos

se constituíram como uma das estratégias que implementam uma

racionalidade política para a potencialização das forças do Estado no

governo de indivíduos. O planejamento por projetos e as decorrências

de organizar a prática educativa dessa maneira foram abordados como

estratégias de poder que constituem uma forma de pensar e de organizar

modos de vida em sintonia com uma razão de Estado.

A escolha metodológica para efetivar essas investigações que tentam

identificar o momento em que se criam as condições nas quais se dá a

emergência dos projetos na ordem do discurso educacional foi a análise

documental de revistas educacionais voltadas ao público docente. O

material empírico escolhido para analisar foram exemplares da Revista

do Ensino do Rio Grande do Sul e da Revista Nova Escola.

As edições da Revista do Ensino do Rio Grande do Sul que circularam

de 1939 até 1995 serviram de base para mostrar os sentidos e as produti-

vidades nas enunciações. Para dizer do olhar que recebem os projetos de

ensino no presente, foram utilizadas as edições de 1986 a 2009 da Revista

Nova Escola. Por meio da pesquisa nesses materiais, procurou-se entender

como se relacionaram efeitos de verdade, relações de saber-poder nos

regimes de produção da verdade. Ao garimpar excertos que enunciavam

a importância e a relevância de realizar projetos educativos, a intenção

foi destacar a recorrência de enunciações, separando-as em unidades de

sentido conforme o modo de argumentação em torno das afirmações que

respaldam práticas pedagógicas ou a organização curricular por projetos.

Foram analisadas recorrências dos discursos que circulam nessas

revistas optando-se por assumir um olhar de inspiração foucaultiana

como ferramenta de análise teórica. Essa escolha se deveu à inten-

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)

198 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

cionalidade da pesquisa de procurar as condições de possibilidade

que deram sustentação para os significados construídos para projetos

na contemporaneidade e como essas estratégias vêm funcionando na

condução das condutas em diferentes configurações da escola, da so-

ciedade e do Estado.

O primeiro passo para a realização desse tipo de análise foi fazer

exercícios de “desnaturalização” dos projetos como prática pedagógica

privilegiada. Nesse sentido, a principal hipótese levantada foi a de que

esse tipo de organização de ensino atua como uma estratégia de con-

trole, regulação e normalização. Essa explicação ganha força quando

se procede ao exame dos usos e das rotinas próprias às práticas de

projetos que buscam dar visibilidade ao que se diz sobre e em deter-

minado tempo acerca do que sejam as “boas práticas pedagógicas”,

interrogando evidências que produzem uma “verdade” ao propagar um

tipo de prática como a melhor, a mais atualizada, a mais inovadora, a

mais significativa, a que melhor ensina.

A vontade de saber sobre as práticas que permitiram que a realização

de projetos de ensino passasse a ser entendida como “a inovação e a

eficiência pedagógica da escola” levou à necessidade de olhar, desde a

exterioridade dos ditos projetos, os efeitos de emergência que assumem

na contemporaneidade escolar. Sendo assim, durante todo o processo de

pesquisa e de análise do material documental fornecido pelas revistas,

procurou-se explicitar as condições que fizeram de práticas nominadas

por projetos a lógica quase hegemônica (pelo menos na ordem do dis-

curso) do planejamento pedagógico e da organização curricular.

Para tanto, as perguntas que nortearam a análise documental que

sustentou metodologicamente essa dissertação foram:

• Comoseevidenciaapráticadeprojetosnoperíodode1930a2009

nas revistas analisadas? Que sentidos e produtividades enunciam?

• Que verdades deram sustentação para que a prática de projetos

assumisse a centralidade e se mantivesse atualizada na ordem do

discurso escolar?

Lenir dos Santos Moraes

199Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Para a leitura dos materiais, foram usadas como ferramentas analíticas

as categorias “discurso”, “verdade” e “tecnologia de poder”. Também se

buscou manter uma perspectiva metodológica inspirada na “genealogia”

de Michel Foucault, uma vez que apenas com o tempo do processo de

mestrado não seria possível realizar um estudo genealógico na acepção

foucaultiana. A análise de discurso serviu de base ao estudo das recor-

rências e deslocamentos vislumbrados à proporção que se adotou uma

posição de recusa às explicações unívocas e às fáceis interpretações. O

conceito de “tecnologia de poder” mereceu destaque na investigação das

regularidades enunciativas que produziam efeitos que operavam como

um conjunto de estratégias ligadas ao campo do poder. A inspiração

genealógica, definida como uma prática de pesquisa num sentido his-

tórico que não se apoia em nenhum absoluto, apreende os movimentos

de um campo de verdade, destacando as relações de poder, a fim de

analisá-las em suas tecnologias, ressituando a constituição dos campos,

dos domínios e objetos de saber (FOUCAULT, 2008b).

Foi possível observar as descontinuidades no exercício do planejamen-

to por projetos de ensino na sua orientação pelos princípios regidos pelo

movimento da Escola Nova. Os projetos emergem na cena educacional

quando a escola assume que seu papel não se centra mais na transmis-

são dos conhecimentos, mas sim, na intenção de forjar subjetividades

escolares com capacidade de inserção na vida social e profissional para

a nova sociedade homogênea e democrática, pautada pelo princípio de

igualdade de oportunidade para todos.

Quando nos interrogamos - Será que tudo virou projeto? – evidencia-

mos nosso desconcerto diante da polissemia e da proliferação discursiva

que produzem e divulgam projetos como a prática mais adequada atra-

vés das recorrências dos discursos e condições das suas possibilidades

de deslocamento na escola.

Na análise das descontinuidades, podemos perceber a lógica exercida

num planejamento de práticas de projetos como metodologia e como

prevenção e gestão. Já no campo das continuidades, é possível assinalar

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)

200 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

algumas das verdades que continuam sustentando a permanência da

prática de projetos de ensino na pauta da escola contemporânea. Podemos

destacar: Projetos para uma aprendizagem pelo interesse e pela necessi-

dade, Projetos para uma aprendizagem na busca de soluções e preparação

para a vida e Projetos para uma aprendizagem eficaz e inovadora.

Num deslocamento pautado pelo neoliberalismo, os projetos são in-

vestidos da capacidade de criar possibilidades de parcerias com outras

instituições da sociedade organizada, ampliado de tal maneira seu sen-

tido, que passam a integrar a pauta das propostas de encaminhamento

às questões de âmbito social, operando como se fossem estratégia de

prevenção de riscos e de gestão de situações. Nesse movimento de

deslocamento se manifesta a vontade de governar as condutas indi-

viduais e coletivas através de políticas assistencialistas que buscam

se justificar atribuindo-se o mérito da promoção do sucesso escolar.

Também foi possível perceber discursos das teorias psi, do movimento

da Escola Nova, do Neoliberalismo e discursos legais dando condições

de possibilidade ao deslocamento da escola para uma permanência de

projetos no campo educacional.

Nas continuidades analisadas, marquei algumas das verdades que

sustentam a prática de projetos, evidenciando ressonâncias que dão

condições para que estas práticas permaneçam na pauta da escola

contemporânea, destacando projetos para uma aprendizagem pelo in-

teresse e pela necessidade, projetos para uma aprendizagem na busca

de soluções e preparação para a vida e projetos para uma aprendizagem

eficaz e inovadora.

O imperativo de realizar projetos como prática no campo educacional

assumiu vigor e encontrou-se em terreno sempre fértil à medida que

foram sendo acrescidas novas funções à escola, ao mesmo tempo em

que ela manteve o lugar da instituição que ensina e educa. Desde os

movimentos da modernização pedagógica, os projetos se fazem como

útil estratégia para o governo da população, como possibilidade de ma-

nutenção da ordem social no controle dos riscos e busca de segurança.

Lenir dos Santos Moraes

201Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Assim, o anseio de se realizar projetos no campo pedagógico

mantém-se presente como essa vontade de verdade num estatuto de

prática que melhor atende aos desejos e necessidades da população,

da educação, da sociedade.

Os conhecimentos têm uma função social. Mesmo com diferentes rela-

ções de poder, mesmo com diferentes deslocamentos, a escola continua

desempenhando uma função importante na condução das condutas.

Entendendo-se essas práticas como importante estratégia para a

maquinaria escolar colocar em funcionamento uma racionalidade de

governo, projeto torna-se potencialmente útil para que se constituam

sujeitos que atendam a verdades, a certos domínios de saber que res-

pondam a certas condições políticas.

Num exercício de estranhamento, minha pesquisa intencionou des-

naturalizar o sentido dado a práticas denominadas por projetos, a fim

de ver como esse tipo de planejar tornou-se um fazer privilegiado nas

escolas. Foi possível perceber que essa prática atua como uma estratégia

de controle, regulação e normalização, exercendo uma biopolítica esco-

lar, tornando-se uma verdade que atende às exigências de atualização

e inovação educacional.

Pensar o planejamento e a organização do ensino por projetos como

estratégias potentes para manter presente um estatuto marcado pela

lógica da maquinaria escolar moderna, viabiliza especialmente duas

racionalidades políticas: a disciplinar e a de seguridade. Essa última se

dá na transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de

controle, onde convivem e são visibilizadas em termos de ênfase, ora

mais disciplinar ora mais de seguridade.

Veiga-Neto (2008), ao falar sobre as transformações do currículo e

das numerosas alternativas que se apresentam aos educadores e aos

planejadores e ges tores das políticas educacionais no campo do currícu-

lo, divulgando como de vem ser conduzidas as práticas curriculares ou

como estas têm servido de remédios para salvar a educação e a socie-

dade, fala do fazer que se pauta por uma busca incessante de inovação.

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)

202 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Nas políticas neoliberais, a pertinência de um ensino eficiente torna-se

marca de um sistema educativo que deve funcionar como um mercado.

Os discursos recorrentes de uma lógica empresarial enfatizam que é

preciso esforço, responsabilidade, empreendedorismo, competitivida-

de, etc. A qualidade desejada para a educação sugere a formação de

sujeitos flexíveis e ágeis:

Enfatiza-se a flexibilidade. Atacam-se as formas rígidas de burocracia, e também os males da rotina cega. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a mudanças em curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais (SENNETT, 2004, p. 9).

Na ótica de um paradigma administrativo, os termos “eficaz” e

“inovador” são associados a demandas educacionais para falar da ne-

cessidade de dar qualidade ao ensino e adequar a escola às mudanças

que trazem para o planejamento parâmetros de eficiência e eficácia –

termos associados a uma economia de mercado que são internalizados

pelos sistema escolar.

Nesse contexto, foi possível entender a escola como um dos focos

de atenção do Estado para o desenvolvimento das políticas de Estado

na produção de identidades e subjetividades específicas, exercendo um

papel fundamental na construção das identidades, uma vez que produz

uma visão própria da organização do planejamento e porque atua na

subjetivação das pessoas. Práticas sob a lógica de planejamento por

projetos são úteis para atender às modificações econômicas, culturais

e sociais, aspirando projetar modos de ser e viver.

Para Sawicki,

Nenhum discurso é inerentemente libertador ou opressivo. A condição

libertadora de qualquer discurso teórico é uma questão de investigação

histórica, não de proclamação teórica (Hana Sawicki, 1998, apud GORE,

1995, p. 17).

Lenir dos Santos Moraes

203Educação e Cidadania • número 11 • 2009

Ela ressalta a ideia de que não existe nada inerentemente libertador e

nada inerentemente opressor nas práticas pedagógicas que não mereça

constantemente um olhar desde outros lugares, colocando sob suspeita

o que somos, como nos tornamos o que somos, o que fazemos e como

o fazemos, questionando verdades cultivadas nas práticas discursivas

pedagógicas.

O valor da discussão estabelecida por essa dissertação reside na

colocação de questionamentos que podem contribuir para uma melhor

compreensão das pautas pedagógicas em torno das quais se organizam

os debates e as iniciativas de formação docente e o estímulo à adoção

de práticas escolares que seriam respostas aos impasses e desafios da

educação contemporânea.

Seria interessante analisar como os projetos foram influenciando um

jeito de ensinar e constituindo um discurso sobre uma nova docência.

Outra possibilidade seria estudar como as práticas de projeto como

organização curricular têm movimentado e potencializado a formação

docente.

Talvez o aprendizado mais importante que essa reflexão tenha opor-

tunizado tenha sido o de que não há lugar livre das relações de poder e

que, portanto, precisamos desenvolver nossa capacidade de estranhar

o naturalizado e assumir discursos unívocos e simplistas que atribuem

a uma ferramenta metodológica ou a uma forma de organização do en-

sino um estatuto maior do que aquele que lhe é devido. Penso que esse

movimento pode nos ajudar a viver uma docência mais comprometida

com as necessidades, as incertezas e os desafios da vida contemporânea.

REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização de Roberto Ma-chado. São Paulo: Graal, 2004.

Projetos na pauta de duas revistas educacionais (1939-2009)

204 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 16. ed. São Paulo, Loyola, 2008.

GALEANO, Eduardo Galeano. O Livro dos Abraços. Porto Alegre, L&PMeditores, 2005.

GADELHA, Sylvio. Biopolítica, governamentalidade e educação: introdu-ção e conexões a partir de Michel Foucault. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

GORE, Jennifer M. Foucault e Educação: fascinantes desafios. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O sujeito da Educação: Estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1995. 2. edição, p. 9-20.

SOMMER, Luís Henrique. A ordem do discurso. Revista Brasileira de Educação. v. 12, n. 34 jan.-abr. 2007, p. 57-67.

VEIGA-NETO, Alfredo. Michel Foucault e educação: há algo de novo sob o sol? In: VEIGA-NETO, Alfredo (org.) Crítica pós-estruturalista e educação. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 9-56.

______. Coisas do governo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonân-cias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP & A, 2002, p. 13-38.

______. Foucault & a Educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

LENIR DOS SANTOS MORAES

Mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(UNISINOS), especialista em Supervisão Educacional pela Faculdade

Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras (FAPA) e graduada em

Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É

Professora do curso de Pedagogia da Uniritter e Coordenadora Pedagó-

gica na rede particular de ensino.

E-mail: [email protected]

Recebido em: 05/10/2009

Aceito em: 21/10/2009

Lenir dos Santos Moraes

205Educação e Cidadania • número 11 • 2009

MORAES, Lenir dos Santos. Projetos na pauta de duas revistas edu-

cacionais (1939-2009). Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre, ano

11, n. 11, p. 195-205, 2009.

SEçãO RESENHA

PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade – Relação entre Desejo e Conhecimento.

Petrópolis, Vozes, 2009.

Rita Abbati

“Em pedagogia, a ambição é um dever.”Sara Pain

Ao fazer a declaração acima, a Doutora em Filosofia e Psicologia, Sara

Pain, fala sobre o amor à educação. É o que ela vem exercitando ao longo

de toda sua vida e de sua obra: o amor e o compromisso com a pedagogia.

Para quê ensinamos? Eis a pergunta instigante que tem direcionado

seus estudos.

Ensinar, diz ela, é exercer o desejo de reprodução na sua forma mais

radical, pois carente de inscrições instintivas. O ser humano só chega

à condição de humanidade através da aprendizagem e esta última não

pode ser entendida fora da dimensão do conhecimento.

Nesse ponto, Sara Pain, nos provoca um pouco mais ao dizer que

“todo conhecimento é o conhecimento do outro”.

Como professores, estamos (ao ensinar) diante de alunos que têm

de aprender porque é pelo aprender que se constituirão como sujeitos.

A aprendizagem é a condição de possibilidade para o “nascimento”

de um sujeito, uma vez que a assunção desse estatuto decorre da sua

“sujeição” ao conhecimento.

Esse processo de subjetivação implica dois sujeitos e um objeto:

aquele que aprende, o que ensina e o conhecimento.

Ensinar implica fazer do outro um ser humano, um “semelhante”

que precisa aprender a usar suas capacidades e potencial para produzir

e participar da cultura.

Por isso, “em pedagogia, a ambição é um dever” que temos para

com a humanidade. Foram “os outros” que nos acolheram na cultu-

PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade –

Relação entre Desejo e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2009.

210 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

ra, através do ensino que nos transmitiram, a fim de nos fazer seus

“semelhantes”.

Então se, em primeira instância, o ensino poderia (grosso modo)

ser entendido como transmissão de conhecimento, aquilo para o quê

Sara Paim nos chama a atenção na obra resenhada aqui é o papel da

relação entre desejo e conhecimento para que se possa, a partir de uma

objetividade, aceder ao conhecimento que extrapola em muito a mera

transmissão. O desejo de conhecimento se transmite numa relação de

amor ao conhecimento e ao outro: o conhecimento como ferramenta de

humanização e subjetivação; o outro como nosso potencial semelhante.

Para Sara Paim, na obra “Subjetividade e objetividade – relação

entre desejo e conhecimento”, duas perguntas norteiam a busca de

compreensão e explicitação dessa triangulação (aprendente, ensinante,

conhecimento):

Como concebemos esse ser humano que nos propomos educar?

Como concebemos o processo pelo qual o pensamento dele se apropria

do conhecimento transmitido?

Na reflexão da autora, a relação entre desejo e conhecimento se

constrói de forma dinâmica, plástica e simultânea entre as objetividades

e as subjetividades daquele que ensina e daquele que aprende. É essa

rede de laços tecida entre o desejo de ensinar, o amor ao conhecimento

e o desejo de aprender que constitui o pano de fundo do cenário dos

processos de aprendizagem. Por isso, a autora diz que cabe ao professor

criar um lugar próprio e possível para esse cenário.

Para isso, há que travar-se uma luta constante contra o que mais

obstaculiza esse processo: os preconceitos em relação à capacidade de

aprender dos alunos e a falta de paixão pelo conhecimento e pelo ensino

dos professores. Daí que a didática precise se basear também num co-

nhecimento mais profundo do que faz do ser humano um ser humano.

Em “Subjetividade e objetividade – relação entre desejo e conhecimen-

to”, Sara Pain vai dialogando com o leitor enquanto ensina quais esque-

mas de pensamento participam da construção das relações complexas

Rita Abbati

211Educação e Cidadania • número 11 • 2009

entre o desejo e o conhecimento. Num quadro, na página 24, ela sintetiza

o vai e vem das relações que acontecem entre os três vértices do triângulo

da aprendizagem (aluno, conhecimento e professor). Mostra como a

grande responsabilidade do professor é incluir seus alunos no mundo

da cultura, das relações sociais e subjetivas e das realizações materiais

dos homens. E essa tarefa ela cumpre com maestria, desenvolvendo

suas reflexões que são complexas de uma maneira que desafia o leitor

a se questionar, criticar e assumir a autoria de suas próprias reflexões.

Sara ressalta a importância de o professor criar instrumentos que lhe

permitam observar os esquemas de pensamento a que seus alunos re-

correm para aprender. Por isso, ela considera que a pouca oportunidade

para os alunos fazerem perguntas e proporem respostas e soluções nas

aulas é extremamente empobrecedora para os processos de ensino e

aprendizagem. Fazer perguntas, conforme Sara, é dispor-se a ir além,

criar, ousar, imaginar, subverter a ordem e, portanto, crescer e aprender.

A resposta “dada”, no mais das vezes, é o contrário disso: ela embrutece.

O foco do livro, como explicita seu título, é a relação entre a objeti-

vidade que instaura a realidade, nosso contexto, e a subjetividade que

se instaura na esfera do desejo. Para a autora, essas duas estruturas –

realidade e desejo -, junto com o corpo e o organismo, constituem as

quatro instâncias da aprendizagem.

Nas situações de aprendizagem, a construção do conhecimento ocorre

na trama tecida entre inconsciente e consciente, nos diz Sara Pain. E,

ainda segundo ela, tanto a estrutura objetiva, cognitiva, como a subjetiva

ou “dramática” que atuam permanentemente durante os atos de ensinar

e aprender, através de mecanismos, operações e categorias, na maioria

das vezes são imperceptíveis para nós ou simplesmente desconsideradas.

Enfim, o livro é uma preciosidade posta ao alcance das mãos de todo

professor, tratando da aprendizagem do ser humano enquanto sujeito,

em qualquer idade ou fase da vida.

A riqueza da obra reside precisamente na forma didática como Sara

Pain conseguiu sintetizar e formalizar conceitos complexos como,

PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade –

Relação entre Desejo e Conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2009.

212 Educação e Cidadania • número 11 • 2009

por exemplo, pensamento, conhecimento e desejo. Aborda em pro-

fundidade temas que vão do pensamento consciente ao inconsciente,

utilizando como ferramentas teóricas os achados de Piaget e Freud às

quais acrescenta sempre a contribuição e os questionamentos pessoais

que a tornaram uma intelectual de respeito no cenário internacional.

Ler Sara é navegar nas águas da intertextualidade, fazendo novas

inferências, descobrindo sutilezas de pensamento, aceitando nossas

ignorâncias e recolocando tudo isso a serviço do ofício de ensinar, já

que, em última análise, o leitor visado pela autora é o professor que

questiona seu próprio fazer.

Rita Abbati

Professora e psicopedagoga com formação realizada em Buenos Aires.

Possui larga experiência, tanto em sala de aula, quanto no assessora-

mento e acompanhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem.

Foi aluna de Sara Pain, realizando seu estágio em arte-terapia em Paris.

E-mail: [email protected]

Recebido em: 05/10/2009

Aceito em: 26/10/2009

ABBATI, Rita. PAIN, Sara. Subjetividade e objetividade - Relação entre

Desejo e Conhecimento. Revista Educação e Cidadania. Porto Alegre,

ano 11, n. 11, p. 209-212, 2009.