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Ed. 14 (2008)

PRISO PROCESSUAL E PRESUNO DE INOCNCIA: UM ESTUDO LUZ DA PONDERAO DE VALORES CONSTITUCIONAIS*

Daniel Gustavo de Oliveira Colnago RodriguesBacharelando em Direito pelas Faculdades Integradas Antnio Eufrsio de Toledo de Presidente Prudente/SP; Pesquisador cientfico junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas Processo de Conhecimento PICT; Estagirio do Ministrio Pblico Federal - Procuradoria da Repblica em Presidente Prudente/SP.

SUMRIO:

1 Introduo; 2 Novas tendncias: Processo Penal Constitucional; 3 Do Princpio da Presuno de Inocncia; 3.1 Anlise semntica do termo Princpio; 3.2 Princpio da Presuno de Inocncia; 3.2.1 Generalidades; 3.2.2 Aspectos prticos; Das Prises cautelares: Viso panormica; 4.1 Conceito de priso; 4.2 Espcies de priso; 4.3 Prises cautelares; 4.3.1 Priso em flagrante; 4.3.2 Priso preventiva stricto sensu; 4.3.3 Priso temporria; 4.3.4 Priso decorrente de sentena penal condenatria; 4.3.5 Priso decorrente de deciso de pronncia; Priso processual e Princpio da no-culpabilidade: Estudo luz da ponderao de valores constitucionais; Noes gerais de ponderao; Constitucionalismo moderno e ps-positivismo; Prises provisrias em face do Princpio da Presuno de Inocncia: constitucionalidade e ponderao de valores; Questes afins; Concluso; Bibliografia.

Trabalho individual realizado no Grupo de Iniciao Cientfica, coordenado pelo NEPE da Faculdade de Direito da Associao Educacional Toledo de Presidente Prudente, sob a orientao do Professordoutor Gelson Amaro de Souza (Graduado em Direito pelas Faculdades Integradas Antnio Eufrsio de Toledo de Presidente Prudente/SP; Mestre em Direito pela ITE de BAURU/SP e Doutor em Direito das Relaes Sociais pela PUC/SP. Procurador do Estado de So Paulo aposentado, Advogado militante em Presidente Prudente/SP).

*

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1 INTRODUO

Questo

palpitante

na

moderna

processualstica

penal

diz

respeito

constitucionalidade da priso cautelar, tendo em vista o Princpio da Presuno de Inocncia (ou da No-Culpabilidade), bem insculpido no artigo 5, inciso LVII da Constituio Federal.1

Com supedneo no mesmo postulado basilar, vozes subsistem no sentido da no recepcionalidade do artigo 594 do Cdigo de Processo Penal, uma vez que a exigncia de que o ru condenado em primeiro grau se recolha priso para apelar no se coaduna com os preceitos constitucionais de garantia liberdade do cidado. Isso porque, paralelamente s garantias substanciais de liberdade, a denominada Constituio Cidad previu hipteses excepcionais de constrio de liberdade prescindveis de uma sentena penal definitiva. Dentre estas, enfatizemos as chamadas prises processuais.

corrente o entendimento de que as prises cautelares so perfeitamente admissveis, no se confrontando com o postulado da presuno de inocncia, desde que sejam pautadas em regras de excepcionalidade, consubstanciadas no binmio necessidade/fundamentao.

De outro

lado, respeitveis opinies

tangentes inconstitucionalidade,

e

conseqente inadmissibilidade, das prises provisrias, vez que, nos ditames legais, ningum ser considerado culpado at que sobrevenha uma sentena penal condenatria transitada em julgado.

Ocorre que a situao em testilha no deve ser analisada estritamente nesses fundamentos, de uma ou outra corrente. Ao nosso sentir, o ponto central da problemtica demanda pensamentos a respeito da ponderao de valores, embasada na mxima jurdica de que todo direito relativo, no existindo direitos, ainda que fundamentais, taxados de absoluto.

1

Art. 5, inc. LVII, CF/88: ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria.

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Neste diapaso, buscaremos, com a devida vnia, enfatizar a soluo desse aparente conflito de direitos e garantias fundamentais, de um lado a presuno de inocncia, e, de outro, a possibilidade de custdia preventiva, luz do sopesamento de elementos conflitantes.

2 NOVAS TENDNCIAS: PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL

A dogmtica processual penal, como apndice da dogmtica jurdica, sua matriz originria, no fornece elementos suficientes para mitigar a insondvel

incongruncia existente entre a normatividade (dever ser) e a realidade social (ser). Ocorre que, nos sbios dizeres de BARATTA (1.998, p. 278), [...] la distancia entre conflicto real y conflicto procesal, es notoriamente aumentada en el procedimiento penal.

Sob este prisma, com o intuito de tentar diminuir este abismo ora relatado, o debate acerca da constitucionalidade da priso provisria, bem como da legitimidade do Estado em encarcerar um indivduo ainda no considerado culpado deve, indubitavelmente, ser precedido por singelos comentrios acerca da novel tendncia garantista em interpretar o processo penal luz da Constituio da Repblica. Com a promulgao da Carta Poltica de 1988, precedida de um negro perodo de Ditadura Militar, no qual eram constantes as violaes a direitos e garantias fundamentais do homem, passou-se a repensar o limite de interveno do Leviat na esfera de liberdade do jurisdicionado, fator decisivo na tendncia garantista-penal do constituinte originrio.

Num breve escoro histrico, importante relembrar que, a partir do momento em que o Estado probe a justia privada, inclusive tipificando como crime o exerccio arbitrrio das prprias razes2, passa a ter no s o poder, mas tambm o dever, de solucionar as lides, o que se d por meio da jurisdio.

2

Art. 345, CP: Fazer justia pelas prprias mos, para satisfazer pretenso, embora legtima, salvo quando a lei o permite: Pena deteno, de 15 (quinze) dias a 1 (um) ms, ou multa, alm da pena correspondente violncia.

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No entanto, tal incumbncia deve ser exercida nos estritos limites do necessrio e razovel, haja vista o contrato social firmado entre Estado e jurisdicionados, no qual estes cedem parcela de sua liberdade para, em troca, receberem proteo (lato sensu), s permite a superposio da esfera pblica sobre a esfera privada havendo fundada imperiosidade.

Nessa esteira de raciocnio, podemos afirmar que o processo, que o principal meio pelo qual se exerce a jurisdio, deve ser interpretado luz do constitucionalismo, embasado na idia de que da Constituio da Repblica que se extraem os valores fundamentais do ser humano.

Se o processo, de um modo geral, deve ser visado luz da Carta Maior de um Estado-poltico, com maior razo o processo penal, mximo cerceador das liberdades e garantias individuais do cidado, assim tambm deve s-lo, muito embora se vislumbre um certo fascnio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se adaptar a Constituio s leis ordinrias. (STRECK, 2.002, p. 30-31)

Neste diapaso, referindo-se ao garantismo no processo penal, pontifica Gerber (2.003, p. 81):[...] as idias de liberdade, igualdade e fraternidade acabaram por fornecer ao direito penal um carter de racionalidade e, consequentemente, de menos danosidade ao indivduo, eis que este passou a contar com direitos que serviam de obstculo interveno estatal, limitando esta ltima frente s liberdades individuais. Sobre tal entendimento que se fulcra a matriz garantista.

Ocorre que interpretar o processo penal luz da Constituio no significa, como pensa a maioria, pautar-se a exegese estritamente em isolados dispositivos selecionados, mas sim interpret-lo sistematicamente, como um todo, tendo como sustento bsico os princpios constitucionais, conforme nos direciona a melhor hermenutica.

Assim, no mbito penal, um verdadeiro processo constitucional deve no s priorizar o respeito s garantias processuais do ru, oportunizando-lhe efetivos meios de defesa, como tambm cotej-las com os valores materializados pela sociedade, 86

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tambm de cunho normativo constitucional, tais como a dignidade da pessoa humana, a segurana pblica e a paz social.

3 DO PRINCPIO DA PRESUNO DE INOCNCIA

3.1 ANLISE SEMNTICA DO TERMO PRINCPIO

Antes de adentrarmos especificamente ao princpio processual constitucional da presuno de inocncia, de bom alvitre, sempre que utilizado o termo princpio, como ora feito, estabelecer seus reais contornos, indicando, inclusive, seu verdadeiro contedo e abrangncia prtica.

Sob o aspecto lexicolgico, princpio vem a ser comeo, origem, fonte. No mundo jurdico, embasado nas lies mestras de Luiz Alberto David Arajo e Vidal Serrano Nunes Jnior (2.005, p. 66-70), podemos afirmar que os princpios so as regras substanciais dentro da Constituio de cada Estado, refletindo os fundamentos e alicerces desse sistema.

Em se tratando de princpios com carga constitucional, oportuno o esclio de Celso Ribeiro Bastos (1.995, p. 143-144):Os princpios constitucionais so aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurdica. Isto s possvel na medida em que estes no objetivam regular situaes especficas, mas sim desejam lanar a sua fora sobre todo o mundo jurdico. Alcanam os princpios esta meta proporo que perdem o seu carter de preciso de contedo, isto , conforme vo perdendo densidade semntica, eles ascendem a uma posio que lhes permitem sobressair, pairando sobre uma rea muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princpio perde em carga normativa ganha como fora valorativa a espraiarse por cima de um sem-nmero de outras normas.

Pelo exposto, aufere-se que os princpios so diretrizes poltico-filosficas a serem seguidas pelo constituinte e que, embora possuam alto teor de abstrao, consubstanciam-se em verdadeiros vetores axiolgicos para o operador e intrprete do Direito. 87

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3.2 PRINCPIO DA PRESUNO DE INOCNCIA

3.2.1 Generalidades

Previsto no artigo 5, inciso LVII da Constituio Federal, dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais, o princpio da presuno de inocncia, tambm chamado de princpio do estado de inocncia ou da no-culpabilidade, constitui clusula ptrea, postulado basilar de um verdadeiro Estado Democrtico de Direito em se tratando de tutela liberdade individual.

A previso constitucional de que ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria no nenhuma novidade no ordenamento jurdico ptrio; ao contrrio, j vinha compatibilizada pelo artigo 153, 36 da Constituio Federal de 1.969, sem prejuzo da adeso do Brasil Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 17893, Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948, ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos de 1966, Conveno Americana de Direitos Humanos de 1969, dentre outros diplomas que pugnam pela prevalncia do postulado em pauta.4 No se olvide, porm, que, ao falarmos de princpios constitucionais penais, esqueceramos de Cesare Bonesana, o marqus de Beccaria. Este, em meados do ano 1.764, com sua obra-mestra Dos delitos e das penas, revolucionou a poltica criminal, dando ntidos contornos ao que hoje denominamos de princpio da presuno de inocncia.

Coadunando-se com a viso constitucional do processo penal, bem como com seu novo prisma acusatrio, o legislador constituinte deu status de princpio ao estado de inocncia. Na verdade, [...] tratou-se de garantir a paz e a liberdade dos cidados

Em sua redao originria, o artigo 9 da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1.789 assim estabelecia: Tout homme tant prsum innocent, sil est jug indispensable de larreter, toute rigueur que ne serait ps ncessaire pour sassurer de as personne doit tre svrement repime par la loi. 4 Embora o postulado basilar do estado de inocncia tenha, efetivamente, se consolidado somente com o ps-liberalismo do sculo XVIII, vislumbra-se a existncia da mxima in dbio pro reo desde o direito romano, precipuamente por influncia do cristianismo.

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em nvel constitucional, em virtude dos sobressaltos decorridos do Estado autoritrio existente antes. (FERREIRA, 1.989, p. 181-182).

No objeto deste breve ensaio a divergncia existente entre a correta denominao do princpio aqui tratado, sendo este ora denominado presuno de inocncia, ora estado de inocncia e ora no-culpabilidade. No entanto, oportuno a observao de Delmanto (2.001, p. 62):De fato, da anlise isolada do inciso LVII do art. 5 da Constituio da Repblica ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado de sentena penal condenatria que se aproxima muito do art. 27, 2, da Constituio italiana, realmente poder-se-ia deduzir que o legislador constituinte no tenha reconhecido expressamente a presuno de inocncia; ele teria se limitado a menos, isto , a garantir que o acusado jamais pudesse ser tratado como se culpado fosse, antes de passada em julgado a sua condenao, nada presumindo.

Sem embargos de tal distino, por tal postulado demonstra-se, de maneira inequvoca, a natureza acusatria do processo penal, eis que, limitando o arbtrio estatal de pocas retrgradas, transfere a incumbncia de demonstrar a culpabilidade do agente ao Estado.

3.2.2 Reflexos prticos

Para Alexandre de Moraes (2.002, p. 385), a presuno de no-culpabilidade do indivduo abarca quatro funes bsicas, quais sejam: limitao atividade legislativa; critrio condicionador das interpretaes das normas vigentes; critrio de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos (inocente); obrigatoriedade do nus da prova da prtica de um fato delituoso ser sempre do acusador.

Observe-se, no entanto, que, se consideramos tal premissa estritamente sob seu aspecto literal, inviabilizar-se-ia o prprio exerccio da persecuo penal, uma vez que a mera instaurao de inqurito policial contra determinado agente j resultaria em afronta garantia constitucional da no-culpabilidade.

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Ontologicamente, no h dvidas que uma denncia ofertada a um indivduo tem como premissa, ainda que por vagos indcios, sua provvel culpabilidade, uma vez que o estado fenomnico de inocncia no mais subsiste, podendo restar a efetividade do seu preceito no mbito processual. nesta linha de raciocnio que pondera Celso Ribeiro Bastos (1.989, p. 278):O que se pode inferir da presuno de inocncia, em primeiro lugar, que no pode haver inverso do nus da prova. Se ao Poder Pblico compete o formalizar a denncia, tambm cabe-lhe promover as provas necessrias, assegurados o contraditrio e a ampla defesa.

Tanto verdade que a suspeio de um indivduo, gerada pelo seu formal indiciamento ou pela denncia/queixa intentada contra si, no pode,

aprioristicamente, ser afastada to-somente com supedneo na consagrao do estado de inocncia por nossa Carta Magna, sob pena, inclusive, de desvirtuar a prpria finalidade investigativa do processo penal. Porm, h de atentar-se que a mera inverso do nus da prova5 no exaure o contedo da presuno de inocncia, vez que a mera alegao do ru sob o fundamento de ter agido justificadamente (excludentes de ilicitude), por exemplo, no o exime de produzir provas que corroborem sua alegao. Desta feita, corolrio lgico da no-culpabilidade o Princpio do in dbio pro reo, que deve nortear o julgador na fase decisria.

Em termos gerais, o princpio da no-culpabilidade, do ponto de vista intrnseco, reflete o direito pblico subjetivo do acusado de no ser considerado criminoso at o deslinde final do processo acusatrio; Por outro lado, do ponto de vista extrnseco, trata-se de direito processual, com ntidos reflexos no campo probatrio.

5

Em preciso voto (REsp 633615 (2004/0029333-8 - 08/11/2004), o ministro Gilson Dipp assim se manifestou: Ao delinear um crculo de proteo em torno da pessoa do ru - que jamais se presume culpado, at que sobrevenha irrecorrvel sentena condenatria -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opresso judicial e que, condicionado por parmetros tico-jurdicos, impe ao rgo acusador o nus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocncia, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a gide do contraditrio, todos os elementos probatrios produzidos pelo Ministrio Pblico. A prpria exigncia de processo judicial representa poderoso fator de inibio do arbtrio estatal e de restrio ao poder de coero do Estado. A clusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatrio, a frmula de salvaguarda da liberdade individual.

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Por derradeiro, pacfico o entendimento de que a presuno de que trata o artigo 5, inciso LVII da CF/88 relativa (juris tantum), admitindo prova em contrrio, o que decorre de uma mera interpretao lgica e sistemtica do ordenamento ptrio, conforme veremos mais adiante.

4 DAS PRISES CAUTELARES: VISO PANORMICA

4.1 CONCEITO DE PRISO

Num breve intrito, podemos conceituar priso como sendo a privao, por parte de uma autoridade competente ou em caso de flagrante delito, da liberdade de ir e vir de uma pessoa.

Para TOURINHO (2.001, p. 375), a priso vem a ser a [...] supresso da liberdade individual, mediante clausura. privao da liberdade individual de ir e vir; e, tendo em vista a denominada priso-albergue, podemos definir a priso como a privao, mais ou menos intensa, da liberdade ambulatria.

4.2 ESPCIES DE PRISO

Para uma melhor contextualizao do tema a ser tratado, recomendvel tecermos breves comentrios acerca da classificao das prises, especificamente no que tange as suas espcies. Aps, centralizaremos o estudo nas polmicas prises cautelares.

A Doutrina costuma dividir as prises em: a) priso-pena ou priso-sano: a custdia decorrente de uma condenao criminal definitiva, pela qual no paira mais recursos; b) priso sem pena: diz respeito priso no proveniente de sentena

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penal condenatria transitada em julgado. So elas: priso civil, administrativa6, disciplinar, constitucional e processual/cautelar/provisria.

O presente estudo pautar-se- to-somente sobre uma das modalidades de priso sem pena, qual seja, a priso processual, que, por sua vez, subdivide-se em cinco tipos: priso em flagrante delito; priso preventiva stricto sensu; priso temporria; priso decorrente de sentena penal condenatria recorrvel e priso decorrente de deciso de pronncia.7

4.3 PRISES CAUTELARES

Objeto do presente estudo, as prises cautelares so, conforme dito, modalidades de priso sem pena, eis que a custdia d-se anteriormente a uma sentena penal condenatria transitada em julgado, devendo, pois, serem cuidadosamente analisadas, sob pena de ferir-se o sagrado direito constitucional liberdade de locomoo.

Alis, comum a todo e qualquer Estado Democrtico de Direito que preze pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais do ser humano, as prises cautelares so, de maneira genrica, revestidas de excepcionalidade, necessitando, para sua decretao, da aferio do binmio necessidade/fundamentao.8

6

Segundo Vicente Greco Filho, a priso administrativa medida coativa visando compelir algum ao cumprimento de um dever de direito pblico. Para o referido autor, aps a Constituio Federal de 1988 ainda subsiste tal modalidade de priso, embora discordemos, nos casos previstos em lei em que decretada pelo juiz, como por exemplo a do falido para a apresentao dos livros e a do depositrio judicial infiel, de sorte que o que no mais se admite a priso decretada por autoridade administrativa, como aquelas previstas no Estatuto do Estrangeiro e em certos estatutos de funcionrios pblicos. 7 Alguns autores, como Guilherme de Souza Nucci, inclui, dentre o rol das prises processuais, a conduo coercitiva de ru, vtima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juzo ou na polcia. Para o autor, trata-se de verdadeira modalidade de priso, eis que h possibilidade da pessoa que se recusa a depor em juzo ou a comparecer em sede policial ser algemada e colocada em cela especial at que a autoridade competente a oua. 8 TJAP - HC n. 614/ - Acrdo n. 3639 - Rel. MRIO MAZUREK - Seco nica - j. 19/06/2000 - v. Unnime - p. 30/08/2000 - DOE n. 2372: Ainda que em matria de cautelares no processo penal no se exija o mesmo grau de certeza necessrio para a condenao, impede que o pedido venha acompanhado de o mnimo de provas - mas suficientes - para demonstrar a autoria e a materialidade do delito; A fundamentao deve basear-se em fatos claros, reais, determinados, que justifiquem a

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Ainda, antes de estudarmos as prises cautelares em espcie, peamos vnia para transcrever preciso comentrio de Tourinho (2.001, p. 386), no que tange natureza jurdica das prises provisrias:

Sem embargo do carter cautelar que essas prises apresentam, no h, no nosso Direito Processual Penal, um processo cautelar distinto do processo principal, tal como existente no Processo Civil. As medidas cautelares, no processo penal, sujeitam-se a procedimento distinto exclusivamente quando disserem respeito s medidas assecuratrias que visam a resguardar a satisfao do dano emergente da prtica de uma infrao penal. No que tange priso, no. Elas resultam, ento, de mera atividade administrativa.

Aps um breve escoro introdutrio sobre as prises processuais,

ratificando a

natureza cautelar e excepcional das prises sem pena, passemos, neste momento, a um estudo superficial de cada tipo de priso provisria.

4.3.1 Priso em flagrante delito

Etimologicamente, o termo flagrante vem do latim flagrare, que significa aquilo que est queimando, ardendo. No meio jurdico, o flagrante refere-se quele crime [...] que est sendo cometido ou acabou de s-lo. (CAPEZ, 1.998, p. 215).

O Diploma Adjetiva Penal, em seu Captulo II, Ttulo IX, artigos 301 a 310, traz as disposies gerais acerca da priso em flagrante. Esta modalidade de priso cautelar baseia-se, em regra, na imediatidade entre a prtica da conduta delituosa pelo agente e a resposta repressiva estatal.9

necessidade da priso, jamais ser fruto de ilaes ou criaes fantasmagricas; Ordem de habeas corpus concedida. 9 Admite-se, tambm, conforme dispes o artigo 301 do Cdigo de Processo Penal, que qualquer do povo, vislumbrando uma situao delituosa, prenda o agente em flagrante.

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A priso flagrancial a nica, no ordenamento jurdico ptrio, que ser realizada sem uma prvia autorizao judicial. Deveras, por questo lgica, a relao de proximidade entre a infrao penal e a priso do agente impede a exigncia de prvia autorizao judicial para a efetuao da priso.

No que tange a sua funo, sob uma tica garantista, pondera Gerber (2.003, p. 110):[...] a priso em flagrante, em nosso entendimento, serve, exclusivamente, para proteger o bem material frente ao ataque sofrido e fornecer (apreender) ao processo meios de prova sem, contudo, comprometer-se com o resguardo do mesmo [...].

Ainda, questo polmica envolvendo a priso em tela diz respeito s situaes flagranciais taxadas no artigo 302, incisos I a IV10, do Cdigo Processual Penal. Isso porque no raras vezes h confuso no que tange ocorrncia ou no do estado flagrancial. Se negativo, a priso eivada de vcio formal, passvel de relaxamento.11

4.3.2 Priso preventiva stricto sensu

Diz-se priso preventiva em sentido estrito porque, em sua essncia, toda priso processual preventiva. Ocorre que o legislador ptrio optou pelo nomen iuris priso preventiva para designar especificamente [...] a priso processual, decretada para garantir a ordem pblica, a ordem econmica, por necessidade da instruo criminal e para segurana da aplicao da pena. (FILHO, 1.995, p. 242/243).

CPP, Art. 302: Considera-se em flagrante delito quem: I est cometendo a infrao penal; II acaba de comet-la; III perseguido, logo aps, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situao que faa presumir ser autor da infao; IV encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papis que faam presumir ser ele o autor da infrao.11

10

CF/88, art. 5, inc. LXV: a priso i legal ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciria.

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Tal espcie de priso cautelar tratada pelo Diploma Processual Penal nos artigos 311 a 316. Em termos gerais, a priso preventiva, por ser medida revestida de cautelaridade, tambm necessita da demonstrao dos requisitos fumus boni iuris e periculum in mora (periculum libertatis).12

Sem

prejuzo

da

necessidade13

de

observncia

do

binmio

necessidade/fundamentao

para sua decretao, a priso preventiva requer,

tambm, a co-existncia de dois pressupostos bsicos. Nos termos legais, a priso preventiva s pode ser decretada quando houver prova da existncia do crime e indcios suficientes de autoria. (MIRABATE, 2.003, p. 799).

Embora no se possa decretar a priso preventiva sem a observncia dos pressupostos acima referidos, estes no bastam para aperfeioamento da custdia preventiva. de rigor a presena de algum dos requisitos (tambm chamado de fundamentos, motivos, hipteses ou circunstncias autorizadoras) constantes no artigo 312 do CPP, a saber: a) garantia da ordem pblica; b) garantia da ordem econmica; c) assegurar a aplicao da lei penal; d) convenincia da instruo criminal.

Ainda, questo relevante a possibilidade de revogao da priso preventiva, precipuamente quando no mais subsistir motivos ensejadores da custdia cautelar, conforme disposto no art. 316, CPP. Outrossim, a existncia de causa excludente de ilicitude14 impede a prpria decretao da preventiva (art. 314, CPP).

12 13

A jurisprudncia ptria pauta-se nesta lgica: RT 770/511; RT 765/720; RJDTACRIM 37/471. Neste sentido: STJ: A priso preventiva, instituto de exceo, aplica-se parcimoniosamente. Urge, ademais, a demonstrao da necessidade. No basta a comoo social; no suficiente o modo de execuo; insuficientes as condies e circunstncias pessoais. Imprescindvel um fato gerar a necessidade (RT 726/605). No que se refere necessidade de fundamentao: RT 750/572; RT 652/278; RJTJERGS 185/78; RDJ 11/358; JCAT 80/486, dentre outros. 14 No que se refere excludente de culpabilidade, boa parte da doutrina se silencia. Porm, o razovel se fazer uma interpretao extensiva do art. 314, CPP, estendendo a proibio da decretao da preventiva tambm aos casos de dirimentes. Isso se justifica pelo fato de que, havendo excluso do delito, tanto por uma causa justificante quanto por uma causa dirimente, o ru certamente ser absolvido ao final do processo, conforme combinao auferida dos artigos 386, V, e 411, ambos do CPP.

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4.3.3 Priso temporria

Trata-se de modalidade de priso processual consistente na privao da liberdade de locomoo do indivduo para fins de investigao criminal de crimes graves.

Em substituio antiga priso para averiguao, abolida pela Carta Magna liberal de 1988, a Lei n. 7.960/89 instituiu a denominada priso temporria, especialmente utilizada na fase inquisitiva quando presente alguma das hipteses do art. 1 da referida lei.15

Por se tratar de priso processual, antecedente condenao penal transitada em julgado, mister que o encarceramento temporrio tenha carter de excepcionalidade, s se justificando quando houver [...] imprescindibilidade da medida para as investigaes do inqurito policial; indiciado no tem residncia fixa ou no fornece dados necessrios ao esclarecimento de sua identidade [...] (CAPEZ, 1.998, p. 228), alm da hiptese de haver fundadas razes da autoria ou participao do imputado em algum dos crimes previstos no art. 1, inc III, da Lei da Priso Temporria.

4.3.4 Priso decorrente de sentena condenatria recorrvel

Ainda na seara das prises processuais, encontramos a polmica e controvertida priso decorrente de sentena penal recorrvel. Em termos simples, trata-se de priso cautelar decretada por autoridade judiciria, por ocasio de uma sentena penal condenatria, ao final da instruo criminal, desde que presente o binmio necessidade/fundamentao.

15

No que tange aplicao dos requisitos da priso temporria, vislumbra-se enorme divergncia doutrinria e jurisprudencial. Para alguns, os requisitos so alternativos, bastando um deles para se decretar a custdia cautelar. Para outros, os requisitos so cumulativos. H ainda quem sustente que para se decretar a priso temporria devem estar presentes os requisitos ensejadores da custdia preventiva. Por derradeiro, parte da doutrina entende que basta a existncia de algum dos requisitos elencados pela lei, em seu art. 1, com a condio de que o crime praticado esteja includo no rol do inc. III do mesmo dispositivo.

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Segundo o artigo 393, inciso I do Cdigo de Processo Penal, efeito automtico da sentena penal recorrvel o recolhimento do ru priso ou a sua manuteno, quando j encarcerado, nas infraes inafianveis, como nas afianveis enquanto no prestada a fiana.

No mesmo sentido, corroborando com a premissa acima, o art. 594 da Carta Processual Penal prev a impossibilidade do ru apelar sem recolher-se priso, ou prestar fiana nos delitos afianveis, salvo se for primrio e de bons antecedentes.16

No mais, a questo polmica referente a esta modalidade de cautelar diz respeito justamente constitucionalidade do art. 594, CPP, que, inclusive, foi objeto de smula do Superior Tribunal de Justia, conforme se ver mais a frente.

4.3.5 Priso decorrente de deciso de pronncia

Regulamentada pelo artigo 408, 1 do CPP, a priso decorrente de deciso de pronncia d-se em sede de crimes dolosos contra a vida, cuja competncia atribuise ao Tribunal do Jri. Trata-se de efeito jurdico-processual que decorre, ordinariamente, da sentena de pronncia.17

A sentena de pronncia a deciso do juiz que remete o julgamento dos crimes dolosos contra a vida para a incumbncia do Jri Popular. Trata-se de um juzo de admissibilidade da acusao do ru.

Ademais, como toda e qualquer custdia provisria, para que a sentena de pronncia tenha o condo de determinar o recolhimento ou mantena do ru priso, necessria a aferio do binmio necessidade/fundamentao, premissas indispensveis em toda e qualquer execuo provisria antecipada da pena.

16

Insta salientar que, alm da primariedade e bons antecedentes do agente, para que este possa apelar em liberdade, imperiosa a inexistncia de fundamentos ensejadores de sua custdia preventiva. 17 Vide JSTF 166/278.

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5 PRISO PROCESSUAL E PRINCPIO DA NO-CULPABILIDADE: ESTUDO LUZ DA PONDERAO DE VALORES CONSTITUCIONAIS

5.1 NOES GERAIS SOBRE PONDERAO

Em sentido amplo, ponderar significa examinar com ateno e mincia; pesar; (Miniaurlio, 2.000, p. 544). Segundo Barcellos (2.003, p. 55), a ponderao pode ser descrita como [...] uma tcnica de deciso prpria para casos difceis (do ingls hard cases), em relao aos quais o raciocnio tradicional da subsuno no adequado.

No aspecto jurdico, o vocbulo ponderao atina-se queles casos em que o julgador, diante um conflito de direitos de mesma hierarquia (geralmente constitucional), deve valer-se de regras de interpretao normativa, sopesando os valores intrnsecos nas normas litigiosas.

Nessa esteira, ainda citando Barcellos (2.003, p. 57):[...] O propsito da ponderao solucionar esses conflitos normativos da maneira menos traumtica para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposio continuem a conviver, sem a negao de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes. A ponderao tambm se presta a organizar o raciocnio e a argumentao diante de situaes nas quais, a despeito do esforo do intrprete, haver inevitavelmente uma ruptura do sistema e disposies normativas vlidas tero sua aplicao negadas em casos especficos.

Conforme o exposto, tem-se que a ponderao de valores poder e dever ser aplicada nos casos em que, ainda que de forma aparente, haja conflito entre normas e/ou princpios de mesma hierarquia, buscando, desta forma, uma soluo adequada questo, que se coadune com o sistema normativo constitucional de determinado Estado.

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5.2 CONSTITUCIONALISMO MODERNO E PS-POSITIVISMO

O moderno constitucionalismo passa por avanos vertiginosos. Ultrapassado o perodo do jusnaturalismo, que se fundava na existncia de direitos inerentes ao ser humano, independente de legislao, bem como o perodo do positivismo jurdico, que primava pelas normas postas pelo Estado, passa-se a se falar em pspositivismo, referindo-se a normatizao constitucional daqueles princpios

jusnaturalistas.

Na medida em que nossa Carta Maior passa a positivar os princpios bsicos reguladoras da vida em sociedade, dando-lhes status de verdadeiras normas jurdicas, nosso ordenamento jurdico passa a conviver, hodiernamente, com conflitos de direitos e interesses fundamentais, restando ao operador do direito a rdua tarefa de solucion-los.

Discorrendo sobre o tema, bem salienta Barroso (2.004, p. 349/350):

A superao histrica do jusnaturalismo e o fracasso poltico do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexes acerca do Direito, sua funo social e sua interpretao. O ps-positivismo a designao provisria e genrica de um iderio difuso, no qual se incluem a definio das relaes entre valores, princpios e regras, aspectos da chamada nova hermenutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana.

neste contexto de ps-positivismo e constitucionalismo moderno que se insere o presente trabalho, dando nfase dialtica entre a possibilidade de se decretar priso provisria, que visa, na maioria das vezes, a preservao da paz social e da ordem pblica, e o princpio do estado de inocncia, ambos consagrados normativamente por nossa Constituio Poltica de 1.988.

5.3 PRISES PROVISRIAS EM FACE DO PRINCPIO DA PRESUNO DE INOCNCIA: CONSTITUCIONALIDADE E PONDERAO DE VALORES

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Como dito alhures, a Constituio Federal de 1.988, embasada no moderno constitucionalismo ps-positivista, normatizou, explicitamente, dentre o rol dos direitos e garantias fundamentais, mais especificamente em seu artigo 5, inciso LVII, o princpio da presuno de inocncia (ou da no-culpabilidade).

Diante disso, fervorosos debates afloresceram na doutrina e jurisprudncia ptria acerca dos reflexos oriundos desta adeso constitucional ao postulado da noculpabilidade, em especial no que tange constitucionalidade das prises cautelares.

Passado um certo tempo, foi-se cristalizando o entendimento de que a decretao das prises acautelatrias no ofende o postulado do estado de inocncia, eis que a possibilidade de se decretar a custdia cautelar tambm encontra amparo constitucional (artigo 5, incisos LXI e LXVI, CF/88), estando no mesmo patamar hierrquico do axioma da no-culpabiliade, alm do que s pode haver priso processual excepcionalmente, desde que a autoridade judiciria competente fundamente a necessidade desta medida provisria.

No entanto, questo tormentosa que subsistia dentre os juristas ptrios dizia respeito constitucionalidade da regra estabelecida pelo artigo 594 da Carta Processual Penal18, a saber: O ru no poder apelar sem recolher-se priso, ou prestar fiana, salvo se for primrio e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentena condenatria, ou condenado por crime de que se livre solto.

Sobre tal problemtica, bem ponderou Mirabete (2.003, p. 1.494):Diante do art. 5 da Constituio Federal de 1988, que prev no inciso LVII que ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado da sentena condenatria, e do inciso LXVI, que diz que ningum ser levado priso ou nela mantido, quando a lei admitira a liberdade provisria, com ou sem fiana, chegou-se a defender a tese de que o juiz no poderia mais determinar a priso seno quando a sentena transitasse em julgado, ou ao menos que seria necessrio para o recolhimento priso uma deciso18

Sobre a constitucionalidade do art. 594, CPP: RT 777/583; RT 775/520; RT 771/513; RT 756/489; RT 755/552; JSTF 232/257; JSTF 209/278-9; JSTF 171/356; RT 728/476; RT 753/611; RT 652/319; RT 686/391; RSTJ 115/504, dente outros. Contra: vide RJTACRIM 45/348; RJDTACRIM 4/156; RT 645/296; RJDTACRIM 38/358; RT 737/697; JTAERGS 75/110, dentre outros.

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fundamentada. Entretanto, a ordem de recolher-se o ru priso para possibilitar o processamento do recurso no significa considera-lo culpado antes do trnsito em julgado da sentena penal condenatria.

No mesmo sentido, afirmou Nucci (2.006, p. 954):No fere o princpio da presuno de inocncia estabelecer como regra o recolhimento priso para poder recorrer, desde que a lei indique, por meio de requisitos objetivos ou subjetivos, a necessidade do recolhimento cautelar.

Os prprios constitucionalistas, a exemplo de Alexandre de Moraes (2.002, p. 386), j manifestaram-se quanto validade (em sentido amplo) das prises cautelares19, a saber:A consagrao do princpio da inocncia, porm, no afasta a constitucionalidade das espcies de prises provisrias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudncia, por considerar a legitimidade jurdico-constitucional da priso cautelar, que, no obstante a presuno jris tantum de no-culpabilidade dos rus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Dessa forma, permanecem vlidas as prises temporrias, preventivas, por pronncia e por sentenas condenatrias sem trnsito em julgado.

Por ocasio do embate suso mencionado, foi editada pelo Superior Tribunal de Justia a smula 09, estabelecendo o quanto segue: A exigncia da priso provisria, para apelar, no ofende a garantia constitucional da presuno de inocncia.

Malgrado a discusso tenha se pautado precipuamente em torno do art. 594 do CPP, afeto priso decorrente de sentena penal condenatria, espcie de priso processual, o reconhecimento de sua constitucionalidade serve tambm como fundamento para toda e qualquer espcie de priso provisria, eis que se fundam no mesmo carter de excepcionalidade.

Pelo exposto, vislumbra-se que a doutrina e jurisprudncia brasileira, de forma preponderante, sempre defenderam a constitucionalidade das prises provisrias em face do Princpio da Presuno de Inocncia, utilizando como fundamentos: a)

19

Vide tambm STF, HC n 72.366-SP, Rel. Min. Nri da Silveira, sesso de 13-9-1995.

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mesma hierarquia entre as regras conflitantes; b) excepcionalidade das prises cautelares.

Embora no discordemos das premissas acima defendidas, a constitucionalidade das prises processuais em face do postulado da inocncia pode ser embasada tambm sob a tica da ponderao de valores constitucionais, haja vista que esta nova regra de hermenutica constitucional legitima a tese de validade das prises provisrias, mxime por ter como seu suporte a prpria Constituio Federal.

Nesse diapaso, assevera Lus Roberto Barroso (2.004, p. 330):

A denominada ponderao de valores ou ponderao de interesses a tcnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princpios contrapostos. Como no existe um critrio abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, vista do caso concreto, fazer concesses recprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejvel, sacrificando o mnimo de cada um dos princpios ou direitos fundamentais em oposio.

Assim, perfeitamente aplicvel a ponderao de valores constitucionais ao caso em testilha, eis que estamos diante do conflito entre o princpio/direito/interesse constitucional do ru de ser considerado inocente at o trnsito em julgado da sentena penal condenatria e os princpios/interesses/normas referentes paz social, segurana pblica, e, por que no, dignidade da pessoa humana.

Em sede de conflitos de princpios fundamentais, como o presente, salienta Barroso (2.004, p. 357):[...] o intrprete no pode simplesmente optar por uma norma e desprezar outra em tese tambm aplicvel, como se houvesse hierarquia entre elas. Como conseqncia, a interpretao constitucional viu-se na contingncia de desenvolver tcnicas capazes de lidar com o fato de que a Constituio um documento dialtico que tutela valores e interesses potencialmente conflitantes e que os princpios nela consagrados frequentemente entram em rota de coliso.

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Veja-se que, ao contrrio do que pensa boa parte da doutrina, a liberdade do ru no pode preponderar quando em conflito com todo e qualquer outro valor constitucional. No. Na verdade, havendo possibilidade do ru colocar em risco bens jurdico-constitucionais relevantes, tais como a segurana pblica e a dignidade da pessoa humana (tambm na acepo da vtima do delito), de rigor manter-se a custdia cautelar, valendo-se o julgador da ponderao de valores constitucionais.

Tal regra de ponderao de valores coaduna-se com a prpria caracterstica de limitabilidade dos direitos fundamentais, conforme ensinamentos de Canotilho e Vital Moreira (1.991, p. 134):[...] a restrio de direitos fundamentais implica necessariamente em uma relao de conciliao com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderao ou de concordncia prtica dos direitos ou interesses em conflito. No se pode falar em restrio de um determinado direito fundamental em abstrato, fora da sua relao com um concreto direito fundamental ou interesse fundamental diverso.

Pelo exposto, constata-se a efetiva possibilidade de aplicao desta inovadora regra de hermenutica constitucional ao axioma da inocncia, objeto deste trabalho. Ora, se certo que se devem conciliar os postulados constitucionais, de rigor o reconhecimento acerca da constitucionalidade das prises provisrias, desde que, logicamente, reflita seu carter de excepcionalidade, fundada em necessidade e fundamentao.

A despeito do tratado, oportuno transcrever a seguinte ementa (JTJ 232/361):TJSP: Priso preventiva Decretao Ru primrio, sem antecedentes, com residncia certa e ocupao lcita Irrelevncia Prtica de delito gravssimo, violento e nitidamente comprometedor da paz pblica Constrangimento ilegal inocorrente Ordem denegada.

Aufere-se do julgado em apreo que fora nitidamente observada a regra da ponderao de valores, uma vez que o direito presuno de inocncia do ru foi, em tese, afastado, privilegiando-se outro interesse fundamental, qual seja, a paz pblica. Ao contrrio do que muitos poderiam dizer, o julgador em tela no prescindiu da interpretao constitucional. Ao contrrio, ele justamente embasou seu 103

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julgado em outros valores insculpidos na Carta Magna, a exemplo da segurana e paz pblica.

Corroborando com tal entendimento, Tourinho (2.001, p. 479) salienta que, embora a priso cautelar possa ser injusta ao ru, por outro lado, em determinadas hipteses, a Justia Penal correria um risco muito grande deixando o indigitado autor do crime em liberdade.

Na verdade, a ponderao de valores nada mais do que a aplicao efetiva e concreta dos princpios da proporcionalidade e razoabilidade, cotejada com uma interpretao sistemtica (ou unitria) da Carta Magna do Estado. Alis, a despeito deste ltimo, assim manifestou o Tribunal Constitucional Federal alemo (BVerfGV, 19, 206):O princpio mais importante de interpretao o da unidade da Constituio enquanto unidade de um conjunto com sentido teleolgico-lgico, j que a essncia da Constituio consiste em ser uma ordem unitria da vida poltica e social da comunidade estatal.

Contextualizando os institutos, certo que os conflitos existentes entre estado de inocncia e priso cautelar dever-se- pautar-se sob o manto da ponderao de valores, uma vez que esta tcnica a que, a priori, melhor atende os ditames constitucionais, haja vista a exegese da Constituio como um todo,

sistematicamente, no privilegiando somente um interesse fundamental em detrimento de outro, qui em detrimento de outros.

5.4 QUESTES AFINS O DIREITO PENAL DO INIMIGO

Nos tempos modernos, o tema afeto possibilidade de mitigao das garantias constitucionais do ru, em sede de processo penal, ganha novos contornos. A possibilidade de mitigar os direitos constitucionais do ru no se exaure na simples atenuao do princpio do estado de inocncia. Para alguns, ao contrrio, embriona um novo Direito Penal.

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H tempos discutida, mas somente assim rotulada em 1985 pelo jurista alemo Gunther Jakobs, a teoria do Direito Penal do Inimigo comea a ser alvo de crticas e discusses pelos mais renomados juristas ptrios e estrangeiros. No contexto da implantao de polticas pblicas e combate criminalidade, o tambm denominado Direito Penal de Terceira Velocidade vem sacudindo a doutrina, ganhando adeptos, mas tambm fervorosos rebatedores de tal idia.

Em termos singelos, esta novel rotulao doutrinria prope a coexistncia de dois direitos penais, quais sejam, um direito penal do cidado, recheado de garantias e sustentado por princpios constitucionais; e um direito penal do inimigo, destinado queles que no se aderem ao sistema estatal, ficando margem da sociedade. Estes so considerados verdadeiros inimigos do Estado, no merecedores de proteo por parte deste, uma vez que transgrediram o contrato social existente entre a sociedade e o Leviat.

Neste diapaso, entram em cena os to rduos defensores dos direitos humanos, repugnando tal teoria e pugnando pela observncia das garantias processuais penais, com um discurso amoldado reduo das penas e humanizao de sua execuo. Por outro lado, diante das rotineiras imagens de violncia pelo mundo afora e da banalizao do crime como fenmeno social, vozes soam, ao encontro do direito penal do inimigo, pela radicalizao do sistema penal.

Neste meio, os direitos e princpios constitucionais comeam a ganhar novas interpretaes e destinatrios. Rompe-se com a pseudo-idia de que o constitucionalismo voltado estritamente aos delinqentes e infratores. Passa-se a se falar num direito penal da sociedade.

A prpria evoluo histrica dos direitos fundamentais nos mostra quebras de paradigmas. Seno vejamos. Na denominada primeira gerao de direitos, preconizava-se por um comportamento de absteno do Estado, a fim de que este no interferisse nas relaes sociais. Com o passar do tempo, adveio a segunda gerao de direitos humanos, pugnando, outrora, por uma atividade prestacional do

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Poder Pblico, a fim de que se efetivasse, mediante um comportamento positivo, os direitos e garantias substanciais.

Como se sabe, a Histria cclica, recheada de exemplos em que se privilegiou demasiadamente determinados interesses e valores em detrimento de outros no menos importantes, fator decisivo e marcante nas revolues e mudanas drsticas ocorridas ao longo da era humana.

neste supedneo que entra em cerne os conflitos entre direitos constitucionais do ru e direitos no menos constitucionais da sociedade, e, por que no, da vtima. De um lado o autor do delito recheado de inviolabilidades. De outro, a dignidade da pessoa humana da vtima e a segurana pblica em choque, sem proteo.

Conforme o preciso esclio de Lus Roberto Barroso (in BARCELLOS, 2.003, p. 43):Alm dos princpios tradicionais como Estado de direito democrtico, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a consolidao do princpio da razoabilidade e o desenvolvimento do princpio da dignidade da pessoa humana.

No se deve confundir a segurana pblica posta em risco por um delito com o clamor pblico instado pela prtica de um crime brbaro e sensacionalizado pela mdia. O primeiro fator determinante para que se pondere (neste caso, mitigue) o direito liberdade do ru, mediante a priso cautelar. J o segundo no fundamento vlido criao de normas penais emotivas, de efeitos momentneos, geradores do processo penal de emergncia, assim sabiamente denominado por Choukr.

Em suma, sabe-se que a tarefa que compete ao processo penal tortuosa, eis que deve atender tanto ao interesse social quanto ao interesse individual [...] (Gerber, 2.003, p. 39). Assim, na ponderao de valores que teremos o equilbrio razovel e socialmente desejvel. Isso para que no voltemos s barbries da Idade Medieval, e nem cheguemos ao pice da insegurana pblica.

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6 CONCLUSO

No ser to cedo que se pacificar a controvrsia existente acerca da constitucionalidade das prises cautelares em face do princpio do estado de inocncia. Muito embora o assunto esteja parcialmente resolvido por meio da smula 09 do STJ, controvrsias e debates subsistem a respeito do tema, seja em sede doutrinria, seja em sede jurisprudencial.

A problemtica aqui tratada abarca, inclusive, a divergncia tangente prpria finalidade do processo penal, ao passo que pode ser considerado tanto um freio aos tentculos arbitrrios do Estado, como um meio para se exercer o jus puniendi. Pela primeira concepo, a presuno de inocncia seria o epicentro do processo penal, enquanto que para a segunda viso, sua relatividade inerente ao sistema.

Conforme explanado, a soluo de tal embate no deve pautar-se estritamente sobre os critrios da paridade hierrquica entre os princpios e do carter excepcional da medida cautelar. A nova soluo proposta baseada na tcnica de ponderao de valores, no qual, sem excluir os fundamentos j comumente nos fornecido, pretende-se sopesar, no caso concreto, os interesses em jogo, privilegiando aquele que mais se coadunar com a razoabilidade e proporcionalidade. Isso porque, ultrapassada a soluo subsuntiva20 dos conflitos entre princpios e regras constitucionais, em que o resultado do duelo era tido por uma simples regra de silogismo (premissa maior premissa menor concluso subsuntiva), passa-se, agora, a se pensar num novo modelo de hermenutica constitucional, baseado no sistema da ponderao de valores constitucionais, tendo em vista a constante dialtica existente em nossa Carta Poltica.

Muito embora o princpio, ou, como queira alguns, a regra da ponderao de valores no tenha ainda encontrado um padro razovel em objetividade, trata-se de idia vanguardista, que poder, e muito, nos ajudar na soluo dos conflitos entre20

Sbias as palavras de Amilton Bueno de Carvalho (1996, p. 39) ao dizer que a aplicao silogstica da lei, como ensinada nas faculdades, nada mais do que uma forma de aprisionar o Juiz, tirando-lhe a fora criadora.

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princpios e normas constitucionais, tal como acontece entre a presuno de inocncia e a decretao de prises provisrias.

De uma forma ou de outra, no podemos negar que a possibilidade de priso processual permite uma mitigao do estado de inocncia do ru. Ocorre, pois, uma simples ponderao de valores. Alis, referindo-se, com maestria, questo da mitigao de garantias constitucionais do ru no processo penal, assevera Snchez (2002, p. 151):

Tratando-se de reaes ajustadas ao estritamente necessrio para fazer frente a fenmenos excepcionalmente graves, que possam justificar-se em termos de proporcionalidade e que no ofeream perigo de contaminao do Direito penal da normalidade, seria certamente o caso de admitir que, mesmo considerando o Direito Penal da terceira velocidade um mal, este se configura como o mal menor.

O processo penal de emergncia no o meio hbil para sanar as mazelas sociais. A sociedade reclama por mudanas no paradigma garantista penal. Escoa-se, pois, a necessidade de uma melhor anlise do tema, precipuamente luz da ponderao de valores constitucionais, para que no voltemos s barbries da Idade Medieval, e nem cheguemos ao pice da insegurana pblica.

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